planejamento tributário: uma visão geral · 250 r. emerj, rio de janeiro, v. 15, n. 59, p....

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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 250-272, jul.-set. 2012250 Planejamento Tributário: Uma visão geral Flavio Maos Mestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). LL.M em Direito pelo Ibmec- Rio. Advogado no Rio de Janeiro. 1. INTRODUÇÃO De acordo com a definição constante do Dicionário Aurélio da Lín- gua Portuguesa, planejamento é o “trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados”. Planejar, portanto, denota a avidade desnada a alcançar um ob- jevo específico. No campo tributário, o planejamento caracteriza-se por ser uma programação do contribuinte visando à redução da carga fiscal. Ninguém é obrigado a pagar maior tributo do que o devido. O con- tribuinte possui, assim, liberdade para programar seus negócios e avida- des de modo a ser impactado por menor carga fiscal. Todavia, o exercício desse direito encontra limites, tendo em vista que o contribuinte deve pautar seu comportamento de forma a não abu- sar do planejamento desnado a gerar menor impacto fiscal. Isso porque, num Estado Democráco de Direito, o Estado necessita de recursos para entregar as prestações sociais que lhe são atribuídas, o que pressupõe uma distribuição justa dos encargos e prestações pecuniárias a cargo dos contribuintes. Uma caracterísca marcante da chamada sociedade pós-moderna, ou sociedade de risco, é que a desoneração tributária de determinado grupo necessariamente terá o efeito de transferir o ônus para outro gru- po, às vezes com menor capacidade contribuva, que acaba sendo injus- tamente impactado pelo encargo fiscal. É o fenômeno da ambivalência, muito bem captado por Ricardo Lodi Ribeiro. 1 1 LODI RIBEIRO, Ricardo. A Segurança Jurídica do Contribuinte (Legalidade, Não-surpresa e Proteção à Confiança Legíma. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2008, p. 54: “Por outro lado, como o peso dos tributos tem uma imen- sa significação no preço dos bens e serviços oferecidos na economia, o afastamento do pagamento de uma exação em relação a um integrante de determinado setor econômico, seja por meio de planejamento fiscal, de decisão judicial, ou da simples sonegação, terá como consequência a redução significava do seu preço em detrimento dos

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yR. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 250-272, jul.-set. 2012y250

Planejamento Tributário: Uma visão geral

Flavio Ma�osMestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). LL.M em Direito pelo Ibmec-Rio. Advogado no Rio de Janeiro.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a definição constante do Dicionário Aurélio da Lín-gua Portuguesa, planejamento é o “trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados”.

Planejar, portanto, denota a a!vidade des!nada a alcançar um ob-je!vo específico. No campo tributário, o planejamento caracteriza-se por ser uma programação do contribuinte visando à redução da carga fiscal.

Ninguém é obrigado a pagar maior tributo do que o devido. O con-tribuinte possui, assim, liberdade para programar seus negócios e a!vida-des de modo a ser impactado por menor carga fiscal.

Todavia, o exercício desse direito encontra limites, tendo em vista que o contribuinte deve pautar seu comportamento de forma a não abu-sar do planejamento des!nado a gerar menor impacto fiscal. Isso porque, num Estado Democrá!co de Direito, o Estado necessita de recursos para entregar as prestações sociais que lhe são atribuídas, o que pressupõe uma distribuição justa dos encargos e prestações pecuniárias a cargo dos contribuintes.

Uma caracterís!ca marcante da chamada sociedade pós-moderna, ou sociedade de risco, é que a desoneração tributária de determinado grupo necessariamente terá o efeito de transferir o ônus para outro gru-po, às vezes com menor capacidade contribu!va, que acaba sendo injus-tamente impactado pelo encargo fiscal. É o fenômeno da ambivalência, muito bem captado por Ricardo Lodi Ribeiro.1

1 LODI RIBEIRO, Ricardo. A Segurança Jurídica do Contribuinte (Legalidade, Não-surpresa e Proteção à Confiança Legí"ma. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2008, p. 54: “Por outro lado, como o peso dos tributos tem uma imen-sa significação no preço dos bens e serviços oferecidos na economia, o afastamento do pagamento de uma exação em relação a um integrante de determinado setor econômico, seja por meio de planejamento fiscal, de decisão judicial, ou da simples sonegação, terá como consequência a redução significa!va do seu preço em detrimento dos

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Assim, num Estado Democrá!co de Direito, o abuso no planeja-mento tributário certamente cria situações de injus!ça, posto que fomen-ta desequilíbrio à distribuição dos encargos de financiamento do Estado.

2. ESTADO FISCAL # DEVER DE PAGAR TRIBUTOS E O DIREITO AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

José Casalta Nabais defende a ideia de que o tributo representa um dever fundamental, pois integra a cons!tuição do indivíduo. É que “o im-posto não pode ser encarado, nem como mero poder para o Estado, nem simplesmente como um mero sacri"cio para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado”2.

O Estado, para cumprir suas tarefas de promoção dos interesses pú-blicos, necessita naturalmente de recursos e esse recursos são extraídos da cobrança de tributos. É certo que a tributação não representa um fim em si mesmo; vale dizer, não é obje!vo primário do Estado, mas um meio para que este cumpra suas funções de Estado de Direito e Estado de Direi-to Social pautado no equilíbrio entre seu suporte financeiro (Estado Fis-cal) e suas tarefas de promoção das necessidades cole!vas dos cidadãos.

Esse direito fundamental de pagar tributos é des!nado, porém, àqueles fiscalmente capazes, que devem contribuir na medida de suas respec!vas capacidades contribu!vas, pois os impostos cons!tuem o pre-ço da manutenção da liberdade, ou melhor, o preço inerente a uma socie-dade civilizada.

Assim é que boa parte dos Estados modernos civilizados se orga-nizam em regime de Estado Fiscal, no sen!do de que suas necessidades sejam sa!sfeitas por meio de impostos incidentes sobre a captura de par-cela da riqueza econômica produzida pela sociedade civil.

Em contraposição ao Estado Fiscal, encontram-se: de um lado, o Estado Não Fiscal, marcado pela geração de receitas oriundas (i) da explo-ração do seu próprio patrimônio (Estados absolu!stas); (ii) da exploração de a!vidades econômicas (estados socialistas); ou (iii) da exploração de

seus concorrentes, que certamente perderão parcelas significa!vas de mercado ou até mesmo desaparecerão. Essas situações bastante corriqueiras em nossa realidade mostram que o interesse de um contribuinte passa a ser dis!nto do interesse do outro, cabendo ao Estado arrecadar de todos eles, pela forma definida em lei, o que pres-supõe uma representação de consenso entre os mais variados segmentos sociais e econômicos. (...) Na verdade, a lei fiscal apresenta uma natural ambivalência encontrada nos efeitos colaterais que uma medida posi!va para determinados contribuintes representará ao direito de outros”. (Grifado).

