pontifícia universidade católica de são paulo lisandra ... · a análise do tema parte,...

286
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra Moreira Martins A reincidência criminal à luz do processo penal constitucional Doutorado em Direito São Paulo 2016

Upload: hoangquynh

Post on 15-Dec-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Lisandra Moreira Martins

A reincidência criminal à luz do processo penal constitucional

Doutorado em Direito

São Paulo

2016

Page 2: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Lisandra Moreira Martins

A reincidência criminal à luz do processo penal constitucional

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Direito Processual Penal, sob a orientação da Professora Doutora Eloisa de Sousa Arruda.

São Paulo

2016

Page 3: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Lisandra Moreira Martins

A reincidência criminal à luz do processo penal constitucional

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Direito Processual Penal, sob a orientação da Professora Doutora Eloisa de Sousa Arruda.

Aprovada em:___/___/___

Banca Examinadora

Professora Doutora Eloisa de Sousa Arruda (Orientadora) Instituição: PUC-SP Assinatura:________________________ Julgamento: _____________________________________________________ Professor (a) Doutor (a) ____________________________________________ Julgamento: _____________________________________________________ Instituição: ______________________Assinatura:_______________________ Professor (a) Doutor (a) ____________________________________________ Julgamento: _____________________________________________________ Instituição: ______________________Assinatura:_______________________ Professor (a) Doutor (a) ____________________________________________ Julgamento: _____________________________________________________ Instituição: ______________________Assinatura:_______________________ Professor (a) Doutor (a) ____________________________________________ Julgamento: _____________________________________________________ Instituição: ______________________Assinatura:_______________________

Page 4: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

Ao meu marido Fábio, companheiro e amigo em todas as horas, por sempre estar ao meu lado, com infinitas demonstrações de amor e carinho. Ao meu filho Rubens, presente de Deus em minha vida e prova concreta do maior amor já experimentado. Razão do meu desejo incansável de nunca desistir. À minha mãe querida, Maria Aparecida, por todas as orações, incentivo e, acima de tudo, o amor incondicional. Ao meu pai Laércio Martins (in memoriam), pelo amor, cuidado, preocupação e carinho. A minha alegria o alcançará no céu. Aos meus irmãos, Lailson e Lenilson, pelo amor presente em toda minha vida. Vocês são a razão de tudo! Eu os amo muito!!!

Page 5: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

Essa pesquisa contou com o apoio da CAPES, por meio de concessão de

bolsa de estudos.

Page 6: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus por sempre me guiar pelo melhor caminho. Da mesma forma a intercessão de Nossa Senhora Aparecida, por cuidar da minha vida e da minha família junto ao Criador.

À minha mãe, inspiradora maior na busca infindável pelo conhecimento, por não poupar esforços e me amparar em toda a minha vida. Obrigada por ser meu constante porto seguro, pela força, incentivo e orações!

Ao meu marido pela compreensão, por entender que a minha ausência em diversos momentos sempre foi para o crescimento e bem-estar de nossa família, e por acreditar em nossa união e felicidade! Sem o seu apoio não seria possível concluir mais uma etapa de minha vida.

Ao meu filho amoroso e carinhoso, de uma bondade infinita, pela preocupação dispensada a mim, inclusive quanto à construção desse trabalho.

Aos meus irmãos, meus sogros, Rubens e Maria Auxiliadora, e toda minha família, pelas orações e apoio incondicional.

Aos meus amigos professores, funcionários e alunos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo incentivo. Aos professores e amigos que compartilharam as minhas inquietações, incentivando-me e dividindo comigo seus valorosos conhecimentos, além dos inúmeros materiais para as pesquisas. Não os nominarei, são muitos, mas eles saberão identificar. Muito obrigada!

Aos membros da banca de qualificação, Dr. Gustavo Octaviano Junqueira Diniz e Dr. Cláudio José Langroiva Pereira, pelos edificantes apontamentos ao meu trabalho.

Ao Professor Dr. Isael José Santana, verdadeiro mestre e incentivador à pesquisa e ao crescimento profissional, detentor de posição junto aos bancos da academia que transcende a sua titulação, por todo apoio incondicional, desde a decisão de ingressar no doutorado, pelos incontáveis materiais emprestados, pelos vastos e brilhantes ensinamentos jurídicos compartilhados, leituras e sugestões, e por acreditar que esse objetivo também seria possível.

Ao Professor Dr. Mário Lucio Garcez Calil, docente investido de um saber admirável, profissional jurídico interdisciplinar, por me apresentar obras fundamentais na construção desse trabalho, pela atenção constante e pelos apontamentos indispensáveis.

À Professora Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches por fazer parte da minha história desde o mestrado e por sempre estar à disposição de seus ex-alunos com tanto carisma.

Ao Professor Dr. Roberto Ferreira Archanjo da Silva pelas brilhantes aulas na disciplina de Direito Processual Penal, as quais me incentivaram ainda mais na pesquisa.

E, em especial, à minha orientadora, Drª Eloisa de Sousa Arruda! Torna-se muito difícil expressar nesse pouco espaço toda minha gratidão, carinho e admiração, não só pela profissional de destaque que é, mas também pela pessoa serena e humilde que demonstrou ser. Agradeço por ter me acolhido como sua orientanda e pela atenção a mim dispensada em todos os momentos. Eterna será a minha gratidão, pelo apoio, confiança, segurança transmitida e por tudo que fez por mim!

Page 7: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

O Direito, arma da cidadania, instrui e mobiliza a consciência humana e social, a bem da Pátria. Pela ordem jurídica, sob todos os aspectos, o jurista há de velar como patrono, e não só como procurador. Não precisa de procuração para acudir e salvar. O que é direito para os outros cidadãos constitui dever para todos os compromissados. Como instrumento heroico de garantia da vida do Direito, o Direito penal precisa menos de ciência do que consciência, mormente consciência social. (Roberto Lyra)

Page 8: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

RESUMO

A presente tese de doutoramento tem como objetivo o estudo da reincidência

criminal, no contexto do processo penal constitucional. Este último tem como

finalidade precípua proteger o cidadão, com respaldo nas garantias e direitos

fundamentais. A reincidência criminal é um instituto antigo no ordenamento

jurídico brasileiro, que sofreu alterações mínimas no decorrer da história da

evolução do direito penal e do direito processual penal. Além de funcionar

como uma circunstância agravante da pena, apresenta reflexos negativos para

o réu em diversas fases do processo. Apesar de ter sido declarada

constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, muitos são os questionamentos

sobre a reincidência e sua forma de aplicação, que, atualmente, é automática.

A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por

diversos estudiosos, os quais apontam a necessidade de se olhar,

primeiramente o todo para, somente depois, avaliar a aplicação isolada de

determinados institutos do direito e pretender neles alguma alteração. Nesse

contexto, imperioso compreender o sistema processual penal e a base que

deveria sustentá-lo no panorama da Constituição Federal de 1988. Após o

estudo das peculiaridades da reincidência, das discussões doutrinárias e

jurisprudenciais, será possível questionar neste estudo a justificativa que a

mantém aplicável e suas implicações práticas.

Atrelado ao tema apresenta-se o problema do sistema penitenciário que revela,

através de algumas pesquisas, números elevados de reincidência criminal, com

a manifestação ainda da seletividade penal e da neutralização dos criminosos,

implícitas na execução da pena. Por fim, a partir da análise do modelo de

política criminal adotado pelo Estado Democrático de Direito, o estudo apontará

a necessidade de alterar o instituto da reincidência criminal no Brasil, o que

refletirá diretamente no problema da superlotação penitenciária e da ineficácia

da ressocialização da pena, visando colaborar para que o processo penal seja

de fato um instrumento que exerça uma função social.

Palavras-chave: Processo penal. Função social. Reincidência criminal.

Criminalidade. Direitos e garantias fundamentais.

Page 9: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

ABSTRACT

This doctoral thesis has the objective of examining recidivism in the context of

constitutional criminal procedure. The latter has as primary purpose to protect

the citizen based on guarantees and fundamental rights. Recidivism is an old

principle in the Brazilian legal system, which has undergone minor changes

throughout the history of the evolution of Criminal Law and Criminal Procedural

Law. Besides acting as an aggravating circumstance to the penalty, it has

negative consequences for the defendant in several stages of the criminal

proceedings. In spite of having been claimed constitutional by the Supreme

Court, there are many issues on recidivism and its application, which are,

currently, automatic. Therefore, the analysis of this subject draws on the

conception of a system devised by several scholars who point out the need to

consider the whole in the first place and only then evaluate the isolated

application of certain principles of law, and seek to change them. In this context,

it is imperative to understand the criminal justice system and the foundation that

should support it based on the Constitution of 1988. After the study of both the

peculiarities of recidivism and doctrinal and jurisprudential discussions, this

investigation questions the reason why it is kept applicable as well as its

practical implications.

Along this line, there is the problem of the prison system that reveals, according

to some research, large numbers of recidivism with the manifestation of criminal

selectivity and neutralization of criminals, implicit in the execution of the

sentence. Finally, from the analysis of the Criminal Policy model adopted by the

Democratic Rule of Law, the study will point out the need to change the

recidivism principle in Brazil. This will directly reflect on the problem of prison

overcrowding and the ineffectiveness of rehabilitation of the penalty. The final

aim is to contribute with criminal proceedings so that they could be, in fact, an

instrument that would perform a social function.

Keywords: Criminal Procedure. Social role. Recidivism. Crime. Fundamental

rights and guarantees.

Page 10: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

RIEPILOGO

Questa tesi di dottorato intende studiare la recidiva, nel contesto della

procedura penale costituzionale. Quest'ultimo ha come scopo principale

proteggere i cittadini, con il sostegno delle garanzie e diritti fondamentali. La

recidiva è una vecchia regolamentazione nel sistema giuridico brasiliano, che

ha subito modifiche minime in tutta la storia dell'evoluzione del diritto penale e

del diritto processuale penale. Oltre ad agire come circostanza aggravante della

pena, tale pratica ha conseguenze negative per l'imputato in diverse fasi del

processo. Anche se è stata dichiarata costituzionale dalla Corte Suprema

federale, ci sono ancora molte domande su recidiva e il suo modo di

applicazione, che attualmente è automatico. Perciò, l’analisi del tema parte

dalla progettazione del sistema portata da diversi studiosi, che sottolineano la

necessità di considerare prima le cose nel loro complesso, poi valutare

l'applicazione isolata di alcune norme di legge e desiderare un emendamento.

In questo contesto, è indispensabile comprendere il sistema processuale

penale e la fondazione che dovrebbe sostenerlo nel panorama della

Costituzione federale del 1988. Dopo aver studiato le particolarità della recidiva,

dei discussioni dottrinali e giurisprudenziali, sarà possibile in questo studio

indagare la giustificazione che la sostiene applicabile e le sue implicazioni

pratiche. C'è anche il problema del sistema carcerario collegato a questo tema,

che rivela, attraverso alcune ricerche, un gran numero di recidiva, con la

manifestazione ancora di selettività penale e la neutralizzazione dei criminali,

implicite nella esecuzione della pena. Infine, dall'analisi del modello di politica

criminale adottata dallo Stato democratico di diritto, lo studio indicherà la

necessità di cambiare la regolamentazione della recidiva in Brasile, che si

rifletterà direttamente sul problema del sovraffollamento carcerario e l'inefficacia

della risocializzazione della penna, progettato per rendere la procedura penale,

infatti, uno strumento che svolga una funzione sociale.

Parole chiave: Procedura penale. Funzione sociale. Recidiva. Criminalità.

Diritti e garanzie fondamentali.

Page 11: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12 2 SISTEMA JURÍDICO E O DIREITO PROCESSUAL PENAL 20 2.1 A teoria transdisciplinar de Ludwig von Bertalanffy –

teoria geral dos sistemas 21 2.2 A importância do sistema kelseniano no desenvolvimento

da ciência do direito 26 2.3 Teoria tridimensional de Miguel Reale e o sistema jurídico 33 2.4 A contribuição de Lourival Vilanova 35 2.5 O sistema a partir da sociologia do direito de Niklas Luhmann 39 2.6 O sistema autopoiético e o direito 41 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e a conceituação de sistema 49 2.8 Os modelos de sistemas aberto e fechado 55 2.9 O direito processual penal inserido em um conceito

de sistema jurídico 60 3 LIMITES DA PERSECUÇÃO PENAL NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO 67 3.1 O Estado Democrático de Direito: pilar do processo penal 68 3.2 Sistemas processuais penais 72 3.2.1 Sistema inquisitório 73 3.2.2 Sistema acusatório 75 3.2.3 Sistema misto 79 3.3 Sistema processual penal constitucional ou democrático 81 3.4 Princípios orientadores da persecução penal 87 3.4.1 Princípios constitucionais orientadores do direito penal 92 3.4.1.1 Princípio da ultima ratio ou intervenção mínima 92 3.4.1.2 Princípio da legalidade 93 3.4.1.3 Princípio da lesividade ou ofensividade 94 3.4.1.4 Princípio da culpabilidade 95 3.4.1.5 Princípio da individualização da pena 97 3.4.1.6 Princípio do ne bis in idem 98 3.4.2 Princípios constitucionais orientadores do direito

processual penal 99 3.4.2.1 Da dignidade da pessoa humana 99 3.4.2.2 Princípio do devido processo legal 102 3.4.2.3 Princípio da ampla defesa 104 3.4.2.4 Princípio do contraditório 106 3.4.2.5 Princípio da presunção de inocência 108 3.4.2.6 Princípio da imparcialidade do juiz 109 3.4.2.7 Princípio da motivação das decisões 111 3.4.2.8 Princípio da publicidade 112 3.4.2.9 Princípio da proporcionalidade 113 3.4.2.10 Princípio da inadmissibilidade de utilização de provas ilícitas 116 3.5 A importância do processo penal e suas garantias 118

Page 12: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

4 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO BRASIL E NO DIREITO ESTRANGEIRO 122

4.1 Origem histórica: a impregnação cultural da reincidência na legislação brasileira 122

4.2 Conceito, natureza jurídica e espécies da reincidência 130 4.3 Aspectos gerais da reincidência 136 4.3.1 Documento comprobatório da reincidência 136 4.3.2 Regras da aplicabilidade da reincidência 139 4.3.3 Período depurador 142 4.4 Finalidade da reincidência a partir das teorias das penas 145 4.5 Consequências desfavoráveis da reincidência 159 4.6 Previsão legal no direito estrangeiro 165 4.6.1 Itália 165 4.6.2 Portugal 167 4.6.3 Alemanha 170 4.6.4 Espanha 171 4.6.5 França 173 4.6.6 Argentina 174 4.6.7 Colômbia 176 4.6.8 Estados Unidos da América 177 4.7 Discussão sobre a (in) constitucionalidade da reincidência 179 4.7.1 Fundamentos favoráveis e a constitucionalidade da reincidência 182 4.7.2 A ilegitimidade da reincidência: violação aos princípios

constitucionais e o direito penal do autor 188 4.8 Rumo ao processo penal democrático 195 5 OS REFLEXOS DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO PROCESSO

PENAL 201 5.1 Fase investigatória: o prejulgamento do reincidente e a

participação da mídia 202 5.2 O fundamento exclusivo da reincidência na decretação

de medidas cautelares de natureza pessoal 210 5.3 Fase judicial: a reincidência na valoração das provas e na

dosimetria da pena 218 5.4 Fase de execução penal: o círculo vicioso da

reincidência criminal 229 5.5 A reincidência como resultado estatístico da seletividade

Arraigada 239 5.6 A política criminal contemporânea: a reincidência no contexto

da crise do sistema penal e processual penal 250 5.7 Por uma nova interpretação à luz da efetividade

do processo penal 259 6 CONCLUSÃO 265

REFERÊNCIAS 270

Page 13: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

12

1 INTRODUÇÃO

Objeto

A presente tese de doutoramento tem por objeto o estudo da

reincidência criminal à luz do processo penal constitucional.

Tal instituto configura uma agravante obrigatória de pena, conforme

artigo 61, I, do Código Penal, e acompanha a história do poder punitivo estatal

produzindo diversos efeitos penais e processuais rigorosos no tratamento da

pena e de seu cumprimento.

Está definido no artigo 63 do Código Penal e é aplicado quando o

réu comete uma nova infração penal, após a condenação definitiva por outra.

Como regra geral, o legislador adotou a chamada reincidência ficta, ou seja,

basta a condenação definitiva e não o cumprimento da sanção penal para

caracterizá-la.

Contudo, a reincidência criminal traz consequências gravosas ao réu

não só na dosimetria da pena, mas em vários momentos processuais, sem

qualquer efeito prático, o que agrava uma realidade social que clama por

mudança. Sob a justificativa primeira da necessidade de reduzir e combater a

criminalidade, com maior reprimenda àquele que se recusou em receber a

ressocialização proposta pelo Estado e insistiu na prática delitiva, há décadas

vem sendo aplicado esse instituto.

Por isso, enfrentar um problema que não é apenas jurídico exige

uma visão mais ampla e desprendida da normatividade das leis penais e

processuais penais, eis a importância da análise da concepção de sistema,

sistema jurídico e do processo penal nesse contexto.

O estudo de sistema, como fundamentação da própria existência do

direito, meio de controle social também, volve a atenção aos verdadeiros

objetivos de uma seara que deve buscar como finalidade precípua a proteção

da pessoa e de sua dignidade.

Tem o condão de não deixar o jurista se perder em atrações

punitivistas, que longe de cumprirem as promessas encorpadas

Page 14: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

13

midiaticamente, agravam em grande escala e continuadamente o fenômeno da

criminalidade.

Entender a reincidência criminal e suas peculiaridades também é

uma estratégia para aferir quão influenciável ela é realmente na vida do réu e

nos reflexos sociais advindos da condenação. Na mesma senda, tratar a

reincidência como um instituto internacional, voltando-se às regras de alguns

países, revela que essa não possui um tratamento uniforme; em contrapartida,

as altas taxas de reincidência nos mais diversos países estão em voga em

quase todas as discussões doutrinárias e jurídicas.

Assim, a busca de estratégias ao fenômeno criminal tem também

como base fundamental as garantias individuais processuais. Importante

ponderar que desde a Constituição Federal de 1988 há uma política criminal

delineada que jamais pode ser desvirtuada com medidas encobertas por

modelos contrários a essa decisão, sob pena de estagnação e retrocesso

social.

Formulação do problema e justificativa

O direito penal e o direito processual penal acompanham a história

da humanidade. O homem enquanto um ser inserido na sociedade e

dependente das relações com o seu semelhante nunca esteve distante do

crime e das possíveis formas de punições.

O controle sobre o homem por meio da sanção penal traz uma

sensação de conforto e de justiça à sociedade. E o direito, enquanto meio de

controle social, atinge seu ápice com os métodos processuais penais, isto por

que se coloca em pauta o direito à liberdade.

A reincidência entra nesse cenário como um instrumento de controle

penal, eis que agrava a pena do condenado e obsta ou retarda a concessão de

benefícios penais e processuais. Compõe, assim, um sistema que funciona a

base da ameaça punitivista, com a justificativa da necessidade de maior rigor

penal para conter o fenômeno da criminalidade.

Page 15: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

14

Desta forma, caminha ao lado do desenvolvimento da pena privativa

de liberdade, por conseguinte, do fracasso da pena de prisão e sua função de

tratamento ressocializador.

Longe de conter a criminalidade e ressocializar o criminoso, a prisão

se transformou num nascedouro de estratégias criminais e de especialização

no crime, por conta das péssimas estruturas dos estabelecimentos prisionais.

Em razão, principalmente, da violência operacional, o sistema penitenciário

gera problemas mais graves que aqueles propostos a solucionar.

A inserção do criminoso num sistema falido já é um pressuposto

que, na grande maioria dos casos, não gera qualquer resultado positivo. Além

disso, a forma como vem sendo aplicada a prisão reforça diariamente o

estigma de criminoso, com reflexo social imensurável. A sociedade enxerga o

detento e o egresso como um perigoso ‘inimigo’, visto que o fato de ter

cumprido pena ou ter sido condenado causa o incômodo da insegurança.

Desta forma, o recidiva é taxado com essa etiqueta ad eternum, o que gera

criminalização e exclusão social, formando um círculo vicioso.

Esse cenário dá ensejo ao apoio a movimentos que defendem maior

repressão penal com a manutenção, pelo maior tempo possível, do isolamento

do criminoso em relação ao restante da sociedade, sem importar nesse viés a

forma como esse processo será executado. Esquece-se que a qualidade de

cidadão não pode ser retirada de ninguém no Estado Democrático de Direito.

A reincidência, no formato atual, é utilizada como um instrumento da

política maximalista, que promete fins imediatos, sem a preocupação com a

compatibilidade dos meios empregados ao modelo estatal elegido e que

pretende, acima de tudo, a neutralização do delinquente.

Por outro lado, a quebra do compromisso de ressocializar o

condenado não ocasiona qualquer consequência gravosa ao Estado, ao

contrário do criminoso que tem condenações agravadas por fatos pretéritos,

como se apenas esse tivesse falhado na proposta inicial da pena de prisão.

Por conseguinte, os questionamentos em torno da reincidência são

dos mais variados e não se concentram apenas em âmbito nacional, pois

constatou-se que se trata de preocupação em diversos países os fundamentos,

a aplicação e os resultados práticos deste instituto.

Page 16: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

15

O Brasil não foi o único país a ser questionado sobre a

constitucionalidade da reincidência criminal, tampouco a ter doutrinadores que

defendem a exclusão desse instituto do ordenamento jurídico. A discussão

perpassa as fronteiras nacionais e preocupa inúmeros países pelos elevados

índices de reincidência.

A partir dessa visão, a reincidência criminal deve ser contextualizada

no âmbito da política criminal que determina métodos claros de prevenção e

repreensão, com resultados efetivos para as promessas traçadas.

Assim, cabe questionar a real finalidade ou intenção do legislador

ao prever e manter o instituto da reincidência no ordenamento jurídico

brasileiro, principalmente considerando os princípios à frente dessa política e

como é possível aplicar o instituto da reincidência criminal respeitando uma

política criminal minimalista que contenha a violência e dê forma à resolução

dos conflitos assegurando, sobretudo, os direitos e garantais fundamentais.

Apesar de tamanha relevância e polêmica, a discussão em torno da

reincidência se mostra inexpressiva e sem qualquer indício de solução

definitiva às questões postas. A reincidência criminal permanece praticamente

inerte no processo evolutivo dos estudos penais e processuais penais, um

verdadeiro contrapasso ao caminho crítico traçado pela Constituição Federal.

Há anos vem sendo aplicada da mesma maneira e, no Projeto de Lei

do Senado nº236, de 2012 (projeto do novo Código Penal), as proposta de

alterações são tímidas perto das vicissitudes causadas pela reincidência

criminal na vida do criminoso e a perpetuação de seus efeitos, sejam explícitos

ou implícitos.

A escolha do tema almeja a junção aos demais estudos existentes,

com ênfase na importância da análise da reincidência criminal para que se

corrobore a proposta de adequação desse instituto à luz da Constituição

Federal, mais precisamente, do processo penal constitucional.

Definição, natureza e abrangência espaço-temporal do estudo

O estudo desenvolvido através desta tese de doutoramento possui

natureza aplicada com o intuito de o resultado ser futuramente executado,

Page 17: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

16

ainda que parcialmente, para a solução de diversos problemas oriundos da alta

taxa da reincidência criminal. Será realizada uma proposta de alteração na

execução da reincidência criminal tangenciada, a verdadeira finalidade do

processo penal constitucional.

Conforme abordado no objeto de estudo, a pesquisa está voltada à

análise da reincidência criminal e seus reflexos na atualidade brasileira, sem

deixar, contudo, de apresentar os momentos históricos importantes que

trouxeram alguma alteração relevante e, ainda, de abordar o tratamento

reservado por alguns países que de alguma forma influenciaram o Brasil na

previsão da reincidência ou que são mencionados pelos autores brasileiros

estudados.

Objetivo e hipótese geral

O objetivo deste trabalho é demonstrar a dificuldade de aplicar o

instituto da reincidência e seus efeitos dentro dos parâmetros de um processo

penal constitucional e no processo penal. Portanto, é imprescindível uma

proposta de modificação desse instituto para apresentar critérios mais precisos

em prol de um efetivo garantismo.

A pesquisa tem por escopo a análise da reincidência criminal na

seara do processo penal constitucional, suas implicações, formas de aplicação,

consequências jurídicas e sociais. Para tanto, são necessários vários objetivos

específicos.

Primeiramente, demonstrar-se-á como o estudo do sistema jurídico

amplia a visão do jurista em torno de um problema que exige alternativas e

soluções dentro do ordenamento jurídico brasileiro, além de ser um respaldo

teórico para a interpretação a ser desenvolvida acerca do tema proposto no

âmbito do direito processual penal.

Na sequência, será abordada a finalidade do processo penal como

um instrumento democrático, compatível com a evolução imprescindível do

sistema processual adotado e desprendido das amarras de uma cultura

inquisitiva e opressora.

Page 18: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

17

Em seguida, partir-se-á para o exame da reincidência criminal e

suas particularidades, tais como origem histórica, conceito, espécies,

finalidades, consequências no ordenamento jurídico brasileiro, com a

exposição do tratamento em alguns países que influenciam o Brasil e são

destacados pelos estudiosos do tema. E, ainda, levantar-se-á para discussão

da decisão que entendeu pela constitucionalidade do instituto referido.

Será traçado também o panorama da reincidência criminal na

realidade do processo penal brasileiro, juntamente com a análise de dados

estatísticos de pesquisa recente e da interpretação criminológica sobre a

justificativa de medidas punitivistas de um direito penal máximo.

Por fim, pretender-se-á desenvolver uma proposta que contribua

para compatibilizar a aplicação da reincidência criminal no processo penal

constitucional, tudo com base nas vertentes de uma política criminal

minimalista, de rigoroso respeito aos direitos humanos e às garantias jurídicas

do Estado Democrático de Direito, com o objetivo final de alterar a forma como

vem sendo aplicada a reincidência criminal no país, como instrumento apenas

de maior reprimenda e sem qualquer efetividade, a fim de torná-la mais

democrática e efetiva.

Estrutura e desenvolvimento da tese

A presente tese de doutoramento foi construída em cinco capítulos,

aos quais se sucedem as conclusões.

O segundo capítulo, após a Introdução desta pesquisa, abordará o

sistema jurídico como base teórica e crítica. Nele serão selecionadas as visões

de alguns estudiosos do sistema a fim de se enquadrar o direito processual

num conceito de sistema jurídico, com a posterior explanação, das teorias que

podem nortear o jurista na evolução da ciência jurídica.

No terceiro capítulo, o foco do estudo será o sistema processual

penal adequado ao Estado Democrático de Direito, com a exposição dos

princípios basilares e destaque à importância desse modelo na proteção das

garantias e dos direitos fundamentais do cidadão processado criminalmente.

Page 19: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

18

Já no quarto capítulo, voltar-se-á a atenção à reincidência criminal

desde a origem histórica, conceito, natureza jurídica, espécies, finalidade,

consequências, regramento no direito comparado e discussão sobre a

constitucionalidade firmada pelo Supremo Tribunal Federal, com a exposição

dos argumentos contrários e favoráveis, além de serem apresentadas as

jurisprudências que destacam o tratamento da reincidência criminal nos

Tribunais Superiores.

No último capítulo, após a explanação sobre as consequências da

reincidência na vida processual do réu na fase investigatória, na decretação de

medidas cautelares, na fase judicial e na execução penal, esse instituto será

contextualizado com fulcro na seletividade penal e nos modelos de política

criminal em voga no ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, será realizada

uma proposta de alteração a fim de contribuir para o desenvolvimento do

sistema processual penal constitucional, principalmente, na efetividade da

reincidência criminal no decorrer do processo penal e após sua conclusão.

Nas considerações finais realizar-se-á, incialmente, o resumo dos

temas tratados nos capítulos e, posteriormente, dada ênfase às propostas

atinentes às respostas à hipótese levantada.

Método e teorias

A presente tese de doutoramento foi desenvolvida com base em

pesquisa bibliográfica e documental, a partir do método dedutivo-indutivo,

inicialmente, do geral para o particular. Baseada na análise do todo – sistema

jurídico –, realiza-se o enquadramento do direito processual nesse conceito

para, posteriormente verificar dogmaticamente o direito processual penal e

estudar a reincidência, partindo de dados empíricos e suas consequências

processuais com o objetivo de sugerir alteração na aplicabilidade desse

instituto, observando a realidade também pela criminologia crítica.

Como referencial, várias são as teorias basilares e os autores

consultados para a construção desse trabalho, conforme se constata nas

referências bibliográficas. Alguns foram utilizados apenas em um único capítulo

em virtude da especificidade do assunto abordado.

Page 20: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

19

Esclarecimentos adicionais

A opção pelo estudo da reincidência criminal deveu-se às mínimas

pesquisas a respeito, em contrapartida ao grave problema que ela se tornou e

se ampliou causando preocupação em âmbito mundial. Em quase todos os

debates sobre criminalidade é apontada a alta taxa de reincidência, porém,

poucos são os estudos sobre esse instituto histórico.

Entende-se que esse trabalho seja mais um passo para colaborar na

construção de uma solução tangente a um problema que assola não só o

sistema jurídico, mas atinge a toda sociedade.

Por fim, foram realizadas consultas a diversas jurisprudências, o que

justifica os apontamentos detalhados em notas de rodapé. Ademais, procurou-

se manter a informação de todas as citações diretas e indiretas indicando a

fonte precisa de pesquisa.

Page 21: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

20

2 SISTEMA JURÍDICO E O DIREITO PROCESSUAL PENAL

A abordagem sistêmica é, de fato, uma nova visão da realidade, pelo menos quando contraposta à abordagem científica clássica, analítica e mecânica

1.

Analisar um tema com suas problemáticas e exigências

interpretativas atuais, demanda um estudo preliminar que identifique esta

necessidade e demonstre onde se situa a questão dentro do ordenamento

jurídico brasileiro. Além disso, não é possível construir um pensamento sem

respaldo e posição teórica basilar.

Por isso, neste capítulo, será analisado o sistema jurídico na visão

de alguns doutrinadores, com o fim de identificar qual a melhor concepção para

embasar a interpretação a ser desenvolvida do tema proposto dentro do direito

processual penal. O entendimento da ideia de sistema perfilha o caminho

científico e possibilita melhor compreensão do fenômeno jurídico,

principalmente tangente aos valores que devem servir de orientação para esse

fim.

Delimitando o campo de análise, parte-se da visão transdisciplinar

de Ludwig von Bertalanffy sobre a teoria geral dos sistemas a fim de

demonstrar a importância da concepção sistêmica nas mais diversas ciências

para, em seguida, destacar a visão de alguns doutrinadores que também

trilharam o caminho do estudo sistêmico. Desta forma, selecionou-se a

concepção de sistema kelseniano e a tentativa de fechar normativamente o

sistema; o culturalismo jurídico a partir de Miguel Reale, a partir da análise da

ciência jurídica como objeto cultural, o direito como experiência; as

contribuições de Lourival Vilanova para a compreensão da unidade do sistema

e a possível abertura; a visão da sociologia jurídica a partir de Nikas Luhmann,

que traz a ideia de autopoiese do direito e a discussão peculiar em torno dos

sistemas aberto e fechado. Ao final, destacou-se o pensamento sistêmico de

Claus-Wilhelm Canaris, sustentáculo do presente trabalho, tudo com o objetivo

de delinear um sistema axiológico que fundamente a interpretação do direito

processual penal dentro de um conceito de sistema.

1 PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.56.

Page 22: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

21

Identificar o direito processual penal no contexto do sistema jurídico

favorece a compreensão de institutos muitas vezes questionáveis no que tange

à lógica estrutural e aos seus reais objetivos.

Estudar o instituto da reincidência e suas consequências requer a

atenção em torno da finalidade não só da norma, mas a razão de sua criação e

manutenção, além dos objetivos do próprio direito processual penal no

ordenamento.

Desta forma, evidenciar a importância da conceituação do sistema

jurídico, em razão não somente das suas consequências externas ao direito

(exigências sociais), mas também em relação ao que ela oferece dentro do

próprio direito (ordem, hierarquia, possibilidades interpretativas), sem dúvida, é

um passo para nortear o jurista na contínua construção de uma ciência jurídica.

2.1 A teoria transdisciplinar de Ludwig von Bertalanffy – teoria geral

dos sistemas

De acordo com Ludwig von Bertalanffy, o termo teoria geral dos

sistemas foi introduzido, inicialmente, em sentido universal, amplo.

Posteriormente, a teoria foi reconhecida como uma disciplina, trazendo à

realidade uma “ciência nova”2, que tem por conteúdo a formulação e a

derivação dos princípios válidos para os “sistemas” em geral 3.

Destaca-se a teoria geral dos sistemas por se apresentar como uma

tentativa4 de unificar a ciência a partir de conceitos gerais, especialmente no

que tange à própria definição de sistema. A contribuição científica dessa teoria

para o desenvolvimento das ciências é uma característica marcante5.

2 BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.11. 3 BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.57. 4 Ao tratar do conceito da palavra sistema, Juarez de Freitas esclarece: “Todavia, útil registar que passos

iniciais rumo do que se pode definir como uma Teoria dos Sistemas foram dados por Ludwig von Bertalanffy (In: Teoria geral dos sistemas, Petrópolis: Vozes, 1973), que de forma ambiciosa, buscou,

ainda que sem êxito pleno, “uma teoria não dos sistemas de um tipo mais ou mesmo especial, mas dos princípios universais aplicáveis aos sistemas em geral” (p.55), já antecipando, em certo sentido, a possibilidade de aplicação da teoria dos sistemas abertos aos sistemas materiais, psicológicos e sócio-culturais” (p.50).” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo:

Malheiros, 2010, p.39). 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.116.

Page 23: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

22

As teorias sistêmicas se originam das ciências da natureza e

empregam instrumentos lógicos buscando totalidade e unidade. Possuem

característica interdisciplinar de estruturas uniformes (isomorfias) e abrem

caminho aos métodos mais adequados6.

Para Márcio Pugliesi7, a proposta do biólogo Bertalanffy é

transdisciplinar e “atraiu a atenção de muitos membros da comunidade

científica, particularmente por incorporar e sobrepujar os conhecidos recursos

do estruturalismo, bem como aqueles do funcionalismo”.

Importante destacar que a noção de sistema é abordada desde os

períodos clássicos da antiguidade, conforme pondera Paulo Bonavides8.

Com a concepção de que foi iniciado um novo paradigma, Ludwig

von Bertalanffy indica três aspectos principais que se distinguem na intenção.

O primeiro refere-se à “ciência dos sistemas”, caracterizada pela

pesquisa científica e teoria dos “sistemas” nas mais variadas ciências, como a

física, a biologia e as ciências sociais e a teoria geral dos sistemas aplicável a

todos eles. Nesse sentido, “a teoria geral dos sistemas é então uma

investigação científica de “conjuntos” e “totalidades que, não faz muito tempo,

eram considerados noções metafísicas, transcendendo os limites da ciência”9.

O segundo seria a “tecnologia de sistemas” compreendendo os

problemas emergentes na tecnologia e nas sociedades modernas que exigem

novos caminhos e uma nova abordagem, como a interdisciplinaridade. Por fim,

o terceiro aspecto é a filosofia dos sistemas, isto é, “uma reorientação do

pensamento e da concepção de mundo decorrente da introdução do ‘sistema’

como um novo paradigma científico”10. Nesta, percebe-se que descrever o

sistema não é uma tarefa fácil, pois há o consenso do que pertence ao sistema

real em contrapartida daquilo que é construído simbolicamente, os sistemas

abstratos como a ciência.

6 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.108.

7 PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.55.

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.108.

Segundo o autor, “sistema” é palavra grega e significa reunião, conjunto ou todo. Houve uma ampliação desse conceito sendo entendido como o “conjunto organizado de partes, relacionadas entre si e postas em mútua dependência.” 9 BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.11. 10

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.15.

Page 24: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

23

Para Ludwig von Bertalanffy, a palavra “sistema” está presente em

todos os campos da ciência. Em todos os ramos se vê a necessidade do

“enfoque sistêmico” para solucionar um problema.

Nas palavras do autor, “os políticos frequentemente reclamam a

aplicação do “enfoque sistêmico” a problemas urgentes, tais como [...] a bruma

urbana, a delinquência juvenil e o crime organizado”11.

Por isso, ele propõe uma reorientação do pensamento científico,

esclarecendo que não a faz de maneira neutra. Inicialmente, observa que os

fenômenos sociais devem ser considerados como “sistemas”, isto quer dizer

que há uma nítida tendência de se estudar esses fenômenos não de maneira

isolada, mas com interações, o que exige novas ideias, conceitualizações que

serão compostas dentro do sistema.

O problema surge quando o homem se perde dentro dessa

“evolução”, transformando-se num ser meramente substituível, já que o foco é

o sistema. Nessa senda, o homem passa a ser um ser amestrado e dominado

por uma minoria privilegiada12.

A este respeito, Paulo Bonavides13 alerta que a versão cibernética

da teoria sistêmica pode conduzir ao advento de uma tecnocracia de homens

“máquinas” ou “robôs”, e isto seria ameaçador ao humanismo e à liberdade.

Considerando que a ciência está dividida em diversas disciplinas

que vão criando novas subdisciplinas, é difícil que uma influencie a outra,

apesar de apresentarem problemas semelhantes. Por isso, fazendo referência

à biologia, Ludwig von Bertalanffy menciona a necessidade de se estudar não

somente as partes e os processos isoladamente, mas impera solucionar

problemas encontrados na organização e na ordem que os unifica, “resultante

da interação dinâmica das partes, tornando o comportamento das partes

diferente quando estudado isoladamente e quando tratado no todo”14.

Com base nesta visão, muitas vezes pesquisadores descobrem

princípios em sua área de atuação que já haviam sido revelados em outro

11

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.29. 12

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.29. 13

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.108. 14

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.55.

Page 25: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

24

campo. Então, a teoria geral dos sistemas seria uma fonte de modelos a serem

utilizados em diferentes campos e transferidos de uns para outros. Assim, essa

teoria apresenta como um dos propósitos a integração nas várias ciências,

naturais e sociais, além de desenvolver princípios unificadores que direcionam

para a unidade da ciência15.

Essa unificação da ciência teria muita utilidade para a educação

interdisciplinar e integrada a fim de proporcionar o bem-estar à humanidade.

De nada adiantariam os domínios separados das áreas da ciência, cada qual

com sua especialidade, sem interação com as demais.

Nesse contexto, o homem deve ser visto como um indivíduo que

possui valores a serem respeitados pela humanidade. “A sociedade é baseada

nas realizações do indivíduo e está condenada se o indivíduo for transformado

em uma roda dentada da máquina social”16, afirma Bertalanffy.

Por isso, interessante o conceito abaixo:

Um sistema pode ser definido como um complexo de elementos em interação. A interação significa que os elementos p estão em relações R, de modo que o comportamento de um elemento p em R é diferente de seu comportamento em outra relação em R’. Se os comportamentos em R e R’ não são diferentes não há interação, e os elementos se comportam independentemente com respeito às relações R e R’

17.

Além disso, o sistema considerado unitário não deixa de possuir

elementos que apresentam funções distintas, trazendo a ideia de que as partes

podem se tornar imutáveis com respeito a certas ações. Por isso, um progresso

apenas é possível se o sistema se autorregular, ou seja, executar interações

internas: “o progresso só é possível pela subdivisão de uma ação inicialmente

unitária em ações de partes especializadas”18.

15

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.63. 16

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.81. 17

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.84. 18

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.102.

Page 26: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

25

Ludwig von Bertalanffy19, então, defende a unidade da ciência com a

aplicação de princípios gerais dos sistemas. Esta unidade “é conferida não pela

utópica redução de todas as ciências à física e à química, mas pelas

uniformidades estruturais dos diferentes níveis da realidade” 20.

Não se deve, contudo, considerar que todos os fenômenos são

agregados de ações fortuitas de unidades físicas elementares, pois já se

demonstrou que isto conduz à mecanização da humanidade e à desvalorização

dos valores superiores. Nesse contexto, o homem deve ser visto como um

indivíduo cujos valores estão acima de método científicos ou raciocínios

estruturais das ciências.

Impera destacar que para Ludwig von Bertalanffy existe um

consenso unânime de “que ‘sistema’ é um modelo de natureza geral, isto é, um

análogo conceitual de certas características um tanto universais de entidades

observadas”21. O que diferencia a abordagem de sistema é o grau de

generalidade ou abstração, tratada nas mais diversas disciplinas. “Daí a

natureza interdisciplinar da teoria geral dos sistemas; ao mesmo tempo suas

afirmativas pertencem a coletividades estruturais abstraindo da “natureza de

elementos e forças no sistema” com os quais se ocupam as ciências especiais

(e explicações nestas)”22.

“Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos em

inter-relação mútua e com o meio ambiente”23. Ainda que não tenha havido

êxito em tratá-lo como isoformismo tal qual Bertallanfy pretendia – já que

conduziu a um formalismo que sacrificou “a concretude do sistema, os

componentes materiais, visualizando assim o sistema pela forma e organização

e não propriamente pelo conteúdo”24 – nas ciências jurídicas muitos

doutrinadores lutaram por traçar um modelo de sistema compatível com a

forma e a finalidade do direito, como será adiante abordado.

19

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.121. 20

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.123. 21

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.314. 22

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.314. 23

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações.

7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.315. 24

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.116.

Page 27: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

26

2.2 A importância do sistema kelseniano no desenvolvimento da

ciência do direito

A teoria criada por Hans Kelsen foi disseminada por todo o mundo e,

apesar de sofrer veementes críticas25, apresenta sua importância para a

compreensão da ciência do direito. Como teórico do direito e do Estado,

filósofo, sociólogo, Kelsen inaugurou a lógica jurídica com o objetivo de pontuar

princípios e métodos da teoria jurídica a fim de conseguir autonomia jurídica ao

jurista.

Em sua obra Teoria pura do direito, Kelsen objetiva demonstrar que

a ciência do direito deve ser purificada e esta pureza se refere à interpretação

da norma de forma neutra, ou seja, o jurista não deve se ater aos fundamentos

sociais, psicológicos, morais, mas apenas à norma feita sem as considerações

valorativas. Nos dizeres de Hans Kelsen, “quer isto dizer que ela pretende

libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é

o seu princípio metodológico fundamental”26.

Conforme destaca André Franco Montoro27, ao tratar da posição do

direito: “A teoria do direito, diz Kelsen, quer única e exclusivamente conhecer

seu objeto. Procura responder à pergunta: que é e como é o direito, mas não à

questão de como deve ser ou como convém elaborá-lo.”

Ainda, de acordo com Tercio Sampaio Ferraz Jr. 28, “Kelsen propõe,

nestes, termos, uma ciência jurídica preocupada em ver, nos diferentes

conceitos, o seu aspecto normativo, reduzindo-os a normas ou a relações entre

normas.”

25

Nesse sentido, Juarez Freitas, após expor, em síntese, que o estruturalismo de Kelsen não resolve o problema dos limites, do ponto final e inicial da ordem jurídica e que por sua teoria o jurista não construiria o Direito, não interpretaria, apenas o produziria, conclui: “Deste modo, em que pese o caráter invulgar de sua contribuição, que o faz autor de meditação obrigatória, é seguro que, ao almejar a especificidade do Direito, em sua dimensão de fenômeno social, mostrou-se insuficiente diante do desafio de refletir sobre a normatividade jurídica em face das múltiplas e inovadoras funções – não necessariamente repressivas – do Estado. Portanto, a tarefa de uma metodologia jurídica está a exigir a superação do positivismo, absorvendo-se tudo o que neles houver de capaz de suscitar o enriquecimento de uma perspectiva dinâmica, que não se oponha à identidade essencial entre a “ciência” e a “jurisprudência”, o “ser” e o “dever-ser” e, em última instância, o “funcional” e o “estrutural”, compreendendo e vivenciando o Direito, simultaneamente, como sistemático e aberto.” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.45). 26

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p.03. 27

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25.ed. São Paulo: RT, 2000, p.84. 28

FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.37.

Page 28: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

27

Para Niklas Luhmann:

A concepção de hierarquia é de longe a tentativa de construção mais interessante e melhor sucedida, mantendo-se até Kelsen. Ela permite que tanto a teoria do ser quanto a teoria da norma excluam a negatividade e ao mesmo tempo a utilizem enquanto elemento de construção nos parâmetros do positivamente permissível

29.

“Em especial para a teoria pura do direito de Kelsen, é fundamental

e característica a noção de que uma diferenciação hierárquica não ameaçaria a

unidade do direito”30, assegura Niklas Luhman.

Não se trata de uma teoria de simples compreensão, principalmente

pelo fato de Kelsen tê-la desenvolvido com peculiaridades de complexidade

que o acompanhavam na exposição de sua tese; há que se considerar também

o momento histórico em que está inserida.

De acordo com Maria Helena Diniz, “a teoria kelseniana, expressão

máxima do estrito positivismo jurídico, é uma repercussão ideológica de sua

época, é uma consequência da decadência do mundo capitalista-liberal,

marcada pela Primeira Guerra Mundial”31.

Serão, portanto, neste estudo, abordados alguns aspectos da teoria

kelseniana, aqueles relacionados à tese de doutoramento ora desenvolvida,

tudo com o objetivo de apresentar um pilar teórico.

Por meio dessa teoria, há a pretensão de demonstrar que, por força

do condicionante das ideias, o que importa é a juridicidade de qualquer norma,

seja advinda de Estado totalitário, seja Estado socialista. Considera-se,

portanto, o criador da norma.

Kelsen apresenta duas modalidades de ciência: a teoria jurídica

estática e a teoria jurídica dinâmica. Ele as distingue a partir da análise de

alternativas, tais como as normas reguladoras da conduta humana ou a

conduta humana regulada pelas normas.

29

LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1985, p.192. 30

LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1985, p.192. 31

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.132.

Page 29: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

28

A teoria jurídica estática teria por objeto o estudo do direito como um

sistema de norma em vigor, no seu momento estático, isto é, estuda a norma

pronta e acabada. Já a teoria jurídica dinâmica teria por objeto o estudo do

processo jurídico em que o direito é produzido e aplicado, ou seja, no seu

movimento analisa a competência do criador da norma e os fatos

condicionantes daquela competência. Quem regula a produção e a aplicação

do direito é o próprio direito.

Conforme Kelsen, “também a teoria dinâmica do direito é dirigida a

normas jurídicas, a saber, àquelas normas que regulam a produção e a

aplicação do direito”32.

Normas jurídicas são definidas não como juízos, enunciados sobre

um objeto dado ao conhecimento, são mandamentos, comandos, imperativos.

E, ainda, permissões, atribuições, porém não são instruções (ensinamentos),

pois o direito permite, prescreve, confere, mas não “ensina” nada 33.

Essas não devem ser confundidas com proposição jurídica. Em

termos singelos, quando o jurista estuda a norma, ele enuncia uma proposição

jurídica. Desta feita, as proposições jurídicas são descritas pela ciência jurídica

e podem ser definidas como juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem

certas condições ou pressupostos fixados por um ordenamento.

São, portanto, diferenças básicas de norma jurídica e proposição

jurídica: a primeira é uma criação real, existe no espaço, no tempo, é alterável,

revogável, substituível, decorre de um ato de vontade, é um imperativo

sancionador; já a segunda é criação que decorre do jurista soberano, trata-se

de criação epistemológica, não havendo qualquer escolha por parte do jurista,

é ato de conhecimento, está no mundo da lógica, é um juízo hipotético

condicionante.

Na diferenciação, “ganha expressão a distinção que existe entre a

função do conhecimento jurídico e a função, completamente distinta daquela,

32

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p.80. 33

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p.81.

Page 30: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

29

da autoridade jurídica, que é representada pelos órgãos da comunidade

jurídica”34.

Eis, então, uma importante distinção: a ciência jurídica tem por

objetivo conhecer o direito e descrevê-lo com base no seu conhecimento. Já os

órgãos jurídicos possuem a missão de produzir o direito para que ele possa

então ser conhecido e descrito pela ciência jurídica35.

Neste contexto, um conjunto de proposições jurídicas consiste no

sistema: “a distinção mais relevante entre normas e proposições concerne à

organização lógica do sistema jurídico”36. Segundo o autor37, não há, para

Kelsen, lógica interna no conjunto de normas. As autoridades apenas colocam

em prática atos de vontade, e as normas podem apenas ser válidas ou

inválidas. Somente por meio das proposições jurídicas é possível deduzir a

lógica das relações internormativas, isto quer dizer que se houver contradição

entre duas proposições jurídicas descritivas das normas, estas não poderão ser

consideradas válidas. O jurista deve somente conhecer e descrever a norma de

direito por meio de proposição jurídica 38.

Para Maria Helena Diniz39, por meio das proposições é que a ciência

jurídica descreve as normas: “as normas jurídicas são estabelecidas por atos

volitivos das autoridades, ao passo que as proposições são formuladas pela

ciência do direito, decorrendo de atos de conhecimento.” A proposição jurídica

é criação epistemológica, resultado de conhecimento.

Kelsen defende que o dever-ser da proposição jurídica não tem,

como o dever-ser da norma jurídica, um sentido prescritivo, mas um sentido

descritivo: não se pode afirmar, por exemplo, que o furto é punido com prisão,

34

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p.81. 35

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p.81. 36

COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.09. 37

COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.09. 38

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.135. 39

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.140.

Page 31: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

30

pois há casos em que o furto não é efetivamente punido, v.g., quando o ladrão

se subtrai da punição.

Outro aspecto interessante da teoria kelseniana diz respeito à

existência de uma norma hipotética fundamental que irradiaria em todas as

normas descritivas no sistema. O conteúdo dessas seria oriundo da norma

hipotética fundamental, que traz o conteúdo de validade. Conforme Fábio

Ulhoa Coelho, “a norma hipotética fundamental é a categoria kelseniana criada

para solucionar a questão do fundamento último de validade das normas

jurídicas”40.

Desta criação, Kelsen conclui que “o sistema jurídico é posto pela

ciência do direito, mas para tanto o jurista stricto sensu deve pressupor uma

norma hipotética fundamental”41. Esta é uma indispensável hipótese lógica para

que a ciência jurídica possa considerar o direito como um sistema de normas

válidas.

A norma jurídica fundamental, no entanto, não é a mesma no

sistema estático e no sistema dinâmico, uma vez que sua natureza jurídica é

diferente. No sistema normativo estático, todas as normas descritas na

pirâmide deverão retirar o elemento de validade da norma jurídica fundamental.

Já no sistema normativo dinâmico a natureza da norma hipotética fundamental

é a lógica transcendental, isto é, confere fundamento de validade; dentro da

pirâmide há relações de competência.

Há, assim, um topo inicial, que concede o ponto de partida ao jurista,

sendo também o ponto final – a norma hipotética fundamental. Na verdade,

esta não é verdadeiramente uma norma, visto que o jurista não tem poder

normativo. Kelsen utilizou a palavra “hipotética” justamente para distinguir a

norma hipotética fundamental das proposições jurídicas, inaugurando-a no

mundo da lógica.

Observa-se que a norma fundamental está na base do ordenamento

jurídico. É uma norma que cria a fonte suprema do direito, ou seja, de acordo

com Norberto Bobbio, “a que autoriza ou legitima o supremo poder existente

40

COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tercio Sampaio Ferraz Jr. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.11. 41

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.144.

Page 32: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

31

num dado ordenamento a produzir normas jurídicas”42. Esta norma-base não é

verificada positivamente, ela não é posta, mas suposta pelo jurista a fim de que

compreenda o ordenamento: “trata-se de uma hipótese ou um postulado ou um

pressuposto do qual se parte ao estudo do direito”43.

Kelsen utiliza da norma hipotética fundamental para fechar o sistema

jurídico, pretendendo alcançar a sugerida pureza. Por este viés é possível

compreender que essa norma não positiva, mas pensada e que está no mundo

da lógica, autoriza o poder constituinte a emanar normas a todos os cidadãos44.

“A norma fundamental, como sabemos, não tem para Kelsen caráter

ético-político, mas cognitivo, isto é, ela é condição de possibilidade do

conhecimento jurídico”45, pontua Tercio Sampaio Ferraz Jr.

A apontada falha na teoria kelseniana diz respeito à contradição

enfrentada pelo autor, pois no início desvincula o jurista da análise do fato

social e depois menciona esta tarefa.

Nos dizeres de Bobbio:

Tal teoria foi submetida a muitas críticas. E, com efeito, pode-se duvidar que chegue a resolver o problema para o qual foi formulada, isto é, fechar o sistema normativo, assegurando-lhe a perfeita unidade. De fato, se fazemos a indagação: no que se funda a norma fundamental?, ou respondemos fazendo referência a uma outra norma, agora estaríamos diante de um recursis ad infinitum; ou respondemos que tal norma existe juridicamente enquanto for de fato observada, e recaímos na solução que se desejava evitar com a teoria da norma fundamental, isto é, fazemos depender o direito do fato

46.

Mesmo criticado, Kelsen é reconhecido pelo brilhantismo de ter sido

o primeiro a criar uma distinção entre direito e ciência do direito, a contribuir

com a evolução da epistemologia do direito. Conforme explica Maria Helena

Diniz:

42

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Mora.

Tradução e notas Márcio Pugliesi. Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p.200. 43

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Mora.

Tradução e notas Márcio Pugliesi. Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p.200. 44

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Mora.

Tradução e notas Márcio Pugliesi. Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p.200. 45

FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação

normativa. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.128. 46

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Mora.

Tradução e notas Márcio Pugliesi. Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p.201-202.

Page 33: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

32

Kelsen pretendeu, embora não o tenha, no nosso entender conseguido, tão somente preservar a pureza do sistema normativo, foi só por isso que fundou sua validade numa ideia a priori, independente de qualquer fato empírico, daí sua afirmação de que a validade da norma fundamental é uma validade por suposição

47.

A apontada falha também foi identificada por Kelsen e verificada em

sua obra póstuma Teoria da norma jurídica, na qual há um corte

epistemológico. Não importa o que aconteceu antes da criação da norma

hipotética fundamental, mas apenas o que houve depois.

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho:

Em sua obra póstuma, Kelsen revê o caráter hipotético da norma fundamental. Afirma tratar-se de uma ficção, no sentido de que contraria a realidade e é contraditória em si mesma. De fato, a norma pensada pela ciência jurídica contradiz a realidade normativa, já que não corresponde a nenhum concreto ato de vontade, não existe enquanto norma. E se contradiz internamente, porque descreve a outorga de poder supremo, partindo de uma autoridade ainda superior. A ficção, no entanto, a despeito de suas inerentes contradições, é instrumento do saber limitado (Kelsen, 1979: 329)

48.

Considerando a teoria desenvolvida por Kelsen, não se pode negar

sua importância para a interpretação do sistema jurídico atual e a continuidade

da construção da ciência jurídica.

Para o estudo deste doutoramento, a teoria kelseneana não é

adotada como pilar filosófico jurídico, mas esclarece muitas interpretações

equivocadas que refletem consequências gravosas no direito processual penal,

por exemplo, quando se tenta interpretá-lo a partir de um sistema fechado, ou

dando maior ênfase à norma, desconsiderando outros fatores (sociais,

psicológicos, políticos), adentrando-se a um sistema estático há muito já

rechaçado.

47

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.146-147. 48

COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tercio Sampaio Ferraz Jr. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.15-16.

Page 34: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

33

2.3 Teoria tridimensional de Miguel Reale e o sistema jurídico

Para Miguel Reale49, o direito é composto de fato, valor e norma, eis

a estrutura tridimensional do direito. Não há como separar o fato da conduta,

nem o valor da finalidade a que a conduta está relacionada, nem a norma que

incide sobre ela.

Ele considera a experiência jurídica uma das modalidades da

experiência histórico-cultural e por isso fato-valor passa por um processo

normativo de natureza integrante, ou seja, a norma ou o conjunto de normas

representa a operação que considera determinados valores sobre fatos, o que

implica na formação de modelos jurídicos e sua aplicação50.

Esse tridimensionalismo é concreto, dinâmico e dialético, os três

elementos sofrem permanente atração, “já que o fato tende a realizar o valor,

mediante norma”51.

Desta forma, o direito deve ser estudado em sua totalidade, ou seja,

a partir da totalidade de seus elementos constitutivos, “visto ser logicamente

inadmissível qualquer pesquisa sobre o direito, que não implique a

consideração desses três fatores”52.

Conforme Miguel Reale53, o direito “não é, pois, puro fato, nem pura

norma, mas é o fato social na forma que lhe dá uma norma racionalmente

promulgada por uma autoridade competente segundo uma ordem de valores.”

Não há supremacia, na visão do autor, entre estes elementos. O

jurista deve estudar a norma, o fato e o valor enunciando logicamente o seu

pensamento.

No âmbito do ordenamento, a norma é o poder jurídico que advém

de fato volitivo decisório do poder competente sopesando fato e valores. A

elaboração de uma norma é um dos momentos em que resulta a experiência

49

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 1980, p.57. 50

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 1980, p.74. 51

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.157. 52

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.158. 53

REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3.ed. São Paulo: RT, 1998, p.302.

Page 35: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

34

jurídica54. O sistema é, então, o conjunto de enunciados lógicos que analisam

norma, fato e valor; tais enunciados são poderes dogmáticos.

Para Miguel Reale o sistema é multiplural, pois abrange vários

subsistemas de normas, vários subsistemas de fato e vários subsistemas de

valor que estão numa relação de importação e exportação.

Conforme Maria Helena Diniz55, “a ciência jurídica propriamente dita

estuda o momento normativo, sem insular a norma, isto é, não abstrai os fatos

e valores presentes e condicionantes no seu surgimento, nem os fatos e

valores supervenientes ao seu advento.”

Para a doutrina, ora estudada, há a necessidade de integração dos

três elementos para a análise do direito, sendo inviável analisá-lo pelas

concepções setorizadas do direito.

A ciência do direito seria, desta forma, histórico-cultural e

compreensivo-normativa, “por ter objeto a experiência social na medida,

enquanto esta normatividade se desenvolve em função de fatos e valores, para

a realização ordenada da convivência humana”56.

Para Miguel Reale, o jurista é um intérprete, deve averiguar o

sentido e o alcance das normas, mas sem se esquecer de analisar os fatos e

os valores envolvidos. A partir da interpretação proposta por Miguel Reale, o

jurista tentará sempre trazer a melhor forma, provocando a mínima perturbação

social.

Apesar da importância da teoria tridimensional, a qual trilhou um

novo caminho na interpretação jurídica quebrando a barreira dos paradigmas

positivistas tradicionais, que impedia o estudo do direito como experiência57,

por isso aqui destacada, não é possível adotá-la para embasar a visão

sistêmica do direito processual penal, em virtude do seu aspecto descritivo e

retrospectivo em relação ao seu objeto, o que inviabiliza uma crítica

prospectiva, ou seja, refere-se ao objeto como algo pressuposto, acabado e já

54

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 1980, p.61. 55

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.158. 56

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do

direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.159. 57

COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.04-05.

Page 36: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

35

existente antes do conhecimento, e não como algo que possa ser por ele

construído 58.

2.4 A contribuição de Lourival Vilanova

O pensamento filosófico de Lourival Vilanova é no sentido de

defender um sistema geral, o sistema sempre como referência. Ele entende

que há um sistema de normas jurídicas no qual está inserido todo fato jurídico.

Impera destacar a contribuição do autor para a compreensão sobre a unidade

do sistema, assim como a existência de abertura que possibilita a influência de

outros subsistemas.

Tratando-se de sistema, Lourival Vilanova apregoa que cada Estado

é um sistema e este surge a partir de uma história pré-jurídica59. Ocorre que o

sistema possui em si mesmo as regras (proposições) de formação e de

transformação de suas proposições. “As normas que estatuem como criar

outras normas, isto é, as normas-de-normas, ou proposições-de-proposições,

não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele”60.

Para que todas as regras do direito positivo alcancem a

homogeneidade é necessária a normatividade, e esta tem como ponto de

partida a norma fundamental, adotando Hans Kelsen. Tanto a unidade do

sistema, como a unicidade do ponto de partida, consoante Lourival Vilanova,

caracteriza o sistema do direito positivo. “E qualquer forma normativa de

relacionar os elementos (fatos e condutas) será apenas mera possibilidade

lógica se a forma normativa não pertencer a um sistema”61.

Vilanova traça que os dois sistemas, o da ciência do direito e o do

direito positivo, são formalizáveis. Isto quer dizer que uma proposição descritiva

da ciência jurídica pode ser formalizada da mesma forma que uma proposição

pertencente ao direito positivo. Nesse sentido, destaca-se:

58

COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.06. 59

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.125. 60

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.126. 61

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.127.

Page 37: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

36

Há estruturas interiores na proposição, como as proposições se interligam em estruturas. Não convivem meramente justapostas. Umas implicam outras, umas são partes de outras e todas ingressam numa forma mais abrangente, numa estrutura total: a do sistema. O sistema é a forma-das-formas. [...]. O que chamamos ordenamento jurídico, sintaticamente é o sistema. Sob esse ângulo formal, cabe dizer, com Pontes de Miranda: o Direito é um sistema lógico de proposições. Mas tanto o Direito-ciência, como o Direito positivo

62.

Deve-se, ainda, considerar o conceito de sistema como uma

ordenação das partes constituintes, relações entre as partes ou elementos e,

mais, uma ordem: “as relações não são elementos do sistema. Fixam, antes,

sua forma de composição interior, sua modalidade de ser estrutura”63.

Ademais, há para Vilanova um sistema sobre o outro: o

metassistema e o sistema-objeto. Contudo, o princípio da unidade no sistema

do direito positivo é homólogo ao princípio de unidade no conhecimento

jurídico-dogmático.

Lourival Vilanova articula interpretando que este princípio será a

Constituição ou uma proposição situada no direito internacional no sistema do

direito positivo. De forma diversa seria considerar a norma fundamental

kelseniana, entendendo que o que dá unidade à pluralidade de proposições

normativas vigentes é a proposição que está na metalinguagem ou

metassistema. Então, a norma fundamental é uma proposição de

metalinguagem em termos de lógica moderna. Isto quer dizer que a norma

fundamental não está ao lado das outras proposições do direito positivo, não

proveio de nenhuma fonte técnica64.

No campo do direito, sistema emprega dois planos: o da ciência e o

do objeto. Tanto a ciência do direito (sistema científico) quanto o direito positivo

utilizam a linguagem. Assim, um e outro apresentam como nota comum o fato

de que são constituídos de linguagem, ainda que descritiva, uma, prescritiva,

outra. Desta feita, os dois sistemas, o da ciência do direito e o do direito

positivo, por isso mesmo contendo estruturas proposicionais, são formalizáveis.

62

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.134. 63

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.135. 64

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.137.

Page 38: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

37

O princípio da unidade encontra campo tanto no direito positivo

como na ciência do direito. Lourival Vilanova dá a ideia de que um sistema está

contido no outro, ao estatuir:

Não só o Direito positivo tende à forma-limite do sistema, como também a ciência que o tem por objeto. Há, pois, um sistema sobre outro sistema: um meta-sistema e um sistema-objeto. O que facilmente se compreende, tendo em conta que a linguagem é componente nos dois níveis de sistema. E o princípio da unidade no sistema do Direito positivo é homólogo ao princípio da unidade no conhecimento jurídico-dogmático

65.

A unidade do objeto se comunica à ciência, já que a norma

fundamental é a proposição que confere unidade ao sistema-objeto. Por outro

lado, ainda que Kelsen debatesse a favor de um sistema unitário de normas e,

ainda, de um sistema único, fechado, Vilanova apregoa que o “o fechamento

dos sistemas é tão-só do ponto de vista do conhecimento específico

(dogmático) levado a termo pela Ciência-do-Direito”66.

Conclui-se, então, que princípio da unidade do sistema de direito

positivo é homólogo à unidade no sistema científico e esta característica é

dada pelo fato de que ambos empregam a linguagem, porém, a ciência do

direito é metassistema do qual é sistema objeto o direito positivo.

Vilanova defende que o sistema jurídico é um sistema aberto, isto

por que, há um intercâmbio com os subsistemas sociais (econômicos, políticos,

éticos), de onde são retirados os conteúdos-de-referência67.

Afirma ainda que “o pluralismo de normas fundamentais corresponde

a cada Estado, com sua morfologia política historicamente diversificada”68.

Sobre o sistema jurídico, Vilanova ensina que o direito é um

complexo de proposições e um sistema que revela contradições. Aponta ainda

que existe o problema de o direito não dever conter contradições e apoia-se em

Kelsen quando destaca que o sistema jurídico não é um sistema científico,

65

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.137. 66

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.141. 67

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.141. 68

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.142.

Page 39: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

38

tampouco formal ou real (empírico): “um sistema científico, este não tolera a

inconstância, a incompatibilidade contraditória entre seus enunciados. A

contraditoriedade arruína-lhe a estrutura”69.

Vilanova descreve que para eliminar as contradições normativas há

duas vias, uma, dada pelo próprio sistema jurídico70; outra, pela ciência jurídica.

Nesse sentido, a via para eliminar o contraditório do interior de um sistema

positivo de normas é feita pela ciência. Além disso, “conhecer cientificamente é

reduzir à unidade a multiplicidade de dados-da-experiência. E a unidade é

redução a um princípio ordenador, o que requer a coerência interna nos

enunciados através dos quais se recolhem os dados”71.

Esclarece Vilanova, que ao contrário da interpretação de Kelsen, é

possível um sistema de normas jurídicas abrigar contradições: “se há

contradições normativas, então a ciência jurídica, não as admitindo, está-se

colocando em função diversa da cognoscente ou descritiva”72. Com isso,

tomando a posição de emitente de proposições prescritivas, refaz-se o sistema,

aceitando-se a ciência jurídica como fonte do direito, tese contrária à de

Kelsen:

Firmado na lei lógica da não-contradição, o jurista científico emite a norma da não-contraditoriedade, pois, se há normas conflitantes, na espécie da antinomia contraditória, eliminar uma das duas conflitantes só é possível através de normas. Normas são eliminadas por normas, proposições prescritivas por proposições prescritivas

73.

E, na visão de Vilanova, em tempos atuais, estas questões se tratam

de níveis de linguagem, quais sejam a linguagem do direito-objeto e a

69

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.161. 70

Sobre o meio do sistema jurídico, conforme esclarece José Afrânio Vilela “[...] se ele é constituído de níveis proposicionais, com diferentes níveis de valia, se está construído hierarquicamente, a proposição de maior nível elimina a correspondente contraditória de menor nível; quando de mesmo nível, é o critério extralógico de sucessão temporal que manda a posterior revogar a anterior. Daí por diante: a norma constitucional prevalece sobre a norma ordinária, a lei formal prevalece sobre o regulamento; tudo segundo um princípio ordenador, que requer a coerência interna nos enunciados através dos quais se recolhem os dados. Ao pensar sobre os aspectos da Completude do Sistema Jurídico, agora permeando a prática, anota que o juiz necessita do saber teorético a convolar-se em saber instrumental, para conhecer e depois interpretar e aplicar normas. (VILELA, José Afrânio. O pensamento jurídico de Lourival Vilanova. Revista Estudos Filosóficos n.14/2015. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal2-

repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art19%20rev14.pdf.>. Acesso em: 12 out. 2016. (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2010, p.161). 71

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.164. 72

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.167. 73

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.167.

Page 40: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

39

linguagem da Ciência-do-Direito; ainda, de um outro nível de linguagem: a

linguagem lógica, onde se encontra a lei de não-contradição74:

A lei lógica declara que duas normas contraditórias não podem ser ambas válidas (nem ambas falsas, segundo a lei-de-terceiro-excluso). Mas, como lei, é enunciado teorético, cujo valor-de-verdade é independente da conformidade ou não-conformidade do Direito positivo a essa lei. Como lei lógica, é analiticamente verdadeira, muito embora fale sobre proposições que carecem de valores veritativos

75.

Por fim, um sistema científico que infringe lei lógica é, formalmente

(analiticamente), falso, antes de alcançar o objeto de conhecimento. Mas um

sistema normativo, como o do direito positivo, infringente da lei de não

contradição sobre proposições normativas, continua a ser válido76.

2.5 O sistema a partir da sociologia do direito de Niklas Luhmann

Considerando que a evolução e a construção do direito não podem

ficar restritas apenas aos preceitos desta área, sem considerar os demais

ramos da ciência, e que a análise de sistema não é um desafio apenas jurídico,

o estudo por meio da sociologia do direito é capaz de contribuir na reflexão

sobre o conceito de sistema e suas peculiaridades.

Destaca-se, no presente estudo, o sociólogo Niklas Luhmann por

apresentar uma visão sobre o direito que leva à reflexão sobre a importância de

se distinguir o sistema aberto do fechado e inova com a concepção da

autopoiese do direito, que será abordada no próximo tópico.

Niklas Luhmann77, em sua obra Sociologia do direito I78, considera o

direito como uma construção social indispensável. Como há diversas

74

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.168. 75

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.168. 76

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo:

Noeses, 2010, p.168. 77

“Niklas Luhmann nasceu em 1927. Professor na Universidade de Bielefeld, Alemanha, desde 1968, centralizou seu trabalho em torno da teoria geral da sociologia, sociologia do direito, da economia e das organizações. [...] A obra de Luhmann engloba não somente os pensamentos clássicos da sociologia, mas também as conquistas fundamentais da teoria de sistemas complexos e não lineares, elaborada e utilizada concomitantemente em interação recíproca com outras diversas áreas científicas, como na física termodinâmica, biologia molecular, cibernética e teoria da informação e comunicação, entre tantas. (AMARAL, Claudio do Prado. Princípios penais: da legalidade à culpabilidade. São Paulo: IBCCrim,

2003, p.65).

Page 41: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

40

possibilidades em cada situação, para estabelecer o ordenamento jurídico de

determinada sociedade, faz-se necessário deixar de lado a concepção de que

todas as sociedades devam reconhecer determinado direito. Por isso, a

sociologia, de acordo com a abordagem clássica79 à sociologia do direito não

busca a base da vigência em normas.

Tem-se para esta linha de pensamento, de forma geral, que o direito

toma a posição central no desenvolvimento social – “não como uma causa

impulsionadora ou planejada no sentido político do desenvolvimento, mas

como forma e expressão da situação social correspondente”80.

De acordo com Germano Schwartz81, os autores tradicionais: “[...]

vêem o direito como a estrutura normativa da sociedade, ou seja, o direito

como evolução societária, e não de sua crescente complexidade. Daí, que o

direito passa a ser determinado por sua referência à sociedade.”

Desta forma, com base nesta análise, desenvolve algumas

conclusões: que o direito não é determinado por si próprio, mas por sua

referência à sociedade, que o direito fomenta o seu desenvolvimento ao ter que

se adaptar ao processo de evolução da sociedade para atender às suas

necessidades. Por isso, o direito, ao se deparar com uma sociedade mais rica

em possibilidades, ou seja, mais complexa, deve ser compatível com um

número maior de possíveis situações e eventos. Para ele, a sociologia do

direito deixou de lado essa transformação82.

Niklas Luhmann evidencia, pois, a possibilidade de discutir a relação

entre sociedade e direito e aponta que as considerações sobre a teoria de

sistemas e a teoria social, formação e modificação do direito ao longo do

78

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983. 79

É por meio de um resumo comparativo realizado a partir das bases teóricas de Emile Durkheim, Karl Marx, Maine, Weber, Parson e Ehrlich, que Niklas Luhmann chega a essa conclusão. Para ele: “A sociologia do direito tem um relacionamento indiferente, frio, quando não abertamente inamistoso para com a legislação.[...] Até hoje não existe nenhuma abordagem digna de registro no sentido de uma teoria sociológica da positividade do direito.” (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo

Bayer, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.34-35). 80

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983, p.15. 81

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.52. 82

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983, p.33-35.

