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  • Walt Disneys Celebration City

    Reflexes sobre comunicao e cidade

    paulo celso da silva

  • Walt Disneys Celebration City

    Reflexes sobre comunicao e cidade

    paulo celso da silva

    1 Edio/2009

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Silva, Paulo Celso da.

    Walt Disneys Celebration City: refl exes sobre comuni-

    cao e cidade / Paulo Celso da Silva. - - Bauru, So Paulo:

    Canal 6, 2009.

    112 p. ; 21 cm.

    ISBN 978-85-7917-005-8

    1. Comunicao e cidade 2. Cidades informacionais 3.

    Celebration I. Silva, Paulo Celso da. II. Ttulo.

    CDD: 302.2

    S5867v

    Ilustrao da capa: Infopoema de E.M. de Melo e Castro

  • 16/7/71

    cidade como sculos um sculo atrs do outro. na frente do outro. o tempo

    se ultrapassa no espao do tempo. agora nunca mais, e nunca antes. agora

    jamais um sculo atrs do outro. na frente do outro. ao lado. um dia para-

    lelo ao outro. isso tudo um esquema muito chato enquanto a coisa anda: isso,

    que legal, do mesmo jeito que legal saber que isso tudo pulsa, de alguma

    maneira, no ponto misterioso do desenho. princpio, fim. total e nico. geral.

    cidades. ningum pode mais do que deus!

    NETO, Torquato Os ltimos dias de Paupria.Rio de Janeiro: Max Limonad, 2 edio, 1982, s.n.

    Triunfo incontestvel das cincias;

    o feiticeiro abandona a praa, de cabea baixa.

    SERRES, Michel Notcias do Mundo.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1999, p. 159

    ...Correm todos, creio, na regio que se estende a partir da outra face do

    espelho. Isto nos distingue dos nossos antepassados. Estamos interessados na re-

    gio atrs do espelho. Conosco comea uma nova poca. A dos espelhos virados.

    FLUSSER, Vilm Fices Filosficas So Paulo: EDUSP, 1998, p. 719

    O progresso uma doena confortvel.

    (e.e.cummings)

  • Agradecimentos

    Neide, Guilherme, Cssia mensageiros-participantes-(co)autores-

    poemas-poemeus.

    Prof. Dr. Carles Carreras i Verdaguer - mensageiro na Cidade Condal.

    Gilson Brizzacco - Miguel com seu exrcito sempre pronto.

    Prof. Armando Oliveira Lima dialtica mestre-discpulo. Guia e pedagogo.

    Prof. Acassil Jos de Oliveira Camargo Keroub!

    John-Paul-George-Ringo - fundo musical na aventura cotidiana.

    E.M. de Melo e Castro infopoema da cidade na capa.

    Querubim virou estrela, a nossa estrela, no cu!

    Agradecimento Especial

    PARA O PROF. DR. FRANCISCO CAPUANO SCARLATO

    Pela possibilidade que ofereceu de transformar o virtual neste real.

  • Dedicado

    Prof. Dr. Maria Lcia de Amorim Soares:

    feito Prometeu, o irmo de Atlas, iniciou uma geografia para mim.

    Como Hrcules, liberta-nos das correntes.

  • 11

    Sumrio

    Prefcio ............................................................................................................... 13

    Introduo ......................................................................................................... 17

    Captulo 1

    Onde estamos? .................................................................................................. 21

    Captulo 2

    O Espao ............................................................................................................ 27

    Captulo 3

    A Emoo ........................................................................................................... 31

    Captulo 4

    Mensageirias ...................................................................................................... 37

    Mensageiria 1 ................................................................................................ 38

    Mensageiria 2 ................................................................................................. 38

    Mensageiria 3 ................................................................................................. 39

    Mensageiria 4 ................................................................................................. 39

    Mensageiria 5 ................................................................................................ 40

    Mensageiria 6 ................................................................................................ 40

    Mensageiria 7 ................................................................................................. 40

    Captulo 5

    O virtual ............................................................................................................. 43

    5.1. A molecada doida do quarteiro ....................................................... 45

    5.2. Para que se preocupar com a Internet? ................................................. 50

  • 12

    Captulo 6

    As Cidades Informacionais ............................................................................... 59

    6.1. Hermes e as Redes ................................................................................... 60

    Captulo 7

    Esboo de Apreciaes em Celebration. Voc no tem que viver aqui

    para amar isto .................................................................................................... 81

    Captulo 8

    Fim da Viagem e uma Concluso .................................................................... 97

    Referncias ....................................................................................................... 105

  • 13

    Prefcio

    Este prefcio, que em realidade um pre-scriptum, no pretende apre-

    sentar o livro a quem inicia sua leitura, a no ser to somente coment-lo.

    E tomando a idia da comunicao verbal que inclui o verbo latino fari

    do qual deriva a palavra prefcio, quero comear agradecendo ao autor a

    oportunidade que me brinda. Sempre uma oportunidade, e uma opor-

    tunidade grande, para um velho professor deste antigo rinco do Mediter-

    rneo poder transmitir idias, pensamentos e sentimentos com o jovem

    hemisfrio Latino-americano, com o dinmico continente brasileiro. Mas

    a oportunidade ainda maior poder introduzir a leitura de um livro to

    desejado como o que nos est presenteando Paulo Celso da Silva, a quem

    tambm se introduz logicamente. Portanto, obrigado Paulo Celso.

    Conheci a obra que constitui este livro antes que a seu autor. Cha-

    mava a ateno seu pacote prateado em meio da esplndida biblioteca de

    geografia que a boa amiga e colega Amalia Ins Geraiges de Lemos tem em

    seu escritrio do Departamento da USP. A curiosidade aumentava quan-

    do se explicava que as pginas escritas e encadernadas tinham sido uma

    espcie de concesso ao tribunal que tinha que julgar a tese doutoral, j

    que seu autor considerava que um simples CD teria sido suficiente e, pos-

    sivelmente mais explcito. Eu pensava imediatamente que devia se tratar

    de um autor notvel, com personalidade e com gosto artstico, ambas es-

    tranhas virtudes entre os gegrafos acadmicos. Como grande tinha sido

    a coragem de seu orientador, o tambm bom amigo e colega Francisco

    Capuano Scarlato, grande professor do mesmo departamento, que repre-

    sou a criatividade do autor pelos estreitos e freqentemente tortuosos ca-

    minhos da liturgia acadmica.

    A amizade com ambos os professores, levou rapidamente ao conheci-

    mento pessoal do Paulo Celso e, posteriormente, de suas circunstncias:

    sua maravilhosa famlia e seu lugar de trabalho, a Universidade da Soro-

  • 14

    caba. Como na clssica triangulao dos topgrafos, a obra e as circuns-

    tncias permitiam localizar uma personalidade slida, cheia de curiosida-

    de e de esprito criativo, que conseguia conservar a aparente ingenuidade

    do investigador que quer saber tudo, penetrar a realidade at o fundo, em

    meio das nvoas e tempestades de nossas cansadas universidades.

    Naqueles momentos eu no sabia que em pouco tempo estaramos

    trabalhando juntos em outro departamento de Geografia, em minha Uni-

    versidade de Barcelona, e que comearia uma colaborao rica, frtil e

    estimulante que no terminou e que no quero que termine nunca.

    O que destaca desta obra a originalidade do tema e a sntese espln-

    dida que o autor consegue entre uma exposio terica ampla, crtica e

    ambiciosa, com a apresentao e a anlise de um exemplo concreto e no-

    tabilssimo. O leitor se enfrenta a uma obra dialtica na qual primeiro nos

    traa o cenrio conceitual da atualidade mais raivosa em que tentamos

    nos entender e depois nos concretiza em um caso de estudo na realidade

    mais recente, para terminar em uma sntese conclusiva que permite avan-

    ar na compresso da sociedade informacional.

    O cenrio conceitual amplo e se estende dos anjos e atlas de Michel

    Serres, s profundidades tericas do Milton Santos, passando pelas crti-

    cas do Baudrillard (to recentemente desaparecido) ou Virilio, ou pelas

    contribuies quase enciclopdicas de Manuel Castells. O estudo de caso

    um exemplo excepcional: uma cidade informacional criada pela Disney,

    junto a Orlando, entre 1995 e 2005. O tema, uma reflexo primitiva: como

    se transformam o tempo e o espao neste novo meio tcnico cientfico e

    informacional no qual estamos vivendo.

    A coerncia do autor ultrapassa os limites desta obra, j que seguiu es-

    tudando outros exemplos de cidades informacionais e continuou refletin-

    do sobre o tema. Ele mesmo jogou com seus tempos e publicou j um livro

    posterior, antes que esse que , de algum modo, institucional. Justamente

    publicou primeiro o fruto do trabalho que realizou durante sua estadia

    ps-doutoral em Barcelona, analisando neste caso uma poltica setorial,

    a da transformao de um velho distrito industrial em um criativo @ que

    inclui atividades manufatureiras e de servios que produzem ou utilizam

    percentagens importantes das chamadas novas tecnologias.

  • 15

    A coerncia e profundidade terica e reflexiva do autor obrigam a

    uma leitura pausada de sua obra. Ter que se deixar guiar por ele. Embora

    possa parecer que o acaso (como ele mesmo indica) dirige o fio da refle-

    xo, o autor sabe por aonde vai e, sobre tudo, para onde vai. Uma vez que

    autor e leitor tenham chegado juntos ao final quando se pode comear

    o necessrio debate.

    Lendo e relendo esta obra, debatendo a distncia ou cara a cara com

    o autor, desejo que prossiga. Desejo que sua inteligente ingenuidade e sua

    seletiva intuio nos levem adiante para novas reflexes e novos casos de

    estudo que nos permitam juntos desentranhar algo de nossa cidade e de

    nossa sociedade contempornea e, se tivermos sorte, pr alguns elemen-

    tos para construir pequenas e saudveis alternativas. Porque esta a lio

    que do primeiro momento extra que meus contatos pessoais e biblio-

    grficos com o Paulo Celso. Ele no predica como tantos outros a crtica

    pela crtica, enquanto vivem confortavelmente instalados na sociedade

    dos consumidores; isso, algumas vezes, pode-lhe dar um ar de satisfao

    conformista. Ele est descontente e inconfortvel na sociedade contem-

    pornea e quer mudar alguma coisa, por pequena que seja. Para isso sua

    primeira tarefa tentar entender a realidade, desprendendo-se dos pre-

    conceitos; vendo-lhe poderia parecer que seus pequenos culos, a la John

    Lennon, servem-lhe para focalizar o fundamental e esquivar os simula-

    cros e os rudos que nossa sociedade gera constantemente. Paulo Celso

    um verdadeiro humanista, longe das etiquetas dos manuais de Geografia

    ao uso, j que seu perfil se corresponde mais aos momentos histricos do

    Renascimento e da Grande Transformao que s modas passageiras do

    ps-modernismo.

