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SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA Um olhar fenomenológico SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: Um olhar fenomenológico JOSÉ CARLOS HENRIQUES JOSÉ CARLOS HENRIQUES

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Page 1: Para Dufrenne, uma fenomenolo- JOSÉ CARLOS HENRIQUES

SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICAUm olhar fenomenológico

SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: Um olhar fenomenológico

JOSÉ CARLOS HENRIQUES

JOSÉ CARLOS HENRIQUES

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ISBN: 978-85-8425-004-2

Para Dufrenne, uma fenomenolo-gia da experiência estética deve se desenvolver em três momentos – a descrição, a análise transcendental e a tentativa de resgatar seu senti-do ontológico. No terceiro capítulo, aparecerão os passos dados por ele para o cumprimento da tarefa de compreender os dois primeiros momentos: descrição e análise tran-scendental da experiência estética. A terceira tarefa, o resgate da signi� -cação ontológica, aqui já aparecerá anunciada. De fato, o sentimento, ponto culminante da experiência estética, aparecerá como instância capaz de apontar para ela um senti-do que deve ser encontrado aquém da cisão entre sujeito e objeto, tor-nando possível, precisamente por isto, o encontro, o pacto veri� cado entre os dois.

O principal objetivo deste trabalho é seguir os passos que conduzi-ram Dufrenne, sobretudo em sua obra-prima Phénoménologie de l’ex-périence esthétique, publicada em 1953, à conclusão de que a análise fenomenológica aponta, ao � nal, para uma signi� cação ontológica da experiência estética, direção de sentido que, segundo ele, deve ser resgatada.

JOSÉ CARLOS HENRIQUESDoutorando em Direito junto ao Programa de Pós-graduação da Uni-versidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Conceito CAPES 6). Mestre em direito, pela Univerdade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC- Campus de Juiz de Fora; Mestre em Filoso� a, pela Universidade Federal de Ouro Preto; Especializado em Direito Civil e Processo Civil. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito Con-selheiro Lafaiete (2004), graduação em Filoso� a pela Pontifícia Universi-dade Católica de Minas Gerais (1994), graduação em Teologia pelo Instituto de Teologia São José - Mariana-MG (1994) e Atualmente é professor Ad-junto I-A e Coordenador do Curso de Direito na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Itabirito - FUPAC; Coordenador do Grupo de Estudos em Filoso� a, Teoria do Direito e da Constituição, na Unipac-Itabirito. Tem experiência na área de Filoso� a, dedicando-se à pesquisa em Estética e Filoso� a da Arte, Ética e História da Filoso� a, bem como, na área do Direito Civil, Processual Civil e Con-stitucional, ocupa-se, atualmente, de estudos ligados à � loso� a e à teoria do direito, bem como dos fundamen-tos do direito constitucional.

O presente trabalho tem o mérito, na me-dida em que busca, através da obra de Duffrenne, uma fundamentação ontológica para a dimensão estética, de ter realçado e rechaçado esse absurdo. Pois tais vias de acesso à obra de arte apoiam-se no esquecimento, por vezes completo, do caráter formal do plano pictórico. Se um quadro é nervoso ou calmo, se uma música é alegre ou triste, isto se deve ao modo de tratamento dos elementos estéticos, o modo de combiná-los, en� m, à com-posição. Compor um quadro é reunir os elementos pictóricos num todo seguindo uma lei de organização diferente daquela que organiza o mundo, como horizonte de visibilidade ou complexo de utensílios. E a tela possui uma signi� cação própria independente, em maior ou menor grau, da temática tratada ou representada. Por isso, penso que a inadequação da perspectiva sociológica de abordagem da arte está menos na redução dos méritos do artista, do que em desconhecer totalmente qual é a essência de uma obra de arte, justa-mente, como objeto estético.

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Um olhar fenomenológico

José Carlos Henriques

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Copyright © 2014, D’ Plácido Editora.Copyright © 2014, José Carlos Henriques.

Editor ChefePlácido Arraes

Produtor EditorialTales Leon de Marco

Capa Tales Leon de Marco(Sobre imagem de Sxc.hu)

DiagramaçãoBárbara Rodrigues da Silva

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.

Catalogação na Publicação (CIP)Ficha catalográfica

Henriques, José Carlos.Sentido da Experiência Estética: Um olhar fenomenológico -- Belo Horizonte:

Editora D’Plácido, 2014.