Page 42: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

41

desenvolvimento social lançam para a sociologia do direito a perspectiva de

poder apreender a positividade do direito83.

A partir destas considerações, vê-se uma das formas com que os

sociólogos contribuem para a própria compreensão do direito e da lógica que

envolve o sistema de regras, o qual deve se desenvolver, manter-se e evoluir

para o bem da sociedade humana a fim de que as normas editadas não

destoem de fatos sociais propulsores da própria adequação jurídica.

Importante dizer que a abordagem sociológica de sistema, a partir

da análise em Niklas Luhmann, pode ser considerada um percurso que orienta

novas teorias. O sociólogo influenciou a definição do direito como estrutura de

sistemas sociais.

Para Luhmann, o direito pode ser definido “como estrutura de um

sistema social, a qual se baseia na generalização congruente de expectativas

normativas de comportamento”84. Então, o direito realiza uma função

necessária em toda sociedade constituída. Sua evolução é perceptível na

medida da complexidade da sociedade, no mecanismo de determinação de

papéis e processos jurídicos.

Todas essas ideias influenciaram na construção da teoria do sistema

autopoiético, uma nova concepção de sistema social, para explicar a

reprodução do direito. Por isso, adiante será abordada a autopoiese do direito,

com ênfase na visão de abertura e fechamento do sistema.

2.6 O sistema autopoiético e o direito

Impera, pois, abordar a autopoiese do direito desenvolvida por

Niklas Luhmann, o qual representa um marco na transição da teoria geral dos

sistemas para teoria dos sistemas sociais.

Segundo Niklas Luhmann, a teoria geral dos sistemas organizou-se

na ideia de sistemas abertos, ou seja, na relação de troca com seu ambiente

por meio das operações inputs e outputs, baseado num sistema aberto.

83

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983, p.37. 84

LUHMANN, Niklas. Direito como generalização congruente. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson

Learning, 2005, p.136.

Page 43: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

42

Contudo, inicia a crítica a essa teoria pela distinção de todo e parte, ou seja,

questiona onde termina a abertura do sistema.

Conforme análise de Luhman:

A consideração teórica dos sistemas abertos é, até certo ponto, uma teoria de alta generalidade, já que deixa aberta a pergunta sobre que tipo de relação de intercâmbio deve ocorrer entre sistema e meio. O desenho dos sistemas abertos trabalha com um conceito indeterminado de meio e não distingue a relação geral entre sistema e meio, da relação mais específica entre sistema e sistemas-no-

meio85

.

O sistema aberto parte da lógica da causalidade para manter

relações de continuidade e procurar o equilíbrio e a estabilidade com o meio

externo. Eis que a estrutura interna do sistema somente poderia ser modificada

com a provocação por meio de seu ambiente.

Com essa abertura do sistema, dificulta-se o próprio conceito de

sistema: “a abertura eliminou o fechamento, ou seja, a identidade sistêmica”86.

Por isso, Luhmann desenvolve uma crítica para solucionar essa questão,

baseado no construtivismo radical em que é preciso distinguir sujeito de objeto.

Contudo, a dificuldade é separar sujeito de objeto, excluir a interferência do

observador. E, ainda, considerar que a realidade parte da experiência do

observador, o qual transmite a informação com base no observado figurando o

produto de um sistema.

Além disso, foi preciso que Luhmann criasse outro conceito de ação

para tornar possível, concomitantemente, a autonomia e a dependência da

sociedade em relação ao ser humano, com a teoria da comunicação. Esta

junção foi realizada pela criação da teoria dos sistemas autopoiéticos87.

A autopoiese vem do grego autós (‘por si próprio’) e poiesis

(‘criação’, ‘produção’). “Significa inicialmente que o respectivo sistema é

construído pelos próprios componentes que ele constrói”88. Na definição de

Maturana, autopoiesis significa que um sistema só pode produzir operações na

85

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.63. 86

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.34. 87

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.34. 88

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.113.

Page 44: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

43

rede de suas próprias operações, sendo que a rede na qual essas operações

se realizam é produzida por essa mesmas operações89. Pode também ser

definida como a qualidade de um sistema que organiza a conectabilidade (por

seus elementos), tudo com operações reprodutivas90.

De acordo com Leonel Severo Rocha:

[...] a noção de Autopoiese surge como uma necessidade de se pensar aquilo que não poderia ser pensado em uma visão dogmática e unidimensional. É um sistema que não é fechado nem aberto. Por quê? Porque um sistema fechado é impossível, não pode haver um sistema que se autorreproduza somente nele mesmo. Por sua vez, igualmente, não pode haver um sistema totalmente aberto e sem limites. Há, aqui, então, a proposta da Autopoiese que estabelece um critério de repetição e diferença simultânea

91.

Esse sistema autopoiético é delineado por Luhmann diferentemente

do modelo de Maturana, pois não radicaliza o fechamento do sistema. O

fechamento é radical na teoria biológica da autopoiese para Luhmann por que

“para a produção das relações entre sistema e ambiente, é exigido um

observador fora do sistema, ou seja, outro sistema”92. Já os sistemas

constituintes de sentido exigiram não um observador de fora, mas uma auto-

observação para a reprodução autopoiética, conforme explica Marcelo Neves93.

Existe uma operação dentro do sistema e apenas a esse se refere. O meio

ambiente está fora do sistema. Assim, sistema e meio ambiente são

independentes.

Para Luhmann, a diferença entre sistema e meio só é possível de

ser realizada pelo sistema, o que preceitua a teoria do encerramento operativo,

que está numa ordem de realidade distinta da autopoiese. O sistema traça

seus próprios objetivos e limites por meio de operações exclusivas, sem com

isso se confundir com a antiga concepção de sistema fechado, a entropia. O

fechamento a partir do encerramento operativo não pressupõe um isolamento,

mas apenas que o sistema é fechado operacionalmente; “ou seja, que as

89

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.121. 90

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.103. 91

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.36. 92

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.114. 93

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.114.

Page 45: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

44

operações próprias do sistema se tornem recursivamente possíveis pelos

resultados das operações específicas dos sistemas”94.

Distingue-se, pois, da antiga consideração de sistemas fechados por

que esses são fechados apenas em determinadas situações, ou seja, há uma

prévia seleção de causas pelo observador. Isto significa que a seletividade de

causas busca definir seus efeitos, nunca podendo ser abrangidas todas as

causas do mundo, apenas aquelas de interesse do observador 95.

Conforme pondera Marcelo Neves96, na teoria dos sistemas sociais

autopoiéticos de Luhmann o meio ambiente atua como o fundamento do

sistema. Diversas determinações do meio ambiente podem influenciar o

sistema, contudo, nem todas serão nele inseridas. Somente aquelas que

receberem a forma atribuída pelo sistema por meio do código-diferença

poderão integrá-lo. Fecha-se operativamente o sistema para lhe dar

possibilidade de abertura, visto que só se abre o que está fechado.

Então, autopoiese para Luhmann é paradoxal, mais abrangente e se

compõe de três fases: a) a autorreferência de base, ou seja, com

autorreprodução dos elementos e leva à conclusão de que quando os juristas

operam há estabilização do sistema autopoiético; b) reflexividade, no sentido

de que o processo se submente aos seus meios para escolher seus atos e c)

reflexão que é a autodescrição do sistema. Quando essas três fases operam

simultaneamente, tem-se a estabilização de um sistema autopoiético

diferenciado de seu ambiente97.

Conforme Marcelo Neves:

A reflexividade diz respeito à referência de um processo a si mesmo, ou melhor, a processos sistêmicos da mesma espécie. Assim se apresentam a decisão sobre tomada de decisão, a normatização da normatização, o ensino do ensino. Mas, formulado dessa maneira, o conceito resulta insuficiente para caracterizar a reflexividade de um sistema autopoiético. Em face disso, Luhmann tenta defini-lo mais exatamente: “De auto-referência processual ou reflexividade

94

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.103. 95

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009. 96

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.113-115. 97

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.50.

Page 46: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

45

queremos falar apenas, então, se esse reingresso no processo é articulado com os meios do processo”

98.

O conceito de autopoiesis, de acordo com Luhmann, “é um ponto de

partida a ser seguido por outros conceitos de reparação que se aproximem

mais da complexidade da realidade”99.

A autopoiesis demonstra que a dependência de um sistema se

revela na maneira como o meio produz efeitos no sistema. Essa inter-relação

apenas é visível por meio de um observador, que irá analisar sistema e meio.

Por uma questão de lógica, deveria concluir que um sistema é mais

dependente quando relacionado ao meio, contudo, Luhmann conclui,

paradoxalmente, que “os sistemas altamente complexos aumentam,

simultaneamente, a autonomia (se é que se permite usar assim tal conceito) e

a dependência”100.

Desta feita, os sistemas político, econômico e do direito, por

exemplo, são “altamente dependentes e independentes em relação ao meio”101.

A política não vai bem quando a economia fica a desejar, a economia precisa

de garantias fornecidas por instrumento do direito e, assim, sucessivamente.

Nas palavras de Luhmann:

Os sistemas parciais da sociedade tornam-se cada vez mais reciprocamente dependentes: a economia depende das garantias políticas e de decisões parametrais; a política, do sucesso econômico; a ciência, de financiamentos e da capacidade de planejamento da política; a economia, da pesquisa científica; a família, do resultado econômico dos programas políticos de pleno emprego; a política, da socialização através da família; e assim por diante

102.

O aumento da complexidade da sociedade exigiu subsistemas

especializados para operacionalizar os problemas decorrentes desse

desenvolvimento. Esses subsistemas se organizam e produzem seus

98

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.117. 99

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.125. 100

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.127. 101

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.127. 102

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1983, p.227.

Page 47: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

46

elementos pela comunicação geral: “eles são autopoiéticos, capazes de se

reproduzirem sem qualquer interferência externa. São operativamente

fechados no sentido de que essas operações não são determinadas pelo

ambiente”103. O sistema em Luhmann é fechado operacionalmente, mas aberto

cognitivamente em relação ao ambiente. A comunicação apenas existe com o

homem e é, constantemente irritada pelas consciências104.

Nesse contexto, os subsistemas são iguais ao sistema social,

abertos e fechados ao mesmo tempo, e cada um deles possui um código

comunicativo próprio primeiro, isto é, não pode ser utilizado pelo outro.

O direito como sistema autopoiético teria o código binário lícito/ilícito

e a comunicação como elementos básicos de sua autopoiese. Reside, porém,

a dúvida sobre como o direito é capaz de impor suas autodescrições aos

demais subsistemas, considerando que esses também possuem códigos

próprios.

A resposta é construída por Luhmann ao afirmar que o direito deve

produzir “congruência seletiva” entre as dimensões de sentido a fim de

alcançar a função do direito. Por essa óptica o direito procura estabilizar as

frustrações por meio da normatização e, para absorvê-las, pode tanto ignorar a

violação de uma norma como aplicar uma sanção105: “a positividade, isto é, o

princípio da variabilidade estrutural do direito, só se torna compreensível

quando se vê o presente como consequência do futuro, ou seja, como

decisão”106.

Salienta-se que a positividade do direito nada mais significa que sua

autodeterminação operacional. Isto quer dizer que o direito se fecha

operacionalmente com o código-diferença lícito/ilícito, mas a escolha do que é

ou não lícito é determinada de acordo com o ambiente107.

Outra produção de Luhmann é que a autodeterminação do direito

tem como fundamento a distinção entre expectativas cognitivas e normativas.

103

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.62. 104

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.56. 105

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. 106

LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1985, p.168. 107

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.120.

Page 48: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

47

Com essa distinção, é possível a abertura do sistema ao ambiente. Assim, o

direito seria um “sistema normativamente fechado, mas cognitivamente

aberto”108.

O que é fechado no sistema é sua autoprodução e o que se abre é a

sua referência ao meio ambiente. Isso ocorre para que haja um filtro no sistema

jurídico. Quer dizer que esse sistema escolhe seus próprios critérios podendo

ou não se deixar influenciar pelos fatores do meio ambiente.

Sendo o sistema cognitivamente aberto ele pode se reciclar, ou seja,

alterar-se para uma adaptação ao meio ambiente, com a seleção apenas de

interesses alheios ao sistema jurídico. E, o seu fechamento normativo é que

deixa clara a distinção entre sistema jurídico e seu ambiente, além de impor

escolhas, reduzir a complexidade e distinguir expectativas jurídicas dos

diversos comportamentos do ambiente. Eis que o fechamento operativamente

garante a autopoiese do direito e o estimula a garantir sua função109.

Nesse contexto, destaca-se:

O Direito é um subsistema fechado normativamente e aberto cognitivamente, ou seja, é um subsistema cuja reprodução autopoiética basal se fecha operacionalmente ao redor das expectativas normativas, sem que isso implique um isolamento cognitivo em reação ao seu ambiente

110.

O sistema jurídico na visão de Luhmann é um subsistema funcional

e autopoiético, que compõe o sistema social e procura produzir seus elementos

e estruturas, mediante operações recursivamente fechadas. A sociedade seria,

então, o ambiente do direito 111.

O direito se enquadraria como um dos subsistemas sociais surgido

diante do crescimento da complexidade da sociedade, a qual necessitou

desses subsistemas especializados a resolver os mais diversos problemas

atinentes à política, à religião, à arte, à educação e ao direito, dentre outros.

108

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p.120. 109

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. 110

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.112. 111

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.62.

Page 49: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

48

Os subsistemas (direito, economia, ciência, política, educação,

religião, arte, meios de comunicação de massa, arte, família e saúde) não

estão isolados, podem ser irritados pelo ambiente, mas essas aberturas não

afetam as operações internas do sistema – o fechamento operacional – e

somente serão bem recepcionadas se resolvidas com as próprias referências

dos sistemas112.

Para visualizar essa relação, Luhmann faz a comparação com um

jogo de sinuca:

Para o jogo existir é preciso mais de uma bola de bilhar; todas diferenciadas e cada uma com sua respectiva cor (fechamento operativo). Isoladas, não fazem qualquer sentido. Também não faz sentido se elas não se baterem, chocarem (se irritarem, estimularem). Se, durante estes choques, uma das bolas lança a outra fora da mesa (desdiferenciação funcional ou corrupção de códigos), o jogo é destruído. Enfim, para o jogo continuar, é indispensável multiplicidade de bolas de bilhar que se relacionam, sem se confundirem. Esta, para Luhmann, é a lógica da complexidade da sociedade moderna

113.

Observa-se que Luhman114 desde sua obra Sociologia do direito I

defendia o direito como estrutura e a sociedade como sistema em uma relação

de interdependência recíproca. A sociedade seria um sistema social que

deveria possuir uma ordem jurídica: “a grande novidade da última sociologia

jurídica luhmanniana é precisamente de que a positividade é, a partir de então,

insuficiente para explicar isso que o sistema jurídico é hoje [...]”115.

Eis, então, o sistema autopoiético em que o direito se conceituaria,

um sistema fechado normativamente, mas aberto cognitivamente. Quer dizer

que ou o sistema é autopoiético ou não é. “Ele não pode ser mais ou menos

fechado, mais ou menos autopoiético, porque suas operações não podem ter

referência fora dele”116.

Por fim, o sistema jurídico se encerra apenas operativamente com a

abertura e uma dependência ambiental. Fecha-se apenas sua fábrica interna,

112

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. 113

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.65. 114

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013, p.22. 115

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.52. 116

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.114.

Page 50: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

49

sendo capaz de organizar sua autorreferência, de se observar e de construir o

objeto jurídico117. O direito é, pois, determinado pelo seu próprio sistema

jurídico por meio das operações internas.

Essas considerações sobre a autopoiese do direito irão contribuir na

discussão sobre os modelos de sistemas aberto e fechado e em qual deles

melhor se adequam as necessidades do direito processual penal. De antemão,

afirma-se que a teoria de Luhmann, apesar de ser inovadora e de contribuir

para a compreensão do sistema jurídico, denota um conteúdo meramente

formal, com a sobreposição da expectativa normativa em detrimento de uma

função jurídica sob a perspectiva de valores fundamentais.

2.7 Claus-Wilhelm Canaris e a conceituação de sistema

Na obra Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência

do direito, Claus-Wilhelm Canaris apresenta uma inovação referente à ciência

jurídica ao sintetizar a ideia, o conteúdo, a natureza e os limites do pensamento

sistemático.

O texto apresentado por Canaris foi produto da conferência proferida

em 1967 para o seu processo de habilitação, perante a Faculdade de Direito da

Universidade de Munique.

Com uma introdução à edição portuguesa, Antonio Menezes

Cordeiro desenvolve desde a análise sobre o formalismo e o positivismo,

apontando a incapacidade do formalismo perante a riqueza dos casos

concretos e a dificuldade do positivismo em lidar com conceitos indeterminados

como a falta de capacidade para apontar soluções alternativas perante

injustiças graves no direito; até a sugerir um novo pensamento sistêmico.

Cordeiro esclarece que Canaris optou pelas exemplificações na

base do direito privado. Contudo, as lições empreendidas também podem ser

alargadas às diversas disciplinas.

Destaca Cordeiro118 que a regularidade vem concretizar a existência

do direito. “Sem essa regularidade, o direito não teria qualquer consistência,

117

CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.124.

Page 51: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

50

ideal ou real: ininteligível, imperceptível e ineficaz, ele deveria ser afastado das

categorias existentes.” Desta forma, uma primeira ideia de sistema poderia ser

definida: “o direito assenta em relações estáveis, firmadas entre fenômenos

que se repetem, seja qual for a consciência que, disso, haja”119.

Não é demais fixar que há dúvidas e diversas discussões sobre a

ideia de sistema em direito. Canaris utiliza a noção de Kant: “sistema é a

unidade, sob uma ideia, de conhecimentos diversos ou, se se quiser, a

ordenação de várias realidades em função de pontos de vista unitários”120.

Neste contexto, para o direito ser aplicado, ele deve ser conhecido e

para isto, imperioso o estudo dos fenômenos jurídicos. O direito possui um

sistema interno e necessita da sistematização na aprendizagem ou na

comunicação, que se materializa pela exteriorização do direito.

O sistema externo interfere no sistema interno, contudo, o inverso

não ocorre, pois o sistema externo tem por objetivo comunicar o interno para

que este seja acessível ao estudo e à aprendizagem 121.

Por isso, estudar o significado da ideia de sistema para a ciência do

direito gera controvérsias e divide opiniões, eis que somente por meio do

estudo do sistema se alcança o verdadeiro conhecimento.

Para conceituar o sistema jurídico é necessário haver um conceito

geral ou filosófico de sistema e da análise do papel do sistema na ciência do

direito. Predomina a conceituação trazida por Kant já acima mencionada.

Desta forma, Canaris explica que a ordem e a unidade do direito

pertencem, antes, às fundamentais exigências ético-jurídicas e radicam, ao

final, na própria ideia de direito:

118

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.LXIII. 119

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. LXIV. 120

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. LXIV. 121

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. LXIX.

Page 52: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

51

Assim, a exigência de “ordem” resulta diretamente do reconhecido postulado da justiça, de tratar o igual de modo igual e diferente de forma diferente, de acordo com a medida da sua diferença: tanto o legislador como o juiz estão adstritos a retomar “consequentemente” os valores encontrados, “pensando-os, até o fim”, em todas as consequências singulares e afastando-os apenas justificadamente, isto é, por razões materiais – ou, por outras palavras: estão adstritos a proceder com adequação

122.

A ideia de sistema jurídico justifica-se a partir de elevados valores do

direito, como o ‘princípio da justiça e das suas concretizações no princípio da

igualdade e na tendência para a generalização. Esse é para o autor o

fundamento do sistema jurídico. Ocorre ainda que outro valor supremo, o da

segurança jurídica, aponta na mesma direção123.

É por meio desse valor que o direito é pressionado a formar um

sistema, com a estabilização de sua aplicação pela legislação e jurisprudência

a fim de que não haja normas desconexas e em demasia, resultantes em

contradição. Com isso, o direito seria o conjunto dos valores jurídicos mais

elevados.

Conceituar sistema, para Canaris, é traduzir e realizar a adequação

valorativa e a unidade interior da ordem jurídica124. Descartam-se os sistemas

de puros conceitos fundamentais como o desenvolvido por Kelsen, visto que

traz categorias puramente formais, enquanto a unidade valorativa é sempre de

tipo material.

Também não seria viável um sistema lógico-formal para traduzir a

unidade interior e a adequação de uma ordem jurídica positiva. Isto, porque, a

unidade interna de sentido do direito, que resulta em sistema, não condiz com

o desenvolvimento de justiça a partir da lógica, mas corresponde a uma

derivação do tipo valorativo ou axiológico125. Os valores não fazem parte do

122

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.18. 123

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.22. 124

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.23. 125

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.30.

Page 53: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

52

campo da lógica formal e os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos

ocorrem fora do âmbito da lógica formal.

Há, ainda, a tentativa de conceber o sistema como uma conexão de

problemas. Contudo, Canaris rebate esta ideia entendendo que o direito não se

desenvolve pela soma de problemas, mas de soluções de problemas.

Claus Canaris126, então, propõe desenvolver o conceito de sistema a

partir das ideais de adequação valorativa e da unidade interior da ordem

jurídica. Entende que o sistema que corresponde ao ordenamento criado a

partir da regra de justiça, ou seja, de regra de natureza valorativa, é o sistema

em que há uma ordenação axiológica ou teológica.

Daí critica o sistema lógico-formal, o qual limita o conceito de

sistema, inadmissível na visão de Claus Canaris127, eis que um sistema tem por

finalidade captar e traduzir a unidade e a ordenação de um determinado âmbito

material com meios racionais. Restringir este caminho ensejaria a sentença de

morte para a jurisprudência e para a ciência, onde são possíveis o pensamento

e a argumentação racional.

Deve, pois, haver um sistema axiológico e teleológico entendendo o

direito como a captação racional da adequação de conexão de valorações

jurídicas. Quando se trata de adequação dos valores, tem-se a adequação

formal de uma valoração e não de justeza material, ou seja, refere-se ao

caráter formal do princípio da igualdade.

Nas palavras do autor, “garantir a adequação formal é, em

consequência também a tarefa do sistema “teleológico”, em total consonância

com a sua justificação a partir do princípio “formal” da igualdade”128. A partir

dessa ideia, é possível vislumbrar a ordenação formal ou a hierarquia do

sistema jurídico.

Da mesma forma, considera-se que o sistema jurídico advém de

uma ordem axiológica de princípios gerais do direito. A característica principal

126

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.66. 127

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.70. 128

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 76.

Page 54: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

53

da ideia da unidade é a recondução da multiplicidade do singular a alguns

poucos princípios constitutivos, o que significa dizer que é necessário alcançar

os valores fundamentais mais profundos, justificando e fundamentando assim a

legislação (ratio iuris determinante).

Para formar um sistema os princípios são imprescindíveis. Eles têm

o condão de extrapolar a unidade valorativa do direito e no conceito (bem

elaborado) a valoração está implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a e

por isso ele é mais adequado129.

Os princípios gerais do direito demonstram o caminho para a

unidade apregoada por Claus Canaris. Para ele, diversos princípios são

comuns a vários institutos. Esta característica enfatiza a ideia defendida de que

o sistema não pode ser desconexo, mas ser o resultado de uma concatenação

e ordenação interna.

O sistema considerado uma ordem de valores resulta na afirmação

de que cada ordem jurídica se baseia em alguns valores superiores e busca

sua proteção. O princípio ultrapassa o valor por já estar suficientemente

determinado e, ainda, extrapola o conceito por não estar suficientemente

determinado para esconder a valoração130. Considerando esta delimitação, o

sistema é definido como uma ordem teleológica de princípios gerais do direito.

Para a obtenção do direito, o significado do sistema define o

“sistema interno de uma ordem jurídica como axiológico ou teleológico; o

argumento sistemático é, então, apenas uma forma especial de fundamentação

teleológica e, como tal, deve, desde logo, ser admissível e relevante”131.

No que se refere à interpretação sistemática, Canaris considera que

a argumentação baseada no sistema interno exprime o prolongamento da

129

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.83. 130

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.87. 131

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.153.

Page 55: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

54

interpretação teleológica, encontrando-se o mais alto nível entre os meios da

interpretação132.

É claro que para a obtenção do direito a partir do sistema há limites,

pois a necessidade de controle teleológico e a possibilidade de

aperfeiçoamento do direito traduzem a consequência evidente de determinadas

qualidades do sistema. Existem, portanto, lacunas no sistema e quebras no

sistema, fenômenos comuns para o jurista que devem ser solucionados a partir

do pensamento sistemático133.

Pelo pensamento sistemático desvenda-se que normas contrárias ao

sistema podem, pelo fato da contradição de valores nelas incluídas, ofender

princípios constitucionais, devendo ser consideradas nulas134.

Não significa que cada norma contrária ao sistema deve ser

considerada imediatamente nula, pois ainda que exista uma contradição de

valores, este pode ser negado por outras razões.

Diante da quebra do sistema, deve-se pensar no valor da segurança

jurídica. Não é possível revogar de maneira geral os princípios já inseridos na

consciência jurídica e modificar suas prescrições em correspondência com os

valores constitutivos da nova regulação 135.

As quebras no sistema são eliminadas através da interpretação

sistemática e da integração sistemática de lacunas. Desta feita, caso assim não

seja possível, a opção é considerar nulas as normas contrárias ao sistema.

Eis, então, as teses defendidas por Claus Canaris para construir o

sistema e obter o direito, contribuições que se refletem na construção da

ciência do direito e nos desafios por este enfrentados.

A partir, então, das concepções apresentadas sobre sistema, passa-

se a enfocar e refletir a respeito dos modelos de sistemas aberto e fechado, de

132

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.159. 133

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.196. 134

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.225. 135

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.228.

Page 56: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

55

fundamental compreensão para inserir o direito processual penal no sistema

jurídico.

2.8 Os modelos de sistemas aberto e fechado

Desde o início da construção teórica do sistema jurídico, fala-se em

abertura e fechamento deste. A complexidade para o desenvolvimento de uma

teoria que explique e proporcione a evolução do direito chega a impasses que

estão longe de alcançar um consenso. Porém, cabe adotar a ideia que se

compatibilize aos preceitos de um processo penal constitucional em sua função

social. Nesse viés, o direito processual penal estaria inserido num sistema

aberto ou fechado? Para responder à questão, imprescindível analisar como

ocorre esse fechamento e a abertura de acordo com as doutrinas selecionadas.

A noção de sistema aberto e fechado pode ser extraída,

inicialmente, da teoria de caráter interdisciplinar de Ludwig von Bertalanffy, o

qual inova na percepção da relação do sistema com o ambiente, possibilitando

distinguir sistema aberto do sistema fechado.

Para Ludwig von Bertalanffy, a teoria geral dos sistemas pode ser

exemplificada por meio dos sistemas fechados e abertos e da análise das

limitações da física convencional. Não faz muito tempo que a física abarcou os

sistemas abertos. A física convencional apenas se aplicaria a sistemas

fechados, não alcançando organismos vivos, já que esses são abertos136.

Desta forma, o sistema fechado é aquele que não se relaciona com

seus ambientes, enquanto no sistema aberto há essa relação. Para o autor, o

resultado final em um sistema fechado seria quase previsível, bastando apenas

analisar as condições iniciais para antever seu processo e conclusão. Já no

sistema aberto, como as condições iniciais podem ser diferentes, o resultado

final ganha mais possibilidades.

Para Bertalanffy, o organismo considerado sistema físico, não é um

sistema fechado, mas aberto. “Dizemos que um sistema é “fechado” se

nenhum material entra nele ou sai dele. É chamado de “aberto” se há

136

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e

aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.64.

Page 57: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

56

importação e exportação de matéria”137. Nota-se ainda que “[...] os organismos

vivos são essencialmente sistemas abertos, isto é, sistemas que trocam

matéria com o ambiente”138.

Para Bertalanffy139, a teoria dos sistemas abertos, integrante da

teoria geral dos sistemas, refere-se a princípios que podem ser aplicados aos

sistemas em geral, isto por que tem o condão de discutir totalidades de

natureza geral:

O estudo do organismo vivo como sistema aberto que troca matéria com o meio compreende duas questões: primeiramente, a estática, isto é, a conservação do sistema em um estado independente do tempo; em segundo lugar, a dinâmica, isto é, as variações do sistema

no tempo140

.

Tem-se, então, que o organismo vivo é uma ordem hierárquica de

sistemas abertos. Os sistemas fechados têm por finalidade atingir um estado

de equilíbrio que independe do tempo, enquanto os sistemas abertos podem

alcançar, apenas em certas condições, um estado independente do tempo.

Este é o estado estável.

Outra distinção entre sistema aberto e fechado é a realizada por

Luhmann. Merece destaque por trazer uma análise diferenciada da abertura e

fechamento do sistema. Considera que os sistemas abertos sofrem estímulos

do meio que podem modificar a estrutura do sistema, uma comunicação

surpreendente no campo social.

Revela, pois, a dúvida de como devem ser geridas as relações entre

o sistema e o meio para que seja mantida a independência do sistema e do

ambiente. Por isso, considera o sistema fechado operativamente e aberto

cognitivamente.

Com a autopoiese, Luhmann adere aos sistemas fechados, porém

não isolados. Esse fechamento se concretiza por meio da codificação binária

137

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e

aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.162. 138

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e

aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.56. 139

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e

aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.195. 140

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e

aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p.205.

Page 58: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

57

lícito e ilícito e a abertura por programas condicionais (leis, regulamentos,

contratos, etc).

Nesse viés, o sistema se comunicaria com o ambiente por meio de

acoplamentos estruturais. No caso da relação entre direito e política o

acoplamento seria a Constituição Federal, do direito e economia, o contrato.

Ora, a irritação ou perturbação do sistema pelo ambiente somente se tornaria

possível com o acoplamento estrutural. Com essa irritação, o sistema, então,

abre cognitivamente ao seu ambiente sem que isso afete sua operacionalidade.

Contudo, nem sempre o sistema vai se abrir cognitivamente, ou seja, haverá

uma análise de como os sistemas devem reagir às perturbações, aceitando-as

ou rejeitando-as141.

Nesse contexto, são muitas as peculiaridades trazidas na concepção

de sistemas aberto e fechado, contudo, ao tratar de sistema, dever haver

noção de que este engloba sempre duas ideias: relação e organização. “Num

sistema, os seus elementos relacionam-se e, assim, adquirem uma

organização, uma totalidade que revela a regra do sistema”142.

E, segundo o raciocínio de Márcio Pugliesi143, o sistema aberto é

aquele que troca matéria, energia com o ambiente e outros sistemas, enquanto

o fechado se isola em condições experimentais. Segundo análise do autor,

podem ser observados sistemas mais fechados e outros mais abertos, a

exemplo de uma comunidade como uma família ou uma empresa. Caso se

feche ao ambiente não apresenta mudanças, mas se houver uma abertura

demasiada, “corre o risco de se descaracterizar pelas mudanças incessantes.

Mas é a única hipótese que tem de se desenvolver, evoluir e crescer”144.

Para Pugliese, o funcionamento do sistema depende do seu núcleo

e apenas ocorrerá uma mudança no sistema se esse for atingido. Em caso de

mudanças que não tenham por finalidade destruir o sistema, basta preservar o

seu núcleo145.

141

BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e

sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. 142

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.58. 143

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.60. 144

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.61. 145

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.63.

Page 59: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

58

Já Claus-Wilhem Canaris, ao analisar o direito alemão, esclarece

que existem diferentes enfoques na construção de sistema aberto e sistema

fechado. Uma primeira concepção é a de que o sistema quando construído

casuisticamente com apoio na jurisprudência é aberto, e quando a ordem

jurídica tiver por base a codificação, é fechado. “A segunda concepção é a de

que o sistema aberto seria incompleto, com capacidade de evolução. Contudo,

entende que as modificações no sistema aberto só podem ser compreendidas

quando analisados separadamente os conceitos de sistema científico (abertura

como conhecimento científico incompleto) e de sistema objetivo (abertura como

modificação dos valores fundamentais na ordem jurídica)146.

O sistema científico, formado por proposições doutrinárias da ciência

do direito, é incompleto e aberto, por que não é definitivo. O conhecimento

científico atende às expectativas de determinada época e necessita de um

natural progresso. Do mesmo modo o sistema objetivo, composto de uma

codificação, também é suscetível de aperfeiçoamento para adquirir uma

unidade de sentido, uma ordem jurídica concreta147.

“À abertura como incompleitude do conhecimento científico acresce

assim a abertura como modificabilidade da própria ordem jurídica”148. Essas

duas formas de aberturas são pertencentes ao sistema jurídico. O sistema

jurídico, no entanto, não pode chegar ao seu fim se for um processo infindável,

oriundo da abertura do sistema. Essa abertura não pode ser confundida com a

mobilidade do sistema.

O sistema móvel traz a igualdade fundamental de categoria e a

substituibilidade mútua dos competentes princípios ou critérios de igualdade. Já

o aberto “não tem fatalmente, como consequência, a igual categoria dos seus

146

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.104. 147

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.104. 148

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.109.

Page 60: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

59

princípios e a renúncia à previsão firmes; um sistema móvel pode, portanto, ser

aberto ou fechado e um sistema aberto pode ser móvel ou rígido”149.

O sistema móvel está entre a previsão rígida e a cláusula geral (que

não concedem critérios necessários para sua concretização, determinando-se

apenas no caso concreto)150. Nesse contexto, o sistema móvel garante em

menor medida a segurança jurídica, considerando que o imóvel é formado

hierarquicamente e a partir de previsões normativas firmes, conforme explica

Canaris151.

Tal medida é visualizada quando se considera que a justiça remete a

uma tendência individualizadora para justificar o sistema móvel. Pondera,

contudo, Canaris que a individualização não pode ocorrer de forma ilimitada,

pois é composto por um número limitado de elementos. O sistema móvel

determina, em geral, critérios de justiça e vai depender do caso concreto para

apontar as consequências jurídicas.

Observa-se que não há uma conceituação unânime sobre sistema

aberto e sistema fechado. De todo o exposto, acredita-se que essa discussão é

um percurso para orientar a melhor forma de manter a autonomia do direito e,

ao mesmo tempo, fazer com que essa ciência atinja às finalidades propostas.

Não se pode retirar o mérito de nenhuma das construções mencionadas, pois a

partir da escolha de um dos modelos da visão sistêmica há inúmeras

possibilidades de ver o todo em funcionamento. Com as peculiaridades

próprias de cada abordagem, o direito pode ser considerado muito mais aberto

do que fechado, porém, tende a encontrar os limites dessa abertura a fim de

não perder a finalidade precípua de realizar o direito e prezar pela dignidade da

pessoa humana. Com valores reitores, fecha-se o sistema, ou seja, a forma

insculpida deve se desenvolver por meio da codificação que irá sempre atendê-

los, porém, para ampliá-los na sociedade e alcançar a completude, abre-se a

evolução.

149

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.129-130. 150

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.142. 151

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.143.

Page 61: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

60

Assim, a concepção de Claus-Wilhem Canaris é a que melhor se

adequa ao entendimento do direito processual penal em sua finalidade, pois se

totalmente fechado na sua codificação e estrutura, não acompanha as

mudanças naturais estagnando-se no seu próprio organismo. O conhecimento

científico voltado à função e às finalidades do direito processual penal não

pode permanecer inerte, ao contrário, deve fazer parte do progresso da ciência

do direito. E esse progresso, que deve ser contínuo e duradouro, pode ser

constatado no direito processual penal quando da mudança estrutural do seu

sistema processual pela Constituição Federal, modificação essa resultante do

avanço no conhecimento dos valores fundamentais que deve regê-lo.

Atrelado a isso, também é possível a abertura do sistema objetivo,

aquele baseado na ideia de ordem jurídica estável pela codificação. Como o

direito processual penal deve ser orientado por valores fundamentais, caso seja

identificada a necessidade de se compatibilizar com esses, a abertura permitirá

a modificação. Nesse contexto, basta lembrar que, após a Constituição

Federal, inúmeras foram as reformas das leis penais e processuais penais.

Várias continuam no cerne da discussão de compatibilidade constitucional,

como é o caso da reincidência criminal.

Assim, eis a importância da distinção traçada, ao revelar que o

direito pode ser estudado sob um viés que ora o direciona para um

fortalecimento impetuoso, ora para uma incerteza temida, porém, necessária,

eis que inconcebível prever todas as mudanças que poderá sofrer.

2.9 O direito processual penal inserido em um conceito de sistema jurídico

O direito processual penal, analisado a partir da concepção de

sistema, pode ser entendido integrante do sistema jurídico e a esta lógica deve

seguir partindo de valores que servem como base à proteção dos direitos

fundamentais do cidadão.

Desde a concepção da teoria geral dos sistemas delineada por

Ludwing von Bertalanffy, é possível extrair que o homem inserido dentro de um

sistema não pode se perder na busca da evolução com sua transformação em

Page 62: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

61

uma roda dentada da máquina social, e o desvalor humano. O ser humano

sempre deve estar acima da estruturação das ciências.

O que Bertalanffy desenvolveu contribui para a compreensão de que

o direito se organiza com a junção de partes organizadas, as quais possuem

princípios gerais que irradiam em todas as esferas. Da mesma forma, que na

busca da evolução do sistema, ou seja, na resolução de questões que

precisam ser tratadas em conjunto, não é possível deixar de considerar valores

supremos, como a vida e a liberdade, que se destacam no direito processual

penal.

Esses valores podem estar dissociados da norma a ser aplicada no

caso concreto se efetuada uma interpretação que se preocupa apenas com a

finalidade pura desta, quer dizer, o que é e não como deve ser ou deveria ser,

uma concepção kelseniana do direito. A frustrada tentativa de fechar o sistema

normativo, com o almejado alcance da pureza do direito, reflete-se na análise

ora realizada do direito processual penal, cuja finalidade de proteger o cidadão,

a ser melhor tratada no segundo capítulo, exige uma ruptura na observação

puramente jurídica para que a complexidade em torno da concretização da

justiça seja desvencilhada da forma mais adequada no sistema jurídico.

Considerando a forma como esses valores são selecionados,

destacam-se os ensinamentos de Miguel Reale, integrantes do culturalismo

jurídico, com uma interpretação da norma que cause menos perturbação social,

a partir do estudo do fato, valor e norma, eis que o direito deve ser visto na sua

totalidade e como objeto cultural e experiência. Contudo, não têm o condão de

esclarecer a função prospectiva do direito, por conseguinte, do direito

processual penal, função essa considerada fundamental nesta pesquisa.

Luhmann vê o direito como o reflexo do momento vivenciado pela

sociedade e entende possível compatibilizar sua estrutura com a própria

evolução social. O direito faz parte da sociedade e com ela se altera, faz

referência à sociedade. “O direito é, desta maneira, um dos fundamentos

indispensáveis da evolução societária”152. Desta forma, o sistema jurídico está

afeto à construção social e deve ser interpretado de forma a se coadunar com

152

LUHMANN, Niklas. Direito como generalização congruente. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson

Learning, 2005, p.135.

Page 63: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

62

a necessidade social do momento, porém sem se perder em interpretações de

insegurança jurídica. A teoria paradoxal de Luhmann possibilita compreender a

importância de distinguir um sistema aberto do sistema fechado e a forma

como o sistema se produz ou reproduz. Em Luhmann, o direito processual

penal não poderia ser totalmente fechado nem aberto ilimitadamente. A isso,

exigir-se-ia uma autopoiese na sua reprodução. E autopoiese, contudo, exige

outro sistema, o observador de fora, pois a autorreprodução e reprodução

somente se realizam dentro do sistema. Isso quer dizer que o sistema tem sim

objetivos próprios.

O direito processual penal englobaria um sistema jurídico que, cada

vez mais, mostra-se imprescindível na complexidade da sociedade. Nesse viés,

o direito busca trazer segurança, a qual inicia com a segurança das

expectativas para posteriormente se voltar à segurança do cumprimento destas

expectativas, por meio do comportamento esperado153. Utilizando-se da visão

de Luhmann, o direito processual penal seria complexo, autônomo, porém

dependente de seu meio. Por conta disso, o desenvolvimento dessa seara não

se isola no fechamento operacional, ou seja, na aplicação de seu código

binário, mas recebe a influência dos valores de seu ambiente. Cada

subsistema possui seu fechamento operacional, mas precisa se abrir

recebendo valores do meio para acompanhar a evolução social. Portanto, a

autopoiese do direito processual penal poderia ser apontada como a

reprodução demasiada de normas, com a justificativa da manutenção da

expectativa normativa. Ocorre que, há a dificuldade de se identificar o código

binário que seria percursor do fechamento operacional do direito processual

penal. Na mesma senda, não se acredita que a função dessa seara é a simples

manutenção da expectativa normativa, ao contrário, deve ir além e ser

interpretado sistematicamente, visto sob o ângulo instrumental a que serve.

Até o momento, é possível afirmar que a interpretação do sistema

jurídico é traçada num emaranhado de pensamentos que visam revelar o

caminho para a melhor aplicação do direito. São métodos desenvolvidos que

153

Direito como generalização congruente. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito:

textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p.135.

Page 64: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

63

firmam pensamentos bastante peculiares e norteiam a infindável evolução

jurídica.

Nesse contexto, outro estudioso que desenvolveu o conceito de

sistema foi Lourival Vilanova, o qual defendeu a existência de princípio da

unidade no sistema do direito positivo e no conhecimento jurídico-dogmático,

qual seja a Constituição ou uma preposição do direito internacional. Essa

unidade por ele defendida deve existir no direito processual penal, visto que é

impossível o seu desenvolvimento sem o respeito das normas constitucionais.

Ademais, a definição pelo autor de sistema aberto reforça o entendimento

nessa tese de doutoramento de que o processo penal realiza diversos

intercâmbios para completar seu desenvolvimento científico.

No entanto, a concepção que melhor enquadra o direito processual

penal num conceito de sistema jurídico é a de Claus Canaris154, para quem o

sistema jurídico pode ser definido como “uma ordem axiológica ou teleológica

de princípios gerais de direito, na qual o elemento de adequação valorativa se

dirige mais à característica de ordem teleológica e o da ordem interna à

característica dos princípios gerais.”

A função do sistema na ciência do direito, de acordo com Canaris155,

é a de “[...] traduzir e desenvolver a adequação valorativa e a unidade interior

da ordem jurídica.” E, ainda, “o pensamento sistemático ganha também a sua

justificação que, com isso, se deixa derivar mediatamente dos “valores jurídicos

mais elevados”156. O sistema jurídico é oriundo de princípios gerais do direito

para solucionar problemas e assim procede por meio de um processo que deve

ser legal e justo: “um processo judicial é justamente um conjunto de problemas

sociais do tipo específico (problemas jurídicos) resolvidos por meio de

descritores devidamente aplicados”157.

154

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.77-78. 155

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.280. 156

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.280. 157

SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução à lógica jurídica, instituições do Direito,

evolução e controle social. São Paulo: Saraiva, 2009, p.168.

Page 65: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

64

Aqui, pode-se afirmar que o direito processual penal se justifica para

a execução de medidas em prol de valores fundamentais, aqueles supremos,

ou seja, tanto os princípios constitucionais como os processuais penais que

concedem conexão ao sistema jurídico afeto à matéria processual penal. Da

mesma forma, a eleição de valores elevados, sobretudo do valor supremo da

segurança jurídica, evita que arbítrios sejam cometidos em detrimento dos

direitos e garantias fundamentais.

A partir de todos esses ensinamentos sobre o sistema jurídico, a

premissa que se pretende alcançar é a de que sendo frustrada a unidade

científica de todas as ramificações do conhecimento, como já muito se tentou

realizar, a diversidade da análise sistêmica da ciência jurídica é inalcançável, e

a ciência do direito ou é sistemática ou não é nada158. Isso quer dizer que o

direito, e restringindo-se ao direito processual penal, deve ser analisado

sistematicamente.

Na linha de raciocínio em torno da abertura e fechamento do

sistema, importante considerar que o sistema aberto em Canaris tem o apoio

da jurisprudência, não ficando adstrito apenas à codificação.

Essa forma de abertura é claramente visualizada no direito

processual penal, que na sua mobilidade precisa ser aplicado conforme cada

caso concreto, uma individualização que não pode ser ilimitada para respaldar

a justiça, visto que há uma rigidez a ser cumprida afeta às normas

fundamentais constitucionais.

O que se pretende demonstrar é que o direito processual penal não

foge à regra de que o mais adequado é adotar o sistema aberto como um todo

para prospectar suas metas. Pensar de modo contrário é aceitar um bloqueio

na evolução social do sistema, conforme argumenta Claudio José Langroiva

Pereira:

O atual sistema fechado com fundamento no positivismo jurídico da dogmática penal, que adota a interpretação literal da norma como limite de sua aplicabilidade, reportando decisões a uma postura pré-determinada com base em argumentação de autoridade e imposição de decisões anteriores no mesmo sentido, bloqueia a evolução do sistema, mantendo-o estático e sem sentido

159.

158

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.132. 159

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.48.

Page 66: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

65

O próprio sistema jurídico deve ser visto como aberto, ou seja, “com

uma estrutura dialógica que proporciona a capacidade de as normas

constitucionais compreenderem a mudança de realidade, ao mesmo tempo,

estar aberta às concepções variantes de “verdade” e “justiça””160.

O direito processual penal não pode no positivismo jurídico manter-

se estático sem se atentar aos fenômenos sociais. Essa opção de sistema

aberto leva à concepção, de acordo com Juarez Freitas161, de que “embora

com elementos fixos (no sentido de considerar intangíveis topicamente pelo

aplicador),” é possível melhor avaliar o fenômeno histórico da positivação dos

direitos fundamentais.

Desta forma, por meio do sistema aberto, o direito processual penal

se direciona pela finalidade de proteção aos direitos humanos fundamentais,

rechaçando normas absolutas em prol dos objetivos traçados para embasar a

sua existência:

Pelo visto, resulta que não se deve pressupor um mundo jurídico acabado fora do pensamento, tampouco pretender constituir ou formular um conceito de sistema fechado à base de definições alheias ao mundo dos valores materiais e históricos. O Direito Positivo é aberto, vale dizer, a ideia de um suposto conjunto autossuficiente (sem variabilidade evolutiva) de normas não apresenta a menor plausibilidade, seja no plano teórico, seja no plano

empírico162

.

Dentro da lógica do sistema jurídico o direito processual penal deve

apresentar uma justificativa e na aplicação da justiça estar em evolução

contínua. Essa prática traz o aperfeiçoamento do sistema e, assim procedendo,

estar-se-á sendo preservado dentro do ordenamento jurídico163:

Não por acaso, o processo penal acaba apresentado nos cursos de direito como um sistema fechado, que, por ser um instrumental meramente “técnico” voltado à aplicação “racional” de penas, não admite contestações a partir de dados empíricos ou reflexões teóricas acerca de sua disfuncionalidade; um sistema fechado que parte de premissas que não se sustentam a partir de um olhar crítico e sensível à realidade, a saber: a) de que o direito penal atende aos fins a que se destina (função preventiva e ressocializadora); b) de que processo penal tem a missão de tutelar a sociedade para todos e contra todos; e c) de que indiciado ou réu é provavelmente um

160

AMARAL, Claudio do Prado. Princípios penais: da legalidade à culpabilidade. São Paulo: IBCCrim,

2003, p.75. 161

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.61. 162

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.33. 163

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.25.

Page 67: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

66

criminoso e, portanto, um inimigo a receber tratamento/resposta eficaz através do processo penal

164.

A análise do direito processual penal deve, portanto, partir do todo

composto por valores que se materializam por meio dos princípios. O sistema

jurídico é, então, inacabado e, em razão disso, a abertura propicia a

completude que pondera os valores envolvidos em prol dos objetivos traçados

pelo modelo estatal adotado, o Estado Democrático de Direito.

Considerando que o direito processual penal é conduzido por uma

principiologia decorrente desse modelo estatal, inadmissível o fechamento em

“um número limitado de fórmulas (axiomas)”165. Configuraria um verdadeiro

retrocesso social se houvesse a desconsideração das mudanças sociais e o

necessário desenvolvimento de reafirmar a proteção aos direitos e garantias

fundamentais.

Aliás, ao se adotar um sistema aberto, nunca será definitiva a

eleição de um critério que solucione os problemas enfrentados. Não se

descarta uma mudança no próprio sistema para corrigir imperfeições e adaptá-

lo de forma satisfatória à solução de conflitos166.

O direito processual penal deve atender à política criminal aventada

pela Constituição Federal e, nesse compasso, deve estar sempre em evolução,

não se prendendo a percepções fechadas, ignorando o todo a que deve servir.

A relevância do direito processual penal no sistema jurídico só vem confirmar

que a atuação estatal no direito de punir apresenta reflexos diretos de como a

democracia vem sendo exercida, eis que retrata a consequência prática da

execução da política criminal traçada.

Assim, esse ramo do direito deve atender sua finalidade descrita

dentro do sistema e na sua excepcionalidade, já que apenas irá ser utilizado

em casos de ultima ratio, desenvolvendo-se em prol de um processo penal

atento à democracia.

164

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.42. 165

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.50. 166

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.54.

Page 68: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

67

3 LIMITES DA PERSECUÇÃO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

A lei às vezes degrada e avilta, corrompe e escraviza em ocasiões sociais e políticas de profunda crise e comoção, gerando a legalidade das ditaduras, ao passo que a

Constituição é sempre a garantia do poder livre e da autoridade legítima exercida em proveito da pessoa humana

167.

Com a conquista do Estado Democrático de Direito, inicia-se uma

nova fase no direito, não mais configurando sua luta em prol da sociedade com

e somente a previsão de um direito ou garantia, mas indo além, a caminho de

interpretar as normas existentes e criar outras novas em consonância com a

Constituição Federal.

A democracia hasteada coloca a proteção do cidadão acima do

Estado, o que justifica a própria existência desse ente. Essa proteção

demonstra a valorização com que o cidadão deve ser tratado em todas as

ramificações da sociedade, sobretudo, no sistema jurídico.

A partir disso, o Estado passa a agir para a manutenção do cidadão

frente ao seu poder inserindo diversos direitos e garantias fundamentais nesse

percurso. O Estado brasileiro, então, Constitucional, “[...] deve imperar o

equilíbrio político-institucional, que implica em inegociável respeito ao prescrito

pela sua Constituição, e que tais prescrições reflitam, acima de tudo, o

interesse dos cidadãos”168.

Seguindo o mesmo caminho, o processo penal passa a se expressar

como um termômetro dessa democratização169, haja vista que por meio do seu

desenvolvimento é possível extrair até que ponto o Estado de fato evoluiu na

dicotomia do direito de punir estatal, qual seja, atender a pretensão acusatória

e ao mesmo tempo dar máxima eficácia aos direitos e garantias fundamentais

do processado. No mesmo sentido, Winfried Hassemer170 entende que o

desenvolvimento do combate à criminalidade ocorre com a limitação de direitos

fundamentais, e, concorda com Jorge Miranda, quando defende que “o

167

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.424. 168

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Renavan, 2010, p.105. 169

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.42. 170

HASSEMER, Winfried. Processo penal e direitos fundamentais. In: Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais. Lisboa: Almedina, 2004, p.17.

Page 69: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

68

processo penal constitui um bom teste à força de uma Constituição.” Claus

Roxin171, na mesma linha, afirma que o direito processual penal é um

sismógrafo da Constituição do Estado, e depende das normas constitucionais.

Nas palavras de Antonio Scarance Fernandes, “essa dicotomia é,

em regra, representada pelo confronto entre eficiência e garantismo no

processo penal”172.

Desta feita, o processo penal tem por finalidade servir como um

instrumento democrático, sem o qual toda normatividade penal material

perderia o sentido no contexto constitucional. Pensar em um processo penal

sem sobrelevar a própria Constituição representa um retrocesso na cultura do

sistema processual adotado, ou seja, seria desconsiderar todas as mazelas

causadas por uma inquisição opressora cujas cicatrizes na história ainda estão

por ser curadas.

Nesse contexto, será aqui abordada a inserção do processo penal

no Estado Democrático de Direito a fim de demonstrar sua importância no

sistema jurídico e de que forma ele vem sendo desenvolvido a caminho de uma

evolução que não despreza a unidade pela concatenação de valores

fundamentais.

3.1 O Estado Democrático de Direito: pilar do processo penal

Após o rompimento do autoritarismo que marcou a história devido ao

excessivo controle estatal acima dos direitos fundamentais dos cidadãos, a

inovação legislativa fincada com o Estado Democrático de Direito173 torna-se

propulsora de uma nova fase a partir de valores que geram diversos desafios

estatais.

171

ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Tradução da 25.ed. alemã de Gabriela E. Córdoba e Daniel

R. Pastor. Buenos Aires: Del Puerto, 2000, p.10;12. 172

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.23. 173

O Estado Democrático de Direito “tem por finalidade o pleno desenvolvimento dos cidadãos, através da superação das desigualdades sociais e reconhecimento dos limites da esfera de intervenção do Estado, de forma a realizar a justiça social e assegurar a dignidade da pessoa humana.” (SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumento para a efetivação da dignidade humana. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.229).

Page 70: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

69

Com o advento do Estado Democrático de Direito insculpido pela

Constituição Federal de 1988174 surge a necessidade de se filtrar muitas

normas anteriores e de cunho autoritário. Conforme explicação de Luís Roberto

Barroso175, a filtragem constitucional “consiste em que toda a ordem jurídica

deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os

valores nela consagrados”.

Desta forma, o ordenamento jurídico como uma estrutura da

complexidade encontra seu limite na própria Constituição de Estado de Direito,

visto que esta irá excluir comportamentos que lhe são contrários e trará a

previsão de meios voltados para a busca de outras possibilidades a fim de se

obter uma escolha sensata. Ou seja, tornará estratégica a construção de um

ordenamento mais elevado.

O Código de Processo Penal vigente no Brasil, de 1941, deve

necessariamente ser lido de acordo com a principiologia constitucional,

avaliando a efetividade e a normatividade das disposições, adaptando-as para

a aplicação de acordo com os ditames constitucionais.

Nesse contexto, além de ser fundamental o papel do Poder Judiciário,

“o juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor, que não pode ficar

inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais

constitucionalmente consagrados, como no superado modelo positivista”176.

Eis uma forte característica da democracia, visto que o juiz fica

vinculado à Constituição177. Essa vinculação constitucional inicia-se desde a

própria atuação do legislador, de quem passa-se a exigir uma atuação dotada

de conhecimento sobre as normas e os princípios constitucionais a fim de ser

legítima, no sentido material, a criação da legislação infraconstitucional.

No direito processual penal, a constitucionalização do direito, ou seja,

a ampliação dos textos constitucionais com novos conteúdos próprios dessa

174

Foi inaugurada pelo Constituinte de 1988 a Constituição da República em Estado Democrático de Direito, conforme consta no preâmbulo da Constituição Federal no artigo1º. 175

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.390. 176

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1100. 177

“A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário, utilitarista (eficiência antigarantista). Contudo, a uma Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo.” (LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed.

São Paulo: Saraiva, 2014, p.42).

Page 71: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

70

área, exige desde a sua criação até a interpretação para aplicação prática o

respeito às matrizes dos direitos e garantias fundamentais. Segundo José de

Faria Costa,

A diminuição das garantias processuais é um dos aspectos que mais rapidamente se manifesta enquanto característica do Estado punitivo. Não por acaso é o direito processual penal visto como a mais sensível das sensitivas às variações mínimas das estruturas do poder. [...] Hipotecam-se as garantias do arguidos em prol de uma luta mais eficaz contra aquela criminalidade que abala os alicerces da comunidade democrática, mas que, ao fim e ao cabo, acaba por fazer esta mesma comunidade pôr em risco a democracia em que assenta

178.

O processo penal se legitima com a democracia e não se aplica

isolando-se no ordenamento jurídico, isto é, sem considerar valores supremos.

Contudo, “não se trata apenas de reconhecer a irradiação das garantias

constitucionais orientando a interpretação do processo”179.Além disso, deve-se

estudar os traços que conferem um caráter democrático ao processo penal.

Destaca-se, então, que “é a partir do princípio democrático que o processo

penal deve ser reinterpretado”180. Nesse sentido:

[...] pode-se afirmar que o princípio democrático incide no processo penal brasileiro para que suas leituras e funcionalidade se deem a partir da premissa de que dizer democracia significa falar em controle e limite ao exercício do poder

181.

Com o Estado Democrático de Direito, o processo penal serve como

amparo ao indivíduo frente ao poder estatal. É “um ramo do direito público, e,

como tal, implica autolimitação do Estado, uma soberania mitigada”182.

Destaca-se que por trabalhar a liberdade, bem fundamental do ser

humano, “reflete a concepção política dominante e o seu modo de tratar os

178

COSTA, José de Faria. Direito penal e globalização: reflexões não locais e poucos globais. Portugal:

Coimbra, 2010, p.63. 179

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.859. 180

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.859. 181

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.313. 182

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.46.

Page 72: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

71

direitos, as garantias do suspeito, do acusado e os interesses dos órgãos

incumbidos da persecução penal”183. Segundo Celso Castro, “na democracia,

as intromissões do Estado promovem o desaparecimento da distinção entre

direitos particulares e direitos públicos”184. Essa afirmação conduz à ideia de

que o Estado tem o poder de interferir em qualquer esfera, ao mesmo tempo,

não de forma absoluta.

A democracia fundamenta, pois, o Estado Democrático de Direito e

torna possível materializar valores imprescindíveis à vida comum em

sociedade, tais como a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a

liberdade. O Estado é limitado pelo direito positivo e pautado no controle de

legalidade em prol do cidadão para reafirmar direitos e garantias individuais.

O Estado, democrático e de direito, promove a justiça social,

“institucionalizando um poder popular, conservando a legalidade, mas agora

diretamente destinada a princípios de igualdade e justiça individual”185.

Conforme afirma Elías Diaz:

el Estado democrático de Derecho es hoy el Estado de justicia, es decir, el Estado que aparece actualmente como legítimo, como justo, em función precisamente de unos determinados valores históricos que son la democracia, el socialismo, la liberdtad y la paz

186.

Essa perspectiva de justiça traz um novo paradigma ao sugerir que

não basta toda estrutura estatal senão para concretizar os valores

democráticos à justiça social. Surge, então, o prognóstico de que o processo

penal, dentro do contexto do Estado Democrático de Direito, vai além de

satisfazer a aplicação do direito material com as sanções atinentes.

O processo penal, em cada fase de sua aplicação, deve se orientar

pelo manto do próprio fundamento do Estado Democrático de Direito, sob pena

de esvaziar-se materialmente e de tornar-se um formalismo inócuo na função

estatal de proteger o cidadão.

183

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.25. 184

CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia do direito: fundamentos de sociologia geral; sociologia aplicada ao direito. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.309. 185

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.37. 186

DIAZ, Elías. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Taurus Pensamiento, 2010, p.136.

Page 73: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

72

É sim um valioso instrumento que deve ter como pilar a própria

existência do Estado Democrático de Direito: o “Estado só se justifica enquanto

meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais,

porque busca o bem comum, que nada mais é do que o benefício de todos e

de cada um dos indivíduos”187.

Assim, pensar no processo penal atrelado ao fundamento do Estado

Democrático de Direito é caminhar na democratização do processo penal, com

a garantia do devido processo legal, quer seja, dentro da legalidade, sem

arbitrariedades, buscando a aplicação da justiça sem afrontar os valores que

transformaram o novo modelo estatal. Sem isso, o processo penal está fadado

a se arquitetar para mascarar uma finalidade democrática inexistente na prática

e contrária ao próprio sistema processual penal entendido como o adequado a

esse modelo estatal, conforme se verá adiante.

3.2 Sistemas processuais penais

Por sistema processual penal é possível entender, consoante Paulo

Rangel: “o conjunto de princípios e regras constitucionais de acordo com o

momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem

seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto”188.

O sistema processual penal é, portanto, uma das consequências

oriundas do modelo estatal adotado. Em um Estado totalitário é presenciada a

busca pela punição a qualquer custo, com o desrespeito ou a desconsideração

dos direitos e das garantias individuais. Já em um modelo Democrático de

Direito, o sistema deve ser de tal modo que protege o cidadão contra o arbítrio

estatal.

Desta feita, os sistemas processuais penais são classificados em

espécies com características bastante peculiares, o que torna visível a

diferenciação entre eles.

Passe-se, então, à análise das espécies de sistemas processuais

penais.

187

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.49. 188

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.46.

Page 74: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

73

3.2.1 Sistema inquisitório

O sistema inquisitório ou inquisitivo tem origem nos regimes

monárquicos, com grande destaque no direito canônico189. Surgiu como uma

forma de substituir o acusatório privado, sob a justificativa de que a defesa da

sociedade não poderia ficar nas mãos do particular. Por isso, o Estado assume

o papel de acusador e julgador como forma de evitar impunidades190.

Apesar de ter sido uma forma de tomar a acusação dos particulares,

esse sistema comprometia a imparcialidade do juiz, que acumulava as três

funções dentro do processo (defender, acusar e julgar), com a incumbência de

proferir uma decisão que transmitisse sua conclusão, já estampada quando da

instauração da investigação. Conforme explica Denilson Feitoza191, “o acusador

e o julgador estão reunidos na mesma pessoa ou órgão. Não havia defensor,

pois, se o réu era culpado, não o merecia; se era inocente, um juiz inquisidor

honesto o descobriria”.

O grande destaque, portanto, desse sistema é que a gestão da prova

cabia ao magistrado, que de plano não possuía qualquer imparcialidade. Além

disso, o processo era secreto, sem a presença do contraditório e da ampla

defesa. O acusado era um mero objeto sem quaisquer direitos, e a confissão,

uma prova absoluta e plena.

As provas eram tarifadas, ou seja, havia a valoração antecipada de

cada uma delas, como por exemplo, a “necessidade de duas testemunhas para

provar um fato – testis unus, testis nullus” 192.

Desta forma, “esse modelo atendia, portanto, às ideias de

fortalecimento do Estado e de prevalência dos interesses abstratos da

coletividade em detrimento dos interesses concretos individuais”193.

189

Conforme Geraldo Prado, a jurisdição eclesiástica se sobressaiu com um poder centralizado. A igreja entendia que o crime não se referia apenas à questão de interesse privado, mas era um problema de salvação da alma. A Igreja, então, difundiu o modelo inquisitorial e na época, podendo ser identificada como Idade Média, representou a luz da racionalidade, pois buscou reduzir os privilégios da justiça feudal, que sujeitava a medidas punitivista discricionárias. (PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a

conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.88-89). 190

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.47. 191

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.61. 192

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.62. 193

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.88.

Page 75: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

74

O processo inquisitorial não pode ser visto como um processo na

acepção constitucional, pois totalmente destoado dos princípios do devido

processo legal, juiz natural, ampla defesa, contraditório e presunção de

inocência.

Era um processo utilizado pelo Estado sem quaisquer garantias

asseguradas ao acusado. E mais, na visão de Rubens Casara e Antonio Pedro

Melchior194, não havia um processo de partes, mas apenas o acusado

submetido à “agência judicial” para a busca da verdade e punição. Conforme

observa Geraldo Prado195, renascem os tormentos pelas torturas para se

encontrar a verdade real; além disso, pela confissão chegava-se à sanção

representativa da penitência.

Para Paulo Rangel, “é da essência do sistema inquisitório um

“desamor” total pelo contraditório”196. E, no contexto do processo atual, não é

raro o apontamento de resquícios inquisitoriais e do autoritarismo em busca da

verdade e da condenação a qualquer custo:

Sob esse prisma tem razão Kant de Lima (1989 e 1990) ao sublinhar o peso e a força das tradições inquisitoriais em nosso sistema de justiça criminal. O argumento empregado por magistrados não se diferencia radicalmente do argumento empregado por policiais quando estes justificam a prática de irregularidades nas investigações, tais como a manutenção de uma rede de alcaguetes, o recurso à chantagem, o emprego de tortura e maus-tratos como modo de reconstruir fatos criminais e apontar prováveis culpados

197.

O sistema inquisitorial, portanto, representa uma veemente

incoerência constitucional, inadmissível no ordenamento jurídico pátrio. No

entanto, de nada vale rechaçá-lo explicitamente e continuar utilizando seu

raciocínio de forma implícita no transcorrer do processo.

O processo penal deve seguir um modelo condizente a

sistematização constitucional. A restrição de direitos e de garantias não pode

194

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 88. 195

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.90. 196

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.98. 197

ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira

Thomson Learning, 2005, p.314.

Page 76: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

75

justificar a busca incessante pela verdade e a perversidade oriunda da

intolerância estatal.

O juiz deve ser imparcial, não se contaminar mentalmente, afastando-

se da gestão das provas e apenas recepcionando-as, adotando “um estilo, uma

ética, aqui marcado pelo respeito à alteridade, à secularização e à

tolerância”198.

Acolher um sistema inquisitivo seria um retrocesso processual de

consequências imensuráveis à democracia, seria o mesmo que desconsiderar

toda a orientação constitucional pertinente à limitação estatal.

3.2.2 Sistema acusatório

O sistema acusatório, diferentemente do inquisitório, traz a nítida

distribuição das funções de acusar, defender e julgar, com um juiz imparcial e

inerte. Apesar da impressão de ter sido criado depois do sistema inquisitório, a

verdade é que foi retomado após as barbáries vivenciadas com a inquisição.

Desde a antiguidade vigorava algo parecido com o sistema

acusatório na Grécia e em Roma, a partir da acusação particular, verdadeira

participação direta do povo. Conforme Geraldo Prado199, na Grécia Antiga

existiam duas classes de delitos, públicos e privados. Quando se tratava de

interesse público e delitos graves, qualquer cidadão poderia em nome próprio

sustentar a acusação. A semelhança ao sistema acusatório está no fato de que

“cada parte apresentava suas provas e formulava suas alegações, não

incumbindo ao tribunal a pesquisa ou aquisição de elementos de convicção”200.

Eis que, “ao contrário do sistema inquisitorial, o sistema acusatório caracteriza-

se por gerar um processo de partes, no qual o autor e o réu constroem, através

do método dialético (e, portanto, de forma crítica), a solução justa do caso

penal”201.

198

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.91. 199

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.79. 200

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.79. 201

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.92.

Page 77: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

76

Em Roma, o sistema procedimental penal sofreu mudanças no

decorrer da história para atender às novas exigências sociais, até chegar a

accusatio ou judicium publicum ou quaestio, modelo no qual havia um acusador

particular representando o interesse público da sociedade202. De acordo com

Geraldo Prado203, a forma acusatória dessa época era marcada integralmente

pelo contraditório, visto que as provas deveriam ser buscadas pelas partes.

Contudo, no Império, houve uma decadência do sistema acusatório, pois

estava se tornando insuficiente para atender às necessidades da época quanto

à repressão dos delitos. Foi enfraquecido pelo fato de, na prática, agentes

públicos assumirem uma atividade de polícia, quando alguém deixava de

apresentar a acusação204. Portanto, esse descontentamento com o sistema

acusatório fez com que os juízes tomassem para si, cada vez mais, a função

de acusar, procedendo de ofício205.

Desta feita, do sistema acusatório retrocedeu-se ao sistema

inquisitório. Foram introduzidos no processo penal romano a tortura como um

meio de angariar provas, o segredo processual e a redução do processo na

forma escrita.

Após os horrores e as marcas deixados pelo sistema inquisitivo, com

a Revolução Francesa, no século XVII, o sistema inquisitório foi sendo

abandonado gradativamente mas, ainda, nos dias atuais, é tema de reflexão na

evolução do processo penal. Desta forma, “o sistema acusatório floresceu na

Inglaterra e na França após a revolução, sendo hoje adotado na maioria dos

países americanos e em muitos da Europa”206.

Com as características do sistema acusatório, quais sejam: a)

divisão das tarefas de acusar, julgar e defender; b) inércia e imparcialidade do

juiz; c) publicidade e oralidade; d) igualdade de tratamento das partes; e) livre

convencimento motivado do juiz, sem a tarifação prévia de provas; f)

202

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.81. 203

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.82. 204

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.83. Para o autor: “A nova cognitio, diferentemente da primeira, conferia amplos poderes ao magistrado, não somente para investigar as infrações penais, recolhendo provas, como ainda, para julgar a causa, podendo valer-se mesmo da tortura.” (p.84). 205

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.94. 206

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13.ed. São Paulo: Altas, 2002, p.40.

Page 78: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

77

contraditório e ampla defesa há de se afirmar que esse modelo é “o mais

indicado à concretização de um processo penal comprometido com as

garantias individuais”207.

O poder do Estado-juiz torna-se limitado com regras que buscam a

igualdade das partes processuais. A inércia do juiz estimula a produção de

provas pelas partes, que não devem utilizar meios ilícitos, como a tortura, para

obtê-las.

Inaugura-se a necessidade de um órgão específico para atuar na

acusação, distinto do juiz, para que esse tivesse sua imparcialidade incólume.

O Estado, então, cria um órgão acusador, conhecido hoje como Ministério

Público. Interessante observar que, na França, no fim do século XIV, “surgiram

les procureurs du roi (os procuradores do rei), dando origem ao Ministério

Público”208.

Segundo Denilson Feitoza, o sistema inglês é o que, hoje, mais se

parece com o sistema acusatório. O juiz é imparcial e não pode produzir provas

de ofício, cabendo às partes fazê-lo para fundamentar a decisão209. No mesmo

sentido, consoante Geraldo Prado210, na Inglaterra, pátria do common law,

predomina o sistema de acusação privada. É no sistema inglês que se alcança

o maior nível de acusatoriedade, por ser um processo de partes, com respeito

à ampla defesa, ao contraditório, à publicidade, à oralidade e à absoluta

imparcialidade do juiz.

Na realidade, o sistema acusatório ressoa muito mais apropriado à

busca da verdade processual, traçando regras que cindem a produção de

provas com qualquer explicação divina dos resultados processuais.

O sistema acusatório, por suas características é aquele apontado

como compatível ao modelo de política criminal escolhida no Brasil, gerando

impactos desde a investigação criminal até a fase de execução da pena.

Para Paulo Rangel, “hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema

acusatório (cf. artigo 129, I, da Constituição Federal de 1988), pois a função de

207

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.92. 208

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.49. 209

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.61. 210

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.110-111.

Page 79: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

78

acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e,

em casos excepcionais, ao particular”211. Segundo o autor,

Em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida

212.

[...] No plano normativo, a opção marcada na Constituição da República de 1988 foi clara: ao se conferir a exclusividade no exercício da ação penal de iniciativa pública ao Ministério Público, bem como ao se assegurar direitos fundamentais ao réu, tais como o contraditório e a ampla defesa, decidiu-se por um processo de partes e por um juiz imparcial, portanto, pelo sistema acusatório

213.

Por isso, consoante Afrânio Silva Jardim214, a máxima purificação do

sistema acusatório, com a distribuição das funções aos sujeitos processuais, é

uma tendência da legislação brasileira e que permite ao julgador se manter

incólume de contaminação processual, garantindo assim um processo penal

mais democrático.

Nesse contexto, importantes são as críticas à suposta adoção

prática do sistema acusatório. Não é demais lembrar que uma cultura

inquisitiva ainda se lastreia durante a produção das normas processuais e

também na sua interpretação.

Denilson Feitoza pondera que o princípio inquisitivo domina no

Brasil, com previsões que destoam do sistema acusatório, tais como, por

exemplo, a possibilidade de o juiz produzir provas de ofício ou provocar o

Ministério Público a ampliar a acusação. Diante disso, salienta: “uma cultura

inquisitiva de mais de 700 anos não se diluiria tão facilmente no Brasil”215.

Contudo, afirma que “a Constituição Federal de 1988 fundou um

novo “ordenamento jurídico”, claramente estabelecendo um sistema

acusatório”216.