    S cabe desejar-lhe o maior dos xitos neste caminho difcil e pouco

    claro de anlise rigorosa e crtica slida. Primeiro, no nvel pessoal, na

    construo dessa formosa famlia que consegue cotidianamente com Nei-

    de, contra toda moda e contra tanto esteretipo. Segundo, no nvel pro-

    fissional, para que seu trabalho cotidiano se possa alimentar da energia

    de suas reflexes e investigaes e assim se possam difundir amplamente

    nas salas de aula universitrias. Terceiro, finalmente, no nvel coletivo,

    para que a Geografia brasileira e mundial se fertilize com os frutos de seu

  • 16

    trabalho, especialmente a partir da interfase com outras disciplinas que

    ele combina e que nem sempre foram consideradas, como a comunicao

    ou a Filosofia.

    Portanto, obrigado, alegramo-nos muito de que a obra por fim veja a

    luz e esperamos que a partir de agora suas idias, conceitos e concluses

    adquiram nova vida, social e solidria.

    Barcelona, 18 de maro de 2008.

    Carles Carreras i Verdaguer

    Catedrtic de Geografia Humana

    Universitat de Barcelona

  • 17

    Introduo

    Estamos em um ready-made ou, no dizer de James Joyce, A work in

    progress. Assim, a caracterstica de ready-made duchampiano, no qual o

    momento decisivo est na escolha e serve reflexo, muito importante

    em toda a trajetria deste livro. Desde a escolha dos autores, como Serres e

    Lvy, at a viagem Celebration, cidade do entorno de Orlando (Florida/

    EUA), criada em 1995 e administrada pela Disney Co. at 2005, quando

    foi entregue ao condado de Osceola, como projeto de cidade do futuro ou

    cidade informacional.

    O acaso tambm contribuiu bastante. Acasos e escolhas foram cons-

    tantes. Em relao teoria, por acaso vasculhando uma livraria a Prof.

    Dr. Maria Lcia de Amorim Soares encontrou A Lenda dos Anjos, de

    Michel Serres e, tempos depois, era presenteada pelos seus alunos com o

    livro. Sem, ao menos o ler, passou-nos o livro dizendo que ali estava uma

    proposta de tese, um livro, um caminho para o entendimento da relao

    comunicao e geografia que tanto me interessa.

    De Michel Serres adotamos, de A Lenda dos Anjos, o conceito de

    mensageirias1, que deve ser entendida como produo de mensagens que

    transpem os espaos, os tempos e as muralhas, guarda, indica, atravessa as

    portas fechadas. Dessa forma, a produo de mensagens um processo de

    criao, gerao, realizao em um mundo de fluxos, de volatilidade dos

    espectros expressivos, nos quais as novas tecnologias da informao e

    da comunicao podem ser consideradas como novos estruturadores do

    espao.

    Esse autor considerado, por muitos, como obscuro, esperanoso e

    at esotrico. Na verdade, seu estilo, muito literrio, foge do padro con-

    1 SERRES, Michel. A Lenda dos Anjos. So Paulo: ALEPH, 1995, p. 293.

  • 18

    vencional de pensamento acadmico ou cientfico, esttica defendida por

    grande parte dos intelectuais2. Porm, a leitura de suas obras aponta para

    um entendimento filosfico das redes e da informao, constituindo uma

    fonte para as reflexes atuais no mundo da comunicao. No por acaso

    que o subttulo da obra, A lenda dos anjos, aponta que um ensaio

    sobre a comunicao.

    Ao abordarmos as novas tecnologias da comunicao, encontra-

    mos ainda vrios autores de muita projeo nos meios de comunicao

    de massa, entre eles, Jean Baudrillard, Paul Virilio, Pierre Lvy, Nicolas

    Negroponte, todos com grande aceitao entre acadmicos e leitores em

    geral, devido projeo de suas idias.

    Como veremos no decorrer do texto, os dois primeiros autores colo-

    cam-se como crticos ferozes das novas tecnologias propondo conceitos e

    terminologias pessimistas e, no raro, emprestando-os de outras reas do

    conhecimento (Baudrillard com atrator estranho, Virilio com o invli-

    do voyeur, por exemplo). Pierre Lvy tem posio menos pessimista, pois

    busca entender este momento histrico para atingir uma epistemologia

    do virtual, e Negroponte foca de maneira otimista a vida digital.

    Partimos da premissa de que o espao (e o tempo tambm) no foi

    banido da experincia humana como acreditam alguns pessimistas. As-

    sim, a relao virtual espao concreto precisa ser abordada, levando

    em considerao:

    1 - A materialidade da vida cotidiana e

    2 - O virtual que no se coloca como suspenso do cotidiano, nico

    e intransfervel.

    Aceitamos a concretude do espao, pois ele sempre a atualizao e

    a dinmica social como sua virtualizao. Assim, s podemos falar em

    espao virtual enquanto metfora.

    2 BOTTA, Ann. The Double Face of Hermes in the Writings of Michel Serres. Disponvel em http://www.nwe.ufl.edu/sls/program.html. traduo nos-sa. Acesso em 20/10/1999.

  • 19

    Um alerta: no estamos negando a importncia das redes, tecnologias

    e de tudo o que elas movem globalmente. Ao contrrio, a virtualidade,

    como fluxo que , participa de uma Totalidade maior que o espao geo-

    grfico. As redes e as tecnologias so suportes para a realizao do virtual, ou

    seja, so objetos tcnicos.

    Ao considerarmos os fixos e fluxos e sua riqueza informativa, pode-

    mos analisar o virtual e suas implicaes na vida cotidiana, sem pessi-

    mismo ou apologias. possvel analisar, tambm, a dimenso atingida

    pela tecnologia, no mundo do trabalho fordista, e a transformao para a

    flexibilidade em curso.

    Para compreender o fordismo e o ps-fordismo da sociedade flex-

    vel em rede, apoiamo-nos em David Harvey e Edward Soja. O primeiro

    aborda temas como acumulao flexvel e a compresso espao-tempo e,

    o segundo prope aceitar o desafio da construo de uma geografia ps-

    moderna, na qual est em jogo a espacialidade prpria do capitalismo.

    Completa o quadro de nossas referncias, o socilogo Manuel Castells,

    que define a cidade informacional como:

    O grande desafio da cidade informacional a articulao do espao

    dos fluxos globais, dos quais dependem a riqueza e a informao das

    cidades, com o reforo dos espaos locais, nos quais se constri o

    significado da experincia cotidiana e da tradio histrica. Existem

    numerosos esforos no sentido de se conseguir essa articulao e

    vrias cidades j esto conseguindo. Barcelona uma delas, com im-

    portantes esforos na criao de infra-estrutura tecnolgica, difuso

    do acesso Internet entre os cidados, cabeamento ptico da cidade

    e, ao mesmo tempo, criao de espaos pblicos reais, de novas

    centralidades, de cultura e de festa, e da identidade local3.

    Outro local que nos chamou a ateno e citamos, a fim de reforar o

    papel das mensageirias, foi Eco-Ville, uma Edge City localizada na Rodo-

    via Castelo Branco, em So Paulo. Empreendimento que se colocava como

    3 Entrevista com Manuel Castells - Jornal o Estado de S. Paulo 28/02/98.

  • 20

    importante local para, abordar a cidade informacional, como analisa Ma-

    nuel Castells (1999:425), ainda que no a represente totalmente. Citamos,

    tambm, nossa experincia, mesmo que en passant, em Barcelona, pois

    j est publicada, sobre a busca de novos paradigmas para as cidades do

    sculo XXI, implantando as Novas Tecnologias da Informao e Comu-

    nicao para nos determos em Celebration, que nos serviu para refletir

    sobre o papel das novas tecnologias e das mensageirias.

    Devemos muito s reflexes propostas por Milton Santos, principal-

    mente aquelas da obra A natureza do Espao, no captulo sobre as Redes

    (cap. 11) e os Espaos da racionalidade (cap. 13). Suas afirmaes possi-

    bilitaram a busca pelo entendimento do tema, refletindo seus conceitos

    sobre a problemtica do momento atual, denominado pelo autor como

    perodo tcnico-cientfico-informacional. Depois de tudo isso, resta-nos

    reafirmar nossa hiptese de que o espao virtual no o espao geogrfico

    e as (chamadas) cidades virtuais e cidades eletrnicas so concretizaes

    desse perodo tcnico-cientfico-informacional. Devemos tambm a Flix

    Guattari, quando trata da cidade subjetiva e abre questes sobre o devir

    urbano nas sociedades informatizadas.

    De nossa estada na cidade norte-americana, optamos por apresent-la

    por meio do que denominamos de ESBOO DE APRECIAES SOBRE

    CELEBRATION, que como paradigma o slogan: Voc no tem que viver

    aqui para amar isto, e vem em forma de um dirio de impresses sobre

    nossas visitas aos inmeros espaos dessa cidade.

    Assim, acreditamos que essa formatao pareceu-nos a mais honesta,

    uma vez que, naqueles dias em que vivenciamos a experincia do misto de

    turista-pesquisador, nossos companheiros de tour afirmaram, em uma

    das vezes, que nos dirigamos a Celebration e que, portanto, estamos

    aqui somente para passear e vislumbrar-nos com a beleza e a organizao,

    desse lugar que parece mgico. Ento, nem pensar em estudar.

    A pesquisa, utilizando o tema da tecnologia da informao, sempre

    datada; caso contrrio, no teria fim, so redes e redes ad infinitum.

  • 21

    Notamos que nossa casa no est mais na Rua AAA, n XX, mas sim

    no endereo eletrnico seguido de um @aol.com. Isso parece valer, atual-

    mente, para todo mundo ou, nas palavras de Nicolas Negroponte:

    A maneira antiga, ningum sabe onde fica @aol.com, um endere-

    o virtual4.O mais interessante nisso tudo, que para esse endereo

    virtual as mensagens so enviadas e no dependem nem da minha

    presena: ... o que se tem no apenas uma mudana de espao,

    mas de tempo tambm5.

    Logo, o tempo real, nesse contexto, ser menos importante. O mesmo

    processo, sucessivamente, acontece com a noo de espao. Isso pode pa-

    recer uma generalizao perigosa ou exagerada mas, ao menos, essa era, e

    continua sendo, a esperana-concluso, no apenas de Nicolas Negropon-

    te, mas de Bill Gates, Paul Virilio, Jean Baudrillard, entre outros conheci-

    dos nomes preocupados com o tema das novas tecnologias da informao

    e da comunicao.

    Assim, ao pensarmos na possibilidade aberta pela miniaturizao,

    para a comunicao global, podemos comear a refletir sobre a existncia

    de um homem-global, em que cada um um sistema interligado a outros

    sistemas, isso graas convergncia cada dia mais efetiva das mdias. As-

    sim, o homem-global carrega a Prtese de Silcio, alta tecnologia acopla-

    da ao corpo, terminais nervosos de redes diversas ps-Internet.

    4 Esse ningum sabe relativo, pois os hackers so peritos em descobrir endereos, senhas, nmero de cartes de crdito, etc.

    5 NEGROPONTE, Nicolas A vida Digital. So Paulo: Cia das Letras, 1995, p.146

    Captulo 1

    Onde estamos?

  • 22

    Em um artigo do jornal Folha de S. Paulo, de 10 de outubro de 1997,

    intitulado Artista discute o ps-humano, a jornalista Giselle Beiguelman,

    apresentando o trabalho de Eduardo Kac, indicava a discusso daquele mo-

    mento: Estamos humanizando as mquinas ou maquinizando os corpos?