BibliografiaISBN: 978-85-8425-004-2

1. Filosofia 2. Estética 3. Mikel Dufrenne I. Título II. Fenomenologia III. José Carlos Henriques

CDU349 CDD 342.2

Editora D’PlácidoAv. Brasil, 1843 , SavassiBelo Horizonte - MGTel.: 3261 2801CEP 30140-002

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“Pode-se dizer, pois, que a experiência estética é, ao mesmo tem-po, mais e menos que a experiência amorosa. Menos porque ela não

comporta a experiência, ao mesmo tempo, dolorosa e jovial do desejo e da união, já que ela não confere ao homem o poder que ele tem de se

transcender, doando-se. Mais porque, menos exigente, ela é mais facilmente satisfeita, pois é mais propensa à serenidade, já que

além da distância que se mantém do objeto ao sujeito, permanece no interior do fervor uma garantia de pureza.”

Mikel Dufrenne, Phénoménologie de l’expérience esthétique, p. 536.

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Para Marcela e Carla, meus bons motivos para viver e sorrir

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Sumário

Apresentação 13

Prefácio 15

1. Introdução 23

2. Mikel Dufrenne e a Interpretação Fenomenológica da Experiência Estética 27

2.1 O encontro com a fenomenologia francesa: Sartre e Merleau-Ponty 31

2.2 O diálogo com o pensamento de Immanuel Kant, Baruch Spinoza e Matin Heidegger 40

3. Releitura da Ideia de Intencionalidade, no Horizonte de uma Fenomenologia da Experiência Estética 49

3.1 - Preferência concedida à experiência do espectador: a transmutação da obra de arte em objeto estético 51

3.2 Elementos de inteligibilidade da experiência estética: obra de arte e objeto estético 57

3.2.1 - Obra de arte: legitimação pela tradição 57

3.2.2 - Objeto estético: consagração da obra de arte pelo espectador 59

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3.3 - A ideia de intencionalidade e a tentativa de superação do paradigma dicotômico: anúncio da hipótese ontológica 62

3.4 - Abertura ontológica de sentido a partir de uma fenomenologia da percepção 71

4. InterpretaçãoFenomenológica da Experiência Estética e Sua Culminância no Sentimento, Como Anúncio de Uma Significação Ontológica 77

4.1 - Primado da percepção e a tarefa de uma descrição fenomenológica da experiência estética 78

4.2 - Unidade real da percepção estética realizada em seus três momentos constitutivos 81

4.3 - Momento da presença: raiz corporal do sentido 83

4.4 - Momento da representação: papel mediador da imaginação 91

4.5 - Momento do sentimento: culminância da experiência estética e anúncio de sua significação ontológica 98

5. A Hipótese da Significação Ontológica Como Corolário de uma Crítica da Experiência Estética 113

5.1 - Do transcendental ao ontológico: a hipótese da significação ontológica no contexto da procura por uma anterioridade radical 114

5.2 - Os a priori da afetividade enquanto condição de possibilidade da experiência estética: para além do formalismo kantiano 117

5.3 - O lugar da hipótese ontológica na economia da obra de Dufrenne 124

5.4 - A hipótese ontológica na Phénoménologie: justificação antropológica e cosmológica da experiência estética 128

5.4.1 - Justificação antropológica da verdade estética 131

5.4.2 - Perspectiva metafísica 134

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5.5 - Nova direção dada à hipótese ontológica nos escritos posteriores à Phénoménologie: esboço de uma filosofia da Natureza 140

6. O Desafio de se Compreender o Sentido da Experiência Estética 145

Referências Bibliográficas. 151

Posfácio: Morrer é da arte 155

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Apresentação

O presente trabalho é uma versão adaptada de nossa dissertação de mestrado em estética e filosofia da arte apresentada ao Programa de Pós-Gra-duação, de mesmo nome, mantido pela Universidade Federal de Ouro Preto.

Tanto quanto possível, nos esforçamos para conservar o texto tal como lançado, seguindo o intento de compreendê-lo e veicular sua transmissão como um documento acadêmico, sua origem.

O tema da experiência estética, certamente, é um dos mais significativos de toda a filosofia da arte. E, para nós, há tempos, a via fenomenológica tem se mostrado fecunda para a compreensão da arte.

Eis porque, procuramos apresentar o caminho percorrido por Mikel Dufrenne, em sua obra-prima – Phénoménologie de l’expérience esthétique, em defesa da significação ontológica da experiência estética. Muito embora seja, entre nós, ainda, um autor a quem se deva dedicar maior atenção, Mikel Dufrenne desenvolveu intensa meditação sobre a arte e fez da estética o tema central de seu pensar, elevando o tema da experiência estética a exemplar e originária forma de experienciar o mundo. Enfim, assim procedendo, em muito contribuiu para descortinar o sentido da experiência estética, de um ponto de vista fenomenolo-gicamente fundado.