211

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.50. 212

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.25. 213

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.95. 214

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.312. 215

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.65. 216

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.65.

Page 80: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

79

Ao distinguir se o que caracteriza o sistema processual penal é o

poder de impulso ou a gestão da prova, diz-se que “não há um modelo

acusatório puro semelhante ao modelo anglo-saxão adversarial e, por

consequência, é inadequada uma teoria da prova que trata como absoluta a

partilha do ônus de provar, exigindo passividade do juiz”217.

Para Aury Lopes Jr., o sistema brasileiro é de núcleo inquisitório,

ainda que com alguns “acessórios” que vestem o sistema como acusatório. Ou

seja, não há pureza nesse sistema218. Falta a filtragem constitucional que

fortalece o processo penal e o faz cumprir na sua essência a garantia dos

direitos do acusado.

Assim, o sistema acusatório tende a evoluir para um sistema

processual democrático, somando-se às suas características a finalidade

democrática do processo, justificando-se todos os instrumentos previstos em

sua aplicabilidade.

3.2.3 Sistema misto

Conforme Denilson Feitoza, “não se pode falar, propriamente, em

outro sistema que seria o formal ou misto, mas numa reforma do sistema

inquisitivo”219.

O sistema misto parte da necessidade de se reafirmar as ideias da

Revolução Francesa de 1789220 e é consagrado pelo Code d’instruction

criminelle (1808), durante o século XIX. Aury Lopes Jr.221 menciona uma falácia

do sistema bifásico do Código Napoleônico de 1808, pois se serviu a um tirano

não poderia servir à democracia.

217

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.862-863. 218

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.94. 219

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.62. 220

“O novo sistema, que principiou sua atuação na França, em seguida à Revolução, para com as guerras napoleônicas chegar a outros países, disciplinava o processo penal em duas fases.” (PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 1999, p.101). 221

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.106.

Page 81: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

80

Esse sistema processual penal possuía duas fases: uma inquisitiva,

em que ocorria a investigação e a preparação instrutória e outra na qual ocorria

o julgamento222. O juiz não era imparcial, pois em alguns países participava da

colheita das provas como juiz de instrução.

As duas principais características desse modelo são: “a) a persecução

penal pública e b) a averiguação da verdade histórica como meta do

procedimento, com base na qual se deve fundar a decisão final”223.

O sistema misto era assim denominado por se dividir em duas fases:

a instrução preliminar e a judicial. Na primeira, o juiz poderia investigar e colher

informações para futura acusação perante o tribunal. Contudo, na segunda

fase, o juiz se tornava um expectador dos debates, com a acusação feita pelo

Ministério Público224. A primeira fase ocorria secretamente e o juiz preparava o

caminho para o exercício da ação penal; na segunda fase, chamada também

de juízo, todas as atuações realizavam-se publicamente, perante um tribunal

colegiado, ou o júri, com controvérsia e debate entre as partes, no maior nível

possível de igualdade225.

Por ainda manter o juiz na produção das provas não é considerado o

melhor sistema, já que o Ministério Público é o órgão destinado a fiscalizar a

investigação que irá embasar a ação penal.

Observa-se que pela escolha da política estatal pelo Estado

Democrático de Direito não se admite um juiz contaminado pela participação na

investigação.

Nesse contexto, a divisão do processo em duas fases não deixa de

contaminar o todo com o caráter inquisitivo, caindo por terra a necessidade de

um núcleo fundante ou de um princípio unificador. Tem-se, assim, por

consequência que: “a ausência de um princípio unificador que seja capaz de

reger os componentes do sistema permite concluir que o chamado sistema

222

Por isso, Aury afirma que esse sistema é um monstro de duas cabeças, com uma fase totalmente inquisitiva e outra acusatória, essa última como uma mera reprodução da primeira. (LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.106). 223

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.62. 224

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.52. 225

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.101.

Page 82: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

81

misto é uma falácia do ponto de vista de uma teoria dos sistemas”226. Nessa

linha, “considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos, sem

correspondência com os atuais, a classificação de ‘sistema misto’ não enfrenta

o ponto nevrálgico da questão: a identificação do núcleo fundante”227.

Da mesma forma, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho adverte que

não é possível dividir um princípio unificador, sendo, portanto, inviável um

princípio misto. Por isso, entende que há opção política por um tipo de sistema;

no caso do sistema misto, não existe uma soma dos elementos, mas eleito o

princípio reitor, por exemplo, o inquisitivo, agrega-se a ele elementos do

sistema acusatório ou vice-versa228.

Apenas a figura do Ministério Público não garante a formação de um

processo íntegro, sem vícios. É o papel desempenhado por esse órgão que

garantirá o desenvolvimento de um processo sem o comprometimento da

imparcialidade do juiz.

Assim, apesar de alguns autores entenderem que o sistema misto

está presente no ordenamento jurídico brasileiro, não é essa a melhor opção

considerando o papel do processo embutido na democracia.

3.3 Sistema processual penal constitucional ou democrático

Se as próprias normas constitucionais devem ser interpretadas e

aplicadas considerando o sistema constitucional, as normas processuais

penais devem seguir o mesmo caminho. O sistema constitucional, sendo o

ápice, fundamenta o sistema de justiça criminal, de onde deriva o sistema

processual penal229.

Paulo Bonavides ao abordar o sistema constitucional esclarece que

a interpretação sistemática é a única capaz de “iluminar a regra constitucional

226

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.84. 227

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.105. 228

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei

nº159/2009 do Senado Federal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010, p.08. 229

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.84.

Page 83: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

82

em todas as suas possíveis dimensões de sentido para exprimir-lhe

corretamente o alcance e o grau de eficácia”230.

Desta forma, assim como o direito constitucional, o direito

processual penal tende a se desenvolver e evoluir numa interpretação

sistemática a partir da Constituição Federal. E, nesse caso, tanto as normas

constitucionais como as processuais penais devem acompanhar a realidade

prática a que servem.

Nas palavras de Paulo Bonavides:

Em suma, o sistema constitucional pede o emprego de métodos hermenêuticos que possam de perto acompanhar as variações dinâmicas da Constituição, presos atentamente ao critério evolutivo, sempre de fundamental importância para a análise interpretativa

231.

Por isso a busca por um sistema processual penal adequado não

poderia ser diferente. Ao analisar os sistemas processuais acusatório, misto e

inquisitório, evidente que esses modelos foram delineados considerando

fatores históricos da época em que se aplicaram.

Nessa senda, atualmente o sistema processual penal demanda uma

filtragem para atender às necessidades e às finalidades do processo penal em

compatibilidade às normas constitucionais.

O sistema processual penal pode ser entendido

[...] pelo conjunto de normas (regras e princípios), agências estatais e práticas relacionadas ao poder punitivo estatal, que forma um todo coerente (ou propositalmente incoerente), em razão de um princípio unificador, de um mandamento nuclear que emana efeitos sobre o todo

232.

Tem-se, então, que o sistema processual penal brasileiro evolui para

uma democraticidade, eis o princípio unificador que marcaria todo o desenrolar

do processo, extirpando-se a dúvida e o embaraço quanto à escolha entre um

230

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.86. 231

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.140. 232

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.86.

Page 84: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

83

sistema acusatório ou inquisitivo, visto que nem todas as características desses

modelos são notadas em completude na tradição histórica do sistema233.

Esse princípio unificador é que “organiza o sistema processual e,

dessa forma, fixa a posição e o limite de atuação de cada um dos atores

jurídicos”234. Além disso, é com base nesse princípio que com respeito aos

direitos fundamentais o processo penal minimizará a violência estatal e privada

e preservará ao máximo a liberdade do indivíduo.

Por meio do princípio da democraticidade, o sistema processual

penal tem o condão de irradiar os valores democráticos por todo o processo

penal inibindo o esquecimento, em algumas fases ou medidas, da essência de

sua finalidade.

O princípio da democraticidade não exclui o princípio do acusatório.

Esse decorre daquele, ou seja, o acusatório delimita o poder de atuação de

cada parte, oriunda de uma “repartição democrática de poderes entre os

sujeitos processuais”235, enquanto o da democraticidade é mais amplo, exige

uma interpretação voltada à limitação do poder estatal de punir.

De acordo com Geraldo Prado236, o princípio acusatório é

fundamental para a constituição do sistema acusatório, mas não suficiente.

Isto, porque, o princípio democrático, na esfera do processo penal, não se

dirige apenas à função dos sujeitos processuais, mas refere-se ainda a um

instrumento que serve à sociedade para a legítima solução do conflito de

interesses.

O Código de Processo Penal (Decreto-lei nº3.659, de 3 de outubro

de 1941), foi criado num contexto histórico diferente dos dias de hoje237, por

233

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.95. 234

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.65. 235

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.67. Segundo os autores, “a gestão da prova interessa, enfim, à própria democraticidade que deve reger o sistema. Não se trata de argumentar pela consolidação de um “sistema puro”, mas de fixar um núcleo que permita qualificar um processo penal como democrático, isto é, um sistema penal construído a partir do princípio acusatório, a considerar como disse Rui Cunha Martins, que a acusatoriedade é o modo instrumental de garantir a democraticidade do sistema.” (p.69). 236

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.139-140. 237

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio

Page 85: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

84

isso a atenção especial ao projeto político-ideológico da Constituição Federal e

sua imersão no processo penal. Tanto é assim, que tramita a reforma do

Código de Processo Penal pelo Projeto de Lei nº156/2009, do Senado Federal,

o qual dá lugar à observância das regras constitucionais, baseado no sistema

acusatório238.

Nesse contexto, o sistema processual penal democrático se

desenvolveria a partir dos seguintes itens:

a) releitura do princípio acusatório à luz do conceito de participação nos espaços deliberativos, b) resgate do conceito de procedimento, como meio de concretizar a aspiração legitimadora, c) reexame da coisa julgada em nome de uma exigência de lealdade discursiva

239.

Nesse viés, as partes no processo devem ser tratadas de forma

igualitária, além de se exigir uma distinta separação de funções, retirando-se a

gestão das provas das mãos do juiz. O juiz deve ser imparcial e isso representa

um “processo acusatório-democrático”240.

O Brasil afirmou que se constitui em um “estado democrático de direito” (artigo 1ª, caput, da CR), o que também se reflete no processo penal [...]. Um processo penal acusatório, fundado no princípio do estado democrático de direito, não deixa espaço para um juiz autocrático, com poderes que tendem a ser ilimitados e absolutos

241.

Desta forma, a imparcialidade do juiz retira-lhe poderes instrutórios e

é a principal garantia da jurisdição. O juiz gestor de provas é tendencioso a

busca do mito da “verdade real” e, sem dúvida, antecipa-se na formação do

juízo.

Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.860. 238

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei

nº159/2009 do Senado Federal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010, p.15. 239

Conforme pondera Rogério José Bento Soares do Nascimento, “o fato de o Código de Processo Penal vigente no Brasil, adotado com o Decreto-lei nº3.689, de 3 de outubro de 1941, ter sua origem no período de ditadura do Estado Novo, tendo sido adotado pelo Executivo sem qualquer discussão, na sociedade ou no parlamento, que se encontrava fechado, reforça a necessidade de um enfoque constitucional do processo (NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.858). 240

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.96. 241

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.66.

Page 86: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

85

Segundo Aury Lopes Jr., “atribuir poderes instrutórios a um juiz – em

qualquer fase – é um grave erro, que acarreta a destruição completa do

processo penal democrático”242. Há um quadro mental paranoico, visto que o

juiz que determina a produção de uma prova já está influenciado por um

raciocínio de justificação da decisão mentalmente elaborada.

Pensar apenas na forma de gestão das provas não resolve o

problema na identificação do sistema processual penal aplicável ou necessário

na atualidade. O sistema processual penal deve inserir-se na perspectiva

constitucional como na propulsora dos direitos humanos:

O problema é que estamos no século XXI e a complexidade das sociedades contemporâneas exige um constante ajuste e adaptação do Direito e do Processo. Esse é um dos maiores erros de algum setor da doutrina, que, arraigada em conceitos do século XVIII (e até antes...), não percebe a superação do discurso empregado

243.

Por isso, hoje deve-se colocar em voga a eficácia ou a ineficácia das

garantias trazidas pela Constituição Federal de 1988. Se há aspectos que

contestam a adoção de um sistema acusatório, sistema misto ou inquisitivo, é

necessário consolidar outro capaz de extirpar dúvidas e incertezas quanto à

compatibilidade democrática.

Importante lição é que a nova ordem democrática traz um rompimento e com isso o processo penal inspirado na democraticidade, não pode ser inquisitório, tampouco misto. É mais que acusatório, pois é democrático, “deve ser um instrumento de garantia da democracia”

244.

O próprio fato de muitos autores salientarem que não é puro o

sistema acusatório adotado pelo Brasil, com fortes resquícios inquisitoriais, leva

à conclusão de que um novo sistema processual é necessário no processo

democrático do Brasil. Para Geraldo Prado245, ao se analisar a norma

constitucional que assegura ao Ministério Público de forma privativa o exercício

da ação penal pública, a que garante aos acusados a ampla defesa, o

242

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.114. 243

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.119. 244

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.119. 245

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.171.

Page 87: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

86

contraditório e a presunção de inocência, a que assegura o julgamento por juiz

imparcial e competente, chega-se à conclusão de que, embora implicitamente,

a Constituição Federal adotou o princípio acusatório. Contudo, se analisado o

concreto estatuto dos sujeitos processuais e a aplicação prática, para Geraldo

Prado246, prevalece no Brasil a teoria da aparência acusatória, o que significa a

aplicação de princípios contrários ao acusatório na prática processual.

Aliás, conforme pondera Paulo Rangel247, o maior problema do

operador do direito é interpretar o sistema acusatório de acordo com a

Constituição e não de acordo com a lei ordinária, isto porque se esta estiver em

desacordo com aquela, não haverá recepção.

Seguindo o mesmo raciocínio, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:

Neste caso, a opção pela base do Sistema Acusatório é uma prestação de contas com a realidade, principalmente depois de 1988 não mais faz sentido – começando pela inconstitucionalidade – nenhum ordenamento que se coloque de forma incompatível com a Constituição

248.

Nesta senda, a Constituição Federal vem trilhando um novo caminho

a ser percorrido na construção de um processo penal democrático.

Infelizmente, as dificuldades encontradas estão apegadas a argumentos

autoritários e num discurso que enaltece a função punitiva estatal em

desmerecimento da protetora.

Destarte, não se pode esquecer que as metas de um sistema

processual constitucional se baseiam em duas premissas básicas: dignidade

da pessoa humana do investigado e do acusado e, na eficiência de se

desvendar a verdade mais próxima da real e identificar o autor do crime e

comprovar a materialidade delitiva249.

No entanto, os altos índices de criminalidade noticiados diariamente

incutem a sensação de insegurança, fundamentando um rigor extremo no

246

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p.171. 247

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.54. 248

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei

nº159/2009 do Senado Federal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010, p.11. Para o autor, o CPP configura um sistema misto, ou seja, mantém a base inquisitorial e a esse sistema agrega elementos típicos da estrutura do sistema acusatório. 249

SILVA, Roberto Ferreira Archanjo da. Por uma teoria do direito processual penal: organização sistêmica. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.283.

Page 88: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

87

processo penal e no imediatismo, possíveis apenas se ignorados direitos

constitucionais consagrados.

Está lançado o desafio de perfilar um sistema processual penal

verdadeiramente democrático, constitucional, isto é, avançar do acusatório não

puro para um sistema decisivo na proteção processual quando do

desenvolvimento do jus puniendi estatal. Considera-se que vários princípios

constitucionais e processuais edificam essa construção, superando o discurso

positivista com a ruptura do modelo de regras250.

Diante disso, sublinha Lenio Streck: “os princípios funcionarão como

uma blindagem contra arbitrariedades, apontando o modus operativo que deve

ser seguido pelo intérprete, buscando assim, a coerência e a integridade do

direito”251.

3.4 Princípios orientadores da persecução penal

O Estado Democrático de Direito possui como diretrizes diversos

princípios252, os quais compõem de maneira significativa a interpretação do

direito, e representam uma ruptura na aplicação perene apenas das normas

como uma verdade universal253.

Para Rogério Nascimento, “a estrutura e a essência do sistema

decorrem dos princípios adotados, examinados como um todo que aspira

coerência”254. E complementa: “nenhum aspecto isolado, mesmo a importante

250

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.30. 251

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.30. De acordo com o autor, “a assim denominada “era de princípios” representa simbolicamente a ruptura com o modelo de regras.” (p.266). 252

Conforme Robert Alexy, “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas fáticas e existentes. (ALEXY, Robert. Teoria dos direito fundamentais. Tradução de Virgílio

Afonso da Silva. 5.ed.São Paulo: Malheiros, 2008, p.90). 253

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.253. 254

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.865.

Page 89: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

88

questão de quem vai gerir a busca da verdade, tem suficiente força para

caracterizar o sistema processual concreto”255.

Desta feita, cabe nesse momento a abordagem principiológica do

sistema processual penal volvido ao princípio da democraticidade outrora

argumentado.

Com a Constituição Federal de 1988 há, nos dizeres de Luís

Roberto Barroso256, um verdadeiro “sistema aberto de princípios e regras,

permeável, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos

fundamentais desempenham um papel central.” O mesmo entendimento tem

Paulo Bonavides, para quem “os princípios, uma vez constitucionalizados, se

fazem a chave de todo sistema normativo”257.

A noção de sistema aberto, abordada no segundo capítulo, torna

viável mudanças “em face da sempre possível (re)descoberta de outros

princípios, que se sucedem, não raro de modo diacrônico, no envolver histórico

de transformações”258.

Nesta senda, o sistema processual penal democrático ou

constitucional pode ser considerado “geneticamente aberto”259, uma vez que

“potencialmente contraditório, normativa e axiologicamente”260. A relação com

os princípios se insere na ordenação do sistema para a adequação valorativa.

Os princípios vêm demonstrar que há sempre um movimento de

abertura histórica em busca de um sentido verdadeiro, o qual compõe um

processo que não tem um ponto final. Esse processo perfila pelo sentido

paradigmático insculpido pelo Estado Democrático de Direito. É certo que, “por

trás de cada regra há um princípio constitucional”261.

Dentre os princípios constitucionais, diversos fundamentam o

processo penal e devem refletir na aplicação prática do direito em cada fase

255

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio Democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.865. 256

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.343. 257

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.258. 258

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.49. 259

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.51. 260

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.51. 261

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.264.

Page 90: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

89

processual. Muitos podem ser considerados princípios gerais do Direito, por

serem comuns aos mais diversos ramos jurídicos e proporcionarem a unidade

do sistema, como defendido por Claus-Wilhelm Canaris262.

Importante, pois, esclarecer que os princípios apesar de terem a

função sistematizadora não podem ser considerados de maneira isolada.

Conforme Robert Alexy263, “o âmbito das possibilidades jurídicas é determinado

pelos princípios e regras colidentes”. Segundo ele, por meio dos princípios são

estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, conforme as

possibilidades normativas e fáticas e, ainda, como possuem uma dimensão de

peso “não determinam as consequências normativas de forma direta, ao

contrário das regras”264. Além disso, destaca que as regras contêm

determinações e que deve ser feito exatamente aquilo que ela exige. O que

distingue regras e princípios não é o grau, mas o valor qualitativo, visto que

toda norma é uma regra ou um princípio265.

Para Claus Canaris, os princípios apresentam quatro características

que facilitam a sua compreensão e aplicação:

os princípios não valem sem exceção e podem entrar em oposição ou contradição entre si; eles não têm pretensão de exclusividade; ostentam o seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas; necessitam, para sua

262

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.83. 263

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5.ed.São

Paulo: Malheiros, 2008, p.90. 264

Cumpre ressaltar que não será tratada nesse trabalho a diferenciação de regras e princípios com a profundidade merecida do tema, o que destoaria da discussão central. Porém, é importante destacar a obra de Humberto Ávila, o qual critica a separação da doutrina geral entre interpretação das regras e ponderação dos princípios, defendendo a capacidade de ponderação das regras também. Propõe o autor uma nova categoria, a dos postulados normativos aplicativos. Esclarece: “Como os postulados situam-se em um nível diverso do das normas objeto de aplicação, defini-los como princípios ou como regras contribuiria mais para confundir do que para esclarecer. Além disso, o funcionamento dos postulados difere muito do dos princípios e das regras. Com efeito, os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem confundir princípios com postulados.” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

10.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.137-138). 265

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5.ed.São

Paulo: Malheiros, 2008, p.91.

Page 91: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

90

realização, da concretização através de sub-princípios e de valorações singulares com conteúdo material próprio

266.

Quanto à primeira característica significa afirmar que os princípios

podem levar a decisões contrárias. Basta considerar, por exemplo, o princípio

da liberdade e as inúmeras exceções a esta liberdade, como exemplifica

Canaris. Segundo Alexy, “um dos princípios tem precedência em face do outro

sob determinadas condições”267.

No que se refere à segunda característica, uma consequência

jurídica pode ser determinada por um ou vários princípios de forma conectada.

Importante ressaltar que mesmo em caso de colisão entre princípios, “ao

contrário do que ocorre com os conflitos entre regras, nenhum dos princípios

será declarado inválido”268.

No que tange à terceira e à quarta características, pode haver uma

complementação entre os princípios e a limitação recíproca, o que conduz a

um grau de dificuldade na formação do sistema. Para Canaris, deveria ser

antes normativamente consolidado, impossibilitando sua aplicação imediata.

Nesse sentido, as consequências jurídicas quase nunca são atingidas, de

forma imediata, da mera combinação de princípios, mas antes requer a análise

sobre pontos de vistas valorativos autônomos269.

Sob outro viés, Humberto Ávila270 expõe a definição de Dworkin, o

qual como ataque ao positivismo, distingue regras de princípios com aquelas

sendo aplicadas ao modo tudo ou nada. A regra no caso concreto ou é válida

ou não é válida. Em caso de colisão, uma das regras deve ser considerada

inválida, enquanto os princípios têm uma dimensão de peso, isto é, o de peso

maior prevalece sem que o outro perca sua validade271.

266

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.88. 267

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5.ed.São

Paulo: Malheiros, 2008, p.93. 268

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações

entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p.34. 269

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.96. 270

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.37. 271

“A distinção entre princípios e regras – segundo Alexy – não pode ser baseada no modo tudo ou nada de aplicação proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à

Page 92: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

91

Para Paulo Bonavides, em todo discurso normativo deve-se inserir

os princípios vinculados às regras. “Os princípios espargem claridade sobre o

entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam

no interior de um sistema de normas”272.

Por isso, com a pretensão de utilizar dessa claridade, urge analisar

os princípios previstos na Constituição Federal, aqueles virtuosos para a

unidade, cujo alcance deve se estender a todas as esferas do Direito. No

direito processual penal não poderia ser diferente. Há que se buscar a

preservação na lógica do sistema constitucional, ou seja, manter o verdadeiro

“espírito da Constituição.”

De acordo com Paulo Bonavides273, “a ideia de sistema inculca

imediatamente outras, tais como as de unidade, totalidade e complexidade.

Ora, a Constituição é basicamente unidade, unidade que repousa sobre

princípios: os princípios constitucionais.”

Desta forma a interpretação sistemática da Constituição requer o

desdobramento nos princípios que norteiam os direitos fundamentais, valores

esses que ultrapassam o tecnicismo puro das normas:

Esses não só exprimem determinados valores essenciais – valores políticos ou ideológicos – senão que informa e perpassam toda a ordem constitucional, imprimindo assim ao sistema sua feição particular, identificável, inconfundível sem a qual a Constituição seria um corpo sem vida de reconhecimento duvidoso, se não impossível

274.

A esse respeito convém registrar que para Luís Roberto Barroso275,

“os princípios constitucionais gerais são especificações dos princípios

fundamentais e, por seu menor grau de abstração, prestam-se mais facilmente

à tutela direta e imediata das situações jurídicas que contemplam.”

colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua realidade normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da

definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.38-39). 272

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.259. 273

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.130. 274

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.130. 275

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.350.

Page 93: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

92

Ademais, os princípios orientadores do Estado Democrático de

Direito fundamentam tanto o direito penal como o direito processual penal

“mais do que a norma infraconstitucional, ora superada em vários termos com a

nova realidade social que diariamente se opera”276. Ademais, conforme

observa Marco Antonio Marques da Silva, “os princípios que norteiam os

direitos e garantias, numa democracia, são as linhas mestras que estabelecem

os limites da atuação do Estado na sociedade contemporânea”277.

Por isso, serão adiante estudados os princípios que devem

fundamentar o sistema processo penal vigorado e se relacionam diretamente

com o tema proposto nessa tese, com o finco de relacionar com a abertura

sistêmica trazida no primeiro capítulo e com a questão central, qual seja, a

reincidência penal inserida no processo penal constitucional levantada nos dois

últimos capítulos. Além desses, serão abordados alguns princípios

constitucionais penais, os quais se tangenciam ao processo penal e guardam

ampla relação com os argumentos que colocam em dúvida o instituto da

reincidência criminal.

3.4.1 Princípios constitucionais orientadores do direito penal

3.4.1.1 Princípio da ultima ratio ou intervenção mínima

O direito penal, além de buscar a punição, tem como missão limitar a

atuação estatal. Nesse contexto, os princípios constitucionais penais são

imprescindíveis. O princípio da ultima ratio vem estabelecer que o direito penal

apenas irá atuar quando não houver outro meio para solucionar o problema

jurídico em questão, já que totalmente incisivo no direito de liberdade.

Apenas é possível recorrer à intervenção do direito penal em

situações extremas278, visto a relevância de se conceder prioridade a outros

ramos do direito para a solução das relações jurídicas.

276

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.54. 277

SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumento para a efetivação da dignidade humana. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.229. 278

ESTEFAM, André. Direito penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010, p.121.

Page 94: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

93

Também conhecido como princípio da intervenção mínima, o direito

penal “[...] orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a

criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário

para a proteção de determinado bem jurídico”279. Segundo Marco Antonio

Marques da Silva, “neste sentido temos o princípio da ultima ratio que está

ligado à função social do direito penal, que é a de proteção dos bens

jurídicos”280. Assim, devem ser selecionados apenas os bens jurídicos mais

importantes para serem tutelados pelo direito penal, sob pena do caráter

‘violento’ do direito penal se propagar.

Desta feita, “o uso excessivo da sanção criminal não garante uma

maior proteção; ao contrário, condena o sistema penal a uma função

meramente simbólica e negativa”281.

3.4.1.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade está previsto na Constituição Federal de

1988, artigo 5º, XXXIX e XL, e prevê que não há crime nem pena sem prévia lei

que o defina. Com isso, é proibida a criação de delitos e penas pela analogia

ou costume. Somente a lei escrita pode criar crimes e penas; também é

proibida a retroatividade da lei penal282.

Este princípio constitui “a chave mestra de qualquer sistema penal

que se pretenda racional e justo”283. Além disso, “funda-se na idéia de que há

direitos inerentes à pessoa humana que não precisam ser outorgados pelo

Estado”284. Tudo que não estiver proibido é permitido, cabendo ao Estado

editar as proibições penais por meio da lei.

279

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.13. 280

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.09. 281

PRADO, Luiz Regis. Elementos de direito penal. v.1. São Paulo: RT, 2005, p.29-30. 282

Curioso é que antes mesmo do nascimento do período humanitário, o princípio da legalidade já era defendido no Direito Penal por Hobbes. “A punição deveria ser uma consequência lógica da violação de leis estabelecidas previamente no Estado. Sem lei anterior, a punição seria arbitrária. Daí a necessidade de definir e classificar os delitos.” (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed.

São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.63). 283

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011,

p.63. 284

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.22.

Page 95: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

94

Esse princípio, introduzido pela fórmula nullum crimen, nulla poena

sine lege, é um efeito limitador do poder punitivo estatal, que exige um

processo legislativo regular para a criação de tipos penais.

A transparência e o limite da formulação normativa dos tipos penais,

no âmbito do direito penal, são exigências deste princípio; no processo penal

isso também viabiliza a forma de intervenção do Estado na vida do cidadão285.

O princípio da legalidade proporciona segurança jurídica ao exigir lei

prévia, escrita, estrita e certa286. São apontadas, ainda, como garantia desse

princípio, a garantia jurisdicional e na execução, ou seja, é proibido impor pena

senão pelo processo penal e executá-la de modo distinto do determinado em

lei287.

3.4.1.3 Princípio da lesividade ou ofensividade

Pelo princípio da lesividade apenas podem ser consideradas

criminosas as condutas que causam lesão à bem jurídico de terceiro. Por esse

princípio, “[...] o direito penal não pode se ocupar de comportamentos que

impliquem apenas autolesão, isto é, que não transcendam a pessoa do próprio

lesionado, por mais que lamentemos tais decisões (autolesivas)”288.

Além disso, é necessário existir um perigo concreto, real e efetivo,

ou seja, deve o direito penal resguardar um interesse socialmente relevante

desde que haja um perigo ou dano concreto.

Se não houver ofensa ao bem jurídico selecionado para a proteção

no viés penal, inexiste crime a ser punido. Impera destacar que o princípio da

ofensividade tem uma dupla função no direito penal em um Estado

Democrático de Direito:

285

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.07. 286

“Lex praevia significa proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem). Lex certa, a proibição de leis penais indeterminadas. (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p.22). 287

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.08. 288

QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal – parte geral. v.1. 8.ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p.94.

Page 96: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

95

a) função político-criminal – esta função tem caráter preventivo-informativo, na medida em que se manifesta nos momentos que antecedem a elaboração dos diplomas legislativo-criminais; b) função interpretativa ou dogmática – esta finalidade manifesta-se a posteriori, isto é, quando surge a oportunidade de operacionalizar-se o Direito Penal, no momento em que se deve aplicar, in concreto, a norma penal elaborada

289.

Para Nilo Batista290, há quatro principais funções desempenhadas

por esse princípio: a) proibir a incriminação de uma conduta interna (o projeto

mental não é punível); b) proibir a incriminação de uma conduta que não

exceda o âmbito do próprio autor; c) proibir a incriminação de simples estados

ou condições existenciais; e d) proibir a incriminação de condutas desviadas

que não afetem qualquer bem jurídico.

Como será abordado no próximo capítulo, esse princípio é apontado

como nitidamente violador à reincidência, ao mesmo tempo em que

configuraria um direito penal do autor no ordenamento em que é aplicada.

3.4.1.4 Princípio da culpabilidade

O princípio da culpabilidade rechaça qualquer responsabilidade

objetiva no direito penal, aquela que considera limitadamente o resultado. A

responsabilidade penal é subjetiva, por isso, é indispensável aferir a

culpabilidade, ou seja, prová-la por meio do processo penal.

Consoante Cezar Roberto Bitencourt291, a culpabilidade pode ser

vista: a) como fundamento da pena (possibilidade de aplicação ou não de uma

pena em virtude da prática de uma infração penal); b) como elemento da

determinação ou mediação da pena; c) como conceito contrário à

responsabilidade objetiva.

Além disso, o princípio da culpabilidade está relacionado à

intranscendência e à individualização da pena. A primeira impede que a pena

289

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.22. 290

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011,

p.90-91. 291

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1.11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.16. “Resumindo, pelo princípio em exame, não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três consequências materiais: a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena.”

Page 97: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

96

ultrapasse a pessoa do condenado e a segunda exige que a pena seja aplicada

considerando a pessoa concreta à qual se destina.

Nesse passo, surge a coculpabilidade em que se considera o

contexto vivido pelo autor, suas experiências sociais, oportunidades e o papel

do Estado para com o processado. De acordo com Nilo Batista, a

coculpabilidade se refere à individualização judicial, ou seja, as condições da

pessoa concreta devem ser analisadas para a aplicação da pena292.

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira293, em sua tese de doutoramento

intitulada “Liberdade, culpabilidade e individualização da pena”, aborda o tema

para afastar qualquer tentativa de fundamentar seu trabalho na

coculpabilidade. Entende que a atribuição de responsabilidade à sociedade

pela prática de infração juntamente com o sujeito criminoso não é possível do

ponto de vista jurídico, apenas social. Por isso, defende que os fatores

socioeconômicos devem ser considerados na aferição da culpabilidade,

rechaçando ainda qualquer crítica sob o viés do direito penal do autor, já que

apenas depois da prática do crime é que será realizado o exame das condições

de formação da sua personalidade, ou seja, não haverá punição pelo modo de

ser, mas poderá ser atenuada a punição considerando a formação da

personalidade condicionada294.

Aliás, “o direito penal só pune fatos (ação/omissão); daí estabelecer

uma responsabilidade por fato próprio (direito penal do fato), opondo-se a um

direito penal do autor fundado no modo de vida ou no caráter”295.

O princípio em destaque possui uma forte relação com os

argumentos que questionam a reincidência criminal por considerar que está

292

“Trata-se de considerar, no juízo de reprovabilidade que é dado como essência da culpabilidade, a concreta experiência social dos réus, as oportunidades que se lhes depararam e assistência que lhes foi ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade geral do Estado que vai impor-lhes a pena; em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu, como queria Ernst Bloch.” (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011, p.10-102). 293

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Liberdade, culpabilidade e individualização da pena. Tese

de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.186. 294

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Liberdade, culpabilidade e individualização da pena. Tese

de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.188-190. 295

PRADO, Luiz Regis. Elementos de direito penal. v.1. São Paulo: RT, 2005, p.28.

Page 98: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

97

incutida uma repressão à personalidade, do modo de ser do autor, incompatível

com o direito penal do fato296.

3.4.1.5 Princípio da individualização da pena

O princípio da individualização da pena deve ser observado desde a

fase do processo de criminalização primária, da dosimetria da pena até a fase

de execução penal.

O legislador, quando da criação dos tipos penais, observando a

proporcionalidade, determina a quantidade de pena a cada espécie de crime.

Após essa fase, nota-se a individualização na fase da dosimetria da pena,

conforme dispõe o artigo 59 do Código Penal.

Em relação ao princípio da individualização da pena (CF, artigo 5º, XLVI) importa pôr em destaque os seus três níveis: momento da cominação, da aplicação e da execução. Todos fazem parte do princípio da proporcionalidade (aliás, são expressões dele). Da cominação da pena (ou seja: previsão in abstrato da pena no tipo legal) quem se encarrega é o legislador, que deve cominar penas proporcionais em cada caso. Um homicídio não pode nunca ter pena idêntica a um furto. Um crime doloso não pode ter pena paritária à modalidade culposa e assim por diante. Quem individualiza a pena no momento da aplicação é o juiz, observando os critérios (judiciais) do artigo 59 do CP (culpabilidade do agente, antecedentes, motivação, circunstâncias do delito etc.). Quem individualiza a execução é tanto o juiz como o próprio pessoal que integra o sistema penitenciário

297.

De acordo com Luiz Luisi298, na individualização judiciária da sanção

penal estamos frente a uma “discricionariedade juridicamente vinculada”. Isto

significa que “o juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece.”

296

Interessante destacar que Gustavo Octaviano Diniz Junqueira menciona a reincidência, “aceita pela doutrina e pelos tribunais como fator determinante na intensidade da sanção”, como uma das amarras do direito penal que sanciona o sujeito pelo o que ele é, violando o direito penal do fato. Além da reincidência, demonstra que a personalidade do sujeito também é levada em consideração na fixação da pena (artigo 59 do CP), como um direito penal do autor. (JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Liberdade, culpabilidade e individualização da pena. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.192). 297

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; DAHER, Flávio. Princípios constitucionais penais: à luz da

Constituição e dos tratados internacionais. E-book LivroeNet, 2015, p.50. 298

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003,

p.54.

Page 99: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

98

É certo, para Luiz Regis Prado, que “o princípio da individualização

da pena obriga o julgador a fixar a pena conforme a cominação legal (espécie e

quantidade) e a determinar a forma de sua execução (artigo 5º, XLVI, CF)”299.

Esse princípio revela sua grande importância no processo penal,

pois exterioriza a função social do processo penal de materializar a tutela dos

bens jurídicos mais importantes e aplicar a pena conforme essa valoração,

sempre respeitando os limites constitucionais.

3.4.1.6 Princípio do ne bis in idem

É vedada no ordenamento jurídico processual penal brasileiro a

valoração dúplice do mesmo fato criminoso. Essa proibição se inicia desde a

acusação até a condenação e procura “impedir mais de uma punição individual

– compreendendo tanto a pena como a agravante – pelo mesmo fato (a dupla

punição pelo mesmo fato)”300.

Então, “o princípio do ne bis in idem veda a dupla incriminação. Por

isso, ninguém pode ser processado ou condenado mais de uma vez pelo

mesmo fato”301. Deriva do princípio da legalidade302 e está inserido na

Convenção Americana sobre Direitos Humanos no artigo 8º, item 4 – “o

acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser

submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

Caso isso venha ocorrer, o processo penal disponibiliza

instrumentos capazes de reparar esse deslize: exceção de litispendência

quando dois processos são instaurados por fato idêntico ou coisa julgada caso

o fato já tenha sido julgado definitivamente. Ainda que o princípio em destaque

299

PRADO, Luiz Regis. Elementos de direito penal. v.1. São Paulo: RT, 2005, p.30. 300

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 7.ed. São Paulo: RT, 2014, p.106. 301

ESTEFAM, André. Direito penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010, p.122. 302

“Como já enfatizado [...], o princípio do ne bis in idem, que se traduz na proibição da dupla valoração fática, tem hoje seu apoio no princípio constitucional da legalidade. Não se compreende como uma pessoa possa, por mais vezes, ser punida pela mesma infração. O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena, em relação a um outro fato delitivo, a não ser que se admita, num Estado Democrático de Direito, um direito penal atado ao tipo de autor (ser reincidente), o que constitui uma verdadeira e manifesta contradição lógica.” (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui; SILVA JÚNIOR, José; NINNO, Wilson; FELTRINI, Oscar; BETANHO, Luiz Carlos; GUASTINI, Vivente Celso da Rocha. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.1: parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 1997, p.1019).

Page 100: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

99

tenha conteúdo material relativo à imposição da pena, manifesta-se no campo

processual303.

O princípio ne bis in idem também proíbe que várias sanções sejam

aplicadas ao sujeito pelo mesmo fato, ou seja, “por um mesmo fato e por

sanções que tenham um mesmo fundamento, isto é, que tutelem um mesmo

bem jurídico”304.

É por isso que o instituto da reincidência é apontado como violador

desse princípio, visto que como circunstância agravante está sempre punindo o

infrator uma segunda vez por fato já julgado anteriormente, argumento que

será abordado no próximo capítulo.

Portanto, por meio desse princípio, visa-se resguardar que a punição

do sujeito se eternize no processo penal com consequências gravosas

destoantes da real missão do direito penal e processual penal.

3.4.2 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal

3.4.2.1 Da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos princípios que

fundamentam o Estado Democrático de Direito, conforme previsão do artigo1º,

III, da Constituição Federal de 1988305.

Conforme Jorge Miranda, a Constituição Federal, a qual confere

unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos

fundamentais, repousa na dignidade da pessoa humana, isto quer dizer que

enaltece a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do Estado306.

Não se tem registro exato da sua aparição no Direito, contudo,

desde as obras mais clássicas, ele pode ser desvendado quando se retrata a

busca incessante por um direito considerado natural.

303

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 7.ed. São Paulo: RT, 2014, p.107. 304

QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal – parte geral. v.1. 8.ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p.83. 305

BRASIL. Constituição Federal. 1988. Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;” 306

MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos fundamentais. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

Page 101: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

100

Pode ser entendido como um valor supremo e natural pertencente a

todo e qualquer ser humano, além de reconhecer “o valor da pessoa humana

como condição preexistente, ou seja, da própria natureza do homem”307. Ou

seja, o “homem possui dignidade pelo simples fato de existir como ser humano,

dignidade esta que lhe é inerente e inalienável”308.

No mesmo sentido, Alain Supiot309 ensina que o homem é um sujeito

soberano na acepção dos direitos humanos. E, “como o homo juridicus, é titular

de uma dignidade própria, nasce livre, dotado de razão e titular de direitos.”

De acordo com Marco Antonio Marques da Silva310, “o ser humano

deve ser sempre tratado de modo diferenciado em face de sua natureza

racional.” Sendo um valor fundamental, “a dignidade, portanto, é um princípio

jurídico de status constitucional”311. E, como valor e princípio, “funciona tanto

como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos

fundamentais”312.

Além disso, tem-se que a dignidade da pessoa humana pode ser

considerada um reconhecimento constitucional dos limites do poder de

intervenção do Estado na vida do cidadão. Desta feita, os direitos fundamentais

decorrem da dignidade humana, a qual norteia o alcance desses direitos313.

Conforme argumenta Eloísa de Sousa Arruda,

ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição explicita de forma inequívoca que o “poder” ou o “domínio” da República terá de assentar-se em dois pressupostos ou precondições: 1) em primeiro lugar, está a pessoa humana, e, depois a organização política; 2) a pessoa é sujeito e não objeto, é o fim e não o meio de relações jurídico-sociais. A dignidade da pessoa humana afigura-se, assim, como trave-mestra de sustentação e

307

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.42. 308

ARRUDA, Eloísa de Sousa. O papel do Ministério Público na efetivação dos tratados internacionais de direitos humanos. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.362. 309

SUPIOT, Alain. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do direito. Tradução de Maria

Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.235. 310

SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumento para a efetivação da dignidade humana. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.225. 311

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.273. 312

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.273. 313

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.05.

Page 102: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

101

legitimação da República e da respectiva compreensão do poder político

314.

Nesse viés, abordar o processo penal pela limitação do poder inserida

na democracia implica considerar que a dignidade da pessoa humana enaltece

o ser humano como sujeito de direitos. Desta forma, o processo penal é um

instrumento democrático para resguardar que o acusado não se torne um

objeto ao bel-prazer estatal para a construção da verdade processual.

Tratando-se do processo penal, a ideia de processo como

instrumento para realizar-se a ordem constitucional está umbilicalmente ligada

ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento e fim do

Estado.

Da mesma forma, a dignidade da pessoa humana deve ser observada

desde a criação da lei, como um importante imperativo no papel

desempenhado pelo legislador: “qualquer lei que viole a dignidade, seja em

abstrato ou em concreto, será nula”315, segundo a percepção de Luís Roberto

Barroso.

Para observar a dignidade da pessoa humana no decorrer do

processo penal, o princípio da igualdade reforça o sopesamento nos casos

concretos, ao passo que a dignidade é conferida quando há igualdade

processual. “Em um processo penal democrático, portanto, todos os atores

jurídicos devem ser tratados de forma digna”316, afirma Rogério Greco.

Segundo ele317, esse princípio não possui caráter absoluto, mas

pode ser relativizado, pois é um valor individual, por isso será avaliado e

ponderado em cada caso concreto. Por exemplo, o direito à liberdade está

diretamente ligado à dignidade e num caso de extorsão mediante sequestro,

essa liberdade será cedida frente à proteção dos bens jurídicos pertencentes

às vítimas.

314

ARRUDA, Eloísa de Sousa. O papel do Ministério Público na efetivação dos tratados internacionais de direitos humanos. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.363. 315

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.274. 316

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.313. 317

GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus,

2015, p.71.

Page 103: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

102

Da mesma forma, para Mário Lúcio Garcez Calil318, “é plenamente

possível a colisão entre a dignidade da pessoa humana e outros princípios,

tendo em conta sua natureza de mandamento de otimização.” Contudo, deve-

se ressaltar que o núcleo essencial da dignidade é inatingível.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana representa um

corolário do Estado Democrático de Direito que torna possível a

sobrevalorização da essência humana. Possui a função primordial de afastar a

incerteza das consequências oriundas do poder estatal sem limitação em sua

amplitude, além de reafirmar a verdadeira finalidade que leva à adoção de um

determinado modelo estatal.

Não é possível discutir o direito processual penal sem considerar o

princípio da dignidade da pessoa humana; seria o mesmo que ignorar a própria

finalidade desse ramo jurídico dentro do ordenamento jurídico pátrio.

3.4.2.2 Princípio do devido processo legal

Para garantir a proteção estatal em face do acusado, o princípio do

devido processo legal vem coibir que o Estado atue de maneira arbitrária

desrespeitando a liberdade do cidadão.

Conforme observa Denilson Feitoza, ele “consiste na garantia de

alguém somente poder ser privado de sua liberdade ou de seus bens, por meio

de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”319.

Na Constituição Federal de 1988, ele está previsto no artigo 5º,

LIV320 e pode ser considerado o “princípio reitor de todo o arcabouço jurídico

processual. Todos os outros derivam dele”321. No mesmo sentido, pode-se

afirmar que se trata de uma garantia de grande amplitude, pois abrange

318

CALIL, Mário Lúcio Garcez. Efetividade dos direitos sociais: prestação jurisdicional com base na

ponderação de princípios. Porto Alegre: Nuria Fabris 2012, p.165. 319

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.142. 320

BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 5º, LIV: “Ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal.” 321

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.05.

Page 104: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

103

diversas outras, mas sempre com o finco de proteger o cidadão contra a

arbitrariedade estatal322.

A necessidade de observância desse princípio não se restringe

apenas ao andar processual. Além disso, o devido processo legal alcança a

concretização de interesses de natureza substancial, ou seja, limitar a própria

produção legislativa323:

O devido processo legal não se destina tão somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a correta e regular elaboração da lei processual penal. Em outra palavras, o juiz está submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que caracteriza a garantia constitucional

324.

Não é demais lembrar que o princípio da dignidade da pessoa

humana é a base do devido processo, pois considerar a parte e dar-lhe a

oportunidade de ser ouvida antes de qualquer imposição invasiva é respeitar

sua dignidade pessoal325.

Ademais, o princípio do devido processo legal demonstra a

necessidade de respeito a um sistema processual atento às diretrizes

constitucionais em prol de um processo justo.

A importância desse princípio pode ser averiguada desde a Magna

Carta de 1215, primeiro documento jurídico que fez menção ao devido

processo legal, vinculando direito às regras comuns por todos aceitas326.

Também foi explicitada na Declaração Universal dos Direitos do

Homem (1948) nos artigos 8º e 10º327. No artigo 11 prevê que a culpabilidade

daquele que é acusado da prática de um ato delituoso deve ser apurada de

acordo com a lei, ou seja, que há necessidade de uma lei prévia impondo o

322

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.17. 323

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.319. 324

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.17. 325

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.30. 326

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.16. 327

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.318.

Page 105: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

104

modo como proceder (por meio de um devido processo legal)328. Observa-se

que,

O corolário do sistema processual brasileiro vem a ser a cláusula princípio que impõe respeito ao devido processo legal. Processo devido é processo legítimo. Processo legítimo é, como expressa Convenção Européia de Direitos Humanos, o processo justo e equitativo. E processo justo é processo democrático

329.

O processo penal não se desvincula do devido processo legal, mas

é aquele que efetiva o universo das garantias individuais em qualquer fase.

Por fim, conforme Rogério Lauria Tucci, o processo penal é

concebido com base nas seguintes garantias:

a) de acesso à Justiça Penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerente; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal e; h) da legalidade da execução penal

330.

3.4.2.3 Princípio da ampla defesa

O princípio da ampla defesa representa um grande avanço no

processo penal, pois abrange o direito à defesa técnica e o direito à autodefesa

durante o processo. Deriva do devido processo legal e está inserido tanto na

Constituição Federal (artigo 5º, LV), como na Declaração Universal dos Direitos

do Homem (artigo 11, inciso 1º e artigo 8º, 2, b, c e f)331.

Nesse binômio de defesa técnica e autodefesa há a possibilidade de

o acusado ser amparado durante o processo penal para que nenhum abuso

estatal viole o seu direito de ter transparência em todos os atos durante o

desenvolvimento da persecução criminal.

328

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.16. 329

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações

específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.865. 330

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 4.ed. São

Paulo: RT, 2011, p.66. 331

BRASIL. Constituição Federal (1988), artigo 5º, LV: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Page 106: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

105

A justiça criminal não pode ser alcançada sem a aplicação precisa

do princípio da ampla defesa. Se a acusação é exercida por um órgão dotado

de conhecimento técnico-jurídico, ao acusado deve ser proporcionada a

mesma oportunidade, isto é, de ter sua defesa acompanhada por um

profissional no mesmo nível em prol da paridade de armas do devido processo

penal332.

Contemporaneamente, o papel da defesa técnica é obrigatório e

ultrapassa a concepção de que basta um defensor público ou um advogado

regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, pois essa defesa

deve ser realizada de forma satisfatória, o que não significa o alcance da

absolvição. A defesa técnica “deve ser efetiva, concreta, capaz de contribuir,

em favor do réu, com a construção da solução justa do caso penal”333.

Nesta mesma linha de raciocínio, Antonio Scarance Fernandes:

O direito de defesa é ao mesmo tempo garantia da própria justiça, havendo interesse público em que todos os acusados sejam defendidos, pois só assim será assegurado efetivo contraditório, sem o qual não se pode atingir uma solução justa

334.

Não é demais lembrar que a história já testemunhou os absurdos do

sistema inquisitório que dispensava a defesa com a confissão, prova máxima e

suficiente para a condenação. Quando a acusado confessava nem havia

necessidade de advogado. Interessante que “a função do advogado era fazer

com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro, para que a

pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução”335.

Esse absurdo não mais faz parte do sistema processual penal

democrático. Caso a defesa técnica não seja desempenhada a contento, cabe

ao Poder Judiciário declarar o réu indefeso.

Vale dizer que a Súmula Vinculante nº14 do Supremo Tribunal

Federal prevê que o defensor tem o direito de ter acesso aos elementos de

prova já documentados em procedimento investigatório por órgão com

332

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.20. 333

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática

e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.258. 334

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.23. 335

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.102.

Page 107: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

106

competência de polícia judiciária a fim de exercer o direito de defesa do seu

cliente.

Já a autodefesa é desempenhada durante o processo penal pelo

próprio acusado, o qual contribui em diversos momentos na construção de sua

defesa. É renunciável e abrange “direito de audiência, direito de presença e

direito a postular pessoalmente”336.

Qualquer violação à ampla defesa anula o processo, eis que ofende

a própria dignidade da pessoa do acusado de se valer dos meios processuais

para contrapor a acusação.

Nesse contexto, poder-se-ia questionar o exercício da ampla defesa

no processo em que serão aplicados os efeitos da reincidência. Ao lado do

princípio do ne bis in idem, caso se opte por justificar a reincidência como uma

ofensa a bem jurídico diverso da primeira condenação, a coisa julgada passa a

ser questionada. Se há a ofensa de dois bens jurídicos novos (esse um dos

fundamentos da manutenção da reincidência) ao réu caberia a garantia de

ampla defesa em relação a ambos. Desta forma, seria aberta a oportunidade

de questionar a aplicação dos efeitos da reincidência. Se o juiz utiliza a

reincidência para agravar a pena do réu (e esse instituto se refere a fatos

passados), em atendimento à ampla defesa, abre-se margem à defesa

novamente, com verdadeiro caráter revisional da pena aplicada.

3.4.2.4 Princípio do contraditório

O princípio do contraditório também está consagrado no artigo 5º,

LV da Constituição Federal e no artigo 8º da Convenção Americana sobre os

Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aprovada pelo

Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº27, de 26/05/1992.

Esse princípio transparece o direito daqueles que são partes de um

processo de reagir diante do conjunto probatório e das afirmações construídas

a fim de alcançar a verdade processual. Por esse princípio há a garantia de

tomar conhecimento da acusação e dos atos processuais para, então, aplicar o

direito à defesa: “é do contraditório, manifestado num primeiro momento no

336

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.265.

Page 108: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

107

direito à informação, que nasce a possibilidade do exercício da ampla

defesa”337, defende Marco Antonio Marques da Silva.

Como se vê, os princípios do contraditório e da ampla defesa estão

relacionados e são garantias derivadas do devido processo legal. Não há uma

identificação notória se o direito de defesa deriva da garantia do contraditório

ou se da garantia da defesa decorre o contraditório338.

Sabe-se que o contraditório garante o equilíbrio na relação jurídico-

processual, trazendo igualdade entre as partes para manter uma ‘perfeita

harmonia entre os bens jurídicos que irão se justapor”339. Daí ser

imprescindível a assistência de um defensor técnico para tanto.

Nos dizeres de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” de defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido

340.

O processo não deve ser apenas procedimento e contraditório, mas

sim procedimento, contraditório e participação. Com o contraditório há

informação e reação341, essa última traz a participação, a qual vem se

ampliando, visto que “não participam no processo só estes sujeitos, mas

também a vítima, as testemunhas, os peritos, os advogados, etc.”342.

Desta feita, o princípio do contraditório, oriundo do sistema

acusatório, deve manter as partes em situação de igualdade para que possuam

as mesmas oportunidades dentro do processo, seja a de produção de provas

ou de manifestação a respeito daquelas produzidas. Exige, pois, a informação

337

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.18. 338

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.254. 339

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.18. 340

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p.23. 341

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.17. 342

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.50-

51.

Page 109: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

108

às partes sobre todos os atos processuais para exercerem o contraditório,

ainda que de forma diferida343.

3.4.2.5 Princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência surgiu para proteger o

cidadão do poder punitivo desmedido do Estado. Proclamado na Declaração

Universal dos Direitos do Homem, da ONU, em 1948, foi consagrado pela

Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, LVII344.

Com forte influência do sistema acusatório, visou-se “tratar o

acusado com mais dignidade e respeito à sua liberdade de locomoção”345. O

reflexo disso está nas hipóteses de cabimento de aplicação de sanções,

principalmente, quando se resulta na privação da liberdade.

Tratando-se, em especial, da prisão, o acusado apenas poderá

sofrer esta consequência quando houver sentença condenatória transitada em

julgado, salvo se existirem requisitos que justifiquem a cautelaridade da

medida.

Interessantes são as observações de Paulo Rangel ao defender que

a Constituição Federal não presume a inocência, distinguindo ele a certeza da

inocência com a presunção de inocência. Esclarece ainda que “a terminologia

presunção de inocência não resiste a uma análise perfunctória”346.

Por isso, a magistrado pode tanto presumir o réu inocente como

culpado, a depender do resultado da operação mental percorrida. Para o autor,

a Constituição Federal proíbe considerar culpado e não presumir.

Outro argumento é o de que a própria Constituição Federal admite

prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente ou em

343

Nas lições de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar: “É o caso, em particular, das medidas cautelares reais, a exemplo do sequestro de bens imóveis, previsto no artigo 125, CPP e da interceptação das comunicações telefônicas (Lei nº9.296/96). Quanto às medidas cautelares de natureza pessoal, imprescindível registrar que a Lei nº12.403/2011, alterando o Código de Processo Penal, previu o contraditório como regra, de modo que a parte contrária somente deixará de ser intimada em “casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida” (artigo 282, §3º, CPP).” (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8.ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p.58). 344

Hobbes defendia o princípio da inocência, que foi consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, “ao cogitar da pena somente após o autor da transgressão ser ouvido em juízo e “declarado culpado”. Tal princípio tornou-se universal e serve de base para o processo penal contemporâneo, com consequências em vários institutos de natureza penal.” (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.65). 345

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.24. 346

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.25.

Page 110: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

109

flagrante, ou seja, se houver motivação, a decretação da prisão anterior à

sentença penal condenatório não fere o princípio em análise.

Do princípio da presunção de inocência também pode ser extraída a

proteção de o réu não ter o dever de provar sua inocência e sim o Estado

provar a sua culpa por meio do órgão competente. O ônus da prova no

processo penal deve ser atribuído ao Ministério Público, que “deve provar a

existência do fato típico, ilícito e culpável, narrado na denúncia e praticado pelo

réu, assumindo, por inteiro, o ônus da acusação feita”347.

Para Paulo Rangel, inclusive, se o réu alegar uma causa de

exclusão da ilicitude, cabe ao parquet provar que não estão presentes os

elementos que compõem esta figura permissiva:

[...] o disposto no inciso LVII do artigo 5º da CRFB não pode ser entendido como princípio da presunção de inocência, mas sim como regra constitucional que inverte, totalmente, o ônus da prova do Ministério Público. O Ministério Público, assim, assume seu verdadeiro papel de órgão fiscalizador da lei dentro de um Estado Democrático de Direito, recaindo, sobre si, o ônus de uma acusação feita sem o suporte probatório mínimo que deve lastrear toda acusação penal

348.

Tem-se, então, o princípio da presunção de inocência como um

corolário do devido processo legal fortemente relacionado ao instituto da

reincidência criminal, o qual é duramente violado, conforme será abordado nos

capítulos seguintes.

Aliás, a grande crítica da Escola Positiva à Escola Clássica que

enalteceu esse princípio era a de que “a presunção teria menos força quando

se tratasse de delinquente reincidente”349.

3.4.2.6 Princípio da imparcialidade do juiz

A imparcialidade do juiz é uma das vigas mestras de um sistema

processual democrático, visto que tem por finalidade resguardar um julgamento

347

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.27. 348

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.32. 349

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.28.

Page 111: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

110

isento de juízos prévios e de contaminação subjetiva, o que afastaria a

aplicação íntegra do direito ao caso concreto.

O juiz imparcial é aquele mero expectador das provas geridas pela

acusação e pela defesa, porém, com o poder fiscalizatório contra

arbitrariedades que impeçam um processo penal desmedido ou desregrado.

Desta forma, a imparcialidade do juiz o retira da tarefa de

persecução penal. A Constituição Federal separa as funções dos sujeitos

processuais ao atribuir ao Ministério Público a exclusividade da ação350.

Conforme Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior:

A maior garantia para a imparcialidade endoprocessual, isto é, para a imparcialidade no curso do iter processual penal, é a inércia do órgão julgador (ne procedat iudex ex officio), que, somada ao correlato ativismo do Ministério Público e ao fato de a gestão da prova estar nas mãos das partes, garante o distanciamento necessário ao julgamento e à justiça da decisão no sistema processual penal acusatório

351.

Interessante notar que a imparcialidade do juiz pode se dar na

ordem objetiva ou subjetiva, ambas ligadas à linha de raciocínio desenvolvida

pelo julgador e exteriorizada de alguma forma. A imparcialidade objetiva

demanda transparência em todos os atos processuais realizados pelo juiz352.

Não basta o juiz executar suas tarefas, além disso, deve transmitir

em cada uma delas a segurança de que a justiça será aplicada com

imparcialidade.

No que tange à imparcialidade subjetiva, a qual é presumida, é

vedado ao juiz esconder razões íntimas que possam favorecer uma das partes.

Se houver essa possibilidade, as partes devem requerer a declaração de

suspeição do magistrado parcial.

No entanto, o princípio da imparcialidade tem sido um dos mais

difíceis de serem adotados. “A prática forense mostra-nos que a imparcialidade

existe no plano jurídico, mas é de difícil aplicação quotidiana”353, observa Paulo

Rangel.

350

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.20. 351

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.143. 352

CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.144. 353

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.21.

Page 112: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

111

A atuação do juiz é limitada e deve obedecer à legalidade, sob pena

de um retrocesso na história, quando os juízes mantinham fidelidade apenas

com os que tinham escolhido, agindo ademais sem qualquer controle, sendo

temidos pelo povo e com uma imagem bastante negativa354.

Nesse passo, conclui-se que o juiz está na relação processual entre

as partes e acima delas, ou seja, não está no processo em nome próprio, nem

em conflito de interesses com as partes, por isso torna essencial a

imparcialidade do julgador.

Assim, o princípio da imparcialidade afasta a influência de

interesses quando do julgamento. No processo penal a dificuldade em

concretizar essa garantia para o efetivo contraditório se torna ainda tormentosa

frente a determinados institutos jurídicos, que já influenciam no juízo prévio dos

juízes dado o caráter estigmatizador, como a reincidência criminal.

3.4.2.7 Princípio da motivação das decisões

O princípio da motivação das decisões consta do artigo 93, IX, da

Constituição Federal de 1988 e estabelece que todas as decisões dos órgãos

jurisdicionais serão fundamentadas.

Esta premissa visa controlar o trabalho jurisdicional exigindo

explicitamente os motivos que levaram ao acolhimento ou não da pretensão

punitiva estatal. “O juiz é livre para decidir, desde que o faça de forma

motivada, sob pena de nulidade insanável”355. Eis o sistema do livre

convencimento motivado adotado pelo artigo 155, caput, do Código de

Processo Penal.

A fundamentação traz uma resposta social sobre o fato julgado e

confere segurança jurídica, já que é por meio da decisão e sua motivação que

as partes poderão exercer o direito de recorrer da sentença.

354

Conforme Dalmo de Abreu Dallari, o iluminista italiano Pietro Verri, companheiro de Beccaria, na obra Observações sobre a tortura (São Paulo: Martins Fontes, 1992) relatou um caso em que houve uma

epidemia de peste em Milão com várias mortes, acreditando-se que a doença fora causada por ação de um criminoso. O governo quis encontrar o culpado e estimulou delações, as quais levaram à prisão de um homem e a entrega a um juiz que o torturou horrendamente para obter a confissão, sendo um caso de milhares em que o sistema penal era brutalmente utilizado ao bel-prazer dos juízes. (DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva,1996, p.12). 355

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8.ed. Salvador:

Jus Podivm, 2013, p.63.

Page 113: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

112

Nesse contexto, Lenio Luiz Streck356 nos ensina que é uma

obrigação dos juízes justificar suas decisões, uma vez que elas afetam os

direitos fundamentais, “além da relevante circunstância de que, no Estado

Democrático de Direito, a adequada justificação da decisão constitui-se em um

direito fundamental”, assegura.

Desta feita, o princípio da motivação das decisões se reflete em

várias etapas do processo. Também concretiza o devido processo legal, a

ampla defesa e o contraditório, pois somente por meio da motivação as partes

poderão rebater os argumentos utilizados pelo magistrado e, assim, concordar

ou questionar a decisão, na maioria dos casos recursais, em um controle

hierárquico imediatamente superior.

3.4.2.8 Princípio da publicidade

A publicidade dos atos processuais e das atividades estatais está

relacionada ao devido processo legal, constitucionalmente consagrada nos

artigos 5º, LX e 93, IX e prevista no artigo 792 do Código de Processo Penal.

Coaduna-se com o modelo político do Estado Democrático de Direito

em que o conhecimento dos atos processuais permite o controle da atividade

jurisdicional. No mesmo passo, está na linha do sistema acusatório e concede

às partes o direito ao acesso aos autos, já que o procedimento secreto foi

abolido do ordenamento jurídico brasileiro.

A publicidade, contudo, não é absoluta, podendo ser restringida nos

casos previstos em lei, visto que em alguns deles se sobrepõe pela

necessidade da medida adotada e sua consequente eficácia, como a

interceptação telefônica.

Então, quando a defesa da intimidade ou o interesse social o

exigirem, a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais. Desta

forma, não é um direito absoluto, pois possui exceções, “mas jamais poderá

356

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.364.

Page 114: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

113

estabelecer o sigilo com relação ao réu, sob pena de infringir o princípio da

publicidade”357, conforme alerta Marco Antonio Marques da Silva.

3.4.2.9 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade apresenta uma importante função

na aplicação de todo o Direito, não sendo diferente no direito processual penal.

Relaciona-se à proteção das próprias normas constitucionais, daí sua

notoriedade.

Ele deve estar presente e ser observado desde a criação das

legislações penais e processuais penais. Encontra-se inserido implicitamente

na Constituição Federal e é uma regra afeta à dimensão do poder no processo

penal358, “porque o direito processual penal é constituído de vasta enunciação

normativa da Constituição do Brasil”359, de acordo com Nestor Távora e

Rosmar Alencar.

A vinculação desse princípio ao Direito Constitucional “ocorre por

via dos direitos fundamentais”360, por isso de extrema importância, já que

protege a liberdade fornecendo critérios para limitar o poder estatal.

Conforme Humberto Ávila, a ideia de proporção no direito processual

está entre o “gravame criado por um ato do Poder Público e o fim por ele

perseguido”361.

Inicialmente, tem a função de “controlar a constitucionalidade dos

tipos penais e das penas penais”362. Além disso, por meio de uma subdivisão o

objetivo se volta à análise da adequação, da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito na norma, elementos indispensáveis para

357

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.23. 358

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1097. 359

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8.ed. Salvador:

Jus Podivm, 2013, p.74. 360

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.395. 361

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.163-164. O autor diferencia proporção de proporcionalidade. Essa apenas se aplica quando há a relação de causalidade entre dois elementos: o meio e o fim, ao passo de conduzir aos exames da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. 362

PULIDO, Carlos Bernal. O princípio da proporcionalidade da legislação penal. In: A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. (Coords.) SOUZA

NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.805.

Page 115: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

114

aplicá-lo. Os elementos referidos são denominados subprincípios ou conteúdos

parciais.

De qualquer forma, deve haver uma relação entre meio e fim, esse

fim consiste no resultado concreto almejado, portanto, deve ser determinado,

para então analisar se o meio é adequado para tanto. Há fins internos e

externos. Os internos se referem às pessoas ou situações e parte da avaliação

do que é relevante para firmar um tratamento, a pena deve corresponder à

culpa. Já os externos atendem às finalidades atribuídas ao Estado363, com

dimensão extrajurídica, a exemplo do fim social do processo penal.

A respeito dos elementos mencionados, tem-se que a adequação

“impõe duas exigências a todas as intervenções em direitos fundamentais: a) a

existência de um fim constitucionalmente legítimo; b) a adequação ou

idoneidade da medida (ou meio) para favorecer a obtenção desse fim”364.

No processo penal, a adequação demonstra que é devida a

aplicação de uma medida para o fim da persecução criminal, do contrário é

arbitrária e constitucionalmente ilegítima. Humberto Ávila entende que “a

medida será adequada se o julgado, no momento da decisão e depois que ela

for adotada, verificar que a medida promove o fim”365.

Já a necessidade se relaciona à intervenção mínima, ou seja, ao

meio que menos interfere no direito de liberdade no processo penal. Segundo

Carlos Bernal Pulido, “não deve existir nenhum outro meio alternativo que

revista pelo menos da mesma idoneidade para alcançar o objetivo proposto e

que seja mais benigno com o direito afetado”366.

Desta feita, “o meio necessário é aquele mais suave ou menos

gravoso relativamente aos direitos fundamentais colaterais, para a média dos

363

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.166. 364

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.137. 365

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.170. 366

PULIDO, Carlos Bernal. O princípio da proporcionalidade da legislação penal. In: A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. (Coords.) SOUZA

NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.824. “Trata-se, então, de uma comparação da medida adotada com os meios alternativos disponíveis, comparação na qual se analisa: 1. A idoneidade equivalente ou maior do meio alternativo, e 2. O menor grau em que este interfira no direito fundamental.”

Page 116: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

115

casos”367. Então, se há outros meios que promovem o fim perseguido e, além

disso, de forma mais satisfatória, são esses que devem ser utilizados.

No entanto, não é tão simples quanto parece encontrar a resposta

se a medida é necessária ou não no viés da proporcionalidade. Isto, porque,

podem ocorrer diferenças dos meios em grau, ou seja, um meio que restrinja

pouco o direito fundamental em questão, mas não promove o fim

satisfatoriamente ou, um meio que promova o fim conforme planejado, mas

causa muita restrição ao direito fundamental368.

A dificuldade está assentada na análise da suficiência de um meio

alternativo dos direitos igualmente eficaz às finalidades perseguidas pelo

legislador na aplicação do Direito.

Já o último elemento, a proporcionalidade em sentido estrito, “exige

a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da

restrição aos direitos fundamentais”369. Não é de fácil visualização essa tarefa,

a qual demanda de uma análise que não destoa da subjetividade. Parte-se do

questionamento a respeito da sobreposição das vantagens sobre as

desvantagens da medida, quer dizer, que deve haver proporcionalidade nas

vantagens do fim alcançado com as desvantagens da restrição dos direitos

para esta finalidade.

Será analisada a importância tanto da intervenção no direito

fundamental quanto do fim justificado, comparando qual delas tem maior

destaque nessa comparação. No processo penal, seguindo a linha de

raciocínio de Denilson Feitoza370, quanto mais se procura demonstrar a

ocorrência de um fato criminoso para galgar sucesso na persecução penal,

mais se excepciona os direitos fundamentais do investigado.

Utilizando-se desse ensinamento, afirma-se que quanto mais o

processo penal se distancia da sua essência de proteção e promoção aos

direitos fundamentais arraigados pelo Estado Democrático de Direito em prol

367

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.173. 368

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.175. 369

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.175. 370

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.139.

Page 117: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

116

de uma resposta clamorosa para a falta de segurança pública, a impunidade e

o aumento do índice de crimes, mais tumultuário torna o desenvolvimento do

processo penal democrático.

Devem também ser analisadas “a eficácia, a rapidez, a

probabilidade, o alcance e a duração com que uma intervenção no direito

fundamental contribua para a realização do fim da persecução criminal”371.

Nesse contexto, quanto mais o processo penal intervém no direito de

liberdade, com reflexo em diversos princípios de cunho processual e

constitucional, para justificar medidas voltadas a uma política criminal

repressora e contemporânea, maior deve ser o controle exercido nessa

atividade.

E esse é o papel do princípio da proporcionalidade, que não constitui

um direito da liberdade, “mas direito que protege a liberdade; uma garantia

fundamental, ou, antes de tudo, um princípio geral de direito”372.

3.4.2.10 Princípio da inadmissibilidade de utilização de provas ilícitas

As partes têm o direito à admissão de provas no processo penal a

fim de levar ao juiz o conhecimento dos fatos. Contudo, apesar desse direito ter

respaldo constitucional, não é absoluto, diante de outros valores também

protegidos constitucionalmente373. Por isso, existem limites probatórios

expressos na Constituição Federal, dispostos também no Código de Processo

Penal.

Dispõe o artigo 5°, LVI, da Constituição Federal: “são inadmissíveis,

no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Essa proibição se coaduna

com o resguardo de outros direitos fundamentais, tais como a inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra, da imagem (artigo 5º, X), inviolabilidade

do domicílio (artigo 5º, XI), inviolabilidade do sigilo das comunicações em geral

e de dados (artigo 5º, XII), proibição de tortura ou tratamento desumano ou

371

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a

“Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p.140. 372

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.401. 373

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p.91.

Page 118: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

117

degradante (artigo 5º, XLIX) e amparo ao preso em sua integridade física e

moral (artigo 5º, XLIX).

Desta forma, em regra, qualquer prova produzida violando essas

garantias constitucionais são ilícitas. A exceção vem da aceitação no Brasil do

princípio da proporcionalidade374 375, o qual exige que o juiz analise se outra

norma constitucional não se sobrepõe aquela violada. Para Antonio Scarance

Fernandes, “é ampla a aceitação de sua aplicação aos casos em que a prova

da inocência do réu depende de prova produzida com violação a uma garantia

constitucional”376.

Para Antonio Magalhães Gomes Filho377, no confronto entre o direito

à prova da inocência e à proibição de prova deve prevalecer aquele, porque o

Estado não pode ter interesse em punir um inocente, e deixar impune o

verdadeiro culpado. Além disso, ressalta que são raros os casos no Brasil em

que a defesa utiliza meios ilícitos para obter provas.

No mesmo sentido, para Luiz Francisco Torquato Avolio,

“contrariamente à admissibilidade das provas ilícitas encontra-se hoje a

doutrina dominante, temperada, por muitos autores, pela teoria da

proporcionalidade, especialmente no tocante à prova ilícita pro reo”378.

Aury Lopes Júnior adverte que o réu, nessa situação, estaria

acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de necessidade,

conforme o caso, o que afastaria a ilicitude da conduta e da própria prova379.

No Código de Processo Penal a matéria de prova ilícita é tratada no

artigo 157, onde consta a definição de provas ilícitas como aquelas obtidas em

violação às normas constitucionais ou legais. Sendo ilícita, a prova deve ser

desentranhada dos autos.

