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Revista Portuguesa de Pneumología ISSN: 0873-2159 [email protected] Sociedade Portuguesa de Pneumologia Portugal Tavares Marques, Maria Alcide; Alves, Vera; Duque, Victor; Botelho, M Filomena Pulmão profundo - Reacção celular ao VIH Revista Portuguesa de Pneumología, vol. XIII, núm. 2, marzo-abril, 2007, pp. 175-212 Sociedade Portuguesa de Pneumologia Lisboa, Portugal Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169718458002 Cómo citar el artículo Número completo Más información del artículo Página de la revista en redalyc.org Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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Revista Portuguesa de Pneumología

ISSN: 0873-2159

[email protected]

Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Portugal

Tavares Marques, Maria Alcide; Alves, Vera; Duque, Victor; Botelho, M Filomena

Pulmão profundo - Reacção celular ao VIH

Revista Portuguesa de Pneumología, vol. XIII, núm. 2, marzo-abril, 2007, pp. 175-212

Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Lisboa, Portugal

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169718458002

Cómo citar el artículo

Número completo

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Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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Pulmão profundo – Reacção celular ao VIH

Deep lung – Cellular reaction to HIV

Recebido para publicação/received for publication: 06.12.10Aceite para publicação/accepted for publication: 06.12.19

Maria Alcide Tavares Marques1

Vera Alves2

Victor Duque3

M Filomena Botelho4

Prémio Thomé Villar / Boehringer Ingelheim 2005 (Secção A)Thomé Villar / Boehringer Ingelheim Award 2005 (Section A)

1 Departamento de Ciências Pneumológicas e Alergológicas dos Hospitais da Universidade de Coimbra (Director: Prof. Doutor M Fontes Baganha)2 Instituto de Imunologia da Faculdade de Medicina de Coimbra (Director: Prof. Doutor Santos Rosa)3 Departamento de Doenças Infecciosas dos Hospitais da Universidade de Coimbra (Director: Prof. Doutor Meliço Silvestre)4 Instituto de Biofísica/Biomatemática da Faculdade de Medicina de Coimbra(Directora: Prof.ª Doutora M Filomena Botelho)

ResumoA evolução da infecção VIH é caracterizada por uma gran-de variabilidade individual. Na verdade, como em outrosprocessos da mesma natureza, depende largamente dascomplexas inter-relacções que num dado momento se esta-belecem entre o hospedeiro e o agente agressor. Contudo,nesta infecção, essa correlação assume um papel determi-nante. Desde o início da pandemia que o pulmão se assumiucomo alvo preferencial de complicações, quer de origeminfecciosa quer de outras etiologias. A esta inevitabilidadebiológica diríamos não serem de facto estranhas as carac-terísticas anatomo-funcionais do órgão, enquanto interfa-ce privilegiada entre o meio interno e o ambiente exterior,aliadas a particularidades de ordem imunológica que o tor-nam, sob muitos aspectos, um órgão único.Cedo se constatou que esta infecção se acompanhava deuma disfunção imunológica progressiva que culminavana completa exaustão deste sistema nas fases terminaisda doença. Desde o reconhecimento da SIDA até à pre-sente data foram sendo adquiridos enormes conhecimen-tos não só em relação ao vírus, como aos seus mecanis-

AbstractThe course of HIV infection is accompanied by awide individual variability. The complex and large in-terplay between host and viral factors is crucial inthe disease’s evolution. The lung has been recognisedfrom the beginning of the disease as one of the maintargets of infectious and non-infectious complica-tions of AIDS. In this setting both anatomic andimmunologic particularities of this organ play an im-portant role.The hallmark of HIV is progressive immune dys-function. Despite the intensive research into the pa-thogenesis, several questions remain to be answeredon the dynamic effects of HIV on pulmonary cells.Previous studies in which we have participated sho-wed the early presence of lymphocytic alveolitis fromthe asymptomatic phase of infection. Since then,many collected data has brought new insights intothe immune and biochemical mechanisms involvingHIV cell entry, as well as target cells, cytokines andother cellular mediators.

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mos patogénicos, no entanto subsistem ainda numero-sas questões para as quais o estado da arte ainda nãodispõe de respostas. Nessas incluíriamos os efeitos doVIH na dinâmica celular do pulmão. Vários estudos efec-tuados, nos quais tivemos oportunidade de participar,demonstraram a apresença de uma alveolite linfocitáriadurante a fase assintomática da infecção. Desde essa al-tura têm-se vindo a adquirir novos conhecimentos relati-vos aos mecanismos imunológicos e bioquímicos subja-centes à entrada do VIH nas células, às células-alvo, aomicroambiente citocínico, assim como de outros media-dores celulares envolvidos. Neste contexto, a descobertade que receptores específicos de quimiocinas actuavamcomo co-receptores para o VIH abriu definitivamenteum novo capítulo na investigação dirigida aos mecanis-mos responsáveis pelo tropismo viral e infecçãocelular. Neste âmbito, vários autores têm salientado aimportância, para além da molécula CD4, dos recepto-res quimiocínicos CCR5 e CXCR4 na ligação e, posterior-mente, na entrada do vírus nas células, reconhecendo-seem relação ao primeiro uma importância fundamentalna transmissão da infecção, enquanto que o CXCR4 pa-rece ser utilizado por estirpes virais que emergem tardia-mente no decurso da doença, quer isoladamente, querem associação com o CCR5.Objectivo: O nosso estudo dirigiu-se fundamentalmen-te à avaliação da dinâmica celular do pulmão profundoem doentes com SIDA, abarcando a determinação dascargas virais no líquido de lavagem broncoalveolar(LLBA), a celularidade envolvida nos mecanismos dedefesa desse território e tropismo viral, através dos re-ceptores quimiocínicos CCR5 e CXCR4.Material: Estudámos 14 doentes portadores de SIDA,com uma média de idades de 39 ± 14,3 anos (9 homens e5 mulheres) todos infectados pelo VIH1, heterossexuais,dos quais 6 eram fumadores e 8 não fumadores, e semantecedentes de toxicodependência. Estes doentes foramreferenciados pelo Deparamento de Doenças Infecciosasdos Hospitais da Universidade de Coimbra para a realiza-