Como ponto de partida, após situar o pensamento do autor no contexto geral do movimento fenomenológico, investiga-se a releitura que este faz do conceito de intencionalidade, ponto de partida que lança nova luz sobre as relações que, na experiência, se travam entre sujeito e objeto.

Em seguida, apresenta-se a análise da percepção estética em seus três momentos constitutivos - presença, representação e sentimento -, descobrin-do-se este último como ponto culminante de toda a experiência estética e como anúncio hipotético de sua significação ontológica.

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Por fim, apresentam-se os argumentos que garantem a plausibilidade à hipótese ontológica, firmando-se a ideia de que esta não autorizaria a cons-trução de uma ontologia justificante.

Ao final, como abertura de horizontes investigativos, são descritos os desenvolvimentos posteriores da hipótese que, sempre mais, dire-cionaram o pensamento de Dufrenne rumo à tentativa de esboçar uma filosofia da Natureza.

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Prefácio

O que a arte nos dá a pensar? Embora a beleza não seja um conceito de onde poderíamos deduzir a validade dos nossos juízos estéticos, a arte não apresentaria o sentido filosófico que efetivamente possui se não constituísse, para a filosofia, um caminho quiçá incontornável para o pensamento do ser.

Assim a arte nos convida a pensar o liame originário traçado entre o homem e a natureza, enquanto é a própria experiência desse vínculo funda-mental. Nisso reside sua principal significação ontológica, na medida em que justamente ela explora - e a filosofia a segue nesta exploração - esta dimensão de mútua pertença entre espírito e matéria, homem e mundo, sujeito e objeto, conforme a perspectiva adotada, cuja essência é a sensibilidade. Através dela opera-se essa “consubstancialidade” de que José Carlos nos dá notícia, e que constitui uma verdadeira dimensão ontológica, como afirmamos, no sentido de absolutamente originária.

É sem dúvida nenhuma a esta dimensão ambígua - pois tanto pode ser abarcada a partir do olhar dualista de Sartre, cingido entre o “em si” e o “para si”, quanto pela visão monista – a que a filosofia de Dufrenne nos remete.

Sem sacrificar nenhuma das duas escolas ontológicas, pode-se buscar uma síntese ou saltar para uma terceira dimensão. O autor prefere segui-las, a cada vez, para delas extrair o mais possível de esclarecimento sobre o ser. Deste modo, Dufrenne pergunta, citado pelo texto de José Carlos, se não poderíamos, como Merleau-Ponty, sermos “poetas da origem” e, ao mesmo tempo, como Sartre, “artesãos da história”, assumindo esse estatuto ambíguo de um ser que “pertence à natureza” – por seu corpo- “e que natureza se quer dela separado”, por sua história e liberdade.

O autor soube realçar com firmeza e concisão, a partir daí, a origina-lidade da filosofia dufrenniana. Dialogando com os dois mais importantes

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nomes da filosofia da sua época, em França, ele não cede à tentação dos idó-latras e procura - ora bem sucedido, por vezes não -, seu caminho próprio na seara fenomenológica. Poderíamos mesmo falar, incitados pelo trabalho de José Carlos, de uma tensão dialética entre a imanência e a transcendência, imanência da natureza no homem, transcendência do homem que supera sua própria natureza num gesto de negação resoluta e afirma sua liberdade e sua imaginação – no que ela possui de desbravadora de possibilidades - no mundo. Dessa transcendência o gesto artístico, desde o primeiro desenho nas paredes de uma caverna até a mais elaborada sinfonia, é exemplar, sem dúvida.

Mas por outro lado, se a imanência não nos aprisiona, a transcendência não nos redime totalmente da facticidade, da facticidade do corpo, da história, da realidade, enfim. Por isso creio ser inadequado falar de erradicação a propó-sito da dicotomia sujeito-objeto. Eu diria que há entre essas duas dimensões, fenomenologicamente consideradas, com-fusão. Além do mais não penso que essa “erradicação” possa ser estendida a todo campo da experiência. Mesmo depois da epoché e da redução ainda permanece, no interior da consciência intencional reduzida, a dualidade da noesis e do noema, e mesmo tendo sido o objeto intencional reduzido à imanência da vivência, ele permanece oposto à vivência como o que é por ela visado. E, disse-o Husserl com frequência, objeto noemático é essencialmente dubitável, as vivências, não. Enquanto todo objeto se nos oferece através de uma série interminável de perfis possíveis, as vivências são um dado absoluto.

Talvez fosse melhor precisar aqui o termo experiência, evidentemente evitando-se as fáceis armadilhas do psicologismo assim como as do natura-lismo e do sociologismo. Nada há de mais errôneo, em se tratando da arte, do que considerá-la, por uma absurda redução, um documento de época ou expressão das idiossincrasias de um caráter genial.