Também é disciplinada no §1º do artigo 157 a contaminação das

provas, denominada de prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore

374

SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p.273. 375

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.93. 376

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012, p.93. 377

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997,

p.106. 378

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3.ed. ampl. em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. São Paulo: RT,

2003, p.75. 379

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.412.

Page 119: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

118

envenenada), aquelas que foram descobertas em razão de uma prova ilícita.

Contudo, a lei (§1º do artigo 157 do Código de Processo Penal) traz exceções

quando não há nexo entre a prova ilícita e a derivada, quando a descoberta da

prova seria inevitável e no §2º quando a fonte for independente. Então, mesmo

com a regra da contaminação das provas, a proibição não é absoluta, visto que

são reconhecidas algumas exceções380.

3.5 A importância do processo penal e suas garantias

Após demonstrar que o sistema processual penal está ainda

passando por um processo para sua sólida democratização, impera abordar o

processo penal que zela por garantias como a consequência prática desse

percurso.

O processo penal, como instrumento de aplicação do direito material

e proteção dos direitos e garantias individuais do cidadão acusado, representa

com fidedigna percepção o desempenho do poder estatal na persecução penal.

Por meio do processo penal é possível vislumbrar se a política criminal firmada

pelo Estado vem atendendo às finalidades propostas381.

Longe de apenas impor a aplicação de uma sanção materializando o

direito penal, cabe ao direito processual penal trazer meios que justifiquem a

restrição de direitos fundamentais do processado. Isto quer dizer que, em todas

as fases processuais, as medidas aplicadas devem ter plausibilidade que as

380

Para Antonio Magalhães Gomes Filho, é impossível negar a contaminação da prova secundária pela ilicitude da primeira. Entende que de nada valeria as restrições à admissibilidade da prova, se as derivadas da ilicitude pudessem servir ao convencimento do juiz. (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p.110). 381

Interessante é que: “Desde a década passada vem crescendo o número de antropólogos, sociólogos e historiadores que se valem de processo penais, certamente na esteira de alguns estudos pioneiros (Corrêa, 1983; Chalhoub, 1986; Fausto, 1984; Mello e Souza, 1986). Não são poucas as razões que concorrem para a sedução dos autos. Duas merecem destaque. Por um lado, os autos deixam entrever, como nenhuma outra fonte documental, o modo concreto de funcionamento de uma agência de controle social encarregada de distribuir sanções penais e que, por isso mesmo, concentra poder. [...] Por outro lado, como sabiamente demonstrou Mariza Corrêa (1983), em circunstâncias específicas, os processos penais expressam um momento de tensão nodal das relações interpessoais – a supressão física de uma pessoa por outra põe a nu alguns pressupostos da existência social, permitindo visualizar a sociedade em seu funcionamento, o jogo pelo qual, no torvelinho de conflitos e tensões subjetivas, se materializa a ação de uns sobre outros em pontos críticos das articulações sociais, transformando o drama pessoal e social.” (ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson

Learning, 2005, p.319).

Page 120: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

119

enquadram no sistema processual penal lógico e, assim, sejam pertinentes e

necessárias.

O processo penal visa promover garantias, ou seja, proteger de

forma legítima o acusado, evitando que a busca incessante ou cega na

penalização se sobreponha a sua instrumentalidade democrática:

A Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.

382

Nesse passo, demonstrou-se que desde o estudo do próprio sistema

processual penal adotado, seu desenvolvimento, até a base principiológica, há

a necessidade de se quebrar o paradigma da irrestrita atividade punitivista, a

qual fomenta uma legislação que se contradita quando da aplicação prática.

O modelo acusatório irradia garantias no processo penal. A

dignidade da pessoa humana, o devido processo penal, o contraditório, a

ampla defesa, por exemplo, se interlaçam com outras – a publicidade, a

oralidade, a legalidade do processo e a motivação da decisão judicial – as

quais deveriam garantir um processo uniforme às partes e com finalidades

claras, precisas, sob pena de desfalecer-se no sistema jurídico: “tais garantias

são condições necessárias para que o debate transcorra com transparência e

igualdade de oportunidades, ou seja, no ambiente que se espera da estrutura

dialética do processo”383, defende Aury Lopes Júnior.

E se o direito penal deve ser a ultima ratio, o processo penal se

conduz na mesma linha, porém, exercendo o papel primordial de fazer valer as

garantias processuais constitucionais do cidadão, sujeito passivo na

persecução estatal penal.

O processo penal, então, é um instrumento que, na ultima ratio do

direito penal, possui como prima ratio a proteção dos direitos e garantias

individuais.

382

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.390. 383

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.115.

Page 121: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

120

Desta forma, segundo Aury Lopes Júnior, “a instrumentalidade do

processo penal é o fundamento de sua existência, mas com especial

característica: é um instrumento de proteção dos direitos e garantias

individuais”384. O processo penal, a partir do Estado Democrático de Direito,

passa, então, a ser concebido como um instrumento para conter o poder

punitivo e a pena385.

O processo penal com garantias vem ao encontro do sistema

processual penal democrático, refletindo em todas as fases, desde a

investigação criminal à execução da pena.

Por isso, questiona-se se o instituto da reincidência criminal vem

sendo aplicado de forma compatível com toda a instrumentalidade do processo

penal e alcançando a finalidade que a justifica dentro do sistema processual

penal.

Um instituto jurídico secular deve ser questionado e analisado sob a

perspectiva humanista do processo, resposta que somente pode ser alcançada

por meio do entendimento sobre a estrutura do sistema processual penal e do

caminho a ser percorrido.

Num momento de crise penal e processual penal, com dificuldades

de estabelecer uma posição firme no combate à criminalidade sem ofensa, ou

com a mínima restrição aos direitos e garantias fundamentais, há de se

questionar um instituto jurídico que causa tanta perplexidade pela forma

incisiva pela qual interfere na vida do processado.

O peso que carrega um reincidente pode colocar em dúvida se não

há necessidade de reajustes neste instituto. Se a regra da reincidência é

prevista e aplicada há tanto tempo, como se verá no próximo capítulo, seria

viável afirmar que sua finalidade deve ser clara e os resultados práticos já

verificados com exatidão.

O processo penal que observa as garantias constitucionais, portanto,

tem o condão de levar à reflexão se determinados institutos jurídicos devem ser

mantidos como estão frente a um modelo estatal democrático que implanta a

384

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.55. 385

PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa. A ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal. São Paulo: IBCCrim, 2006, p.126.

Page 122: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

121

proteção ao cidadão, ou se merece reparos a fim de se manter como

justificador de uma política criminal.

Considerando os argumentos levantados nesse capítulo é que será

abordada a reincidência criminal no Brasil e como ela vem sendo mantida para,

então, passarmos a questioná-la e a sugerir alterações no ordenamento

jurídico brasileiro nos próximos capítulos deste estudo.

Page 123: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

122

4 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO BRASIL E NO DIREITO

ESTRANGEIRO

O crime é um fenômeno social complexo que não se deixa vencer totalmente por armas exclusivamente jurídico-penais

386.

Considerando que o direito processual penal deve ser de garantias

dentro do sistema jurídico e, ainda, que o seu desenvolvimento depende da

análise de muitos institutos de forma minuciosa, há a necessidade do estudo

da reincidência criminal, a qual representa ora um instrumento contra o crime

ora o reflexo do fracasso no combate a esse.

Neste sentido, serão aqui abordados seus aspectos históricos e

legais, desde a sua inclusão no direito brasileiro, sua aplicação prática até a

decisão que entendeu ser a reincidência constitucional por diversos

argumentos.

4.1 Origem histórica: a impregnação cultural da reincidência na

legislação brasileira

A origem da reincidência no Brasil está arraigada a uma cultura

extremamente punitivista. Apesar de ter sofrido algumas mudanças no decorrer

da história da legislação brasileira, o seu caráter de censura incisiva esteve

sempre presente.

No direito pátrio, a reincidência surge desde o início do próprio

direito penal no período colonial, com a passagem das Ordenações Afonsinas,

vigentes em Portugal quando do descobrimento do Brasil, pelas Manuelinas até

as Filipinas387.

386

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.05 . 387

As Ordenações Afonsinas, na verdade, não chegaram a ter aplicação por ausência de uma organização estatal adequada, isto é, até 1521, quando de sua revogação, não havia nenhum núcleo colonizador no Brasil. As Manoelinas, publicadas em 1521 foram aplicadas de forma escassa até a substituição pelas Filipinas, publicadas em 1603 e revalidadas por D. João VI em 1604. No Livro V se encontrava a codificação penal do Reino que foi aplicada durante o Brasil colonial com toda rigidez. (TOLEDO Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.56). Para Zaffaroni e Pierangeli, as Ordenações Afonsinas exaltam importância em razão do seu pioneirismo e da época em que surgiram, sendo ponto de partida para a evolução do direito português. Representaram um marco fundamental na história do direito português. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 – parte geral. 6.ed. São Paulo: RT,

2004, p.174).

Page 124: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

123

As Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603, traziam no Livro V

um direito penal seletivo, medieval e que não distinguia o direito da moral e da

religião. Punia-se desde os hereges aos degredados e consideravam-se crimes

vários “pecados”. A reincidência trazia consequências ainda mais severas ao

criminoso, como a previsão no Título XXVIII – Dos barregueiros casados e de

suas barregãs, em que estabelecia que o homem casado que tivesse

barregã388 deveria ser degradado pela primeira vez por três anos para a África,

com a quarentena de prisão de seus bens, tirando a parte que pertencia à

esposa. Contudo, se reincidisse, a quarentena seria em dobro; e na terceira

vez em triplo do dobro389.

Em 1808, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, mesmo

com o caminho traçado para a emancipação política, a legislação penal em

nada foi modificada. Apenas com o retorno de D. João VI ao seu país, é que

algumas pequenas mudanças foram introduzidas pelo príncipe D. Pedro, como

o Decreto de 23.05.1821 sobre a prisão de criminosos.

Com a proclamação da independência, em 1823, o então imperador

D. Pedro I outorgou a Constituição em 23.03.1824, com ideias mais liberais, o

que influenciaria na elaboração do Código Criminal de 1830:

Muito embora o projeto não deixe de apresentar alguns pontos de conceituação kantiana quanto à pena, mesmo assim, ali já se sustentava que a pena deveria adequar-se à sensibilidade do ofendido, com o que se inspirava nas ideias de Jeremias Bentham, para quem a sexta regra da pena estava assim estabelecida: “A mesma pena não deve ser infligida para o mesmo delito a todos os delinquentes, sem exceção. É necessário considerarem-se as circunstâncias que influem sobre a sensibilidade”. Essa concepção foi acolhida pelo artigo 19: “Influirá também na agravação ou na

atenuação do crime a sensibilidade do ofendido” 390.

388

“Nas propriedades da Corte, o homem que possuísse uma “barregã”, quer dizer, uma concubina, seria degredado.” (PIERONI, Geraldo. A pena do degredo nas Ordenações do Reino. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11658-11658-1-PB.htm>. Acesso em: 1º dez. 2015). 389

Conforme texto das Ordenações Filipinas: “Ordenamos, que o homem casado, que tiver barregã teúda e manteúda, seja degradado pola primeira vez per trez anos para África, e da prisão pague a quarentena da valia de todos seus bens, tirando a parte que a sua mulher pertencer. E pola segunda vez, que fôr comprebendido no dito pecado com a dita barregã, ou com outra, haverá a dita pena de degredo, e pagará a quarentena em dobro. E pela terceira vez será degradado pelo dito modo, e pagará quarentena em tresdobro. E se a quarentena de cada vez, que fôr compreendido, não chegar a trez mil reis, sempre queremos que seja condenado em trez mil reis.” (BRASIL. Ordenações Filipinas on-line.

Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1179.htm>. Acesso em: 1º dez.2015). 390

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.187.

Page 125: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

124

Nesse primeiro Código já se inseriu a reincidência no artigo 16, §3º

prevendo que uma das circunstâncias agravantes era: “3º Ter o delinquente

reincidido em delicto da mesma natureza”391. E, ainda, no artigo 282 do

Capítulo II da Parte Quarta intitulado Sociedades Secretas com a previsão de

dobro da pena no caso de reincidência392.

O Código inaugurou o instituto da reincidência no direito penal

brasileiro, porém recebeu diversas críticas já que não definiu as modalidades

de aplicação, nem o que seria ‘delitos da mesma natureza’. Como o Código

Francês de 1810 já disciplinava a reincidência no artigo 56 de forma mais clara,

as críticas foram pontuais393. Conforme Foucault394, o Código Penal de 1810

indicava ao reincidente o máximo da pena, ou a pena imediatamente superior.

Com a proclamação da República colocando fim ao Império, vê-se a

necessidade de adaptar as legislações vigentes da época de acordo com as

exigências da burguesia urbana e da aristocracia. Desta forma, os novos

detentores do poder partem para substituir o Código do Império.

Cria-se, então, o Código Penal Republicano de 1890, encomendado

pelo Ministro Campos Sales ao Conselheiro Baptista Pereira, que o entregou

em prazo curtíssimo, pouco mais de três meses395.

Esse instrumento não teve boa recepção e foi duramente criticado

por se entender arcaico e defeituoso, o que gerou a elaboração de propostas

de reformas pouco tempo após entrar em vigor. Essa insatisfação dá-se ao fato

de o Código não corresponder à ideologia positivista e o momento vivenciado

391

Código Criminal do Império de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 2 dez. 2015. 392

“Artigo 282. A reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, sómente se julgará criminosa, quando fôr para fim, de que se exija segredo dos associados, e quando neste ultimo caso não se communicar em fórma legal ao Juiz de Paz do districto, em que se fizer a reunião. Penas – de prisão por cinco a quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa; e pelo dobro, em caso de reincidencia.” (Código Criminal do Império de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 2 dez. 2015). 393

CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante.

Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.43. 394

FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36.ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.96. Interessante observar que pela legislação de 1791, os reincidentes em quase todos os casos, eram passíveis de ter a pena dobrada e segundo a lei de Floreal ano X, deviam ser marcados com a letra R. 395

TOLEDO Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.60.

Page 126: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

125

pelas influências da escola criminológica italiana que rechaçava o liberalismo

presente do Código de 1890396.

A reincidência estava prevista nesse Código que representava um

instrumento de repressão e controle social. No artigo 39, §19, a reincidência

era considerada uma circunstância agravante. No artigo 40, o legislador

esclarece: “a reincidência verifica-se quando o criminoso, depois de passada

em julgado sentença condemnatoria, commette outro crime da mesma

natureza e como tal entende-se, para os effeitos da lei penal, o que consiste na

violação do mesmo artigo”. Trazia, assim, a reincidência específica nos moldes

transcritos, ou seja, quando houvesse o cometimento de outro crime inserido

no mesmo artigo do anterior397.

Na sequência histórica da legislação penal, foi aprovada a

Consolidação das Leis Penais pelo Decreto nº22.213, de 14 de dezembro de

1932, que não constituía um novo Código, porém, para Basileu Garcia, “passou

a ser o novo estatuto penal brasileiro: eram assim enfeixados em um só corpo

o Código de 1890 e as disposições extravagantes”398, ou seja, representou

uma transição para a grande reforma penal que se consolidaria no Estado

Novo com o Código Penal de 1940399.

A Consolidação referida conservou a redação do artigo 40 do Código

Penal Republicano, e no seu artigo 178 trouxe a previsão de que há

reincidência “sempre que o criminoso, depois de condenado por sentença

irrecorrível cometer crime eleitoral, embora não infrija a mesma disposição de

lei”, isto é, estabeleceu uma outra modalidade de reincidência, a genérica,

quando da violação de artigo diverso quando se tratasse de crime eleitoral400.

396

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.190. “Deste modo, para adequar as práticas penais às transformações sociais do período republicano, através das reformas possíveis mesmo sem a substituição do Código de 1890, um grupo significativo de juristas irá abraçar os ensinamentos criminológicos, principalmente aqueles divulgados pela escola criminológica de Lombroso, Ferri e Garofalo.” (ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luis Antonio F. A sociedade e a lei: o Código Penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira república. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down113.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015) 397

Código Penal Republicano de 1890. Disponível em: <legis.senado.gov.br/legislação>. Acesso em: 2 dez. 2015. 398

GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v.I. 5.ed. São Paulo: Max Limonad, 1980, p.126. 399

TOLEDO Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.62. 400

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.39.

Page 127: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

126

O Código Penal de 1940401, que recebeu influência determinante do

Código italiano de 1930 – Código de Rocco e do suíço de 1937, pode ser

definido como “um estatuto de caráter nitidamente repressivo, construído sobre

a crença da necessidade e suficiência da pena privativa de liberdade (pena de

prisão) para o controle do fenômeno crime”402. O projeto de Alcântara Machado

foi entregue ao governo em abril de 1940 e o código foi sancionado na vigência

da Carta Política de 1937, claramente autoritária. O Código de Processo Penal

(Decreto-lei nº3.689, de 03 de outubro de 1941) foi elaborado na mesma

época, e acompanhou as reformas posteriores.

Por conta disso, já naquela época, a insuficiência de

estabelecimentos penais necessários e adequados deu início à marginalização

de uma massa socioeconômica menos favorecida, cuja sobrevivência estava

na prática de novos delitos.

Evidencia-se a semeação de problema carcerário vivenciado até os

dias atuais, com nítidos índices de reincidência403. Desta forma, segundo

Francisco de Assis Toledo, já era vivenciada a superpopulação e a falta de

condições mínimas a um tratamento penal adequado, os quais “transformavam

o período de execução da pena em um verdadeiro estágio para o incremento

das tendências deliqüenciais”404.

Nesse contexto, o instituto da reincidência, pela primeira vez dividido

nas modalidades genérica e específica, está ancorado no ordenamento jurídico

brasileiro como um instituto que, logo no início da história do direito penal,

pouco apresentava os resultados práticos esperados.

401

“Seu texto corresponde a um “tecnicismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pela simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada. [...] O código de 1940 foi sancionado na vigência da Carta Política de 1937, esta claramente autoritária. Seu sistema de penas e medidas de segurança (que na prática constituem recursos formais para prolongar as penas indefinidamente) não era compatível com a Constituição de 1946.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 – parte geral. 6.ed. São Paulo: RT,

2004, p.192-193). 402

TOLEDO Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.64. 403

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 404

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.65.

Page 128: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

127

A reincidência estava prevista em diversos artigos, já revogados:

artigo 44, I, como circunstância que sempre agravava a pena; artigo 46 com a

explicação de que a reincidência era verificada quando o agente cometia novo

crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no

estrangeiro, o tivesse condenado por crime anterior; §1º, I e II, do artigo 46,

estava a definição de que a reincidência era genérica, quando os crimes

fossem de natureza diversa; e específica, quando os crimes são da mesma

natureza. Além disso, o §2º explicava o que era crime da mesma natureza405 e

o artigo 47 previa os efeitos da reincidência, aplicando pena mais rígida ao

reincidente específico406. Segundo Débora de Souza Almeida407, não houve

menção a um prazo prescricional para a reincidência, o que levou a um sistema

de perpetuidade. Da mesma forma, presumia-se que o reincidente em crime

doloso era perigoso, conforme artigo 78, IV, e por isso deveria ser segregado

por meio de medida de segurança, conforme previsão do artigo 76,

constituindo-se no sistema penal binário da época.

Como previa que apenas crimes geravam a reincidência, no ano

seguinte, com o Decreto-lei nº3.688 de 03.10.1941 (Lei de Contravenções

Penais), no artigo 7º, previu que também haveria a reincidência “quando o

agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que

o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no

Brasil, por motivo de contravenção”408.

Já em 1963, Nelson Hungria apresentou um novo projeto de Código

Penal, materializado pelo Decreto-lei nº1.004, de 21 de outubro de 1969, o qual

405

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº2.848 de 07.12.1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 2 dez. 2015. Crimes da mesma natureza. §2º Consideram-se crimes da mesma natureza os previstos no mesmo dispositivo

legal, bem como os que, embora previstos em dispositivos diversos, apresentam, pelos fatos que os constituem ou por seus motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns. Parágrafo único. Para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos. (Redação dada pela Lei nº6.416, de 1977). 406

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº2.848 de 07.12.1940 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 2 dez. 2015. Efeitos da reincidência especifica. Artigo 47. A reincidência específica importa: I – a aplicação da pena privativa de

liberdade acima da metade da soma do mínimo com o máximo; II – a aplicação da pena mais grave em qualidade, dentre as cominadas alternativamente, sem prejuízo do disposto no nºI. Artigo 47. Para efeito de reincidência, não se consideram os crimes militares ou puramente políticos. (Redação dada pela Lei nº6.416, de 1977). 407

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.40. 408

BRASIL. Lei de Contravenções Penais. Decreto-lei nº3.688, de 03.10.1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm> Acesso em: 2 dez. 2015.

Page 129: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

128

jamais entrou em vigor, devido ao trâmite bastante conturbado e alvo de

inúmeras críticas pela manutenção do conteúdo repressivo do Código de 1940.

O texto que deveria entrar em vigor em 01.08.1970 foi revisado e reformado

pela Lei nº6.016/73, teve a vigência prolongada e, pela Lei nº6.578/75 foi

derrogado. Foram quase dez anos de possível vigência409.

No entanto, o Código Penal de 1969 trazia importantes reformas e

complementações no instituto da reincidência. No artigo 57 conceituou

reincidência eliminando a diferença entre genérica e específica; no §1º acabou

com o sistema da perpetuidade ao prever o período de cinco anos da data do

cumprimento ou extinção da pena e do crime posterior410; e no §2º passou a

não considerar para efeito de reincidência os crimes puramente militares ou

políticos.

Já no artigo 64 e §§ distinguiu o criminoso habitual do criminoso por

tendência, regulamentando uma forma de punição mais gravosa. Considerou o

criminoso habitual aquele que,

reincidente pela segunda vez na prática de crime doloso da mesma natureza, punível com pena privativa de liberdade em período de tempo não superior a cinco anos, descontado o que se refere a cumprimento de pena (alínea ‘a’) – com a presença aqui da reincidência específica –, e aquele que embora não tivesse condenação anterior, cometesse sucessivamente, em período de tempo não superior a cinco anos, quatro ou mais crimes da mesma natureza, puníveis com pena privativa de liberdade, quando demonstrada, pelas suas condições de vida e pelas circunstâncias dos fatos apreciados em conjunto, acentuada inclinação para tais crimes (alínea ‘b’)

411.

O Código Penal de 1969 foi considerado natimorto e no percurso de

sua vacatio legis surgiu a Lei nº6.416/77 que incorporou várias alterações no

Código Penal de 1940. Consoante Francisco de Assis Toledo, as modificações,

ainda que bem vistas no meio jurídico, não passavam de uma providência

409

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.193. 410

“§1º Não se toma em conta, para o efeito de reincidência, a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e o crime posterior decorreu período de tempo superior a cinco anos.” (BRASIL. Código Penal de 1969. Decreto-lei nº1.004, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-1004-21-outubro-1969-351762-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em: 2 dez. 2015). 411

BRASIL. Código Penal de 1969. Decreto-lei nº1.004, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-1004-21-outubro-1969-351762-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em: 2 dez. 2015.

Page 130: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

129

urgente e de transição na busca por eficiência na execução penal em curto

prazo412.

Desta feita, sob a influência do Código Penal de 1969, inseriu a

prescrição da reincidência, passou a desconsiderar para efeitos de reincidência

os crimes militares ou puramente políticos; extinguiu a distinção entre

reincidência específica e genérica, revogando assim os §§1º e 2º do artigo 46

do Código Penal de 1940. Passou também a exigir tempo maior de

cumprimento de pena pelo reincidente para o livramento condicional e proibiu a

este a suspensão condicional da pena413.

Finalmente, a Lei nº7.209/84 reformulou a Parte Geral do Código de

1940, “humanizou as sanções penais e adotou penas alternativas à prisão”414,

modificando o instituto da reincidência. No mesmo ano foi promulgada a Lei

nº7.210/84 (Execução Penal), a qual fazia parte dos projetos e discussões dos

vários Congressos em torno da reforma penal.

Essas alterações refletiam a política criminal pensada na época.

Conforme Francisco de Assis Toledo, integrante das Comissões Revisoras dos

anteprojetos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de

Execução Penal, quando a sociedade se transforma também mudam as regras

de comportamento. Era um momento em que havia sido superada a ideia de

pena-compensação do mal pelo mal, eis que a pena justa era aquela

necessária415.

No que se refere à reincidência, a reforma trouxe algumas

novidades: para cessar os efeitos da reincidência o período de prova do sursis

ou do livramento condicional entrou na contagem (artigo 64, I); foi adotado o

sistema vicariante, excluindo a medida de segurança ao reincidente, ou seja,

imputável, rechaçando a periculosidade presumida do reincidente em crime

412

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.66. 413

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.43. 414

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.47. 415

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.70. “Assim dentro de um rol de penas previstas, se uma certa pena apresentar-se como apta aos fins de prevenção e da preparação do infrator para o retorno ao convívio pacífico na comunidade de homens livres, não estará justificada a aplicação de outra pena mais grave, que resulte em maiores ônus para o condenado”.

Page 131: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

130

doloso416; vedou-se a suspensão condicional da pena apenas aos reincidentes

em crimes dolosos.

Esse foi, sucintamente, o desenvolvimento histórico da legislação

penal sobre a reincidência hoje aplicada no Brasil. Surgiram também algumas

legislações específicas regulamentando a reincidência, conforme será

abordado mais adiante.

De todo o percurso traçado, conclui-se que o instituto da reincidência

se impregnou no ordenamento jurídico pátrio, nunca estando ausente das

legislações penais. Apesar de muito se discutir sobre a falácia do sistema

penitenciário, como aplicador da pena retribuição e não a necessária, pouco se

abordava sobre os reflexos práticos da reincidência, seja em âmbito penal ou

processual penal.

Agravava-se o fato de, por muito tempo, ter-se aplicado medida de

segurança ao reincidente, presumindo sua periculosidade e não aferindo sua

culpabilidade. Desta forma, os condenados que recebiam medida de segurança

já estavam condenados há mais de 30 anos de prisão, prazo mais que

suficiente para a prevenção e assistência. Outrossim, a maioria dos casos de

aplicação de medida de segurança era nos crimes de roubo, em que o

condenado dificilmente parava no primeiro crime, fato que ainda hoje perdura.

Assim, a concepção de reincidência construída no decorrer histórico

não se desvincula da legislação atual, a qual conserva implicitamente um

caráter meramente repreensor e inquisitorial que influencia num juízo de valor

subjetivo sem apresentar requisitos precisos para sua aplicação.

4.2 Conceito, natureza jurídica e espécies da reincidência

A palavra reincidência é composta do prefixo “re”, que significa “de

novo”, mais a palavra incidência (acontecimento). Significa, pois, ato ou

acontecimento de praticar outra vez novo ato.

416

“[...] a reforma penal brasileira, longe de retornar a fórmulas clássicas, dá um passo adiante, com solução coerente para o sério problema do agente imputável que já se tenha revelado um delinquente habitual ou por tendência, sem necessidade de recorrer-se à pena totalmente indeterminada ou à fórmula do duplo binário que, como se viu, não foi bem assimilada pela experiência brasileira.” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p.77).

Page 132: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

131

É oriunda do termo recidere, que significa ato ou efeito de reincidir,

obstinação, pertinácia ou teimosia segundo o dicionário da língua

portuguesa417.

De acordo com Maria Helena Diniz418, a reincidência no direito penal

é definida da seguinte forma: “Recidiva: prática de novo crime por aquele que

já foi anteriormente condenado, revelando sua periculosidade e determinando a

agravante.” Na mesma linha, para Suzane Cristina da Silva419, “reincidência é

uma espécie do gênero antecedentes criminais.” De forma bastante direta,

Damásio420 a conceitua como “em termos comuns, repetir a prática do crime.”

Já Rogério Greco421 afirma: “a reincidência é a prova do fracasso do Estado na

sua tarefa ressocializadora”.

Importante expor que, conforme Eugenio Raúl Zaffaroni422, é muito

difícil proporcionar um conceito satisfatório de reincidência em âmbito

internacional, por várias razões, tais como a centralização em torno da

discussão sobre a diferença entre reincidência genérica e específica, ficta ou

real, bem como a sistematização em alguns países de institutos próximos

(multirreincidência, habitualidade profissional e por tendência).

No Código Penal423 vigente é conceituada no artigo 63: “verifica-se a

reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em

julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por

crime anterior.”

Para Salo de Carvalho424, o Código Penal não define reincidência,

mas indica as condições pelas quais ela pode ser verificada.

Como natureza jurídica, pode ser definida como uma causa de

agravante de pena, ou seja, um dado que embora não faça parte da estrutura

417

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.62. 418

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.135. 419

SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades nº16, maio-ago., Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2014, p.59. 420

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.348. 421

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p.644. 422

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales: Montevideo, v.2, 1996,

p.119. 423

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.348. 424

CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista (Comentário de Jurisprudência). Revista de Estudo Criminais n.1, 2001, p.112.

Page 133: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

132

do crime é apontado como importante para aferir a maior culpabilidade do

agente425. Para Fernando Capez426, “natureza jurídica: trata-se de circunstância

agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal.” Sendo circunstância

subjetiva, não se comunica ao partícipe ou coautor.

Quanto às espécies de reincidência, a doutrina as distingue da

seguinte maneira:

a) reincidência genérica, absoluta, geral ou heterogênea: quando há

o cometimento de um delito, depois de ter sido o agente condenado e

submetido à pena por outro delito. Em outras palavras: “[...] ocorre quando os

crimes praticados pelo agente são previstos em dispositivos legais diversos,

configurando natureza distinta.” Essa é a posição adotada pelo Brasil427.

b) reincidência específica, especial ou homogênea: quando exige a

prática de um novo delito igual, ou da mesma categoria, daquele pelo qual

sofreu anterior condenação. É o “ato de o agente perpetrar novamente crime

da mesma natureza daquele pelo qual foi, anteriormente, condenado por

sentença transitada em julgado. Era designada também de reincidência

especial”428.

A dificuldade enfrentada pela doutrina estava exatamente em definir

o que significava essa especificidade, ‘crimes de igual natureza’, isto é, se

eram aqueles previstos no mesmo dispositivo legal ou que apresentavam

caracteres fundamentais comuns.

Com a Reforma da Parte Geral de 1984, o conceito de reincidência

específica havia sido abandonado. Antes da reforma, o artigo 47 do Código

Penal determinava a aplicação da pena acima da metade da soma do mínimo

com o máximo e, dentre as cominadas alternativamente, e a mais severa em

425

QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal – parte geral. v.1. 8.ed. Salvador:Jus Podivm, 2012, p.453.

“As circunstâncias agravantes são dados ou fatos acidentais, objetivos ou subjetivos, que, embora não façam parte da estrutura do crime, são importantes para a verificação da maior culpabilidade do agente; e diferentemente das atenuantes, o rol das agravantes é taxativo, motivo pelo qual o juiz não pode admitir outras que não constem da lei, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade da pena. Além disso, e à exceção da reincidência, todas são aplicáveis exclusivamente aos crimes dolosos, pois o que se castiga em última análise é atuação qualificada do agente em virtude das variáveis do caso concreto.” 426

CAPEZ, Fernando. Direito penal – parte geral. v.1. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.478. 427

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.70. 428

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.135.

Page 134: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

133

caso de penas cominadas alternativamente. Desta feita, os delitos da mesma

natureza eram aqueles previstos no mesmo tipo penal ou, ainda, em

dispositivos diversos, contudo, com elementos comuns. Pelo fato de o termo

específico ter conotação bastante ampla, gerou diversos significados429.

No entanto, a reincidência específica foi novamente introduzida no

ordenamento jurídico por outras legislações: I) Lei nº8.072/90 (Crimes

Hediondos430) é considerado reincidente específico aquele que pratica, nos

termos já explicados, outro crime previsto na lei referida; II) Lei

nº11.705/2008431 que alterou a redação do artigo 296 da Lei nº9.503/97

(Código de Trânsito Brasileiro); III) Lei nº9.714/98 que alterou o artigo 44 do

Código Penal passando a prever a reincidência específica ao proibir a

substituição da pena privativa de liberdade por uma alternativa em caso de

cometimento de mesmo crime432. Entretanto, nesse caso, reincidente

específico será o reincidente em crime previsto no mesmo tipo incriminador

(furto e furto, lesão corporal culposa e lesão corporal culposa, etc); IV) Lei

nº9.605/98433 (Lei dos Crimes Ambientais); V) Lei nº11.346/2006434 (Lei de

Drogas).

429

Interessante observar o seguinte questionamento: qual a mais grave – a genérica ou a específica? Os que defendiam a primeira entendiam que ela demonstrava a propensão para o crime em geral, ou seja, o sujeito com aptidão variada para delinquir. Outros entendiam que era a específica, pois os impulsos mais poderosos e a tendência criminosa estariam arraigados para um crime, seria uma vocação temperamental para a atividade criminosa. (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. v.1.2.ed. São Paulo: Saraiva,

1963, p.327). 430

BRASIL. Lei nº8.072 de 25.07.1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm>. Acesso em: 11 dez 2015. Acrescentou o inciso V no artigo 83 do Código Penal com a seguinte redação: “V – cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.” 431

BRASIL. Lei nº11.705 de 19.06.2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm>. Acesso em: 11 dez. 2015. Alterou a redação do artigo 296 do CTB “Artigo 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.” 432

BRASIL. Lei nº9.714 de 25.11.1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9714.htm>. Acesso em: 11 dez. 2015. Alterou o Código Penal - “Artigo 44. [...] §3

o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em

face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.” 433

BRASIL. Lei nº9.605 de 12.02.1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm>. Acesso em: 11 dez. 2015. “Artigo15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – reincidência nos crimes de natureza ambiental;” 434

BRASIL. Lei nº11.346 de 23.08.2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 11 dez. 2015. “Artigo 44. Os crimes previstos nos arts.33, caput e §1

o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade

provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes

Page 135: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

134

c) Reincidência ficta ou imprópria: quando há a prática de um delito

depois de ter sido condenado por outro. É, pois, a “perpetração de outro crime,

pelo agente, após o trânsito em julgado da sentença que o condenou por

prática de delito anterior”435. Nesse caso, “a denúncia, o processo, o

julgamento e a condenação não deixam também de ser advertência ao

criminoso, que revela pertinácia e menosprezo pela Justiça”436. É essa espécie

a vigente no sistema jurídico-penal brasileiro, também considerada a mais

rigorosa, pois basta a simples decisão condenatória definitiva, não se exigindo

o cumprimento da pena437.

d) reincidência real, própria ou verdadeira: consiste no cometimento

de um delito depois de ter sido condenado e “sofrido pena”, por um delito

anterior. Ocorre “[...] quando o réu delinque, após haver cumprido, no todo ou

em parte, pena por crime anterior”438.

e) reincidência facultativa e obrigatória: a primeira é aplicada de

acordo com o livre convencimento motivado do órgão julgador, e a segunda

sempre que os requisitos legais estiverem preenchidos439.

f) reincidência nacional: quando é cometido o novo delito após a

sentença penal condenatória transitada em julgado advinda de delito cometido

no território nacional brasileiro.

g) reincidência internacional: quando há sentença condenatória

transitada em julgado internacional e o sujeito comete crime posterior a essa.

previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.” 435

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.135. 436

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. v.1.2.ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p.326. “A opinião

mais generalizada contenta-se com a reincidência ficta, como fazem nosso estatuto e o italiano (artigo 99). Optou pelo outro critério o Código Penal suíço (artigo 67).” 437

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.69. 438

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. v.1.2.ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p.326. “Não há

dúvida de que, no primeiro caso, mais alarmante, em regra, é a personalidade do agente demonstrado de modo mais expressivo a inanidade da terapêutica penal.” 439

ASSIS, Cássio Chechi de. A solvabilidade constitucional do regime da reincidência criminal.

Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Out. 2014, p.44. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt>. Acesso em: 08 fev. 2016, p.26.

Page 136: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

135

Interessante observar que nem toda sentença estrangeira deve gerar a

reincidência, pois analisa-se se a conduta também é típica no Brasil, se houve

o devido processo legal e se o país da condenação admite a reincidência440.

Cumpre registar que quando da prática de contravenção penal:

Reincidência na contravenção penal – direito penal. Ato de o agente praticar uma nova contravenção penal após o trânsito em julgado da sentença que o condenou no Brasil ou no exterior por um crime, ou, no Brasil, por contravenção (Marcus Cláudio Acquaviva)

441.

A reincidência está conceituada no Código Penal e funciona como

uma agravante, com aplicação na segunda fase da dosimetria da pena. As

espécies de reincidência facilitam a compreensão quando da aplicação prática

desse instituto e a percepção de que há muito o desapontamento da função da

pena é refletido com a crescente reincidência. Visto que o sistema penitenciário

não condizia com sua finalidade, a reincidência foi se alterando a fim de

amenizar esse problema.

A exclusão da reincidência específica pela Lei nº6.416/77

demonstrou que o descontentamento e as dificuldades na execução penal já

haviam se incorporado no Brasil. Com o objetivo de resolver, a curto prazo, os

problemas no campo da execução, acreditou-se que a reforma amenizaria o

problema da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Contudo, sem o

alcance de uma solução definitiva no decorrer de vários anos, é novamente

reintroduzida no rigorismo penal.

Eis a importância de se analisar o instituto da reincidência no

ordenamento jurídico brasileiro. Ele reflete um problema que vem se agravando

a cada dia, sem uma resposta precisa nem solução. Além de diversos

desencontros legislativos falta demonstrar seus fundamentos e se realmente há

uma finalidade a ser cumprida.

440

“Não seria possível condenar como reincidente no Brasil uma pessoa condenada na Colômbia, porque a legislação deste país não admite a reincidência. Não seria possível condenar como reincidente uma pessoa anteriormente condenada em multa penal na Argentina, porque a legislação deste país exclui expressamente os delitos apenados com multa.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 – parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.720). 441

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.135.

Page 137: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

136

4.3 Aspectos gerais da reincidência

A reincidência é um instituto que possui diversas peculiaridades, as

quais são de suma importância ser tratadas para a compreensão como um

todo no direito penal e processual penal.

A seguir, serão abordados alguns aspectos da reincidência no que

tange a sua aplicabilidade prática.

4.3.1 Documento comprobatório da reincidência

Para aplicação dos efeitos da reincidência no processo criminal,

deve haver um documento comprobatório indubitável, já que “a corrente

tradicional exige certidão para a prova da reincidência”442. Entretanto, observa-

se na jurisprudência uma forte divergência sobre qual seria esse documento,

se certidão cartorária do trânsito em julgado da condenação anterior, folha de

antecedentes criminais ou outro documento hábil a atestar a reincidência e até

mesmo a mera confissão do réu.

Conforme esclarece André Estefam443, a reincidência deve estar

comprovada por documento idôneo “e este somente pode ser a certidão de

objeto e pé expedida pelo ofício criminal junto ao órgão judicial em que o

agente sofreu a condenação.” E destacar: “o Superior Tribunal de Justiça

admitiu como prova a certidão emitida pelo Instituto Nacional de Identificação

(INI), órgão da Polícia Federal, por considerá-la completa e fidedigna” (Resp.

275.971)444.

Esse documento importa na segurança em averiguar a reincidência

de forma convicta, pois constará a data da sentença condenatória, a data do

trânsito em julgado da decisão, e eventual extinção ou cumprimento da pena.

Não se trata de medida extrema, já que é acessível e cabe ao Estado se portar

dos meios transparentes para aplicar a pena.

Entretanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem

demonstrado um posicionamento diverso sobre qual deve ser o documento

442

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 11.ed. São Paulo: RT, 2011, p.180. 443

ESTEFAM, André. Direito penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010, p.371. 444

ESTEFAM, André. Direito penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010, p.371.

Page 138: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

137

comprobatório da reincidência, não havendo uma resposta unânime. O

Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº107.274, de relatoria do Min.

Ricardo Lewandowski, entendeu que basta a folha de antecedentes para

demonstrar a reincidência445 e no mesmo sentido o Superior Tribunal de

Justiça também se pronunciou, conforme se verifica no julgamento do HC

212.789 SP 2011/0159540-6, de relatoria do Min. Nefi Cordeiro, julgado em

07.10.2014446.

445

HABEAS CORPUS 107.274 MATO GROSSO DO SUL RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI PACTE.(S): MARCOS WILKER DE SANTANA IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MAUS ANTECEDENTES. NATUREZA ALTAMENTE NOCIVA DA DROGA APREENDIDA. REINCIDÊNCIA/MAUS ANTECEDENTES. COMPROVAÇÃO. CERTIDÃO. IDONEIDADE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. [...]. II – Não procede a alegação de que a inexistência de certidão cartorária atestando o trânsito em julgado de eventual condenação inviabilizaria o reconhecimento de maus antecedentes/reincidência e que a folha de antecedentes criminais não serviria para esse fim. Esta Corte já firmou entendimento no sentido da idoneidade do referido documento, que possui fé pública. Precedentes. III – Infração cometida em transporte público. Incidência da causa de aumento prevista no artigo 40, III, da Lei 11.343/2006. IV – Não caracteriza bis in idem a consideração da reincidência para fins de majoração da pena-base e como fundamento para a negativa de concessão da benesse prevista no artigo 33, §4º, da Lei Antidrogas. V– Para a concessão do benefício previsto no §4º do artigo 33 da Lei nº11.343/2006, é necessário que o réu seja primário, ostente bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. VI – Réu que apresenta maus antecedentes, condição que impede a aplicação da referida causa de diminuição. VII – Ordem denegada. (Supremo Tribunal Federal, DJe 25/04/2011) Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18800729/habeas-corpus-hc-107274-ms/inteiro-teor-104135278>, Acesso em: 08 dez de 2015. 446

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. REVISÃO DO CRITÉRIO DE DANOSIDADE. VIA INADEQUADA. REINCIDÊNCIA. CERTIDÃO CARTORÁRIA. NÃO OBRIGATORIEDADE. MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. MAUS ANTECEDENTES. NÃO APLICAÇÃO. TRÁFICO TRANSNACIONAL. TRANSPOSIÇÃO DE FRONTEIRAS. DESNECESSIDADE. 1 [...]. 3. O registro de condenação transitada em julgado em folha de antecedentes criminais é suficiente para a caracterização da reincidência, não sendo obrigatória a apresentação de certidão cartorária. [...].

(Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153371902/habeas-corpus-hc-212789-sp-2011-0159540-6. Acesso em: 08 dez. 2015).

Page 139: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

138

Diversos são os julgados no sentido de haver cautela na

averiguação da reincidência, exigindo-se certidão de trânsito em julgado,447 448

não a substituindo pelo mero extrato processual adquirido via consulta

processual eletrônica449, tampouco a confissão do réu 450.

447

PENAL. ROUBO SIMPLES. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CONFISSÃO DO RÉU. HARMONIA COM DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E DO POLICIAL. DOSIMETRIA DA PENA. REINCIDÊNCIA. CERTIDÕES QUE NÃO NOTICIAM CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. EXCLUSÃO. 1. Deve ser mantida a condenação no que tange ao delito de roubo quando a confissão do réu resta corroborada pelo depoimento da vítima e de policiais. 2. Exclui-se a agravante da reincidência se as certidões existentes nos autos não noticiam condenação transitada em julgado. Recurso conhecido e parcialmente provido. (BRASIL. TF-DF, Processo: APR 20140110424005,

Relator (a): CESAR LABOISSIERE LOYOLA, j.13-08-2015, 2ª Turma Criminal, Publicação: Publicado no DJE: 21/08/2015, p.118). Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/222821294/apelacao-criminal-apr-20140110424005>. Acesso em: 08

dez de 2015. PENAL. APELAÇÃO. ARTIGO 129, §9º, DO CÓDIGO PENAL C/C O ARTIGO 5º, INCISO III, DA LEI 11.340/2006. ABSOLVIÇÃO – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA – CERTIDÃO INIDÔNEA – CONDENAÇÃO POR FATO POSTERIOR E SEM TRÂNSITO EM JULGADO – AFASTAMENTO. SURSIS DA PENA – APLICAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Descabe a absolvição do acusado quando as declarações da vítima e da testemunha ocular são firmes e coesas quanto aos fatos narrados na inicial, corroboradas por outros elementos do conjunto probatório dos autos, máxime pelo laudo de lesões corporais. Decota-se a agravante da reincidência que foi reconhecida com espeque em certidão inidônea, a qual anota condenação por fato posterior ao ora em análise e sem comprovação de trânsito em julgado. Preenchidos os requisitos necessários, deve-se deferir o benefício da suspensão condicional da pena previsto no artigo 77 do Código Penal.

(BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Processo, APR 20110510120678 DF 0028560-88.2011.8.07.0003, Relator: ROMÃO C. OLIVEIRA, j.26.02.2015, 1ª Turma Criminal, Publicado em: 04.03.2015. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em: 8 dez.2015). 448

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. ARTIGO155, §4º, INCISOS IV

(CONCURSO DE AGENTES) DO CÓDIGO PENAL. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE. AVENTADA MÍNIMA LESÃO AO BEM JURÍDICO PATRIMONIAL. RAZÕES NÃO ACOLHIDAS. ACENTUADO DESVALOR DA CONDUTA EM RAZÃO DA AUTORIA COLETIVA. CRIME NA FORMA QUALIFICADA. DE OFÍCIO. CONDUTA SOCIAL ANALISADA DE FORMA EQUIVOCADA. SÚMULA 444 DO STJ. INEXISTÊNCIA DA AGRAVANTE REINCIDÊNCIA. CERTIDÃO QUE NÃO COMPROVA O TRÂNSITO EM JULGADO. [...].

"A reincidência, apesar de tratar-se de critério subjetivo, remete a critério objetivo e deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, já que não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudências ou a análises discricionárias. O criminoso reincidente apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser considerada materialmente típica." (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. HC 97772/RS. Rel (a). Cármen Lúcia. DJE. nº218. Publ. 19.11.2009). Apelação Crime nº830477-6 A existência de inquéritos e processos em andamento, sem prova do trânsito em julgado, não se presta para aquilatar a conduta social, bem como a personalidade do agente, ou mesmo, para elevar a pena-base, sob pena de violação ao princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, conforme orientação da Súmula nº444, do Superior Tribunal de Justiça. É necessária a certidão comprobatória do trânsito em julgado de decisão condenatória anterior à prática do delito em apuração para a configuração da agravante da reincidência. (BRASIL. Tribunal

de Justiça do Paraná. 8304776 PR 830477-6 (Acórdão) (TJ-PR), Rel. Jefferson Alberto Johnsson, j.12-04-2012, 3ª Câmara Criminal), Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2015. 449

APELAÇÃO PENAL ROUBO PENA-BASE EXASPERAÇÃO DESPROPORCIONAL REDUÇÃO CAVÍBEL – REINCIDÊNCIA AUSÊNCIA DE CERTIDÃO AFASTAMENTO REGIME PRISIONAL ABRANDAMENTO POSSÍVEL PARCIAL PROVIMENTO. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis inviabiliza a imposição da pena no mínimo legal, porém não autoriza a exasperação de maneira desproporcional, mais ainda quando afastadas vários dos elementos antes negativados. Malgrado os meios eletrônicos sejam aptos a complementar dados de certidão judicial falha, a substituição da mesma por extrato processual não é suficiente à comprovação da reincidência, mormente quando inexiste data de trânsito em julgado. A imposição do regime inicial de cumprimento

da pena deve observar as regras do artigo 33, §2º, b, do Código Penal, estabelecendo-se o semiaberto quando a pena estiver entre 04 (quatro) e 08 (oito) anos, o acusado não for reincidente, bem como militando em seu desfavor poucas circunstâncias judiciais. Apelação defensiva a que dá parcial provimento para o fim de diminuir a pena e fixar regime inicial semiaberto. (BRASIL. Tribunal de Justiça

Page 140: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

139

Quanto à reincidência estrangeira, não se exige nenhum requisito

especial nem sua homologação, apenas a prova de que houve o trânsito em

julgado, além das observações sobre a legislação do país condenatório, já

expostas nesta pesquisa.

4.3.2 Regras da aplicabilidade da reincidência

Para ser aplicada a reincidência deve haver uma sentença

condenatória, nacional ou estrangeira, transitada em julgada antes do

cometimento do novo crime.

Alguns critérios podem ser extraídos dessa regra. Inicialmente, como

o artigo 63 do Código Penal se refere à crime, a condenação anterior por

contravenção penal afasta a reincidência, mas pode gerar maus antecedentes.

“De conformidade com a lei contravencional, uma anterior condenação por

delito dá lugar à reincidência contravencional (artigo 7º da Lei de

Contravenções Penais), mas o inverso não”.451 Nessa linha, não se pode

considerar reincidente aquele que foi condenado definitivamente por

contravenção no exterior, por omissão de previsão para tanto.

Em relação à condenação por crime no exterior, a decisão não

precisa ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça para gerar a

reincidência, isto por que o artigo 9º do Código Penal não inclui essa hipótese

no rol dos incisos.

O delito anterior pode tanto ser culposo quanto doloso, punido ou

não com pena privativa de liberdade. Também não configura reincidência

do Mato Grosso do Sul, PL 00562953020128120001 MS 0056295-30.2012.8.12.0001, Rel. Des. Carlos Eduardo Contar, j.07-10-2013, 2ª Câmara Criminal, Publicação: 07.04.2014.) Disponível em: <http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em: 10 dez.2015. 450

“A prova de reincidência se faz com certidão cartorária de que conste a data do trânsito em julgado da condenação anterior, não bastando a tal desiderato a confissão do réu”. (TACRIM-SP-AC-Rel. Cunha Camargo – JUTACRIM 43/379); “A simples declaração do acusado de estar sendo processado não basta, é evidente, para o reconhecimento da reincidência, que exige prova inequívoca de haver a decisão anterior transitado em julgado” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso – Rev. – Rel. João Luiz Fonseca – RT 381/292). FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui; SILVA JÚNIOR, José; NINNO, Wilson; FELTRINI, Oscar; BETANHO, Luiz Carlos; GUASTINI, Vivente Celso da Rocha. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.1: parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 1997, p.1030; 1031).

451

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.719.

Page 141: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

140

quando a punibilidade do delito anterior for extinta por anistia, abolitio criminis,

ou morte do agente.

Não induz reincidência a sentença declaratória extintiva da

punibilidade de perdão judicial, conforme previsão do artigo 120 do Código

Penal452 e Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça453.

Não se computam para efeitos de reincidência, conforme previsão

do artigo 64, II, os delitos militares próprios, ou seja, “aqueles que só um militar

pode cometer, por sua própria condição”454 e os crimes políticos, não havendo

menção se todos ou apenas os próprios, por isso, entende-se que todos os

delitos políticos não geram os efeitos da reincidência455.

Conforme questiona Damásio, “qual a razão de não serem

considerados para efeito de reincidência os crimes militares próprios e os

políticos próprios e impróprios?”:

Ocorre que não têm a mesma natureza dos crimes comuns. No CP Militar são descritos como crimes fatos que, sob o ângulo do Direito Penal comum, constituem simples infrações administrativas ou disciplinares. Assim, “dormir em serviço” é crime militar próprio (CP Militar, artigo 203). Sob o aspecto do Direito Penal comum, o fato não passa de “sonolência administrativa”. Quanto aos delitos políticos, explicava Aníbal Bruno, há uma tendência no sentido de tratá-los com liberalidade, reconhecendo que têm “sentido diverso dos demais crimes” e demonstram “ausência daquele caráter individual e anti-social dos motivos”

456.

Os institutos despenalizadores da Lei nº9.099/95, quais sejam, a

transação penal, a suspensão condicional do processo e a transação penal não

geram a reincidência, “pois visam evitar a abertura de um processo ou a sua

continuidade”457.

452

Artigo 120. A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência. (Redação dada pela Lei nº7.209, de 11.7.1984). 453

BRASIL. Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça. “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.” Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ_asc.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2015. 454

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.721. 455

“Pelo fato de a lei penal não fazer distinção entre os crimes políticos próprios ou impróprios, as duas hipóteses encontram-se previstas no artigo 64, II do Código Penal. (GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p.571). 456

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.575. 457

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.76.

Page 142: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

141

No que tange à pena pecuniária, apesar de a lei não distinguir a

pena para caracterizar a reincidência, entende-se que a pena de multa não a

enseja, pois essa sequer é impeditiva de sursis. “Para ser considerado

reincidente o delinquente deve preencher os critérios técnico-jurídicos do

instituto”458, afirma Débora de Souza de Almeida.

Há reincidência quando o novo delito é cometido por reabilitado, isto

porque a reabilitação não extingue a condenação anterior, conforme o artigo 95

do Código Penal.

Em relação ao princípio da insignificância, discute-se se seria

possível aplicá-lo aos reincidentes. O princípio da insignificância exclui a

tipicidade material do delito, segunda vertente da tipicidade conglobante459,

com a finalidade de afastar da tutela do direito penal, de ultima ratio, bens

jurídicos inexpressivos, não havendo ofensa relevante para se valer da sanção

penal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos HC nº123.7324,

nº123.108 e nº123.533, a fim de uniformizar a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal sobre a matéria, firmou o entendimento de que a aplicação ou

não do princípio da insignificância deve ser analisada caso a caso pelo juiz de

primeira instância460, considerando os seguintes critérios: o reconhecimento da

mínima ofensividade, a inexistência de periculosidade social, o reduzidíssimo

grau de reprovabilidade e a inexpressividade da lesão jurídica provocada461.

Ainda que o réu seja reincidente, é possível aplicar o princípio da

insignificância, já que do contrário haveria o aumento no encarceramento de

condenados por crimes de menor potencial ofensivo.

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 101.998 (Rel. Min.

Toffoli, j.23-11-2010), entendeu que não incidia o princípio da insignificância ao

458

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.78. 459

“Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico.” (GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p.113). 460

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Aplicação do princípio da insignificância deve ser analisada caso a caso. 03 ago.2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 16 nov.2015. Destaca-se ainda: “O Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja o princípio constitucional da individualização da pena”. 461

Supremo Tribunal Federal. Plenário inicia julgamento sobre aplicação do princípio da insignificância. 10 dez.2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal>. Acesso em: 16 nov.2015.

Page 143: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

142

caso porque o agente seria reincidente específico em crimes contra o

patrimônio e o caso envolvia furto de barras de chocolate (nove barras do

chocolate Diamante Negro avaliadas em R$ 45)462.

Por fim, a reincidência penal não pode ser considerada circunstância

agravante e, simultaneamente, circunstância judicial463.

4.3.3 Período depurador

Com a Lei nº6.416/77 o Código Penal adotou o sistema da

temporalidade, abandonando o da perpetuidade, e fixou o prazo de 5 anos para

depurar a reincidência. Conforme prevê o artigo 64, I, não prevalece a

condenação anterior, se decorreu mais de 5 anos entre a data do cumprimento

ou extinção da pena e a data da infração posterior, computando-se o período

de prova da suspensão ou livramento condicional, se não houver revogação.

Denominado de período depurador, o prazo legal fixado visa eliminar

a perpetuidade da reincidência, portanto, da pena, estigmatizadora na vida do

condenado e, ainda, proibida pela Constituição Federal no artigo 5º, XLVII,

‘b’464.

462

A esse respeito interessa destacar as lições de Lenio Streck: “Aqui, novamente temos de lembrar a questão fulcral: igualdade, isonomia e aplicação por integridade e coerência. De um lado, R$ 10 mil para descaminho; de outro, R$10 negado para furto (ou outros valores para furtos que não tratem de reincidência). Também os pequenos crimes cometidos contra o meio-ambiente são vistos com mais simpatia por setores do Poder Judiciário, como, por exemplo, a absolvição de pessoas que pescaram um peixe dourado (sete quilos) recentemente. Registre-se, desde logo, a correção da decisão da 3ªTurma do TRF 1ªRegião. O difícil é entender a movimentação de toda a máquina pelo Ministério Público Federal para ver condenados 3 patuléus que, de caniço e samburá, foram pescar alguns peixes. Interessante: naquele Habeas Corpus do caso Valério acima relatado, o parecer do MPF foi a favor da aplicação do favor legis da lei da sonegação, mesmo contra legis, porque já transitada em julgado a condenação do contador do mensalão. Dois pesos, duas medidas [...]. Sigo. Fui o primeiro a aplicar isonomicamente a lei da sonegação de tributos e o furto sem prejuízo. Fui também o primeiro a aplicar o favor legis da lei da sonegação para o estelionato: ESTELIONATO. ÔNUS DA PROVA. No estelionato, mesmo que básico, o pagamento do dano, antes do oferecimento da denúncia, inibe a ação penal. O órgão acusador deve tomar todas as providências possíveis para espancar as dúvidas que explodam no debate judicial, sob pena de não vingar condenação (Magistério de Afrânio Silva Jardim). Lição de Lenio Luiz Streck: os benefícios concedidos pela Lei Penal aos delinquentes tributários (Lei 9.249/95, artigo 34) alcançam os delitos patrimoniais em que não ocorra prejuízo nem violência, tudo em atenção ao princípio da isonomia. Recurso provido para absolver o apelante. (BRASIL. TARS. 2ª Câmara Criminal. Apelação criminal nº297.019.937. Rel. Amilton Bueno de Carvalho. j.25-09-1997). (STRECK, Lenio. Senso incomum. Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência. Conjur. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 15 nov. 2015). 463

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 241. 464

“Alega-se em favor do sistema da temporariedade que o longo período entre o primeiro fato e sua repetição obsta que se entenda persistente o vínculo criminológico capaz de ligar os dois crimes, com o acréscimo da reprovabilidade sobre o sujeito e, portanto, de sua culpabilidade. Os dois fatos surgem isolados no tempo, sem que a prática de ambos possa fundamentar a conclusão de que neles se exprime aquele querer antijurídico obstinado que justifica o tratamento particular do reincidente.” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p.570).

Page 144: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

143

Contudo, nesse aspecto, não há um consenso sobre a influência ou

não da reincidência já purificada na dosimetria da pena. Há divergência

jurisprudencial.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgamentos, entendeu

que as condenações anteriores transitadas em julgado e já depuradas, quando

da reincidência, podem ser utilizadas como maus antecedentes, permitindo a

exasperação da pena-base acima do mínimo legal465. Como se vê:

Muito embora o artigo 64 do CP tenha eliminado o estado perpétuo da reincidência (que havia sido abarcado pela redação originária de 1940), esta eterna estigmatização ainda permanece na figura dos maus antecedentes. No que tange às suas consequências, esta seria, aparentemente, menos gravosa ao acusado comparativamente à reincidência, não fosse sua infindável condição

466.

465

PENAL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CONDENAÇÃO ANTERIOR. DECURSO DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 64, I, DO CÓDIGO PENAL. MAUS ANTECEDENTES. CONFIGURAÇÃO. 1. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo depurador de 5 anos do artigo 64, I, do Código Penal, embora afastem os efeitos da reincidência, não impedem a configuração de maus antecedentes, permitindo a exasperação da pena-base acima do mínimo legal. 2. Não tendo a

confissão sido considerada na formação da convicção da autoria e materialidade do delito, não caracteriza violação do artigo 65, III, "d", do Código Penal a negativa de atenuação da pena.3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1500382/SP, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, j.25-08-2015, DJe 11/09/2015)

Disponível em: <https://ww2.stj.jus>. Acesso em: 8

dez.2015). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO E EXTORSÃO. ANÁLISE DAS PROVAS DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. PENAL. DOSIMETRIA. CONDENAÇÃO ANTERIOR COM TRÂNSITO EM JULGADO. MAIS DE CINCO ANOS. PERÍODO DEPURATIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE REINCIDÊNCIA. UTILIZAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. ROUBO E EXTORSÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A revaloração dos elementos probatórios constantes da denúncia, sentença e do acórdão recorridos, não implicam revolvimento das provas dos autos, sendo admissível na via do especial para fins de fixação da interpretação da legislação federal. Precedentes. 2. "Segundo entendimento desta Corte, o período depurador de cinco anos afasta a reincidência, mas não retira os maus antecedentes" (HC

281.051/MS, minha relatoria, SEXTA TURMA, DJe 28/11/2013). Súm. 83/STJ. 3. Conforme entendimento desta Corte, não há continuidade delitiva. entre os delitos de roubo e extorsão, porque de espécies diferentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1531323/SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2015/0112426-5, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA, Data do Julgamento 16/06/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 25/06/2015) Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 8 dez. 2015. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO. PENA EXTINTA. PERÍODO DEPURADOR. MAUS ANTECEDENTES. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. RÉU REINCIDENTE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. ARTIGO 44, II E III, DO CP. AGRAVO IMPROVIDO. 1. As condenações atingidas pelo período depurador de 5 anos, previsto no artigo 64, I, do Código Penal, afastam os efeitos da reincidência, mas não impedem o reconhecimento dos maus antecedentes. 2. Não se substitui a pena privativa de liberdade por pena

restritiva de direitos, quando o réu for reincidente em crime doloso ou desfavoráveis as vetoriais do artigo 59 do Código Penal, a indicar que não se mostre suficiente para a repressão do delito. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1229970/SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0218753-8, Rel. Min. NEFI CORDEIRO (1159), Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA, j.19-11-2015, Data da Publicação/Fonte DJe 03/12/2015) Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 8 dez. 2015. 466

SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades nº16, maio-ago., Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2014, p.59.

Page 145: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

144

Já o Supremo Tribunal Federal decidiu de forma diferente, ou seja,

que a condenação anterior ao período depurador do artigo 64, I, do Código

Penal não pode ser utilizada seja para fins de reincidência, seja a título de

maus antecedentes467. Essa questão foi considerada de Repercussão Geral no

RE 593818/SC, em 2602.2009, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, o qual

467

Ementa: Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não

aplicação da causa de diminuição do §4º do artigo 33, da Lei nº11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo artigo 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, artigo 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida. "As condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não poderão ser caracterizadas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena, conforme previsão do artigo

64, I, do CP “Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”. Esse é o entendimento da Segunda Turma, que, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” para restabelecer a decisão do tribunal de justiça que afastara os maus antecedentes, considerada condenação anterior ao período depurador (CP, artigo 64, I), para efeito de dosimetria da pena — v. Informativo 778. A Turma afirmou que o período depurador de cinco anos teria a aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não poderia mais influenciar no “quantum” de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos. Observou que seria assente que a “ratio legis”

consistiria em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, já que houvera o devido cumprimento de sua punição, de modo que seria inadmissível atribuir à condenação o “status” de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena. A Constituição vedaria expressamente, na alínea b do inciso XLVII do artigo 5º, as penas de caráter perpétuo. Esse dispositivo suscitaria questão acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita. Nessa perspectiva, por meio de cotejo das regras basilares de hermenêutica, constatar-se-ia que, se o objetivo primordial fosse o de se afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão dever-se-ia aplicar esse raciocínio aos maus antecedentes. Ademais, o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontraria previsão na legislação pátria, tampouco na Constituição, mas se trataria de uma analogia “in malam partem”, método de integração vedado em nosso ordenamento. Por fim, determinou ao tribunal de origem que procedesse à nova fixação de regime prisional, sem considerar a gravidade abstrata do delito, nos termos do artigo 33, §§2º e 3º, do CP. Vencidos os Ministros Teori Zavascki e Cármen Lúcia, que concediam parcialmente a ordem, apenas quanto à fixação do regime prisional. HC 126315/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.9.2015. (HC-126315)". (Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 8 dez. 2015). HABEAS CORPUS 119.200 PARANÁ RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI PACTE.(S): PEDRO LEMES IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES): RELATOR DO RESP Nº1376390 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – EMENTA: Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal em decorrência de maus antecedentes. Condenações extintas há mais de cinco anos. Pretensão à aplicação do disposto no inciso I do artigo 64 do Código Penal. Admissibilidade. Precedente. Writ extinto. Ordem concedida de ofício. 1. Impetração dirigida contra decisão singular não submetida ao crivo do colegiado competente por intermédio de agravo regimental, o que configura o não exaurimento da instância antecedente, impossibilitando o conhecimento do writ. Precedentes. 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no artigo 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. Writ extinto. Ordem concedida de ofício. (Julgado em: 11/02/2014, PRIMEIRA TURMA, Rel. Dias Tófolli). Disponível em: file:///C:/Users/Prof.%20Lisandra/Downloads/texto_205501002%20(1).pdf. Acesso em: 8 dez. 2015).

Page 146: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

145

foi substituído pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em 26.06.2013. Até o

momento não há pronunciamento definitivo sobre a questão468.

Apesar do entendimento de que, para atender ao princípio da

individualização da pena, devem ser consideradas condenações passadas,

ainda que depois do período depurador, em obediência ao princípio da

individualização da pena, observa-se que se assim for, a perpetuidade

estigmatizadora tanto rebatida continuará presente no ordenamento jurídico, de

nada valendo todo o esforço da reconstrução da reincidência criminal.

Tal medida seria uma ofensa à disseminada ressocialização da pena

ao deixar sempre uma marca na vida do sujeito, que já se submeteu ao poder

punitivo estatal, com a promessa, ao menos normativamente, de ser reinserido

ao convívio social. Se a própria Constituição Federal proíbe a pena perpétua,

atentando-se ao caráter humanitário e reintegrador que a reprimenda deve ter,

não há qualquer lógica sistemática a consideração ad eternum da reincidência

transformando-a em maus antecedentes, verdadeira analogia in malam partem.

4.4 Finalidade da reincidência a partir das teorias das penas

A origem da reincidência no Brasil está arraigada a uma cultura

extremamente punitivista e remete-se à finalidade da própria pena no

ordenamento jurídico. De acordo com a finalidade da pena tem-se também a

da reincidência, já que esse instituto tem por escopo inicial agravar a pena.

Dessa forma, não é demais analisar a finalidade da reincidência de

acordo com as principais teorias das penas, as quais desvendam como a pena

pode ser considerada e o porquê de sua existência.

Da mesma forma que a pena deve ser estudada e aplicada se

distanciando da vingança e do castigo para de fato atingir a prevenção e a

ressocialização, a reincidência, como um elemento desta, compõe uma política

468

EMENTA: MATÉRIA PENAL. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. MAUS ANTECEDENTES. SENTENÇA CONDENATÓRIA EXTINTA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE. MANIFESTAÇÃO PELO RECONHECIMENTO DO REQUISITO DE REPERCUSSÃO GERAL PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (BRASIL. RE 593818 RG/SC SANTA CATARINA, REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j.26-02-2009, Publicação DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009. EMENT VOL-02355-06 PP-01118. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 8 dez. 2015).

Page 147: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

146

criminal que deve responder aos anseios sociais com uma finalidade

conceptiva, não podendo ser um mero instrumento inócuo no sistema penal.

A história da pena é redundante no sentido desta sempre ter um

caráter vingativo, ora bem transparecido como no tempo primitivo com a

vingança por sangue, ora com a institucionalização da vingança por um poder

central como na Antiguidade e a suposta evolução na Idade Medieval, em que

eram oferecidas ao condenado oportunidades de meditar e de se arrepender.

Sem a pretensão de percorrer todo o processo histórico da pena, já

que esse não é aqui o objetivo, o que importa é que a reincidência pode conter

fundamentos distintos a depender da teoria que justifica a existência da pena.

Partindo da época moderna (séculos XV e XVIII), quando ocorreram

diversas transformações na estrutura da sociedade europeia ocidental, com a

transição do feudalismo para o capitalismo, a pena estava no contexto do

absolutismo, em que o poder era derivado de Deus e o monarca não devia

prestar contas a qualquer pessoa469.

Como o conceito de pena está diretamente ligado ao de Estado, a

pena nessa época transparecia o modelo estatal absolutista que se

caracterizava pela “identidade entre o soberano e o Estado, a unidade entre a

moral e o direito, entre o Estado e a religião, além da metafísica afirmação de

que o poder do soberano lhe era concedido diretamente por Deus”470.

Por conta disso, quando havia um crime, a punição era severa como

forma de intimidar as demais pessoas para que cumprissem as ordens do rei.

O criminoso, além de ofender a vítima, também atingia o soberano, por isso

tornava-se inimigo do sistema estabelecido. Vê-se que intuito vingativo, e dessa

vez público, estava presente na aplicação da pena471.

O rei se vingava do inimigo, mas a sociedade também se satisfazia

com o sentimento de punição legalizada, com a forte justificativa religiosa. A

469

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.73. 470

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.82. 471

“Daí a gravidade dos suplícios em nome da vingança pública, bem retratada, no Brasil, nas sanções previstas no Livro V das Ordenações Filipinas, que vigoravam até 1830, embora na Constituição Imperial de 1824 já tivessem incluídos vários princípios de direitos fundamentais, consagrados na Declaração Francesa de 1789. (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2008, p.73).

Page 148: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

147

pena era, então, considerada para a teoria absoluta uma retribuição pelo mal

causado e por assim ser era justa.

Conforme os ensinamentos de Ferrajoli472, “as doutrinas absolutas

ou retributivas fundam-se todas na expressão de que é justo “transformar mal

em mal””. A pena possuía um fim em si mesmo com o escopo de alcançar a

justiça devido ao mal causado.

Immanuel Kant473 e Georg Wilhelm Friedrich Hegel474 foram os

principais precursores das teorias absolutas. Para Kant, a pena deveria ser

aplicada pelo simples fato de o delinquente ter cometido um crime, não haveria

qualquer outra utilidade, pois o homem não poderia servir como instrumento.

Nas palavras de Kant475: “O homem, e, duma maneira geral, todo o ser

racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário

desta ou daquela vontade.” Seria eticamente proibido castigar o delinquente em

supostas razões de utilidade social, pois o homem não pode ser

instrumentalizado, é, pois, um fim em si mesmo476.

Nesse sentido, destacamos Falcón y Tella:

Na conhecida contribuição kantiana, a pena é retribuição justa desprovida de todo fim (poena absoluta ab effect) e representa a imposição de um mal como compensação da infração jurídica culpavelmente cometida (malum passionis propter malum actionis). Isto é, o conteúdo da pena é o talião (“se matou, deve morrer”) e a função da pena é a realização da justiça

477.

Já para Hegel a fundamentação não seria ética, mas de ordem

jurídica, ou seja, a pena deve ser imposta para reafirmar o Direito, já que esse

foi negado pelo delinquente. Nessa concepção, a pena seria a melhor forma de

recuperar a ordem jurídica atingida pelo delito, ou seja, uma verdadeira

reconciliação para alcançar a própria validade da norma. Conforme Hegel:

472

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer e

outros. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.236. 473

KANT, Immanuel. A fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

EDIÇÕES 70, LDA, set.2007. 474

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Norberto de Paula

Lima. Adaptações e notas Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997. 475

KANT, Immanuel. A fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

EDIÇÕES 70, LDA, set.2007, p.68. 476

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.85. 477

FALCÓN Y TELLA, Maria José; FALCÓN Y TELLA, Fernando. Fundamento e finalidade da sanção:

existe um direito de castigar. Tradução Claudia de Miranda Avena; revisão de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2008, p.192.

Page 149: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

148

Do ponto de vista objetivo, há reconciliação mediante a supressão do crime e nela a lei se restabelece a si mesma e realiza a sua própria validade. Do ponto de vista subjetivo, que é o do criminoso, há reconciliação com a lei que é por ele conhecida e que também é válida para ele, para protegê-lo. Na aplicação da lei, sujeita-se ele, por conseguinte, à satisfação da justiça; sujeita-se, portanto, a uma ação que é sua

478.

Observa-se que “a superação do delito (aufheben des Verbrechens)

é o restabelecimento, a restituição do direito. Isto se consegue por meio da

pena, como síntese no referido processo dialético”479. De acordo com Oswaldo

Henrique Duek Marques480, para Hegel: “[...] o crime é a negação do direito,

enquanto a pena, como negação do crime, reafirma o direito.” E, ainda: “A pena

é, assim, a negação da negação caracterizada pelo crime, com o objetivo de

reafirmar o direito e atualizar a justiça”.