2 CASALTA NABAIS, José. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra, Almedina, 1998, p. 185.

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matérias-primas (petróleo, ouro etc.); e de outro lado, o Estado Tributá-rio, marcado não pelo assentamento em tributos unilaterais, mas sim, nos tributos bilaterais (taxas e contribuições especiais).

O certo, porém, é que o Estado Fiscal é tanto o Estado Fiscal liberal quanto o Estado Social e o desafio é justamente buscar de uma tributação que seja estritamente necessária para manter o funcionamento global da sociedade.

Importante, nesse ponto, como diz Casalta Nabais, é que o Estado deve confiar na regra de autorresponsabilidade dos cidadãos quanto à sa!sfação de suas necessidades (autossa!sfação), de sorte a que o Estado tenha uma configuração subsidiária, evitando paternalismo desmedido.

Permi!r o alargamento do Estado, pode levar à metamorfose de um Estado Fiscal em Estado Patrimonial, levando a uma “socialização a frio”. O an#doto é a cons!tucionalização do Estado Fiscal, de maneira a evitar que a tributação “se converta no ‘cavalo de Troia’ do socialismo no estado de direito burguês, ou seja, que através do aumento quan!ta!vo dos impostos se dê uma mutação qualita!va, que ponha termo ao estado fiscal e instaure um estado de caráter patrimonial ou proprietário”.3

O Estado Fiscal pressupõe a separação entre Estado e Sociedade, embora não seja uma separação total e absoluta (i.e. não é uma oposição total como ocorria no Estado Liberal clássico), mas que o Estado se pre-ocupe precipuamente com a polí!ca e a Sociedade, fundamentalmente com a economia.

Não se trata de uma separação estanque, mas que exista uma zona de interseção minoritária entre Estado e Sociedade, caracterizada por intervenções e ações pontuais na economia, absolutamente normais e necessárias para manter o equilíbrio e a autopreservação global da eco-nomia.

A pressuposta separação do Estado Fiscal entre Estado e Economia obje!va a que esta transfira parcelas de sua produção para a sustentação daquele. Essa separação vai permi!r que ambos se pautem por critérios próprios ou autônomos. Orientando-se o Estado por critérios de promo-ção e sa!sfação de interesses da Sociedade e realização de jus!ça, há uma atuação inerentemente mais generalizada ao contrário da Economia que, orientada para a geração de lucros, acaba por se pautar e se organizar em sistema mais obje!vo e em constante busca por produ!vidade.

3 O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Págs. 194/195.

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Entretanto, a própria racionalidade (ou eficiência) do sistema eco-nômico é limitada, já que não considera outros obje!vos que não a pró-pria geração de dinheiro. É fundamental, pois, a atuação do Estado para que outros interesses sejam tutelados, inclusive o controle e a correção do sistema econômico, de maneira que este não ponha em risco outros interesses (meio ambiente, direitos dos trabalhadores etc.).

Todavia, é de ressaltar que o financiamento dos Estados contem-porâneos ainda é fortemente marcado pelo regime de Estado Fiscal, na medida em que é muito di"cil adjudicar a indivíduos certos bens e servi-ços entregues pelo Estado à sociedade (polí!ca externa, defesa etc.), sem falar em a!vidades, que embora adjudicáveis a indivíduos, acabam por determinação cons!tucional sendo financiadas por impostos e, portanto, apropriadas cole!vamente (educação, saúde).

Sob a ó!ca do contribuinte, o Estado Fiscal significa a livre disponi-bilidade econômica dos indivíduos, que implica seu suporte: primeiro, no princípio da autorresponsabilidade ou primazia da sa!sfação privada das necessidades econômicas, ancoradas no respeito pelo Estado Fiscal dos direitos e liberdades de natureza econômica (propriedade, liberdade pro-fissional e de trabalho etc.); e segundo, em uma base democrá!ca mínima sobre a determinação do poder do Estado.

Esse princípio da livre disponibilidade econômica dos indivíduos apoia-se em dois subprincípios: o de livre planejamento pelos contribuin-tes e o da par!cipação democrá!ca na formação da vontade da comuni-dade polí!ca do Estado.

No primeiro, reconhece-se ao contribuinte o direito de planejar a sua vida econômica de maneira a obter economia com o pagamento de impostos, desde que não cometa fraude à lei imposi!va ou abusos na con-figuração jurídica do fato tributário da qual resultem situações de evasão fiscal.

Em relação ao segundo, cujo obje!vo é o de evitar abusos na con-formação e atuação estatal, deve ser assegurada [e es!mulada] a par!ci-pação dos indivíduos na formação polí!ca da comunidade estatal, sendo necessária a configuração e o funcionamento de um sistema democrá!co (inclusive delineado com mecanismo de plebiscito e referendo) des!na-do a oxigenar a definição da vontade da comunidade demarcando-se os papéis dos indivíduos na promoção dos projetos privados e da atuação estatal na sa!sfação das necessidades cole!vas.

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A ideia de Estado Fiscal, segundo lições de Ricardo Lobo Torres, “coincide com a de liberdade. Só o Estado que cul!va a igualdade e a le-galidade - no qual o poder tributário já nasce limitado pela liberdade, e que, ao mesmo tempo, necessita de recursos provenientes da economia privada, mais abundantes que os da polis e das comunidades medievais - é que se pode classificar como Estado Fiscal. A fiscalidade, por con-seguinte, é fenômeno que historicamente coincide com a formação dos Estados Nacionais, do Estado Federal, da Democracia Liberal ou do Estado Cons!tucional”.4

O que caracteriza o Estado Fiscal é a sua sustentação em emprés-!mos autorizados e garan!dos pelo Legisla!vo e especialmente nos im-postos derivados das riquezas geradas pelo trabalho e patrimônio dos indivíduos, cindindo-se completamente do patrimônio das monarquias absolu!stas.

O Estado Fiscal contribuiu para o desenvolvimento das inicia!vas privadas importando o crescimento do comércio, da indústria e dos servi-ços. Todavia, por ser o preço a ser pago a liberdade, foi preciso que fosse limitado para que não ameaçasse a própria liberdade, o que foi feito pelo cons!tucionalismo e pelas declarações de direitos.

O Estado Fiscal não se exaure no modelo clássico liberal, tendo se encaminhado para o modelo social fiscal e, posteriormente, para o Estado Democrá!co Fiscal.

O Estado Social se caracteriza por ser o próprio estado de direito do liberalismo com contorno social. É o Estado que não se limita a proteger as liberdades individuais, mas que também entrega prestações posi!vas na área social segundo critérios de jus!ça.