O presente trabalho tem o mérito, na medida em que busca, através da obra de Duffrenne, uma fundamentação ontológica para a dimensão estética, de ter realçado e rechaçado esse absurdo. Pois tais vias de acesso à obra de arte apoiam-se no esquecimento, por vezes completo, do caráter formal do plano pictórico. Se um quadro é nervoso ou calmo, se uma música é alegre ou triste, isto se deve ao modo de tratamento dos elementos estéticos, o modo de combiná-los, enfim, à composição. Compor um quadro é reunir os elementos pictóricos num todo seguindo uma lei de organização diferente daquela que organiza o mundo, como horizonte de visibilidade ou complexo de utensílios. E a tela possui uma significação própria independente, em maior ou menor grau, da temática tratada ou representada. Por isso, penso que a inadequação da perspectiva sociológica de abordagem da arte está menos na redução dos méritos do artista, do que em desconhecer totalmente qual é a essência de uma obra de arte, justamente, como objeto estético.

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Se a experiência estética é a de um espectador, se ela é presença, repre-sentação e sentimento, ela é então fenômeno vivido na atualidade de um fluxo subjetivo a que chamamos vida. Por isso, a arte entra em nós, como bem salienta o autor, citando Duffrene, “a música nos ensina isto: no concerto estou perante a orquestra, mas estou dentro da sinfonia”. Kandinsky dizia: sem ressonância interior não há arte. Através da arte nós emprestamos nossa alma às coisas para que, nela vibrando, elas possam vir, na afetividade da vida e por ela, à luminosidade do ser a que as alienações cotidianas vedam o aces-so. Na pintura uma cor é uma qualidade sensível, na música um som é uma nota musical, no balé um movimento é um gesto que rompe a resistência do mundo e em toda arte, onde há liberação dos afetos, há gozo da vida, há expansão dos sentidos, há promessa de felicidade. Sim, a experiência estética aponta, de fato, para uma “fusão”.

Antes de enraizar-se nas determinações sociais ou na personalidade do artista, a arte enraíza-se na carnalidade, ou seja, na afetividade e sua essência universal. Por isso, posso também dizer que estou dentro da sinfonia e que a sinfonia está em mim, as duas expressões dizendo a mesma coisa porque, o que ela visa de fato, não pode ser expresso a não ser seguindo estas alterna-tivas duais que nos propõe a linguagem e das quais não podemos escapar. A desgraça da metafísica talvez resida aí, no fato de que o Ser, que não é nem pode ser conceito ou intuição, se diz – como afirmou o velho estagirita. O logos é, sobretudo e originariamente, palavra do ser.

Assim não julgo correto proceder através da via empírica afirmando que as obras de arte consagradas nos conduzirão à experiência estética, ainda que seja por economia, para evitar discussões inúteis sobre que coisas considerar como uma obra de arte (o mundo da arte não está nos museus, nas galerias de arte ou no gosto popular e sim na sensibilidade). Ninguém erraria hoje, em sã consciência, afirmando a genialidade de Bach ou de Da Vinci. No entanto, se há um a priori estético, ele está na própria sensibilidade, no que torna possível a percepção em geral, e estética em particular, e isto antecede o próprio exercício do gosto e sua tradição. Mais aprofundadamente, trata--se de elucidar as condições transcendentais de possibilidade do processo de constituição da obra de arte como objeto estético.

Ora é justamente a partir desta solicitação do aparecer originário e universal da experiência sensível, como aparecer, que começa a experiência estética cuja essência a abstração evidencia, desde que pensada não como um estilo particular, mas como essência de toda arte, mesmo figurativa. Mas a atitude contemplativa não é, a meu ver, suficiente para tornar esta percepção estética – no sentido em que se opõe à circunvisão e ao conceito.

Pode haver contemplação sem imaginação e é esta que constitui, pro-priamente falando, o objeto estético. O espaço pictórico, por exemplo, é

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distinto do plano da tela, substrato material da obra. Ele é imaginário, como são os volumes e mesmo as linhas. O que é percebido não é a tela plana, mas as vastidões vertiginosas do horizonte, e a profundidade do mundo percebido nada tem a ver com a representação pictórica. Nesse sentido po-demos dizer que a arte é obra de uma subjetividade criadora. Mas claro está que a imaginação não pode “vagabundear em torno do objeto presente”. Descreve melhor a imaginação em seu sentido estético essa ideia de que ela porta uma “transcendência que desloca o sujeito para as possibilidades do objeto”, pois sem este “mais além” do substrato material não há fenô-meno estético. Há muita diferença entre pintar uma pessoa triste e pintá-la tristemente. E essa tristeza depositada na tela, não no conteúdo figurado, somente a imaginação a despertará.