No entanto, Kant e Hegel sofrem críticas, destacando-se as de

Ferrajoli481, o qual entende que as teorias por eles apresentadas são

insustentáveis, pois há uma confusão entre direito e natureza, como uma

tentativa de fazer valer crenças mágicas. Destaca-se também a crítica

elaborada por Claus Roxin482, o qual entende que é necessária uma

fundamentação para se afirmar que a pena deve ser aplicada; devem existir

limites na faculdade estatal de aplicar sanção. Ademais, não se entende como

é possível eliminar um mal com outro, por isso as teorias por eles delineadas

são teorias de expiação, já que não fixam os pressupostos da punibilidade.

Oswaldo Henrique Duek Marques483 entende que a concepção retributiva da

pena pode levar à falta de limites na quantidade e na qualidade da pena e que

essa, na verdade, deveria ter sim uma “[...] finalidade construtiva e não

encontrar um fim em si mesma”484.

478

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Norberto de Paula

Lima. Adaptações e notas Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, p.190. 479

FALCÓN Y TELLA, Maria José; FALCÓN Y TELLA, Fernando. Fundamento e finalidade da sanção:

existe um direito de castigar. Tradução Claudia de Miranda Avena; revisão de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2008, p.197. 480

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.98-99. 481

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer e

outros. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.237. 482

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Lisboa: Vega, 2004, p.17-20. 483

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.98-99. 484

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.101.

Page 150: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

149

Outros autores também representam o desenvolvimento da teoria

retribucionista, como Francesco Carrara485, defensor da ideia de que a pena

retribui o mal causado e restabelece a ordem externa social violada pelo mal do

delito que gera insegurança à sociedade. De acordo com Oswaldo Henrique

Duek Marques486, “a pena, para Carrara, é consequência do desejo de reação

ante a violação do direito. Não se destina a promover a emenda do condenado,

mas a desempenhar seu papel de tutela jurídica”.

Considerando as ideias das teorias absolutas, a reincidência seria

um instituto tendente a retribuir o mal do delito com o mal da pena, porém

agravada ou, ainda, um instituto para restaurar a ordem social. Entender-se-ia

que o mal causado pelo reincidente fora maior, portanto, o mal da pena deve

ser agravado, a fim de que o direito fosse revalidado e a segurança social

preservada. Pensar dessa forma, contudo, retira qualquer utilidade desse

instituto, sonegando-se a função social da pena. Desta forma, entende-se

rechaçável o argumento de que a reincidência tem um caráter retributivo.

Na sequência, podem ser relacionadas as teorias relativas ou

preventivas, as quais pregam que a utilidade da pena seria evitar a ocorrência

de fatos delitivos futuros, evitando-se a reincidência para preservar a

convivência social. De acordo com Cezar Roberto Bitencourt487, “a função

preventiva da pena divide-se – a partir de Feuerbach – em duas direções bem

definidas: prevenção geral e prevenção especial.” Conforme Massimo Pavarini

e André Giamberardino488, “enquanto nas hipóteses de prevenção geral se

persegue o fim de impedir a coletividade de delinquir, na prevenção especial se

quer evitar a reincidência de quem violou as leis.”

485

CARRARA, Franceso. Programa do curso de direito criminal: parte geral. Tradução. Jose Luiz V. de

A. Franceschini, J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 211-212. 486

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.102. 487

Cezar Roberto Bitencourt se refere à Paul Anselm Feuerbach, penalista alemão do século XIX, destacando a obra Lehrbuch des peinlicem rechts, 11.ed., 1832, citada por Mir Puig em Introducción a las bases del Derecho Penal. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral.

v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.89). Conforme Bitencourt, as ideias prevencionistas surgem na transição do Estado absoluto ao Estado liberal e têm como principais defensores Jeremias Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e Feuerbach. Este último formulou a “teoria da coação psicológica”, a qual contribuiu para que fossem formadas as primeiras concepções jurídico-científicas da prevenção geral, explicando a função do direito penal, ou seja, a ameaça pela pena aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos (p.122). 488

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.146.

Page 151: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

150

Na linha da teoria da prevenção geral, a única finalidade da pena

seria prevenir a prática de delitos, isto é, intimidar a sociedade, sob a ameaça

da lei. A pena seria uma motivação para não cometer delitos489.

Conforme Francisco Muñoz Conde e Winfried Hassemer, para essa

teoria:

o delito futuro não só se pode esperar de quem já o tenha cometido alguma vez e que deve, por isso, ser ressocializado ou inocuizado para evitar que volte a cometê-lo, mas também dos demais, sobre os quais deve incidir, para evitar que cheguem a cometê-lo (prevenção geral)

490.

Por essa concepção, contudo, há lacunas na justificativa sobre o fim

da pena. De modo geral, pois são diversos os problemas491 apontados em

torno dessa teoria. Não é considerado o aspecto psicológico do delinquente, ou

seja, que o criminoso pode entender ser capaz de praticar um crime sem ser

descoberto. Além disso, desconsidera que nem todos os homens são

influenciados pela ameaça da pena e, ainda, que as penas, por essa ideia,

podem ser altamente elevadas para chegar à finalidade de prevenção,

superando a medida da culpabilidade do autor do delito492, como por exemplo,

dos traficantes de drogas, dos terroristas, dos que poluem o meio ambiente493

e, acresce-se, dos reincidentes.

Desta forma, a teoria da prevenção geral da pena deve ser

rechaçada pelo fato de menosprezar a pessoa, mecanizar a pena, não

considerar a racionalidade do homem e, sobretudo, não demonstrar qualquer

utilidade do direito penal no contexto social.

489

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.123. 490

CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Tradução,

apresentação e notas de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.234-235. 491

Outros problemas apontados da teoria preventiva geral por Conde e Hassemer são: problemas empíricos, ou seja: nem todos os destinatários das normas penais conhecem seus mandamentos e proibições, não é possível demonstrar em todos os casos o porquê se comete ou não um delito, pois são de origens diversas (personalidade do agente, oportunidade de cometer o crime) e; ainda, essa teoria não possui critérios para elencar os meios de prevenção, isto é, se todos seriam válidos, até aqueles incompatíveis com os direitos fundamentais. (CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Tradução, apresentação e notas de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.239-245). 492

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.126. 493

Os exemplos são de CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia.

Tradução, apresentação e notas de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.238.

Page 152: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

151

Importante destacar que a teoria da prevenção geral é subdividida

em negativa e positiva. A prevenção geral negativa diz respeito à “capacidade

dissuasiva dos castigos legais”494, cuja intimidação é voltada ao homem

considerado homo aecomicus, aquele que sabe calcular as vantagens e as

desvantagens da sua conduta495. E a prevenção geral positiva ou prevenção-

integração que justifica a pena a partir da concepção de que essa é um

instrumento de estabilização do sistema social496. Ambas compõem os

argumentos que defendem a necessidade da existência da reincidência, seja

como necessidade de inibir as pessoas que já cometeram delitos como

também para confirmar a vigência da norma na sociedade por meio de uma

pena agravada. Perceber-se-á, mais adiante, que a teoria da prevenção geral

passou por uma modificação com o intuito de combater os inconvenientes das

teorias mistas ou unificadoras, surgindo, pois a prevenção geral positiva.

Antes, porém, é preciso abordar o conteúdo da teoria da prevenção

especial, que se volta ao criminoso com a preocupação latente de que ele não

volte a cometer delitos. Defende-se que deve haver um bom modo de aplicar a

sanção penal em prol da disciplina do delinquente. De acordo com Massimo

Pavarini e André Giamberardino497, “quando a finalidade do castigo legal é

impedir a reincidência e, portanto, o destinatário é quem violou a lei penal, fala-

se em prevenção especial.” Essa teoria influencia de forma veemente a

justificativa da necessidade do instituto da reincidência.

Dentre os defensores da prevenção especial498, Franz Von Liszt499

foi o penalista que enraizou a ideia dessa corrente apresentando três

pressupostos para a aplicação da pena: ressocialização e reeducação do

494

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.146. 495

Defende Claus Roxin, ao analisar a prevenção geral negativa, que a execução da pena que visa à mera intimidação não se volta ao autor do delito, mas apenas à comunidade e, por isso, incitará mais a reincidência e prejudicará mais a luta contra a criminalidade. (ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, t.I. Tradução da 2.ed. alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Peña. Madrid: Editorial Civitas, S. A.,1997, p.93). 496

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.147. 497

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.148. 498

São várias as correntes voltadas à prevenção-especial da pena. Bitencourt destaca na França, a teoria da Nova Defesa Social, de Marc Ancel, na Espanha a Escola Correcionalista e na Alemanha, a de Von Liszt . (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2007, p.92). 499

LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Atual. e notas de Ricardo Rodrigues Gama.

Comentários e tradução de José Higino Duarte Pereira. Campinas, SP: Russel, 2003.

Page 153: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

152

delinquente, intimidação daqueles que não precisam se ressocializar e

neutralização dos incorrigíveis. Tese resumida em três palavras: intimidação,

correção e inocuização500.

Conforme Oswaldo Henrique Duek Marques501, “essa crença no

poder intimidativo das sanções penais tem servido de arrimo aos aumentos de

penas até os dias de hoje, inclusive, à manutenção da pena capital em diversos

Estados.”

Interessante notar que por meio dessa teoria, o delinquente pode de

fato ser ressocializado, portanto, a pena é extremamente útil para evitar a

reincidência, ao corrigir a pessoa condenada. De acordo com Oswaldo

Henrique Duek Marques502, para Lizst a execução penal pode converter o

delinquente num membro útil à sociedade (adaptação artificial), como também

segrega o delinquente retirando a possibilidade dele cometer novos delitos.

Ainda que a teoria da prevenção especial, atenta ao delinquente,

pareça palpável, argumentos contrários são levantados a esta tese. Em

primeiro lugar, há casos em que o delinquente não tem a menor probabilidade

de reincidir, ainda que tenha cometido um crime grave503. Em segundo, é

possível chegar a penas desproporcionais e indefinidas ao caso concreto,

considerando que o delinquente apenas será recolocado ao convívio social

depois de emendado504.

As teorias da prevenção especial se subdividem em negativa e

positiva. De forma concisa, a teoria da prevenção especial negativa505 pode ser

500

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.93. 501

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.120. 502

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.122. 503

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.134. 504

MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito

penal. Curitiba: Juruá, 2009, p.149. 505

“[...] a prevenção especial negativa se encontra em grande antinomia interna: se por um lado é, entre as funções da pena, a que mais atende aos anseios populares por uma maior eficiência no âmbito punitivo, posto que empiricamente comprovado o seu poder neutralizador; por outro lado é a função que encontra maior dificuldade de legitimação na órbita de um Estado Constitucional e Democrático. (GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Renavan, 2007, p.161).

Page 154: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

153

traduzida por uma palavra: neutralização ou inocuização. Já a teoria da

prevenção especial positiva, remete à ideia de ressocialização506.

Relacionando esses aspectos à reincidência, nega-se o caráter

ressocializador da reincidência, pois seria contraditório acreditar que o

cumprimento de uma pena agravada atingiria esse fim, quando a anterior já

não alcançou. De outra banda, se nem a pena consegue a intimidação,

tampouco a reincidência traz esse efeito. E a neutralização por meio da

reincidência colidiria com a proporcionalidade da pena, deixando o condenado

à mercê dos falhos métodos inseridos na execução penal.

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira507 analisa a prevenção especial

a partir da seguinte classificação: a) prevenção especial negativa de

inocuização; e b) prevenção especial positiva, subdividida em quatro espécies

– intimidadora, curativa, ressocializadora (programa máximo) e de

fortalecimento de condições de não reincidência (programa mínimo).

Destaca-se essa última, por reforçar a necessidade de serem

adotadas medidas a fim de evitar a reincidência, contudo, a realidade mostra a

ausência de respeito dos direitos do sujeito submetido ao poder punitivo

estatal. “Apenas o respeito – ainda que não a concordância – por parte do

agente, em face dos bens jurídicos alheios, é o verdadeiro e legítimo objetivo

particular da pena para com o criminoso”508. Por isso, longe de prevenir a

reincidência, o atual sistema penitenciário caminha em descompasso com a

ressocialização, pois não fornece meios eficazes para transmitir ao preso

valores supremos como dignidade e liberdade.

Já as teorias mistas ou ecléticas tentam unificar os argumentos mais

coesos das teorias absolutas e das relativas, diferenciando o fundamento da

finalidade da pena. O fundamento deve se voltar apenas ao crime e dessa

forma não pode ultrapassar além do merecido pelo fato praticado. Já a

finalidade da pena estava relacionada à forma de prevenção. As teorias

506

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Renavan, 2007, p.154). 507

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.75. 508

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.84.

Page 155: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

154

unificadoras, então, “aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como

critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A

pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato

praticado”509.

Neste contexto, urge esclarecer que no grupo das teorias mistas são

encontradas duas propostas bem diferentes. A primeira é considerada como

ecletismo puro, pois se mescla à concepção retributiva com os fins preventivos,

gerais ou especiais da pena. E a segunda, chamada de neorretributivismo,

volta-se à “similitude entre a prevenção geral positiva, enquanto exemplaridade

– reafirmação da norma –, e à ideia de retribuição como exigência de sua

própria limitação, que não pode prescindir da culpabilidade”510.

Nesse sentido, consoante Cezar Roberto Bitencourt:

Enfim, tais teorias centralizam o fim do direito penal na ideia de prevenção. A retribuição, em suas bases teóricas, seja através da culpabilidade ou da proporcionalidade (ou de ambas ao mesmo tempo), desempenha um papel apenas limitador (máximo e mínimo) das exigências de prevenção

511.

Interessante mencionar a perspectiva de que essa junção se mostra

coerente ao se considerar que a pena como retribuição pode ser justa se

“calcada no injusto culpável e matizada pelos fins da prevenção geral e

especial”512, com o resgate da dignidade humana, já que configura-se uma

retribuição jurídica, que pode ter os efeitos relativizados pelos fins da

prevenção. Desta forma, a retribuição está na essência da pena, não sendo

um fim em si mesmo513. Nesse contexto, a reincidência poderia ser

considerada uma retribuição maior pelo fato cometido, porém, dentro da

proporcionalidade da pena, com fundamentos da prevenção geral e especial

para limitá-la.

Na sequência, a teoria da prevenção geral positiva surge como uma

tentativa de sanar os inconvenientes da junção das proposições retributivas e

preventivas. Tem-se, inicialmente, uma confusão entre direito e moral ou direito

509

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.96. 510

LOPES, Cláudio. Delinquência ambiental: os limites do direito penal. Birigui: Boreal, 2014, p.67. 511

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.143. 512

LOPES, Cláudio. Delinquência ambiental: os limites do direito penal. Birigui: Boreal, 2014, p.68. 513

LOPES, Cláudio. Delinquência ambiental: os limites do direito penal. Birigui: Boreal, 2014, p.68.

Page 156: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

155

e natureza na fusão das teorias retributivista e utilitarista da prevenção

especial, o que leva à conclusão de que o delito e o delinquente são um mal

em si mesmo, um pecado514.

Conforme Oswaldo Henrique Duek Marques:

Essa nova teoria não vê na pena a ameaça destinada a intimidar possíveis delinquentes, nos termos preconizados pelos defensores da chamada “coação psicológica”, ou segundo os teóricos do absolutismo, que propõem a reafirmação do poder soberano por meio do exemplo do castigo. Ela a vê, antes, como possibilidade de reafirmar a consciência social da norma ou confirmar sua vigência, mediante a imposição de sanções penais.

515 (grifo nosso)

Desta feita, desenvolveu-se um modelo para dar explicação

legitimadora do direito penal com foco ideológico e prevenção geral positiva

fundamentadora, tendo como principais representantes Welzel516 e Jakobs517. E,

em contrapartida, outro modelo da prevenção geral limitadora, destacando-se o

expoente Roxin518 519.

Para Welzel a pena tem um papel ético-social, ou seja, deve garantir

a vigência real dos valores de ação da atitude jurídica. A pena deveria buscar o

fortalecimento ético-social do cidadão e, ainda, influenciar na atitude interna

deste frente ao Direito520. O castigo representa, como consequência da prática

do ilícito, a maneira de fortalecer a fidelidade ao Direito, mantendo a vigência

de valores fundamentais521.

514

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer e

outros. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.255. 515

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.141. 516

WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontan Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956, p.8-9. 517

JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Tradução de André Luis Callegari; Lucia Kalil. São

Paulo: RT, 2003, p.12. Conforme Jakobs, “a pena deve ser necessária para a manutenção da ordem social – sem esta necessidade, seria por sua vez um mal inútil”. 518

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. t.I. Madrid: Civitas,1997. 519

Conforme Duek, a limitação exposta na teoria da prevenção geral positiva fundamentadora é defendida por Roxin, Silva Sánchez e Mir Puig. (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.144). Cezar Roberto Bitencourt observa que Hassemer também é seguidor dessa teoria. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e

alternativas. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.99). 520

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.65. 521

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.97.

Page 157: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

156

Günther Jakobs522, inspirando-se nas ideias sistêmicas de Niklas

Luhmann523, entende que a pena pode reestabelecer a confiança da população

atingida pelos crimes, trazendo estabilidade ao ordenamento. “A pena deve

restabelecer/confirmar na sociedade a confiança na ordem normativa”524. É,

pois, um fator de coesão do sistema político525, ou seja, o direito penal garante

a função orientadora das normas jurídicas. A pena dá credibilidade à norma.

Sobre a reafirmação da vigência da norma, Jakobs entende que a “pena vai de

encontro ao projeto do mundo do infrator e da regra: este afirma a não vigência

da norma para o caso em questão, mas a sanção confirma que esta afirmação

é irrelevante”526. (tradução nossa).

A teoria de Jakobs, contudo, permite a aplicação da pena quando

desnecessária a proteção dos bens jurídicos, negando a função limitadora,

inclusive, do princípio da proporcionalidade, de acordo com Santiago Mir

Puig527. Conforme Gustavo Octaviano Diniz Junqueira528, Jakobs não faz

qualquer referência a limites ou a bens jurídicos. Ele não adota limites como o

da culpabilidade na aplicação da pena. Sobre a teoria da prevenção geral

positiva fundamentadora, portanto, “é criticável também sua pretensão de

impor ao indivíduo, de forma coativa, determinados padrões éticos, algo

522

JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Tradução de André Luis Callegari; Lucia Kalil. São

Paulo: RT, 2003. 523

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser.

Petrópoles, RJ: Vozes, 2009, p.121. 524

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.66. 525

“Na verdade, referido autor apresenta uma formulação um pouco diferente da prevenção positiva fundamentadora. Embora coincida com Welzel em buscar na coletividade sua manutenção fiel aos mandamentos do Direito, nega que com isso se queira proteger determinados valores de ações e bens jurídicos.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2007, p.98). A diferença da concepção de Jakobs em relação à de Welzel é que para aquele “a missão do Direito Penal será a reafirmação do próprio Direito Penal (ordenamento jurídico)”. (MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba:

Juruá, 2009, p.158). 526

“Desde el final del Derecho natural, la pena ya no se impone a sujetos irracionales, sino a sujetos refractarios. La sanción contradice el proyecto del mundo del infractor de la norma: éste afirma la no-vigencia de la norma para el caso em cuestión, pero la sanción confirma que esa afirmación es irrelevante.” (JAKOBS, Günther. Sociedad, norma y persona em una teoria de um derecho penal funcional. Madrid: Civitas Ediciones, S. L., 2000, p.28). 527

PUIG, Santiago Mir. El derecho penal em el estado social y democrático de derecho. Barcelona: Ariel S.A, 1994, p.139. 528

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.66-67.

Page 158: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

157

inconcebível em um Estado Social e Democrático de Direito”529. A principal

crítica a essa teoria se refere, conforme Oswaldo Henrique Duek Marques530, à

contrariedade ao direito penal mínimo, uma vez que por meio de seus preceitos

há a possibilidade de ampliar a tendência da resposta penal diante dos

problemas sociais.

Por fim, a teoria da prevenção geral limitadora, a qual surge diante

das críticas à fundamentadora, defende que a pena “deve manter-se dentro

dos limites do direito penal do fato e da proporcionalidade, e somente pode ser

imposta através de um procedimento cercado de todas as garantias jurídico-

constitucionais”531.

Para Claus Roxin532, a pena tem como escopo, além do

fortalecimento da consciência jurídica, tutelar bens jurídicos no caso concreto a

fim de restabelecer a paz jurídica atingida e reforçar a confiança no Estado533.

A pena seria ainda considerada como a última medida para punir as lesões aos

bens jurídicos, ou seja, atenderia a um direito penal mínimo, desde a escolha

das cominações penais, com respeito aos limites da reprovabilidade da

conduta do infrator534.

A crítica em torno dessa teoria se refere aos efeitos produzidos no

âmbito legislativo, de acordo com Oswaldo Henrique Duek Marques535, visto

que pode levar ao arbítrio na escolha dos bens jurídicos penais com uma

verdadeira simbologia do direito penal. Não obstante, afirma também que o

artigo 59 do Código Penal, se interpretado de acordo com os princípios

constitucionais, estabelece a pena na concepção da teoria da prevenção geral

positiva limitadora.

529

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.99. 530

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.98. 531

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.100. 532

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, t.I. Tradução da 2.ed.alemã e notas por Diego-Manuel

Luzón Peña. Madrid: Civitas, S. A., 1997, p.92-93. 533

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2002, p.68. 534

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.145. 535

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p.148-149.

Page 159: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

158

A reincidência, inserida na concepção das teorias da prevenção

geral positiva, pode ser entendida, na linha de Welzel, como parte da pena. É

um castigo que reforça de forma mais gravosa a fidelidade à norma e mantém

a mensagem de que em caso de valores fundamentais serem atingidos pelo

criminoso reiteradamente, esse terá uma pena ainda maior. Já na visão de

Jakobs sobre a pena, poder-se-ia fundamentar a reincidência como uma forma

mais incisiva de reafirmar a norma jurídica ou de demonstrar que essa será

aplicada em caso de transgressão, ou seja, enalteceria na sociedade a

confiança na ordem normativa. E, dentro da limitação que fundamenta a ideia

de Roxin a respeito, a reincidência deveria ser aplicada apenas nos casos em

que fosse necessária a atuação do direito penal, com respeito aos limites

mencionados.

De todo o exposto sobre as teorias das penas, conclui-se que o

fundamento da reincidência está também atrelado ao da pena. Ocorre que,

diante de tantas teorias sobre a finalidade da pena, a dificuldade é identificar

qual prevalece no ordenamento jurídico brasileiro e se esta é compatível com

os preceitos constitucionais536. A pena, bem como a reincidência, não pode ser

vista como fator isolado, mas deve integrar o sistema jurídico avençado pelo

Estado Democrático de Direito.

Desta forma, como circunstância agravante da pena, analisada no

contexto atual, a finalidade da reincidência deve estar de acordo com os

objetivos da própria pena. Em todas as teorias ora delineadas é possível

encontrar um fundamento para a reincidência, contudo, entende-se que

somente uma pena voltada a reintegrar socialmente o condenado, respeitando

valores supremos e conservando a humanização do delinquente537, seria capaz

de manter essa medida justificável dentro do panorama democrático insculpido

pela Constituição Federal de 1988. Quanto à reincidência, deveria acompanhar

esse modelo não sendo apenas um instrumento retributivo e prejudicial ao

condenado. As restrições ao condenado oriundas de sua aplicação, justificadas

536

Sobre a necessidade da determinação de uma finalidade preponderante para a pena e que seja compatível com os princípios constitucionais, ver: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002. 537

Para Duek, durante a execução penal, apenas a prevenção especial pela reintegração social pode conservar a humanização do delinquente. (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena.

2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.161).

Page 160: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

159

em tese a partir da proporcionalidade, buscam um resultado de difícil

concretude. Parece que a crise do direito penal, a sobrecarga dessa

ramificação jurídica, atinge todos os institutos dispersos e descontextualizados

no âmbito do Estado Democrático de Direito.

O fato é que a pena “[...] é impotente para conjurar uma grande

percentagem de reincidentes, assim como não impede a delinquência primária.

A ilação a tirar-se daí não é que a pena seja ineficiente, mas, sim, em certos

casos, insuficiente”538. E não no sentido quantitativo da pena, mas na qualidade

da sua aplicação que poucos, quiçá, nenhum efeito prático apresenta. Da

mesma forma é o instituto da reincidência, o qual é aplicado demasiadamente

no decorrer do processo penal, todavia, sem critérios precisos nem resultados

positivos que justifiquem todo o agravamento da pena e do maior rigor com o

condenado.

4.5 Consequências desfavoráveis da reincidência

A reincidência gera inúmeras restrições ou efeitos penais e

processuais penais, sempre agravando a situação do réu. A partir do momento

em que o réu é considerado reincidente, o tratamento processual passa a ser

mais rigoroso, da investigação criminal à execução penal, seja com

agravamento da pena ou com restrições de benefícios.

Esses efeitos estão relacionados à própria finalidade e ao

fundamento da reincidência como instrumento de política criminal no

ordenamento jurídico pátrio. Desde a primeira concepção da reincidência no

direito pátrio, sua finalidade transpareceu como uma tentativa de sancionar de

forma mais rigorosa o sujeito que, uma vez recebendo a reprimenda, não

trouxe o resultado antes esperado.

A reincidência, pois, é vista como uma forma de reafirmar a função

punitiva do Estado em prol da segurança pública. Contudo, na aplicação deste

instituto desconsidera-se se houve ou não um erro estatal quando do exercício

do seu poder de punir e ressocializar, atribuindo-se, exclusivamente, ao sujeito

processado toda responsabilidade pela sua reincidência.

538

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.19.

Page 161: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

160

Parte-se, então, do pressuposto, de que apenas o condenado

recidivo merece ser mais rigorosamente sancionado, sendo única

responsabilidade do sujeito que cometera o novo delito.

Cumpre, então, elencar, não de forma exaustiva, as consequências

gravosas da reincidência na legislação pátria.

O Código Penal traz a previsão basilar da reincidência. Além do

conceito, dispõe sobre regras gerais que vão refletir em todo o processo penal.

São elas:

a) impede que o regime inicial de cumprimento da pena seja o

aberto ou semiaberto, salvo tratando-se de pena de detenção (artigo 33, §2º, b

e c, do Código Penal)539;

b) impede a substituição da pena privativa de liberdade por uma

restritiva de direitos ou multa, na hipótese de crime doloso (artigo 44, II, artigo

60, §2º do Código Penal)540;

c) pode provocar a conversão da pena substitutiva por uma privativa

de liberdade (artigo 44, §5º, do Código Penal).

d) agrava a pena do condenado em quantidade indeterminada

dentro dos limites da sanção cominada (artigo 61, I, do Código Penal);

e) é preponderante no concurso de circunstâncias agravantes (artigo

67, última parte, Código Penal), contudo, em decisão proferida pelo Superior

Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº1.341.370 – MT (2012/0180909-9)

houve o entendimento de que, na segunda fase do cálculo da pena, a

agravante de reincidência deve ser compensada com a confissão espontânea,

uma vez que essa refere-se à personalidade do agente, sendo, portanto,

539

Destacam-se as seguintes lições “Convém ressaltar que, se a reclusão não exceder a 4 anos serão analisadas as circunstâncias judiciais do réu a fim de verificar se o regime recomendado será o fechado ou semiaberto. [...] Neste sentido, determina a Súmula 269 do STJ que “é admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.” (ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e

criminológicas. Curitiba: Juruá, 2012, p.84). 540

Informativo 793 de 2015 – “No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. Nesse caso, o Colegiado, por decisão majoritária,

denegou a ordem, mas concedeu “habeas corpus” de ofício para fixar o regime aberto para cumprimento de pena.” (grifo nosso). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento>. Acesso em: 30 ago.2015.

Page 162: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

161

igualmente preponderantes541. Já a 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da

3ª Região (SP e MS) deu provimento a recurso do Ministério Público Federal e

aumentou a pena de um empresário acusado pelo crime de apropriação

indébita previdenciária, entendendo que os efeitos da confissão são anulados

se houver agravante e o réu for reincidente (Processo 2005.61.09.001210-0)542.

f) impede a concessão do sursis, ou suspensão condicional da pena

ao reincidente doloso (artigo 77, I, do Código Penal);

g) aumenta de um terço a metade, o prazo de efetiva privação de

liberdade para o livramento condicional (artigo 83, II, do Código Penal);

h) produz a revogação obrigatória da suspensão condicional da pena

na hipótese de condenação por crime doloso (artigo 81, I, Código Penal);

i) faculta a revogação da suspensão condicional da pena na hipótese

de crime culposo ou por contravenção penal, desde que não imposta pena

privativa de liberdade (artigo 81, §1º, Código Penal);

j) proíbe a concessão de livramento condicional se a reincidência é

específica em crimes hediondos e assemelhados (artigo 83, V, do Código

Penal);

k) revoga obrigatoriamente o livramento condicional, sobrevindo

condenação à pena privativa de liberdade (artigo 86 do Código Penal);

l) faculta a revogação do livramento condicional, em caso de crime

ou contravenção, se não imposta pena privativa de liberdade (artigo 87 do

Código Penal);

m) revoga a reabilitação, quando sobrevier condenação à pena que

não seja de multa (artigo 95 do Código Penal);

m) aumenta um terço o prazo prescricional da pretensão executória

(caput do artigo 110 do CP);

n) interrompe a prescrição (artigo 117, VI, do Código Penal);

o) impede o perdão judicial e a aplicação de pena de multa no crime

de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A, §3º, do Código Penal);

541

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº1.341.370 – MT(2012/0180909-9). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista>. Acesso em: 15 jan. 2016. 542

Efeitos da confissão são anulados se houver agravante e o réu for reincidente. Conjur. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2015-set-30/efeitos-confissao-sao-anulados-houver-agravante-reincidencia>. Acesso em: 02 out. 2015.

Page 163: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

162

p) impede o perdão judicial e a aplicação de pena de multa no crime

de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, §2º, do Código

Penal);

q) impede o reconhecimento de algumas causas de diminuição da

pena, como nas hipóteses dos artigos 155, §2º (furto privilegiado)543; 170 e 171,

§1º; 175, §2º;180, §5º do Código Penal);

No Código de Processo Penal, o artigo 313, II, inserido com a Lei

nº12.403 de 2001, prevê que a prisão preventiva poderá ser decretada se o réu

tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em

julgado, ressalvado o disposto no inciso I do Código Penal.

“A lei não distingue se o crime posterior é apenado com detenção ou

reclusão, mas o anterior necessariamente deve ser doloso”544, explica Marco

Antonio Marques da Silva. Importante destacar que, “reincidente em crime

doloso, para os fins da disposição, é qualquer cidadão que praticar crime,

sempre crime, não se cogita de contravenção penal, com pena máxima, igual

ou inferior a 4 (quatro) anos”545, reitera o desembargador.

Diversas legislações especiais também enaltecem a necessidade

de mais rigor aos reincidentes. Destacam-se, em seguida, algumas delas para

demonstrar esta afirmação.

Na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº3.688/41), a

reincidência: a) aumenta de um terço até metade a pena de contravenção

penal de porte de arma se a condenação precedente for por violência contra a

pessoa (artigo 19, §1º, da Lei de Contravenções Penais); b) possibilita a

ocorrência da contravenção de posse não justificada de instrumento de

emprego usual na prática de furto (artigo 25 da Lei de Contravenções Penais).

543

Ementa: Apelação. Furto duplamente qualificado. Sentença condenatória. Recurso defensivo. 1. Prova suficiente para a condenação. 2. Elementos dos autos suficientes à demonstração das qualificadoras de ação em concurso de agentes e mediante escalada. 3. O valor dos bens furtados e a reincidência obstam o reconhecimento do princípio da insignificância, bem como a desclassificação para a figura de furto privilegiado. Condenação mantida. 3. Penas que não merecem alteração, posto não

desbordarem dos limites da proporcionalidade e mostrarem-se adequadas, tendo em conta o contexto dos fatos e a conduta criminosa. 4. Regime inicial fechado que se mostra necessário para reprovação e prevenção do crime. 5. Recurso não provido. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo – Apelação nº0001143-28.2011.8.26.0264, Rel. Laerte Marrone, j.23-02-2015, 2ª Câmara Criminal Extraordinária. Disponível em: <http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TJ-SP/attachments/TJ>. Acesso em: 2 dez.2015). 544

SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p.496. 545

SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p.496.

Page 164: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

163

O artigo 76, §2º, I, da Lei nº9.099/95 impossibilita a transação penal

nas infrações de menor potencial ofensivo aos reincidentes, bem como impede

a suspensão condicional do processo no artigo 89, caput.

A Lei de Crimes Hediondos (Lei nº8.072/90), considerada como

oriunda de uma “política criminal do terror, patrocinada pelo liberal Congresso

Nacional, sob o império da democrática Constituição de 1988”546, no artigo 2º,

§2º dispõe que a progressão de regime, no caso dos condenados por crimes

hediondos ou equiparados, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos)

da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº9.503/97, artigo 296) dispõe

que se o réu for reincidente em crimes de trânsito, poderá ter a suspensão da

permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor.

No artigo 90, §2º, da Lei nº9.504/97 determina que se dobre as

penas pecuniárias previstas na lei em caso de reincidência.

Em relação aos crimes ambientais, a Lei nº9.605/98 prevê que a

reincidência nos crimes de natureza ambiental é uma circunstância que agrava

a pena, quando não constitui ou qualifica o crime (artigo 15, I).

Na Lei de Execução Penal (Lei nº7.210/84), a reincidência é

visualizada nos seguintes dispositivos: a) artigo 52 – constitui falta grave e

sujeita o preso, ou condenado, à sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção

penal; b) artigo 118, I – ocasiona a regressão de regime de cumprimento de

pena; c) artigo 127 – revoga até 1/3 do tempo remido.

A Lei de Drogas (Lei nº11.343/06) também traz regras específicas

ao reincidente. O artigo 28, inserido no Capítulo III – Dos Crimes e das Penas –

traz a previsão do portar droga para uso próprio e, apesar de as penas serem

peculiares, medidas educativas, a condenação prévia por esse delito é capaz

de gerar a reincidência. O §4º regulamenta que em caso de reincidência, as

penas previstas nos incisos II e III do caput serão aplicadas por, no máximo, 10

meses, dobro da pena aplicada aos não reincidentes.

A respeito do artigo 28 da Lei de Drogas, o Supremo Tribunal

Federal, por meio do RE nº635659, está apreciando a (in)constitucionalidade

546

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p.48.

Page 165: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

164

desse dispositivo, cujo julgamento foi suspenso em setembro de 2015, já com

dois votos a favor da inconstitucionalidade547.

Nesse aspecto, relevante observar o entendimento de que a

condenação ao crime previsto no artigo 28 da Lei de Drogas não gera a

reincidência, uma vez que sequer enseja pena privativa de liberdade, com

medidas despenalizadoras, sendo desproporcional considerar o contrário. A

reincidência, como efeito secundário da condenação, ocasionaria prejuízos

exacerbados, equiparando esse delito a outros de maior gravidade, como os

hediondos ou equiparados548. Porém, em sentido contrário foi o entendimento

do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº275.126-SP,

considerando que o porte para uso foi despenalizado e não

descriminalizado549.

O estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) a pedido do Conselho Nacional de Justiça sobre a “Reincidência

Criminal no Brasil”550, divulgado no ano de 2015, demonstrou que o tráfico de

drogas é o crime que tem a menor proporção de condenados reincidentes em

comparação com aqueles que não têm antecedentes criminais. Enquanto

19,3% dos condenados são réus primários, 11,9% dos que já cumpriram pena

e voltam a receber sentença penal praticaram a conduta do artigo 33 da Lei de

Drogas. Isso é explicado por muitos especialistas551 pelo fato de diversos

547

Suspenso julgamento sobre porte de drogas para consumo próprio. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299484>. Acesso em: 10 dez. 2015. 548

RODRIGUES, Carlos Eduardo Afonso. A condenação pelo artigo 28 da lei de drogas não gera reincidência e outros efeitos secundários. Boletim IBCCrim, São Paulo, ano 17, nº203, p.14-15, out.,

2009. 549

DIREITO PENAL. REINCIDÊNCIA DECORRENTE DE CONDENAÇÃO POR PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO. A condenação por porte de drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei 11.343/2006) transitada em julgado gera reincidência. Isso porque a referida conduta foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas não descriminalizada (abolitio criminis). Precedentes citados: HC 292.292-SP, Sexta Turma, DJe 25/6/2014; HC 266.827-SP, Sexta Turma, DJe 11/4/2014; e HC 194.921-SP, Quinta Turma, DJe 23/8/2013. HC 275.126-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 18-9-2014. Informativo 549. (Disponível em: <ww.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0549.rtf>. Acesso em: 5

dez.2015). 550

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/>. Acesso em: 9 ago.2016. 551

“O coordenador do estudo pelo Ipea, o sociólogo Almir de Oliveira Júnior, concorda com essa interpretação. Ele também supõe que a menor taxa de reincidência pode resultar do grande número de mortes de traficantes. O juiz e professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina, Alexandre Morais da Rosa, elenca outros dois motivos para os condenados por tráfico não voltarem a cometer este crime. Um é a perda do ponto de venda de drogas — enquanto estão presos. O outro é o ingresso no mercado formal de trabalho. ” (RODAS, Sérgio. Em grande parte usuários, condenados por tráfico têm baixo índice de reincidência. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/grande-parte-usuarios-condenados-trafico-reincidem>. Acesso em: 05 jan. 2016).

Page 166: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

165

usuários serem enquadrados como traficantes, mas como não são

delinquentes habituais, não voltam a praticar crimes.

Por fim, o artigo 44, parágrafo único, da Lei nº11.343/06 dispõe que

nos crimes previstos no caput, o livramento condicional será dado após o

cumprimento de dois terços da pena, sendo vedada a concessão ao

reincidente específico. Esta é mais uma restrição decorrente da reincidência.

4.6 Previsão legal no direito estrangeiro

No estudo do direito brasileiro, relevante destacar a legislação

estrangeira a fim de se comparar de que modo determinado instituto vem

sendo pensado e evoluído. A partir disso, é possível extrair novas ideias

positivas e excluir concepções ultrapassadas.

Com essa finalidade, serão apresentadas as previsões pesquisadas

sobre a reincidência em alguns países. A seleção ocorreu direcionada aos

países que de alguma forma influenciaram o Brasil na previsão da reincidência

ou que são mencionados pelos autores brasileiros estudados.

Esclarece-se que não é nosso objetivo esgotar todos os temas

envolvendo a reincidência, tampouco analisar esse instituto a partir do direito

penal esmiuçado de cada país citado. Nosso objetivo é demonstrar que a

reincidência existe em outros países e é aplicada de forma diferente do previsto

no Brasil.

4.6.1 Itália

A Itália teve uma importantíssima contribuição doutrinária para a

formação da reincidência como a atualmente conhecemos nos ordenamentos

de herança romano-germânica.

O Código Penal Italiano é dividido em três livros (Infrações em Geral;

Crimes em Particular e Dos Crimes em Particular) e cada livro é composto por

diversos títulos que se subdividem em capítulos. A reincidência está inserida no

Livro I – Dei reati in generale, no Título IV – Del reo e della persona offesa dal

reato (artt. 85-131) – (Do infrator e da vítima do crime) e, finalmente, no

Page 167: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

166

Capítulo II: Della recidiva, della abitualità e professionalità nel reato e della

tendenza a delinquere – (Da reincidência, da habitualidade e profissionalismo

no crime e da tendência ao crime), com previsões dos artigos 99 a 109.

Na Itália foi adotada, como no Brasil, a reincidência ficta (artigo

99)552 no Código de Rocco (1930), antes da reforma de 2002, que depois foi

mantida. Também é adotada a reincidência específica553 e o sistema da

perpetuidade554, o que demonstra rigor no tratamento de recidiva:

O CP italiano, acatando o critério permanente, afirma sua independência em relação ao tempo transcorrido a partir do crime precedente. A independência, porém, não é absoluta, uma vez que o tempo não é de todo irrelevante para a determinação da gravidade da reincidência

555.

Aplica-se a reincidência facultativa na Itália, assim como em

Portugal556. Para Guilherme de Souza Nucci, a reincidência na Itália é tratada

com maior severidade, pois há três formas de reincidência:

a) Simples: aumenta de um sexto a pena posterior se o réu pratica crime após a condenação criminal definitiva; b) Agravada: cometimento de um novo crime da mesma natureza ou quando cometido o crime dentro de cinco anos após a condenação anterior. E, ainda, quando é cometido novo crime no decorrer da execução da pena por delito anterior ou em período de fuga, aumenta-se, então a pena em um terço; se concorrer mais de uma dessas circunstâncias será de metade o aumento da pena

557.

c) Reiterada: quando o réu que cometeu o crime já era considerado reincidente, aumentando-se a pena de até metade se reincidente simples e até dois terços se agravada e, ainda de um terço a dois terços quando reincidente em período de execução de pena ou fuga, conforme artigo 99, parte final do Código Penal italiano

558 559

.

552

“Artigo 99 – Recidiva – Chi, dopo essere stato condannato per un reato, ne commette un altro, può essere sottoposto a un aumento fino ad un sesto della pena da infliggere per il nuovo reato.” Tradução livre do autor: “Artigo 99. Quem, depois de ter sido condenado por um crime, comete outro, pode ser sujeito a um aumento de até um sexto da pena a ser imposta para o novo delito.” (Disponível em: <http://www.brocardi.it/codice-penale/titolo-iv/libro-primo/capo-ii/>. Acesso em: 2 fev. 2016). 553

Para efeitos da lei criminal, são considerados crimes da mesma natureza, não só aqueles que violam a mesma disposição de direito, mas também aqueles que, embora esperado para ser o contrário previstas no presente código ou por leis diferentes, no entanto, para a natureza dos factos que constituinte ou dos motivos que os levaram, têm, em casos concretos caracteres básicos comuns. Disponível em: <http://www.brocardi.it/codice-penale/libro-primo/titolo-iv/capo-ii/art101.html>. Acesso em: 2 fev.2016. 554

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.569. 555

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.570. 556

ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ,

Brasília, ano XII, nº40, p.73-80, jan.-mar., 2008, p.76. 557

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p.219. 558

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p.213. 559

CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante.

Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.63. “Artigo 99 [...] La pena può essere aumentata fino ad un terzo: 1) se il nuovo reato è della stessa indole; 2) se il

Page 168: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

167

4.6.2 Portugal

O Código Penal de Portugal regulamenta a reincidência trazendo

regras um tanto interessantes para sua configuração, aparentando critérios

mais detalhados que os brasileiros.

Presente no conjunto de 389 artigos, a reincidência é regulamentada

no artigo 75, inserido na Seção II do Capítulo IV (Escolha e medida da pena)

do Título III (Das consequências jurídicas do fato), tudo do Livro I (Parte

geral)560.

Adota-se a reincidência ficta, porém, para configurar a reincidência

deve haver o requisito formal, ou seja, o cometimento de um crime doloso com

pena efetiva superior a 6 meses, após condenação transitada em julgado

também com pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

Interessante, no entanto, é que o juiz não aplicará a reincidência de

forma automática, como no Brasil. Há o requisito material e cabe ao magistrado

analisar se a pena anterior não fora suficiente para evitar a prática de novos

delitos pelo agente561. Aliás, esse requisito deve ser fundamentado, conforme

nuovo reato è stato commesso nei cinque anni dalla condanna precedente; 3) se il nuovo reato è stato commesso durante o dopo l'esecuzione della pena, ovvero durante il tempo in cui il condannato si sottrae volontariamente all'esecuzione della pena. Qualora concorrano più circostanze fra quelle indicate nei numeri precedenti, l'aumento di pena può essere fino alla metà. Se il recidivo commette un altro reato, l'aumento della pena, nel caso preveduto dalla prima parte di questo articolo, può essere fino alla metà e, nei casi preveduti dai numeri 1) e 2) del primo capoverso, può essere fino a due terzi; nel caso preveduto dal numero 3) dello stesso capoverso può essere da un terzo ai due terzi. In nessun caso l'aumento di pena per effetto della recidiva può superare il cumulo delle pene risultante dalle condanne precedenti alla commissione del nuovo reato.” – Tradução livre: A pena pode ser aumentada de um terço: 1) se o novo crime é da mesma natureza; 2) se o novo crime foi cometido nos cinco anos após a condenação anterior; 3) se o novo crime foi cometido durante ou após a execução da pena, ou durante o tempo em que o condenado se subtrai voluntariamente a execução penal. Se concorrer mais de uma circunstância daquelas indicadas no número anterior, o aumento da pena poderá ser feito até a metade. Se o reincidente comete outro crime, o aumento da pena no caso previsto pela primeira parte deste artigo, pode ser até a metade e, nos casos previstos nos números 1) e 2) do primeiro parágrafo, pode ser de até dois terços; no caso previsto pelo número 3) do mesmo parágrafo poderá ser de um terço a dois terços. Em nenhum caso o aumento da pena para efeito da reincidência poderá superar a soma da pena resultante da condenação anterior com a cominada no novo crime. 560

PORTUGAL. Código Penal de Portugal. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev. 2016. 561

“Artigo 75º Pressupostos 1 – É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.” (BRASIL. Código Penal de Portugal. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev.2016).

Page 169: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

168

se afere na jurisprudência portuguesa562. Não se pode deixar de citar o maior

rigor nos casos de reincidência específica, tangentemente ao tráfico de

drogas563 e quando a personalidade se volta ao crime de forma reiterada564.

562

“1. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 30-05-2012: 1.Para efeitos de reincidência exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: a) Formais: o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime. b) Material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime; 2.O preenchimento do pressuposto material tem de assentar em factos concretos, não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal; 3.Torna-se necessário explicitar, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente em âmbito de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas. (grifo nosso – Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev.2016). 563

“ Ac. STJ de 29-02-2012: I. O artigo 75.º do CP enuncia os requisitos da condenação a título de reincidência. Assim, constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”: – que o crime agora cometido seja doloso; – que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão superior a 6 meses; – que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; – que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança. II. Além daqueles pressupostos formais a verificação da reincidência exige, ainda, um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. III. No caso sub judice, estão preenchidos todos os pressupostos formais da reincidência. Quanto ao pressuposto de ordem material, estando em causa uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado (tráfico de estupefacientes): se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que foi indiferente ao sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir. IV. Na verdade, se o que se pretende são provas que permitam fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, então é particularmente legítimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo. V. No caso, admitindo a relevância da confissão, importa, porém, considerar a densidade da ilicitude, expressa numa actividade já com uma estrutura organizativa rudimentar com o objectivo de tráfico de droga: o arguido era o vértice, ou seja, assumia a liderança de um grupo de pessoas que, com regularidade, transportava droga em quantidades apreciáveis com o objectivo de proceder posteriormente à sua revenda. VI. Significa o exposto que o apelo aos propósitos de prevenção geral, ou especial, são condicionados pelas concretas circunstâncias de culpa e ilicitude, que se revelam com um lastro denso. Efectivamente, é toda uma actividade organizada e regular em que o arguido desempenha um papel essencial e que colide com valores fundamentais da sociedade como é a saúde física e mental dos seus cidadãos. O arguido praticava tal actividade consciente do seu significado em termos de violação da lei e queria tal resultado como forma de obter um rendimento ilícito.” (Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev.2016). 564

“ Ac. TRC de 25-02-2015: V. Tratando-se de crimes de igual natureza, a descrição dos factos respeitantes ao percurso criminoso do arguido são, inexoravelmente, reveladores de que a sucumbência revelada pela prática do novo ilícito penal é consequência de uma qualidade desvaliosa que entronca na personalidade do agente e não já fruto de causas fortuitas/acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade, o que conduz à afirmação de uma culpa agravada por

Page 170: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

169

Há também o período depurador de 5 anos para a aplicação da

reincidência, computando-se após o cumprimento da medida processual, pena

ou medida de segurança privativas de liberdade, consoante pressuposto 2 do

artigo 75º565. É necessário comprovar nos autos a data do cometimento do

crime anterior, sob pena de faltar um pressuposto formal à configuração da

reincidência566.

O pressuposto 3567 enumera que o crime cometido no exterior

apenas servirá para a reincidência se também for crime na lei portuguesa. E o

4 menciona que “a prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o

indulto, não obstam à verificação da reincidência”.

O artigo 76º dispõe que em caso de reincidência a pena será

aumentada de um terço, sem alteração do limite máximo. Ademais, o aumento

não pode exceder a pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

Ainda, “as disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada,

quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência”.

No que se refere à pena relativamente indeterminada, é uma regra

inserida nos artigos 83 a 89 do Código Penal aplicável, por exemplo, àqueles

que cometem crime doloso por tendência, com pena privativa superior a dois

anos, após cometer anteriormente dois ou mais crimes dolosos com pena de

prisão privativa superior a dois anos, com a avaliação conjunta dos fatos

praticados e da personalidade do autor para tanto568.

a condenação anterior não ter servido de suficiente advertência contra o crime e, assim, à verificação da modificativa agravante geral prevista no art. 75.º do CP. 565

“2 – O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.” (Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev.2016). 566

“ Ac. TRP de 25-03-2015: I. Sendo a acusação e ao acórdão omissos sobre a data em que foram praticados os crimes anteriores, falta um dos pressupostos formais da reincidência: que entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte não tenham decorrido mais de cinco anos.” (Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev. de 2016). 567

“3 – As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa”. (Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/>. Acesso em: 2 fev. 2016). 568

“Artigo 83º – Pressupostos e efeitos: 1 – Quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de 2 anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista. ” (Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt>. Acesso em: 2 fev. 2016).

Page 171: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

170

4.6.3 Alemanha

A Alemanha, em 1986, extinguiu a reincidência,569 570 “por considerar

contrária ao princípio da culpabilidade”571. Interessante que, quando a

reincidência era prevista no ordenamento jurídico alemão, existia apenas para

alguns crimes da Parte Especial e se configurava com a exigência de duas

condenações anteriores, aliada à comprovação de que as admoestações

formais anteriores não foram eficientes.

Importante, contudo, notar que a reincidência, apesar de extinta na

Alemanha, mantém-se viva e influencia na dosimetria da pena, pois é

considerada quando da análise dos antecedentes do infrator no §46, II, em que

a vida pregressa do agente deve ser considerada para a fixação da pena572, o

que é questionado pela doutrina alemã, pois se o réu reitera na prática

delituosa demonstrando especial periculosidade, a ele deve ser aplicada a

Sicherungsverwahrung – Custódia de Segurança, conforme §66 StGB573.

A esse respeito, importante destacar:

Em tema de medidas de segurança aplicáveis a pessoas inteiramente imputáveis, o CPA prevê a internação em um estabelecimento de desintoxicação, a detenção preventiva, que também poderia ser designada como internação em estabelecimento para delinquentes habituais, o acompanhamento de conduta, a supressão da licença para dirigir veículos automotores, e a proibição do exercício de profissão. Destinam-se todas a prevenir a reiteração criminosa e podem ser aplicadas juntamente com a pena criminal correspondente ao ilícito cometido. O rol das medidas de segurança consta do §61 do CPA

574.

569

ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ,

Brasília, ano XII, nº40, p.73-80, jan.-mar., 2008, p.76. 570

“No ano de 1986, por força da 23.ª lei de reforma de 13 de abril, BGBl. I 393, o §48, foi revogado. Entre os fundamentos para tal mudança, destacam-se, fora outros argumentos: a ausência de proporcionalidade na agravação; ausência de efeito admonitório nas condenações anteriores; falta de eficácia preventiva do instituto; indevida aplicação em crimes de bagatela e delitos sem conexão material íntima com o primeiro crime; e a presença de dúvidas quanto o aumento de culpabilidade do agente pela reincidência.” (ASSIS, Cássio Chechi de. A solvabilidade constitucional do regime da reincidência criminal. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Out.2014.

Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt>. Acesso em: 8 fev.2016). 571

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.618

(nota de rodapé). 572

DECOMAIN, Pedro Roberto. O Código Penal alemão: tradução, comparação e notas. Porto Alegre,

RS: Núria Fabris, 2014, p.175. 573

ASSIS, Cássio Chechi de. A solvabilidade constitucional do regime da reincidência criminal.

Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Out. 2014. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt>. Acesso em: 8 fev.2016. 574

DECOMAIN, Pedro Roberto. O Código Penal alemão: tradução, comparação e notas. Porto Alegre,

RS: Núria Fabris, 2014, p.21.

Page 172: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

171

A aplicação das medidas de segurança tem prazos

preedeterminados pelo Código Penal, a depender da hipótese de aplicação,

havendo, inclusive previsão de acompanhamento do condenado.

4.6.4 Espanha

O Código Penal Espanhol – Ley Orgânica 10/1995575 – regulamenta

a reincidência no artigo 22, 8ª, sendo uma circunstância agravante que sempre

existiu no ordenamento jurídico espanhol576. Configura reincidência na

Espanha quando o réu comete novo crime do mesmo título do Código Penal577,

sempre da mesma natureza, após o trânsito em julgado da primeira

condenação.

Observa-se, então, que vigora na Espanha a reincidência específica,

havendo dificuldade de conceituá-la. Contudo, o Tribunal Supremo espanhol já

decidiu que crimes da mesma natureza são aqueles que “não só violam o

mesmo bem jurídico, mas também lançam mão do mesmo modo de ataque.” 578

A Espanha adotou a reincidência ficta, já que não exige o

cumprimento total ou parcial da pena da condenação anterior. E, ainda, os

efeitos da reincidência não são perpétuos, visto que os antecedentes criminais

cancelados, de acordo com as regras do Código Penal, não serão

considerados, nem aqueles que correspondam aos delitos leves579.

O artigo 66.1, 5ª regra, dispõe sobre a multirreincidência ou

reincidência qualificada ao prever que aquele reincidente que acumule três

575

O Código Penal espanhol está dividido em dois Livros: I. Disposições Gerais sobre os Delitos, as pessoas responsáveis, as penas, medidas de segurança e demais consequências da infração penal e II. e Dos Delitos e suas penas, os quais se subdividem em Títulos e esses em Capítulos. (Disponível em: <file:///C:/Users/Prof.%20Lisandra/Downloads/BOE-038_Codigo_Penal_y_legislacion_complementaria.pdf>. Acesso em: 8 fev.2016). 576

“Artículo 22. Son circunstancias agravantes [...] 8.ª Ser reincidente. Hay reincidencia cuando, al delinquir, el culpable haya sido condenado ejecutoriamente por un delito comprendido en el mismo título de este Código, siempre que sea de la misma naturaleza. A los efectos de este número no se computarán los antecedentes penales cancelados o que debieran serlo, ni los que correspondan a delitos leves. Las condenas firmes de jueces o tribunales impuestas en otros Estados de la Unión Europea producirán los efectos de reincidencia salvo que el antecedente penal haya sido cancelado o pudiera serlo con arreglo al Derecho español.” (Disponível em: <file:///C:/Users/Prof.%20Lisandra/Downloads/BOE-038_Codigo_Penal_y_legislacion_complementaria.pdf>. Acesso em: 8 fev.2016). 577

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.620.

Esclarece o autor que a relação exigida (mesmo título do Código e da mesma natureza) pretendeu ser qualitativa e assegurar uma certa semelhança entre os fatos em jogo. 578

ASSIS, Cássio Chechi de. A solvabilidade constitucional do regime da reincidência criminal.

Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Out. 2014. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt>. Acesso em: 8 fev.2016. 579

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.618.

Page 173: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

172

condenações anteriores transitadas em julgado por fatos da mesma natureza e

compreendidos no mesmo Título, quando da quarta condenação, o juiz poderá

aplicar pena superior ao limite máximo previsto em lei, desde que justifique de

acordo com a gravidade do novo delito, não se computando os antecedentes

cancelados. Essa espécie de reincidência foi introduzida com a reforma penal

da Lei Orgânica 11/2003, com a justificativa da necessidade de fortalecer a

segurança do cidadão580.

Para o cancelamento dos antecedentes, o Código Penal Espanhol

especifica no artigo 136 que é necessário: a) a reparação do dano, salvo

impossibilidade de fazê-lo, b) transcurso do seguinte tempo, sem o

cometimento de novos crimes – b.1) seis meses para penas leves; b.2) dois

anos para as penas que não excedam doze meses e as cominadas a crimes

culposos; b.3) três anos para outras penas menos graves inferiores a três anos;

b.4) cinco anos para as penas graves, igual ou superior a três anos e b.5) dez

anos para as penas graves, todos com início da contagem após o dia seguinte

ao da extinção da pena.

O Supremo Tribunal da Espanha decidiu em 6 de abril de 1990581

que “a pena imposta ao reincidente não pode ultrapassar o marco da

culpabilidade pelo fato. Assim, fixada essa medida, atendendo-se às exigências

de prevenção, pode-se elevar a pena por conta da reincidência” 582 583.

A reincidência na Espanha, por fim, traz vários reflexos, pois o

reincidente não tem o direito de suspensão condicional da pena, conforme

previsão do artigo 80.2, regra 1ª, com exceção dos crimes culposos e dos

580

VILCHES, Daniela Sanhueza. Análisis jurisprudencial de la reincidencia impropria y quebrantamiento. Universidad de Chile Facultad de Derecho Departamento de Ciencias Penales.

Santiago de Chile, 2015, p.15. Disponível em:< http://repositorio.uchile.cl/bitstream/handle/>. Acesso em: 10 fev.2016. 581

Conforme Santiago Mir Puig, o STS não admitiu abertamente a inconstitucionalidade de todo agravamento da pena pela reincidência, mas apenas considerou de acordo com a Constituição quando não superar o limite da culpabilidade pelo fato, analisada sem considerar a conduta anterior do reincidente. (PUIG, Santiago Mir. Comentarios a la Jurisprudencia del Tribunal Superior – Sobre la constitucionalidade de la reincidência em la Jurisprudencia del Tribunal Supremo y del Tribunal Constitucional. In: Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales. Madrid : Boletín Oficial del Estado,

1948-2010, t.XLVI, Fasciculo III, set.-dez.1993, p.1.140. 582

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.619.

Para o autor, é rechaçável que agrave a pena por uma atitude interna do sujeito, principalmente considerando uma menor capacidade de resistência frente ao delito (menor culpabilidade) de quem tenha passado pela experiência carcerária. 583

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p.219. O autor

discorda, pois a culpabilidade é determinante para considerar o crime existente e a reincidência não diz respeito ao fato, e sim ao autor. Entende ser ele mais perigoso e censurável, principalmente quando tenha cumprido pena, negando a proposta de reeducação do Estado.

Page 174: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

173

crimes leves, revoga a liberdade condicional prevista no artigo 93 e exclui a

possibilidade de indulto. E, ainda, ao reincidente pode ser aplicada medida de

segurança, conforme dispõe o artigo 95 e seguintes do Código Penal.

4.6.5 França

O Código Penal Francês regulamenta a reincidência criminal na

“Subsección 2: De las penas aplicables en caso de reincidência”, artigos 132-8

a 132-16-2584.

Nesses artigos é possível extrair que a França adota a reincidência

ficta e genérica, com aumentos diferenciados aos reincidentes, considerando a

quantidade da pena privativa de liberdade aplicada no primeiro crime e a pena

máxima prevista para o segundo585.

De acordo com o artigo 132-8, se a pessoa física é condenada por

sentença transitada em julgado por um crime com pena de 10 anos de prisão e

comete outro crime com pena máxima de 20 e 30 anos, terá os efeitos da

perpetuidade e a prisão perpétua decretada.

Ademais, quando a pessoa sentenciada por um crime com pena de

dez anos de prisão, comete outro delito, no prazo de dez anos a contar do

cumprimento ou da prescrição da pena deste, com a mesma pena, essa será

duplicada ao máximo das penas de prisão e multa aplicáveis.

Se a pessoa for condenada a dez anos de prisão, ao cometer um

novo delito, no prazo de cinco anos, o qual tenha pena superior a um ano e

inferior a dez, a pena será duplicada no máximo das penas de prisão e da

multa aplicável586.

584

Código Penal Francês. Disponível em: <http://www.juareztavares.com/textos/codigofrances.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2016. 585

CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante.

Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.62. 586

“O critério da temporariedade da reincidência é acolhido no caso de a infração posterior ter pena igual ou inferior a dez anos, visto que se transcorrido o prazo superior a dez anos entre a extinção da pena anterior e o novel crime, não haverá reincidência; esse lapso temporal será diminuído para cinco anos na hipótese de a pena do crime posterior for de um e inferior a dez anos. Nessas hipóteses, as penas de prisão máxima e de multa são duplicadas. (CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2009, p.61-62).

Page 175: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

174

4.6.6 Argentina

Na Argentina também está previsto o instituto da reincidência

criminal nos artigos 50 a 53 (Título VIII do Primeiro Livro) do Código Penal587,

destacando-se algumas regras que serão aqui abordadas.

O sistema adotado é o da temporariedade588, com a regra de que

não haverá reincidência após o mesmo tempo da pena executada, com o limite

mínimo de cinco anos e máximo de dez anos589.

A esse respeito, ressalta-se:

O que possui limite temporal é a eficácia da condenação anterior como exigência necessária para o sujeito adquirir a qualidade de reincidente. É que se contém na Exposição de Motivos dos deputados argentinos que modificaram o Projeto de 1906, que não previa limite temporal da condenação para efeito de reincidência: “Aplicando o Projeto de 1906, condenado o delinquente uma vez, deverá estar perpetuamente submetido às suas consequências, ainda que sua vida posterior tenha sido honesta. O direito de acusar prescreve, as penas também. Por que não há de prescrever o antecedente do crime, quando uma vida posterior honrada demonstrou o reajustamento do sujeito? Propomos, para que essa prescrição se opere, os mesmos prazos que regem a extinção das penas pelo transcurso do tempo

590.

Outrossim, o Código Penal Argentino adota o critério da reincidência

real, já que para configurá-la o autor deve já ter cumprido, total ou

parcialmente, pena privativa de liberdade em crime anterior. A pena de multa

isolada não é considerada para fins de reincidência, tampouco a condenação

por contravenção penal.

587

O Código Penal argentino é organizado por dois Livros: Disposições Gerais e Dos Delitos, os quais se dividem em Títulos, compondo o total de 316 artigos. Disponível em: <http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm>. Acesso em: 08 fev. 2016. 588

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p.

p. 569. 589

CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (artigo1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. “Articulo 50 – Habrá reincidencia siempre que quien hubiera cumplido, total o parcialmente, pena privativa de libertad impuesta por un tribunal del país cometiere un nuevo delito punible también con esa clase de pena. La condena anterior no se tendrá em cuenta a los efectos de considerar al reo como reincidente, cuando hubiere transcurrido outro término igual al de la condena extinguida, que nunca excederá de diez anos ni será inferior a cinco”. (Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com>. Acesso em: 10 fev.2016). 590

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007,

p.570.

Page 176: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

175

É admissível a reincidência internacional, desde que por força do

delito praticado seja possível a extradição, segundo a lei argentina591. Não há

reincidência de delitos políticos, militares próprios, anistiados e cometidos por

menores de 18 anos de idade592.

O artigo 51 regulamenta o direito de registro penal, com regras sobre

o resguardo de informações com a existência de processos penais, a fim de

que a divulgação de certos dados prejudique a vida dos indivíduos.

O artigo 52593 dispõe sobre a reclusão por tempo indeterminado em

caso de reincidência múltipla ou multirreincidência, ou seja, quando o sujeito

acumula reincidências. Isso ocorre quando o sujeito pratica quatro crimes em

que pelo menos um tenha pena privativa de liberdade superior a três anos ou

quando comete cinco crimes punidos com pena privativa de liberdade, com três

anos de pena ou menos. Vale destacar que “un ponto discutido es la reclusión

por tiempo indeterminado, ya que vulneraría los princípios de legalidad y

porporcionalidad”594.

O parágrafo final do artigo 52 traz a possibilidade da suspensão

dessa medida acessória uma única vez, e de acordo com o que dispõe o artigo

26.

591

CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (artigo1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. “ARTICULO 50 [...] “La condena sufrida en el extranjero se tendrá en cuenta para la reincidencia si ha sido pronunciada por razón de un delito que pueda, según la ley argentina, dar lugar a extradición”. (Disponível em: <http://www.ues.flakepress>. Acesso em: 10 fev. 2016). 592

CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (artigo1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. “ARTICULO 50 [...] “No dará lugar a reincidencia la pena cumplida por delitos políticos, los previstos exclusivamente en el Código de Justicia Militar, los amnistiados o los cometidos por menores de dieciocho años de edad”. (Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com>. Acesso em: 10 fev.2016). 593

CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (artigo1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. “ARTICULO 52. Se impondrá reclusión por tiempo indeterminado como accesoria de la última condena, cuando la reincidencia fuere múltiple en forma tal que mediaren las siguientes penas anteriores: 1. Cuatro penas privativas de libertad, siendo una de ellas mayor de tres años; 2. Cinco penas privativas de libertad, de tres años o menores. Los tribunales podrán, por una única vez, dejar en suspenso la aplicación de esta medida accesoria, fundando expresamente su decisión en la forma prevista en el artículo 26.” (Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com>. Acesso em: 10 fev. 2016). 594

VILCHES, Daniela Sanhueza. Análisis jurisprudencial de la reincidencia impropria y quebrantamiento. Universidad de Chile. Facultad de Derecho. Departamento de Ciencias Penales.

Santiago de Chile, 2015, p.22. Disponível em: <http://repositorio.uchile.cl.> Acesso em: 10 fev.2016.

Page 177: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

176

O artigo 53595 traz a possibilidade de o juiz conceder a liberdade

condicional ao réu, depois de transcorridos cinco anos do cumprimento da

reclusão acessória (pena indeterminada), sempre que o condenado tenha

mantido boa conduta, demonstrando aptidão e hábito para o trabalho e as

demais atitudes que revelem que ele não será um perigo à sociedade. Depois

de 5 anos de liberdade condicional, o condenado poderá alcançar a liberdade

definitiva. Se violar qualquer das condições estabelecidas no artigo 13 –

condições da liberdade condicional – (como por exemplo: não cometer novos

delitos), terá revogado o benefício e reintegrado ao regime carcerário anterior

e, apenas, após 5 anos poderá solicitar novamente a liberdade condicional.

Por fim, registra-se que a reincidência na Argentina foi objeto de

análise da Corte Suprema de Justicia de la Nación decidindo esta pela

constitucionalidade do instituto, com apenas o voto divergente do Ministro

Zaffaroni596.

4.6.7 Colômbia

“Por último, existem legislações que eliminaram o conceito de

reincidência, como o fez o Código da Colômbia597, de 1980”598. Um dos

595

CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (artigo1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. “ARTICULO 53 – En los casos del artículo anterior, transcurridos cinco años del cumplimiento de la reclusión accesoria, el tribunal que hubiera dictado la última condena o impuesto la pena única estará facultado para otorgarle la libertad condicional, previo informe de la autoridad penitenciaria, en las condiciones compromisorias previstas en el artículo 13, y siempre que el condenado hubiera mantenido buena conducta, demostrando aptitud y hábito para el trabajo, y demás actitudes que permitan suponer verosímilmente que no constituirá un peligro para la sociedad. Transcurridos cinco años de obtenida la libertad condicional el condenado podrá solicitar su libertad definitiva al tribunal que la concedió, el que decidirá según sea el resultado obtenido en el período de prueba y previo informe del patronato, institución o persona digna de confianza, a cuyo cargo haya estado el control de la actividad del liberado. Los condenados con la reclusión accesoria por tiempo indeterminado deberán cumplirla en establecimientos federales. La violación por parte del liberado de cualquiera de las condiciones establecidas en el artículo 13 podrá determinar la revocatoria del beneficio acordado y su reintegro al régimen carcelario anterior. Después de transcurridos cinco años de su reintegro al régimen carcelario podrá en los casos de los incisos 1º, 2º, 3º y 5º del artículo 13, solicitar nuevamente su libertad condicional.” (Disponível em: http://www.ues.flakepress.com/. Acesso em: 10 fev.2016). 596

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.154. Nota: Recurso de Hecho, causa 6457/2009, j.05-02-2013. 597

Lei 599 de 2000, composta por dois livros – Parte Geral e Parte Especial dos Delitos em Particular, com um total de 476 artigos, divididos em títulos e capítulos. (BERNAL, José Fernando Botero (Compilador y quien actualiza). Código Penal Colombiano – Ley 599 de 2000. Disponível em:

<http://perso.unifr.ch>. Acesso em: 12 fev. 2016). 598

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.716.

Page 178: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

177

argumentos que levou o país a eliminar a reincidência foi a ausência de um

fundamento que não ferisse o princípio do ne bis in idem.

Apesar do apontamento de que a reincidência na Colômbia foi

extinta, observa-se na Parte Especial do Código Penal a menção da recidiva,

como, por exemplo, no crime de contrabando (artigo 319599), a qual aumenta

da metade até três quartos a pena do reincidente, devendo ser específica.

Mesmo assim, a reincidência não é aplicada, pois a doutrina colombiana vem

afirmando que há uma nítida afronta ao princípio da legalidade inserido no

artigo 6º600 do mesmo Código e que esse deve prevalecer sobre a regra da

parte especial. Da mesma forma, mencionada interpretação está em

consonância com o artigo 29-2601 da Constituição da Colômbia que trata

também da legalidade.

A reincidência nesse país também aparece no Código Penitenciário

e Carcerário (Lei nº65/93), como um dos critérios de separação dos internos

(artigo 63)602.

4.6.8 Estados Unidos da América

Os Estados Unidos da América (EUA) possuem uma política criminal

altamente repressiva603 e mesmo assim o índice de reincidência criminal é de

77%, de acordo com os dados estatísticos levantados pelo Departamento de

599

Lei 599 de 2000, composta por dois livros – Parte Geral e Parte Especial dos Delitos em Particular, com um total de 476 artigos, divididos em títulos e capítulos. (BERNAL, José Fernando Botero (Compilador y quien actualiza). Código Penal Colombiano – Ley 599 de 2000. Disponível em:

<http://perso.unifr.ch>. Acesso em: 12 fev. 2016). 600

“Artículo 6. Legalidad. Nadie podrá ser juzgado sino conforme a las leyes preexistentes al acto que se le imputa, ante el juez o tribunal competente y con la observancia de la plenitud de las formas propias de cada juicio. La preexistencia de la norma también se aplica para el reenvío en materia de tipos penales en blanco. La ley permisiva o favorable, aun cuando sea posterior se aplicará, sin excepción, de preferencia a la restrictiva o desfavorable. Ello también rige para los condenados. La analogía sólo se aplicará en materias permisivas.” (BERNAL, José Fernando Botero (Compilador y quien actualiza). Código Penal Colombiano – Ley 599 de 2000. Disponível em: <http://perso.unifr.ch>. Acesso em: 12 fev. 2016). 601

“Artículo 29. [...] Nadie podrá ser juzgado sino conforme a leyes preexistentes al acto que se le imputa, ante juez o tribunal competente y con observancia de la plenitud de las formas propias de cada juicio.” Constituição da Colômbia. (Disponível em: <http://www.jurisciencia.com/vademecum/constituicoes-estrangeiras/a-constituicao-da-colombia-constitucion-de-colombia/582/>. Acesso em: 12 fev.2016). 602

VILCHES, Daniela Sanhueza. Análisis jurisprudencial de la reincidencia impropria y quebrantamiento. Universidad de Chile. Facultad de Derecho. Departamento de Ciencias Penales.

Santiago de Chile, 2015, p.25. Disponível em: <http://repositorio.uchile.cl/>. Acesso em: 10 fev.2016. 603

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.105.