In this context, the discovery that specific chemoki-ne receptors could act as co-receptors for HIV, allo-wed a better understanding of the mechanisms un-derlying viral cellular entry and tropism. On thisissue several authors have reported that in additionto the CD4 molecule, most strains of HIV use thechemokine receptor CCR5 for viral attachment andentry into the host cells. This receptor seems to bevery important in disease transmission, whereasCXCR4 receptor tends to be used by the viral strainsthat emerge later in the disease in addition to or insteadof the CCR5.Aims: To evaluate the pulmonary cellular dynamicsin AIDS patients regarding the viral load in broncho-alveolar lavage fluid (LLBA), as well as cellularity andtropism through CCR5 and CXCR4 receptors.Material: 14 AIDS patients were enrolled in this stu-dy, with a mean age of 39 ± 14.3 years (9 males and5 females) all HIV1, heterosexuals, 6 smokers and 8non-smokers, none of them drug addicts. These pa-tients were referred to bronchoscopy with BAL, forclinical suspicion of opportunistic lung infections.These patients were later divided into two groups:Group I (recent diagnosis) and Group II (non-recentdiagnosis). While all patients had AIDS, group I hadalso recent diagnosis of oportunistic infections andhad not received yet anti-retroviral therapy whilstgroup II had a long-term disease evolution withseveral opportunistic episodes and anti-retroviraltherapeutic.Methods: BAL was performed both in the middlebronchus in diffuse or in other segmentar bronchus,depending on radiographic abnormalities. Plasma viralload was performed through PCR-RT in blood sam-ples with EDTA, centrifuged and frozen (-80º Cel-sius) in the first 4 hours after being collected. Theviral load in BALf was quantified in 9 patients usingthe automatized Cobas Ampliprep/Cobas AmplicorHIV1 Monitor TM Test, version 1.5 Roche Diag-

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ção de broncofibroscopia e lavagem broncoalveolar (LBA),por suspeita clínica de infecção pulmonar oportunista.Posteriormente, este conjunto de doentes seria dividido eanalisado em dois grupos: Grupo I, designado por diag-nóstico recente e Grupo II, englobando os de diagnósticonão recente. De facto, embora todos estes doentes fossemportadores de SIDA, a Amostra Clínica era constituídapor indivíduos com infecções oportunistas de diagnósticorecente, nos quais ainda não tinha sido instituída terapêu-tica anti-retroviral, primeiro grupo, enquanto o segundogrupo incluía doentes com doença mais prolongada, comvários episódios infecciosos oportunistas e tratamento anti-retroviral, para além de outros esquemas terapêuticos.Métodos: Todos os doentes após, consentimento in-formado, foram submetidos a exame broncoendoscó-pico e LBA, após anestesia local da orofaringe e cordasvocais com lidocaína a 2%, sob monitorização cárdio--respiratória. O LBA foi efectuado com base nas altera-ções evidenciadas pela telerradiografia do tórax: lobomédio nas lesões difusas, ou outro brônquio segmentarcorrespondente a alterações radiológicas localizadasA determinação das cargas virais no líquido de lavagembroncoalveolar (LLBA), em 9 doentes, foi efectuada pelaquantificação do ARN-VIH1, através de PCR-RT, nasprimeiras 4horas após a colheita (sendo cada amostracentrifugada), procedendo-se posteriomente nas aliquo-tas do sobrenadante à congelação a menos 80º C, até àextracção e amplificação dos ácidos nucleicos. Realizou--se igualmente, na totalidade da amostra, a determina-ção das viremias plasmáticas (14 doentes), a partir deamostras de sangue colhido em EDTA, com processa-mento ulterior (separação do plasma e congelamento amenos 80ºC). A extração e amplificação dos ácidosnucleicos foi efectuada por um método automatizadoCobas Ampliprep/Cobas Amplicor HIV1 Monitor TM Test,version 1.5 Roche Diagnostic Systems. Este método permitea obtenção duma sequência de 155 nucleótidos situadanuma região altamente conservada do gene gag. Os re-sultados foram observados numa escala numérica com