Assim, de fato, o fenômeno estético – refiro-me assim ao objeto estético -, consiste em ver mais do que o substrato material nos dá a ver. O frio da neve apenas vista da janela fechada, que se anuncia no branco, sem, no entanto, “se entregar”, como o azedo no limão apenas percebido, obriga-nos a pensar uma presença ao mesmo tempo abstrata, posto que as sensações de frio, no primeiro caso, e de azedo, no segundo, não estão presentes empiricamente falando (a casa de cuja janela observo pode estar aquecida), e real, posto que seja ainda assim aparência. E isto ocorre mais do que se o objeto fosse considerado de forma vulgar. Sob este modo ele me dá informações sobre o mundo. Neste caso não há a preocupação com uma percepção adequada. Em se tratando do objeto estético “não lhe é indiferente, como o objeto vulgar, se ele é bem ou mal percebido”.

Daí a composição, ou decomposição da experiência em três momentos fundamentais: presença, ou intuição imediata; representação, ou conversão do dado em inteligível; e sentimento, esse “imediato que superou a mediação”. Esta tríade, como é quase inevitável, faz recordar os momentos lógicos prin-cipais da dialética hegeliana. De todo modo, somos advertidos pelo autor de que se trata de uma decomposição, de uma análise. Por fim, de que não se trata de dialética porque está em causa um movimento sem telos e toda dialé-tica tende a uma síntese. “O sentimento é uma outra direção na qual pode se engajar a percepção: nós oscilamos da percepção ao sentimento segundo a espontaneidade da consciência, e sem que o movimento seja constrangi-do por uma necessidade dialética”. Assim, a espontaneidade da consciência significa, segundo José Carlos, “oscilação perpétua entre o irrefletido vivido da presença e o refletido concebido da representação e do sentimento”. Mas neste caso, pergunto: não retornaríamos ao “fundo originário de sentido”, ao sentido bruto de que falava Merleau-Ponty, ao sentido das coisas em estado nascente, como Cézanne diante da montanha de Saint Victoire? A este mo-mento em que a natureza, dada através das sensações, ainda não se constitui

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propriamente como objeto? À experiência do primeiro homem que abriu os olhos e viu, sem nenhum preconceito, o mundo?

Deste modo, da cisão analítica da percepção estética somos remetidos à síntese corporal que recompõe a unidade. “É pelo corpo que há unidade do objeto estético”. De fato, é por pertencerem ao ser sensível total que é meu corpo que as diversas sensações provindas dos diversos sentidos formam a coerência de um mundo sensível. “O corpo, afirma-se, é o sistema sempre já estabelecido de equivalências e transposições inter-sensoriais”. Mas, neste caso, não seria do lado do corpo que deveríamos buscar a unidade primor-dial? Qual a relação afinal, na constituição do mundo da experiência estética, entre corpo, natureza e ser? Um outro ponto que me inquieta diz respeito ao imaginário. Será mesmo que a imaginação não é necessária na percepção estética? O mesmo Dufrenne, descrevendo o amarelo de um quadro de Van Gogh, diz que ele, literalmente, “retumba como uma fanfarra” (p. 106). Não se ouve aí a fanfarra da imaginação?

Por outro lado, a profundidade do espaço natural nada tem a ver com a do espaço pictórico e é nesse sentido que o segundo é imaginário. Assim não há porque a percepção reprimir o imaginário. Ela não nos conduz para fora da dimensão estética, ela é sua essência. Dufrenne arma uma inextrincável confusão entre sentimento, representação e imaginação. A partir da afirmação de que o sentimento revela uma interioridade, o texto precisa que ele “atin-ge o dado para torná-lo interiormente visível”. É assim que o sentimento é dito ser “transcendência” porque ele nos abre, nos transporta, por assim dizer, nos retirando da nosso própria imanência, para o interior das coisas onde se revelam as qualidades sensíveis que as constituem.

Certo, depois de Kant, a passividade, a receptividade intuitiva, a doação do objeto do juízo de conhecimento, previamente, como fenômeno, como objeto de uma experiência possível, é necessária para fornecer ao entendi-mento, faculdade essencialmente formal, sua matéria, sem a qual não haveria conhecimento. O conhecimento é finito: necessita que seu objeto lhe seja dado por uma natureza cuja causa última não conhecemos. Conhecemos apenas a maneira como ela nos afeta. Mas, para Kant, a percepção sem o entendimento se reduz a um caos de sensações desconexas, ela não nos dá nenhum objeto propriamente falando. Creio que Duffrenne jamais livrou-se do kantismo que o faz fundamentar a arte na experiência estética - como Kant no sentimento da beleza -, pretendendo ao mesmo tempo conferir-lhe um valor de verdade, revelando, através do acordo das faculdades, o acordo metafísico entre o homem e o mundo. Esse sentimento em que se remata a percepção, afirma Dufrenne, “não é emoção, é conhecimento”.