Page 179: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

178

Justiça que acompanhou, durante 5 anos, a vida de 404.638 ex-detentos que

deixaram o sistema prisional em 2005604.

De acordo com essa pesquisa, destaca João Ozorio de Melo:

O levantamento feito para o estudo revelou que, nesse período de cinco anos, a polícia realizou cerca de 5,5 milhões de prisões de membros dessa população de 404.638 prisioneiros, que representam 75% de todos os prisioneiros libertados no país em 2005. Muitas dessas prisões podem envolver mais de um tipo de acusação, como um crime violento e tráfico de drogas — ou delitos menores

605.

Para conter a criminalidade, diversos modelos de repressão foram

criados nos EUA. A Teoria das Janelas Quebras (Broken Windows Theory),

conforme Loïc Wacquant606, criada em 1982 por James Q. Wilson (papa da

criminologia conservadora nos Estados Unidos) e George Kelling, traduz o

ditado popular de “quem rouba um ovo, rouba um boi”, para defender que é

combatendo os pequenos delitos que se evita as grandes patologias criminais.

Seguindo a mesma linha repressiva, surge na década de 1990 a política de

Tolerância Zero (Zero Tolerance), em Nova York, elaborada por Rudolph

Guiliani, prefeito da época, e por Willian Bratton, chefe de polícia, com a

promessa de conter a criminalidade, reforçando veementemente as medidas de

prevenção delitiva. Essa política alimentou uma sensação de insegurança para

se justificar e apresentou reflexos sociais vultosos, como a superlotação de

presídios e a sobrecarga do Poder Judiciário. Com certeza, esses movimentos

desenfrearam a reincidência criminal, com a punição em demasia dos

pequenos delitos.

É a Three Strikes and You´re Out, todavia, que mais reflete na

produção da reincidência criminal. Foi criada pela lei californiana Proposition

184, em março de 1994, após o sequestro e assassinato de Polly Hannah

Klaas, de 12 anos, cometido por um reincidente, Richard Alle Davis, e teve

604

DUROSE, Matthew R; SNYDER, Howard N., Ph.D., and Alexia D. Cooper, Ph.D., BJS Statisticians. Multistate Criminal History Patterns of Prisoners Released in 30 States. U.S. Department of Justice

Office of Justice Programs Bureau of Justice Statistics. Special Report, september 2015, NCJ 248942. Disponível em: <http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/mschpprts05.pdf>. Acesso em: 29 set.2016. 605

MELO, João Ozorio de. Baixa ressocialização. Estudo mostra que índice de reincidência no crime é de 77% nos EUA. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-02/estudo-mostra-indice-

reincidencia-crime-77-eua.> Acesso em: 29 set.2016. 606

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2001.

Page 180: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

179

como escopo trazer a perpetuidade da reincidência. Daniel Silva Boson607 faz

uma análise econômica dos efeitos da reincidência nos Estados Unidos da

América. No ano de 2000 a lei sofreu alterações, pela Propositon 36, no

sentido de trazer menos rigor aos usuários de drogas, permitindo o seu

tratamento no lugar de prisão perpétua; no ano de 2011, foi permitida a

possibilidade de liberdade condicional e de penas menos severas aos

condenados por crimes não violentos ou graves e, no ano de 2012, limitou a

prisão perpétua em razão da terceira condenação em crimes graves ou

violentos. É possível aferir a preocupação com os altos custos gerados pelo

sistema prisional em contrapartida a baixa efetividade.

4.7 Discussão sobre a (in) constitucionalidade da reincidência

Em controle difuso de constitucionalidade, em 4 de abril de 2013, o

Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº453.000/RS,

em sede de repercussão geral, analisou o instituto da reincidência criminal,

com o julgamento unânime a favor da sua constitucionalidade.

O Recurso Extraordinário foi interposto pela Defensoria Pública

Estadual contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS),

que considerou válida a incidência da agravante de reincidência na dosimetria

da pena, mantendo a pena do condenado, Volnei da Silva Leal, pelo crime de

extorsão (artigo 158, caput, do Código Penal) em quatro anos e seis meses608.

Os argumentos apresentados pela Defensoria Pública foram os

seguintes: violação da regra do bis in idem, já que o réu seria punido duas

vezes pelo mesmo fato, ofensa ao princípio da individualização da pena, a

estigmatização do réu, o prejuízo na sua ressocialização e a criação de

obstáculos para uma diversidade de benefícios legais.

O Ministério Público Federal suscitou a tese de constitucionalidade

da regra com o argumento de que o sistema penal brasileiro adota a pena com

a dupla função de reprovar e prevenir o crime. Por isso, a reincidência teria

607

BOSON, Daniel Silva. Three strickes and you´re out: uma análise econômica das penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. nº116, v.23, 2015, p.20. 608

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=235084>, Acesso em 08 de ago. de 2013.

Page 181: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

180

como escopo censurar com maior rigor aquele que reitera na prática criminosa.

Não se trata de uma dupla punição, já que são fatos diferentes e o que se leva

em consideração é a história de vida do criminoso.

A matéria teve a repercussão geral reconhecida em outro recurso,

em 3.10.2008 (RE 591563/RS, Relator Ministro Cezar Peluso).

Posteriormente, em 29.06.2012, foi julgado prejudicado em razão do

provimento do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça. Em

07.03.2013, esse último foi substituído pelo RE 732.290, de relatoria do

Ministro Gilmar Mendes, com a aplicação do entendimento firmado a todos os

processos semelhantes em trâmite nos demais tribunais e, ainda, a

possibilidade de decisão monocrática pelos ministros em habeas corpus sobre

o mesmo tema.

No RE 591563/RS, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

(IBCCrim) requereu sua inclusão como amicus curiae, porém o pedido foi

negado, uma vez que o processo já estava incluído em pauta para julgamento.

No entanto, o instituto publicou sua manifestação e se posicionou pela não

recepção da agravante de reincidência pela Constituição Federal609.

Em decorrência da decisão do RE nº453.000, foram negados pelos

ministros quatro habeas corpus: HCs nº93411, nº93815, nº94361 e nº94711

que levantavam a mesma matéria.

A partir da decisão da Suprema Corte, com relatoria do Ministro

Marco Aurélio, podem ser extraídos vários fundamentos que consideraram a

reincidência criminal constitucional. A seguir, serão abordados, conforme a

decisão de cada Ministro.

a) Relator Ministro Marco Aurélio:

a.1 ) A reincidência criminal traz múltiplas repercussões no

decorrer do processo, com reflexos em vários institutos penais, por isso

compõe o sistema de política criminal de combate à delinquência.

a.2) Trata-se de um fato de discriminação que se mostra

razoável, já que leva em consideração o perfil do réu;

609

A questão da agravante da reincidência e a vedação de bis in idem: subsídios do IBCCrim para o

debate constitucional no âmbito do RE 591.563/STF. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/docs/amicus_curiae/RE_n._591563-8_Reincidencia.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Page 182: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

181

a.3) É inadmissível o desmonte do sistema criminal diante do

aumento sem igual da prática criminosa;

a.4) A reincidência, que existe desde a época do Império, é

proporcional tendo em vista a política normativa criminal e envolve mais de

vinte institutos penais.

b) Ministra Rosa Weber:

b.1) A reincidência não implica dupla valoração;

b.2) Não é uma nova punição, mas resulta de maior juízo de

censura.

b.3) Não se trata de direito penal do autor, pois o que é valorado

negativamente é a conduta criminal pretérita, o que o agente fez e não uma

condição pessoal dele.

b.4) A reincidência não interfere no momento de cognição e

decisão, apenas na exasperação da pena, não violando o princípio da

individualização da pena (artigo 5º, XLVI, Constituição Federal de 1988).

b.5) Faz parte da tradição do Direito brasileiro, sendo também

prevista no direito comparado e, se reputada inconstitucional, traria um

significativo impacto na legislação brasileira.

c) Ministro Luiz Fux:

c.1) A análise da reincidência deve ser tratada como uma tese

biopsicológica (“saber se o Estado teleológico, que tem a finalidade de

recuperar o imputado, ele fracassa nessa sua promessa, em razão de o

acusado ter delinquido”). E, o Supremo Tribunal Federal não tem como saber

sobre as condições da personalidade do agente. Se há a volta, a delinquência

está relacionada ao sistema carcerário.

c.2) A reincidência revela que a condenação transitada em

julgado restou ineficaz no seu efetivo preventivo.

d) Ministro Dias Tóffoli: acompanhou o voto do relator.

e) Ministra Cármen Lúcia: a reincidência é uma forma de tratar

igualmente os iguais, deixando as desigualdades para os desiguais.

Acompanhou, desta forma, o voto do relator.

f) Ministro Ricardo Lewandowski: a reincidência é justificável na

exacerbação da pena do segundo crime pela maior culpabilidade do agente e

Page 183: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

182

pela maior reprovabilidade que sobre ele recai, nas palavras de Aníbal Bruno.

Acompanhou o voto do relator.

g) Ministro Gilmar Mendes:

g.1) a discussão da reincidência remete à falência do próprio

modelo penal prisional.

g.2) São necessárias medidas positivas de reinserção social

para afetar a reincidência.

g.3) Poucas são as respostas satisfatórias de enfrentamento da

reincidência.

h) Ministro Joaquim Barbosa: o condenado que comete novo crime

não cumpriu a missão ou as finalidades da pena.

Diante disso, importa a análise dos argumentos que fundamentam e

defendem a existência do instituto da reincidência e, em contrapartida, dos que

a rechaçam com respaldo constitucional.

4.7.1 Fundamentos favoráveis e a constitucionalidade da reincidência

Vários são os argumentos que embasam a existência e a

manutenção da reincidência criminal no ordenamento jurídico brasileiro. A

origem da reincidência, como visto, está impregnada desde as primeiras

legislações penais e nunca foi excluída no Brasil, passando apenas por

algumas alterações.

Com tantos anos de aplicação desse instituto, diversas são as

razões que o fundamentam. Um primeiro argumento é o de que a reincidência

constitui a prova de que o criminoso tem maior periculosidade, já que reiterou

na prática delituosa610, por isso a reincidência pode ser “entendida como maior

possibilidade de o indivíduo praticar novamente um ilícito, sendo, pois,

necessária em defesa da sociedade contra o infrator”611. Esse argumento

610

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.717. 611

ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ,

Brasília, ano XII, nº40, p.73-80, jan.-mar., 2008, p.74.

Page 184: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

183

exposto está relacionado também como da prevenção especial da pena612, que

se subdivide em especial positiva e especial negativa.

É muito criticado por se entender que a periculosidade deve ser

analisada em cada caso prático, não podendo ser presumida.613 Conforme

Eugenio Raúl Zaffaroni614, essa explicação, que se afasta do direito penal de

garantias, reduz o homem a uma “coisa” dirigida mecanicamente, retirando sua

qualidade de pessoa, além de cair no julgamento por meio de presunções. A

presunção de que o agente irá cometer mais crimes, apenas poderia ser

mantida se houvesse a investigação de fatores atrelados tanto à personalidade

do agente como sua história de vida (emprego, relações familiares, sociais,

etc.). Esse método ultrapassaria o campo da culpabilidade, pois seria a

expectativa de como o réu deve ser levada em consideração para a aplicação

da pena e não o que ele fez615. Além disso, a atual situação do sistema

carcerário brasileiro vai de encontro à ressocialização, já que a pena privativa

de liberdade possui um caráter muito mais destrutivo do que edificante na vida

do condenado616.

De acordo com Paulo Queiroz:

É de reconhecer, portanto, que a reincidência já não constitui uma prova segura de maior perigosidade, não se justificando, também por essa razão, sua existência. Por isso não é exato dizer que a reincidência é um sinal de periculosidade, como a febre é sinal de infecção, como a putrefação é sinal de morte (Hungria). Além disso, a reincidência não passa, como assinala Munõz Conde, de uma pena tarifada, na medida em que ela atua como causa de agravamento da

612

“O argumento de prevenção especial que busca justificar a majorante da reincidência é simples: a reiteração do delito revela a periculosidade do agente e prenuncia que o mesmo irá cometer novos delitos no futuro. Para evitar isso, seria preciso que o Estado atue sobre o agente através da imposição da pena criminal. Esta atuação pode se dar tanto para que o autor “aprenda” como que “fez”, seja “ressocializado” – prevenção geral positiva – ou para que a maior reprimenda iniba o condenado de cometer mais delitos ou o isole por mais tempo e poupe a sociedade dos possíveis crimes que o agente poderia cometer quando em liberdade – prevenção especial negativa, incapacitação seletiva (selecitve incapacitation)”. (TEIXEIRA, Adriano. O papel da reincidência criminal na aplicação da pena – reflexões a propósito do Acórdão do RE 453.000 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2014, RBCCrim 108, p.531). 613

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. V.1. –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.717. 614

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales: Montevideo, v.2, 1996,

p.121. 615

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.167. 616

Nas palavras do autor: “... não é necessário recorrer a nenhum estudo empírico-científico para colocar em xeque os supostos efeitos ressocializantes da pena, tendo em vista sobretudo a deplorável situação das prisões brasileiras. Hoje sabe-se que um acréscimo de pena tem o poder de promover, na verdade, uma mais forte dessocialização do condenado. Isso sem mencionar a ilegitimidade ética da pretensão de corrigir ou melhorar o indivíduo por meio de coação.” (TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena:

fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.167).

Page 185: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

184

pena fundada em fato diverso, gerado de culpabilidade e de responsabilidade próprias, de modo que o plus de gravidade decorrente da reincidência equivale à pena sem culpabilidade, estranho ao fato e que importa em dupla valoração da mesma causa, constituindo bis in idem

617. (grifo nosso).

Um segundo fundamento era o de que a reincidência demonstrava

ter o autor do crime uma vontade mais forte e maior permanência. Porém, essa

conclusão não podia ser demonstrada, uma vez que não respondia bem aos

casos em que os delitos são completamente diferentes618.

Outro fundamento leva à interpretação de que se a condenação

anterior não foi suficiente para evitar que o autor praticasse um novo crime,

deve-se reforçar a segunda. Na Alemanha, doutrina e jurisprudência

dominantes denominam esse argumento de “teoria ou modelo do alerta”

(Warnungsmodell)619. Se o réu possui uma energia criminal intensa e uma

maior consciência sobre a proibição da conduta praticada, merece reprimenda

mais rigorosa, eis que possui, então, culpabilidade elevada e conhecimento

mais apurado da proibição620. Várias são, porém, as críticas a esses

fundamentos do acréscimo de pena.

A chamada “ação criminógena do cárcere” reduz as chances do

condenado ter uma vida conforme às normas do ordenamento jurídico formal.

Desta feita, a personalidade do agente é deformada pela prisão e o leva a

maior insensibilidade da função de alerta mencionada. Eis a culpabilidade

menor que justificaria a reincidência como atenuante e não agravante da

pena621.

Esse argumento de alerta é duramente criticado tanto na

reincidência ficta quanto na real622. Na primeira, é evidente que uma mera

617

QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal – parte geral. v.1. 8.ed. Salvador:Jus Podivm, 2012, p.456. 618

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.717. 619

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.159. 620

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.159. 621

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.160. 622

“Entretanto, com relação aos ordenamentos que adotam a reincidência ficta, ou seja, aquela em que é desnecessário o efetivo cumprimento da pena, como se pode inferir que o autor do ilícito se apresentará indiferente à sanção que o Estado lhe aplicará? Ainda, na reincidência real, sabe-se que a pena, que deveria desmotivar o sujeito e reinseri-lo na vida em sociedade é, antes disso, fator que seleciona e agrava na sua personalidade o rótulo de “desviado”. (ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ, Brasília, ano XII, nº40, p.73-80, jan.-mar., 2008, p.75).

Page 186: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

185

intimação de uma condenação não é capaz de fazer qualquer efeito e, na

segunda, há muito a pena vem demonstrando ser um desvio da pessoa sem

qualquer função de reintegração do sujeito que a sofre. No mesmo fundamento

adentra a reprovação da personalidade da pessoa, o que levaria a um direito

penal do autor623.

Outrossim, o conhecimento mais apurado da proibição não advém

apenas da reincidência, visto que, a depender do caso concreto, um réu

primário pode ter muito mais conhecimento do que o reincidente, como é o

caso de agentes policiais, juízes, funcionários da justiça, que possuem alto

grau de consciência. Isso, por si só, justificaria o aumento de pena? Crê-se que

não. Da mesma forma, um reincidente que pratica um novo delito, porém com

consciência da ilicitude enfraquecida, não merece maior reprimenda, a exemplo

do reincidente em lesão corporal que pratica delito econômico com a dúvida

sobre a proibição624. Eis a importância da análise caso a caso.

Além disso, a reincidência se fundamentaria na prevenção geral

positiva e negativa. A prevenção geral positiva traz a necessidade de confirmar

a vigência da norma na sociedade com uma pena mais severa; e se dirige a

todos os cidadãos, inclusive os que nunca cometeram delitos; e na prevenção

geral negativa para inibir as pessoas que cometeram um ou mais delitos no

passado, ou seja, não primários625.

O grande problema apontado em relação a esses fundamentos é

que a linha preventiva pode levar às últimas consequências, com aplicação de

penas exorbitantes626, como por exemplo, “a punições de pequenos delitos

patrimoniais com penas privativas de liberdade superiores a uma década, como

623

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.717. 624

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.160. 625

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.163. 626

Para Adriano Teixeira, o problema central da fundamentação da agravante da reincidência na ideia de prevenção geral é o risco da desproporcionalidade das penas em relação à gravidade do delito cometido. Contudo, entende que esse fundamento não é de todo descabido se a reincidência for aplicada de forma racional e moderamente, a exemplo, quando a pena tem o caráter de um “preço facilmente pagável”, como é o caso de multa ou penas restritivas de direito em crimes ambientais ou financeiros, em que seria possível pensar na aplicação de pena mais grave (detenção, v.g.) no lugar da pena de multa. Desta forma, é interessante seu entendimento, que a partir dessa concepção, a reincidência poderia ser restringida a algumas espécies de delitos, deslocando-se da Parte Geral para a Especial. (TEIXEIRA, Adriano. O papel da reincidência criminal na aplicação da pena – reflexões a propósito do acórdão do RE 453.000 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2014, RBCCrim 108, p.529-530).

Page 187: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

186

infelizmente sói ocorrer nos EUA e no Reino Unido”. Soma-se a isso, o fato de

o fim da prevenção por meio da pena e, consequentemente, do aumento da

reincidência, não ser alcançado, o que coloca em xeque a eficácia empírica

dessa agravante627.

Por fim, a reincidência possui como fundamento a necessidade de

manter a imagem do Estado enquanto provedor de segurança pública. Desta

forma, o reincidente merece uma pena mais gravosa por ter violado a norma

penal e obstado a função estatal, havendo, portanto, um maior conteúdo do

injusto no delito posterior628.

Esse fundamento parte da premissa de que a conduta criminosa

reiterada “intensifica a gravidade do injusto atual”, porém, deve-se analisar o

conceito de injusto. Se injusto penal significar dano à validade da norma ou

perturbação da paz jurídica, a reiteração de delito exigiria uma resposta mais

contundente do Estado629.

Por isso afastar-se-ia qualquer violação ao princípio do ne bis in

idem, exposto no capítulo anterior. Nessa senda, na tentativa de fundamentar a

reincidência sem violar esse princípio, foi elaborada uma teoria por Armin

Kaufmann, ao entender que cada tipo penal tutelaria dois bens jurídicos. A

reincidência estaria ofendendo bem jurídico diverso do segundo delito

cometido. O autor do crime estaria violando o segundo delito e o primeiro que

proíbe cometer o segundo630.

Eugenio Raúl Zaffaroni631, ao abordar a justificação da reincidência

pela dupla lesão, observa que: “Por la misma senda puede ubicarse la tesis

que ve em todo tipo dos normas: uma que prohibe la conducta típica y outra

que impone la abstención de cometer otros delitos em el futuro (Armim

Kaufman)”.

627

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.164. 628

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.718. 629

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.161. 630

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.162. 631

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales: Montevideo, v.2, 1996,

p.121. “Da mesma forma, pode localizar a tese de que vê em todo tipo duas normas: uma proibindo a conduta típica e outra impondo a abstenção a de cometer outros crimes no futuro (Armin Kaufmann).” (Tradução livre).

Page 188: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

187

A reiteração criminosa configura-se, nesse sentido, à

desconsideração dos bens jurídicos em geral e dos especificamente

selecionados na conduta criminosa, havendo, pois, uma dupla violação: do

delito que se pune e da proibição de reiteração da prática criminosa.

Contudo, a difícil compreensão dessa teoria também a afastou:

Esta estaria ligada à pergunta sobre qual seria esse outro bem jurídico, e a conclusão que se chegaria é de que não pode ser outro que não o geral sentimento de segurança jurídica, mas, o geral sentimento de segurança jurídica provém da efetiva segurança jurídica de todos os bens jurídicos, que não é nenhum bem jurídico independente e nem concreto, mas a somatória de todos os bens jurídicos

632 633

.

Vale, ainda, ressalvar que “afronta a ideia de legalidade postular um

dever de obediência ou uma proibição adicional, para além do bem ou do

direito protegido pela norma do tipo penal realizado”634.

Além disso, “não existe, de forma autônoma, uma metanorma

jurídico-penal ‘não se deve violar norma”635 e a proibição de violar norma

aplica-se de forma igual para todos os cidadãos.

Assim, os fundamentos que mantém a reincidência no ordenamento

jurídico são questionáveis e abrem a reflexão sobre a reformulação da forma

como vem sendo aplicada.

A partir dessa concepção, a reincidência vem destoada do direito

penal e processual penal de garantias ao pretender a aplicação de forma cega

e indiscriminada, sem medir as consequências processuais, como fortemente

debatido pela doutrina, o que se abordará a seguir.

632

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.719. 633

E ainda: “Esta duplicidade de normas, aparte de ser uma figura bastante atormentada, deriva necessariamente de un nuevo bien jurídico que sei ala mera voluntad estatal. Es incuestionable que em este planteamiento la disciplina se convierte em um bien jurídico, pues em modo alguno puede sostenerse que la segunda norma se limita a tutelar el bien jurídico afectado por el segundo delito, dado que en este caso no se explicaria el plues de penalidade”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales: Montevideo, v. 2, 1996, p.121). 634

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.162. 635

TEIXEIRA, Adriano. O papel da reincidência criminal na aplicação da pena – reflexões a propósito do acórdão do RE 453.000 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2014, RBCCrim 108, p.528.

Page 189: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

188

4.7.2 A ilegitimidade da reincidência: violação aos princípios

constitucionais e o direito penal do autor

Mesmo diante da decisão de constitucionalidade da reincidência

pelo Supremo Tribunal Federal, baseada em diversos fundamentos,

indispensável nessa tese de doutoramento apresentar a corrente que entende

ser este instituto contrário aos preceitos do Estado Democrático de Direito

brasileiro.

Desde muito tempo a reincidência é contestada pela doutrina. Em

obra de Edgard Magalhães Noronha de 1963, o autor menciona:

Juristas há que contestam a legitimidade da reincidência, visto quebrar a proporcionalidade entre a pena e o crime, já que exacerbando a pena, o réu está pagando por circunstância de todo estranha ao delito por que está sendo punido. Maior é, entretanto, o número dos que a aceitam, legitimando-a, seja por se ter revelado ineficiente a primeira pena, seja por manifestar patentemente o criminoso sua inadaptação ou rebeldia à ordem constituída, donde a necessidade de repressão mais severa

636.

Nelson Hungria637, ao abordar a medida de segurança aplicável aos

reincidentes em crimes dolosos, já observara que “uma das maiores

preocupações da política criminal moderna tem sido o combate à reincidência.”

Justifica que a aplicação da pena para certos criminosos é insuficiente, pois

eles saem da prisão e já retornam à prática do crime. Desta feita, como o

aumento de pena para os reincidentes em geral não teve o êxito esperado,

seria necessário um tratamento especial de readaptação. A reincidência, a

propósito possuía presunção de periculosidade.

Após a Reforma de 1984, essa presunção foi vedada, já que a

reincidência passou a ser apenas uma forma de agravar a pena, considerando,

então a responsabilidade penal com base na culpabilidade. Contudo, manteve-

se implícito o “fundamento periculosita, típico do sistema de direito penal do

autor”638.

636

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. v.1.2.ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p.326. 637

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.109. 638

A questão da agravante da reincidência e a vedação de bis in idem: Subsídios do IBCCrim para o

debate constitucional no âmbito do RE 591.563/STF. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/docs/amicus_curiae/RE_n._591563-8_Reincidencia.pdf>. Acesso em: 14 jan.2016, p.08.

Page 190: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

189

Salo de Carvalho639 entende que a teoria que melhor explicita nosso

modelo justificador da reincidência é o da teoria criminológica derivada do

positivismo, embora essa justificativa seja ocultada no discurso oficial. Como a

reforma do Código Penal realizada pela Lei nº7.209/84 extinguiu a medida de

segurança para o imputável, viu-se a necessidade de reforçar o sistema com

penas mais longas àqueles indivíduos de alta periculosidade. Basta analisar o

§59 da Exposição de Motivos da referida lei. Contudo, outras justificativas

explicam a existência da reincidência. Amparado na jurisprudência alemã,

Adriano Teixeira640 esclarece que há duas teorias que justificam a existência da

reincidência neste país. Para os adeptos da dupla construção indiciária

(doppelspurige indizkonstruktion) analisando os comportamentos pré- e pós-

delitivos para a fixação da pena de modo geral, ou seja, a vida pregressa do

autor, os atos praticados pós crime são importantes para aferir a valoração do

fato delituoso, a personalidade do agente sob a perspectiva da prevenção

especial. Para outra posição doutrinária, concepção que postula um conceito

normativo de fato ampliado, os comportamentos pré- e pós-delitivos seriam

parte integrante do injusto culpável.

A partir dessas concepções o autor desenvolve o raciocínio em torno

da reincidência criminal, mas já de plano entende que não é convincente. Os

argumentos relativos à rejeição da reincidência são a violação dos princípios da

individualização da pena, do ne bis in idem, da proporcionalidade, e, ainda, a

acusação de direito penal do autor.

No que se refere ao princípio da individualização da pena641 (artigo

5ª, XLVI), que proíbe penas absolutas, desde a fixação abstrata pelo legislador

até a dosimetria no caso concreto, é obedecido por meio de instrumentos como

639

CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista (Comentário de Jurisprudência). Revista de Estudo Criminais n.1, 2001, p.113-114.

“Demonstra o §59 da Exposição de Motivos da Lei 7.209/87 que “[...] com a extinção, no Projeto, da medida de segurança para o imputável, urge reforçar o sistema destinando penas mais longas aos que estariam sujeitos à imposição de medida de segurança detentiva e que serão beneficiados pela abolição da medida. A política criminal atua, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a liberação prematura de determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada periculosidade”. E ainda: “O fato de abandonar a imposição complementar da medida de segurança (sistema do duplo binário) ao reincidente e substituí-la pela majoração da pena não ameniza o substrato ideológico que conforma o sistema, pelo contrário, demonstra claros sinais de sua presença.” 640

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.152. 641

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.156.

Page 191: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

190

as agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição, “pois

permitem mensurar distintamente realizações típicas de diferentes

intensidades.” Por isso, a reincidência nem sempre poderia indicar uma

agravante, podendo funcionar como redução de pena642.

Nessa senda, Alberto Silva Franco643 entende que a reincidência até

pode ser valorada penalmente, contudo, não pode ser mantida no Estado

Democrático e Social de Direito como uma agravante obrigatória. Deveria ser

analisada pelo juiz caso a caso, na individualização da pena, “nada obstando

que em determinadas situações seja até considerada como circunstância

atenuante inominada (artigo 66 do Código Penal)”644.

A proibição de dupla valoração do mesmo fato é um dos argumentos

mais fortes para os que rechaçam a reincidência, pois a pena é agravada por

conta de um crime já julgado e que o autor já recebeu a punição, o que

caracteriza o fundamento pelo que o autor é e não a conduta praticada,

verdadeiro direito penal do autor, incompatível com nosso modelo estatal, já

que a incriminação de simples estados ou condições existenciais é proibida

pelo princípio da lesividade. Nesse sentido, “o direito penal só pode ser um

direito penal da ação, e não um direito penal do autor, como frequentemente se

pretende”645.

Não é admissível punir alguém pelo que é/ser, mas apenas pelo que

fez. Por isso, na visão de Alberto Silva Franco646, a reincidência é “um desvio

pessoal que não afeta, em si mesmo, nenhum bem jurídico ou, de forma mais

sintética, ‘é um modo de ser mais do que um modo de atuar’.” Destaca-se,

ainda, que para o mesmo autor a reincidência como agravação da pena

consagra um tipo penal do autor, o que é rechaçável num direito penal de

conteúdo garantístico.

642

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.156. 643

O autor defende ser evidente a relação conflituosa entre a reincidência e esses princípios, constitucionais: princípios do ne bis in idem, da legalidade, proporcionalidade, do direito penal do fato, da culpabilidade, da igualdade, presunção de inocência. (FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal; Boletim IBCCrim nº209. abr. 2010. Disponível em:

<http://www.ibccrim.org.br/>. Acesso em: 13 jul. 2014, n/p. 644

FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCrim nº209, abr.2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/> Acesso em: 13 jul. 2014, n/p. 645

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011,

p.91. 646

FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCrim nº209, abr.2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/> Acesso em: 13 jul. 2014, n/p.

Page 192: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

191

De acordo com Eugenio Raúl Zaffaroni647, há uma pretensão de

justificar a reincidência por meio de um direito penal do autor, com o

julgamento do que o homem é e não pelo que fez, por um caminho materialista

da periculosidade e pela culpabilidade do autor. A reincidência seria um

antecedente das tristes construções do “inimigo do povo” stalinista, do “inimigo

do estado” fascista, do “inimigo da nação” nazista e do subversivo da

“segurança nacional”. Um discurso jurídico-penal que pretende legitimar a

sanção do homem pelo que é e não pelo que fez ofende um princípio

fundamental do direito penal de garantias: a inviolabilidade da consciência

moral da pessoa e desconsidera que todo ser humano é pessoa, princípio

matriz da elaboração da teoria dos direitos humanos.

Nesse contexto, Cândido Furtado Maia Neto648 esclarece: “A

criminologia aplicada deveria ser unicamente a sócio-política, porque a

criminologia clínica (positivista, lombrosiana, ferriana e da doutrina da defesa

social, para citar algumas) se enquadra ao direito penal de autor”.

Adriano Teixeira649 adverte que a tese da violação do bis in idem “só

pode ser refutada caso se consiga fundamentar que a reincidência afeta a

gravidade do novo delito, seja aumentando-lhe a culpabilidade ou o injusto, ou

ainda indique uma maior necessidade de prevenção.”

O princípio do ne bis in idem seria um dos corolários da violação

constitucional causada pela reincidência, já que traz um gravame configurando

dupla punição, ao condenado. Referida proibição também tem referência no

Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos

Humanos), no artigo 8º, item nº4 650.

Em defesa da extinção do instituto da reincidência em respeito ao

princípio ne bis in idem no Estado Democrático de Direito, Cândido Furtado

Maia Neto651 afirma: “seja a reincidência de direito ou de fato, ambas são

647

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales. v.2. Montevideo, 1996,

p.125. (tradução livre). 648

MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos e justiça penal. Revista de Ciência Jurídica e Sociológica da Unipar. Toledo-PR, v.58, nº2, p.203-211, jul.-dez. 2002, p.210. 649

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.157. 650

“O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.” (BRASIL. Decreto-lei nº678, de 6 de novembro de 1922). 651

MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos e justiça penal. Revista de Ciência Jurídica e Sociológica da Unipar. Toledo-PR, v.58, nº2, p.203-211, jul.-dez. 2002, p.210.

Page 193: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

192

incompatíveis com os princípios reitores de Direitos Humanos”, eis que se cria

um plus na sentença penal condenatória.

Para Alexandre Morais da Rosa652, a reincidência serve para fixar a

pena necessária à recuperação do condenado, com forte influência da ‘Escola

Positiva’; e fundamentada na periculosidade, viola escancaradamente o

princípio do ne bis in idem e da ‘intangibilidade da coisa’.

Segundo Paulo Rangel, a reincidência é a instituição do bis in idem

em afronta clara à Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São

José da Costa Rica, artigo 8º, item 4)653.

Essa violação se estenderia à coisa julgada, garantia constitucional

prevista no artigo 5º, XXXVI, pois se há um agravamento da sentença posterior

devido a uma condenação anterior, a intangibilidade da coisa julgada cairia por

terra.

De acordo com Salo de Carvalho654, “existe profunda antinomia

entre o instituto e a intangibilidade da coisa julgada.” Zaffaroni655 entende que a

reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de

garantias, e sua constitucionalidade é veementemente discutível. Para ele, “a

reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em

“disciplinadas” e “indisciplinadas”, e é óbvio não ser esta função do direito

penal garantidor.”

Santiago Mir Puig656, ao analisar a jurisprudência da Espanha sobre

a reincidência, expõe o posicionamento assumido em sua obra La reincidência

em el Código penal, de 1974, com o entendimento de que a agravante é pouco

coerente com o espírito da Constituição e considerou insuficiente os

fundamentos da reincidência pelo direito positivo. Por isso, considerando

652

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão no processo penal como bricolage de significantes. Tese de

Doutorado. Ciências Jurídicas e Sociais. Universidade Federal do Paraná, Paraná. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br> Acesso em: 15 mar.2016, p.366. 653

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.814. 654

CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista (Comentário de Jurisprudência). Revista de Estudo Criminais n.1, 2001, p.116. 655

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.719. 656

PUIG, Santiago Mir. Comentarios a la Jurisprudencia del Tribunal Superior – Sobre la constitucionalidade de la reincidência em la Jurisprudencia del Tribunal Supremo y del Tribunal Constitucional. In: Anuário de derecho penal y ciencias penales. Madrid: Boletín Oficial del Estado,

1948-2010, t.XLVI, Fasciculo III, set.-dez.1993, p.1144-1145.

Page 194: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

193

insuficiente o fundamento próprio da reincidência, acredita que essa agravante

deveria ser eliminada ou, ao menos, se tornar facultativa no direito vigente657.

Na mesma linha, Lenio Streck658 há muito defende a tese de que a

reincidência deve ser discutida, mormente em termos de ser ou não

inconstitucional. Para ele trata-se de um “bis in idem e uma violação da

secularização que deve haver, no direito penal, entre direito e moral. O Estado

não pode punir a sua própria incompetência”:

[...] esse duplo gravame de reincidência é antigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito, mormente pelo seu conteúdo estigmatizante, que divide os indivíduos em ‘aqueles que aprendem viver em sociedade’ e ‘aqueles que não aprendem e insistem em continuar delinquindo

659.

Para o autor, o direito penal não pode querer “melhorar” o indivíduo.

Observa que durante um considerável período, a 5ª Câmara do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) aplicava sua tese, porém, foi derrotado

no Supremo Tribunal.

Lenio Streck problematiza a situação:

Não será dito, por óbvio, que a reincidência é, “em si”, inconstitucional. Mas pode ser que será dito — como já o foi pela 6ª Turma do STJ — que, em determinados casos, ela não se aplica. Como venho sustentando, toda aplicação de princípio no processo penal é uma hipótese de nulidade parcial sem redução de texto

660.

Para Débora de Souza Almeida:

Nota-se que o instituto da reincidência, por entrelaçar direito e moral ou direito e natureza, constitui-se numa norma discriminatória, posto que visa, na sua essência, a punição da personalidade, do modo de ser ou da conduta de vida do indivíduo. Logo, a agravante é inconciliável com a axiologia garantista, pois ao fundar-se em critérios metafísicos que propiciam o juízo de valor, impede a refutação

661.

657

PUIG, Santiago Mir. Comentarios a la Jurisprudencia del Tribunal Superior – Sobre la constitucionalidade de la reincidência em la Jurisprudencia del Tribunal Supremo y del Tribunal Constitucional. In: Anuário de derecho penal y ciencias penales. Madrid: Boletín Oficial del Estado,

1948-2010, t.XLVI, Fasciculo III, set.-dez.1993, p.1151. 658

STRECK, Lenio. Senso incomum. Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 15 nov.2015. 659

STRECK, Lenio. Tribunal do júri: símbolos e rituais. 3.ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001,

p.66. 660

STRECK, Lenio. Senso incomum. Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 15 nov.2015. 661

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas.

Curitiba: Juruá, 2012, p.158.

Page 195: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

194

Argumento bastante difundido na crítica da reincidência também é a

desproporcionalidade da pena aplicada e da gravidade do delito cometido, mais

expressiva nos crimes de bagatela662, em que a pena agravada não se justifica

considerando o grau de lesividade ao bem jurídico protegido, a exemplo dos

furtos de objetos de pequenos valores, em que o Supremo Tribunal Federal já

afastou a insignificância em caso de reincidência. O Supremo Tribunal Federal

uniformizou a jurisprudência no sentido de que deve ser analisado caso a caso

para a aplicação ou não do princípio da insignificância, com a publicação do

acórdão em 01.02.2016663.

Os princípios da legalidade e da proporcionalidade também são

violados, uma vez que pela legalidade há a limitação da pena no mínimo e no

máximo e a cada delito, proibindo a sanção de um delito se estender ao outro.

A reincidência, nesse viés, provoca uma espécie de ultra-atividade

das consequências do delito anterior já julgado, além de representar uma

reação penal desproporcional por que não guarda relação com a infração

cometida.664

Ademais, se o autor é punido mais severamente no segundo delito

em virtude de condenação anterior transitada em julgado, há uma agravante

obrigatória que considera o autor do fato (reincidente) e não o fato praticado.

Nesse sentido, defende René Ariel Dotti que a aplicação obrigatória

da reincidência ofende o princípio nulla poena sine culpa, ou seja, da

culpabilidade em relação ao fato concreto. Para ele, “não se pode exigir do

agente a compreensão da ilicitude por um fato que já ocorreu e,

662

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da

pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.158. 663

Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (I) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (II) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do artigo 33, §2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo. Acesso em: 10 fev.2016). 664

FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCrim nº 209 . Abr. 2010. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/> Acesso em 13 jul 2014, n/p.

Page 196: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

195

eventualmente, tenha sido julgado. O ideal será reconhecer a agravante da

reincidência como uma hipótese de aplicação facultativa”665.

Também a ilegitimidade da reincidência é apontada pela afronta aos

preceitos dos princípios da igualdade, da presunção de inocência e da

dignidade da pessoa humana.

O primeiro é entendido como violado, pois penas diversas são

aplicadas a fatos idênticos666, considerando-se a vida pregressa do sujeito em

seu desfavor por meio da interpretação deturpada desse princípio. Pela

igualdade não é permitido aplicar penas iguais a criminosos diferentes –

primário e reincidente. Contudo, releva-se o argumento de que “a culpa não

altera o resultado se praticado ora por um reincidente, ora por um primário”667.

Viola-se, ainda, o princípio da presunção de inocência, visto que a

reincidência é aplicada de forma automática, sem analisar se realmente o

condenado é perigoso668, criando-se uma presunção absoluta de

periculosidade do agente669.

Por fim, a ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana se

torna concreta por denigrir a pessoa do condenado670 com forte lastro de

estigmatização, conforme será tratado no último capítulo desta pesquisa.

4.8 Rumo ao processo penal democrático

Diante de todos esses fundamentos, contrários e favoráveis à

reincidência, o ponto nevrálgico do presente estudo é se o instituto da

reincidência, diante da constitucionalidade atribuída pelo Supremo Tribunal

Federal, não poderá sofrer qualquer alteração que venha a refletir no âmbito do

665

DOTTI, René Ariel. Algumas alterações propostas para a parte geral – o problema penal da

reincidência. Disponível em: <http://www.professordotti.com.br/a-reforma-do-codigo-penal-xv/>. Acesso em: 2 fev.2015. 666

FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCrim nº209, abr.2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/>. Acesso em: 13 jul. 2014, n/p. 667

SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades nº16, maio-ago., Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2014, p.63. 668

FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCrim nº209, abr.2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/>. Acesso em: 13 jul. 2014, n/p. 669

PEIXOTO, Marcos Augusto Ramos. Há motivos para reincidir na reincidência. R. EMERJ, Rio de

Janeiro, v.16, nº62, p.231-250, abr.-set., 2013. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br>. Acesso em: 15 jan. 2014, n/p. 670

PEIXOTO, Marcos Augusto Ramos. Há motivos para reincidir na reincidência. R. EMERJ, Rio de

Janeiro, v.16, nº62, p.231-250, abr.-set., 2013. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.brf>. Acesso em: 15 jan. 2014, n/p.

Page 197: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

196

sistema processual penal. Ou seja, é possível rediscutir e redimensionar a

reincidência? A decisão do Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão de

vários anos sobre as finalidades da reincidência e sua compatibilidade com os

preceitos constitucionais?

Tendo em vista as dimensões alcançadas pelo controle de

constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal e os diversos

estudos e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, não é tarefa fácil

responder a essas questões.

Inicialmente, relevante lembrar que no controle difuso a arguição de

inconstitucionalidade ocorre de modo incidental, sendo, portanto, uma questão

prejudicial. Em princípio, seria possível afirmar, conforme Ada Pellegrini

Grinover, que a coisa julgada material produzida é exclusivamente da questão

principal, ou seja, a constitucionalidade não se projeta para fora do processo

nem faz coisa julgada, o que significa que pode ser reapreciada a qualquer

momento671.

Partindo-se da ideia de que o controle realizado foi difuso com

efeitos erga omnes, com repercussão geral, porém sem efeito vinculante, é

possível afirmar que não houve conclusão definitiva a respeito.

671

GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle difuso da constitucionalidade e a coisa julgada erga omne das ações coletivas. Disponível em: <http://amdjus.com.br/doutrina/constitucional/32.htm>.

Acesso em: 1 abr.2016, n/p. A autora explica a coisa julgada em ações coletivas e deixa clara a possibilidade de rediscussão da matéria apreciada em controle difuso: “Na verdade, nas ações coletivas que se fundamentam numa questão de inconstitucionalidade, o controle é evidentemente difuso, nada apresentando de especial em relação ao controle difuso exercido numa ação individual. A questão da constitucionalidade, tanto numa ação coletiva como na individual, é colocada como questão prejudicial, a ser enfrentada pelo juiz antes do julgamento da causa, e não faz coisa julgada, nem mesmo entre as partes. O que faz coisa julgada é exclusivamente o julgamento da questão principal, e nenhuma diferença faz que a sentença que passa em julgado tenha eficácia inter partes ou erga omnes. Exemplifique-se: num processo individual, o cidadão "A" pede a condenação ao pagamento da diferença da correção monetária, que lhe foi creditada numa caderneta de poupança, fundamentando-se na inconstitucionalidade de um determinado plano econômico do governo que adotou determinados índices. Procedente a demanda, a questão prejudicial da inconstitucionalidade, que foi apreciada incidenter tantum, não se projeta fora daquele processo, não fazendo coisa julgada. O que faz coisa julgada (inter partes, por tratar-se de processo individual) é simplesmente a condenação ao pagamento da diferença devida a título de correção monetária. A situação não muda num processo coletivo, em que o legitimado pede a condenação ao pagamento da diferença devida a toda a categoria dos poupadores, fundamentando-se na questão prejudicial da inconstitucionalidade dos índices fixados no referido plano. Aqui, também, a questão da constitucionalidade é resolvida incidenter tantum, e por isso não se projeta fora do processo nem faz coisa julgada, podendo ser reapreciada a qualquer momento, em outros julgamentos. O que faz coisa julgada erga omnes é exclusivamente a condenação ao pagamento da diferença da correção monetária. Não há, portanto, como afirmar a usurpação da competência privativa do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por juízes e tribunais que se limitaram ao controle difuso, em que a questão da inconstitucionalidade é apreciada incidenter tantum, podendo a ela se voltar em qualquer processo futuro.”

Page 198: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

197

Interessante notar que o Supremo Tribunal Federal na ADI 4.071-

AgR672, julgada em 22.04.2009, entendeu que é manifestamente improcedente

a ação direta de inconstitucionalidade que verse sobre norma cuja

constitucionalidade foi expressamente declarada pelo Supremo Tribunal

Federal, mesmo que em recurso extraordinário, salvo na hipótese a seguir

mencionada.

Desta forma, a decisão considera a concretização da coisa julgada

dentro do RE com efeitos externos. Isso deriva da maior objetivação do recurso

extraordinário, no sentido de assumir certa função de defesa da ordem

constitucional objetiva. Nesse contexto, apenas poder-se-ia alterar a

jurisprudência se ocorressem significativas modificações de ordem jurídica,

social ou econômica, ou quando da superveniência de argumentos nitidamente

mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes.

A estabilidade das decisões da Suprema Corte constitui uma

inequívoca exigência de segurança jurídica, conforme a decisão referida. Não é

permitida uma nova discussão sobre o mesmo tema, pouco tempo depois de

ter sido referendado.

Não é demais lembrar que a mudança de jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal ocorre, a exemplo da recente decisão do HC 126.292673,

julgado em 17.02.2016, no qual se entendeu que havendo decisão

confirmatória de sentença penal condenatória em segunda instância, é possível

a execução provisória da pena. Pela decisão, foi revisado o entendimento no

sentido de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da

efetividade da função jurisdicional do Estado, ao se considerar os diversos

recursos de caráter protelatório, que acabavam gerando a impunidade de

vários delitos por conta da prescrição se consumar ao longo do trâmite

processual nas instâncias superiores.

O entendimento firmado no HC 84078/MG674, julgado em 5 de

fevereiro de 2009, era de que, apesar de não existir previsão legal de efeito

672

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com>. Acesso em: 11 abr. 2016, n/p. 673

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br>. Acesso em: 11 abr. 2016, n/p. 674

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 abr. 2016, n/p.

Page 199: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

198

suspensivo nos Recurso Especial e Extraordinário, pelo contrário, o §2º do

artigo 27 da Lei nº8.038/90 dispõe que esses recursos serão recebidos apenas

no efeito devolutivo e o artigo 637 do Código de Processo Penal expressa que

o RE não tem efeito suspensivo. Assim, o cidadão não poderia ser recolhido à

prisão pelo simples fato dessa ausência, o que só poderia acontecer se

houvesse a necessidade de prisão cautelar. Excluída esta hipótese, somente

em caso de sentença condenatória transitada em julgado o réu poderia ser

preso, em respeito ao princípio da presunção de inocência inserido na

Constituição Federal de 1988, artigo 5º, LVII.

Desta feita, resta clarividente a possibilidade de o Supremo Tribunal

Federal rever suas decisões e alterar posicionamento antes firmado, sempre

com o objetivo de atender, em tese, a uma exigência social ou jurídica

contemporânea.

Considerando a matéria de reincidência, como será delineado e

concluído no próximo capítulo, não se trata de uma rediscussão dos

argumentos já empossados no RE 453.000, mas de uma nova dimensão dessa

agravante e sua forma de aplicabilidade, em virtude dos reflexos ocasionados

no processo penal.

Ainda que constitucional, é necessária uma remodelagem da

reincidência para atender às exigências sociais, políticas e jurídicas em prol de

um processo penal democrático atual.

Desta forma, a discussão em torno da constitucionalidade da

reincidência pode ser novamente aventada em controle concentrado, desde

que com novos argumentos que perpassam os da decisão do RE 453.000. A

reincidência pode ainda ser objeto de alteração dos Códigos Penal e de

Processo Penal.

Outra questão a ser levantada envolve a relativização da coisa

julgada, em voga sempre quando há uma mudança de entendimento pelo

Supremo Tribunal Federal. No RE 730.462675, julgado em 28.05.2015, a Corte

Suprema decidiu que em caso de decisão que afirma a constitucionalidade ou

675

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 11 abr.2016, n/p.

Page 200: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

199

a inconstitucionalidade de preceito normativo, a consequência é manter ou

excluir a referida norma do sistema de direito.

Dessa sentença decorre também o efeito vinculante e a eficácia

executiva, por ter como termo inicial a data da publicação do acórdão do

Supremo Tribunal Federal no Diário Oficial (artigo 28 da Lei nº9.868/1999).

Além disso, a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a

constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não

produz a reforma automática ou a rescisão das sentenças anteriores que

adotaram entendimento diferente, com a indispensável interposição do recurso

próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria.

Essa decisão reflete no processo penal, pois se houvesse a

declaração de inconstitucionalidade de norma que favoreceu o réu, impossível

alterar a situação, tendo em vista que não é possível revisão criminal pro

societate, conforme se depreende dos artigos 621 e seguintes do Código de

Processo Penal. Portanto, “há empecilho legal à eficácia executiva ex

tunc dessa declaração, por falta de instrumentação processual para tanto

indispensável”676. A contrario sensu, se houvesse a declaração de

inconstitucionalidade de norma que prejudica o réu, essa decisão, em regra,

alcançaria fatos pretéritos, já que favorável ao réu, salvo se o Supremo

Tribunal Federal entender que em razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social é necessário atribuir efeito ex nunc677.

Nesse sentido, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Os atos praticados com base na lei inconstitucional que não mais se afigurem insuscetíveis de revisão não são afetados pela declaração de constitucionalidade. Vislumbra-se uma exceção a esse entendimento na sentença condenatória penal, uma vez que aqui inexiste prazo para a propositura da revisão. Nos termos do artigo 621 do Código de Processo Penal, a revisão pode ser proposta a qualquer tempo se a sentença condenatória for contrária a texto expresso da lei penal. Esse fundamento abrange, inequivocamente, a sentença penal condenatória proferida com base na lei inconstitucional

678.

676

TEODORO, Renata. STF julga alcance de declaração de inconstitucionalidade a sentenças.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br> Acesso em: 11 abr. 2016, n/p. 677

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17 ed.São Paulo: Saraiva, 2013, p.365. 678

MENDES, Gilmar Ferreira. A nulidade da lei inconstitucional e seus efeitos. In: (Orgs.) CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Doutrinas essenciais. Direito constitucional. v.V. Defesa da

Constituição. São Paulo: RT, 2011, p.623.

Page 201: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

200

Assim, superada a possibilidade de reapreciação dos problemas em

torno da reincidência e de sua modificação, avança-se a discussão para

analisar os efeitos desse instituto no âmbito processual penal e a almejada

modificação em sua forma de aplicação.

Page 202: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

201

5 OS REFLEXOS DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO PROCESSO

PENAL

O processo penal é uma das expressões mais típicas do grau de cultura

alcançado por um povo no curso da sua história, e os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos da política estatal em geral

679.

Em torno da problemática de qual deveria ser a real finalidade do

processo penal, sua falta de efetividade e necessidade de maior

compatibilidade constitucional, a reincidência criminal deve ser analisada em

cada etapa processual a fim de se verificar se esse instituto surte os efeitos

pretendidos.

A reincidência criminal traz diversas consequências ao apenado que,

muitas vezes, carrega o título de reincidente ad eternum, ainda que exista na

dogmática um período depurador. Por isso, analisá-la em cada fase

separadamente é imperioso para demonstrar como a pessoa reincidente é

tratada processualmente e, posteriormente, a quê espécie de política criminal

atende.

Dentro do sistema processual penal há que se questionar se os

fundamentos desse instituto, criado antes da Constituição Federal de 1988,

estão totalmente compatibilizados com essa e com a política criminal aventada.

Considerando que o que se busca é um verdadeiro processo penal

constitucional e a sua efetividade, inócuo seria o papel do jurista nesse objetivo

se deixasse imobilizados institutos simbólicos, seletivos e destoantes do que

verdadeiramente pregam como finalidade.

Assim, nesse último capítulo, far-se-á uma análise da reincidência

criminal no referido contexto para, então, defender a ideia de uma nova

interpretação e sugestão de alteração legislativa, tudo para o fim de demonstrar

que é possível transformar uma regra de técnica legislativa que a faz

automática para a aplicação criteriosa e que de fato componha uma política

criminal tangente à efetividade do processo penal.

679

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.40.

Page 203: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

202

5.1 Fase investigatória: o prejulgamento do reincidente e a participação

da mídia

Desde a investigação criminal a valoração da reincidência criminal é

considerada, ainda que implicitamente. Quando do cometimento de um crime e

o início da persecução penal, seja com a atuação da polícia ostensiva como da

repressiva680, não é raro o reincidente ser tratado de forma hostil.

Nos casos das abordagens policiais, que em regra se pergunta se o

abordado tem passagem policial681, apesar da carência, ou quiçá, ausência de

dados estatísticos, é notório que inúmeros abusos são cometidos. Basta

lembrar-se dos diversos programas televisivos – conhecidos como

policialescos – que acompanham os policiais nas diligências e exibem as

abordagens sem qualquer consideração aos direitos constitucionais do

abordado682.

Tanto é assim que, em 20 de janeiro de 2016, foi novamente

identificada a necessidade de se orientar a população sobre abordagem

policial. Desta forma, foi lançada no estado de São Paulo pelo Conselho

680

Resumidamente, cabe à polícia militar, precipuamente, o papel ostensivo de prevenir a prática de futuras infrações penais, enquanto que à polícia judiciária civil, também de forma precípua, o papel investigativo. (GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos

e constitucionais. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.4) 681

“Quando das abordagens policiais perante os indivíduos que lhes parecem suspeitos, por exemplo, um questionamento frequente é se estes já “possuem passagem”. Os efeitos estigmatizantes da seleção são, pois, atribuídos pelo sistema para seu próprio funcionamento”. (SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades nº16, maio-

ago.2014. Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p.66. 682

A Carta Capital divulgou dados e observações bastante interessantes a respeito desses programas: “Pesquisa realizada pela Andi, em parceria com o Intervozes: Artigo 19 de Ministério Público Federal revelou os principais tipos de violação de direitos praticados pelos policialescos: desrespeito à presunção de inocência; incitação ao crime, à violência, à desobediência às leis ou às decisões judiciárias; exposição indevida de pessoas e famílias; discurso de ódio e preconceito; identificação de adolescentes em conflito com a lei; violação do direito ao silêncio; tortura psicológica e tratamento desumano ou degradante. (...) Ou seja, não estamos falando de episódios isolados, que geram algum tipo de comoção nacional, como quando a repórter Mirella Cunha, da TV Bandeirantes na Bahia, em 2012, humilhou um suspeito de estupro por ele desconhecer o tipo de exame a ser feito no corpo da vítima. Ou quando a TV Cidade, retransmissora da Record no Ceará, exibiu por cerca de 20 minutos cenas de uma menina sendo estuprada. Ou, ainda, quando, no mês passado, os dois líderes de audiência do gênero – Brasil Urgente, do apresentador José Luiz Datena (Bandeirantes), e Cidade Alerta, do apresentador Marcelo Rezende

(Record) – transmitiram uma perseguição policial, ao vivo, que terminou com um PM atirando quatro vezes à queima-roupa em dois suspeitos. Trata-se de uma postura editorial cotidiana, que não tem limites entre canais ou redes de televisão, regiões do País ou horário na grade. Vale tudo, a qualquer momento e em qualquer lugar (mesmo com as crianças na sala), em um modelo de negócios que já se tornou para lá de lucrativo para as empresas de comunicação.” (CARTA CAPITAL. Programas policialescos: a

legitimação da barbárie. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/programas-policialescos-a-legitimacao-da-barbarie-1735.html>. Acesso em: 20 maio 2016).

Page 204: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

203

Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) uma cartilha683

com orientações do que pode ou não ser realizado durante a abordagem

policial. E não é a primeira. Várias outras foram criadas para evitar o

desconhecimento diante de abusos policiais. Em 2006, foi elaborada uma

cartilha pelo Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (CDHS), com a

colaboração do Observatório das Violências Policias (OVP-SP)684. O Conselho

Nacional do Ministério Público, em 2013, também elaborou uma cartilha diante

de diversas denúncias de abusos na abordagem policial685.

Quando esse abordado responde ter “passagem pela polícia”, ou

seja, deve ser reincidente ou portador de maus antecedentes, não importando

nesse momento o tecnicismo do direito, passa a ser tratado com maior rigor,

com um prejulgamento de sua culpabilidade.

Durante o transcorrer da investigação policial, o fato de a pessoa ser

reincidente influencia diretamente na condução desse procedimento, ainda que

esse dado não conste como fundamentação explícita.

O princípio da presunção de inocência deve nortear a investigação

policial, de acordo com o manual de formação em direitos humanos para as

forças policiais, editado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas686.

Nesse sentido, a polícia não pode conduzir a investigação com o

equívoco de eleger um suspeito e a todo custo provar sua tese, sob pena de

gerar erros irreparáveis687. Mesmo não sendo tarefa fácil, “a autoridade que

preside o inquérito policial deve envidar esforços no sentido de apurar o que

efetivamente ocorreu”688, sem deixar que a anotação de reincidente forme um

juízo antecipado nessa apuração.

683

O ESTADO DE S.PAULO. Abordagem policial: o que pode e o que não pode ser feito. Disponível

em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,abordagem-policial-o-que-pode-e-o-que-nao-pode-ser-feito,10000012942>. Acesso em: 25 abr.2016. 684

CARTILHA. Abordagem policial. Disponível em: <http://www.ovp-sp.org/cartilha_abordagem_policial.htm>. Acesso em: 1º maio 2016. 685

CARTILHA. Seguranca Final WEB.pdf. Cidadão com segurança: respeito mútuo entre cidadão e polícia. Disponível em: <http://www2.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/CNMP_-_Cidadao_com_S6>. Acesso em: Acesso em: 25 abr. 2016. 686

GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e

constitucionais. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.57. 687

GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e

constitucionais. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.59. 688

GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e

constitucionais. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.59.

Page 205: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

204

O objeto da investigação preliminar é o fumus comissi deliciti, que

enseja a investigação e sobre o qual recai a totalidade dos atos desenvolvidos

nessa fase. A investigação deve esclarecer o fato e a autoria, “sendo que esta

última (autoria) é um elemento subjetivo acidental da notícia-crime. Não é

necessário que seja previamente atribuída a uma pessoa determinada”689.

Nesta senda, o ato que dá causa à instauração do inquérito policial

por meio da portaria da autoridade policial não pode se fundamentar na

condição de reincidente daquela pessoa a quem foi atribuída a autoria. Devem

os elementos de informação fornecer à autoridade policial a autoria dos fatos.

Nos atos de desenvolvimento dos artigos 6º e 7º do Código de

Processo Penal, a oitiva do indiciado deve respeitar a disposição do artigo 5º,

LV (direito ao silêncio) e LXIII (ampla defesa), e não deve a reincidência

funcionar como um argumento para extrair a confissão.

No reconhecimento de pessoas, a autoridade policial deve observar

os requisitos dos artigos 226 e seguintes, sem qualquer tratamento

diferenciado à pessoa reincidente, tampouco induzimento a ser ela a

reconhecida.

Bastante criticado é o artigo 6º, IX, ao estipular que autoridade

policial deverá averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista

individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de

ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que

contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter, visto que é

impossível o juiz se pautar no processo de racionalização por ele desenvolvido.

Da mesma forma, é temerária a avaliação da “personalidade do agente”, e não

tem qualquer valor jurídico690. Considerando essa observação, a reincidência

comporá o processo de averiguação, o que não se pode admitir.

Nesses atos da fase investigativa, extrai-se a influência da

reincidência desde a instauração do inquérito policial, por isso a necessidade

de requisitos mais objetivos para que a pessoa reincidente não se transforme

689

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.285. 690

“De acordo com Aury Lopes Jr., “não existe a menor possibilidade (salvo os casos de vidência e bola de cristal) de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém, até porque existem mais de 50 definições diferentes sobre a personalidade.” (LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p.312).

Page 206: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

205

numa qualidade automática na persecução penal e sofra os mais demasiados

induzimentos de formação antecipada de culpa.

Além disso, é evidente que a taxatividade e o prejulgamento da

pessoa recidiva estão relacionados ao populismo penal midiático. Não por

acaso crescem os números de programas de reportagens policiais, com

acompanhamento ao vivo de operações e abordagens policiais.

Para o pesquisador Marcus Gomes, “a notícia sobre crimes também

passou a constituir um interessante comércio para as empresas de

comunicação e a mídia transformou a violência em um dos seus principais

produtos de venda”691. Além disso, “o sensacionalismo tornou-se, assim, o

principal combustível da mídia mercantilista”692, observa.

Nilo Batista693, em artigo publicado sobre mídia e sistema penal,

chama a atenção para a vinculação de ambos não apenas como função

comunicativa, mas como legitimadora de um novo credo criminológico que tem

como núcleo irradiador a própria ideia de pena, ou seja, a pena é

verdadeiramente uma solução de conflitos. E nesse contexto, não importa o

fundamento legitimante.

Consoante Rogério Greco, os meios de comunicação, na busca

incessante de aumentar os percentuais de audiência, “perceberam o ‘filão’ do

direito penal, ou seja, passaram a reconhecer o fato de que notícias ligadas ao

crime, ao criminoso e à vítima caíram no gosto popular. As pessoas possuem

uma atração mórbida por notícias dessa espécie”694.

Esse processo é bem explicado por Niklas Luhmann na obra A

realidade dos meios de comunicação, ao demonstrar que “os meios de

comunicação divulgam a ignorância na forma de fatos que precisam ser

691

FELETTI, Vanessa Maria. Vende-se segurança: a relação entre o controle penal da força de trabalho

e a transformação do direito social à segurança em mercadoria. Rio de Janeiro: Revan, 2014, p.138. Interessante notar que em pesquisa realizada por Glassner (199, p.27), Feletti destaca que de 1990 a 1998 o número de assassinatos nos Estados Unidos caiu 20%, enquanto subiu para 600% o número de reportagens sobre assassinato na TV (p.139). 692

GOMES, Marcus Alan de Melo. Mídia e sistema penal: as distorções da criminalização nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Revan, 2015, p.59. 693

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em:

<http://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 19 jul.2016. 694

GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus,

2015, p.72.

Page 207: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

206

continuamente renovados e para que aquela não seja notada”695. Ou seja,

“segundo Luhmann, os meios de comunicação contribuem para a construção

da realidade promovida pela sociedade”696.

Ora, os meios de comunicação, aqui em destaque programas

policiais, sabem da necessidade de manter interessados pela informação. Com

o costume e o volume de notícias diárias, espera-se cada vez mais o anúncio

de um fato impressionante, novo e interessante, por isso, a fórmula é sempre

mudar o formato do que já foi noticiado ou acrescentar algo novo.

Isso se torna preocupante considerando a suposição de que as

informações são corretas. Evidente que existe uma cota de erros. Isso se torna

mais gravoso quando os jornalistas que atuam em programas de exclusividade

de pauta no tema da criminalidade desconhecem tecnicamente a sua área, ou

seja, não entendem os fundamentos da doutrina penal, processual penal,

execução penal ou política criminal, emitindo opiniões sem conhecerem

profundamente o que está sendo transmitido697.

Além disso, a busca pelo verdadeiro é fortemente restritiva,

diferenciando-se claramente daquela verdade alcançada por meio de pesquisa

científica. Segundo Niklas Luhman, “o problema, portanto, não está na

verdade, mas na seletividade, que é inevitável, mas também desejada e

regulamentada”698.

Desta forma, a verdade transmitida pelos programas policiais é

selecionada e demonstra apenas a criminalidade em uma camada da

sociedade. Passa-se a utilizar a mídia para hostilizar uma camada social

estigmatizada, atuando de forma significativa em prol de uma política criminal

da opressão.

Consoante Marcus Alan Gomes:

695

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução de Ciro Marcondes Filho. São

Paulo, 2005, p.53. 696

GOMES, Marcus Alan de Melo. Mídia e sistema penal: as distorções da criminalização nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Revan, 2015, p.67. 697

GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus,

2015, p.72. 698

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução de Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.56.

Page 208: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

207

[...] o discurso midiático sobre o crime contribui para a instituição, no campo penal, de um sistema repressivo máximo e imediato, e no campo processual penal, de um sistema de garantias processuais mínimas e maleáveis

699.

Nesse contexto, a doutrina ou projeto ideológico da Lei e Ordem é

diariamente disseminado pela mídia, a qual defende de forma indiscriminada

várias medidas em prol da segurança pública.

De acordo com Ranieri Mazzili Neto,

outros sinais também podem ser identificados com a doutrina da Lei e Ordem, quais sejam: inflação legislativa no campo do direito penal; participação intensa da mídia denunciando a “escalada” do crime e frisando a necessidade de “ações efetivas”; construção do consenso, propiciando a declaração da “guerra” aos criminosos

700.

O que precisa ser consignado é que a verdade nos programas

policiais é seletiva e tendenciosa e, muitas vezes, sem embasamento em

dados científicos, o que traz reflexos gravíssimos à sociedade.

A quantidade de programas nesse sentido e, da mesma forma, a de

reportagens criminais incute na sociedade a insegurança e o pavor oriundos de

uma crescente onda de criminalidade acompanhada diariamente e, em alguns

canais, ao vivo. Insegurança e medo que permitem a expansão do binômio

pena-crime como solução, o que é falacioso, considerando que neste sentido

há uma inflação penal fundada na expansão de informações selecionadas com

um viés claramente circundante de uma realidade que comporta outros e

importantes dados sociais.

Nesse aspecto, o forte atrativo da mídia, ou um dos “seletores” como

chama Luhmann701, é a veiculação das transgressões à norma. Sua exposição

possui o caráter de escândalo e incute na sociedade um sentimento de que

todos foram atingidos, um verdadeiro inconsciente coletivo. Para Octávio Ianni,

a grande corporação da mídia realiza a metamorfose da mercadoria em

699

GOMES, Marcus Alan de Melo. Mídia e sistema penal: as distorções da criminalização nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Revan, 2015, p.141. 700

MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.22. 701

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.60.

Page 209: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

208

ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania, ou seja,

opera na formação de “mentes” e de “corações”, de maneira global702.

A partir disso, surgem também os julgamentos morais entoando a

função na manutenção ou reprodução da moral dos meios de comunicação703.

Logicamente, os meios de comunicação não alteram as bases legais, de

competência do sistema jurídico, contudo, considerando as mais diversas

funções que desempenham têm o poder de causar uma autoirritação na

sociedade a ponto de gerar uma reprodução da sensibilidade envolvendo a

moral704.

Na mesma linha, a comunicação intensa banaliza a violência e deixa

o espectador insensível ao sofrimento alheio. À violência é atribuída uma

notória importância, torna-se lucro fácil para a mídia, “além de se constituir

como um elemento discursivo imprescindível para o Estado, eis que justificante

das políticas repressivas adotadas”705.

Tendo em vista que a própria divulgação de manifestações de

opiniões é também um dos seletores dos meios de comunicação, às vezes,

essas opiniões públicas se impõem a ponto de ocasionar uma adaptação da

mídia a elas. Nesse aspecto, os meios de comunicação podem se abastecer de

opiniões públicas e delas girarem várias notícias.

Os meios de comunicação selecionam o que deve ser realmente

lembrado, significativo no momento e o que deve permanecer na lembrança, ou

seja, “dão uma coloração especial àquilo que noticiam e à forma como

noticiam”706.

O fato de os programas policiais mencionarem incisivamente que o

réu é reincidente, sem verificar a verdade da informação, demonstra que os

meios de comunicação não seguem o código verdade/não verdade, mas o

código informação/não informação. Isto significa que o não verdadeiro não é

702

IANNI, Octávio. O príncipe eletrônico. Perspectivas, São Paulo, 22, p.11-29, 1999. Disponível em:

<http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/2079/1701>. Acesso em: 19 maio 2016. 703

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.62. 704

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.63. 705

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do

estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Renavan, 2010, p.153. 706

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.67.

Page 210: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

209

utilizado como valor reflexivo (valor de contraste) diferente da ciência, a qual

exclui a inverdade para afirmar a verdade707.

Para Luhmann, porém, o problema não está nessa regra, mas na

seleção das informações transmitidas sem o cuidado de excluir o que é

inverdade, pois “isso tem consequências de grande alcance para aquilo que se

poderia denominar “criação de um clima” mediante os meios de comunicação”,

os quais manipulam a opinião pública e perseguem interesses que não são

veiculados juntos708.

O clima criado pelos referidos programas é de terror e insegurança e

exige do Estado medidas penais e processuais drásticas. As existentes são

brandas e muito favoráveis aos criminosos. Levanta-se, diariamente, a

bandeira da defesa da pena de morte, da prisão perpétua, da redução da

maioridade, a violência policial e os justiçamentos, ou seja, a necessidade de

medidas mais rigorosas, como se as existentes não fossem suficientes ao

cenário atual.

No que tange à reincidência, o inconsciente coletivo influenciado

pela mídia forma a convicção de que o castigo deve também servir para evitar

que o criminoso reitere o ato criminoso. A população, então, defende cada vez

mais castigos duros, restrição de direitos e garantias fundamentais, ou seja,

atende ao populismo punitivo que quer a pena a título vingativo709.

A mídia exerce, portanto, uma forte influência na mudança

comportamental dos cidadãos ao transmitir a falsa ideia de que a lei penal irá

salvar a sociedade contra os criminosos:

[...] através da mídia cria-se um mecanismo de controle do próprio instrumento de controle social, retirando-se o direito penal da esfera dos juristas e dos próprios juízes e alçando uma espécie de manto

707

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.70. 708

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução Ciro Marcondes Filho. São

Paulo: Paulus, 2005, p.71;75. 709

GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora e Souza. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. Alice Bianchini, Ivan Luís Marques e Luiz Flávio Gomes (Coords.).

Coleção saberes monográficos. São Paulo: Saraiva, 2013, p.65. “Para se alcançar o rompimento do modelo (político criminal) fundado no populismo punitivista, impõe-se tanto a construção de um sistema social e organizacional prioritariamente preventivo (Ferreyra, Lussich e Cabano: 2011, p.11 e ss., especialmente p.136-137) como a transformação das práticas midiáticas bem como dos poderes executivo e legislativo, sem prejuízo da responsabilidade que compete a cada um dos cidadãos que, para não serem idiotas (no sentido grego), deveriam assumir suas responsabilidades junto à polis, visando ao melhor e mais racional equacionamento da (demonizada) questão criminal” (p.56).

Page 211: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

210

sagrado, uma panaceia, pela qual se vai “curar” a sociedade do crime

710.

Outrossim, torna natural o desprezo dos direitos humanos pela

sociedade e o tratamento indigno recebido pelo condenado, como se esse

deixasse de ser humano pelo fato de ter cometido um crime711. Ainda mais, por

ser supostamente reincidente, aos olhos dos meios de comunicação. Mesmo

se possuidor de condenação que configure a reincidência, não cabe à mídia

realizar o prejulgamento ou entregar à sociedade a decisão de fazê-lo.

5.2 O fundamento exclusivo da reincidência na decretação de medidas

cautelares de natureza pessoal

A tutela jurisdicional cautelar é aplicada no processo penal por meio

de diversas medidas cautelares previstas tanto no Código de Processo Penal

como em legislação especial. Essas medidas podem ser decretadas na fase

investigativa e na judicial e têm como objetivo assegurar a finalidade do

processo e evitar que efeitos oriundos do tempo possam obstar a prestação

jurisdicional.

A imposição das medidas cautelares exige requisitos específicos,

uma vez que são exceções às regras constitucionais da presunção de

inocência e da liberdade.

Esses requisitos, quando presentes, devem ser constatados na

decisão que decreta a medida. A motivação é indispensável, sob pena de

nulidade por afronta à previsão constitucional do artigo 93, IX. Desta forma, a

fundamentação em caso de decretação de cautelares não pode ser algo

automático, ex lege, já que o juiz deve além de pontuar os requisitos legais

exigidos atentar-se à proporcionalidade da medida e a efetividade.

Ocorre que, em muitos casos, como a seguir será demonstrado,

torna-se automática a decretação de medida cautelar quando envolve

reincidente, com base neste fundamento exclusivo.