nostic Systems.The results were expressed in a nu-meric scale, with a dynamic variation of 50-750.000copies of RNA HIV1/cm3 and later converted intoa logarithmic scale.In 10 patients an immunological study was carri-ed out in BALf and blood to quantify the lym-phocyte populations and subsets (CD3, CD4, CD8,CD19, CD56 and CD56CD8) as well as the recep-tors CD3CCR5, CD4CCR5, CD8CCR5, CCR5Mø,CXCR4, CD3CXCR4, CXCR4CD14 and co-stimu-latory molecule CD28, CD3CD28, CD4CD28,CD8CD28 through monoclonal antibodies –CD8FITC, CD19FITC, CD3PE, CD56PE,CD4PECY5-Lymphogram Cytognos; CCR5PE,CXCRFITC-R & D Systems; CD8Cy5 andCD3Cy5-DaKo, CD4PE, CD14PE, CD28FITC-Immunotech; CD4FITC-CLB, CD8Percp- Beck-ton Dickinson and CD3 APC – BecktonDickinson, by flow cytometry (Facs Calibur-Be-ckton-Dickinson) with 3 or 4 fluorescences – FL1--FITC, FL2-PE, FL3-PECY, FL4-APC. In the sta-tistical analysis, we used the Student t-test, and li-near correlation.Results: Presence of HIV1 in BALf (2.95 log ± 3.08log), in small levels compared with plasma viral loads(5.89 log ±5.90 log) (Table IV).There was great varia-bility of viral loads in BALf as there was in bloodindependent of the time elapsed between diagnosisand the exam.As for the lymphocytic populations and subsetsin blood (Table V) determined in 13 patients, therewas a significant fall of total lymphocytes as wellas of their subsets, although more marked in CD4cells; 42.9% had CD4 levels < 50 cels/mm3 and only2 patients (nº 12, 13) had CD4> 250 cels/mm3. TheCD19 was reduced with an individual distributionsimilar to the CD4 subset. In most cases, the fallof CD8 accompanied the decrease of CD4 and CD19(patients-nº 7 and 8). The lymphocyte populations

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uma variação dinâmica situada entre as 50 e 750 000cópias de ARN VIH1/cm3, procedendo-se posterior-mente à sua conversão logarítmica.No LLBA (10 doentes) e no sangue (13 doentes) foi efec-tuado um estudo imunológico, dirigido à quantificação daspopulações e subpopulações linfocitárias: CD3, CD4, CD8,CD19, CD56 e CD56CD8, assim como dos receptores:CD3CCR5, CD4CCR5, CD8CCR5, CCR5Mø, CXCR4,CD3CXCR4, CXCR4CD14 e da molécula de co-esti-mulação CD28, CD3CD28, CD4CD28, CD8CD28 atra-vés de anticorpos monoclonais – CD8FITC, CD19FITC,CD3PE, CD56PE, CD4PECY5-Lymphogram Cy-tognos; CCR5PE, CXCRFITC-R & D Systems; CD8Cy5e CD3Cy5 - DaKo, CD4PE, CD14PE, CD28FITC –Immunotech; CD4FITC-CLB, CD8Percp – BecktonDickinson e CD3 APC – Beckton Dickinson, por cito-metria de fluxo (Facs Calibur-Beckton-Dickinson) a 3 ou 4fluorescências – FL1-FITC, FL2-PE, FL3-PECY, FL4--APC. Na análise estatística dos resultados foram utiliza-dos os testes t -Student e de correlação linear.Resultados: Salientamos os seguintes: presença do vírusno LLBA (2,95 log ± 3,08 log), embora em quantidadesinferiores às detectadas no sangue (5,89 log ± 5,90) e grandevaribilidade das cargas virais, tanto no sangue como noLLBA, independente do período de tempo entre o diag-nóstico e a realização do exame; as populações e subpo-pulações linfocitárias no sangue (Quadro V), em 13 doentes,mostraram uma queda acentuada, tanto dos linfócitos totaiscomo das suas populações e subpopulações, que atingiamaior expressão nas células T-CD4. Apenas em 2 casos(doentes n.os 12 e 13) esta subpopulação era superior a 250células/mm3 e em 42,9% era inferior a 50 células/mm3.A população CD19 encontrava-se igualmente em níveisinferiores ao normal com uma distribuição individual se-melhante à da subpopulação CD4. Na maior parte doscasos, a diminuição dos CD8 acompanhava a redução dosCD4 e CD19 (doentes n.os 7 e 8); na LLBA (Quadro VI),o estudo das populações e subpopulações linfocitárias(10 doentes) revelou uma distribuição percentual seme-