O Estado Democrá!co Fiscal surge com a crise do Estado Fiscal Social que era indiferente ao aspecto financeiro. O traço do Estado De-mocrá!co Fiscal é a abertura para a proteção dos direitos fundamentais, mas efe!vamente sensível ao critério financeiro, que passa a ter um vetor cons!tucional.

De acordo com Ricardo Lobo Torres, o liberalismo firmou-se no sé-culo XIX, na mesma ocasião em que ocorria a independência e a cons!-tuição do Estado Fiscal, por meio da incorporação de diversos ideais do Iluminismo.5

4 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Cons"tucional Financeiro e Tributário. V. II. Rio de Janeiro, Renovar: 2005.

5 A Ideia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal.

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Segundo o mesmo autor, o Estado Fiscal abrange tanto o sistema tributário quanto os braços financeiro e orçamentário da denominada Cons!tuição Financeira, tendo sido inaugurado com o Estado de Direito, sendo impossível procurá-lo antes da Modernidade.

O Estado Fiscal pressupõe liberdade e somente “O Estado que cul!-va a igualdade e a legalidade, no qual o poder tributário já nasce limitado pela liberdade, e que, ao mesmo tempo, necessita de recursos provenien-tes da economia privada, mais abundantes que os da polis e das comu-nidades medievais, é que se pode classificar como Estado Fiscal. A fisca-lidade, por conseguinte, é fenômeno que historicamente coincide com a formação dos Estado Nacionais, do Estado Federal, da Democracia Liberal ou do Estado Cons!tucional”.6

Esse modelo de Estado permi!u o grande progresso da humanidade a par!r da abertura do comércio internacional e das indústrias nacionais, abrindo espaço para o aumento da liberdade humana. O Estado Fiscal, para garan!r a liberdade, precisava cobrar tributos a par!r de captação das parcelas geradas pela propriedade privada, mas ao mesmo tempo em nome da própria liberdade era necessário limitar o poder tributário de imposição como forma de garan!r a sobrevivência da liberdade e da propriedade privada, o que se fez por meio das primeiras cons!tuições modernas.

O Estado Fiscal enfrentou sua primeira crise no início do século XX, em razão de uma forte concorrência comercial entre os países europeus, principalmente na disputa pelos mercados consumidores. Esta concorrên-cia deu origem a inúmeros conflitos de interesses, gerando uma corrida armamen!sta de proteção ou ataque que, cedo ou tarde, desencadeou a Primeira Grande Guerra.

Como forma de superação da primeira crise do Estado Fiscal, surgiu o Estado Social Fiscal, de matriz keynesiana, preconizando maior intervenção na economia, conjugada com uma crescente concessão de bene"cios sociais.

Segundo Ricardo Lobo Torres7, “o Estado Social se caracteriza por ser o mesmo Estado de Direito do liberalismo voltado para o social. É o Estado que não se limita a proteger as liberdades individuais, mas que as protege e, simultaneamente, entrega prestações posi!vas orientadas pela ideia de jus!ça ou pela u!lidade”.

6 Tratado de Direito Cons"tucional Financeiro e Tributário. V. I, p. 522.

7 Tratado de Direito Cons"tucional Financeiro e Tributário. V. I, p. 532.

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A diferença entre Estado Fiscal e Estado Social Fiscal é agregacional:

o Estado Social Fiscal é o mesmo Estado Fiscal acrescido de aberturas para

o social e para uma maior intervenção polí!ca e econômica, pelo governo,

na vida privada. O Estado Social Fiscal !nha por obje!vo tornar-se um

Estado de Jus!ça Fiscal ou provedor material.

O Estado Fiscal enfrentou sua segunda crise com o advento das cri-

ses do petróleo da década de 1970, que colocaram em xeque o Estado do

bem-estar social (e consequentemente do Estado Social Fiscal), em virtu-

de do insuportável endividamento público, da recessão econômica e dos

orçamentos públicos deficitários.

A alterna!va para a solução dessa segunda crise do Estado Fiscal é o

modelo do Estado Democrá!co de Direito e, por conseguinte, da formula-

ção do Estado Democrá!co Fiscal, caracterizado por uma sensibilidade pelo

social delimitada, porém, pela garan!a de proteção aos direitos fundamen-

tais, sem perder de vista a perspec!va das possibilidades financeiras.

Segundo Ricardo Lobo Torres, o “Princípio do Estado Democrá!co

Fiscal aperfeiçoa e simplifica o Princípio do Estado Social Fiscal”, pois é o

“próprio Estado Social Fiscal podado em seus excessos, que agora convive

como princípio de subsidiariedade e subs!tui a simbiose entre Estado e

Sociedade presente no Estado Intervencionista”.8

O Estado Democrá!co Fiscal não se caracteriza por ser unicamente

um Estado de Impostos. É, antes, um Estado de Taxas e Contribuições sen-

sivelmente aberto à tributação ambiental.

O Estado Fiscal é um Estado de Impostos por excelência, mas o

Estado Democrá!co Fiscal é ni!damente aberto ao Estado de Taxas por

questões de jus!ça. É que em razão de as taxas serem cobradas pelo sis-

tema de custo-bene"cio, fica mais fácil atribuir o pagamento da despesa

pública àquele que provocou a atuação estatal. Da mesma forma, o Esta-

do Democrá!co Fiscal também é um Estado de Contribuições porque o

Estado Democrá!co de Direito exerce a!vidades nos campos da extrafis-

calidade e da parafiscalidade. E do ponto de vista da jus!ça, prevalece a

ideia de que o grupo beneficiário (ou provocador) da atuação estatal deve

arcar com o financiamento da a!vidade estatal.

8 Tratado de Direito Cons"tucional Financeiro e Tributário. V. I, p. 547.

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3. PLANEJAMENTO FISCAL, ELISÃO, EVASÃO E ABUSO FISCAL

Em razão de a imposição tributária representar diminuição no pa-trimônio do contribuinte, é natural a tendência de o contribuinte buscar alterna!vas para escapar do ônus fiscal ou, ao menos, tentar reduzir o respec!vo impacto em seus negócios e a!vidades.

É certo, porém, que essa busca pela alterna!va menos onerosa en-contra limites. Todavia, não é tarefa fácil encontrar os limites aceitáveis dessa redução do ônus fiscal.

De um lado encontra-se a evasão, caracterizada pela total ilicitude do comportamento manifestado pelo contribuinte e que cons!tui, geral-mente, comportamentos !pificados pela legislação penal. De outro lado, a elisão, que corresponde a comportamento plenamente lícito de econo-mia fiscal. Em uma área cinzenta entre os dois extremos encontra-se a elisão ilícita ou abusiva.