710

MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.90. 711

GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus,

2015, p.74.

Page 212: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

211

Tratando-se da prisão preventiva, esta pode ocorrer em qualquer

fase da investigação policial ou do processo penal, pelo juiz, a requerimento do

Ministério Público, do querelante ou do assistente, representação da autoridade

policial ou ainda de ofício pelo juiz também apenas na fase judicial, conforme

previsão do artigo 311 do Código de Processo Penal.

Como requisitos são necessários o fumus commissi delicti e o

periculum libertatis, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um delito e o

perigo que decorre do estado de liberdade do investigado ou denunciado –

risco para ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal

ou para assegurar a aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo

Penal)712.

Além desses requisitos, o artigo 313 abarca as infrações que

comportam a medida, destacando-se o inciso II, o qual preceitua que será

admitida a decretação da prisão preventiva se o sujeito tiver sido condenado

por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o

disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Código Penal713.

Desta feita, quando o réu for reincidente em crime doloso, não

importa se o novo crime é punido com reclusão ou detenção ou tenha pena

igual ou inferior a quatro anos, caberá a decretação da prisão preventiva.

Observa-se que a preventiva terá, então, cabimento em crimes dolosos menos

expressivos.

Apesar de a Lei nº12.403/2011, a qual alterou toda a sistemática das

prisões e incluiu medidas cautelares diversas da prisão, ter apresentado um

caminho para a redução na utilização da prisão714, “seguindo a tendência

mundial consolidada pelas diretrizes fixadas nas regras mínimas das Nações

Unidas sobre medidas não privativas de liberdade, as conhecidas Regras de

Tóquio de 1990”715, em relação à disposição sobre a reincidência nada alterou,

seguindo a linha de raciocínio de regra automática na redação anterior.

712

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.854. 713

Renato Marcão observa que “cuida o dispositivo da reincidência dolosa.” (MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas: de acordo com a Lei n.12.403 de 4-

5-2011. São Paulo: Saraiva, 2011, p.134). 714

De acordo com Paulo Rangel, a nova redação do artigo 311 diminuiu o rol de crimes que, a princípio, admitem a prisão preventiva, atentando-se para a superlotação carcerária. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.813). 715

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4.ed. Salvador: JusPodvim, 2016, p.807.

Page 213: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

212

Contudo, considerar que o sujeito reincidente pode ser preso

preventivamente pelo único fato dessa condição vem dividindo opiniões e

provocando discussões nos Tribunais Superiores.

Atentando-se à política do direito penal do autor e ao

etiquetamento716 penal que estigmatiza o reincidente, estão sendo rechaçadas

decisões que decretam a cautelar da preventiva com a justificativa única da

reincidência.

No HC nº124180/RS717, apreciado inicialmente pelo Supremo

Tribunal Federal em 03.02.2015, o relator Ministro Gilmar Mendes considerou

que a prisão preventiva decretada no caso concreto havia sido mantida em

todo o decorrer do processo e na sentença condenatória com base na

gravidade abstrata do delito de roubo e na garantia da ordem pública, contudo

o único elemento aventado que se referiria especificamente ao caso objetivo

seria a reincidência do réu. Portanto, expôs que a prisão preventiva, para ser

decretada, deveria estar embasada na conduta concretamente realizada, nas

circunstâncias que a envolvessem, e não num modelo genérico de

periculosidade. No entanto, em divergência, os Ministros Cármen Lúcia e Celso

de Mello denegaram a ordem; a Ministra Cármen Lúcia consignou que a prisão

preventiva estaria motivada na reincidência; o Ministro Celso de Mello registrou

haver dados concretos que revelariam que o réu se tornara um delinquente

habitual; e o Ministro Teori Zavascki pediu vista. Nesse caso, em 01.03.2016 o

pedido foi considerado prejudicado, uma vez que o réu já estava cumprindo

pena definitiva, em razão do trânsito em julgado da sentença condenatória718.

Interessante que a mera suposição da reincidência também não

pode ser fundamento para decretação de prisão preventiva, conforme o

716

O labelling approach ou teoria da rotulação ou do etiquetamento, desenvolvido pela Criminologia

Crítica, bem explica esse fator. O sistema penal é seletivo e desigual, e a sociedade enxerga de forma desvirtuada o criminoso. Essa seletividade é explicada pela falta de estrutura do sistema penal, uma vez que apenas uma baixa percentagem de infrações são punidas, caso contrário, ocorreria uma “catástrofe social” e não restaria praticamente habitante que não fosse criminalizado. Por outro lado, “a impunidade e criminalização são orientados pela seleção desigual de pessoas de acordo com seu status social, e não

pela incriminação igualitária de condutas objetiva e subjetivamente consideradas em relação ao fato-crime, conforme preconiza a Dogmática Penal.” (ANDRADE, Vera Regina de. Sistema penal x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.51). 717

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº773. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 fev.2016. 718

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento processual. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 6 ago. 2016.

Page 214: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

213

entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC nº100959719 de relatoria do

Ministro Celso de Mello. É inidônea a mera suposição desacompanhada de

indicação de fatos concretos. O juiz não pode exercer uma avaliação

puramente subjetiva de que a pessoa investigada ou processada, caso

permaneça em liberdade, poderá delinquir, conforme consta no voto do

Ministro.

O Superior Tribunal de Justiça, em 2012, no HC nº149.922/PR de

relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, concedeu a ordem em

virtude de motivação inidônea para a segregação cautelar. Interessante que

nesse caso, o paciente foi preso em flagrante e posteriormente teve liberdade

provisória concedida pelo Superior Tribunal de Justiça no HC nº86.027⁄PR.

Porém, ao ser condenado foi decretada a prisão provisória. Então, impetrado

novo habeas corpus, não fora concedido sob o argumento de que constitui

fundamentação suficiente o fato do réu ser reincidente e portador de maus

antecedentes. Desta feita, com o HC 149.922/PR, o Superior Tribunal de

Justiça concedeu a ordem por unanimidade. Destaca-se que o voto da relatora

foi incisivo no sentido de que não basta declinar apenas a reincidência para

frustrar a liberdade720.

No entanto, relevante destacar outro julgamento do Superior

Tribunal de Justiça cujo entendimento é o de que a reincidência é um

argumento idôneo para a manutenção da prisão preventiva, conforme se

observa abaixo:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. REINCIDÊNCIA. REITERAÇÃO DA CONDUTA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. LIMINAR INDEFERIDA. PARECER ACOLHIDO.

1. Diz a nossa jurisprudência que toda prisão imposta ou mantida antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por ser medida de índole excepcional, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, isto é, em elementos vinculados à realidade. Nem a gravidade abstrata do delito nem meras conjecturas servem de motivação em casos que tais. É esse o entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC n. 122.788/SP, Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, DJe 16/8/2010).

719

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Gravidade do crime e mera suposição de reincidência não podem justificar prisão preventiva. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal>. Acesso em: 9 mar.2016. 720

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acompanhamento processual. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/>. Acesso em: 3 maio 2016.

Page 215: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

214

2. As instâncias ordinárias, ao manterem a custódia preventiva, fizeram-no com base na probabilidade concreta de reiteração da conduta delituosa, visto que o acusado é reincidente. Circunstância que demonstra sua insistência em permanecer na vida criminosa, a justificar a não revogação da prisão cautelar.

3. Recurso em habeas corpus improvido. (RHC 56438 RS 2015/0025685-8, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Julgamento: 16/06/2015, Órgão Julgador: T6 – SEXTA TURMA, Publicação: DJe 29/06/2015)

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por meio da Terceira

Câmara, determinou a imediata expedição de alvará de soltura do indivíduo

mantido preso preventivamente com o argumento de preservar a ordem pública

e garantir a instrução criminal e aplicar a lei penal. Contudo, observou-se que o

único elemento concreto referido pelo magistrado era a existência de

condenações anteriores. Por isso, o entendimento firmado foi o de que a

reincidência não justifica a prisão preventiva, quando ela compuser o único

fundamento concreto a justificar a custódia cautelar (Processo 2014.025651-

4)721.

A doutrina também diverge quanto à previsão do inciso II do artigo

313 do Código de Processo Penal. Aury Lopes Júnior722 lamenta o fato de o

legislador ter optado em seguir na linha de máxima estigmatização do

reincidente, em flagrante bis in idem. Para o autor, a autorização de prisão

preventiva com base, exclusivamente, no fato de ser o réu ou indiciado

reincidente é uma interpretação equivocada. Já Paulo Rangel723 defende que

“a reincidência com causa, exclusivamente de majoração da pena é

inconstitucional, mas nada impede a decretação da prisão preventiva do

acusado reincidente.” Renato Brasileiro de Lima se posiciona pela

constitucionalidade do artigo 313, II, do Código de Processo Penal, diante da

decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal do RE 453.000/RS724.

721

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Acompanhamento processual. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/>. Acesso em: 3 maio 2016. 722

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.860. “É verdade que o

STF no Recurso Extraordinário RE 453000, julgado em 04 de abril de 2013, afirmou a constitucionalidade da agravante da reincidência, mas isso não basta por si só como fundamento de uma prisão preventiva. O artigo 313 somente tem aplicação quando presentes o fumus commssi delicti e o periculum libertatis do artigo 312. Pensar-se uma prisão preventiva com base, exclusivamente, no fato de ser o agente reincidente, poderia constituir uma violação do princípio da proporcionalidade.” 723

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.814. 724

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4.ed. Salvador: JusPodvim, 2016, p.949.

Page 216: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

215

No que tange à prisão temporária, a reincidência não compõe

explicitamente o rol dos requisitos autorizadores da Lei nº7.960/89. Porém, a

mera suposição da reincidência pode influenciar a decisão do juiz, e será

enquadrada no artigo 1º, I – imprescindibilidade para as investigações do

inquérito policial, principalmente levando em consideração que a folha de

antecedentes é anexada ao procedimento.

Acresce-se a esse raciocínio o fato de apesar da Lei nº12.403/11

não ter modificado diretamente a prisão temporária, o artigo 282 do Código de

Processo Penal se aplica a qualquer medida cautelar. O inciso I desse artigo

prevê que as medidas cautelares deverão ser aplicadas observando a

necessidade para a aplicação da lei penal, a investigação ou a instrução

criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de

infrações penais725.

Como se trata de uma prisão que visa “satisfazer o interesse da

polícia”726, considerando a imprescindibilidade para as investigações do

inquérito, ou seja, “possui cautelaridade voltada para a investigação preliminar

e não para o processo”727, a reincidência constitui argumento tendente a evitar

a prática de infrações. No entanto, deve ser aplicado o mesmo entendimento

relativo à prisão preventiva, qual seja, o fato de o réu ser reincidente não pode

constituir o argumento principal para a decretação da prisão temporária. Além,

é claro, da presença de uma das infrações previstas no inciso III da Lei

nº7.960/89, a combinação com o inciso I não pode se resumir ao apontamento

da reincidência.

É mais frequente a decretação de prisão preventiva, eis que não

possui limitação de prazo e requisitos mais específicos como a temporária.

Importante destacar a preocupação da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH), a qual elaborou em 2013 um Relatório sobre o uso da prisão

preventiva nas Américas com diversas recomendações, dentre as quais,

destacam-se:

725

Artigo 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penas; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. 726

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.903. 727

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.905.

Page 217: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

216

a) Desenvolva programas de capacitação, supervisão e aplicação para garantir o uso de outras medidas cautelares diferentes da prisão preventiva, em conformidade com as normas internas e internacionais. b) No marco de um processo penal deverão existir elementos de prova suficientes que vinculem o acusado aos fatos investigados, com a finalidade de justificar uma ordem de privação de liberdade preventiva. Não deverá ser solicitada a imposição da prisão preventiva com base unicamente nos relatos produzidos pelas autoridades policiais. Em todo caso a solicitação deve estar devidamente fundamentada. c) Como estratégias concretas para reduzir a superpopulação das penitenciárias recomenda-se as seguintes linhas de ação: [...] (h) fortalecer as medidas para prevenir a reincidência, como os programas de atividades produtivas (educativas e de trabalho). d) As autoridades judiciais competentes deverão adotar as decisões nas quais se ordena a aplicação da prisão preventiva a uma pessoa quando houver uma análise exaustiva, e não meramente formal, de cada caso, de acordo com os padrões internacionais aplicáveis desenvolvidos no presente relatório. A resolução que imponha a prisão preventiva deverá individualizar o acusado, enunciar os fatos que se atribuem de sua autoria, expressar as circunstâncias que dão fundamento à medida e fixar o prazo pelo qual se estabelece, determinando claramente a data de vencimento do prazo

728.

Infelizmente, mesmo após essas recomendações, pouco foi o

avanço no Brasil, sendo crescente a população carcerária (607.731pessoas),

conforme contagem de junho de 2014 feita pelo Conselho Nacional de

Justiça729, e com cerca de aproximadamente 40% de presos provisórios. É o

quarto país com maior contingente de pessoas presas, atrás dos Estados

Unidos, China e Rússia. Entretanto, considerando as prisões domiciliares e em

regime aberto, está em terceiro lugar. Entre 1990 e 2013, o crescimento da

população carcerária no Brasil foi de 507%, a segunda maior taxa de

crescimento prisional do mundo, mas ainda com um déficit de 231.062 vagas o

728

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OAS). Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016. 729

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016.

Page 218: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

217

sistema carcerário730. O Brasil possui ainda 19 cidades consideradas as mais

violentas do planeta731 e cujos índices de reincidência são elevados732.

Em 5 de abril de 2016, foi realizada uma audiência pública sobre a

redução da prisão preventiva nas Américas, no 157º Período Ordinário de

Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos733, abordando

diversos aspectos e medidas desenvolvidas a partir de 2013, quando da

divulgação do relatório mencionado. O Brasil foi representado por Letícia

Aleixo, da Clínica de Direitos Humanos e Divisão de Assistência da

Universidade Federal de Minas Gerais, e destacou a decisão emblemática do

Supremo Tribunal Federal de 16.02.2016, que determinou em caso específico

a possibilidade de execução provisória antes mesmo do trânsito em julgado da

sentença penal condenatória (HC 126.292). Esse entendimento vem sendo

aplicado por diversos juízes e agrava o aumento do número de presos

provisórios e o déficit de vagas carcerárias. Salientou ainda que em 2015 foram

implantadas as audiências de custódia, mas de maneira inexpressiva, pois na

maioria dos casos o réu é mantido preso preventivamente. Estava presente o

comissário Paulo Vannuchi que destacou também o problema em debate no

Brasil.

Em comentário sobre a mudança de jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello apontou que pelo menos 25% dos

recursos extraordinários criminais que chegam ao Supremo Tribunal Federal

interpostos por réus condenados são acolhidos inteiramente, ou seja, as

condenações decretadas anteriormente são revertidas pelo colegiado: “houve

730

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016. “Entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%. Em 2000, havia 137 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2014, essa taxa chegou a 299,7 pessoas. Caso mantenha-se esse ritmo de encarceramento, em 2022, a população prisional do Brasil ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos. Em 2075, uma em cada dez pessoas estará em situação de privação de liberdade” (p.16). 731

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/perguntas-frequentes>. Acesso em: 25 abr.2016. 732

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 733

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OAS). Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016.

Page 219: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

218

uma inflexão conservadora do Supremo na restrição do postulado

constitucional de estado de inocência”734.

Diante desse cenário, as medidas cautelares de prisão não podem

ser aplicadas como uma forma de antecipar a sanção penal. Devem deixar de

ser prioridade, principalmente pelo fato de agravarem os altos níveis de

superlotação penitenciária735. Lembra-se que o fenômeno do “sistema penal

cautelar” é responsável por dois terços da população prisional latino-americana

estarem em regime de prisão cautelar736.

Nesse contexto, o fato de o réu ser reincidente não deve por si só

fundamentar a decretação da prisão preventiva ou justificar a temporária.

Caberá mais uma vez ao magistrado analisar as particularidades do caso sub

judice e ponderar a real necessidade de uma segregação.

Por fim, as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no

artigo 319 do Código de Processo Penal, também exigem a observância de

critérios pré-estipulados, ainda que sejam mais brandas, pois também

restringem de algum modo a liberdade do sujeito. São consideradas um avanço

no processo penal e seguem a recomendação da CIDH. Todavia, sustenta-se o

mesmo entendimento de que a reincidência não pode ser fundamento

exclusivo a justificar a aplicação dessas medidas.

5.3 Fase judicial: a reincidência na valoração das provas e na

dosimetria da pena

A reincidência na fase judicial possui reflexos importantíssimos na

vida do processado. É analisada em praticamente todos os momentos

processuais e constitui óbice a muitos benefícios penais.

Na valoração das provas, é possível afirmar que a reincidência

influencia na subjetividade desenvolvida pelo juiz. Apesar de compor a

segunda fase da dosimetria ou quantificação da pena, conforme será visto, o

734

Presunção de inocência. Celso de Mello e Marco Aurélio comentam mudança na jurisprudência do STF. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-18/decanos-supremo-comentam-virada-

jurisprudencia-corte>. Acesso em: 18 jun.2016. 735

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen 2014). Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016, p.40. 736

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.293.

Page 220: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

219

fato de o réu ser reincidente influencia na conclusão do juiz pela sua

condenação ou absolvição.

Evidentemente, é inadmissível que as decisões judiciais sejam

imotivadas, todavia o desenvolvimento do raciocínio jurídico e fático do juiz no

julgamento percorre cognições que destoam da simples fundamentação legal e

concreta da decisão.

Nesse sentido, a reincidência compõe um fator que influencia nesse

processo, visto que induz ao pensamento de que réu reincidente, portanto, já

uma vez condenado definitivamente, tem grande tendência a novamente

praticar outro delito, atrelando-se a isso os dados estatísticos da reincidência,

os quais serão abordados mais adiante.

Por isso, o juiz ao valorar as provas processuais não está isento de

se contaminar por uma taxatividade ex lege que, antes de elaborar qualquer

fundamentação, traz a presunção de uma culpabilidade inconsciente.

Conforme Roberto Lyra737, “a sentença não se gera

espontaneamente numa cabeça. Resulta de um mundo de causas e

condições.” O juiz recebe, de acordo com o autor, “desde o conhecimento do

fato, as influências de notícias e comentários dentro e fora do lar.” Desta forma,

a neutralidade do julgador compõe o cerco subjetivo a que submete a decisão.

E nessa senda, o juiz ao concretizar o abstrato deve se ater de forma mais

fidedigna às regras penais e processuais penais. Ao exercer seu papel, o juiz

deve socializar o individual, “[...] aprofundando-se para elevar-se, projetando-se

pelo social e, portanto, pelo humano”738.

A neutralidade é distinta da imparcialidade, esta “é inerente, é

essencial ao ofício do juiz, como garantia sine qua non do justo processo

legal”739. Já a neutralidade é impossível de ser alcançada por parte do julgador,

pois a interpretação estará influenciada, inconscientemente, por ideologias e

paixões740. Cesare Beccaria alertava:

737

LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo Horizonte: Líder, 2003, p.15. 738

LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo Horizonte: Líder, 2003, p.18. 739

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.121. 740

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.121.

Page 221: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

220

Cada homem tem seu ponto de vista, e o mesmo homem, em épocas diferentes, pensa de modo diferente. O espírito da lei, seria, então, o resultado da boa ou da má lógica de um juiz; de uma fácil ou difícil digestão; dependeria da violência de suas paixões, da fraqueza de quem sofre, das relações do juiz com a vítima e de todas as mínimas forças que alteram as aparências de cada objeto no espírito indeciso do homem

741.

No entanto, não é admissível que o juiz legalmente exponha suas

preferências e emoções, que podem demonstrar suas simpatias e antipatias

pessoais, caso contrário, a imparcialidade estaria comprometida742.

De acordo com Lenio Luiz Streck743, o juiz deve interpretar a norma

a partir de um ato de filtragem hermenêutico-constitucional. Acontece que, o

imaginário jurídico leva o jurista em direção à tentativa solipsista, forjada no

paradigma da subjetividade. Além disso, “a sobrevinda de um texto jurídico-

constitucional democrático transformador encontra um jurista ainda arraigado

ao paradigma anterior”, prejudicando a postura que deve assumir de defesa da

lei (Constituição)744.

Por outro lado, na dosimetria da pena e na análise do regime

prisional, a reincidência penal é um fator, em muitos casos, decisivo na vida do

condenado. Na primeira fase da dosimetria na qual são analisadas as

circunstâncias judiciais, a reincidência não integra explicitamente o seu rol,

porém, pode ser valorada em prejuízo do réu, conforme construção

jurisprudencial.

Consoante Ricardo Augusto Schmitt745, “é lícito ao juiz, havendo

duas condenações com trânsito em julgado, considerar uma delas como

antecedentes criminais e outra como agravante genérica da reincidência”.

Entende o autor que isso não configura bis in idem, porque são utilizadas duas

condenações distintas e com trânsito em julgado, portanto sem dupla

valoração.

741

BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 2.ed. São Paulo: RT, 1999, p.33. 742

SUECKER, Betina Heike Krause. Pena como retribuição e retaliação – o castigo no cárcere. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.103. 743

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.368. 744

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da

possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p.359. 745

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p.190.

Page 222: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

221

Esclarece que essa regra também não afronta o enunciado da

Súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça746. E a jurisprudência é pacífica

nesse sentido (Supremo Tribunal Federal – HC 96771/SP, HC 99044/SP, HC

94846/RS, HC 94236, RHC 92611, RHC 115994; Superior Tribunal de Justiça

– HC 83965/RJ, AgRg no RESp 70741/RS, HC 60407/DF, RESp 702844/RS,

REsp 1437411/SP).

Desta feita, é clarividente o prejuízo do réu pela valoração da

reincidência em duas fases distintas da dosimetria da pena. Apesar de a lei

prever apenas a hipótese de reincidência, a jurisprudência ampliou o conceito

de reincidência para o de multirreincidência ou reincidência qualificada e criou

a consequência legal para isso. Seria melhor que houvesse previsão legal

desse efeito, como é na Espanha, considerando, principalmente, que a

quantificação do aumento da pena em ambas as fases também não está

prevista na lei, ficando ao livre arbítrio do juiz.

Na mesma linha, tudo o que não configurar reincidência serve como

maus antecedentes na primeira fase. Condenação definitiva anterior que não

configure reincidência servirá na dosimetria da pena. Nesse ponto, Amilton

Bueno de Carvalho747 entende que o critério “representa o injusto modelo penal

de periculosidade, paradigma que legitimou a atuação dos Estados totalitários,

onde vigora o repulsivo e antidemocrático direito penal do autor”. Entende que

essa valoração “representa bis in idem inadmissível em processo penal

garantista e democrático, pois, a cada nova condenação, impõe-se ao cidadão-

réu um novo apenamento em virtude de fato pretérito, do qual já prestou

contas”748.

Na preponderância da reincidência no concurso entre circunstâncias

agravantes, merece destaque a possível compensação com a confissão. No

entanto, não está pacificado o entendimento jurisprudencial a respeito.

O Superior Tribunal de Justiça possui vários julgados com o

entendimento de que a reincidência e a confissão devem se neutralizar,

746

Súmula 241: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. 747

CARVALHO, Amilton Bueno de. Garantismo penal aplicado. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006, p.103. 748

CARVALHO, Amilton Bueno de. Garantismo penal aplicado. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006, p.104.

Page 223: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

222

compensando-se os seus efeitos749 (HC 250821/RS, HC 236227/DF, HC

251566/ES e REsp 1.154.752/RS).

No entanto, segundo o Supremo Tribunal Federal, não é possível

incluir a confissão como circunstância preponderante (HC 112.774/MS, HC

112.830/AC, HC 111.454/MS, HC 111.849/SP), pois é ato posterior ao

cometimento do crime e não tem relação com este, tampouco tem caráter

subjetivo dos motivos determinantes do crime ou faz parte da personalidade do

agente750.

A questão está longe de ser pacificada e requer uma análise dos

efeitos desse impasse na vida do condenado. Ricardo Augusto Schmitt observa

que a confissão deve integrar a personalidade do agente, porém no concurso

com a reincidência não pode ser compensada. Isto porque a reincidência é um

“fator de discriminação penal, pois merecedor o condenado de maior

repreensão porque voltara a delinquir a despeito de condenação definitiva

havida anteriormente”751. O condenado poderia ter adotado outra postura

perante a sociedade, entretanto, a reincidência demonstra que a “condenação

anterior do acusado não foi capaz de fazê-lo refletir sobre sua atitude a ponto

de escolher um novo caminho diverso da criminalidade”752. É contra o

entendimento do Supremo Tribunal Federal ao rechaçar a confissão como

parte da personalidade do agente, mas concorda pela não compensação,

contrariando o Superior Tribunal de Justiça.

Todavia, o melhor posicionamento é o adotado, na sua maioria, pelo

Superior Tribunal de Justiça. Assim como a reincidência criminal, a confissão

do réu também compõe a política criminal desenvolvida pelo legislador

brasileiro. Se o intuito da confissão como atenuante de pena é a colaboração

749

Conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça: “[...] 4. A prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão espontânea. 5. É adequada a aplicação da atenuante prevista no artigo 65, III, alínea “d” do Código Penal, se verificada a confissão do agente, sendo irrelevante se foi esta total ou parcial, ou mesmo se houve retratação posterior. 6. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência”. (REsp 1341370/MT, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, j.10/04/2013, DJe 17/04/2013). 7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a pena fixada em 1º grau. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça; HC 362.296; Proc. 2016/0180765-5; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 24/08/2016). 750

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p. 212, 213. 751

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p.214. 752

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p.214.

Page 224: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

223

do réu com a investigação ou a instrução criminal, revelando a verdade dos

fatos, essa deve perpassar uma mera estratégia de defesa para abrandar a

pena e servir como uma benesse ao denunciado.

Mesmo sob o manto de diversas críticas doutrinárias753, a justiça

negocial há anos já é uma realidade no Brasil e vem ganhando a cada dia mais

força e espaço no processo penal. Sendo a confissão uma peça fundamental

desse modelo negocial, deve-se atentar ao perigo enraizado pela cultura

inquisitorial de sobrepô-la às demais provas.

Considerando que a confissão traz a benesse de encurtar o

procedimento da pretensão acusatória estatal, ela deve ser valorizada a ponto

de favorecer o réu quando da aplicação da pena na sentença condenatória.

Deve-se, porém, rechaçar a valorização extrema da confissão, como

forma de a todo custo embasar a condenação, sob pena de violação do próprio

sistema processual tão fortemente defendido na esfera democrática.

Conforme Vinícius Gomes de Vasconcelos,

A estética da confissão consolidada por meio da economia psíquica, que permeia os mecanismos premiais, acarreta a sedimentação do reconhecimento da culpabilidade como prova irrefutável para a condenação, o que remete a um discurso processual em que o contraditório e a defesa são totalmente inviabilizados pelo poder alucinatório da evidência (a confissão inquestionável)

754.

Desta feita, com respeito à voluntariedade e à análise de todo

arcabouço probatório para testar a possibilidade de absolvição ou extinção da

punibilidade do réu, a confissão deve integrar a personalidade do agente para

ser compensada com a reincidência criminal.

753

Para Vinícius Gomes de Vasconcellos, a barganha e os mecanismos negociais violam preceitos basilares do Estado Democrático de Direito, como o devido processo legal, presunção de inocência, ampla defesa. No que tange à confissão: “Assim, com a aceitação dos acordos entre acusação e defesa para o reconhecimento de culpabilidade do acusado, desvela-se o ressurgimento da confissão como rainha das provas e fundamento único capaz de sustentar uma condenação.” (VASCONCELOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de

consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim, 2015, p.175). 754

VASCONCELOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim, 2015, p.177.

Page 225: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

224

Aliás, a confissão única e exclusivamente jamais pode servir para

fundamentar uma condenação criminal. O juiz deve analisar se há mais provas

nos autos que corroboram a versão do réu755.

Quanto ao regime de cumprimento da pena, na sentença penal

condenatória o fato de o réu ser reincidente impede, em regra, que o regime

inicial seja o aberto ou semiaberto. As regras previstas no §2º do artigo 33 do

Código Penal não se aplicam aos reincidentes, pois não farão jus ao benefício

com base na quantidade da pena aplicada, já que serão consideradas a

natureza do crime e as circunstâncias judiciais.

Se a pena privativa de liberdade for superior a 4 anos e inferior a 8

anos, regra geral, o regime seria semiaberto (artigo 33, §2º, “b”, do Código

Penal). Contudo, se o condenado for reincidente, o juiz deverá fixar sempre o

regime mais gravoso, ou seja, se o crime for punido com detenção será o

semiaberto e se punido com reclusão será o fechado. “Portanto, o regime inicial

de cumprimento da pena para os apenados com detenção, mesmo

reincidentes, não pode ser o fechado”756.

755

FURTO QUALIFICADO. Subtração, em concurso de pessoas e mediante escalada, de pia, cuba e sifão do interior de posto de saúde municipal em construção. Configuração. Materialidade e autoria demonstradas. Prova. Confissão judicial da acusada CRISLAINES. Negativa isolada do corréu. Acusados presos em flagrante em poder da res furtiva. Depoimentos dos policiais militares que efetuaram a apreensão do bem. Suficiência para a procedência da ação penal. CRIME DE BAGATELA. Inocorrência. Conduta penalmente relevante. Bem avaliado em R$200,00. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. Corré já condenada por outros furtos. Pretendido reconhecimento do furto privilegiado. Inadmissibilidade. Acusados reincidentes. CONSUMAÇÃO. Bem retirado da esfera de vigilância da vítima. Qualificadora da escalada. Afastamento sem efeito na concretização da pena. Circunstância não descrita na denúncia. PENA. Acréscimo de 1/6 por força dos maus antecedentes. Atenuante da confissão espontânea. Admissibilidade. Condenação fundada na confissão judicial. Compensação com a agravante da reincidência. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Redução da reprimenda da corré para 2 anos e 4 meses de reclusão, mais 11 dias-multa. Regime semiaberto. Apelos defensivos parcialmente providos, com redução tão somente da pena da corré CRISLAINES. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. APL:00034418820108260082 SP 0003441-88.2010.8.26.0082, Rel. Otávio de Almeida Toledo, j.14-01-2014, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 15/01/2014). Disponível em: <http://tj-sp.jusbrasil.com.br/>. Acesso em: 5 jun.2016. APELAÇÃO CRIMINAL – PENAL – FURTO – CONDENAÇÃO FUNDADA TÃO SOMENTE NA CONFISSÃO JUDICIAL – AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS – ABSOLVIÇÃO – PROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO E PREJUÍZO DO APELO MINISTERIAL. Em que pese o fato de a confissão judicial, em muitos dos casos, ser utilizada como um dos fundamentos para justificar a condenação, tal circunstância não permite sua utilização isolada como meio de prova pela prática de determinado crime, mais ainda quando o órgão acusador dispensa a oitiva da vítima e das testemunhas. Na falta da mínima instrução judicial, a absolvição do réu é medida imperativa, julgando-se prejudicado qualquer argumento ministerial. Apelação criminal defensiva a que se dá provimento, para absolver o acusado; e apelo ministerial que se julga prejudicado, em face da não observação dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. ACR: 20893 MS 2008.020893-0, Rel. Des. Carlos Eduardo Contar, j.23-03-2009, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 06/04/2009). Disponível em: <http://tj-ms.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 5 jun.2016). 756

TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença criminal: prática de aplicação de pena e medida de segurança.

6.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.46.

Page 226: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

225

Já se a pena privativa de liberdade estiver sido fixada igual ou

inferior a 4 anos, o regime que seria aberto

(artigo 33, §2º, “c”, do Código Penal), no caso de reincidente será semiaberto.

O crime será punido com detenção, e se punido com reclusão, o regime será

semiaberto ou fechado. Nessa última hipótese, aplica-se o regime semiaberto

aos crimes punidos com reclusão se as circunstâncias judiciais forem

favoráveis, do contrário, será o fechado757. Esse é o teor da Súmula 269 do

Superior Tribunal de Justiça.

Desta forma, denota-se uma regra automática prejudicial ao réu pelo

fato de carregar o título de reincidente: de plano é fixada a regra do regime

mais gravoso. O mais ponderável, atendendo ao critério da individualização da

pena, seria analisar elementos concretos para fixar o regime de pena. E,

embora o Projeto de Lei do Senado nº236, de 2012 (projeto do novo Código

Penal), sugira uma alteração a respeito da obrigatoriedade da aplicação da

reincidência, deverá ser complementada com demais requisitos objetivos no

critério da faculdade do juiz aplicar ou não a reincidência758.

A pena de multa, seja própria ou em substituição, não implica em

reincidência. E é o entendimento predominante na jurisprudência. Para Ricardo

Augusto Schmitt759, no entanto, deveria implicar, pois se trata de uma

condenação.

Na mesma linha, Guilherme de Souza Nucci760 argumenta que

pouco importa se a pena é privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa

para gerar a reincidência, pois o artigo 63 do Código Penal não faz qualquer

distinção. Explica que dois argumentos sustentam o fato de a pena de multa

não gerar reincidência: a) como o artigo 77, §1º do Código Penal preceitua que

a pena de multa não impede a concessão de sursis, também não pode gerar a

reincidência, pois não é cabível a suspensão condicional da pena ao

757

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p.311. 758

Artigo 79. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos e os punidos com pena restritiva de direitos e/ou multa; Paragrafo único. O juiz poderá desconsiderar a reincidência quando o condenado já tiver cumprido a pena pelo crime anterior e as atuais condições pessoais sejam favoráveis à ressocialização. (Disponível em: <http://www25.senado.leg.br.> Acesso em: 6 jun.2016). 759

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador:

Juspodvm, 2015, p.280. 760

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p.213.

Page 227: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

226

reincidente (artigo 77, I, Código Penal); b) como a pena de multa é aplicada

aos crimes mais leves não pode gerar os efeitos gravosos da reincidência.

O autor761 discorda desses argumentos. Segundo ele, a exceção do

artigo 77, §1º do Código Penal é apenas uma medida de política criminal para

a concessão do sursis a quem foi condenado a um crime de menor gravidade.

E mesmo sendo a pena de multa mais branda, não é possível desconsiderar o

fato de o réu ser reincidente.

Outro efeito na fase judicial é o impedimento da substituição da pena

privativa de liberdade por uma restritiva de direitos ou multa, na hipótese de

crime doloso (artigo 44, II, artigo 60, §2º do Código Penal). Nesse ponto, uma

regra mais específica cumpriria melhor o papel da pena restritiva de direitos e

contribuiria para a descarga do sistema penitenciário.

Não é o melhor caminho proibir a substituição referida ao réu

reincidente e abrir uma exceção apenas à reincidência genérica. O §3º do

artigo 44 do Código Penal dispõe que a substituição pode ser aplicada ao

reincidente, desde que em face de condenação anterior, a medida seja

socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude

de prática do mesmo crime.

Não é demais salientar, que há uma verdadeira relativização da

reincidência que demonstra o seu caráter exacerbador. Basta analisar que o

artigo 44, §3º do Código Penal prevê a substituição da pena privativa de

liberdade por penas restritivas de direitos e que a Lei nº9.714/98 proíbe esse

benefício aos reincidentes específicos, mas que a jurisprudência relativiza essa

regra, dependendo da análise do caso concreto, e quando considera a medida

socialmente recomendável762.

Desta forma, ao proibir plenamente a substituição de pena privativa

de liberdade por restritiva de direito à pessoa com reincidência específica, o

legislador se esquiva da difícil tarefa de individualização da pena, já que nem

sempre essa espécie de reincidência é mais gravosa.

Já que o legislador permitiu a análise do juiz quando a medida for

socialmente recomendável, a restrição não faz sentido, pois àquele também

761

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p.214. 762

ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ,

Brasília, ano XII, n.40, p.73-80, jan.-mar., 2008, p.76.

Page 228: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

227

cabe verificar se há relação entre o crime anterior e o analisado, da mesma

forma como os demais requisitos que justificam a aplicação dos efeitos da

reincidência, se for o caso.

Basta exemplificar: imagine-se um reincidente específico pelo crime

de portar cédulas falsas (Código Penal, artigo 289, §1º); a este não caberia a

substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; enquanto

que para um reincidente que cometera anteriormente o referido crime e,

depois, tráfico de drogas, seria plenamente possível763.

Em sentido contrário ao defendido aqui, há o entendimento de que

nenhum tipo de reincidente possui o direito à substituição da pena privativa de

liberdade por restritiva de direitos, “sendo aplicável, então, o §3º, do artigo 44

do Código Penal unicamente ao não reincidente em crime doloso, pois do

contrário, tornaria letra morta a proibição anterior”764.

No que tange à revogação da reabilitação prevista no artigo 95 do

Código Penal, importante observar que apenas poderá ocorrer se sobrevier

condenação por pena privativa de liberdade ou restritiva de direito, ou seja, a

pena de multa não é capaz de ensejar esse efeito. Essa revogação pode ser

decretada de ofício ou a requerimento do Ministério Público e será apreciada

pelo juiz da condenação, isto porque apenas será concedida após o término da

execução da pena.

No Projeto de Lei do Senado Federal nº236 de 2012 (Novo Código

Penal) não existe dispositivo semelhante à reabilitação. Essa ausência se

justifica, pois a reabilitação, “declaração judicial de que estão cumpridas ou

763

Supremo Tribunal Federal/531 – Substituição da Pena e Reincidência Genérica. A Turma deferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado por portar cédulas falsas (Código Penal, artigo 289, 1º), cujo pleito de conversão da pena corporal por restritiva de direitos fora denegado em virtude da existência de condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas (Lei nº6.368/76, artigo 12). Na ocasião, o magistrado de 1º grau entendera que a condição de reincidente do réu obstaria a concessão desse benefício legal, nos termos do artigo 44, II, do Código Penal (“Artigo 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: [...] II – o réu não for reincidente em crime doloso;”). Asseverou-se que, na espécie, tratar-se-ia de reincidência genérica, na qual cabível, em tese, a substituição pretendida, tendo em conta o disposto no §3º do mencionado artigo 44 do Código Penal (“§3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.”). Ordem concedida para que o juízo monocrático profira nova decisão, desta feita, fundamentada, no que tange à reincidência genérica do paciente e, consequentemente, à eventual possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. (BRASIL. HC 94990/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.12.2008. (HC-94990). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo531.htm>. Acesso em: 20 jul.2016). 764

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Execução penal: esquematizado. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: Método, 2015, p.340.

Page 229: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

228

extintas as penas impostas ao sentenciado, que assegura o sigilo dos registros

sobre o processo e atinge outros efeitos da condenação”, configura uma ‘pena’

a mais ao réu.

Com os requisitos do decurso do prazo de 2 anos da extinção da

pena, audiência admonitória no caso do sursis ou livramento condicional, além

da presença de bom comportamento público e privado, domicílio no país e

reparação dos danos, a reabilitação exige uma amostra da total reintegração

do condenado, porém, destoa da própria finalidade de reinserção social que

justifica a sanção penal e, ainda, o total descaso do Estado com o egresso.

No mais, o artigo 202 da Lei de Execução Penal já prevê que uma

vez cumprida ou extinta a pena, não poderá constar da folha corrida, atestados

ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça,

qualquer notícia ou referência à condenação.

A reincidência, ainda, aumenta um terço o prazo prescricional da

pretensão executória765 (caput do artigo 110 do Código Penal), ou seja, depois

do trânsito em julgado a prescrição é regulada pela pena aplicada, salvo a

pessoa reincidente a qual terá o aumento mencionado. Esse aumento não é da

condenação anterior, mas da nova condenação, portanto, do novo crime.

Importante registrar que a reincidência é causa interruptiva da

prescrição, conforme prevê o artigo 117, VI, do Código Penal. De acordo com

Rogério Greco, “como marco interruptivo da prescrição da pretensão

executória, tem o poder de gerar tal efeito a partir da data do trânsito em

julgado da sentença que condenou o agente pela prática de um novo crime”766.

Essas regras são uma clarividência de bis in idem. Os efeitos da

condenação anterior atingem diretamente uma condenação futura, deixando o

réu por mais tempo no constrangimento do processo penal, pelo fato de ser

reincidente. Nada justifica essa regra, por ora mantida no projeto do novo

Código Penal. Isto, porque, além da pouca eficácia do rigor da regra da

reincidência, ultrapassa os limites constitucionais da individualização da pena,

pois o réu já teve a pena agravada com a reincidência e todos os demais

efeitos mencionados aplicados.

765

De acordo com o teor da Súmula 220 do Superior Tribunal de Justiça: a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva. 766

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p.750.

Page 230: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

229

5.4 Fase de execução penal: o círculo vicioso da reincidência criminal

O processo de execução penal, conforme é de amplo conhecimento,

se dá em razão da sentença emanada do processo de persecução penal e tem

por escopo o cumprimento daquela determinação.

O juízo da execução tem por finalidade cumprir os dispositivos da

Lei nº7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP). Suas principais finalidades

estão emanadas na previsão da retribuição e reinserção do apenado.

É igualmente de conhecimento a natureza mista de tal

procedimento: se a questão do processo de execução é de competência do

Poder Judiciário, o espaço de cumprimento das penas (estabelecimentos

penitenciários) é de natureza administrativa do Poder Executivo.

As normas deste processo são então igualmente mistas, as relações

de cumprimento devem ser a da mencionada lei que se amoldam às normas de

funcionamento do sistema prisional, onde a relação do sentenciado primário e

reincidente igualmente se diferencia.

Tais normas do Poder Executivo visam garantir o bom

funcionamento do sistema prisional. Se de um lado o reincidente conhece as

normas de caráter geral de convivência no sistema penitenciário, por outro é

considerada tal situação para as funções internas como o exercício de trabalho

e a remição da pena.

Apenas para constar, o trabalho, que se configura como direito do

apenado, não está disponível a todos. O direito previsto na LEP acaba se

tornando uma escolha interna da administração que enseja o benefício da

redução da pena.

Nesse contexto, a execução penal brasileira está fadada ao

fracasso, e não há quem discorde disso diante dos dados estatísticos, que

serão analisados no próximo tópico, os quais demonstram o aumento da

população carcerária, da situação deplorável em que vive e da criminalidade

enraizada intramuros.

O desafio atualmente é identificar as causas desse caos e

desenvolver medidas que possam trazer mudança ao cenário. Não é possível

encontrar uma medida imediata e de rápida solução ao problema, contudo,

Page 231: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

230

compor o projeto de mudança apontando pequenas e valoradas nuances pode

contribuir para a evolução legislativa e eficácia prática.

Desta forma, analisar a reincidência inserida no contexto do sistema

penitenciário é de suma importância, pois ambos estão atrelados. A

reincidência é considerada o termômetro da ineficácia da execução penal.

Nesse ponto, merecem destaques alguns aspectos da execução penal que

possuem relação direta ou indireta com a reincidência criminal.

Inicialmente, importante lembrar que o sistema penitenciário já teve

seu nascedouro na falência, pelo fato de ter como fundamento o castigo, ao

invés, da educação racional. De acordo com Nelson Hungria767, “conjugando

fins antagônicos, quais sejam castigo e reforma, redundou num hibridismo

infecundo.”

Para Nelson Hungria:

Verifica-se que há irremediavelmente, na sua técnica, qualquer coisa que esteriliza, deforma e encrua a alma dos seus hóspedes forçados. O rigor de sua disciplina extirpa o que ainda existe de aproveitável e de bom no criminoso. Longe de conseguir o objetivo de reabilitação, é uma incubadeira de reincidente

768 (grifo nosso).

A crítica à prisão e aos seus métodos, de acordo com Foucault,

surgiu muito cedo, nos anos de 1820-1845: “ela, aliás, se fixa num certo

número de formulações que – a não ser pelos números – se repetem hoje sem

quase mudança nenhuma”769, argumenta Michel Foucault.

Os dados estatísticos apresentados no item seguinte são diferentes

daqueles mencionados por Foucault770 ao analisar a reincidência, mas levam a

mesma conclusão de que a detenção provoca a reincidência, um verdadeiro

767

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.15. 768

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.15. 769

FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36.ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.251. 770

“[...] 38% dos que saem das casas centrais são condenados novamente e 33% são forçados; de 1828 a 1834, de cerca de 35.000 condenados por crime, perto de 7.400 eram reincidentes (ou seja, um em cada 4,7 condenados); em mais de 200.000 contraventores, quase 35 mil o eram também (1 em cada 6); no total, um reincidente para 5,8 condenados; em 1831, em 2.174 condenados por reincidência, 350 haviam saído dos trabalhos forçados, 1.682 das casas centrais, 142 das 4 casas de correção submetidas ao mesmo regime que as centrais. (FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de

Raquel Ramalhete. 36.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.251).

Page 232: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

231

círculo vicioso: “a prisão, consequentemente, em vez de devolver à liberdade

indivíduos corrigidos, espalha na população delinquentes perigosos”771.

O fato é que “a simples custódia dos indivíduos se opõe aos nossos

conceitos de humanidade e proporcionalidade”772, pondera Winfried Hassemer.

Apesar de a Constituição Federal no artigo 5º, XLVII proibir determinadas

espécies de penas, como a pena de morte, de caráter perpétuo justamente por

que optou pela regeneração do ser humano, abandonando a possibilidade de

exclusão definitiva de qualquer pessoa do convívio social, a execução penal

caminha de forma oposta, eis que enfatiza apenas o caráter opressor, com

uma prévia “desculturação” responsável pela “desadaptação às condições

necessárias para a vida em liberdade”, e posterior “aculturação” ou

“prisionalização”, quer seja, “assunção das atitudes, dos modelos de

comportamento, dos valores característicos da subcultura carcerária”773. É

preciso ainda pautar que a Constituição Federal tem por princípio fundamental

a dignidade humana, que se perfaz com a efetividade das normas, entre elas

as da execução penal, atendendo à natureza das normas infraconstitucionais e

sua necessária vinculação. Sobretudo, tem-se ainda a inescusável prevalência

dos direitos humanos.

Considerando os inumeráveis fatores negativos existentes no

cárcere (superlotação, maus-tratos, falta de higiene, ociosidade, tortura, dentre

outros), a ressocialização774 do criminoso torna-se uma utopia. Ao deixar a

prisão, o egresso terá adquirido novas experiências do mundo do crime. Soma-

se a isso o sentimento de desvalorização, impotência e de desprezo social, o

qual reforça implicitamente no sujeito o caráter criminoso.

De acordo com Bitencourt775, as condições materiais e humanas

podem exercer efeitos destrutivos na personalidade dos reclusos. Contudo,

771

FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36.ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.252. 772

HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo

Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p.376. 773

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do

direito penal. 6.ed.Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2013, p.184-185. 774

Utiliza-se como sinônimo de reeducar, emendar, recuperar, reintegrar socialmente, aquele que violou a legalidade penal. (PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal:

uma introdução crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.34). 775

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2007.

Page 233: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

232

tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente,

a culpa pela eventual reincidência, ignorando o fato de que é pouco provável

alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou.

Nas palavras de Eugenio Raúl Zaffaroni:

Los sistemas penales, com demasiada frecuencia, no son más que aparatos que fabrican reincidência, y sus instituciones totales, verdaderos campos de entrenamiento para candidatos a reincidentes y “habituales”. Sólo un discurso jurídico-penal alucinado pude ignorar esta realidade, sin perjuicio de que abunden las tentativas metodológicas y espistemológicas que se esfuerzan por construir discursos de este tipo

776.

Sobre o tema, Isael José Santana e Marianny Alves sublinham:

Em suma, o Estado retira, por determinado tempo, o indivíduo de postura não cidadã da sociedade, remete-o a uma instituição “reeducativa”, na qual ele não aprende a viver em sociedade, e depois, cumprida a pena, ele volta ao convívio social, onde também não poderá exercer seu direito de cidadania, quer seja pelo preconceito por ser um ex-detento, quer pelo simples fato de pertencer a este Estado, onde os direitos são meras positivações. Trata-se, desta forma, de um ciclo vicioso no qual a não efetivação da cidadania, garantia e fundamento do Estado Democrático de Direito, é apontada com um dos fatores contribuintes à inclusão do indivíduo entre os apenados em regime fechado, e de sua exclusão social, ao cumprir a pena na suposta finalidade (res)socializadora

777.

Nas palavras de Louk Hulsman778, “as regras de vida na prisão

fazem prevalecer relações de passividade-agressividade e de dependência-

dominação.” Dentro das prisões o desprezo pela pessoa cresce

incessantemente e a opressão onipresente desvaloriza a autoestima. Por todo

o processo de despersonalização e de dessocialização, quando em liberdade,

o egresso tem dificuldades de ter atitudes e comportamentos socialmente

aceitáveis. Tem fins antagônicos a proposta da norma positiva que prevê

segregar como forma de ressocializar.

776

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales: Montevideo, v.2, 1996,

p.125. “Os sistemas penais, com demasiada frequência, não são nada mais do que aparatos que fabricam a reincidência, e suas instituições totais, verdadeiros campos de treinamento para os candidatos a reincidência e "habituais". Apenas um discurso jurídico-penal alucinado poderia ignorar esta realidade, não obstante as tentativas metodológicas e epistemológicas que se esforçam para construir discursos deste tipo.” 777

SANTANA, Isael José; ALVES, Marianny. Notas sobre a prisão e a (res)socialização: fins antagônicos. Revista USCS, Direito, ano XI, n.23, jul.-dez. 2012, p.10. Disponível em:

<http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/viewFile/1605/1349>. Acesso em: 7 ago.2016. 778

HULSMAN, Louk; CELIS, Jaqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão.

Tradução de Maria Lúcia Karam. Niterói, Rio de Janeiro: LUAM, 1993, p.63.

Page 234: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

233

A finalidade da pena de prisão pautada nos preceitos constitucionais

– lembra-se que as teorias da pena já foram abordadas com um paralelo à

reincidência nesta pesquisa – destoa por completo da sua aplicação na prática.

A prisão exerce, evidentemente, uma forte influência no fracasso do tratamento

do recluso. A Lei de Execução Penal prevê no artigo 1º o objetivo de “efetivar

as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para

a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Ocorre que o método para alcançar esse objetivo é ineficaz, pois

desconsidera o primeiro fator social, ou seja, que os presos, em quase a

totalidade, já viviam esquecidos socialmente. Portanto, considerando o objetivo

estampado na LEP, logo de início a execução penal se depara com um

problema maior que a própria ineficácia da pena de prisão, pois nas masmorras

legalizadas dificilmente será, sequer, iniciada a almejada ressocialização, uma

vez que “toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a

natureza mesma desta relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo,

excluir e incluir”779..

Na obra de Thompson fica evidenciado que se a pena alcançasse

sua finalidade, deveria atingir vários objetivos ao mesmo tempo:

Propõe-se, oficialmente, como finalidade da pena de prisão, a obtenção não de um, mas de vários objetivos concomitantes: – punição retributiva do mal causado pelo delinqüente; – prevenção da prática de novas infrações, através da intimidação do condenado e de pessoas potencialmente criminosas; – regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de criminoso em não-criminoso. Assim, punição e tratamento deveriam ser vistos como os extremos de uma série contínua, com variações intermediárias, as mais diversas partes a se imbricarem harmoniosamente, sem fraturas

780.

Segundo o autor, “é difícil encontrar outra justificativa para a

admissão pacífica de tão formidável paralogismo: julgar que o criminoso, por

submisso às regras intramuros, comportar-se-á como não criminoso, no mundo

livre”781.

779

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6.ed.Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de

Criminologia, 2013, p.186. 780

THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.03. 781

THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.11.

Page 235: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

234

Sem embargo da ilogicidade do raciocínio, está ele endossado até pela lei, entre nós. Com efeito, os dados fundamentais exigidos para a concessão do livramento condicional – autorização de regresso do condenado à vida livre, antes de completar o total da pena – são: ter cumprido mais de um terço, se primário, ou mais da metade, se reincidente, da sanção imposta; e que tenha observado ‘bom comportamento durante a vida carcerária’. A aferição deste requisito repousará sobre ‘minucioso relatório’, a ser fornecido pelo diretor do estabelecimento penal a que estiver recolhido o condenado. O que significa, obviamente, sinonimizar ‘adaptação à prisão a adaptação à vida livre. Com a devida vênia, insisto, nada me parece mais incongruente

782.

Mesmo sabendo do fracasso da pena e, por conseguinte, da sua

aplicação no sistema penitenciário, a cultura punitivista está cada vez mais

fortalecida ora por meio de legislações mais rígidas, ora por interpretações e

consolidações jurisprudenciais, a exemplo do emblemático julgamento em 17

de fevereiro de 2016 do HC 126.292, em que por maioria de votos, o Plenário

do Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível o início da execução da

pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau,

alterando o entendimento da Corte que, desde 2009 (HC 84078), exigia o

trânsito em julgado da condenação, com ressalva da possibilidade de prisão

preventiva783.

A divergência apontada no voto do HC referido perdura no Supremo

Tribunal Federal. No início de agosto de 2016, no julgamento do HC 135.752, o

Ministro Luiz Edson Fachin determinou a prisão do prefeito de Marizópolis (PB),

que o presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, havia mandado

soltar há uma semana, entendendo que, quando o Supremo decidiu que a

prisão pode ser decretada antes do trânsito em julgado, o Plenário contrariou a

“jurisprudência consolidada” da corte segundo a qual só depois de esgotados

todos os recursos é que se pode executar uma pena. No entanto, conforme

782

THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.11-12. 783

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 126292 – Habeas Corpus. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo>. Acesso em: 5 ago.2016. O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. E, ainda, que houve divergência de votos. A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, ficaram vencidos. Eles votaram pela manutenção da jurisprudência do Tribunal que exige o trânsito em julgado para cumprimento de pena e concluíram pela concessão do habeas corpus.

Page 236: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

235

Fachin, a prisão decretada depois da decisão de segundo grau não é

preventiva, mas “tão somente o cumprimento do título condenatório”784.

Essa decisão, além de violar o princípio da presunção de inocência

colabora para a superlotação carcerária, a qual só aumenta em todo mundo e

no Brasil, eis que “nas últimas duas décadas se revela exponencial,

ultrapassando o percentual de 400%”785. Outro ponto preocupante diz respeito

aos casos em que a decisão de primeira instância é absolutória e a da segunda

instância condenatória. Caberia assim mesmo a execução provisória?

Conforme mencionado, pelo menos 25% dos recursos extraordinários criminais

são acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal inteiramente, o que significa que

condenações decretadas anteriormente são revertidas pelo colegiado786.

No dia 1º de agosto de 2016, no julgamento pelo Supremo Tribunal

Federal do HC 135.100-MC/MG, em decisão monocrática do Ministro Celso de

Mello, foi concedida a ordem ao paciente com o entendimento de que é

inconciliável com o nosso ordenamento positivo a preconizada execução

antecipada da condenação criminal, não obstante sujeita esta a impugnação na

via recursal excepcional (RE e/ou REsp), pelo fato de a Lei de Execução Penal

impor, como inafastável pressuposto de legitimação da execução de sentença

condenatória, o seu necessário trânsito em julgado787.

A preocupação atinente à prisão cautelar permanece em torno da

antecipação da pena, ofensa à presunção de inocência, inversão do estado de

liberdade em estado de detenção com o uso excessivo dessa medida, o que

configura uma verdadeira “violência institucional que deve ser combatida por

um direito processual penal garantista”788.

784

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 135.752 – Habeas Corpus. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo>. Acesso em: 6 ago.2016, p.06. 785

Punição antecipada: Fachin revoga HC e determina prisão de réu antes do trânsito em julgado. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-ago-04/fachin-revoga-habeas-corpus-concedido-

evitar-prisao-antecipada#top>. Acesso em: 5 ago.2016. 786

Celso de Mello e Marco Aurélio comentam mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-18/decanos-supremo-comentam-virada-

jurisprudencia-corte>. Acesso em: 15 ago.2016. 787

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 135.100. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo>. Acesso em: 15 ago.2016. 788

GENTIL, Plínio Antonio Brito; SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini. A teoria do garantismo e a proteção dos direitos fundamentais no processo penal. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Brasília – DF em 20, 21 e 22 de novembro de 2008. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/16_654.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2016.

Page 237: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

236

Vários fenômenos podem explicar esse fato social, os quais devem

ser avaliados a partir do contexto no qual a taxa carcerária é analisada. Porém,

um contexto de maior evidência e que explica esse aumento no Brasil é a

política penal de maior repressão, com a criação de inúmeros delitos e a

restrição massiva de benefícios processuais e penais.

E é nessa política que se insere a reincidência, baseada nas mais

diversas justificativas. Se a pretensão era desempenhar uma função social de

prevenção geral ou desestimular novos atos criminosos, os efeitos têm sido o

contrário, já que 7 em cada 10 presos volta ao crime: uma das maiores taxas

de reincidência do mundo, de acordo com a exposição do ex-Ministro Cezar

Peluso, em 2011, então Presidente do Supremo Tribunal Federal e do

Conselho Nacional de Justiça789.

A respeito dos principais efeitos explícitos causados na execução,

tem-se que impede a concessão do sursis, ou suspensão condicional da pena

ao reincidente doloso (artigo 77, I, do Código Penal), com exceção feita pela

Súmula 499 do Supremo Tribunal Federal pela qual “não obsta a concessão de

sursis condenação anterior à pena de multa.” Cabe ressaltar que a reincidência

em crime culposo e na prática de contravenção também não impede o

benefício.

Mesmo considerando essas exceções, há um prejuízo considerável

ao réu sem a análise do bem jurídico ligado à reincidência e análise ao caso

específico. Proibir de forma indiscriminada o sursis pela reincidência fere a

individualização da pena e demonstra uma taxatividade a favor do rigor penal.

Além disso, a reincidência é causa de revogação obrigatória da

suspensão condicional da pena na hipótese de condenação por crime doloso

(artigo 81, I, Código Penal). Não importa o momento em que o crime fora

cometido, considera-o se praticado durante, ou antes, do prazo de suspensão:

“nesse caso, a relação de obrigatoriedade é tamanha que se entende

desnecessária a oitiva do condenado, uma vez que não haveria o que

789

Disponível em: <http://www.valor.com.br/legislacao/998962/indice-de-reincidencia-criminal-no-pais-e-de-70-diz-peluso>. Acesso em: 5 ago. 2016.

Page 238: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

237

justificar”790. Mais uma amostra de que o fato de ser reincidente prejudica o

condenado no processo “ressocializador”.

Outro efeito da reincidência é o de que aumenta de um terço a

metade o prazo de efetiva privação de liberdade para o livramento condicional

(artigo 83, II, do Código Penal), proíbe a concessão de livramento condicional

se a reincidência é específica em crimes hediondos e assemelhados (artigo 83,

V, Código Penal) e revoga obrigatoriamente o livramento condicional,

sobrevindo condenação à pena privativa de liberdade (artigo 86 do Código

Penal).

Essas regras demonstram que o legislador claramente entendeu ser

o condenado reincidente de maior periculosidade, e acreditando na crença de

que a pena anterior não foi suficiente para reprimir a prática de novo delito,

posterga um benefício da execução penal, considerando a reincidência uma

circunstância de caráter pessoal. Isto significa que não é analisada

separadamente, caso a caso, mas de forma global791.

Destaca-se, ainda, o exame criminológico diretamente vinculado à

potencialidade do condenado em reincidir. O artigo 8º da LEP dispõe:

O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas a individualização da execução.

Em caso de condenado ao cumprimento da pena privativa de

liberdade em regime semiaberto, o parágrafo único do mesmo artigo faculta a

realização do exame. De acordo com Renato Marcão792, “o exame

criminológico é realizado para o resguardo da defesa social, e busca aferir o

estado de temibilidade do delinquente”.

Com a reforma da Lei nº7.210/84 pela Lei nº10.792, de 1º de

dezembro de 2003, dentre elas a que alterou as regras da progressão de

regimes e suprimiu o antigo parágrafo único do artigo 112 (“Parágrafo único. A

790

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial.

v.1. 4.ed. São Paulo: Premier Máxima, 2007, p.150. 791

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Execução penal: esquematizado. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: Método, 2015, p.293. 792

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 12.ed. De acordo com a Lei nº12.850/2016. São Paulo:

Saraiva, 2014, p.43.

Page 239: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

238

decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de

Classificação e do exame criminológico, quando necessário”), surgiu a

discussão sobre a obrigatoriedade do exame criminológico.

Depois de muito debate, houve um avanço importante com a edição

da Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça: “admite-se o exame

criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.

Não há, pois, a obrigatoriedade da sua realização, todavia poderá ser

realizado quando necessário e por decisão fundamentada. Também é assim

no caso de crimes hediondos, conforme se afere da Súmula Vinculante nº26:

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

O problema é observado justamente na dificuldade de manter a

imparcialidade do julgador nos casos de requerimento facultativo da realização

do exame criminológico quando o réu é reincidente.

A complexidade desse exame é tamanha que exige muita cautela

para se alcançar a objetividade, sem deixar que a subjetividade interfira nas

conclusões que dele serão extraídas.

Para Alvino Augusto de Sá793, os referenciais teóricos garantem a

objetividade, mas para alcançar esse processo ocorre a interação entre a

subjetividade primária e a secundária, as quais criarão a compreensão. A

subjetividade primária é a do senso comum e a secundária se verifica quando o

profissional se abstrai da teoria, que passa a fazer parte do seu pré-consciente.

Para chegar à objetividade, o profissional deve utilizar ambas

subjetividades, pois, do contrário, suas conclusões serão arbitrárias e inválidas:

“é a subjetividade secundária, o fator que distingue o profissional técnico bem

preparado, enquanto examinador, de um entrevistador leigo, mesmo que cheio

de boas intenções”794.

793

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.112-113. 794

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.113.

Page 240: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

239

Desta forma, acredita-se que é possível confeccionar um bom

exame criminológico, porém, se realizado por equipe disciplinar altamente

qualificada nesse processo de conclusão informativa ao Poder Judiciário.

Se o próprio juiz estiver contaminado pela subjetividade primária ao

requerer o exame criminológico, com a concepção de senso comum de que

todo reincidente é perigoso, o restante do procedimento estará comprometido,

sobretudo, a execução penal.

Não se defende a exclusão do exame criminológico, pois o juiz não

possui conhecimento técnico para aferir as individualidades de cada detento. O

próprio Foucault795 já advertia que, como o castigo visa impedir a reincidência,

é importante considerar o “criminoso em sua natureza profunda, o grau

presumível de sua maldade, a qualidade intrínseca de sua vontade.” Por isso,

defende a necessidade de uma classificação paralela dos criminosos e dos

castigos e a individualização das penas, conforme as características singulares

de cada criminoso.

O que se pretende demonstrar é que o título de reincidente interfere

também em cada etapa da execução penal, por isso se não houver requisitos

precisos e uma preparação técnica apurada, principalmente formação atenta

aos preceitos constitucionais, a reincidência sempre será um óbice à

pretendida execução penal constitucional.

Não é uma mudança que tornará a execução penal hoje conhecida

naquele pretendida, mas a soma de componentes contribuirá rumo à alteração

do quadro assim resumido: a execução penal é a escancarada aplicação da

legalidade de forma ilegal.

5.5 A reincidência como resultado estatístico da seletividade arraigada

Não é novidade a alta desenfreada dos índices de reincidência796. A

história demonstra que desde o nascedouro da fracassada pena de prisão, a

reincidência é uma constante que alimenta o sistema penitenciário, “apesar da

795

FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36.ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.94. 796

Para estudo dos índices, adotou-se como referência: IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016.

Page 241: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

240

presunção de que durante a reclusão os internos são submetidos a tratamento

reabilitador”797.

Além de perceber a falha do sistema prisional, dos dados

estatísticos tangentes à reincidência798 também é possível extrair que aquela

está presente na sua maioria, em casos envolvendo indivíduos de estratos

inferiores, com a nítida reprodução de exclusão social.

O criminólogo Alessandro Baratta799 expõe a existência de um

código social (second code) – que impõe aos indivíduos socialmente mais

débeis, além de uma relação precária com o mundo do trabalho e da

população – referente ao direito penal, uma reprodução das relações sociais

com a marginalização de uma população criminosa dos setores socialmente

mais desiguais. Para Edmundo Oliveira e Eugenio Raúl Zaffaroni, “a função

natural do sistema penal é de conservar e reproduzir a realidade social

existente”800.

Esse processo conduz à constituição de uma população criminosa

como minoria marginalizada, cujo efeito de estigmatização penal sobre a

identidade social traz a própria definição de si mesmo. Há uma mudança de

identidade social através das sanções estigmatizantes, que conduz o indivíduo

à dependência causal da delinquência a partir da primeira condenação. Desta

feita, não existe função reeducativa da pena.

Conforme Alessandro Baratta:

797

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p.161. 798

Sobre as cifras da reincidência, interessante trazer as seguintes ponderações apresentadas por Bitencourt: a) Seria interessante olhar o problema sob outra ótica, ou seja, questionar se o pequeno número de êxito obtido pela pena de prisão é o único possível; b) As causas responsáveis pelos altos índices não são estudadas cientificamente, sendo questionável se está relacionada a falência da pena de prisão ou a acontecimentos posteriores à libertação; c) Deve ser considerado que a sensibilidade a respeito da pena pode variar, trazendo efeitos distintos aos perseguidos; d) O percentual de reincidência não leva em consideração a situação dos internos, como a alta periculosidade e a superlotação, não sendo a reincidência o fator exclusivo do fracasso dos métodos penitenciários; e) A reincidência não é o fator mais importante e responsável pelo fracasso do sistema penal. A responsabilidade é do sistema penal como um todo, das condições sociais de injustiças promovidas. Dessa forma, considera que a reincidência não pode ser atribuída apenas ao fracasso da prisão, mas também a fatores pessoais e sociais. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São

Paulo: Saraiva, 2001, p.162-164). 799

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6.ed.Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de

Criminologia, 2013, p.179. 800

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; OLIVEIRA, Edmundo. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro:

GZ, 2010, p.436.

Page 242: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

241

A teoria das carreiras desviantes e do recrutamento dos “criminosos” nas zonas sociais mais débeis encontra uma confirmação inequívoca na análise da população carcerária, que demonstra a extração social da maioria dos detidos dos estratos sociais inferiores e o elevadíssimo percentual que, na população carcerária, é representada pelos reincidentes

801.

Conforme observado, a concepção é de que o crime se configura

uma construção social com destinatário pré-constituído, “ou seja, para a

criminologia crítica o crime é uma construção social para determinada classe

social”802.

Há uma negociação no direito penal por expressar relações de

subordinação e não de coordenação. Essa característica negocial é apontada

no direito penal desde o princípio, em que se visualizam leis arbitrárias para

atingir uma minoria em prejuízo do ser humano como um todo803.

“É perigoso quem tem “menos”, ou seja, quem tem um “déficit”.

Déficits físicos, psíquicos, afetivos, culturais, sociais. Eliminando ou reduzindo

o déficit, eliminada ou reduzida a periculosidade social”804. Basta visitar as

prisões para encontrar sempre e em toda parte sujeitos com tais “déficits”.

Desta forma, a saída só pode ser reduzir as diferenças sociais, principalmente

os déficits socioeconômicos.

As estatísticas da reincidência em diversos países, dos mais

variados parâmetros políticos, econômicos e' culturais, são pouco animadoras,

além de não apresentarem índices confiáveis, na maioria dos casos, ou sequer

existir estudo em torno dessa problemática. Contudo, quando apurados e

analisados detidamente, esses dados desvendam pela reincidência à

seletividade penal.

Nas palavras de Raúl Zaffaroni:

A seletividade do sistema penal atinge as classes sociais mais vulneráveis, geralmente os presos são os mais pobres, que têm menos tempo de estudo e, portanto, praticam os crimes mais grosseiros, que são mais fáceis de ser descobertos. O sistema penal

801

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do

direito penal. 6.ed.Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2013, p.179. 802

FELETTI, Vanessa Maria. Vende-se segurança: a relação entre o controle penal da força de trabalho

e a transformação do direito social à segurança em mercadoria. Rio de Janeiro: Revan, 2014, p.104. 803

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.224. 804

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.36.

Page 243: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

242

é seletivo sempre, é estrutural, no Brasil, Argentina ou China, no mundo todo

805.

Desta feita, “as prisões brasileiras têm uma clientela específica” ou

“clientela por excelência”806, composta por “pessoas vulneráveis e sempre

pertencentes aos estratos sociais mais desfavoráveis da comunidade”807. Nas

palavras de Vera Andrade808, “nada simboliza melhor a seletividade do que

a clientela da prisão.”

Aliás, “os índices de reincidência mostram que o sistema penal

selecionou de forma eficaz, desde o início, a própria clientela” e, o cárcere,

nesse sentido, “pode ser útil na gestão da criminalidade e da reincidência se e

enquanto for capaz de operar segundo a finalidade de neutralização

seletiva”809.

Conforme esclarece Vera Regina Pereira de Andrade810, os pobres

(minoria criminal) não são propícios ao crime, mas estão na mira da

criminalização, com maiores chances de serem etiquetados como

delinquentes.

Por vulnerabilidade entende-se “uma decorrência direta da condição

de exclusão social”811. Essa condição também está atrelada ao paradigma das

inter-relações sociais, havendo duas formas de entender a relação da

vulnerabilidade com o comportamento problemático. Alvino Augusto de Sá812

explica que é por meio da inovação que o vulnerável encontra uma alternativa

para se satisfazer pessoalmente. Alguns tornam ilesos seus desejos e outros

reagem socialmente. Nesse último caso, o indivíduo afronta as normas

socialmente vigentes e tais condutas passam a ser criminalizadas pelas

805

Vício do sistema. É mentira dizer que a corrupção será derrotada com o direito penal. Conjur.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-01/entrevista-raul-zaffaroni-jurista-ministro-aposentado-argentino>. Acesso em: 3 nov.2015. 806

SUECKER, Betina Heike Krause. Pena como retribuição e retaliação – o castigo no cárcere. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.166. 807

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Renavan, 2007, p.210. 808

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.137. 809

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução

crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.66; 64. 810

ANDRADE, Vera Regina de. Sistema penal x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.54. 811

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.281. 812

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.281.

Page 244: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

243

instâncias de controle: “trata-se de um processo de, não mais de prática de

uma conduta definida como crime, mas de criminalização da mesma e de

criminalização de seu autor, que tem como sujeito as instâncias de controle”813.

A seletividade do direito penal e na aplicação de determinados

institutos limita-se a eleger pessoas de classes vulneráveis, não apenas

socialmente, mas também biologicamente. Com tantos déficits o sistema penal

se incumbe de nutrir a deterioração do indivíduo, o que explica a reincidência,

já que irá ocasionar “um processo de condicionamento e vai tornar a pessoa

uma vítima de um sério prejuízo em sua capacidade de autodeterminação, fácil

candidata a novas criminalizações”814.

Elege-se, pois, os inimigos do sistema penal mantidos sob a

violência estrutural e combatidos com uma luta rigorosa, não importando se

legal ou ilegal815. Por isso, Zaffaroni816 mencionou que o direito penal do

inimigo sempre é aplicado nos tribunais e o inimigo é encontrado nas prisões.

Além disso, o instrumento preferido dessa política é a prisão provisória à

espera de julgamento817.

A identificação do “inimigo” é realizada por meio de critérios

objetivos, dentre eles, o da reincidência818. Não se pode negar que o direito

penal do inimigo existe em contraposição ao direito penal do cidadão819.

Ignorar esse fato é o mesmo que silenciar-se diante da violência silenciosa já

aplicada em muitos Estados de Direito820.