and subsets in BALf (10 patients) (Table VI) sho-wed a percentual distribution similar to that ob-served in blood (Table VII) for CD3, CD19, CD4and CD8 lymphocytes, although the percentage ofT cells was higher than in blood (94.5 ± 5 /84.1±10.4) as opposed to B cells (2.2 ±3 /10.4 ± 9.6).In BALf CD8 T cells were higher than in blood(77.7 ± 17.6 /67.6 ± 4.2), which was not obser-ved for the CD4 lymphocytes (8.1 ± 9.5 BALfvs.10.4 ± 9.6 in blood). The natural killer activityexpressed by CD56 T cells had important indivi-dual variations in both biological fluids: higher le-vels in blood than in BALf (9.1 ±8 /2.9 ±1.9).The cytotoxic activity of CD56CD8 was similarin blood and in BALf (2.2 ± 2 / 1.7± 1.2) whilethe individual distribution seemed more homoge-neous in BALf (Table VI) than in blood (TableVII). The double-negative (DN) cells had slightlyhigher values in BALf (7.6 ± 4.5 vs 5.6 ± 5.3).Curiously, in BALf we observed a higher percen-tage of less differenciated cells (13 ± 13.6) (TableVI). The analysis of the receptors CCR5 andCXCR4 showed in general terms different beha-viour concerning the two biological means (Ta-bles VI and VII). Thus, the CCR5 CD3 was hi-gher in blood (10.9± 13.2) than in BALf (8.4 ±± 3.5) while the CCR5 CD4 and CCR5 CD8 had anincreased expression in BALf in relation to blood( 2 ± 2.3 and 4.9 ± 3.7 / 0.9 ± 0.7 and 4.1 ± 4.0respectively). Concerning the expression of thisreceptor on monocyte macrophage lineage a ma-rked higher value was attained in BALft (77.8 ±± 41 in BALf vs. 18.7 ± 15 in blood). On thecontrary the total expression of CXCR4 was hi-gher in BALf (31 ± 19.9) than in blood (16.4 ±± 8.1). This tendency extended equally to the Tlymphocytes (26.6 ± 19.8 vs. 10.7 ±7.6) and alsoto the monocyte-macrophage lineage in an exu-berant manner (84.5 ± 30.2 / 4.8 ± 4.6). The co-

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lhante à que foi observada no sangue (Quadro VII) emrelação às células CD3, CD19, CD4 e CD8, embora noLLBA a percentagem de linfócitos-T fosse superior nestemeio em relação ao sangue(94,5 ± 5 /84,1 ±10,4), ao con-trário do que se observou nos linfócitos-B (2,2 ±3 /10,4± 9,6). Também no LLBA se verificou uma percentagemmais elevada de linfócitos-T CD8 do que no sangue (77,7± 17,6 /67,6 ± 4,2), o que não se observou em relação àscélulas T-CD4 (8,1 ± 9,5 LLBA vs.10,4 ± 9,6 no sangue);a actividade natural killer (NK) expressa pelas células T CD56apresentava importantes variações individuais em ambosos meios, mas com valores mais elevados no sangue doque no LLBA (9,1 ±8/2,9 ±1,9); quanto à actividade cito-tóxica avaliada através das células CD56CD8, era similarno LLBA e no sangue (2,2 ± 2/1,7± 1,2), parecendo, con-tudo, que a distribuição individual era mais homogénea noprimeiros destes meios (Quadros VI e VII); as céulas du-plamente negativas (DN) apresentavam-se com valoresligeiramente mais elevados no LLBA (7,6 ± 4,5 vs 5,6 ±± 5,3). Curiosamente, neste meio observa-se uma percen-tagem elevada das células menos diferenciadas (13 ± 13,6)(Quadro VI). A análise dos receptores celulares CCR5 eCXCR4 mostrou, em termos globais e médios, diferentescomportamentos entre si e em relação aos meios biológi-cos (Quadros VI e VII). Assim, o CCR5 CD3 era maiselevado no sangue (10,9 ± 13,2) do que no LLBA (8,4 ±± 3,5); no entanto, o CCR5 CD4 e a CCR5 CD8 en-contravam-se em maior percentagem no LLBA do queno sangue (2 ± 2,3 e 4,9 ± 3,7/0,9 ± 0,7 e 4,1 ± 4,0 respec-tivamente). No que diz respeito aos valores deste receptorna linha monocítica-macrofágica ele apresentava-se mui-to mais elevados no LLBA (77,8 ± 41 no LLBA vs. 18,7 ±± 15 no sangue). Pelo contrário, o CXCR4 total era maiselevado no LLBA 31 ± 19,9) do que no sangue (16,4 ±± 8,1); esta tendência manisfestava-se igualmente em rela-ção aos linfócitos-T (26,6 ± 19,8 vs. 10,7 ±7,6) e à linhamonocítica-macrofágica, aliás, de uma forma exuberante(84,5 ± 30,2 / 4,8 ± 4,6). A actividade co-estimulatóriaCD28 mostrou-se superior no sangue (22,8 ± 16,2) emcomparação com o LLBA (15,9 ± 10,1) para as células T

stimulatory activity of CD28 showed higher valu-es in blood (22.8 ± 16.2) than in BALf (15.9 ±± 10.1) for total T cells, CD4 and CD8 lympho-cytes 22.5 ±16.7; 7.8 ± 8.3; 13.3 ± 8.3 / 16.5 ±± 10.5; 2.9 ± 2.8; 10.8 ± 8.0 respectively).Conclusions: 1. HIV infection is responsible forimportant and extensive abnormalities in lung hostdefences.2. The complex interaction between host and aggres-sor as well as the immune response particularly repre-sented by natural killer and cytotoxic activities, apop-tosis, and opportunistic diseases or others, therapeuticsand other factors may contibute to the difficulty inobtaining homogenous medical samples within rese-arch. There are also ethical issues that restrict a purelyscientific approach to these patients.3. These results point to a pulmonary response toHIV in a compartmentalised fashion according tothe dynamic cellular elements involved and recep-tors in which the latter had distinct profiles relatedto the biological fluids. In this context, the lung com-partimental response is particularly dependent on al-veolar macrophages activity which is from the be-ginning the cornerstone of this process and is thelast cellular defense mechanism in this territory whenall others are profoundly affected.4. The dynamics of chemokines receptors may be veryimportant in therapeutic approach as the blockage ofthe CCR5 receptor does not seem to trigger an incre-ased expression of CXCR4 strains. In fact, we foundthat CXCR4 remained high in monocyte-macropha-ge cells throughout infection and its expression wasincreased in T-lymphocytes in Group II patients asopposed to CCR5 behavior in BALf which signifi-cantly decreases. However, in blood, CCR5 expressionincreased, unlike CXCR4.5. Due to high co-existing opportunistic infections(71.4%) we cannot ignore the hypothesis that this in-creased expression of CXCR4 was a result of the mo-dulation induced by opportunistic agents.