Na evasão, o contribuinte procura esconder ou retardar a ocorrên-cia do fato gerador, geralmente confundindo-se esta situação com outras situações de sonegação, simulação e fraude contra a lei. Na elisão, o com-portamento do contribuinte é orientado pela ausência da prá!ca do fato gerador, por meio da prá!ca de expedientes legí!mos. A elisão abusiva surge exatamente na distorção do uso desses elementos lícitos por parte do contribuinte.

A doutrina clássica procura diferenciar a evasão da elisão pelo mo-mento de ocorrência do fato gerador. Nessa linha, o expediente será lícito se pra!cado antes da ocorrência do fato gerador e ilícito, se pra!cado após esse marco; sendo expoente dessa linha de pensamento Roberto Sampaio Doria, como observa Ricardo Lodi Ribeiro.9

Entretanto, esse critério de diferenciação pelo aspecto temporal do fato gerador não é suficiente para iden!ficar as situações limites, a zona cinzenta como acima apontado, e que geralmente configura as hipóteses de abuso no uso das ferramentas de um planejamento lícito.

Pois é fato que a questão da elisão fiscal também pode ser analisa-da pelas visões teóricas em torno da interpretação do direito tributário.

Nesse sen!do, sob o prisma formalista, consectário de um posi-!vismo conceptualista, fundado numa ampla autonomia da vontade, o planejamento tributário encontra poucos limites, sendo suficiente estar ancorado em instrumentos jurídicos válidos.

9 LODI RIBEIRO, Ricardo. "Planejamento Fiscal: Panorama Sete Anos Depois da LC nº 104;01". In Revista Dialé"ca de Direito Tributário nº 159, p. 89.

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Ao revés, sob o ângulo do posi!vismo sociológico, amparado pela interpretação econômica, defende-se a ilicitude de qualquer modalidade de planejamento, o que representaria um abuso da forma jurídica esco-lhida pelo contribuinte, diante da tenta!va de mascarar a verdadeira es-sência do ato pra!cado.

Já sob o prisma do pós-posi!vismo, o planejamento é aceito como forma legí!ma de economia do imposto, desde que não exista abuso de direito, pois somente a elisão abusiva é que torna o planejamento ilegal.

Assim é que, a par!r dos úl!mos anos, surgiu no exterior e no Bra-sil, a necessidade de busca de instrumentos des!nados a combater o uso do planejamento fiscal abusivo, por meio da criação de mecanismos pro-pícios à interpretação aberta a valores, à adoção de cláusulas an!elisivas e pela flexibilização do sigilo bancário.10

Nesse sen!do, a elisão fiscal abusiva é comba!da pelo uso da in-terpretação jurídica, com os influxos da abertura de valores da jus!ça e igualdade - denotados pelos princípios da capacidade contribu!va e da isonomia - e também por meio da ins!tuição, pelo legislador, de presun-ções e ficções, além de cláusulas an!elisivas, gerais e específicas, na legis-lação tributária.

Há autores que preferem se referir à elisão abusiva pelo termo elu-são, do italiano ellusione, diante da necessidade de demarcar a existência de uma figura entre a elisão e a evasão. Embora a dis!nção tenha o mérito de criar uma separação clara entre as hipóteses, o fato é que o uso do termo elusão não encontra muita recep!vidade entre os autores nacio-nais e, também, pela jurisprudência do CARF (Conselho Administra!vo de Recursos Fiscais).

Uma importante forma de combate à elisão abusiva é a ins!tuição, pelo legislador, das denominadas cláusulas gerais an!elisivas, que cons!-tuem regras des!nadas a reprimir o abuso de direito em todas as suas va-riações, como o abuso de formas jurídicas, fraude à lei, o vício na intenção negocial, o abuso da personalidade jurídica etc.

O abuso de direito caracteriza-se pelo exercício de um direito subje-!vo previsto na norma que, a par!r de uma ruptura intencional do agen-te, acaba por extrapolar os fins é!cos, sociais e legais dispostos pelo legis-lador, violando, por conseguinte, direitos de terceiros.

10 TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento Tributário. Elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012.

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No campo tributário, o abuso de direito seria caracterizado pelo uso de negócios jurídicos formalmente lícitos, com neutralização, porém, de seus respec!vos efeitos naturais, com o único propósito de geração de economia tributária.

Segundo Ricardo Lodi Ribeiro, os seguintes requisitos devem estar presentes, cumula!vamente, para caracterização da elisão abusiva:11

- prá!ca de um ato jurídico, ou um conjunto deles, cuja forma esco-lhida não se adequa à finalidade da norma que o ampara, ou à vontade e aos efeitos dos atos pra!cados esperados pelo contribuinte;

- intenção, única ou preponderante de eliminar ou reduzir o mon-tante de tributo devido;

- iden!dade ou semelhança de efeitos econômicos entre os atos pra!cados e o fato gerador do tributo;

- proteção, ainda que sob o aspecto formal, do ordenamento jurídi-co à forma escolhida pelo contribuinte para elidir o tributo;

- forma que represente uma economia fiscal em relação ao ato pre-visto em lei como hipótese de incidência tributária.

Há uma corrente significa!va que não aceita a aplicação da teo-ria do abuso de direito civil ao direito tributário, pois “o abuso de direito depende sempre de uma específica relação jurídica, na qual o sujeito de-tenha direito e dele abuse, e não dever de realizar uma dada prestação, como no caso do direito tributário”. 12

Embora tecnicamente não seja possível abusar do dever de cumprir uma relação tributária, o fato é que as teorias modernas do abuso de di-reito o encaram como ilícito a#pico, inclusive defendendo que a ruptura do código deôn!co configura-se pelo desrespeito a princípios jurídicos, como seria a hipótese de abuso de direito por violação ao princípio da capacidade contribu!va.

4. JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS, DOS INTERESSES E DOS VALORES

As concepções ideológicas sobre a licitude e a ilicitude do planeja-mento fiscal são in!mamente relacionadas com as escolas de interpreta-

11 "Planejamento Fiscal: Panorama Sete Anos Depois da LC nº 104;01". In Revista Dialé"ca de Direito Tributário nº 159, p. 92.

12 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado. Autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo, 2003, Revista dos Tribunais, p. 361.

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ção do direito: jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores.

A jurisprudência dos conceitos parte da premissa de uma concepção lógico-racionalista, aprisionando o direito pelo culto a conceitos jurídicos superiores. A consequência é que, segundo essa escola de pensamento, qualquer valoração para compreensão das regras jurídicas é descabida, bastando a aplicação de uma moldura a um conceito superior.