    (p. 4-13). O mesmo jornal, dois dias depois, informava sobre a obra de

    Kac, em artigo intitulado Artista introduz chip em seu corpo (p. 3-6):

    Foi preciso de cerca de trs minutos para o artista eletrnico Eduardo

    Kac implantar um microchip em seu tornozelo esquerdo, realizando

    a obra Cpsula do Tempo, ontem na Casa das Rosas, abrindo a

    mostra Arte, Suporte, Computador. O microchip traz dados de iden-

    tificao do artista processo similar ao de catalogao de animais.

    Inicialmente o microchip seria introduzido em seu brao, numa refe-

    rncia s marcas dos judeus durante a Segunda Guerra. No entanto,

    como o artista fez todo o processo sozinho (supervisionado por um

    mdico), necessitava ter as mos livres. O tornozelo surge como uma

    referncia s marcas feitas a ferro nos escravos. Rodeado por c-

    meras de TV, mquinas fotogrficas e sob um forte calor, Kac iniciou

    o processo s 22h16. Ps uma bolsa de gelo no local, desinfetou-o

    com iodo e inseriu uma agulha com a pea. O processo foi concludo

    s 22h19. Os dados do Identity Chip foram transmitidos eletronica-

    mente para o banco de dados da empresa fabricante, nos EUA.

    Da normalidade com que o artigo informa a obra de Kac, somos levados a pensar e talvez aceitar que o corpo social se transforma. Se formos retomar, em breves momentos nossa histria humana na Terra, veremos que os con-tatos, primeiro foram humano-fsicos, depois maqunicos em agenciamentos diversos. Agora, vemos que so hbridos e formam uma simbiose de homem-mquina com componentes literalmente ligados ao corpo para comunica-o global. O homem semicondutor em contato com outros semicondutores.

    Outra possibilidade da virtualidade do humano a de ser tocado e, tam-bm, manipulado a qualquer hora, quando estou gravado e salvo no computa-dor de algum, como parte de um programa qualquer de imagens e, mais recen-temente, no ambiente Second Life, um simulador da vida real, em um mundo virtual totalmente em trs dimenses, no qual se pode interagir com jogadores

    de diversas partes do mundo em tempo real, pode-se ainda criar objetos, perso-

  • 23

    nalizar o seu personagem ali chamado de Avatar, fazer transaes financeiras

    com o Linden dollar (L$); enfim, ter sua vida virtual. Apenas imagens? No,

    nem imagem 3-D. Mas, algo como a realidade virtual, porm, slida... Nas pa-

    lavras de Virilio: Portanto, no tenhamos mais certeza: a terceira dimenso no

    mais o padro da extenso, o relevo no mais a realidade... o mvel principal

    ser o assento, a poltrona ergonmica do invlido motor6. A imobilidade outra

    questo aberta e discutvel. Isso se considerarmos que estamos presentes no

    computador de algum, em qualquer parte do mundo e, mesmo em vrias par-

    tes, como podemos falar em mobilidade/ imobilidade?

    Estamos diante de novos fenmenos sociais engendrados pela possibilida-

    de da tecnologia da informao e comunicao. A sociedade que se adapta e se

    instala no parece que abolir os contatos fsicos entre as pessoas, ao contrrio,

    ampliar as formas desses contatos. Pelo que vemos hoje, em nossas experin-

    cias cotidianas, a tendncia futura, parodiando o Marx do Manifesto do Par-

    tido Comunista, a libertao do homem das atividades rotineiras, possveis

    de serem executadas pelas mquinas, com ganho de tempo para o convvio

    social humano, porm, ao mesmo tempo permitindo e exigindo um estar

    contnuo em nossas atividades de trabalho, ultrapassando a barreira das horas

    mximas de trabalho vividas no perodo fordista, s oito horas, por exemplo.

    Tecnologicamente falando, embora isso possa ser relativizado, caso

    levemos em conta o enorme nmero de telefones celulares utilizados por

    vrias faixas da populao com muitas funes e no apenas computa-

    dores residenciais ou mveis. Tambm isso uma hiptese que nossa

    prtica atual sugere continuidade. Negroponte assim se expressa sobre o

    assunto:Os bits no so comestveis nesse sentido, no so capazes de acabar

    com a fome. Os computadores, por sua vez, so amorais: no podem resolver

    questes complexas como as do direito vida e morte7. E apresenta as

    quatro caractersticas que determinaro o triunfo da era digital: descen-tralizao, globalizao, harmonizao e capacitao. Dessas caractersti-cas, a mais otimista para o autor a capacitao. Diz ele:

    6 VIRILIO, Paul - O ltimo veculo Rio de Janeiro: Revista 34 letras n 5/6, setembro/94, p. 406

    7 NEGROPONTE, Nicholas - op.cit. p. 196

  • 24

    ... O acesso, a mobilidade e a capacidade de produzir mudana so

    os fatores que tornaro o futuro to diferente do presente.... Meu oti-

    mismo no alimentado pela anteviso de alguma inveno ou des-

    coberta. Encontrar uma cura para o cncer e para a AIDS, descobrir

    uma forma aceitvel de controle populacional ou inventar uma mqui-

    na capaz de respirar o nosso ar, beber nossos oceanos e devolv-los

    depois, livres da poluio, so sonhos que podem ou no se realizar.

    A vida digital outra coisa. No estamos esperando por uma qual-

    quer inveno. Ela est a agora. E quase gentica em sua natureza,

    pois cada gerao vai se tornar mais digital que a anterior. Os bits de

    controle do futuro esto mais do que nunca nas mos dos jovens.

    Nada seria capaz de me deixar mais feliz do que isso8.

    Outra informao nos parece importante para a reflexo atual. Em 1995, a RAND (sigla derivada da contrao das palavras research and de-velopment), organizao no lucrativa americana, publicou, via Internet, seus estudos sobre a velocidade com que nos chegaram telefone, rdio, TV, videocassete, computador, etc. e sugere acesso universal ao correio eletr-nico (E-mail), como forma de garantir a democracia eletrnica. Dizia Er-clia, em sua coluna semanal, no jornal Folha de S. Paulo:

    ... A desagradvel idia de uma estrutura de informao e comunica-

    o internacional que s refora abismos sociais a realidade hoje....

    Ironicamente, talvez a populao da INTERNET seja a maior amostra

    de injustia social que se pode encontrar hoje, com toda a conversa

    de democracia eletrnica...

    E conclua:

    Por outro lado, a lgica do acesso universal acaba sendo uma lgica

    da classe mdia. Os mais pobres so excludos do acesso e os real-

    mente ricos no se interessam tanto por ele, j que sempre tiveram

    suas prprias redes de informao, com ou sem computador. 9

    8 NEGROPONTE, Nicholas - op.cit. p. 198.9 ERCILIA, Maria - E-MAIL para todos - Coluna NETVOX - Folha de S. Paulo,

  • 25

    Por mais lugar-comum que seja a concluso da articulista, ou a viso da

    RAND sobre democracia eletrnica, serve para ilustrar, junto com citaes

    anteriores o lado pessimista dos novos fenmenos abertos pela tecnologia.

    So muitos os conceitos utilizados e visveis em todos os media: Cida-

    de, Cidade-eletrnica, Cotidiano, Imaginrio, Prtese de Silcio, Imobili-

    dade, Imagens, Cyberspace, Tempo, Novos Signos, Repetio, Fragmen-

    tos... A condio atual fragmenta, mais e mais, o homem no mundo. O

    cotidiano passa a ser estilhaos de vida pela velocidade, cada vez maior,

    dos fenmenos revistos exausto nos diversos meios de comunicao

    disponveis s pessoas. A experincia na rede, ou nas diversas redes em

    que estamos imersos (Internet, bancria, profissional, etc.), um conjun-

    to de fragmentos virtuais fugidios. De repente, o cidado eletrnico pode

    perder o contato em um rush virtual.

    O mundo do homem o de classes sociais, diferenas gritantes. Nos

    pases em desenvolvimento, um nmero crescente de homens, de todas as

    idades, tem como virtual apenas o bsico: alimentao, transporte, sade,

    consumidos em imagens eletrnicas de painis e televises. O re-pensar

    no mundo do homem no uma busca da totalidade, mas da intensidade

    da condio humana no mundo colorido da esttica.

    O debate tico da condio material da esttica, da possibilidade de

    possuir, cede lugar para a esttica em-si-mesmo. Ter a imagem de, ser a

    imagem de, vale mais que do a prpria imagem real. Podemos dizer que

    no a cpia, pois esta , ou pode ser entendida como imagem dotada

    de semelhana. , na verdade, imagem sem semelhana: SIMULACRO.

    o que Michel Foucault chamou de heterotopia: a coexistncia num espa-

    o impossvel de um grande nmero de mundos possveis fragmentrios

    (HARVEY, 1989:52).

    E esse espao virtual apresenta-se como condio impossibilidade

    de discuti-lo como condio histrico-geogrfica (HARVEY, 1989:293),

    no est em nenhum lugar e pode ser acessado de qualquer lugar. No exi-

    ge tempo real, porm possibilita isso. Tudo soa como passageiro; mas, na

    28/11/95. O endereo eletrnico da RAND Disponvel em http://www.rand.org

  • 26

    verdade, o processo medido em velocidades cada vez maiores. Isso nos

    possibilita pensar que a democracia eletrnica divulgada mais esttica

    que tica. imagem, pois se resume em ser informatizado ou no.

    Olhemos ao lado. Teorizar j no mais a mesma coisa de antes.

    A teoria um flash, algo rpido, instantneo. A profundidade no mais

    uma necessidade intelectual. Contudo, devemos buscar subsdios que nos

    ajudem a compreender as possibilidades abertas do perodo atual, assim

    que o debate sobre a categoria espao, torna-se premente.

  • 27

    Entendemos que o espao no pode estar, assim, to em segundo pla-

    no quanto parece, porque, na verdade, o virtual , sim, o simulacro daqui-

    lo que conhecemos como espao real, mas, mesmo assim, um espao. E,

    embora o virtual no ocupe um espao, no conceito material do termo,

    em redes, , em tese, o espao. Nesse contexto, pode-se empregar uma

    expresso cunhada por Augusto de Campos, a prima-azia do tempo?

    Contextualizao, que , certa forma, exclusividade de alguns marxistas,

    como querem alguns ortodoxos, seno ortodoxos, pelo menos pouco afei-

    tos s mudanas. Trabalhando na busca de uma nova teoria social crtica,

    o gegrafo Edwar Soja (1993:116) cita Berger: ...A profecia implica, agora,

    uma projeo mais geogrfica do que histrica; o espao, e no o tempo, que

    esconde de ns as conseqncias.

    E, mesmo assim, temos que ter clareza de que a Histria da humani-

    dade no acabou e nem o espao aflorou; mas sim as nossas experincias

    espao-temporais que foram alteradas pelas novas tecnologias. Exem-

    plo cotidiano dessa alterao da sensibilidade diante do tempo e das tec-

    nologias, o fato de que a maioria das pessoas tem mais pacincia na fila

    do nibus do que diante do caixa eletrnico do banco10 ou para esperar

    algum encontrar algo em um DVD, ou seja, o ato de esperar uma condu-

    o, fluxo de um momento tecnolgico anterior ou da velocidade fordista

    j foi incorporado e apreendido socialmente, porm, com as tecnologias

    mais recentes, a exigncia de uma velocidade cada vez maior premente.