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totais, CD4 e CD8 (22,5 16,7 ; 7,8 ± 8,3 ; 13,3 ± 8,3 // 16,5 ± 10,5 ; 2,9 ± 2,8 ; 10,8 ± 8,0, respectivamente).Conclusões: 1. A infecção VIH é reponsável por ex-tensas e diversificadas alterações nos mecanismos dedefesa do pulmão profundo.2. A complexa interacçãoo entre o hospedeiro e o agen-te agressor , bem como a resposta imunológica, parti-cularmente a natural killer e citotóxica, apoptose edoenças oportunistas, ou outras, podem dificultar aobtenção de amostras médicas homogéneas. Para alémdisso, considerações de ordem ética restringem, natu-ralmente, a abordagem destes doentes com finalida-des exclusivamente científicas.3. Os resultados obtidos apontam tendencialmente parauma resposta pulmonar compartimentada à agressãoVIH, com base na dinâmica celular envolvida e no perfildos receptores encontrado nos líquidos biológicos estu-dados. Neste contexto, esta compartimentação pareceestar particularmente na dependência da actividade dosmacrófagos alveolares que constituem, desde o início, oeixo fundamental destes processos, representando o últi-mo mecanismo celular de defesa deste território, quandoos outros estão já profundamente alterados.4. O estudo da dinâmica dos receptores quimiocíni-cos pode vir a ter importantes implicações terapêu-ticas. De facto, foi já demonstrado que o bloqueio doreceptor CCR5 não foi acompanhado por um aumentoda expressão do receptor CXCR4. Neste estudo tive-mos oportunidade de verificar que o CXCR4 se man-teve elevado nas células monocíticas-macrofágicas du-rante a doença, aumentando a sua expressão noslinfócitos T nos doentes do Grupo II, ao contráriodo comportamento do CCR5 no LLBA, que dimi-nuía significativamente. No sangue, porém, a expres-são do CCR5 aumentava.5. A elevada co-existência de infecções oportunistas(71,4%) leva-nos a colocar a hipótese de que a modu-lação induzida pelos germes possa contribuir para aelevada expressão do CXCR4.

6. Finally, this striking individual variability undoubtlyhas clinical implications. This makes a case-by-casemanagement strategy the correct approach.

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Key-words: Bronchoalveolar lavage, AIDS, cellulari-ty, CCR5 and CXCR4 receptors.

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6. Finalmente, esta tão marcada variabilidade indivi-dual tem indiscutivelmente implicações clínicas. Emtermos gerais, podemos dizer que, para uma mais cor-recta abordagem terapêutica, cada doente deve ser pré-via e individualmente analisado neste contexto.

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Palavras-chave: Lavagem broncoalveolar, SIDA, ce-lularidade, receptores CCR5 e CXCR4.

Pulmão profundo – Reacção celular ao VIHMaria Alcide Tavares Marques, Vera Alves, Victor Duque, M Filomena Botelho

IntroduçãoHá mais de duas décadas que foi reconheci-da a síndroma de imunodeficiência adquiri-da (SIDA), uma das piores epidemias da his-tória humana recente, encarada por algunscomo a praga do século XX, tendo em conta aenorme mortalidade de que se tem feitoacompanhar, responsável, ainda em 2003(UNAIDS/WHO 2003)1, por 3 milhões demortos em todo o mundo e por 5 milhõesde novos casos, a que se associa o seu im-pacto social, cultural e económico.A nível científico, porém, este desafio tem-setraduzido por um esforço imenso na aquisiçãode novos conhecimentos nos vários ramos dosaber e por alterações substanciais nos cuida-dos clínicos, no enquadramento legal, nas es-tratégias globais de saúde dos diversos países,bem como, a um patamar mais nuclear e con-ceptual, na própria medicina, para a qual o bi-nómio doença/órgão começa a dar lugar aoreconhecimento mais integralista, diríamos, demecanismos comuns das doenças, espelhandobem o desejo de equilíbrio entre o poder daciência e o humanismo da medicina moderna.

Desde o início da epidemia de SIDA, em 1981,se reconheceu que o pulmão constituía umdos principais órgãos-alvo, sede de infecçõesoportunistas e de processos tumorais.Durante essa década, a par da investigaçãodirigida à síntese de medicamentos anti-retro-virais, com base nos conhecimentos que fo-ram sendo adquiridos acerca da biologia eda caracterização molecular do vírus, a pro-filaxia de certas infecções oportunistas mar-caram de forma significativa a abordagem es-tratégica desta infecção, contribuindo de umaforma directa e decisiva para a redução damorbilidade. A utilização mais recente, nadécada de noventa, da designada terapêuticaanti-retroviral de alta potência (HAART) vi-ria a ter um profundo impacto na histórianatural da doença, quer em termos de mor-bilidade quer de mortalidade.Num estudo epidemiológico realizado emFrança em 19982, constatou-se que a inci-dência de pneumonia a Pneumocystis jirovecipor 10 000 pessoas/ano passou de 174, em1995, para 47 em 1998; ainda no mesmoperíodo de tempo, pôde verificar-se uma