Do mesmo modo, Dufrenne afirma que “ao abrir a interioridade do objeto o sentimento capta sua profundidade, isto é, deixa entrever que o mundo do

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objeto estético aponta para um fundo, a Natureza”. Primeiramente acredito tratar-se do sentimento experimentado diante de uma obra de arte e, portanto, de um objeto estético e não qualquer outro. Mas de que sentimento se trata? Do gozo da beleza? Ou da sensação relativa aos elementos hiléticos da per-cepção? Estas questões são relevantes para esclarecer também a natureza dessa interioridade. Se é a beleza, então seríamos remetidos à natureza, no sentido desse acordo misterioso entre o mundo das formas sensíveis e nossa constituição interior como sujeitos do conhecimento? Se são as sensações, como afirmar que elas abrem a interioridade do objeto se uma das características da noção de intencionalidade consiste justamente em projetar os dados hiléticos na estrutura noemática? Como podemos ver, as dificuldades são muitas.

Porque o sentimento é bem isso: o anunciar-se de um mundo ou “certo modo do sujeito se abrir ao objeto”. Mas ele não é como que uma qualidade acrescentada à representação do objeto, nem um entre os modos de exercício da intencionalidade. Ele é originariamente a substância deste contato mudo de mim com meu próprio ser que faz, de cada um de nós, um ego, um eu posso, porque ele é o modo como cada ato da sensibilidade afeta a si mesmo interiormente antes de ser afetado pelo que quer que seja. Ele é, sobretudo, como afetividade, um modo do ser encerrar-se em si mesmo, vindo assim a si, na vida que é a condição apriórica de toda abertura, alienação, distância, objetivação ou transcendência.

Pois as objetivações de toda ordem, cognitivas ou sensíveis, implicam primeiramente o projetar lá adiante, que é um projetar este “estar diante dele próprio”, o ser à distância, o próprio distanciamento considerado em e por si mesmo. É verdade que o autor nos adverte para o fato de que a objetivação tem um sentido antropológico e não ontológico. Mas creio que nesse caso voltamos a cair na confusão de origem heideggeriana entre ser e Dasein, mundo e existência. “O mundo deve estar aberto já ekstáticamente para que se possa confrontar entes dentro dele”, afirma Heidegger, indicando a precedência ontológica da abertura do mundo como horizonte de presença em relação ao próprio Dasein e suas possibilidades. Mas em outro momento afirma a essencialidade do Dasein em relação à revelação do ser. Desse modo, a resposta à pergunta acerca do papel que restaria ao homem nessa ontologia que apregoa uma manifestação do ser do sentido anterior ao objeto em que ele se manifesta e ao homem para quem ele se manifesta, fica sem saída. O que nos resta diante de tais impasses? “Talvez a última palavra seja que não há última palavra”. Mas, porque a palavra - o logos - não é justamente o fundamento último da revelação do ser, então não haveria última palavra, e a descrição do ser selvagem seria mesmo “uma ontologia impossível”?

Que o leitor faça, por si mesmo, a verificação do caráter veraz ou ilusório desse meu esboço de uma interpretação introdutória a esta

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obra, a cujo nascimento assisti, e que vem contribuir para uma bem sedimentada compreensão, entre nós, da experiência estética, de um ponto de vista fenomenológico.

Prof. Dr. José Luiz FurtadoUniversidade Federal de Ouro Preto

Departamento de Filosofia

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1Introdução

O principal objetivo deste trabalho é seguir os passos que conduziram Dufrenne, sobretudo em sua obra-prima Phénoménologie de l’expérience esthéti-que,1 publicada em 1953, à conclusão de que a análise fenomenológica aponta, ao final, para uma significação ontológica da experiência estética, direção de sentido que, segundo ele, deve ser resgatada.

Na tentativa de melhor compreender o horizonte filosófico no qual se move Dufrenne, no primeiro capítulo, seu pensamento será situado no contexto geral do movimento fenomenológico, além de serem apontados alguns de seus principais compromissos com a tradição filosófica ocidental. Ali serão apuradas as influências gerais que teriam contribuído para a ges-tação e o desenvolvimento do pensamento de Dufrenne, descobrindo-se a fenomenologia francesa, tal como pensada por Sartre e Merleau-Ponty, como sua moldura e principal referência.