    Buscando reflexes em outras fontes, citamos Flix Guattari em sua

    passagem pelo Brasil no ano de 1992, ocasio em que participou do col-

    10 Ilustra bem esse fato uma conversa rpida deste autor no caixa eletrnico de um banco em Sorocaba/SP, onde um senhor dizia que o computador do banco no tinha memria, mas vagas lembranas.

    Captulo 2

    O Espao

  • 28

    quio organizado pela UNESCO11, apresentando o tema Restaurao da

    Cidade Subjetiva 12e retiramos algumas sugestes para as indagaes.

    Conceituando a Cidade Subjetiva (1992:170) afirma: ... engaja tanto os n-

    veis mais singulares da pessoa quanto os nveis mais coletivos. De fato, trata-

    se de todo o porvir do planeta e da biosfera. E segue Guattari levantando

    a questo do que sero as mentalidades urbanas do futuro? Ele mesmo

    oferece um caminho, acrescentando que ...levantar essa questo j um

    pleonasmo, na medida em que o porvir da humanidade parece inseparvel

    do devir urbano (Idem:idem.)

    O devir urbano est ligado forma como pensamos hoje, como hoje

    conhecemos o mundo. E a forma como muitas geraes conheceram o

    mundo foi por meio da viso fordista que na definio de Gramsci (HAR-

    VEY, 1996:121): ... O fordismo e o americanismo equivaliam ao maior

    esforo coletivo at para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma

    conscincia de propsito sem igual na histria, um novo tipo de trabalhador

    e um novo tipo de homem . Os novos mtodos de trabalho so inseparveis

    de um modo especfico de viver e pensar e sentir a vida.

    Ou seja: o fordismo como uma nova forma de ver o mundo.

    Mas, estaramos ainda vivendo nesse mundo? No seria necessrio

    romper at mesmo com o pensamento seriado? O gegrafo Edward Soja,

    tratando das reflexes de uma nova teoria para a geografia humana no

    mundo contemporneo, nos indica que:

    ...[A] geografia humana crtica ps-moderna deve continuar a se ba-

    sear numa desconstruo radical...A desconstruo espacial...tam-

    bm deve ser suficientemente flexvel...Entretanto, a desconstruo

    por si s no basta...Ela deve ser acompanhada por uma reconstru-

    o ao menos provisria , baseada nas exigncias polticas e tericas

    do mundo contemporneo...E deve estar especialmente em sintonia

    11 Colquio Homem, cidade, natureza: a cultura hoje - Rio de Janeiro 25,26,27/05/92 - GUATTARI, Flix - CAOSMOSE um novo paradigma esttico - Rio de Janeiro: Editora 34, RJ, 1992, p. 179.

    12 Idem, pginas 169-178

  • 29

    com as particularidades dos processos contemporneos de reestru-

    turao e com os regimes emergentes de acumulao flexvel e de

    regulao social, mas a fim de contribuir para um ps-modernismo

    radical de resistncia.13

    As trs vias sugeridas por Soja podem ser perseguidas, tambm, pela

    comunicao para a reconstruo de um discurso que contemple e com-

    preenda a contemporaneidade, so elas:

    na interpretao da nova tecnologia e das formas organizacionais

    reestruturadas da economia poltica ps-fordista,

    na lgica cultural do ps-modernismo na arte e na ideologia,

    nas lutas ontolgicas de uma teoria crtica ps-historicista. 14

    E David Harvey aponta trs posies para o debate da acumulao

    flexvel ou ps-fordista. So elas:

    As novas tecnologias abrem a possibilidade de uma reconstitui-

    o das relaes de trabalho e dos sistemas de produo em bases

    sociais, econmicas e geogrficas inteiramente distintas.

    A segunda posio v a idia da flexibilidade como um termo

    extremamente poderoso que legitima um conjunto de prticas

    polticas (principalmente reacionrias e contrrias ao trabalha-

    dor), mas sem nenhuma fundamentao emprica ou materia-

    lista forte nas reais fases de organizao do capitalismo do final

    do sculo XX.

    A terceira posio, que define o sentido no qual a idia de uma

    transio do fordismo para a acumulao flexvel, situa-se em

    algum ponto entre esses dois extremos. As tecnologias e formas

    organizacionais flexveis no se tornaram hegemnicas em toda

    parte mas o fordismo que as precedeu tambm no.15

    13 SOJA op.cit. p. 93. 14 Idem. idem15 HARVEY, op. cit. p. 177-79

  • 30

    Dentro dessa linha de raciocnio, chamamos a ateno do leitor para

    mais uma citao, pois esta nos parece de extrema importncia para o en-

    tendimento da sociedade contempornea, a do conceito de Acumulao

    Flexvel que devemos entender como sendo marcada:

    ...por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apia na

    flexibilidade dos processos de trabalho dos mercados de trabalho,

    dos produtos e padres de consumo. Caracteriza-se pelo surgimen-

    to de setores de produo inteiramente novos, novas maneiras de

    fornecimento de servios financeiros, novos mercados e, sobretudo,

    taxas altamente intensificadas de inovao comercial, tecnolgica e

    organizacional. A acumulao flexvel envolve rpidas mudanas dos

    padres de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como en-

    tre regies geogrficas, criando, por exemplo, um vasto movimento

    no emprego no chamado setor de servios, bem como conjuntos

    industriais completamente novos em regies at ento subdesenvol-

    vidas (tais como a Terceira Itlia, Flandres, ou vrios vales e gar-

    gantas do silcio, para no falar da vasta profuso de atividades dos

    pases recm-industrializados)16

    16 Idem, p. 140

  • 31

    Diante do exposto, ou melhor dizendo imposto para a grande maioria

    da populao mundial, podemos indagar o mundo: que mundo esse,

    onde tudo parece que se perde em teorizaes e a vida acontece, rapida-

    mente, nas ruas das cidades independente delas? Surge, ento, um novo

    momento das pesquisas e do interesse transdisciplinar, e um dos eixos cen-

    trais para a compreenso da sociedade atual17 e, talvez, o mais importante

    deste final de sculo: a EMOO!

    No importa mais apenas observar. O homem da acumulao flexvel

    pode sentir, tem tempo-espao para sentir. Aquela rigidez do fordismo

    no possibilitava a plenitude das sensaes. Era necessria, antes de tudo,

    disciplina, sisudez, para dar conta da constante linha de produo im-

    posta na vida cotidiana.

    O mundo globalizado aponta sua contradio mais evidente: a frag-

    mentao. Quanto mais globalizado, mais fragmentado o mundo reapa-

    rece. Nesse globalizar-fragmentar, grupos e grupelhos18 afloram. A vizi-

    nhana passa a ser uma escala geogrfica importante na vida das pessoas.

    Vizinhana que pode ser no apenas fsica, mas cultural, religiosa, de tra-

    balho, etc.

    17 RODRIGO, Miguel A. Teoras de la Comunicacin. mbitos, Mtodos y Perspectivas. Valncia:Universitat de Valncia; Castello de la Plana: Publicacions de la Universitat Jaume I; Barcelona: Universitat Pompeu Fabra; Bellaterra: Universitat Autnoma de Barcelona, Server de Publi-cacions, D.L., 2001, p. 63.

    18 Grupelhos no sentido proposto por GUATTARI: grupos menores no hegemnicos.

    Captulo 3

    A Emoo

  • 32

    A noo de co-presena, sob um prisma informacional, ganha nova

    dimenso quando associada noo e realidade geogrfica da vizinhan-

    a... O territrio compartido impe a interdependncia como prxis.19

    E, mais importante, o intercmbio efetivo entre pessoas a matriz da

    densidade social e do entendimento holstico...e que constituem a condi-

    o desses acontecimentos infinitos, dessas solicitaes sem-nmero, des-

    sas relaes que se acumulam, matrizes simblicas que se multiplicam,

    diversificam e renovam. A noo de emorao encontra seu fundamen-

    to nessas trocas simblicas que unem emoo e razo20.

    Tambm nos parece acertada a idia do contrato pragmtico fiducirio,

    desenvolvida por Rodrigo que, em seu contexto original, trata do traba-

    lho dos jornalistas e da credibilidade entre estes junto aos leitores. Porm,

    aqui emprestamos tal idia que nos ser til ao tratarmos de Celebration e

    a credibilidade da marca Disney para a construo de uma cidade. Dessa

    forma, o contrato pragmtico fiducirio ser importante para o desenvol-

    vimento da confiana. Nas palavras de Rodrigo:21

    19 SANTOS, Milton - A natureza do espao - tcnica e tempo razo e emo-o So Paulo:HUCITEC, 1996:256.

    20 Idem, idem.21 En ocasiones, este contrato pragmtico fiduciario y, por consiguiente,

    la confianza pueden quedar en suspenso. As el 28 de diciembre de cada ao, el da de los Santos Inocentes, los medios de comunicacin pueden introducir una informacin inventada. Este da hay un cambio de re-glas, sin que se cuestione la credibilidad general del medio ste publica una noticia falsa. Hay una suspensin parcial del contrato pragmtico fiduciario y se establece una especie de contrato pragmtico ldico por el que el lector intenta descubrir cul es la noticia inventada. Esto se puede hacer porque el destinatario conoce el juego propuesto. En cual-quier caso, la confianza es necesaria para que la informacin d lugar a las emociones que les son propias: enfado, alegra, miedo, etc. Si no se da esta confianza, las emociones que se encadenan pueden ser distintas. Podramos considerar la confianza como una metaemocin, en el sen-tido que es una emocin que permite el desarrollo de otras emociones. RODRIGO, Miguel A. Teoras de la Comunicacin. mbitos, Mtodos y Perspectivas. Valncia:Universitat de Valncia; Castello de la Plana: Publicacions de la Universitat Jaume I; Barcelona: Universitat Pom-

  • 33

    Em ocasies, este contrato pragmtico fiduciario e, portanto, a con-

    fiana pode ficar em suspenso. Assim, o 28 de dezembro de cada

    ano, no dia dos Santos Inocentes, os meios de comunicao podem

    introduzir uma informao inventada. Neste dia, h uma mudana de

    regras, sem que se questione a credibilidade geral do meio, este pu-

    blica uma notcia falsa. H uma suspenso parcial do contrato prag-

    mtico fiduciario e estabelece-se uma espcie de contrato pragmti-

    co, ldico pelo que o leitor tenta descobrir qual a notcia inventada.

    Isso se pode fazer porque o destinatrio conhece o jogo proposto.

    Em qualquer caso, a confiana necessria para que a informao

    d lugar s emoes que lhes so prprias: enfado, alegria, medo,

    etc. Se no se d esta confiana, as emoes que se encadeiam

    podem ser diferentes. Poderamos considerar a confiana como uma

    metaemoo, no sentido que uma emoo que permite o desenvol-

    vimento de outras emoes.