A síndroma deimunodeficiênciaadquirida (SIDA),uma das pioresepidemias da históriahumana recente

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redução nas incidências de doença a cito-megalovírus (CMV), Mycobacterium aviumcomplex (MAC), toxoplasmose e sarcoma deKaposi. O mesmo estudo mostrou, igual-mente, que outras infecções oportunistasque ocorrem com graus mais acentuadosde imunossupressão atingiam quase que ex-clusivamente doentes que não tinham sidosujeitos a terapêutica anti-retroviral potenteou aqueles em que esta não foi eficaz. Tam-bém numa outra análise retrospectiva efec-tuada nos Estados Unidos3, a pneumonia aPneumocystis jiroveci foi menos frequente naera HAART, em comparação com o perío-do pré-HAART; pelo contrário, as pneumo-nias bacterianas e os linfomas não Hodgkinparecem ter sido mais frequentes durante autilização de anti-retrovirais potentes (15vezes superior, neste último caso), o que foiatribuído pelos autores a uma estimulaçãodas células B, persistentemente mantidadurante a terapêutica, ou à existência de ano-malias do sistema imunológico recentemen-te restaurado. Um dado favorável a esta ex-plicação parece residir na elevada frequênciacom que estes doentes são atingidos por in-fecções prévias a CMV, as quais constituemum marcador do importante grau de imu-nossupressão; neste contexto, a recuperaçãoimunológica far-se-ia de forma defeituosa ouincompleta, colocando estes doentes numrisco acrescido para o desenvolvimento des-tas neoplasias.Em relação à tuberculose, na ausência deterapêutica anti-retrovírica potente, osdoentes co-infectados com VIH e Mycobac-terium tuberculosis apresentam, na sua for-ma latente, um risco elevado (cerca de10%/ano) de virem a desenvolver uma tu-berculose activa, contrariamente ao que seobserva em indivíduos seronegativos, a

qual ronda os 10% durante toda a vida.Esta maior incidência de tuberculose pul-monar na infecção VIH prende-se, natu-ralmente, com as alterações da imunidadecelular induzidas por esta última. Nestecontexto, o γ INF é a citocina efectora maisimportante na resposta imune ao bacilo deKoch; produzida por linfócitos T (CD4 eCD8), induz a activação dos macrófagos,que, por um lado, desencadeiam a liberta-ção de radicais oxidantes, responsáveis pelamorte intracelular ou pela inibição do cres-cimento micobacteriano, e, por outro, oaumento da expressão de moléculas daclasse II do MHC (major histocompatibilitycomplex) e da produção do factor de ne-crose tumoral (TNF). Aliás, estudos efec-tuados em doentes com SIDA4 revelarambaixos níveis de γ INF, o que pode estarem relação directa com o aumento de in-cidência da tuberculose nestes doentes.Neste âmbito, a HAART, ao promover oaumento numérico e funcional dos linfó-citos T-CD4, favorecendo eventualmenteo estabelecimento de uma resposta Th1 aosantigénios micobacterianos, induz uma re-acção granulomatosa do organismo ten-dente a conter a infecção5. Os mesmosautores4 demonstraram ainda que a HAARTpermite restaurar a resposta imune ao Myco-bacterium tuberculosis, embora esta se pro-cesse de uma forma lenta e gradual (emcomparação com a supressão da carga vi-ral e com o aumento dos T-CD4 sanguí-neos) e não chegue a atingir os níveis de-tectados em indivíduos seronegativos.De facto, a tuberculose pulmonar pode so-brevir com graus modestos de imunode-pressão, contrariamente ao observado nou-tras infecções oportunistas. Em França,Mayaud e Cadranel6 verificaram uma ra-

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A pneumoniaa Pneumocystisjiroveci foimenos frequentena era HAART

O γγγγγ INF é a citocinaefectora maisimportante naresposta imuneao bacilo de Koch

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zoável diminuição da sua incidência nosseropositivos entre 1995 e 1998: 80 para39 casos de tuberculose pulmonar e 51 pa-ra 33 casos de tuberculose extrapulmonar.Esta persistência da tuberculose parece re-sultar, segundo estes autores, de vários fac-tores: por um lado, do seu aparecimentonuma fase de imunossupressão moderada(CD4>200 cels/mm3), em relação à qualcerca de 16,4% das situações de tuberculosespulmonar e extrapulmonar constituíram asmanifestações inaugurais da SIDA; por ou-tro como resultado do risco de nova infec-ção (reinfecção exógena).Também sob o ponto de vista clínico, a in-fecção VIH veio modificar a clássica apresen-tação da tuberculose pulmonar; basta paratanto recordar que cerca de 35% dos doen-tes co-infectados têm radiografias torácicasnormais, que 5% apresentam baciloscopiaspositivas com exames radiográficos inaltera-dos, e que 72% dos doentes com CD4<200cel/mm3 são anérgicos7.Um outro aspecto que se prende, natural-mente, com a restauração imunológica con-siste na interrupção da profilaxia face às in-fecções oportunistas. A este propósito, numestudo suíço alargado8 envolvendo um totalde 2410 indivíduos infectados pelo VIH aosquais foi aplicada a HAART, e com um follow--up de 15 meses, os seus autores constata-ram que o risco de desenvolvimento de in-fecções oportunistas sob terapêutica anti-re-trovírica potente é muito elevado nos mesesiniciais de tratamento e que os factores pre-ditivos da progressão da doença se encon-travam relacionados com os níveis basais deCD4 e com a resposta virológica à terapêuti-ca, chamando a atenção para uma cuidadosavigilância dos doentes com taxas de CD4 in-feriores ou iguais a 50x106/μL.