813

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.281. 814

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira

geração. São Paulo: RT, 2011, p.282. 815

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Renavan, 2007, p.211. 816

Vício do sistema. É mentira dizer que a corrupção será derrotada com o direito penal. Conjur.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-01/entrevista-raul-zaffaroni-jurista-ministro-aposentado-argentino>. Acesso em: 3 nov.2015. 817

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; OLIVEIRA, Edmundo. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro:

GZ, 2010, p.303. 818

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e

bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.208. 819

Para Manuel Monteiro Guedes Valete essa expressão é um pleonasmo, pois o direito penal já deve se respaldar na dignidade da pessoa humana, com a limitação de possíveis abusos dos detentores do ius puniendi e obedecer às garantias processuais penais de todos. (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo: o progresso ao retrocesso. São Paulo: Almedina, 2010). 820

JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Page 245: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

244

Com o desmonte do Welfare State, houve a descartabilidade do

valor da pessoa humana, ou seja, considera-a supérflua e projeta-se nela um

meio de coação direto com a maximização do poder policialesco821.

Segundo Salo de Carvalho, “compreende-se, neste quadro político,

a formação de condições de irrupção de políticas criminais igualmente

sustentadas na exclusão, para determinadas pessoas, do status de cidadão –

direito penal do inimigo”822.

Com o fundamento de que a proteção dos bens jurídicos deve ser

substituída mediante a proteção da vigência da norma823, Jakobs argumenta

que não é possível desconsiderar o fato de que há no direito penal dois polos

ou tendências em suas regulações. Um deles está destinado ao cidadão, o

qual não oferece perigo futuro, podendo vir obedecer ao direito novamente e

outro ao inimigo, aquele que reitera nas práticas criminosas e ignora de forma

duradoura as regras do ordenamento jurídico. Nas palavras de Jakobs, “um

indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não

pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”824.

Mesmo diante de infindáveis críticas ao direito penal do inimigo,

principalmente a de que toda a teoria é contrária aos preceitos de um Estado

Democrático de Direito, merece reconhecimento o fato de Jakobs ter apenas

teorizado uma nova fase evolutiva da política criminal autoritária e divulgar de

forma científica a coisificação que alguns seres humanos, os perigosos, estão

sofrendo com a privação de certos direitos fundamentais, num verdadeiro

processo de exclusão, eliminação ou neutralização825.

Os reincidentes compõem esse cenário velado do direito penal do

inimigo, pois os efeitos da reincidência são aplicados automaticamente,

821

CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.102. 822

CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.102. 823

ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Tradução e

organização de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2.ed. Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado, 2013, p.58. Roxin entende duvidosa essa concepção e questiona o fato de para Jakobs o fundamento de punição da tentativa ser o mesmo que o da consumação, considerando tudo como ataque perfeito contra a vigência da norma. Para Roxin a punição da tentativa está no perigo que foi colocado o bem jurídico. 824

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Canio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Tradução e

organização de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado, 2009, p.35. 825

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo do direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio De

Janeiro: Revan, 2007, p.162.

Page 246: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

245

considerando-se acima de tudo o que a pessoa é (recidiva) e, mais, segregada,

excluída socialmente, tudo com a confirmação pelo sistema penal.

A reincidência é um fator preocupante e precisa ser alterada tanto

normativamente como estatisticamente. Considerar apenas a periculosidade do

reincidente para puni-lo mais gravemente e obstar sua saída do sistema

prisional, sem levar em conta os fatores sociais diretamente relacionados à sua

vida e, principalmente, a falha do Estado ao tomar para si, com a promessa de

ressocialização826, a responsabilidade da aplicação da promissora pena,

apenas revigora a desproporção na punição daqueles que foram realmente

‘selecionados’ pelo sistema penal.

Observa-se, então, pelos dados do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA), apresentados no relatório de pesquisa sobre a reincidência

criminal no Brasil827, em 2015, fruto de um acordo de cooperação técnica entre

o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ipea (001/2012), a seletividade

estampada nos índices apurados.

Antes, porém, importante registrar que os dados estatísticos não

podem retratar a realidade por completo, mas ao menos dela se aproxima.

Nesse sentido, Hassemer828 faz um alerta. Para o autor, é muito difícil alcançar

um conhecimento fidedigno pelos dados estatísticos sobre o êxito da

ressocialização. Entende ser inutilizável o argumento das cifras de reincidência

para desautorizar a ideia de ressocialização, pois por esses dados somente se

estampa a criminalidade manifesta, investigada e condenada. A cifra negra

permanece obscura, não se aferindo a real criminalidade. Além disso, não é

possível provar todos os fatores que cooperam produtivamente para modificar

os índices de reincidência.

826

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 65,9% dos reincidentes cumpriram a pena integralmente. Do restante: 1,1% é absolvido; 1,6% recebeu graça, anistia ou indulto; 11,5% morrem antes do cumprimento da pena; e 19,7% dos casos ocorre prescrição. (IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil.

Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016). 827

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 828

HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo

Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p.377.

Page 247: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

246

No mesmo sentido, segundo Claudio José Langroiva Pereira829,

denominada cifra negra da criminalidade demonstra que “qualquer pesquisa ou

estudo técnico, realizado com fundamento na criminalidade conhecida, fica a

cargo de supostos acertos ou previsões inconsistentes”.

Mesmo assim, deve-se considerar o valor de uma pesquisa sobre a

reincidência criminal no Brasil, seja pelas poucas existentes seja pela

importância de se dar um passo inicial na identificação e possíveis medidas de

solução a esse problema. Nela serão destacados os principais índices e

aspectos relacionados à situação.

Inicialmente, é possível verificar que o sistema prisional possui um

alto déficit de vagas e o número de presos só aumenta a cada ano. O Brasil é o

quarto país que mais encarcera no mundo. Em contrapartida, as taxas de

criminalidade não param de subir, fato diretamente relacionado à falha

ressocializadora das prisões e à reincidência830.

A taxa geral de reincidência varia muito a depender da pesquisa, dos

critérios utilizados e da região em estudo, contudo, é sempre alta, indicando as

menores estimativas em torno de 30%. Conforme aponta o relatório do IPEA, o

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já mencionou que o índice de reincidência

era de 70% em 2011. Adorno e Bordini (1989) chegaram a uma taxa de

46,03% em estudo realizado com sentenciados libertados da penitenciária do

estado de São Paulo entre 1974 e 1976. Em outro estudo (1991), considerando

somente os detentos já condenados pelo sistema de justiça criminal paulista,

revelou-se uma taxa de reincidência de 29,34%. O Censo Penitenciário

Nacional de 1994 concluiu que 34,4% dos apenados no Brasil eram

reincidentes. Kahn (2001) produziu uma pesquisa sobre reincidência penal

para o estado de São Paulo e apontou que a taxa era de 50% em 1994; 45,2%

em 1995; e 47% em 1996. Em 1998, o Depen citou que a reincidência era de

70% e que sua meta era reduzi-la, até 2003, para 50%. No entanto, nesse ano,

considerou o número de reincidências igual ao de presos recolhidos no ano

829

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Política criminal e os fins do direito penal no Estado Social e Democrático de Direito. In: (Org.) SILVA, Marco Antonio Marques da. Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.96. 830

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016.

Page 248: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

247

com passagem anterior pelo sistema (condenados ou não). O próprio Depen,

em junho de 2008, divulgou que 43,12% dos apenados de todo o país no

primeiro semestre daquele ano eram réus primários com uma condenação;

23,87% eram primários com mais de uma condenação e 33,01% eram

reincidentes831.

Esclarece-se, contudo, que algumas formas de considerar a

reincidência se destacam nas pesquisas estatísticas: a) reincidente como

qualidade do agente, independentemente do número de condenações que

gerou esse rótulo ou o manteve e; b) a contagem dos índices a partir de cada

condenação que gerou a reincidência (“multirreincidência”); c) reincidência

penitenciária, caso em que considera apenas o recolhimento novamente no

estabelecimento penal do sujeito que já cumpriu pena, sem a necessidade de

condenação transitada em julgado. A pesquisa apresentada adota a primeira

descrição832.

Além do objetivo de levantar dados sobre a taxa de reincidência

legal, a pesquisa do IPEA visou traçar o perfil dos apenados reincidentes. Para

tanto, estudou 817 apenados de cinco estados. Entre esses processos válidos

para o cálculo da taxa de reincidência, foram constatadas 199 reincidências,

então, a taxa de reincidência, calculada pela média ponderada, totalizou

24,4%833.

831

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 832

“A pesquisa ocupa-se, portanto, da reincidência em sua concepção estritamente legal, aplicável apenas aos casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por fatos diversos, desde que a diferença entre o cumprimento de uma pena e a determinação de uma nova sentença seja inferior a cinco anos. A reincidência legal atém-se ao parâmetro de que ninguém pode ser considerado culpado de nenhum delito, a não ser que tenha sido processado criminalmente e, após o julgamento, seja sentenciada a culpa, devidamente comprovada”. (IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de Pesquisa sobre a Reincidência Criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. p.09. Acesso em: 9 ago.2016. 833

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de Pesquisa sobre a Reincidência Criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Esclarece-se que a pesquisa inicial iria ocorrer também no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo, mas não foi possível prosseguir nesses estados por ter sido constatado pelos pesquisadores que a listagem de processos fornecida pelos respectivos Tribunais não estava de acordo com o solicitado pela equipe. A pesquisa fora então realizada nos estados do Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e Pernambuco. Já os estudos de caso, com a finalidade de aprofundar a investigação e exemplificar os problemas existentes, foram realizados em localidades restritas. Foram visitadas três UFs, cujo critério de escolha pautou-se pela possibilidade de explorar analiticamente diferentes dimensões que compõem a problemática da reintegração social do apenado (p.17-18;23). Acesso em: 9 ago.2016.

Page 249: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

248

Quanto à faixa etária, a pesquisa demonstrou que a maioria dos

reincidentes são pessoas jovens (18 a 24 anos), representando 42,1% do total

dos casos analisados:

A literatura internacional tem apontado que, quanto menor a idade do primeiro delito, maiores as chances de reincidência (Martinez, 1992; Nagin, 1992 apud Mariño, 2002). Nos dados coletados podemos perceber que a faixa mais jovem tem maior proporção na amostra de não reincidentes, já na faixa dos 25 anos em diante, a proporção de reincidentes tende a ser maior que a de não reincidentes, o que significa dizer que há algum crime pelo qual o réu foi condenado em uma idade inferior àquela em que se encontra nessa amostra

834.

Em relação ao sexo, os dados revelam que 91,9% é do sexo

masculino, contra 8,1% do sexo feminino. Em cada dez não reincidentes, um é

do sexo feminino. A grande maioria dos crimes praticados, de acordo com a

referida pesquisa, é de crimes contra o patrimônio, furto e roubo, que no total

de processos somam 40,9%, Entre os reincidentes, o crime de furto só cresce

e chega a ultrapassar os 50%. O tráfico de drogas ocupa a terceira espécie de

crime mais praticada pelos reincidentes835.

Por esses dados, é possível vislumbrar a seletividade penal arguida,

pois o envolvimento nessas espécies de crimes, salvo uma ou outra exceção, é

de pessoas com baixa condição econômica. Além disso, em nenhum dos

dados apresentados pelo relatório do IPEA foram identificados crimes como,

por exemplo, contra a ordem econômica, tributária ou sistema financeiro, fato

que pode ser explicado pela teoria do etiquetamento ou labelling approach. Por

essa teoria, o crime deve ser estudado como o centro de uma teoria da

criminalidade, analisado, então, a partir de duas instâncias: “da definição do

comportamento delitivo por normas abstratas” e da “reação das instâncias

oficiais contra esse comportamento delitivo definido anteriormente”836.

O crime, nesse viés, não é um dado preestabelecido, mas

construído com o etiquetamento de determinados comportamentos e

834

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 835

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de Pesquisa sobre a Reincidência Criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>, p. 29, Acesso em 09 de agosto de 2016. 836

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes. Fundamentos da criminologia crítica. Curitiba: Juruá, 2010, p.68.

Page 250: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

249

indivíduos. Há uma dupla seleção: a primeira é a dos bens jurídicos protegidos

penalmente e dos comportamentos que os ofendem, e uma segunda seleção é

a dos indivíduos estigmatizados837.. Portanto, a teoria do labelling approach

questiona por que certas condutas são criminalizadas e outras não, ainda que

potencialmente lesivas, e por que apenas um grupo de pessoas mais

vulneráveis é selecionado pelo sistema penal.

Conforme Francisco Muñoz Conde e Winfried Hassemer838, o acerto

dessa teoria foi demonstrar a atuação das instâncias formais de controle na

seletividade dos criminosos e na eleição dos bens jurídicos que devem ser

protegidos. Desta forma, pela teoria do etiquetamento é possível entender que

a reincidência gira em torno de uma seletividade já estabelecida no sistema

penal, tanto na criminalização primária como na secundária.

Por esse viés, tem-se que o objetivo maior da manutenção da

reincidência no ordenamento jurídico é a “individualização das pessoas perante

os sistemas de controle, assegurando a existência de uma classe delitiva e a

perpetuação das relações de poder”839.

A pesquisa ainda demonstra a porcentagem de reincidentes que já

estavam presos no momento da condenação. Deles, 54,3% estavam presos

pelo crime referente ao processo pesquisado e 4,5% por outro crime. A prisão,

portanto, vem sendo utilizada como o mecanismo central do funcionamento do

sistema de justiça criminal, com baixa efetividade na prevenção da

criminalidade e forte impacto na construção de carreiras delinquenciais840.

Quanto ao conteúdo da decisão definitiva, os apenados reincidentes

foram mais condenados a penas privativas de liberdade. Entre os reincidentes,

837

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do

direito penal. 6.ed. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2013, p.161. 838

CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Tradução, apresentação

e notas de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.117. Os autores apontam como o principal desacerto dessa teoria o fato de não propor propostas de polícia-criminal e social, limitando-se a contrariar o etiquetamento. Outras críticas são também expostas (p.117-121). Pondera-se, contudo, que os autores entendem que essa teoria tem razão, em parte, segundo o setor ou âmbito de criminalidade a que se refere. O valor explicativo depende do contexto em que será analisada. (p.123). 839

SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades nº16, maio-ago.014. Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências

Criminais, p.65. 840

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016.

Page 251: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

250

apenas 6,6% foram condenados a penas alternativas, enquanto 89,3%, a

penas privativas de liberdade. Esse fato se explica, pois uma das condições

para a aplicação de penas alternativas é justamente a não reincidência841.

Muitos outros dados foram abordados pela pesquisa, como as

principais causas da reincidência apontada tanto pelos presos como pelos

agentes penitenciários, juízes, porém, nesse item pretendeu-se elencar os

dados capazes de apontar o motivo de o instituto da reincidência ser

considerado oriundo da seletividade penal.

5.6 A política criminal contemporânea: a reincidência no contexto da

crise do sistema penal e processual penal

Ao contrário do que muitos afirmam, a política criminal não se refere

apenas a reformas no âmbito jurídico. Ela alcança conteúdos de cunho social

e, consequentemente, atinge o direito penal e processual penal.

Da mesma forma, não é algo novo no contexto histórico, uma vez

que há séculos ocupa a discussão em torno do cenário de controle social842

pelo Estado e seus abusos através do sistema punitivo.

Nessa senda, destaca-se a obra Dos delitos e das penas843 de

Cesare Beccaria (1738-1794), o conhecido Marquês de Beccaria, a qual foi um

marco crítico contra as barbáries do cárcere. Publicado em 1764, o livro

representou o início do “período humanitário” da ciência criminal. A obra

emblemática de Beccaria já representava “um breviário de política criminal de

base iluminista”844. Para Beccaria, a pena teria como escopo proporcionar o

bem à sociedade com a segurança pública845.

841

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago.2016. 842

Interessante a definição de Winfried Hassemer: “Norma, sanção e processo formam juntos o que nós denominamos de “controle social”. O controle social é uma condição fundamental irrenunciável da vida em sociedade. [...] Ele é um instrumento de desenvolvimento cultural e de socialização dos membros dos grupos e sociedades.” (HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Tradução

de Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p.414). 843

BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 2.ed. São Paulo: RT, 1999. 844

MARAT, Jean-Paul. Plano de legislação criminal. Tradução: João Ibaixe Jr. e Carmensita Ibaixe. São

Paulo: Quartier Latin, 2008. p.41. 845

BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que punir? Teoria geral da pena. São Paulo: Saraiva, 2010, p.90.

Page 252: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

251

Na mesma linha, contudo, com algumas diferenciações, Jean-Paul

Marat em Plano de legislação criminal, publicada definitivamente em 1790,

denunciava a desumanidade dos castigos e os suplícios penais, além de se

revoltar contra as falsas construções que embasaram o iluminismo e o

derrubaram ao longo da história846:

[...] não se pode negar o descortino de Marat, ao estabelecer em seu projeto de legislação criminal a fixação de garantias para os principais valores burgueses: a vida e a propriedade. Isto, de modo breve, para indicar o caráter negocial da fixação das normas que regerão a penalização das condutas tidas por nocivas a uma determinada organização do Estado e, para evitar delongas, sem explorar a fascinante rede negocial presente nas relações entre Poder Público e defesa dos réus

847.

Desta feita, a política criminal sempre se constituiu nitidamente por

dois polos, um de maior incremento punitivista e outro de diminuição da

pressão punitivista, conforme ainda permanece. Segundo Vera Regina P. de

Andrade,

[...] o horizonte de projeção da política criminal é hoje, portanto, no contexto do capitalismo globalizado neoliberal, um campo complexo e ambíguo, atravessado por respostas contraditórias que invocam tanto a maximização da luta contra a criminalidade (maximização eficiente da criminalização) quanto a minimização e a abolição da própria criminalização, oscilando entre mais pena, menos pena, ou nenhuma pena

848.

Da forma oficial como concebida, surgiu na modernidade no final do

século XIX, no marco do modelo integrado de ciências penais, formulado por

Franz Von Listz849, para o qual os três pilares interdependentes voltados ao

controle do crime e da criminalidade são a criminologia (ciência da

criminalidade), a dogmática penal (ciência do direito penal) e a política criminal,

conforme explica Vera Regina Pereira de Andrade850. Nesse viés, a

criminologia tem por objeto o fenômeno da criminalidade, suas causas e a

846

MARAT, Jean-Paul. Plano de legislação criminal. Tradução: João Ibaixe Jr. e Carmensita Ibaixe. São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p.41. Marat luta pela conservação das ideias iluministas, já Beccaria planta ideias humanistas. 847

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.224. 848

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.295-296. 849

LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Atual. e notas de Ricardo Rodrigues Gama.

Comentários e tradução de José Higino Duarte Pereira. Campinas, SP: Russel, 2003. 850

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.276.

Page 253: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

252

partir de conhecimentos antropológicos e sociológicos embasa a política

criminal; já a dogmática do direito penal preocupa-se com as normas penais,

interpretando-as e sistematizando-as para a segurança jurídica na sua

aplicação851.

Para Salo de Carvalho:

Perceptível que a questão no campo criminal fica agudizada em face de fazer parte do modelo integrado de ciências a política criminal, cuja função seria a de, a partir dos diagnósticos realizados pela dogmática penal e pela criminologia, produzir discurso de inserção no âmbito da política. A política criminal, portanto, seria a produção de convicção a partir dos julgamentos objetivos das ciências criminais

852.

Nesse contexto, a política criminal pode ser conceituada como a luta

do Estado contra a criminalidade (império do “mal”) por meio de um conjunto de

estratégias e ações, em defesa da sociedade (o “bem”), respaldada pela

ciência853.

Nilo Batista854 denomina política criminal como o conjunto de

princípios e de recomendações para reformar ou transformar a legislação

criminal e os órgãos encarregados de sua aplicação. E essa é identificada em

cada etapa do sistema penal: política de segurança pública (instituição policial),

política judiciária (instituição judicial) e política penitenciária (instituição

prisional).

A política criminal é uma das políticas desenvolvidas pelo Estado

visando executar projetos por vários órgãos estatais contra a criminalidade,

para prevenção ou repreensão. Nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli, “se por

política se entende a ciência ou arte de governo, por política criminal pode-se

entender a política relativa ao fenômeno criminal, o que não seria mais que um

capítulo da política geral”855.

851

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.276. 852

CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.23. 853

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.277. 854

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011,

p.33. 855

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 –

parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.129.

Page 254: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

253

Franz V. Liszt , conforme observa Roxin856, destaca:

En la Política criminal incluye los métodos adecuados, en sentido social, para la lucha contra el delito, es decir, la Ilamada misión social del Derecho penal; mientras que al Derecho penal, em el sentido jurídico de la palabra, debe corresponder la función liberal del Estado de Derecho, asegurar la igualdad em la aplicación del Derecho y la libertad individual frente al ataque del “Leviathan”, del Estado

857.

Ademais, a política criminal pode ser definida, conforme Santiago

Mir Puig858, como um setor da política que trata da delinquência, contendo um

conjunto de critérios voltados ao tratamento da criminalidade. Entende ainda

que cada ordenamento jurídico-penal responde a uma determinada orientação

política criminal, a qual é uma orientação prática. Na mesma senda,

considerando a estrutura tridimensional do direito (norma, fato e valor), pode

ser compreendida como um desses componentes na dogmática jurídico-penal,

ou seja, o direito penal simboliza a norma, a criminologia o fato e a política

criminal o valor859.

Não se pode desprezar que política criminal deve ser norteada pelos

preceitos constitucionais. Isso quer dizer que a Constituição Federal é a linha

mestra da execução de todos os métodos de combate e prevenção da

criminalidade.

Sendo assim, não pode ser dúbia a resposta sobre a forma de

política criminal adotada no Brasil. Ao analisarmos os direitos e garantias

fundamentais, os princípios penais e processuais penais constitucionais, a

conclusão é de que o país adotou o modelo minimalista da política criminal.

Entretanto, não o fez com viés abolicionista, mas reformista e com um fim em si

mesmo, ou seja, mediante a Constituição Federal de 1988 tende ao movimento

reformista com o enfoque despenalizador, o princípio da intervenção mínima e

o uso da prisão como última ratio. Sustenta-se um direito penal mínimo

856

ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. 2.ed. Traducción Francisco Muñoz

Conde. Buenos Aires: Hammurabi, 2002, p.32. 857

À política criminal assinala ele os métodos racionais, em sentido social global no combate à criminalidade, o que na sua terminologia era designado como a tarefa social do direito penal, enquanto ao direito penal, no sentido jurídico do termo, competiria a função liberal-garantística de assegurar a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado “Leviatã”. (Tradução livre). 858

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.58. 859

PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002, p.58.

Page 255: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

254

pautado na proteção das garantias tanto dos criminosos como dos não

criminosos.

Nessa senda, a política criminal brasileira possui como alicerce os

princípios, os direitos fundamentais e os direitos humanos, os quais considera-

se “o único instrumento de defesa contra os excessos estatais”860. Porém, a

prática é incisiva ao demonstrar justamente o contrário, o crescimento do

movimento “Lei e Ordem”, negando qualquer deslegitimação do poder punitivo.

Nesse sentido, conforme observa Vera Regina Pereira de Andrade a respeito

do discurso da “Lei e Ordem”:

É necessário incrementar mais e mais a engenharia e a cultura punitivista, fechar cada vez mais a prisão e suprimir cada vez mais as garantias penais e processuais básicas, rasgando cotidianamente a Constituição e o ideal republicano. De última, a prisão retorna à prima ratio

861.

Ocorre que, a política criminal de modelo maximalista, a exemplo do

direito penal do inimigo, já arguida, é totalmente incompatível com as projeções

de criminalização no âmbito político-criminal minimalista (teoria garantista)862,

em consequência, ao modelo insculpido na Constituição Federal.

A projeção da política criminal atual é afetada pela crise do sistema

penal e processual penal. Conforme Zaffaroni863, a política criminal autêntica

somente alcança seu objetivo por meio da atualização do sistema ao qual ela

se aplica e tem o papel de atualizar o sistema penal, atendendo às

necessidades e aos valores da sociedade moderna.

Dentro da crise mencionada localiza-se a reincidência criminal como

um componente da dogmática normativa.

A reincidência criminal foi declarada constitucional sob o forte

argumento de compor o sistema de política criminal brasileiro, com diversas

repercussões no decorrer do processo.

860

ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. 2.ed. jan. 2012. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro:

Renovar, 2012, p.66. 861

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.271. 862

CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.24. 863

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; OLIVEIRA, Edmundo. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro:

GZ, 2010, p.425.

Page 256: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

255

Ocorre que, dos resultados práticos extraídos do sistema penal e de

seus efeitos negativos sobre as pessoas mantidas sob o controle do poder

punitivo, o meio da reincidência criminal tem muito mais a característica de

uma política de eficientismo penal, acompanhando a saga do MAIS, consoante

Vera Regina: “[...] mais leis penais, mais criminalizações e apenamentos, mais

polícias, mais viaturas, mais algemas, mais vagas nas prisões [...]”864.

Percebe-se logo que por meio da distorcida política criminal

aplicada, institutos considerados componentes do método repressivo também

são mantidos sem qualquer adaptação para serem compatíveis ao modelo

constitucional. Sob a justificativa da necessidade de impor uma sanção mais

contundente àquele que se negou à ressocialização, a reincidência criminal

não passa de mais um exemplo explícito do simbolismo penal, visto que longe

de combater ou amenizar o fenômeno da criminalidade.

Marco Antonio Marques da Silva observa que “o sistema penal,

como estrutura de sustentação do poder social, por meio da via punitiva, é,

assim, simbólico”, atingindo os segmentos sociais marginalizados, como

aqueles pertencentes aos setores hegemônicos865.

Consoante Baratta866, a “política criminal” é uma espécie do gênero

“política pública”, ao qual pertencem outras espécies. Todavia, a política

criminal está engessada em velhos preceitos e é mais punitiva, “colonizando e

criminalizando a política social, e cada vez mais distanciada de uma interação

orgânica com uma política de transformação social e penal”867. A política

criminal é “a prima pobre da política social, mas está indissoluvelmente ligada a

ela”868. Aliás, o direito penal e o direito processual penal deveriam ser o último

recurso da política social869.

864

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da

(des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p. 271. 865

SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.10. 866

BARATTA, Alessandro. Política criminal: entre la política de seguridad e la política social. In: (Org.) ELBERT, Carlos Alberto. Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires:

Editorial B de F, 2004, p.154-164. 867

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.289. 868

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011,

p.34. 869

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Tradução de Ana Paula dos Santos

Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 2004, p.58.

Page 257: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

256

A reincidência já foi considerada o ponto principal da mira da política

criminal. Já expunha Nelson Hungria, quando o Código Penal aplicava ao

reincidente doloso medida de segurança, que o legislador não poderia atribuir

ao juiz a apreciação para cada caso concreto do caráter de reincidência, uma

vez que faltariam elementos de elucidação com os cadastros criminais

ineficientes e, ainda, os meios seriam ineficazes para o juiz indagar sobre a

personalidade do acusado. O juiz chegaria a afastar sintoma de periculosidade

deixando a sociedade desarmada contra os reincidentes. E defendia: “a

reincidência não pode, portanto, deixar de ser considerada, juris et de jure, uma

presunção de defesa social”870.

Por ora, contudo, a reincidência criminal vem tão somente compor a

arquitetura de conceitos justificadores da prisão, ao lado da personalidade, da

classificação dos criminosos, dos antecedentes e do verdadeiro direito penal do

autor, como ápice do caráter preventivo.

O princípio da legalidade é preexistente, limitador e garantista no

uso da política criminal. Porém, diante da crise pela qual atravessa o direito

penal atual, a opção de prevenção vem superando as garantias individuais871.

A verdade é que surgiu uma política criminal proveniente da ação

intensiva das corporações midiáticas, “verdadeiras condicionantes da aplicação

das garantias penais e processuais, que ao nível do discurso estão

asseguradas em pactos e tratados internacionais sobre direitos humanos”872.

O grande desafio é lutar pelo delineamento claro e preciso de uma

política criminal que semeie alternativas que possam causar uma retenção na

expansão do poder punitivo estatal.

É necessário defender uma “política criminal consequente, forte,

empenhada, de uma luta efectiva e real contra a criminalidade”873 ilesa da

cultura de controle, da proliferação de leis de emergência874, da exaltação à

870

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.112. 871

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Política criminal e os fins do direito penal no Estado Social e Democrático de Direito. In: (Org.) SILVA, Marco Antonio Marques da. Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.86. 872

PRADO, Geraldo. A transição democrática no Brasil e o sistema de justiça criminal. Disponível

em: <http://www.geraldoprado.com> Acesso em: 10 jan. 2016. 873

COSTA, José de Faria. Direito penal e globalização: reflexões não locais e poucos globais. Portugal:

Coimbra, 2010, p.67. 874

“Em grave equívoco incorrem, frequentemente, a opinião pública, os responsáveis pela Administração e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais

Page 258: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

257

tolerância zero, da diminuição de garantias processuais, do aumento de prisões

– uma política criminal de geometria variável –, capaz de diminuir as leis

penais, torná-las claras, límpidas e precisas, aplicar penas de forma mais

rápida e alterar alguns pontos da arquitetura processual penal875.

Nesse cenário, a reincidência penal deve ser vista aos olhos da

verdadeira política criminal brasileira traçada com respaldo constitucional. Em

caso de continuar sendo um mal necessário, juntamente com a pena que

instiga o direito penal e reflete diretamente no processo penal, deve ser

remodelada para que tenha de fato seja compatível com o modelo de processo

penal constitucional.

Da forma como vem sendo tratada e aplicada, a reincidência penal

aparenta estar inserida num sistema fechado (penal e processual penal).

Porém, o sistema jurídico precisa de abertura em prol de evoluções a favor da

sociedade.

Essa crise no sistema penal e no sistema processual penal é

retratada, em síntese, por René Ariel Dotti:

No campo da administração da justiça penal os seus operadores estão sofrendo a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, tendo à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância religiosa. Ele se destaca, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo. A primeira fomenta o justiçamento social determinado pelos padrões sensacionalistas da mídia que subverte o princípio da presunção de inocência e alimenta a fogueira da suspeita que é a justiça das paixões, consagrando a responsabilidade objetiva; a segunda, anarquiza os meios e métodos de controle da violência e da criminalidade, estimula o discurso político e revela a ausência de uma Política Criminal em nível federal

876.

O sistema processual penal, atingido por uma crise expansionista e

mantenedora de uma cultura inquisitiva, retrata a dificuldade de quebrar

severas, será possível resolver-se o problema da criminalidade crescente. Essa concepção do direito penal é falsa porque o toma como uma espécie de panacéia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras estatística criminal, apesar do delírio legiferante de nossos dias.”

(TOLEDO,

Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p.05) . 875

COSTA, José de Faria. Direito penal e globalização: reflexões não locais e poucos globais. Portugal:

Coimbra, 2010, p.67. 876

DOTTI, René Ariel. A reforma do Código Penal I. Disponível em:

<http://www.dotti.adv.br/artigosjp_431.htm>. Acesso em: 15 ago.2016.

Page 259: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

258

barreiras e se constituir um verdadeiro processo penal constitucional, como

abordado no segundo capítulo. Infelizmente, “práticas autoritárias emergem e

submergem, conforme o ciclo político, mas não desaparecem. E no campo da

Justiça Criminal, no Brasil, não é sequer correto afirmar que tais práticas

tenham perdido fôlego com o fim da ditadura”877, reitera Geraldo Prado.

A reincidência criminal no sistema processual penal analisada nas

mais diversas fases de aplicação neutraliza o delinquente oriundo da

seletividade penal. O alerta de Jesús-Maria Silva Sánchez878 se enquadra na

análise ora realizada, pois a neutralização seletiva tem o condão de manter a

prisão pelo maior tempo possível aqueles considerados responsáveis pela

maior parte dos fatos delitivos. E, a partir de dados estatísticos (reincidência), é

possível predizer que continuarão na vida do crime.

É como se ocorresse uma quase operação matemática de regra de

três simples: quanto mais tempo o reincidente permanecer sob o comando

estatal penal, mais economia de delitos para a sociedade. Quase, pois, há a

fórmula, mas o resultado nunca é alcançado.

A instrumentalidade do processo penal se perde nesse percurso de

maciça perseguição a ‘escura’ do reincidente estagnando-se num processo

com um fim exclusivamente jurídico, quando deveria ir além, “pois o processo

deve também atender às finalidades sociais e políticas”879, segundo Aury Lopes

Júnior.

Desta forma, será incessante a batalha para mudar e inovar, para

muito além do aspecto apenas normativo envolvendo a reincidência criminal. É

necessário avançar para mudar a cultura ideológica e punitiva, “promovendo a

mudança cultural dos operadores do direito, do senso comum midiático, que

nos doutrina todos os dias com uma ideologia punitivista separatista e

extremista”880, conforme verifica Vera Andrade.

877

PRADO, Geraldo. A transição democrática no Brasil e o sistema de justiça criminal. Disponível

em: <http://www.geraldoprado.com> Acesso em: 10 jan. 2016. 878

SILVA SANCHÉZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas

sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 2.ed. São Paulo: RT, 2011, p.170-171. 879

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 880

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012, p.326.

Page 260: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

259

Toda reforma inovadora, é claro, pretende modificar o que está

errado, voltando-se para o futuro. Por outro lado, não tem a pretensão de

remendar ou camuflar os males do passado, os quais serão cicatrizados no

decorrer do tempo, mas nunca esquecidos. Constitui-se, pois, “em boa parte,

um projeto de modificação da realidade que tem por insuportável, apesar de

brasileira (sem qualquer orgulho)”881.

Acredita-se que uma mudança ao redor do instituto da reincidência,

a partir da visão sistêmica do direito processual penal constitucional, poderá

contribuir para alterar uma realidade jurídica paradoxal. Ao mesmo tempo que

brada por socorro, centra-se na luz do holofote do maximalismo penal, que

ofusca o sentimento que deve sobrepor a saga punitivista, qual seja: o valor do

ser humano acima de tudo.

5.7 Por uma nova interpretação à luz da efetividade do processo penal

Seguindo a linha de tudo que se expôs em torno da reincidência

penal, não resta dúvida de que esse instituto merece ser remodelado no

ordenamento jurídico brasileiro. Como forma de maximizar a reprimenda, as

regras em torno da reincidência não apresentaram evoluções significativas no

decorrer histórico. Poucas foram as alterações, e as discussões a respeito

ainda são tímidas.

Deve-se considerar que o entendimento de muitos institutos jurídicos

requer atenção ao que esse representou no passado e a partir disso também é

possível compreender os reflexos no presente. Faltou, pois, um olhar mais

atento a esse passado que carregou a reincidência quase que imodificável para

o presente, sendo possível reconhecer claramente a carga repressiva que

perdura até hoje.

Os índices de reincidência, nos mais diversos países e no Brasil, são

apontados praticamente em todos os estudos criminais, porém os efeitos

processuais penais causados pelas regras voltadas à pessoa recidiva

continuam produzindo a visão ludibriada de que algum efeito positivo produz.

881

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994,

p.78.

Page 261: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

260

Desta forma, nesse último item da presente tese de doutoramento,

será apresentada, além de uma nova interpretação da reincidência criminal à

luz da efetividade do processo penal, determinadas sugestões de

aprimoramento legislativo, entendidas como um dos passos rumo ao

verdadeiro progresso do direito penal e processual penal.

De antemão, importante insistir que, no contexto do sistema jurídico,

o direito processual penal deve ser pautado nas diretrizes constitucionais, e a

efetividade do processo penal está relacionada a esse conjunto organizado de

normas em prol da proteção do ser humano.

De nada adiantaria as normas processuais penais ou penais senão

para alcançar a finalidade a que foram criadas. O processo penal deve ser

efetivo a ponto de proporcionar uma resposta que o justifique.

Por isso, a reincidência criminal deve sair do campo estático de

aplicação e passar a ser aplicada de forma dinâmica, obedecendo ao princípio

da individualização da pena, o qual enaltece também a função do juiz. Nesse

sentido, conforme Nucci, importante destacar que o papel do julgador é

valoroso:

[...] a finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada”, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto

882.

As regras oriundas da reincidência são hoje aplicadas

automaticamente e sem quaisquer critérios que atendam à proporcionalidade e

individualização da pena. A efetividade da reincidência criminal em âmbito

processual e pelo viés sistemático do direito processual penal é ínfima, quase

nula. Não resulta o esperado (contenção criminosa) e prorroga a submissão do

condenado no perverso sistema penitenciário.

Apesar da ineficácia da reincidência, diferentemente do

entendimento de alguns autores que propõem a abolição pura e simples do

instituto, ou que defendem que a reincidência deva funcionar como uma

atenuante da pena em caso de reincidência real, pois o sistema carcerário

deforma, entende-se que esse instituto, já que agregado à finalidade da pena,

882

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: RT, 2005, p.31-32.

Page 262: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

261

deve permanecer como uma agravante, porém com regras mais específicas e

claras, as quais serão agora sugeridas. Pauta-se diretamente no Projeto de Lei

do Senado nº236, de 2012 (projeto do novo Código Penal), visto que neste já

existem modificações voltadas ao instituto em comento.

Primeiramente, em todas as justificativas nas quais pairam a

manutenção da reincidência, não se extrai qualquer argumento justificável da

aplicação dos seus efeitos em caso de crimes culposos. Essa regra contém

uma exacerbada presunção de periculosidade e sobreposição de um direito

penal do autor. Desta feita, entende-se que ao artigo 78 do Projeto de Lei do

Senado nº236, de 2012 (projeto do novo Código Penal) deveria ser

acrescentada essa ressalva:

Artigo 78. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime de natureza dolosa depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime

anterior883

.

Outra regra que deveria ser modificada é a que se refere ao prazo

depurador de 5 anos, aplicado indistintamente. Não é coerente os efeitos da

reincidência perdurarem pelo mesmo tempo a todos os tipos de delitos. Assim,

sugere-se prazos depuradores diferenciados, considerando a gravidade do

delito, com a seguinte redação ao artigo 79, I:

Art. 79. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo: a) superior a 5 (cinco) anos, em caso de condenação anterior a pena privativa de liberdade superior a 8 (oito) anos; b) superior a 3 (três) anos, se a condenação anterior a pena privativa de liberdade for superior a 4 (quatro) anos e não exceder a 8 (oito) anos e; c) superior a 1 (um) ano, em caso de condenação anterior a pena privativa de liberdade igual ou inferior a 4 (quatro) anos

884.

883

Artigo 78. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. 884

Artigo 79. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos e os punidos com pena restritiva de direitos e/ou multa.

Page 263: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

262

Observa-se que os critérios elencados sobre a gravidade do delito

são compatíveis com aqueles já escolhidos pelo legislador quando definiu as

regras do regime prisional a ser fixado pelo juiz na sentença penal

condenatória (artigo 33, § 2º, Código Penal).

Equitativamente, o artigo 80 do projeto deveria ter a redação a

seguir:

Art. 80. A sentença condenatória que não gera a reincidência mas pode ser considerada como antecedente para fins de dosimetria da pena perderá esse efeito, observadas as regras do artigo 79, I

885.

Em relação à aplicação de forma facultativa da reincidência,

entende-se ser um método que direciona uma análise mais precisa pelo

julgador do caso concreto. Essa opção já esteve presente nas reflexões dos

rumos do direito penal na América Latina. Em abril de 1967, a Terceira Reunião

da Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América Latina, realizada

em Lima, no Peru, orientou as legislações modernas no sentido de tornar

temporário o efeito da condenação anterior e torná-la facultativa, vista como um

fato que não é relevante na dosagem da pena886.

Conforme abordado no decorrer da presente tese, nem sempre o

reincidente se mostra mais propício à prática de novo ilícito, não há nada que

comprove de forma acertada a sua maior periculosidade e culpabilidade887. Em

outra senda, se o réu foi submetido ao cumprimento de pena anterior e não

houve o tratamento necessário a sua reintegração social, o Estado deve

sopesar esse fato na dosimetria de futura pena.

885

A sentença condenatória que não gera a reincidência mas pode ser considerada como antecedente para fins de dosimetria da pena perderá esse efeito no prazo de cinco anos contados da extinção da punibilidade. 886

“O Código Penal poderia ir mais longe no terreno da reincidência, tornando-a de agravação facultativa. Não o fazendo, atendeu-se em parte ao princípio aceito pela Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América Latina, segundo o qual a reincidência não é um fator relevante na aplicação e dosagem da pena, não podendo ser de aplicação obrigatória.” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal –

parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p.572). 887

Argumentar com a reincidência do réu para obter sua condenação é reconhecer a falência da sociedade na recuperação do condenado. “Criminoso ontem, criminoso sempre – eis o triste princípio que se esconde sob aquela argumentação. Nada obstante, o contido no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o já condenado seria sempre autor presumido de novas infrações, desonerando-se, desta forma, o Ministério Público, de seu dever, de provar, em cada processo, a acusação que faz”. (TACRIM-SP-AC- Rel. Adauto Suannes – RT 273/373). (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui; SILVA JÚNIOR, José; NINNO, Wilson; FELTRINI, Oscar; BETANHO, Luiz Carlos; GUASTINI, Vivente Celso da Rocha. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.1: parte geral. 6.ed. São Paulo: RT,

1997, p.1.026).

Page 264: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

263

O Projeto de Lei do Senado nº236, de 2012 (projeto do novo Código

Penal) caminha nesse sentido ao prever no parágrafo único do artigo 79: “O

juiz poderá desconsiderar a reincidência quando o condenado já tiver cumprido

a pena pelo crime anterior e as atuais condições pessoais sejam favoráveis à

ressocialização”.

No entanto, ainda que essa inovação oriente o juiz a analisar a

reincidência diretamente no caso concreto, entende-se que o dispositivo

deveria ser complementado para também passar pelo crivo daquele os

seguintes itens: a) se a pena anterior foi cumprida e dentro das condições

legais previstas voltadas à reintegração do condenado; b) se existe relação

entre os crimes cometidos, ainda que não sejam idênticos.

Desta feita, a redação poderia ser da seguinte forma:

Artigo 79 [...] Parágrafo primeiro: O juiz analisará a necessidade de aplicação ou não da reincidência, quando houver o cumprimento da pena por crime anterior em desacordo com os preceitos legais propulsores da ressocialização; inexistir relação entre os crimes praticados capaz de justificar o agravamento da pena e se as condições pessoais do réu forem favoráveis à ressocialização.

Por fim, deve existir um dispositivo que traga a necessidade de o juiz

analisar se a reincidência realmente é contundente para impedir e revogar

benefícios penais e processuais penais e outro que exija a motivação da

aplicação dos efeitos gravosos da reincidência. Destarte, a sugestão é no

sentido de serem inseridos mais dois parágrafos no artigo 79, por isso constou

acima §1º. Esses teriam a seguinte redação:

Artigo 79 [...] Parágrafo segundo: O juiz zelará para que a reincidência não obste ou revogue, automaticamente, os benefícios penais e processuais penais. Parágrafo terceiro: Em todos os casos envolvendo a reincidência criminal, o juiz decidirá motivadamente a aplicação de seus efeitos e indicará a(s) circunstância(s) que o(s) fundamenta(m) no caso concreto.

De todo o arguido, acredita-se que as alterações sugeridas e um

novo olhar em torno da reincidência criminal poderão trazer mais efetividade ao

Page 265: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

264

processo penal. “A delinquência é diátese cancerosa para a qual ainda não se

encontrou, nem talvez se encontrará jamais, remédio específico e universal”888,

porém, é papel do pesquisador buscar respostas e possíveis soluções para que

o direito seja executado da forma que mais se compatibilize com as

necessidades do presente, numa constante evolução em prol da humanidade.

A reincidência criminal, instituto na maioria das vezes abordado de

forma tímida nas doutrinas brasileiras, continua expressando uma vultosa

agressão jurídica na vida do réu e precisa ser alterada. Não se está num

caminho solitário de embate de paradigmas, todavia o percurso é árduo e

apresenta desafios dignificantes.

Assim, ainda que venham a ser realizadas alterações legislativas em

torno da reincidência criminal, o mais precioso é a concatenação

constitucionalizada889 das leis e da prática jurisdicional.

888

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III.4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.20. 889

“Quando os juristas não percebem, ou não querem aceitar uma mudança de paradigma, pode ocorrer que, embora o processo de adaptação da legislação se realize rapidamente, essa rapidez não é acompanhada por uma mudança de paradigma na aplicação da legislação “constitucionalizada”. Muitas vezes a prática jurisprudencial se mostra refratária a mudanças e se mantém presa a paradigmas superados não somente pela constituição, mas também pela legislação ordinária diretamente aplicável ao caso.” (SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas

relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p.41).

Page 266: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

265

6 CONCLUSÃO

Por toda a pesquisa exposta, deveras afirmar que a reincidência

criminal, da forma como vem sendo aplicada, está descompassada com os

ditames do processo penal constitucional. Desde o advento do Estado

Democrático de Direito, não é viável a interpretação isolada dos institutos

penais e processuais, sem a sistematização de acordo com os valores

supremos insculpidos na Constituição Federal. Para se alcançar, contudo, essa

afirmação, deve-se volver as seguintes premissas:

1. O estudo a partir da concepção de sistema jurídico proporciona

uma melhor compreensão do direito, já que estabelece uma visão ordenada,

coerente e atenta às exigências sociais.

2. O enfoque sistêmico para solucionar um problema está presente

em todos os ramos da Ciência. Por isso, houve a tentativa de unificar a ciência

por meio da aplicação de princípios gerais do sistema, conforme se depreende

da teoria geral dos sistemas.

3. Como não foi possível alcançar o isoformismo das ciências, várias

teorias surgiram apresentando modelos de sistema para explicar o direito,

merecendo destaque aquelas ligadas ao tema em estudo.

4. Pela Teoria pura do direito visualiza-se o sistema jurídico por meio

de uma organização lógica, oriunda da ciência do direito, fechado na

normatividade.

5. A teoria tridimensional do direito possui o mérito de considerar o

estudo do direito como uma experiência, ligando-se também à cultura a

importância da análise do direito a partir da relação do fato, norma e valor.

6. A defesa de um sistema como referência tem o condão de

enaltecer a importância de um princípio que dê unidade ao sistema, qual seja,

a Constituição Federal ou uma proposição do direito internacional. E, ainda, de

reiterar que o sistema jurídico é aberto, pois se relaciona com outros

subsistemas sociais.

7. A análise do sistema perpassa a área jurídica, pois é também

objeto de estudo da sociologia, a exemplo da definição do direito como

referência à sociedade e atenta à sua complexidade, o que leva à construção

Page 267: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

266

da autopoiese do direito, com a noção de abertura cognitiva em relação ao

ambiente (sociedade) e fechamento operacional do sistema. Nessa linha de

pensamento, o sistema jurídico seria um subsistema funcional e autopoiético

que integra o sistema social.

8. Pelo pensamento sistêmico voltado à concepção de valores

supremos, como o princípio da justiça e da segurança jurídica, o direito é

considerado um conjunto de valores jurídicos elevados, cuja missão é

solucionar problemas. O sistema jurídico é oriundo de uma ordem axiológica de

princípios gerais do direito.

9. O direito processual penal, interpretado sistematicamente e,

considerado um ramo da ciência jurídica, é ordenado por valores reitores

tangente à aplicação como ultima ratio da persecução penal, visando à

proteção dos direitos e garantias fundamentais e atento à política criminal

proposta pela Constituição Federal.

10. A perspectiva sistemática do direito processual penal exclui a

interpretação isolada de institutos, como a reincidência criminal, que irradia

efeitos negativos ao sujeito, seja no decorrer da investigação, do processo ou

da execução penal. Requer que seja alcançada a própria essência do direito

processual penal para, posteriormente, desvendar a compatibilidade ou não da

aplicação de determinadas regras no processo penal.

11. O direito processual penal deve ser analisado como um sistema

suscetível de abertura a fim de se compatibilizar aos valores fundamentais.

12. A partir da inauguração do Estado Democrático de Direito houve

a necessidade de uma releitura das normas anteriores à Constituição Federal.

Portanto, o sistema processual penal passa pela válvula constitucional a fim de

conciliar eficiência e garantismo no processo penal, o qual deve servir como

um instrumento democrático, promovendo um processo justo com a aplicação

da pena, sobretudo, como efetivo instrumento de garantias e limitando o jus

puniendi do Estado.

13. O direito processual penal deve seguir a interpretação sistêmica

a partir da Constituição Federal.

14. O atual sistema processual penal, traçado na Constituição

Federal, é regido pelo princípio unificador da democraticidade, o qual é mais

Page 268: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

267

amplo que o princípio acusatório, pois desvenda o caráter de instrumentalidade

do processo como uma garantia da própria democracia.

15. É por meio dos princípios constitucionais orientadores do direito

penal e do direito processual penal que o sistema processual penal

democrático se consolida, superando o modelo puramente de regras,

proporcionando uma interpretação humanista do processo.

16. A reincidência criminal sempre esteve presente na legislação

brasileira como uma forma de agravar a pena do condenado e apresenta

regras bastante peculiares, as quais ensejam discussões doutrinárias e

jurisprudenciais.

17. A finalidade da reincidência criminal no ordenamento jurídico

brasileiro está relacionada à própria finalidade da pena, identificada a partir do

estudo das teorias da pena. A pena como reintegração social do condenado,

respeitando os valores supremos e a humanização do condenado, é a melhor

forma de se aplicar a política criminal constitucional. Além disso, afasta a

reincidência criminal como mera retribuição e sua aplicação desproporcional.

18. A reincidência criminal não é tratada de forma unívoca

internacionalmente. É prevista no ordenamento jurídico de outros países, a

exemplo dos destacados nesse estudo, cada qual com requisitos próprios, que

ora se assemelham ora se diferenciam da legislação brasileira, e em alguns

países foi extinta. Dessa forma, a discussão sobre os alcances desse instituto e

os efeitos produzidos não é isolada e também repercute em decisões dos

Tribunais de diversos países.

19. A reincidência criminal foi julgada constitucional pelo Supremo

Tribunal Federal, no RE 453.000. Vários são os argumentos que sustentam a

sua constitucionalidade, como a necessidade de defesa social devido ao alto

grau de periculosidade do condenado, a insuficiência da condenação anterior,

o alerta social e maior periculosidade do condenado, além daqueles ligados à

prevenção geral. Por outro lado, não faltam argumentos que rechaçam a

legitimidade da reincidência criminal, baseados no entendimento de violação a

diversos princípios constitucionais: individualização da pena, ne bis in idem,

legalidade, proporcionalidade, igualdade, presunção de inocência e dignidade

da pessoa humana.

Page 269: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

268

20. A constitucionalidade da reincidência pode ser novamente

discutida, para uma remodelagem de sua aplicação e efeitos, principalmente

considerando as exigências de um processo penal democrático.

21. São inúmeros os reflexos da reincidência criminal no processo

penal. Desde a fase de investigação se extrai a valoração da qualidade de

reincidente na persecução penal, inclusive quanto à decretação de medidas

cautelares. Na fase judicial os efeitos são notados até mesmo quando da

valoração da prova, na dosimetria da pena, fixação do regime prisional,

substituição da pena privativa por restritiva de direitos e influência nas regras

da prescrição. Na fase de execução penal, reafirma o fracasso do sistema

penitenciário e maior rigor com o reincidente na concessão de benefícios

penais, como o sursis, o livramento condicional e a progressão de regimes.

22. Os dados estatísticos sobre a criminalidade apontam que a

grande maioria alvo do sistema penal pertence a estratos sociais inferiores,

configurando uma verdadeira reprodução da exclusão social. Em relação à

reincidência criminal, pelos dados extraídos no presente trabalho, é possível

afirmar a baixa efetividade do caráter preventivo da pena e uma nítida

construção de carreiras de delinquência pelo sistema penitenciário.

23. As regras atinentes à reincidência criminal devem obedecer aos

ditames constitucionais da política criminal firmada pela Constituição Federal.

24. Da maneira como vem sendo aplicada, de forma automática e a

todos os casos indistintamente, sem qualquer reflexão sobre a real finalidade e

resultados, demonstra ser apenas um instituto de neutralização e mantenedor

de uma cultura punitivista, trazendo consequências apenas negativas ao

condenado, sem a observância da nova vertente processual penal, de proteção

aos direitos e garantias do processado ante o poder punitivo estatal.

25. A reincidência criminal deve ser alterada em prol da maior

compatibilidade com o sistema processual constitucional. Desta forma, sugere-

se que seja configurada apenas quando houver o cometimento posterior de

crimes dolosos; prazos depuradores diferenciados, conforme a gravidade do

delito, estendendo-se essa regra a consideração dos antecedentes criminais;

aplicação facultativa e não automática, com a obrigatoriedade do juiz motivar a

aplicação dos efeitos de acordo com cada caso concreto.

Page 270: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

269

26. O caminho em busca da efetivação de um verdadeiro processo

penal constitucional não se resume apenas a alterações legislativas; além

dessa medida é necessário mudar o paradigma com a efetiva prática

constitucional.

Page 271: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

270

REFERÊNCIAS ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5.ed.São Paulo: Malheiros, 2008. ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas. Curitiba: Juruá, 2012. ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luis Antonio F. A sociedade e a lei: o Código Penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira república. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down113.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015. AMARAL, Claudio do Prado. Princípios penais: da legalidade à culpabilidade. São Paulo: IBCCRIM, 2003. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012. ______. Sistema penal x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. ARRUDA, Eloísa de Sousa. O papel do Ministério Público na efetivação dos tratados internacionais de direitos humanos. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. ASSIS, Cássio Chechi de. A solvabilidade constitucional do regime da reincidência criminal. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Out. 2014. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt>. Acesso em: 8 fev.2016. ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Revista CEJ, Brasília, ano XII, n.40, p.73-80, jan.-mar., 2008. AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Execução penal: esquematizado. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3.ed. ampl. em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. São Paulo: RT, 2003.

Page 272: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

271

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6.ed.Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2013. ______. Política criminal: entre la política de seguridad e la política social. In: (Org.) ELBERT, Carlos Alberto. Criminología y sistema penal: compilación in memoriam. Buenos Aires: Editorial B de F, 2004. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011. ______. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 19 jul.2016. BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 2.ed. São Paulo: RT, 1999. BERNAL, José Fernando Botero (Compilador y quien actualiza). Código Penal Colombiano – Ley 599 de 2000. Disponível em: <http://perso.unifr.ch>. Acesso em: 12 fev. 2016. BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. 7.ed. Tradução de Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que punir? Teoria geral da pena. São Paulo: Saraiva, 2010. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.1. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. BÔAS FILHO, Orlando Villas; GONÇALVES, Guilherme Leite. Teoria dos sistemas sociais: direito e sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Mora. Tradução e notas Márcio Pugliesi. Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Page 273: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

272

BOSON, Daniel Silva. Three strickes and you´re out: uma análise econômica das penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. n.116, v.23, 2015. BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n.2.848 de 07.12.1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 3 dez. 2015. ______. Código de Processo Penal de 1940. Decreto-lei n.3.689 de 03.10.1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 3 dez. 2015. ______. Código Criminal do Império de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 2 dez. 2015. ______. Código Penal Republicano de 1890. Disponível em: <legis.senado.gov.br>. Acesso em: 2 dez. 2015. ______. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/perguntas-frequentes>. Acesso em: 25 abr. 2016. ______. Ordenações Filipinas on-line. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1179.htm>. Acesso em: 1º dez. 2015. CALIL, Mário Lúcio Garcez. Efetividade dos direitos sociais: prestação jurisdicional com base na ponderação de princípios. Porto Alegre: Nuria Fabris 2012. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 5.ed. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2014. ______. Direito penal – parte geral. v.1. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal: parte geral. Tradução de Jose Luiz V. de A. Franceschini; J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. CARVALHO, Amilton Bueno de. Garantismo penal aplicado. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

Page 274: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

273

______. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista (Comentário de Jurisprudência). Revista de Estudo Criminais n.1, 2001. CARTA CAPITAL. Programas policialescos: a legitimação da barbárie. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/programas-policialescos-a-legitimacao-da-barbarie-1735.html>. Acesso em: 20 maio 2016. CARTILHA. Abordagem policial. Disponível em: <http://www.ovp-sp.org/cartilha_abordagem_policial.htm>. Acesso em: 1º maio 2016. CASARA, Rubens R. R; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. v.I.: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de. Sociologia do direito: fundamentos de sociologia geral; sociologia aplicada ao direito. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1998. CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. CLAM, Jean; ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germando. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. CÓDIGO PENAL COMENTADO Y ANOTADO – parte general (art.1º ao 78). Director: Andrés José D’Alessio, Coordinador: Mauro A. Divito. Buenos Aires: La Ley, 2005. Disponível em: <http://www.ues.flakepress.com/>. Acesso em: 10 fev. 2016. CÓDIGO PENAL FRANCÊS. Disponível em: <http://www.juareztavares.com/textos/codigofrances.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2016. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tercio Sampaio Ferraz Jr. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Tradução, apresentação e notas de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

Page 275: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

274

CONJUR. Efeitos da confissão são anulados se houver agravante e o réu for reincidente. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-30/efeitos-confissao-sao-anulados-houver-agravante-reincidencia>. Acesso em: 02 out. 2015. ______. Presunção de inocência. Celso de Mello e Marco Aurélio comentam mudança na jurisprudência do STF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 18 jun. 2016. ______. Punição antecipada: Fachin revoga HC e determina prisão de réu antes do trânsito em julgado. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-ago-04/fachin-revoga-habeas-corpus-concedido-evitar-prisao-antecipada#top>. Acesso em: 5 ago. 2016. ______. Vício do sistema. É mentira dizer que a corrupção será derrotada com o Direito Penal. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-01/entrevista-raul-zaffaroni-jurista-ministro-aposentado-argentino>. Acesso em: 3 nov. 2015. CONSTITUIÇÃO DA COLÔMBIA. Disponível em: <http://www.jurisciencia.com/vademecum/constituicoes-estrangeiras/a-constituicao-da-colombia-constitucion-de-colombia/582/>. Acesso em: 12 fev. 2016. COSTA, José de Faria. Direito penal e globalização: reflexões não locais e poucos globais. Portugal: Coimbra, 2010. COUTINHO, Jacinto de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei n.159/2009 do Senado Federal. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010. DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva,1996. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016. DECOMAIN, Pedro Roberto. O Código Penal alemão: tradução, comparação e notas. Porto Alegre, RS: Núria Fabris, 2014. DIAZ, Elías. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Taurus Pensamiento, 2010. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito – introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Page 276: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

275

______. Dicionário jurídico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. DOTTI, René Ariel. Algumas alterações propostas para a parte geral – o problema penal da reincidência. Disponível em: <http://www.professordotti.com.br/a-reforma-do-codigo-penal-xv/>. Acesso em: 2 fev. 2015. ______. A reforma do Código Penal I. Disponível em: <http://www.dotti.adv.br/artigosjp_431.htm>. Acesso em: 15 ago. 2016. DUROSE, Matthew R; SNYDER, Howard N., Ph.D., COOPER, Alexia D. Ph.D., BJS Statisticians. Multistate Criminal History Patterns of Prisoners Released in 30 States. U.S. Department of Justice Office of Justice Programs Bureau of Justice Statistics. Special Report, september 2015, NCJ 248942. Disponível em: <http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/mschpprts05.pdf>. Acesso em: 29 set. 2016. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 2006. ESTEFAM, André. Direito penal. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. FALCÓN Y TELLA, Maria José; FALCÓN Y TELLA, Fernando. Fundamento e finalidade da sanção: existe um direito de castigar. Tradução de Claudia de Miranda Avena; revisão de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2008. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6.ed. Atualizada com a “Reforma Processual Penal”. Niterói, RJ: Impetus, 2009. FELETTI, Vanessa Maria. Vende-se segurança: a relação entre o controle penal da força de trabalho e a transformação do direito social à segurança em mercadoria. Rio de Janeiro: Revan, 2014. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7.ed. São Paulo: RT, 2012. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer e outros. 3.ed. São Paulo: RT, 2010. FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2012. ______. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ______. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: RT, 1976. FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

Page 277: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

276

FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui; SILVA JÚNIOR, José; NINNO, Wilson; FELTRINI, Oscar; BETANHO, Luiz Carlos; GUASTINI, Vivente Celso da Rocha. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.1: parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 1997. FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: um caso de não-recepção pela Constituição Federal. Boletim IBCCRIM n. 209, abr. 2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/> Acesso em: 13 jul. 2014. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v.I. 5.ed. São Paulo: Max Limonad, 1980. GENTIL, Plínio Antonio Brito; SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini. A teoria do garantismo e a proteção dos direitos fundamentais no processo penal. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Brasília – DF em 20, 21 e 22 de novembro de 2008. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/16_654.pdf>. Acesso em: 08 ago.2016. GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora e Souza. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. Alice Bianchini, Ivan Luís Marques e Luiz Flávio Gomes (Coords.). Coleção saberes monográficos. São Paulo: Saraiva, 2013. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2015. ______. Curso de direito penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. ______. Curso de direito penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. ______. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. 2.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle difuso da constitucionalidade e a coisa julgada erga omne das ações coletivas. Disponível em: <http://amdjus.com.br/doutrina/constitucional/32.htm>. Acesso em: 1 abr. 2016, n/p. GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Renavan, 2007.

Page 278: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

277

______. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Renavan, 2010. GOMES, Marcus Alan de Melo. Mídia e sistema penal: as distorções da criminalização nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Revan, 2015. HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005. ______. Processo penal e direitos fundamentais. In: Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais. Lisboa: Almedina, 2004. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Norberto de Paula Lima. Adaptações e notas Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v.III. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. HULSMAN, Louk; CELIS, Jaqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karam. Niterói, Rio de Janeiro: LUAM, 1993. IANNI, Octávio. O príncipe eletrônico. Perspectivas, São Paulo, n.22,1999. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/2079/1701>. Acesso em: 19 maio 2016. IBCCrim. A questão da agravante da reincidência e a vedação de bis in idem. Subsídios do IBCCRIM para o debate constitucional no âmbito do RE 591.563/STF. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: 9 ago. 2016. JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. ______. Fundamentos do direito penal. Tradução de André Luis Callegari; Lucia Kalil. São Paulo: RT, 2003. ______. Sociedad, norma y persona em una teoria de um derecho penal funcional. Madrid: Civitas Ediciones, S. L., 2000.

Page 279: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

278

______; MELIÁ, Manuel Canio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Tradução e organização de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado, 2009. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. v.1. 28.ed. Saraiva: São Paulo, 2007. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 11.ed. São Paulo: RT, 2011. ______. Liberdade, culpabilidade e individualização da pena. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. ______. A necessidade de um fim preponderante para a pena no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002. ______; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v.1. 4.ed. São Paulo: Premier Máxima, 2007. KANT, Immanuel. A fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. EDIÇÕES 70, LDA, set. 2007. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8.ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2009. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4.ed. Salvador: JusPodvm, 2016. LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Atual. e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Comentários e tradução de José Higino Duarte Pereira. Campinas, SP: Russel, 2003. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ______. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. LOPES, Cláudio. Delinquência ambiental: os limites do direito penal. Birigui: Boreal, 2014. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

Page 280: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

279

______. Sociologia do direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. ______. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópoles, RJ: Vozes, 2009. ______. Direito como generalização congruente. In: FALCÃO, Joaquim; SOUTO, Cláudio. Sociologia e direito: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. ______. A realidade dos meios de comunicação. Tradução de Ciro Marcondes Filho. São Paulo: Paulus, 2005. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo Horizonte: Líder, 2003. MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos e justiça penal. Revista de Ciência Jurídica e Sociológica da Unipar. Toledo-PR, v.58, n.2, p.203-211, jul.-dez., 2002. MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25.ed. São Paulo: RT, 2000. MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2009. MARAT, Jean-Paul. Plano de legislação criminal. Tradução: João Ibaixe Jr. e Carmensita Ibaixe. São Paulo: Quartier Latin, 2008. MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas: de acordo com a Lei n.12.403 de 4-5-2011. São Paulo: Saraiva, 2011. ______. Curso de execução penal. 12.ed. De acordo com a Lei n.12.850/2016. São Paulo: Saraiva, 2014. MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. MELO, João Ozorio de. Baixa ressocialização. Estudo mostra que índice de reincidência no crime é de 77% nos EUA. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-02/estudo-mostra-indice-reincidencia-crime-77-eua>. Acesso em: 29 set. 2016. MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Page 281: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

280

MENDES, Gilmar Ferreira. A nulidade da lei inconstitucional e seus efeitos. In: (Orgs.) CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Doutrinas Essenciais. Direito constitucional. v.V. Defesa da Constituição. São Paulo: RT, 2011. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13.ed. São Paulo: Altas, 2002. NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. A constitucionalização do processo penal: reinterpretando o processo penal a partir do princípio democrático. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. v.1. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1963. NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: RT, 2005. ______. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo: RT, 2007. O ESTADO DE S.PAULO. Abordagem policial: o que pode e o que não pode ser feito. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,abordagem-policial-o-que-pode-e-o-que-nao-pode-ser-feito,10000012942>. Acesso em: 25 abr. 2016. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OAS). Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016. PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução penal: uma introdução crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. PEIXOTO, Marcos Augusto Ramos. Há motivos para reincidir na reincidência. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v.16, n.62, p.231-250, abr.-set., 2013. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br>. Acesso em: 15 jan. 2014. PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais – tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008. ______. Política criminal e os fins do direito penal no Estado Social e Democrático de Direito. In: (Org.) SILVA, Marco Antonio Marques da. Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

Page 282: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

281

PIERONI, Geraldo. A pena do degredo nas Ordenações do Reino. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11658-11658-1-PB.htm>. Acesso em: 1º dez. 2015. PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional de leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. ______. A transição democrática no Brasil e o sistema de justiça criminal. Disponível em: <http://www.geraldoprado.com>. Acesso em: 10 jan. 2016. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 7.ed. São Paulo: RT, 2014. ______. Elementos de direito penal. v.1. São Paulo: RT, 2005. PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa. A ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal. São Paulo: IBCCRIM, 2006. PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. PUIG, Santiago Mir. Derecho penal – parte geral. 6.ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002. ______. El derecho penal em el Estado Social y Democrático de Derecho. Barcelona: Ariel S.A, 1994. ______. Comentarios a la Jurisprudencia del Tribunal Superior – Sobre la constitucionalidade de la reincidência em la Jurisprudencia del Tribunal Supremo y del Tribunal Constitucional. In: Anuário de Drecho Penal y Ciencias Penales. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 1948-2010, t.XLVI, Fasciculo III, set.-dez.1993. PULIDO, Carlos Bernal. O princípio da proporcionalidade da legislação penal. In: (Coords.) SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal – parte geral. v.1. 8.ed. Salvador:Jus Podivm, 2012. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015. REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3.ed. São Paulo: RT, 1998. ______. Teoria tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1980.

Page 283: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

282

RODAS, Sérgio. Em grande parte usuários, condenados por tráfico têm baixo índice de reincidência. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/grande-parte-usuarios-condenados-trafico-reincidem>. Acesso em: 05 jan. 2016. RODRIGUES, Carlos Eduardo Afonso. A condenação pelo artigo 28 da lei de drogas não gera reincidência e outros efeitos secundários. Boletim IBCcrim, São Paulo, ano 17, n.203, p.14-15, out., 2009. ROSA, Alexandre Morais da. Decisão no processo penal como bricolage de significantes. Tese de Doutorado. Ciências Jurídicas e Sociais. Universidade Federal do Paraná, Paraná. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br> Acesso em: 15 mar. 2016. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Tradução e organização de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2.ed. Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado, 2013. ______. Estudos de direito penal. 2.ed. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. ______. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. ______. Política criminal y sistema del derecho penal. 2.ed. Traducción Francisco Muñoz Conde. Buenos Aires: Hammurabi, 2002. ______. Derecho procesal penal. Tradução da 25.ed. alemã de Gabriela E. Córdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Del Puerto, 2000. ______. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Tradução de Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 2004. ______. Derecho penal: parte general, t.I. Tradução da 2.ed. alemã e notas de Diego-Manuel Luzón Peña. Madrid: Civitas, S.A., 1997. SANTANA, Isael José; ALVES, Marianny. Notas sobre a prisão e a (res)socialização: fins antagônicos. Revista USCS, Direito, ano XI, n.23, jul.-dez. 2012, p.10. Disponível em: <http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/viewFile/1605/1349>. Acesso em: 7 ago. 2016. SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira geração. São Paulo: RT, 2011. SILVA SANCHÉS, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 2.ed. São Paulo: RT, 2011.

Page 284: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

283

SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9.ed. Salvador: Juspodvm, 2015. SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução à lógica jurídica, instituições do direito, evolução e controle social. São Paulo: Saraiva, 2009. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado n.236, de 2012 (projeto do novo Código Penal). Disponível em: <http://www25.senado.leg.br>. Acesso em: 6 jun.2016. SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. ______. Cidadania e democracia: instrumento para a efetivação da dignidade humana. In: (Coords.) MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. ______; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012. SILVA, Roberto Ferreira Archanjo da. Por uma teoria do direito processual penal: organização sistêmica. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. SILVA, Suzane Cristina. Reincidência e maus antecedentes: crítica a partir da teoria do labelling approach. Revista Liberdades n.16, maio-ago., Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCrim, 2014. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2009. ______. Tribunal do júri: símbolos e rituais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SUECKER, Betina Heike Krause. Pena como retribuição e retaliação – o castigo no cárcere. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. SUPIOT, Alain. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do direito. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8.ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

Page 285: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

284

TEIXEIRA, Adriano. Teoria da aplicação da pena: fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao fato. São Paulo: Marcial Pons, 2015. ______. O papel da reincidência criminal na aplicação da pena – reflexões a propósito do acórdão do RE 453.000 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.108, 2014. TEODORO, Renata. STF julga alcance de declaração de inconstitucionalidade a sentenças. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 11 abr. 2016, n/p. THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença criminal: prática de aplicação de pena e medida de segurança. 6.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 4.ed. São Paulo: RT, 2011. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo: o progresso ao retrocesso. São Paulo: Almedina, 2010. VASCONCELOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCcrim, 2015. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2010. VILCHES, Daniela Sanhueza. Análisis jurisprudencial de la reincidencia impropria y quebrantamiento. Universidad de Chile. Facultad de Derecho. Departamento de Ciencias Penales. Santiago de Chile, 2015. Disponível em: <http://repositorio.uchile.cl/>. Acesso em: 10 fev. 2016. VILELA, José Afrânio. O pensamento jurídico de Lourival Vilanova. Revista Estudos Filosóficos n.14.Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art19%20rev14.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Page 286: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lisandra ... · A análise do tema parte, portanto, da concepção de sistema trazida por diversos ... 2.7 Claus-Wilhelm Canaris e

285

WELZEL, Hans. Derecho penal aleman: parte general. Tradução de Juan Bustos Ramirez e Sergio Yanez Perez. 11.ed. Chile: Juridica de Chile, 1970. ______. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontan Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo do direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. ______. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales. v.2. Montevideo, 1996. ______; OLIVEIRA, Edmundo. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro: GZ, 2010. ______; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v.1 – parte geral. 6.ed. São Paulo: RT, 2004. REFERÊNCIAS NORMATIVAS

(Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT)

ABNT NBR 6027:2012 – Informação e documentação – Informação e

documentação – Sumário – Apresentação

ABNT NBR 14724:2011 – Informação e documentação – Trabalhos

acadêmicos – Apresentação

ABNT NBR 15287: 2011 – Informação e documentação – Projetos de pesquisa

– Apresentação

ABNT NBR 6034: 2005 – Informação e documentação – Índice – Apresentação

ABNT NBR 12225: 2004 – Informação e documentação – Lombada –

Apresentação

ABNT NBR 6024: 2003 – Informação e documentação – Numeração

progressiva das seções de um documento escrito – Apresentação

ABNT NBR 6028: 2003 – Informação e documentação – Resumo –

Apresentação

ABNT NBR 10520: 2002 – Informação e documentação – Citações em

documentos – Apresentação

ABNT NBR 6023: 2002 – Informação e documentação – Referências –

Elaboração