Porque se trata de um pensamento construído sob os auspícios da tra-dição fenomenológica e porque um dos conceitos mais relevantes para esta tradição é o de intencionalidade, o segundo capítulo tentará dar conta dos novos contornos que este conceito teria assumido por Dufrenne, aparecendo então como fio condutor de seu grande desafio: construir um pensamento capaz de dizer algo sobre aquilo que antecede e funda o acordo essencial existente entre sujeito e objeto, acordo de que a experiência estética é cabal e exemplar testemunha. Neste capítulo, será defendida a ideia de que Dufrenne opera uma verdadeira releitura do conceito de intencionalidade repensando, a partir de um novo horizonte, as relações travadas entre sujeito e objeto, homem e mundo. Esta releitura, será dito, firma-se como ponto de apoio para a hipótese de uma significação ontológica. Além disto, será elucidada

1 Doravante, nas referências a esta obra, será usada uma forma abreviada: Phénoménologie.

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a distinção entre obra de arte e objeto estético, uma tese cara a Dufrenne e que se presta a mostrar aquilo que a experiência estética tem de peculiar.

Para Dufrenne, uma fenomenologia da experiência estética deve se desenvolver em três momentos – a descrição, a análise transcendental e a tentativa de resgatar seu sentido ontológico. No terceiro capítulo, aparecerão os passos dados por ele para o cumprimento da tarefa de compreender os dois primeiros momentos: descrição e análise transcendental da experiência estética. A terceira tarefa, o resgate da significação ontológica, aqui já aparecerá anunciada. De fato, o sentimento, ponto culminante da experiência estética, aparecerá como instância capaz de apontar para ela um sentido que deve ser encontrado aquém da cisão entre sujeito e objeto, tornando possível, preci-samente por isto, o encontro, o pacto verificado entre os dois.

Por fim, após percorrer os passos dados por Dufrenne até a análise trans-cendental, se verá como a crítica da experiência estética, pelo menos como hipótese, tende para uma ontologia que, no entanto se mostra impossível. Assim, outra alternativa não resta senão procurar para a hipótese ontológica uma justificação antropológica. Mas, como a perspectiva metafísica parece resistir, pelo menos como provocação, ou como uma abertura de horizontes, nasce a exigência de se esboçar uma filosofia da Natureza que, vencendo os limites do discurso fundado no logos e abrindo-se para o dizer poético, venha preencher o lugar vazio deixado pela ausência de uma ontologia, re-conhecidamente impossível. É no quarto e último capítulo que tais passos serão dados. Aqui se conhecerão as consequências da hipótese ontológica, os limites do discurso filosófico e a necessidade, ainda assim, de se elaborar uma filosofia da Natureza. Neste passo, será ensaiada uma direção interpretativa: a afirmação de que, nos escritos posteriores à Phénoménologie, há certa mudan-ça de rumo no pensamento de Dufrenne, muito embora nele permaneçam algumas importantes continuidades.

Algumas advertências são necessárias. A primeira: a obra de Dufrenne é relativamente vasta - contam-se mais de 15 livros e algumas dezenas de artigos importantes, muitas vezes extensos, publicados ao longo de mais de 40 anos de pesquisa filosófica. O presente trabalho elege como ponto de referência uma obra: a Phénoménologie de l’expérience esthétique. Contudo, considerando-se que os escritos posteriores a esta obra, em grande parte, propositadamente, retomam questões já ventiladas na Phénoménologie, a eles se recorrerá sempre que necessário: para esclarecer conceitos, acompanhando os desdobramentos de ideias já contidas na obra-prima ou, ainda, para verificar alguma nova direção alcançada pela filosofia de Dufrenne. Neste último caso, o passo será apenas indicativo. De fato, um trabalho apto a dar conta da passagem de uma ontologia impossível a uma esboçada filosofia da Natureza, que parece ser o movimento tentado por Dufrenne, exigiria um esforço desproporcional aos

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objetivos traçados para este trabalho permanecendo, contudo, como horizonte a ser futuramente explorado.

Segunda advertência: ao longo do texto, serão referenciados pensadores com os quais Dufrenne dialoga. Assim, em determinados contextos, aparecerão citações de Husserl, Heidegger, Sartre e, em maior medida, de Merleau-Ponty, dentre outros. Tais citações serão feitas nos limites da leitura que delas faz Dufrenne, isto é, não se apura a legitimidade daquela leitura, parte-se dela como fato. A apuração desta legitimidade, mais uma vez, extrapolaria nossos objetivos, podendo vir a ser tema de um trabalho posterior.