Assim, a HAART veio modificar o espectrodas infecções oportunistas nos doentes querespondem ao tratamento, bem como a inter-rupção segura, quer da profilaxia primária,quer de secundária, contra alguns dos agen-tes infecciosos por elas responsáveis9,10.Porém, esta modalidade terapêutica origina-ria novas manifestações pulmonares no de-curso do tratamento. Neste contexto, o apa-recimento de reacções paradoxais despertouum justificado interesse, face aos problemasde ordem clínica e terapêutica que se lhe en-contram associados. De entre os vários es-tudos publicados a este respeito, salientamoso de Narita11, o qual refere a exacerbaçãotransitória da sintomatologia e das lesõespulmonares tuberculosas em doentes sob te-rapêutica antibacilar e HAART; neste traba-lho, o agravamento traduziu-se por hiperter-mia, linfoadenopatias intratorácicas ecervicais, derrames pleurais, aumento das le-sões radiológicas iniciais e/ou aparecimentode infiltrados miliares. Estas reacções têmsido atribuídas a causas imunológicas e te-riam por base uma poderosa resposta de hi-persensibilidade retardada, uma diminuiçãodos mecanismos de supressão e/ou um au-mento da exposição a antigénios micobacte-rianos decorrente da actividade microbicidados antibacilares. Tais situações observavam--se cerca de duas semanas após o início dotratamento anti-retroviral. Por outro lado, osdoentes que eram anérgicos no início do tra-tamento exibiam, durante a fase de agrava-mento, reacções positivas à prova de Man-toux. Nestas circunstâncias, diversos autoresviriam a propor a interrupção temporária daterapêutica anti-retroviral ou antituberculosanas situações mais graves de linfoadenopa-tias compressivas ou de outras lesões respon-sáveis por sintomas significativos, aconse-

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Sob o ponto de vistaclínico, a infecçãoVIH veio modificara clássicaapresentaçãoda tuberculosepulmonar

A HAART veiomodificar o espectrodas infecçõesoportunistasnos doentesque respondemao tratamento

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lhando, ainda, o recurso a ciclos curtos decorticoterapia.Ainda neste âmbito, tem vindo a ser refe-renciado o desencadeamento de doençaspulmonares granulomatosas – sarcoidose-likeem doentes sob o efeito da HAART. Naca-che12 refere dois casos de sarcoidose diag-nosticados dois anos e meio após o reco-nhecimento da infecção VIH num doente,e oito anos, no segundo, os quais se encon-travam sob HAART. Nestas situações, aanálise do líquido de lavagem broncoalveo-lar (LLBA) revelou a presença de uma alveo-lite linfocitária CD4 e de uma elevação sig-nificativa da relação CD4/CD8 em relaçãoao sangue, a par de uma elevação da SACEe de uma infiltração granulomatosa identi-ficada nas amostras histopatológicas obti-das através de biópsias brônquicas e pul-monares transbrônquicas. O mecanismopatogénico subjacente afigura-se similar aoinvocado para os agravamentos paradoxaisda tuberculose: o(s) eventuais antigénio(s)responsáveis pela sarcoidose, já presentes nosindivíduos infectados pelo VIH com bai-xos níveis de CD4, seriam, nestas circuns-tâncias, insuficientes para induzirem umaresposta granulomatosa até que a terapêu-tica anti-retroviral potente veio permitir asua expressão. Outros autores13 citam doiscasos de sarcoidose recorrente em doentesseropositivos para o VIH sob HAART, comantecedentes de sarcoidose assintomáticadesde há décadas, para a qual não efectua-ram qualquer tipo de tratamento, e que doisanos, num dos casos, e alguns meses, nooutro, desenvolveram, após terem iniciadoo tratamento, um quadro de infiltrados pul-monares bilaterais, com níveis de CD4 de253 cel/mm3 e de 371 cel/mm3, respecti-vamente. Estes doentes apresentavam pa-

drões funcionais respiratórios restritivos ea presença de granulomas não caseosos nasbiópsias pulmonares, tendo iniciado cortico-terapia da qual resultaram melhorias clíni-ca, radiológica e funcional. Os autores res-ponsáveis por esta descrição chamam aindaa atenção para a frequência com que estesdoentes com infiltrados pulmonares e in-suficiência respiratória são rotulados comoportadores de pneumonias a Pneumocystis ji-roveci, ou adquiridas na comunidade, semserem sujeitos a uma investigação diagnós-tica mais exaustiva, sobretudo quando apre-sentam nos seus antecedentes patologiassusceptíveis de serem influenciadas pela te-rapêutica anti-retroviral.Nestas circunstâncias, a panorâmica geral dainfecção modificou-se, sobretudo nos paísescom recursos económicos mais alargados ecom sistemas de saúde bem implantados noterreno. Contudo, nos países pobres a infec-ção pelo VIH, a par de outras, não só tratáveiscomo curáveis, continua a constituir um fla-gelo para milhões de seres humanos.