    Uma experincia, com relao emoo e a confiana, pode ser rela-

    tada, quando na primeira de suas viagens ao Brasil, o italiano Massimo

    Canevacci chegou cidade de So Paulo, exatamente no perodo de carna-

    val, quando tudo pra no pas. Sem conhecer ningum e nada, o italiano

    foi auxiliado por uma funcionria do Instituto Italiano de Cultura, que

    chegou a ajud-lo financeiramente, pois no tinha a moeda brasileira no

    bolso e os bancos estavam fechados22. Essa histria pessoal pode acontecer

    diariamente na cidade de So Paulo e mesmo em outras grandes cidades

    do pas. O italiano perdeu-se da e pela cidade. Sentiu a cidade e as relaes

    que ocorrem em um momento festivo para o brasileiro. Emocionou-se

    pela cidade, na cidade. Emoo-flneur do estrangeiro.

    Porm, essa emoo transforma-se com o conhecer da cidade, en-

    quanto aumenta sua confiana, tanto na paisagem que vai se tornando

    mais familiar quanto nas pessoas com quem vai se relacionando, seja no

    peu Fabra; Bellaterra: Universitat Autnoma de Barcelona, Server de Publicacions, D.L., 2001, p. 67.

    22 CANEVACCI, Massimo - A cidade Polifnica - Ensaio sobre a antropo-logia da comunicao urbana. So Paulo: Studio Nobel, 1984, p 13.

  • 34

    hotel onde estava hospedado, nos comrcios do entorno, enfim, na cida-

    de. Dialticamente, a cidade vai se compondo no imaginrio entre todo-

    fragmentos. Aqui, imaginrio entendido como:

    ...o encadeamento de imagens com vnculo temtico ou problemti-

    co recebidos atravs de diversos meios audiovisuais, que o indivduo

    interioriza como referente ou o estudioso reconhece como conjunto.

    Se desdobra em duas acepes. Ambas nos servem. A primeira,

    refere-se quilo que s tem existncia na imaginao; a outra, a um

    corpus documental. A primeira alude quilo que a imagem produz:

    seu discurso icnico. A segunda, a um conjunto de documentos vi-

    suais com unidade semntica. O imaginrio nacional um referente

    para o cidado, enquanto imaginrio iconogrfico americano um

    corpus para o estudioso.23.

    O antes estrangeiro emociona-se com uma nova composio da ci-

    dade que explora. Dialticamente as emoes vo trabalhando um novo

    cotidiano e um novo imaginrio. Assim, descobre-se aquilo que Milton

    Santos colocava como a quinta dimenso do espao, exatamente o vivido,

    o cotidiano vivido.

    Contudo, junto ao concreto vivido nas ruas da cidade, a vizinhana e

    toda materialidade do espao, a existncia das redes telemticas somam-

    se s percepes cotidianas em um aprendizado constante para muitas

    e cada vez mais pessoas. J que somos obrigados a dominar, mesmo

    23 El encadenamiento de imgenes con vnculo temtico o problemtico rece-bidas a travs de diversos medio audiovisuales, que el individuo interioriza como referente o el estudioso reconoce como conjunto. Se desdobla en dos acepciones. Ambas nos sirven. La una se refiere a aquello que slo tiene existencia en la imaginacin, la otra a un corpus documental. La primera alude a aquello que la imagen produce: su discurso icnico. La segunda, a un conjunto de documentos visuales con unidad semntica. El imaginario nacional es un referente para el ciudadano, mientras que imaginario ico-nografico americano es un corpus para el estudioso. MIX, Miguel Rojas. El imaginario. Civilizacin y cultura del siglo XXI. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006, p. 19.

  • 35

    que seja apenas o bsico, para completarmos tarefas, diramos simples,

    de sacar dinheiro de um banco no dia do pagamento. Ento, sem nos as-

    sustarmos ou estranharmos, temos um carto magntico e uma senha e

    devemos entender a lgica do caixa eletrnico que nos indica as prximas

    aes. E mesmo em um formulrio, por exemplo, para solicitar um em-

    prego, alm do endereo e telefone, nos pedem um endereo eletrnico

    para contato.

    Incorporamos aes, palavras e novos discursos ao nosso fazer di-

    rio, todos eles ligados ao que se popularizou chamar de virtualidade. Para

    compreender essa virtualidade, na seqncia, trataremos das Mensagei-

    rias, que representam uma categoria cunhada pelo filsofo francs Michel

    Serres. Diferente das mensagens, nossas Mensageirias atuais avanam, ul-

    trapassam as barreiras fsicas, so fludas e flexveis.

    Porm, elas no se encontram apenas em suportes e situaes apa-

    rentes, aqui optamos por aquelas menos evidentes, que nos faam refle-

    tir sobre as inmeras possibilidades da comunicao. Mensageirias em

    suportes que o senso comum no percebe a profundidade e que alguns

    intelectuais, mais tradicionais, renegam ao segundo plano como fonte de

    pesquisa e de interpretao.

  • 37

    No incio deste sculo, um erudito, ao que se diz, bastante sagaz,

    escreveu que a modernidade comea quando a filosofia deixa de falar

    de Anjos. Que cincia, que sabedoria no se anuncia, quando estes

    mensageiros a reaparecem, para tecer, percorrendo novos cami-

    nhos, um universo conspirante de fluxos e redes?

    Michel Serres.

    O conceito de mensageiria desenvolvido pelo filsofo francs Michel

    Serres na obra A Lenda dos Anjos, Um ensaio sobre a comunicao indica a

    produo de mensagens que transpe os espaos, os tempos e as mura-

    lhas, guarda, indica, atravessa as portas fechadas (1995: 293). Na explica-

    o do prprio Serres, isto quer dizer que (1999: 157):

    Olhe o cu, aqui acima de ns, atravessado por avies, satlites artifi-

    ciais, ondas eletromagnticas, televiso, rdio, fax, correio eletrnico.

    O mundo no qual nos banhamos um espao-tempo de comunica-

    o. Por que no falaria de espoco dos anjos, j que esta expresso

    significa os mensageiros, os conjuntos de fatores, de transmisses

    prestes a passar, ou o espao dos passes? Voc sabe, por exemplo,

    que a todo momento h pelo menos um milho de homens em vias de

    voar, acima da atmosfera, como que imveis e suspensos, invariantes

    por meio de variaes? Sim, vivemos no sculo dos anjos... Os anjos

    so as mensagens, seu corpo uma mensagem...Imagino que a cada

    anjo corresponde uma preposio. Mas, uma preposio no trans-

    porta mensagem, ela indica um conjunto de caminhos possveis, no

    espao ou no tempo.

    Captulo 4

    Mensageirias

  • 38

    Dessa forma, buscamos no cotidiano, algumas das Mensageirias pos-

    sveis nesse espao de fluxos comunicacionais em que estamos imersos e,

    muitas vezes, no nos damos conta.

    Mensageiria 1

    A TV zappeada passa pelo canal MTV Brasil, conectada via cabo. Na

    tela, um desenho futurista apresenta, em traos sujos, personagens estra-

    nhos. Um Sci-Fi Cartoon. Aparentemente um casal querendo salvar o

    planeta. A mulher guarda traos humanos, o homem no. Outros perso-

    nagens, mais evoludos transmitem mensagens telepticas e suas pernas

    se ligam a um tronco pequeno, tudo leva a crer que apenas o aparelho

    respiratrio est nesse tronco. A rede central armazena e produz seres,

    libertando-os do trabalho de dar continuidade espcie.

    O Sci-Fi Cartoon chama-se Aeon Flux24.

    Mensageiria 2

    Uma das histrias do Tio Patinhas tem como ttulo Turismo Virtual25.

    Na ganncia, conhecida de todos, o velho tio monta uma fbrica de

    robs que sero os olhos dos turistas. Na agncia de turismo, os interes-

    sados adquirem o hardware e os softwares para interagir com o local es-

    colhido. Tudo parece maravilhoso se nosso Tio no quisesse ganhar em

    tudo: os robs mostram os lugares, mas os suvenires so comprados nas

    lojas Patinhas. Uma grande manifestao mundial probe tais mquinas

    de existirem nas cidades...

    24 O Cartoon Aeon Flux era exibido aps as 23 horas na MTV Brasil, Canal 10 da NET.

    25 Tio Patinhas n 375, outubro de 1996, So Paulo: Editora Abril Jovem S.A., p. 67-97.

  • 39

    Mensageiria 3

    Outra HQ, considerada para adultos, apresenta a histria do Moto-

    queiro Fantasma 209926. Uma nova realidade apresentada: a cibernatu-

    ral. O heri, Ken Cochrane, morre conectado ao cyberspace e transforma-

    se em Zero Cochrane, pois sua mente foi salva e ele pode voltar como o

    Motoqueiro Fantasma.

    Tudo se passa na Transversal City. Lugar entre Detroit e Chicago com

    dez andares, vinte pistas e 800 mil Km de caos e violncia. Escondidos na

    rede mundial, os ciberespectros (entidades digitais formadas por men-

    tes daqueles que morreram conectados) tentam sobreviver aos ataques

    das empresas Alchemax e Stark-Fujikawa, que buscam escraviz-los ou

    extermin-los.

    Mensageiria 4

    O VCR (Video Cassete Record) comea a rodar. Na fita alugada, MIB

    Mens in Black27 ou, no Brasil, Homens de Preto. A histria gira em torno

    de um grupo acima de qualquer governo que procura garantir a sobre-

    vivncia de extraterrestres expatriados, vivendo na Terra.

    Para ser um MIB, necessrio no existir para nada e para ningum,

    todos os registros so deletados e, ento, uma nova identidade criada ar-

    tificialmente.

    A cidade Manhatan, nada pacata, nada futurista e feliz por achar e

    ter essa opinio garantida pelos MIBs de que os humanos so nicos no

    universo.

    26 Motoqueiro Fantasma IN X-Men 2099, n 06, janeiro de 1995, So Paulo:Editora Abril Jovem S.A., p. 55-81.

    27 Mens in Black Columbia Pictures, 1997, USA.

  • 40

    Mensageiria 5

    CD Player toca uma msica estranha. O grupo RadioHead em OK Com-

    puter28 lanado em 1997, foi a revelao do pop pelas revistas especializadas

    no mundo.Os acordes e a colocao do vocal clamam por um futurismo

    nostlgico, ou seja, o futuro apenas mais um momento que o passado-

    presente ir alcanar, no existe motivo algum para apologias ou desespero.

    Mensageiria 6

    Mensageiria do terceiro e do quarto mundos, a misria revela-nos uma

    existncia e um tempo, fundamentais, que a Histria jamais ensinou. Mais

    que pobres e indigentes, os miserveis correm o risco de ver destruda, neles e

    ao seu redor, por esta terrvel agresso, a prpria humanidade. S se tornaria

    um homem aquele que enfrentasse o risco da destruio, nele prprio, da

    humanidade?

    No mundo inteiro, do Rio a Osaka, de Paris a Brazzaville, ricos ou no,

    mulheres e homens sem fogo nem lugar, no tm abrigo. Tambmdeixaram

    sua casa: Digenes, o Cnico, filsofo da Antigidade grega, refugiado em pra-

    a pblica, dentro de um tonel; So Francisco de Assis, viajante e eremita da

    Porcincula; Jesus, andarilho, de quem os Evangelhos no do o endereo29.