Essa escola de pensamento defende, no campo tributário, as teses de prevalência: (i) do direito civil sobre o tributário, (ii) de autonomia da vontade e caráter absoluto da propriedade, (iii) da legalidade estrita, (iv) da superioridade do legislador e (v) da ausência de força valora!va do princípio da capacidade contribu!va.

Nesse sen!do, a jurisprudência dos conceitos pode ser apreendida como uma doutrina formalista, de modo que a interpretação/aplicação do direito seria mera subsunção de conceitos inferiores a conceitos superiores.

A jurisprudência dos conceitos foi o ambiente propício para o flo-rescimento da teoria da !picidade fechada da tributação, focada em de-fender a interpretação do Direito Tributário, segundo conceitos do Direito Civil culminando em licitude ampla de planejamentos tributários, que se-riam inválidos somente se pra!cados em afronta aos ins!tutos do Direito Civil, como seria o caso das hipóteses de simulação.

Mesmo a jurisprudência do CARF ainda é presa a essas amarras de submissão do Direito Tributário ao Direito Civil, quando ainda julga pla-nejamentos sob a ó!ca de conceitos do Direito Civil procurando, porém, distorcer seus respec!vos efeitos.

Exemplo dessa posição pode ser visto, claramente, no julgamen-to do recurso nº 19515.001895/2007-11, pelo CARF13. Nesse julgamento, o Conselho negou eficácia ao planejamento tributário sob o argumento de uso de mecanismo simulatório para, na sequência, deixar de aplicar a

13 “Planejamento tributário. Negocio jurídico indireto. A simulação existe quando a vontade declarada no negócio jurídico não se coaduna com a realidade do negocio firmado. Para se iden!ficar a natureza do negócio pra!cado pelo contribuinte, deve ser iden!ficada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transac!ons. Assim, negócio jurí-dico sem causa não pode ser caracterizado como negócio jurídico indireto. O fato gerador decorre da iden!ficação da realidade e dos efeitos dos fatos efe!vamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas pelas partes contratantes ou pelos contribuintes. Simulação. A subscrição de novas ações de uma sociedade anônima, com sua integralização em dinheiro e registro de ágio, para subsequente re!rada da sócia originária, com resgate das ações para guarda e posterior cancelamento caracteriza simulação de venda de par!cipação societária. Planejamento tri-butário. Multa. No planejamento tributário, quando iden!ficada a convicção do contribuinte de estar agindo segun-do o permissivo legal, sem ocultação da prá!ca e da intenção final dos seus negócios, não há como ser reconhecido o dolo necessário à qualificação da multa, elemento este constante do caput dos arts. 71 a 73 da Lei 4.502/64”.

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multa qualificada por entender que, uma vez constatada a convicção do contribuinte, de estar agindo de acordo com a norma, sem ocultação da prá!ca e da intenção do negócio, não é possível reconhecer o dolo neces-sário à qualificação da multa, em clara contradição entre o reconhecimen-to da simulação e seus respec!vos efeitos.

Observa-se, na realidade, que o Conselho aplicou a teoria do abuso de direito u!lizando-se de um ins!tuto de direito civil como argumento, tendo de fazer enorme esforço de jus!ficação, para negar a aplicação de seus consequentes efeitos norma!vos.14

Assim pensando, Marco Aurélio Greco cri!ca esse culto aos con-ceitos de Direito Civil como se eles pudessem capturar toda a essência da realidade a que pretendem disciplinar, o que é de fato impossível.15

A jurisprudência dos interesses parte de premissa totalmente di-versa daquela preconizada pela jurisprudência dos conceitos. Segundo os adeptos da jurisprudência dos interesses, a interpretação jurídica deve romper com o direito posi!vo, amparando-se unicamente pela noção do interesse em jogo, já que a norma jurídica não consegue captar toda a essência da realidade social.

A jurisprudência dos interesses defende (i) a autonomia do Direito Tributário em relação ao Direito Civil; (ii) a possibilidade de analogia; (iii) a juridicidade do princípio da capacidade contribu!va buscada diretamente dos fatos sociais; (iv) a intervenção sobre a propriedade e (v) a função criadora do direito pelo juiz.

Consequência dessa escola é que todo planejamento tributário é ilegal, em razão de prevalecer a realidade econômica em detrimento dos conceitos previstos na legislação.

A jurisprudência dos valores, como reflexo do pós-posi!vismo sur-gido após a Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela reaproximação entre moral e direito, traduz-se numa interpretação que não se limita ao direito posi!vo, mas que também nele não se exaure, na medida que im-põe a ponderação de valores extrajurídicos.

14 Código Civil, Art. 167. “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsis!rá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

15 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo, Dialé!ca, 2008. P. 69: “Como ‘representação’, o conceito assemelha-se a um mapa cartográfico e, por isso, não apresenta todas as qualidades e elementos que que o objeto possui. Assim como não se exige que o mapa indique todas as caracterís!cas tal como existem, também não se pode pretender que o conceito indique a realidade em sua plenitude. Aliás, um mapa geográfico que retratasse com exa!dão a realidade só poderia ser do tamanho da própria realidade com todos os seus pormenores; e para ter um mapa desse tamanho e com essa exa!dão ninguém precisaria do mapa, bastaria olhar a realidade!”

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A jurisprudência dos valores pode ser considerada fruto do neo-cons!tucionalimo, que, segundo Miguel Carbonell, é fenômeno que “pre-

tende explicar a un conjunto de textos cons!tucionales que comienzan a surgir después de la Segunda Guerra Mundial y sobre todo a par!r de los años 70 del Siglo XX. Se trata de cons!tuciones que no se limitan a estabe-

lecer competencias o a separar a los poderes públicos, si no que con!nen altos niveles de normas ‘materiales’ o sustan!vas que condicionan la ac-

tuación del Estado por medio de la ordenación de ciertos fines y obje!vos. Además, estas Cons!tuciones con!enen amplios catálogos de derechos fundamentales, lo que viene a soponer un marco de relaciones entre el

Estado y los ciudadanos muy renovado, sobre todo por la profundidad y

grado de detalle de los postulados cons!tucionales que recogen tales de-

rechos. Ejemplos representa!vos de este !po de Cons!tuciónes lo son la española de1978, la brasileña de 1988 e la colombiana de 1991”.16

Luís Roberto Barroso iden!fica o fenômeno por três marcos fun-damentais: histórico, teórico e filosófico17. A jurisprudência dos valores decorreria do marco filosófico, tendo em vista que a aproximação entre Direito e Filosofia gerou uma nova hermenêu!ca de aplicação do direito cons!tucional, qual seja o reconhecimento de força norma!va aos prin-cípios jurídicos.