Terceira advertência: ao construir uma fenomenologia da experiência estética, Dufrenne o faz de forma geral, não se ocupando, pormenorizadamen-te, de uma ou outra forma de experiência suscitada por algum tipo especial de manifestação artística. Assim, sua argumentação é povoada por exemplos retirados tanto das artes por ele chamadas visuais (pintura, escultura) quanto das artes ditas da linguagem (literatura e, em especial, a poesia) ou, ainda, das artes ditas compósitas (teatro, dança). O discurso de Dufrenne, de algum modo, é imerso, isto é, constrói-se com os olhos voltados para as manifestações artísticas concretas, mas sem com isto se dedicar a alguma delas, com exclusão das demais. Enfim, muito embora em maior número apareçam referências à pintura, ao teatro e à literatura, a imersão no campo das artes não desvia o discurso de seu caminho: pensar a experiência estética como gênero. Deste modo, os exemplos incorporados ao texto, aqui e ali, têm um caráter ilustrativo, não representam incursões profundas na tentativa de compreender alguma espécie de experiência estética. É com este espírito que Dufrenne os invoca e, por isto, da mesma forma, aqui o seguimos.

Enfim, vale dizer que o pensamento de Dufrenne, tão diversificado e provocador, merece entre nós melhor sorte. Para tanto, por meio deste trabalho, embora com amplo reconhecimento de seus limites, almejamos colaborar, isto é: ele pode ser um primeiro convite.

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SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICAUm olhar fenomenológico

SENTIDO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: Um olhar fenomenológico

JOSÉ CARLOS HENRIQUES

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ISBN: 978-85-8425-004-2

Para Dufrenne, uma fenomenolo-gia da experiência estética deve se desenvolver em três momentos – a descrição, a análise transcendental e a tentativa de resgatar seu senti-do ontológico. No terceiro capítulo, aparecerão os passos dados por ele para o cumprimento da tarefa de compreender os dois primeiros momentos: descrição e análise tran-scendental da experiência estética. A terceira tarefa, o resgate da signi� -cação ontológica, aqui já aparecerá anunciada. De fato, o sentimento, ponto culminante da experiência estética, aparecerá como instância capaz de apontar para ela um senti-do que deve ser encontrado aquém da cisão entre sujeito e objeto, tor-nando possível, precisamente por isto, o encontro, o pacto veri� cado entre os dois.

O principal objetivo deste trabalho é seguir os passos que conduzi-ram Dufrenne, sobretudo em sua obra-prima Phénoménologie de l’ex-périence esthétique, publicada em 1953, à conclusão de que a análise fenomenológica aponta, ao � nal, para uma signi� cação ontológica da experiência estética, direção de sentido que, segundo ele, deve ser resgatada.

JOSÉ CARLOS HENRIQUESDoutorando em Direito junto ao Programa de Pós-graduação da Uni-versidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Conceito CAPES 6). Mestre em direito, pela Univerdade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC- Campus de Juiz de Fora; Mestre em Filoso� a, pela Universidade Federal de Ouro Preto; Especializado em Direito Civil e Processo Civil. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito Con-selheiro Lafaiete (2004), graduação em Filoso� a pela Pontifícia Universi-dade Católica de Minas Gerais (1994), graduação em Teologia pelo Instituto de Teologia São José - Mariana-MG (1994) e Atualmente é professor Ad-junto I-A e Coordenador do Curso de Direito na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Itabirito - FUPAC; Coordenador do Grupo de Estudos em Filoso� a, Teoria do Direito e da Constituição, na Unipac-Itabirito. Tem experiência na área de Filoso� a, dedicando-se à pesquisa em Estética e Filoso� a da Arte, Ética e História da Filoso� a, bem como, na área do Direito Civil, Processual Civil e Con-stitucional, ocupa-se, atualmente, de estudos ligados à � loso� a e à teoria do direito, bem como dos fundamen-tos do direito constitucional.

O presente trabalho tem o mérito, na me-dida em que busca, através da obra de Duffrenne, uma fundamentação ontológica para a dimensão estética, de ter realçado e rechaçado esse absurdo. Pois tais vias de acesso à obra de arte apoiam-se no esquecimento, por vezes completo, do caráter formal do plano pictórico. Se um quadro é nervoso ou calmo, se uma música é alegre ou triste, isto se deve ao modo de tratamento dos elementos estéticos, o modo de combiná-los, en� m, à com-posição. Compor um quadro é reunir os elementos pictóricos num todo seguindo uma lei de organização diferente daquela que organiza o mundo, como horizonte de visibilidade ou complexo de utensílios. E a tela possui uma signi� cação própria independente, em maior ou menor grau, da temática tratada ou representada. Por isso, penso que a inadequação da perspectiva sociológica de abordagem da arte está menos na redução dos méritos do artista, do que em desconhecer totalmente qual é a essência de uma obra de arte, justa-mente, como objeto estético.

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