    Mensageiria 7

    Sarcfagos para nmades 30 = Vestimenta para homelless paulistas,

    misto de jaqueta e saco de dormir com sensor de presena, identidade eletr-

    nica com sons e imagens de seu portador, fabricada com tecido da Du Pont,

    28 RadioHead OK Computer . Capitol Records, Ca, USA, 1997.29 SERRES, Michel A lenda dos anjos, op. cit. p. 18-9.30 KATZ, Helena Artista cria sarcfagos para nmades contemporneos.

    Caderno 2, O Estado de S. Paulo, 4/3/99, p. D8-12.

  • 41

    sendo prova de balas e de propagao de chamas. A criao e o desenvolvi-

    mento dessa roupa foi de Jos Wagner Garcia, arquiteto e media artista.

    As mensageirias citadas, certamente podem fazer parte da experincia

    de muitas pessoas. Interessam-nos, porm, questes levantadas ou pro-

    postas por eles. Primeiramente, todos so fluxos miditicos, os quais so

    carregados com seus respectivos suportes tecnolgicos, que para muitos,

    so at banais: TV e controle remoto, histrias em quadrinhos, videocas-

    sete, CD player. Ramificaes de redes encontradas com facilidade para

    consumo e uso.

    Na verdade, as cinco mensageirias iniciais tratam de fico, de cria-

    es literrias ou televisivas e apontam para o universo do desenvolvi-

    mento. Um mundo onde a tecnologia predomina e atinge a todos ou, pelo

    menos, sugere isso.

    Anjos re-criados, as histrias em quadrinhos povoam o imaginrio

    de boa parte da massa urbana, a ideologia esconde-se por entre os feitos e

    afetos de seus personagens.

    Mensageiros futuristas, os personagens de Aeon-Flux: fluxos de en-

    tidades abstratas futuristas querem salvar o universo. Uma nova gnose

    anunciada, via destruio, para sobrar apenas fluxos que se desvanecem

    por entre sobras. Porm, no menos mensageirias, j que estas no anun-

    ciam apenas aquilo que gostaramos...

    O turismo virtual, fonte de renda fcil para o multimilionrio Pati-

    nhas, que representando o empresariado fomentador, investe em tecnologia

    para que todos possam viajar virtualmente. A esse no interessam os meios,

    apenas os fins lucrativos. Mensageiro do capital nos ensina que a luta entre

    o bem (capital) e o mal (consumo) so relaes interminveis, nas quais

    temos ele tem que ganhar sempre. Mensagem capitalizada, os pobres

    so seus serviais. Seus parentes mais prximos esperam que ele mude sua

    atitude e trabalham sabendo que nada ganharo, mas que ele tambm no

    eterno como gostaria. Num final, Donald o mensageiro da velha forma de

    viver, idlica e passada. Seu temperamento explosivo apenas a confirma-

    o disso. Insuportvel para o mensageiro do capitalista Patinhas.

  • 42

    Mensageiro do dio, o motoqueiro fantasma passeia pela vida morte

    anunciando a presena da ps-vida virtual. A narrativa aborda a vingana

    nos espaos informatizados. Retoma o velho tema talvez o sempre tema

    que o perigo e a maldade espreitam pelas ruas das grandes megalpoles.

    Aponta um futuro sombrio e sem expectativas. Parece no perceber que

    sobre-vive virtualmente apenas para proteger espectros digitais que esto

    alm dele em tudo, principalmente conhecimento.

    As duas mensageirias seguintes esto reproduzidas em suporte tec-

    nolgico: um filme e um disco. Ambos futuristas, mas em um futuro

    que apenas transpassa os espaos e as pessoas, parece nada dizer a elas.

    Estranhos, anunciam a no-anunciao, a contra corrente da redeno da

    humanidade em relao ao futuro. Nada de classes, de sociedade, de lutas

    entre humanos. Nosso Outro escondido na prpria humanidade, porm

    no-humano no filme so Aliens - quem deve ser combatido. Tambm

    no uma apatia total, filme e disco sugerem um ideal de apenas SER, a

    nemesis do viver (no sentido de vingana da vida).

    Nossas duas ltimas mensageirias so fixadas no espao-tempo, so

    virtualidades e atualizaes geogrficas, plasticidades do terceiro mundo.

    Pobres e Sem-teto ou homeless os andarilhos dos novos evangelhos

    distribuem mensageirias por onde passam, no anunciam a boa nova.

    Agora, seu anncio de humanidade, buscam entre escombros e entulhos

    as partes de um cho que abriga. Os sarcfagos criados por Jos Wagner

    Garcia e, assim, batizados por Milton Santos, renem runas e tecnologia,

    chips e histria de vida, imagens e imaginao, pares dialticos que seu

    criador prefere querer superar pelo pragmatismo peirceano, sugerindo

    estabelecer um vnculo filosfico entre os valores estticos de um projeto

    artstico e a contrapartida em valores ticos31. Com uma roupa dessa, o

    andarilho poderia suportar-superar a sua vida? As questes que a obra,

    Sarcfagos para Nmades sugere so muitas, a prpria impossibilidade de

    t-la j uma...

    Passemos a outro ponto: a teorizao do virtual.

    31 GARCIA, Jos Wagner Criador apoia-se na essncia filosfica de San-ders Peirce Caderno 2, O Estado de S. Paulo, 4/3/99, p. D8.

  • 43

    As mensageirias fluem pelos sistemas e redes. Querendo findar a ques-

    to, Viana diz: ...O ciberespao no melhor nem pior que nosso mundinho

    real... apenas um mundo diferente mas - certamente mais espao. E

    quanto mais espao, melhor32 Porm, no to simples assim, pois ainda

    que concordemos que quanto mais espao melhor, a questo da virtualida-

    de ganha consistncia medida que o mundo sofisticado confronta-se, pa-

    radoxalmente, com comunidades que convivem com a inexistncia de um

    mnimo de conforto, como gua encanada e rede de esgoto, por exemplo.

    Entretanto, no cyberspace os fluxos no so distribudos como produ-

    to para todos e o espao configura-se como uma metfora essencial, vista

    pelo internauta como uma materialidade que associada aos padres de sua

    experincia no mundo fsico, assim, os sites so lugares, o ciberespao um

    espao topogrgico, o e-mail um endereo33 e, ainda como uma analogia

    da sociabilidade fsica, no segredo, no qual est o valor, ou seja, aquilo

    que est disponibilizado como informao geral no o bem circulante

    que atravessa as barreiras.34

    Explicando o sentido do espao como metfora necessria, Aranha

    Filho afirma:

    Alguns autores chegaram a afirmar que o virtual abole a distncia e o

    tempo e ela aboliria a durao, o ritmo-em-atraso propcio reflexo

    e ao jogo do poltico. Em certo sentido, podemos contra-argumentar

    32 VIANA, Hermano Novos sistemas, novos problemas. Folha de S. Paulo, 17/06/94, p.6-8.

    33 ARANHA FILHO, Jayme Tribos eletrnicas: metforas do social IN Comunicao e Poltica V.III n1, Rio de Janeiro, 1996, p.69.

    34 Idem, p.74.

    Captulo 5

    O virtual

  • 44

    que o operador segredo que possibilita novos contornos, fronteiras,

    regies de excluso no espao virtual. Se no, por que conceber-

    mos o funcionamento da rede como um espao, qual o sentido desta

    metfora? A sua pertinncia deve estar na disputa e ocupao de

    reas, na formao de fronteiras, nos movimentos de territorializao

    da matria virtual. A grosso modo, dentro da rede toda desigualda-

    de baseia-se na distribuio diferencial de um cdigo de acesso, no

    agenciamento de um segredo.35

    Temos visto muita discusso em torno do fim do espao, abordado

    como no mais necessrio s relaes humanas. Vrios autores comun-

    gam dessa viso e, sem dvida, os franceses Jean Baudrillard e Paul Virilio

    so os mais conhecidos expoentes dessa corrente. Ambos falam do espao

    e ambos esquecem o espao... como se o espao de que falam fosse ape-

    nas abstrao, como nica dimenso terica possvel para o espao.

    O conceito de virtual no uma novidade do nosso momento tcni-

    co-cientfico-informacional. Conforme Pierre Lvy:

    ...A palavra virtual vem do latim medieval virtualis derivado por sua

    vez de virtus, fora, potncia. Na filosofia escolstica, virtual o que

    existe em potncia e no em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem

    ter passado, no entanto, concretizao efetiva ou formal. A rvore

    est virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente fi-

    losficos, o virtual no se ope ao real mas ao atual: virtualidade e

    atualidade so apenas duas maneiras de ser diferentes.36

    O que Pierre Lvy chama de atualidade e virtualidade, Milton San-

    tos (1996:99), chama de Possibilidade e Realidade: Miliujin (1963, p.226)

    distingue entre possibilidade e realidade. Para ele, a possibilidade repre-

    senta uma tendncia real, oculta nos objetos e fenmenos, que caracteri-

    zam as diversas direes no desenvolvimento do sistema. J a realidade

    tudo quanto existe objetivamente, como possibilidade a ser realizada.

    35 ARANHA FILHO, op. cit. p. 74.36 LVY, Pierre O que o Virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996, p.1.

  • 45

    Assim, a sociedade seria o Ser, a existncia em potncia e, o Espao

    a existncia, o ser em ato. Porm, a relao entre ambos inevitvel, pois

    so processos e partes de outros processos. Separados, seriam abstraes,

    como essas que vemos em algumas obras onde o cyberspace tem vida pr-

    pria, independente de seu construto e de seu construtor. Mais parecendo a

    Sci-Fi citada anteriormente, com seus cybersprectros em Transversal City.

    O Espao virtual tambm uma existncia em ato, mas, e ao mesmo

    tempo, em potncia, espao e sociedade. Alis, o tempo que rege o espao

    virtual difere do tempo das sociedades. o que Michel Serres trabalha em

    seu livro Atlas (1997:179-80) , o Ser a e o Ser fora-aqui. Sendo que o segundo

    o Virtual. Os espaos virtuais, actualmente tecidos pelas virtuosas tcnicas

    da distncia e do tempo em parte abolidos, so h muito tempo frequentados

    por todas as disciplinas do saber e das culturas...Retomando uma meditao

    sobre os Anjos, enchemos de aparelhos o nosso velho hors l.

    Dessa forma, e aceitando que o espao pode ser entendido como um

    sistema de Fixos e Fluxos (SANTOS, 1996:19), temos uma fluidez das

    mensageirias e, os novos anjos, que so os sistemas de comunicao e in-

    formao, por exemplo, formam esses fluxos, ultrapassando os espaos e

    tempos, muralhas e guardas, ligando e desligando fixos em fluxos atravs

    de sempre novos e mais velozes aparatos tecnolgicos de virtualizao

    ou, como afirma (LVY, 1997:23) ... a inveno de novas velocidades o

    primeiro grau da virtualizao, portanto, o tempo.