Essa escola de pensamento procura conciliar as premissas das duas escolas, na medida em que não chega a romper com os padrões da escola formalista, buscando suporte no texto da lei, mas que também leva em consideração a proposta axiológica formulada pela jurisprudência dos in-teresses e seu embasamento em elementos extrajurídicos.

16 CARBONELL, Miguel. "Neocons!tucionalismo: Elementos para una definición". In: MOREIRA, Eduardo Ribeiro e PUGLIESI, Márcio. 20 Anos da Cons"tuição Brasileira. São Paulo, 2009, Saraiva.

17 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Cons"tucional, Tomo IV. Rio de Janeiro, 2009, Renovar. “O marco his-tórico do novo direito cons!tucional, na Europa con!nental, foi o cons!tucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Cons!tuição de 1988 e o processo de redemocra!zação que ela ajudou a protagonizar. (...) A recons!tuição da Europa, imediatamente após a 2ª Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Cons!tuição e a influência do direito cons!tucional sobre as ins!tuições contemporâneas. (...) O marco filosófico do novo direito cons!tucional é o pós-posi!vismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opos-tos para o Direito: o jusnaturalismo e o posi!vismo. (...) No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de norma!vidade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prá!ca e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêu!ca cons!tucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre Direito e Filosofia.(...) No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional rela!vamente à aplicação do direito cons!tucional: a) o reconhecimento de força norma!va à Cons!tuição; b) a expansão da jurisdição cons-!tucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmá!ca de interpretação cons!tucional”.

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A jurisprudência dos valores preconiza o equilíbrio entre princípios de Direito Civil e Tributário, além de buscar a ponderação entre os princí-pios da capacidade contribu!va e da legalidade, sempre levando em con-ta o equilíbrio e a pluralidade de intérpretes.

O mérito da jurisprudência dos valores e seu modelo conciliatório de legalidade, segurança e jus!ça funda-se no combate à elisão abusiva por meio da interpretação do uso de cláusulas an!elisivas des!nadas a reprimir o abuso de direito.

5. INTERPRETAÇÃO E PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

A interpretação no Direito Tributário não difere da interpretação aplicada à teoria geral do Direito. Nesse sen!do, boa parte da doutrina tem defendido a aplicação da pluralidade metodológica ao Direito Tributá-rio, como é o caso de Ricardo Lodi Ribeiro, citando Ricardo Lobo Torres: “O que se observa é a pluralidade e a equivalência, sendo os métodos aplica-dos de acordo com o caso e com os valores ínsitos na norma: ora se recor-re ao método sistemá!co, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se complementam e intercomunicam”.18

A par!r do método teleológico de interpretação, calcado na busca pelos fins e obje!vos da norma, é possível valorar e interpretar a ciência tributária segundo o aspecto econômico de sua orientação, o que passa a orientar tanto as disposições tributárias propriamente ditas quanto os conceitos de direito privado, pelo legislador, no campo tributário.

Da consideração econômica do fato tributário, é possível, portanto, buscar a finalidade da norma tributária, sem que com isso ocorra rom-pimento com o sen!do técnico do conceito empregado pelo legislador. Assim é que, sem ruptura do sen!do literal e linguís!co do conceito, essa busca pela finalidade da norma visará ao sen!do mais adequado à capaci-dade contribu!va do contribuinte.19

Assim, tendo como ponto de par!da o sen!do literal possível, deve-rá o intérprete escolher a interpretação que mais se ajuste aos princípios de isonomia e de capacidade contribu!va, salvo se a própria norma não permi!r que esses princípios prevaleçam diante da opção do legislador de pres!giar, naquela hipótese específica, a prevalência do princípio da segurança jurídica.20

18 LODI RIBEIRO, Ricardo. Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 116.

19 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 118.

20 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 119.

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E, citando Ricardo Lodi Ribeiro, “justamente dos princípios da igual-

dade, da capacidade contribu!va e da generalidade, u!lizados como pa-

râmetros da interpretação da lei fiscal, vai derivar, segundo Perez Ayala,

o princípio da luta contra a evasão fiscal. Em consequência, o aplicador,

dentro do sen!do literal possível, irá optar pelo resultado hermenêu!co

que não permita ao contribuinte evadir-se da obrigação de pagar o tributo

previsto em lei”.21

Dessa maneira, se ao legislador não é possível modificar a essên-

cia dos atos pra!cados pelo contribuinte, este, por outro lado, não pode

distorcer os efeitos tributários oriundos da prá!ca do ato, por meio da

escolha de formatos jurídicos descasados de seu propósito negocial, con-

figurando, portanto, a centralidade da elisão fiscal.

Importante, pois, é demarcar a diferença entre critérios de consi-

deração econômica do fato gerador e de interpretação econômica do fato

gerador. Nesta, despreza-se completamente o marco legisla!vo para bus-

car a solução interpreta!va em fatos econômicos extrajurídicos, enquanto

que naquela, o critério teleológico extraído do sen!do literal da norma

permite a busca de conteúdo econômico que sa!sfaça a valoração exigida

pelo princípio da capacidade contribu!va.

Ricardo Lodi Ribeiro, citando solução proposta por Beisse, a par!r

da metodologia de Larenz, sugere como os três princípios de interpreta-

ção dos conceitos de direito tributário podem ser aplicados:22

"a) Conceitos econômicos de direito tributário criados pelo le-

gislador tributário, ou por ele conver!dos para os seus obje-

!vos, devem ser interpretados segundo o critério econômico.

É exemplo desta modalidade, em nossa legislação pátria, a

expressão renda e proventos de qualquer natureza, que não

é encontrada no direito civil, sendo inteiramente delineada

pelo legislador tributário, na Cons!tuição Federal, no CTN e

na legislação ordinária.

b) Conceitos de direito civil devem ser interpretados, dentro

do sen!do literal possível, economicamente, quando o obje!-

21 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 119.

22 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 121.

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vo da lei tributária impõe, de forma obje!vamente jus!ficada, um desvio do conteúdo do conceito de direito privado, em nome do princípio da igualdade, que poderia ser violado por

meio de uma interpretação civilís!ca da expressão legal. Ser-ve mais uma vez como exemplo a expressão empregadores,

con!da no ar!go 195 da Cons!tuição Federal, para definir os contribuintes das contribuições da seguridade social, que não tem a concepção do direito do trabalho, abarcando empresas

que não mantêm empregados próprios.

c) Conceitos de direito civil devem ser interpretados de acordo

com a definição con!da na legislação civil quando, conforme o sen!do e obje!vo da lei tributária, se tem certeza de que o legislador cogitou exatamente do conceito de direito privado.