    5.1. A molecada doida do quarteiro 37

    No final da dcada de 1990, com o uso da Internet mais banalizado,

    na sociedade global, comeam a aparecer novidades com relao ao uso

    social desse espao virtual. Como em todos os comeos, as idias eram

    muitas, os resultados nem sempre satisfatrios e as anlises no acom-

    panhavam e, ainda, no acompanham essa nova velocidade. Vale a pena

    37 A frase de Nicholas Negroponte na obra A vida digital, So Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 194.

  • 46

    citar as experincias que as micronaes proporcionaram, pois foram

    criaes que, nas palavras de Negroponte, feitas pela molecada doida do

    quarteiro, isto , crianas e adolescentes, que criam pases virtuais

    para levar a srio a tarefa de administrar, organizar e prover uma micro-

    nao38. Aparentemente sem contradies, essas novas naes geraram

    tambm dissidncias entre seus governantes.

    Em agosto de 1998, o jornal Folha de S. Paulo publicou matria sobre as

    Micronaes39. Ento, ao entrar no site de Porto Claro, a micronao funda-

    da por brasileiros, o internauta pode passear por diversos lugares. A nao

    estava localizada entre o Brasil e Amrica Central e as lnguas oficiais eram

    Portugus, Francs e a lngua local. Caso desejasse ser um cidado de Porto

    Claro, deveria escolher entre os trs estados que formavam o pas e, atravs

    de e-mail, enviar solicitao para o departamento de emigrao. Nesse e-

    mail-formulrio, deveria colocar, alm dos dados pessoais, o motivo pelo

    qual desejava ingressar naquele pas e, ainda, criar seu personagem. De-

    talhe: este deveria ser til ao pas, caso contrrio no seria aceito.

    Nossa experincia em Porto Claro no foi satisfatria, pois envia-

    mos, conforme foi solicitado, um e-mail com a figurao de um perso-

    nagem, um cientista que pesquisaria sobre o mundo virtual, e recebemos

    apenas um uma mensagem, no qual informava que o Departamento de

    Emigrao tinha muitos pedidos e demoraria a responder, fato que nunca

    aconteceu. No ms de janeiro de 1999, a Gazeta de Campinas, tambm

    em matria sobre esse assunto, informava que a dissidncia em Porto Cla-

    ro gerara mais uma micronao.

    O posicionamento poltico desses presidentes de micronaes era di-tatorial, percebia-se logo pelo e-mail a responder, com todas as imposi-

    38 As micronaes. Disponvel em www.webisland.org/index.html (atu-almente relacionada com jogos de basquete norte americano), www.fu-chl.com.br/portoclaro (atualmente indisponvel), www.geocities.com/capitolhill/5/11 (atualmente indisponvel );www.geocities.com/penta-gon/bunker/344 (atualmente indisponvel); www.geocities.com/tollhill/congress/1544 (atualmente indisponvel); www.novaroma.org (dispon-vel e pode ser acessada em 5 idiomas, incluindo o Latim).

    39 Micronao sai do quarto para a Internet. Folha de S. Paulo 5/8/98, p.5-5.

  • 47

    es de veracidade, juramentos e, no caso de Porto Claro, uma histria com base no europocentrismo dos livros escolares de segundo grau: A histria do pas comea em 1516, quando foi descoberto pelo navegador francs Louis de La Btise40.

    Outra micronao, citada na reportagem do jornal paulista, era Talos-sa41 e, na entrevista, com um deputado pelo Partido Comunista, o jovem Alberto Stolfi, de 18 anos, um brasileiro nascido nos EUA, tmse uma idia da viso poltica encontrada nessas micronaes. Diz o deputado:

    [para ser um netcidado] Que seja uma pessoa madura, sria, mas que goste de se divertir. A pessoa tem de sentir prazer em fazer novas ami-zades, participar de aventuras polticas e construir uma cultura nova... Talossa muito diferente de um RPG42 ou de um pas imaginrio. As pes-soas em Talossa so reais. No assassinamos nem conquistamos vrias mulheres lindas em Talossa. Votamos e aprovamos leis, muitas das quais no tm validade alguma, mas realmente fazemos isto. Est tudo acon-tecendo. Talossa real, uma brincadeira de poltica e de cultura, mas sem fantasia. No percebe o garoto as implicaes e contradies de sua prpria frase: uma brincadeira... sem fantasia.

    Toda essa brincadeira (inventar) de nao, na verdade, coloca o si-mulacro como um momento importante em meio essa alienao tecno-lgica, que a sociedade ps-industrial ciberntica est vivenciando neste novo milnio, pois captura o imaginrio e fica a sensao de tudo poder ser feito ou o que for feito e decidido no plano da virtualidade em nada implica concretamente, apenas subjetivamente. Acreditar nesse real o garoto insiste que as pessoas e as naes so reais leva a ingenuidade de acreditar que as pessoas esto levando tudo a srio.

    Assim, o espao muda de suporte, de status, de funo social. exa-

    tamente o que Lvy alertava, anteriormente, sobre a relao virtual-real,

    40 Micronao sai do quarto para a Internet. Folha de S. Paulo 5/8/98, p.5-5.41 Talossa um reino criado por Robert Ben Madisom em Milwaukee/EUA de

    13 anos. Disponvel from www.execpc.com/~talossa. Grifo nosso. Since 1979, an Independent, Sovereign Country in the Heart of North America.

    42 Role-Playing Game um jogo de mesa onde os participantes criam seus personagens e um mestre comanda o jogo sem prazo ou tempo parta terminar, alguns duram meses.

  • 48

    como forma de conhecimento, de libertao das pessoas para a nova mo-

    rada do ser humano (LVY, 1997:150) vira brincadeira de adolescentes.

    Logo, aquilo que poderia ser um, to somente, um suporte para as novas

    mensageirias, , ento, tomada de assalto por uma legio de novos anjos in-

    fantis. Querendo ser deuses, criam naes, cidades, re-criam a urbanizao

    que, no virtual, foge das mos dos arquitetos e planejadores. Talvez, esses

    adolescentes estejam antevendo como responder a questo de William J. Mi-

    tchell, reitor da Escola de Arquitetura do MIT, em Cambridge/EUA: Como

    o virtual e o fsico devem se relacionar um com o outro?43

    Despreocupados, esses anjos infantis, ludicamente, ferem e interfe-

    rem na paisagem desse espao virtual. ... A loucura ou a alienao no

    residiro... na estranha deciso de encerrar todo o espao e os seus acon-

    tecimentos num s lugar suposto partida interior [o EU]? (SERRES,

    1997:78). O hors l praticado e no apenas teorizado.

    Criadores angelicais e suas criaturas monstruosas de mensageirias,

    povoando a percepo de novos anjos submissos, virtuais e fsicos, em que

    a percepo impregna as naes de objetos desterritorializados, mas no

    menos objetos. Fora do tempo-espao, as micronaes anulam todas as

    contradies de uma sociedade? As dissidncias seriam apenas partes da

    brincadeira desses anjos infantis? Suspensos em rede, os anjos sobrevoam

    e deslizam pela criatura, mas o novo brinquedo quanto pode durar?

    Como no so deuses, esses criadores devem saber ou imaginar que

    a brincadeira se transformar em outra coisa ou acabar um dia, como

    aconteceu realmente com muitas das micronaes. A rede de mensageirias

    tambm a condio efmera dos seus registros, a fragilidade de o histri-

    co manter-se como memria (FRANCO, 1997:86). Um espao-tempo que

    nasce com seus dias contados, dias que fogem dialtica da noite, dias que

    percorrem computadores em vrios pontos do planeta, podendo at dois

    extremos estarem no mesmo momento.

    43 Citado por RABINOVIVI, Moiss - Invaso de Bits transforma a vida das cidades in MORENO, Jlio (coord.)Da cidade de Pedra cidade vir-tual. Contribuio para o debate sobre o futuro do nosso habitat. So Paulo: Agncia Estado, 1996, p.43.

  • 49

    A potica pergunta de Serres (1997: 80): Quem que no ouve, noi-

    te, os apelos do dia? Ele ecoa pelas redes em espaos diversos. Mas, isso

    no parecia importar a esses anjos infantis, eles se apropriaram e, depois,

    esqueceram ou desistiram. Na noite do cyberspace, sol e lua brilham em

    espaos solidrios, sempre os ltimos, porm. Para re-aparecerem depois

    re-novados, mas no re-nascem. Sempre nicos e ltimos.

    A brincadeira desses arcanos pode tecer a cultura do amanh, como suge-

    re Lvy (1996:132) , ...Para inventar a cultura do amanh, ser preciso que nos

    apropriemos das interfaces digitais. Depois disso ser preciso esquec-las. O es-

    quecimento parte essencial do aprendizado, e os novos anjos o sabem bem.

    Analisando os alucinados anos noventa e as novas tecnologias da

    comunicao e informao, Nicolau Sevcenko e Candido Mendes44, na

    PUC-SP, tratam de liberdade e tecnologia, Sevcenko afirmava

    ...por causa dessa complexidade tecnolgica, se est sujeito a formas de

    rotinizao, de massificao e de alienao que nunca nenhum outro ho-

    mem conheceu em outros tempos, e Mendes completava ... o terrvel e o grande perigo da liberdade hoje em dia a ditadura dos simulacros,

    ou seja, a capacidade que ns temos de no mais ver a vida, mas sim ver

    a vida como ela nos imposta, por meio dessa enorme, digamos assim,

    captura do imaginrio pelos sistemas de mdia contemporneos.

    5.2 Para que se preocupar com a Internet...

    ...Conceitos em uma disciplina so freqentemente apenas metforas

    nas outras, por mais vizinhos que se encontrem. Metforas so fla-

    shes isolados, no se do em sistemas e no permitem teorizaes...

    SANTOS, Milton. A natureza do Espao. So Paulo: HUCITEC, 1996,

    p. 70-1

    Os anos finais da dcada de 1990 foram especialmente ricos em afir-

    maes que no se comprovaram nos anos posteriores. Os meios de co-

    44 Srie Dilogos Impertinentes, TV Cultura, So Paulo, 27/08/96 editado em Fita de vdeo cassete.

  • 50

    municao impressos utilizaram exausto a temtica das novas tecno-

    logias da informao e comunicao, buscando respaldo em intelectuais.

    Como exemplo dessa situao, destacamos, quando em 18 de fevereiro

    de 1998, um caderno especial intitulado Internet World Media Network,

    preparado em colaborao com a World Media Network, um pool inter-

    nacional de 22 jornais e revistas, que atingia 40 milhes de leitores em 22

    pases, veiculado junto ao jornal Folha de S. Paulo e na pgina 12, desse

    caderno, encontramos trs artigos dos chamados pelo jornal de Os Con-

    testadores Ray Bradbury (escritor de fico), Carlos Fuentes (escritor) e

    Jean Baudrillard (socilogo).

    Nesses trs artigos, os autores argumentavam e explicavam as razes para

    contrariar a lgica atual do uso do computador como essencial. Obviamente

    que, no espao de um artigo de jornal, fica difcil fazer grandes teorizaes,

    porm, interessante citar, ao menos, alguns trechos. Ray Bradbury conside-

    rava, desde o ttulo, que Nada substitui a leitura de um bom livro. Durante

    o artigo, ele no entrava no mrito do que seja um bom livro, mas dizia:

    Nada pode tomar o lugar da leitura, porque precisamos de estmu-

    los. Se uma jovem comea a ler livros escritos por outras mulheres e

    descobre Jane Austen e Edith Wharton, ela comea a compreender

    o que ser mulher (especialmente o que ser mulher de grande ima-

    ginao) ter capacidade de observar as pessoas e preocupar-se com

    elas. Prosseguia nessa linha, invocando a necessidade da leitura e

    acrescentando a resistncia maior do Europeu, em relao Internet:

    ... Quando estou em Paris... penso: para que se preocupar com a In-

    ternet, quando voc tem a vida real logo ali, diante da porta?

    Carlos Fuentes no diferia muito de Bradbury, reconhecendo que

    existe o lado bom das novas tecnologias, porm:

    ...A grande diferena entre os meios visuais modernos eletrnicos e a

    cultura literria e artstica do passado que no houve uma crtica desses

    meios, da imagem da TV, por exemplo... J tempo de comear a elabo-

    r-la, porque seno esses meios nos convertero em seres apticos.

  • 51

    Adiante, de maneira potica, descrevia a relao com o livro como um

    ato de amor e mais,

    ... Se tenho um livro maravilhoso para ler sentado na praia, para que

    arrastar um computador comigo, como se fosse um caracol e que

    tem a lentido de um caracol? Um livro tem asas, e no acredito que

    a Internet as tenha.

    Finalmente, Baudrillard, que conclamava:

    Mais do que qualquer outro meio de comunicao, a Internet nos tor-

    na escravos da comunicao forada... Vivemos na era da chanta-

    gem da comunicao, da qual o telefone celular, ao lado da Internet,

    uma das metamorfoses mais recentes. O celular um instrumento

    obsceno que gera uma quebra temvel entre o privado e o pblico.

    Todas as outras formas de comunicao, conforme o autor, iriam se

    render Internet, uma vez que o xtase da comunicao total nos faria

    perder os parmetros para ter julgamentos coesos. Viveremos num con-

    senso total. Talvez, parodiando o Marx do Manifesto Comunista, o autor

    termina seu artigo assim: A Internet um meio de comunicao fatal

    que traz consigo as sementes de sua prpria destruio.

    Mas, a tnica do caderno especial no era a contestao45, ao contr-

    rio, entre um e outro alerta, o texto sugeria a conexo total.

    45 A ironia que, ao lado dos trs artigos, uma coluna em forma de totem indicava sites todos eles hoje indisponveis sobre os autores: BRA-DBURY, Ray http:// www.cl.uh.edu/futureweb/bradbury.html; FUEN-TES, Carlos. http://www.uzdmizi.zdu.uni-mainz.de/~bohn/fuentes.html: BAUDRILLARD, Jean http://www.dc.peachnet.edu/ Os atuais sites (2007) so: BRADBURY,Ray http://www.raybradbury.com; FUEN-TES, Carlos http://www.clubcultura.com/clubliteratura/clubescritores/carlosfuentes/index.htm ; BAUDRILLARD, Jean http://www.gpc.edu;

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    Outro artigo, que podemos destacar, do mesmo caderno, O impacto da

    rede no terceiro mundo(p.10), de Michael Connors, diretor do Banco Robert

    Fleming, no qual afirmava: A maior parte do mundo ainda tem um longo

    caminho a percorrer antes de comear a se interessar por luxos tecnolgicos como

    a Internet. Ainda, assim, o desfecho , at certo ponto, otimista, o que nos

    leva a concluir que, no fundo, os possveis beneficiados, do uso descabido da

    tecnologia na comunicao, so os pases em desenvolvimento.

    Um pessimista conformado era o jornalista Andreas Evagora, em Inter-

    net fala-se em Ingls e pensa-se como os EUA. Querendo alertar o leitor sobre

    o impacto da lngua inglesa no domnio da Internet, na verdade, convida para

    uma interao com a lngua. Cita a opinio do professor Bruno Oudet, da

    Universidade de Grenoble ... assim como algumas lnguas desapareceram com

    a universalizao da escrita, algumas lnguas contemporneas vo desaparecer

    em funo da Internet(p.10).

    Em uma entrevista concedida a Phipippe Petit e, transformada no livro,

    significativamente intitulado El Cibermundo, la poltica de lo peor, Paul Viri-

    lio afirmava:

    A constituio de uma cidade da informao, de uma omniplis, de

    uma cidade de cidades torna mais confuso o futuro geopoltico...O

    modelo de nosso mundo que se estabelece do delrio da informao

    Babel, e a internet um signo disso. A megacidade Babel...Babel

    a guerra civil!46

    46 La constituicin de una ciudad de la informacin, de una omnipolis, de una ciudad de ciudades, hace todava ms confuso el futuro geopolti-co El modelo de nuestro mundo que se establece tras el delirio de la informacin es Babel, e Internet es un signo de ello. La megaciudad es Babel Babel es la guerra civil! VIRILIO, Paul. El Cibermundo, la polti-ca de lo peor. Barcelona: Catedra, 1999, 78-9.

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    Ao que seu entrevistador exclama: O Senhor bastante pessimista!47

    Virilio responde:

    Se exagero um pouco porque quase ningum o faz... No sou, ab-

    solutamente, contra o progresso, porm, somos imperdoveis, depois

    das catstrofes ecolgicas e ticas que conhecemos tanto Auschiwitz

    como Hiroshima por nos deixarmos seduzir pela espcie de utopia

    que pretendia nos fazer crer que a tcnica traria finalmente a felicidade

    e um maior sentido humano. Minha gerao no pode permitir isso. Eu

    fao, portanto, um trabalho de contra-fogo, de membro da resistn-

    cia... Ocupao, hoje em dia, so as novas tecnologias e os meios de

    comunicao. Eu sou membro da resistncia porque existem demasia-

    dos colaboracionistas que, uma vez mais atentam contra o progresso

    salvador, a emancipao e o homem livre de toda coao, etc.48

    A preocupao, e muitas das afirmaes como j dissemos, no se

    comprovaram no dinamismo da realidade que a Internet se tornou, in-

    clusive em pases subdesenvolvidos como o Brasil, onde o ORKUT bateu

    os recordes mundiais de participao de brasileiros e devemos destacar o

    importante papel dos media que informam e inflamam o leitor comum

    no seu cotidiano com as novas tecnologias da informao e comunicao.

    Todos esses exemplos nos levam reflexo.

    47 Es usted bastante pesimista! Idem, Idem.48 Si me paso un poco es porque casi nadie lo hace No soy en absoluto en

    contra del progreso, pero somos imperdonables, despus de las catstrofes ecolgicas y ticas que hemos conocido tanto Auschwitz como Hiroshima al habernos dejado seducir por la especie de utopa que pretende hacer-nos creer que la tcnica aportar finalmente la felicidad y un mayor sen-tido humano. Mi generacin no puede permitir eso Yo hago, por tanto, un trabajo de contrafuego, de miembro de la resistencia Ocupacin hoy en da, son las nuevas tecnologas y los medios de comunicacin. Yo hago de miembro de la resistencia porque hay demasiados colaboracionistas que una vez ms atentan contra el progreso salvador, la emancipacin y el hombre liberado de toda coaccin, etc. VIRILIO, Paul. El Cibermundo, la poltica de lo peor. Barcelona: Catedra, 1999, 78-9.

  • 54

    Diferentemente da proposta apresentada por Munford, com a cidade

    invisvel ou Netrpolis49, a cidade virtual est sendo pensada e objetivada

    pelos profissionais da comunicao como mais um meio (para alguns, o

    mais importante) na transmisso da informao. Assim sendo, a cidade

    virtual estruturada pela informao que viaja pela(s) rede(s). As ma-

    neiras de otimizar as informaes melhoram a cada dia, criando sites de

    mesmo assunto, todos relacionados como uma sub-teia da teia maior

    do que a Internet.Porm, entre criao de meio e de cidade existe uma

    distncia muito grande e muito importante.

    Cabe aos medias, hoje, um papel especial na cidade por ns habitada:

    so eles que criam, tambm, os medos. Conforme nos alerta Martn-Barbe-

    ro (1998:5), ...Se a televiso atrai, isso em boa parte porque a rua expulsa.

    Insiste este autor na super-valorizao da informao, situao na qual os

    informados sentem-se protagonistas por apenas Ter a informao, sendo que

    os verdadeiros protagonistas so outros(1998:7) . Ou na obra, de 2004, do

    socilogo e professor da Universidad Complutense de Madrid, Enrique Gil

    Calvo, El miedo es el mensaje. Riesgo, incertidumbre y medios de comunicacin,

    em que, no prprio ttulo, como uma pardia do ttulo do conhecido livro

    de Marshal McLuhan, aponta para a globalizao com seus aspectos centrais

    de aumento da possibilidade de transporte, deslocamentos e informao. Nas

    palavras de Roberto Luciano Barbeito, comentando a obra de Gil Calvo50:

    49 MUNFORD, Lewis. A cidade na histria. Suas origens, transformaes e perspectivas. So Paulo:Martins Fontes, 2008, p. 671.

    50 Pues bien, en la sociedad global, lo peculiar de los medios y de los climas de opinin (que conforman, en definitiva, la opinin pblica) es que no slo transmiten los riesgos reales, sino que tambin los amplifican, los transfor-man e, incluso, crean sus propios riesgos. Como consecuencia de todo ello, provocan un estado de alarma colectiva (riesgos percibidos) que no siempre se ajustan a la realidad. Sucede as por la propia naturaleza de la opinin pblica, esto es, la de los medios y la de los climas.

    Como se ha dicho, su misin no es otra que la generar expectativas co-lectivas de futuro, normalmente alertando de los peligros, para prevenirse de ellos, tal y como hacen los reguladores sociales de la ciberntica pro-puestos por Ashby en los aos 60, y al que, tras muchas vueltas, acude de nuevo Gil Calvo. Pero, para alertar eficazmente de los peligros, los medios y los climas no pueden limitarse a describir la realidad visible (pues es la

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    Pois bem, na sociedade global, o peculiar dos meios e dos climas de

    opinio (que conformam, em definitiva, a opinio pblica) que no s

    transmitem os riscos reais, seno que tambm os amplificam, os trans-

    formam e, inclusive, criam seus prprios riscos. Como conseqncia de

    tudo isso, provocam um estado de alarme coletivo (riscos percebidos)

    que nem sempre se ajustam realidade. Sucede assim pela prpria

    natureza da opinio pblica, isto , a dos meios e a dos climas. Como

    se disse, sua misso no outra que a gerar expectativas coletivas

    de futuro, normalmente alertando dos perigos, para se prevenir deles,

    tal e como fazem os reguladores sociais da ciberntica propostos por

    Ashby, nos anos 60, e ao que, depois de muitas voltas, retorna Gil Calvo.

    Mas, para alertar eficazmente dos perigos, os meios e os climas no

    podem se limitar a descrever a realidade visvel (pois a menos ame-

    aante), seno que tambm e,, sobretudo, devem tentar descobrir os

    antecipando (s vezes, erroneamente; s vezes, interessadamente), os

    perigos provenientes da realidade selvagem. Da que o trgico destino

    da opinio pblica, na sociedade global, seja o de ser mensageira do

    medo coletivo, de um medo que resulta, finalmente, ingovernvel pelo

    prprio carter emergente dos climas de opinio. Trgico, ademais,

    porque, tratando de evitar o perigo, ali