Da mesma forma, quando o sen!do literal possível da norma tributária não confere outra possibilidade senão aquela ofe-

recida pela lei civil. A definição do fato gerador do ITR cons!-

tui exemplo bem ilustra!vo desta categoria jurídica. De fato, do próprio texto da lei, se extrai que será tributada a proprie-

dade imóvel por natureza, conforme definida na lei civil”.

Em um Estado Democrá!co de Direito, pres!giador de uma ordem principiológica, não existe jus!fica!va para defender planejamentos tribu-tários voltados para teses formalistas de submissão do Direito Tributário ao Direito Civil, já que a interpretação teleológica recomenda que os fatos tributários sejam interpretados segundo o sen!do econômico con!do nas normas tributárias, sempre em consonância com os valores do princípio da capacidade contribu!va.

6. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL # CTN

A lei tributária não deve ser dirigida para negar efeitos ou criar obs-táculos às soluções preconizadas nos negócios jurídicos celebrados pelas partes, como escolhas aptas e eficientes para os respec!vos propósitos negociais. Por outro lado, o Fisco também deve estar aparelhado para im-pedir que negócios jurídicos montados unicamente por razões de econo-mia fiscal frustrem a legí!ma arrecadação.

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É que num Estado Democrá!co de Direito, como visto, certas presta-ções materiais precisam ser levadas a cabo pelo Estado e, para isso, as con-tribuições tributárias precisam ser levadas aos cofres públicos de acordo com os princípios da isonomia e da capacidade contribu!va. A inobservân-cia da verdadeira capacidade contribu!va pode levar a situações de grave injus!ça.

De modo a evitar que tal ocorra, o uso de uma cláusula geral an!e-lisiva busca legi!mar o Estado com aparatos necessários para combater comportamentos tendentes a desvirtuar os fins da lei tributária, por meio do abuso no manuseio de instrumentos jurídicos.

Assim é que o legislador brasileiro, seguindo a trilha de alguns pa-íses, implementou a norma geral an!elisiva por meio de edição da Lei Complementar nº 104/2001, que introduziu o parágrafo único ao ar!go 116, do Código Tributário Nacional, com o seguinte teor:

“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja defini!vamente cons!tuída, nos termos do direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administra!va poderá descon-

siderar atos ou negócios jurídicos pra!cados com a finalida-

de de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou

a natureza dos elementos cons!tu!vos da obrigação tributá-

ria, observados os procedimentos a serem estabelecidos na

lei tributária”.

A propósito, considerando que o combate ao abuso de direito se faz por meio da interpretação jurídica, a rigor a cláusula an!elisiva genérica seria desnecessária, na medida em que os valores inerentes à aplicação do princípio da capacidade contribu!va já seriam, por si sós, suficientes

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para permi!r a desconsideração de atos e negócios jurídicos promovidos por contribuintes com fim único de burla da lei tributária.

Não se nega, ademais, que o uso de uma cláusula an!elisiva gené-rica tenha o mérito de corroer a tese de aplicação irrestrita do princípio da !picidade tributária, ante o fato de que autoriza, expressamente, a administração fazendária a desconsiderar negócios jurídicos que estejam em flagrante distorção com os fins legais.

Outra vantagem da Lei Complementar nº 104/2001 é a abertura permi!da para procedimentos consoantes com o devido processo legal, em que a Fazenda, não concordando com o planejamento promovido pelo contribuinte, abre-lhe a oportunidade de adequar seu comportamento às normas sem qualquer penalização, em claro reconhecimento de que não se trata de hipótese de evasão.

A Lei Complementar nº 104/2001, inspirada na legislação france-sa, combate o abuso de direito em todas as suas variações, tais como a fraude à lei, o abuso de forma, o abuso na intenção negocial e o abuso de personalidade jurídica.

A fraude à lei se configura pelo contorno da lei proibi!va ou impe-ra!va por meio do uso de um mecanismo ou interpretação tendente a enquadrar o comportamento do contribuinte numa norma de cobertura. Segundo Ricardo Lodi Ribeiro os requisitos para caracterização da fraude à lei são: “os atos devem ser realizados ao amparo do texto de uma norma; os atos realizados ao amparo do texto de uma norma devem perseguir um resultado proibido pelo ordenamento ou contrário a ele (no caso do direi-to tributário, não há contrariedade ao ordenamento, mas a consequência de pagar o tributo); os atos executados em fraude à lei não devem impedir a devida aplicação da norma que se tentou ocultar”.23

Famoso caso julgado pelo an!go TFR, objeto da apelação cível 115.478-RS, pode ser ilustrado como exemplo de fraude à lei. O contri-buinte reduziu seu encargo fiscal procurando desviar-se da apuração do imposto de renda com base no lucro real por meio da criação de oito sociedades des!nadas a enquadramento no lucro presumido, em clara afronta ao espírito da legislação tributária.24

23 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 150.

24 “EMENTA: Ação anulatória de débito fiscal. Imposto de Renda. Lucro presumido. Omissão de receita. Legi!mida-de da atuação do fisco, em face dos elementos constantes dos autos. Cons!tuídas foram, no mesmo dia, de uma só vez, pelas mesmas pessoas "sicas, sócias da autora, 8 sociedades com o obje!vo de explorar comercialmente, no atacado e no varejo, calçados e outros produtos manufaturados em plás!co, no mercado interno e internacional.

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O abuso de forma é figura bem próxima à figura da fraude à lei e

consiste basicamente na escolha abusiva de uma forma de direito pri-

vado com único obje!vo de geração de uma economia fiscal. Ainda se-

gundo as lições de Ricardo Lodi Ribeiro, “a realização do arrendamento

mercan!l antes da Lei nº 6.099/74 e da inclusão do item nº 52 da lista

de serviços do ISS, fixada pela LC nº 56/87, cons!tuía um exemplo de

u!lização de um contrato a#pico que poderia mascarar a realização de

uma compra e venda a prazo, quando o preço do bem fosse quase que

inteiramente diluído nas prestações, restando uma parcela insignifican-

te para que o arrendatário exercesse sua opção de compra, ao final do

contrato”.25

No Brasil tem-se observado que muitas vezes a sociedade é usada

como escudo para prá!cas de atos des!nados a prejudicar terceiros e

a Fazenda, no caso da legislação tributária. O uso inadequado e abusi-

vo dos !pos societários, especialmente das sociedades limitadas, tem

agravado esse quadro. A teoria da desconsideração da personalidade

jurídica é o an#doto que o legislador vislumbrou para combater o abuso

exacerbado da personalidade jurídica, embora ainda exista uma certa

resistência da jurisprudência em aplicar o ins!tuto em sua plenitude,

quando amparada numa interpretação restrita dos direitos dos contri-

buintes.

O vício na intenção negocial, de inspiração na jurisprudência dos

países da common law, visa a atestar a legi!midade do comportamento

do contribuinte por meio do teste do propósito negocial. Caso o único

obje!vo do contribuinte tenha sido a economia fiscal, o abuso de direito

fica caracterizado.

No julgamento do já apontado processo 19515.001895/2007-11, o

CARF reconheceu a validade do método como ferramenta de combate à

elisão fiscal abusiva.26

Tais sociedades, em decorrência de suas caracterís!cas e pequeno porte, estavam enquadradas no regime tributário de apuração e resultados com base no lucro presumido, quando sua fornecedora única, a autora, pagava o tributo de conformidade com o lucro real”. AC 115.478, Tel. Min. Américo Luz, j. 18.02.1987.

25 Jus"ça, Interpretação e Elisão Tributária... cit., p. 152.

26 É o que se extrai de trecho do voto do Conselheiro Antonio Bezerra Neto: “Elemento importante de interpretação do fato para a formação da convicção do julgador no sen!do de desconsiderar o negócio jurídico com fins meramen-te de economia fiscal. A esse respeito, faço minhas as palavras do nobre relator que soube muito bem ilustrar a falta do propósito negocial, trilhando caminho mais complexo”. CARF, Processo 19515.001895/2007-11.

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A palavra “dissimulação” usada no texto norma!vo abarca todas

essas modalidades, não assis!ndo razão, nesse ponto, àqueles que veem,

na norma em questão, a regulamentação da simulação rela!va.27

Uma enorme crí!ca que se faz ao texto da Lei Complementar nº

104/2001 é que ele violaria o princípio da !picidade tributária, mas tal

argumento não encontra respaldo no texto da Cons!tuição, pois na reali-

dade, como anota Ricardo Lodi Ribeiro28, a proposta da cláusula an!elisiva

geral é de exatamente permi!r ponderação entre os princípios da segu-

rança jurídica e da jus!ça, ambos reconhecidos pela Carta Magna.

Nesse sen!do, tramita no STF a Ação Direta de Incons!tucionalida-

de - ADIN nº 2.446/99 com o propósito de ver afastada do ordenamento o

Parágrafo Único do ar!go 116 do Código Tributário Nacional por violação

ao princípio da !picidade tributária.

O único mérito da propositura dessa Adin e das teses que aprego-

am a violação da Cons!tuição, é o clima de incerteza gerado na vacilante

jurisprudência do CARF, que acaba equiparando claras situações de limites

de planejamentos lícitos com hipóteses de evasão, aplicando ins!tutos de

Direito Civil e até mesmo efetuando representações para fins penais.

Diferentemente do que defende Marco Aurélio Greco29, não enten-

demos que a norma do Parágrafo Único do ar!go 116 do CTN configuran-

do-se como norma de eficácia limitada, dependa da regulação para ter

validade. Na realidade, o que faz parecer a leitura da norma, pela inten!o

do legislador, é que a consequência da desconsideração dos atos levados

a cabo pelo contribuinte deva ser objeto de escru#nio definido em pro-

cedimento administra!vo, em clara sintonia com o devido processo legal.

27 “Uma parte da doutrina (*) tem entendido que esse parágrafo único consubstancia norma apenas an!-simu-lação. Esclarece que dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos seus elementos cons!tu!vos sig-nifica celebrar dois atos jurídicos dis!ntos: um aparente, geralmente não tributável ou menos tributado, e outro real, geralmente tributável ou mais tributado. O ato jurídico meramente aparente, declarado, porém não querido, visa dissimular, ocultar do fisco o real ato jurídico desejado, porém não declarado. (*) Xavier, Alberto. Tipicidade e tributação; Oliveira, Ricardo Mariz de. Elisão Fiscal ante a Lei Complementar 104. In: Rocha, Valdir de Oliveira.”. YAMASHITA, Douglas. Elisão e Evasão de Tributos. Planejamento Tributário: Limites à Luz do Abuso de Direito e da Fraude à Lei. São Paulo, 2005, Lex Editora, p. 143.

28 "Planejamento Fiscal: Panorama Sete Anos Depois da LC nº 104;01". In Revista Dialé"ca de Direito Tributário nº 159, p. 92.

29 “Ou seja, na medida em que o CTN, neste parágrafo único do ar!go 116, prevê a necessidade de uma lei ordinária para disciplinar os procedimentos de aplicação do disposi!vo, está determinando que a competência em questão não pode ser exercida de modo e sob forma livremente escolhidos pela Administração Tributária. A desconsideração só poderá ocorrer nos termos que vierem a ser previstos em lei, como corolário da garan!a individual do devido processo legal”. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo, 2008, Dialé!ca, p. 479.

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Entretanto, deve-se ter em mente que o reconhecimento do ato em si

é tema de materialidade da ocorrência do fato gerador e, portanto, seu

reconhecimento depende da ponderação dos valores cons!tucionais e da aplicação das regras de interpretação da legislação.

7. CONCLUSÃO

O Estado Democrá!co de Direito concilia o direito de planejamento dos contribuintes com as necessidades de arrecadação do Estado, numa verdadeira ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da ca-pacidade contribu!va.

Como forma de evitar abusos na interpretação das normas tributa-ria e evitar distorções na aplicação dos princípios, o legislador, seguindo a tradição de outros países, procurou combater a elisão abusiva por meio da introdução da cláusula an!elisão genérica, que, no entanto, encontrou forte resistência por parte de uma doutrina formalista que insiste em ne-gar validade a tal comando norma!vo, forte no argumento de violação de um pretenso princípio da !picidade fechada, o que conduziu a jurispru-dência do CARF a capitular as hipóteses de abuso em ins!tutos como o da simulação, em clara distorção de seus efeitos e até mesmo contribuindo para o clima de insegurança, na medida em que hipóteses que a rigor se-riam casos de mera desconsideração descambaram para representações penais.

O procedimento trazido pela MP 66/02, não conver!da em lei, !-nha o claro propósito de separar as hipóteses de evasão, elisão abusiva e elisão lícita e, sua não conversão, aliada ao ajuizamento de uma Adin pendente de julgamento pelo STF há 10 anos, contribuiu bastante para agravamento do quadro de incertezas e inseguranças.

À vista das considerações expostas, entendemos que seria reco-mendável que o STF, por meio de declaração de validade da introdução da cláusula geral an!elisiva no Direito Brasileiro, eliminasse os graus de in-certeza oriundos de uma doutrina extremamente posi!vista e de uma ju-risprudência altamente cautelosa do CARF. A par!r daí, seria competência do legislador criar o procedimento previsto no Parágrafo Único do ar!go 116, do CTN, pres!giando, assim, os valores cons!tucionais da segurança do contribuinte e da capacidade contribu!va. v

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