Resposta imunológica do pulmãoprofundo à infecção VIHO aparelho respiratório constitui a maior in-terface entre o ambiente externo e o meiointerno. Na realidade, a mucosa que o reco-bre corresponde a uma superfície de cercade 140 m2 , o que, aliado à sua composiçãoestrutural, justifica o facto de poder ser con-siderado, também, um órgão mucoso. Ape-sar dessa extensa exposição ao ar ambiente,em condições normais ele mantém-se nota-velmente estéril, não só por ser detentor deengenhosas barreiras mecânicas, mas porpossuir diversificados meios de defesa, en-tre os quais se destacam os celulares, alguns

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Tem vindo a serreferenciado odesencadeamento dedoenças pulmonaresgranulomatosas –sarcoidose-like emdoentes sob o efeitoda HAART

O aparelhorespiratório constituia maior interfaceentre o ambienteexterno e o meiointerno

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deles altamente especializados e que assegu-ram a sua integridade morfo-funcional.De entre estes últimos, os macrófagos, lin-fócitos e neutrófilos constituem a primeiralinha de defesa celular, podendo sofrer pro-cessos de activação, migração e diferencia-ção em células efectoras especializadasquando estimuladas por agentes estranhos.A eficiência deste sistema é assegurada porum fluxo de células com origem na circula-ção sistémica ou na medula óssea. A comu-nicação celular tem por base uma rede com-plexa de citocinas que actuam não só comointerlocutores celulares, mas igualmentecomo mediadores funcionais da prolifera-ção, diferenciação e activação de células imu-nocompetentes14.O sistema imunológico pulmonar inclui ain-da estruturas linfóides e não linfóides pri-vativas, organizadas ou difusamente disper-sas no parênquima. Este tecido linfóideencontra-se representado por folículos dis-tribuídos ao longo da árvore brônquica, osquais são constituídos por um centro ger-minativo de células B, rodeado por linfóci-tos T, macrófagos e células dendríticas. Tan-to os linfócitos como os macrófagosdispersos no tecido pulmonar podem en-contrar-se, quer isolados, quer em peque-nos agregados, distribuídos pela submuco-sa e pela lâmina própria. Estas células sãoigualmente detectadas entre as células epi-teliais e no interstício pulmonar.Os macrófagos alveolares representam a li-nhagem mononuclear fagocitária do pulmão;a maior parte deles provém de monócitoscirculantes formados na medula óssea, osquais migram para o pulmão através das pa-redes alveolares, onde sofrem uma matura-ção14. Estes macrófagos alveolares têm par-ticularidades importantes em relação aos de

outros tecidos14; entre elas salienta-se o fac-to de se localizarem estrategicamente na in-terface ar/tecido, pelo que se encontram per-manentemente expostos aos antigéniosinalados.O pool macrofágico a nível pulmonar é regu-lado por vários factores, dos quais se desta-ca o granulocyte-macrophage colony stimulatingfactor (GM-CSF). Para além disso, estas cé-lulas são atraídas aos locais de inflamaçãopelos seus mediadores e, igualmente, por pro-dutos microbianos (endotoxinas), imuno-complexos, factores do complemento, leu-cotrienos, citocinas, etc. A sua enormecapacidade fagocitária passa, em algumas si-tuações, pela estreita colaboração com ascélulas T, sobretudo na remoção de agentespatogénicos intracelulares, após prévia inges-tão por endocitose, seguida de degradação etransporte de parte desses produtos até àmembrana celular, onde se ligam a molécu-las da classe II do MHC, ou seja, à estruturado macrófago apresentadora de antigéniosao receptor de linfócitos T, actuando, assim,nestas circunstâncias, como uma célula aces-sória. Segundo Agostini14, esses elementoscelulares dispõem de receptores com altaafinidade para a porção Fc das imunoglobu-linas G e E, bem como para o complemen-to. Em condições fisiológicas, uma pequenasubpopulação de macrófagos (<5%)14 reagecom os determinantes CD4, um dos princi-pais receptores do VIH. Libertam ainda me-diadores da resposta imunológica (factor denecrose tumoral a (TNF-α), IL1, IL6, IL8,γ-INF e GM-CSF, etc.), os quais desenvol-vem a sua actividade através da expansãopoliclonal e do aumento das funções celula-res efectoras.Na coinfecção tuberculose/SIDA, o recep-tor CXCR4 encontra-se predominantemen-

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Os macrófagosalveolaresrepresentama linhagemmononuclearfagocitária do pulmão

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te expresso nos macrófagos alveolares. Es-tudos in vitro demonstraram que a infecçãode macrófagos pelo Mycobacterium tuberculosisaumentava a expressão de CXCR4, enquan-to in vivo a melhoria da doença a diminuía.No LLBA dos doentes com tuberculose pul-monar parece existirem níveis elevados deMIP 1β, RANTES (CCL5) e CX3CL1 (frac-talquina), mas não de SDF 1α (stromal-deri-ved-factor-1α). A tuberculose criaria assim umambiente propício à replicação viral atravésdo aumento da expressão do CXCR4 nosmacrófagos alveolares e à supressão doCCR5, influenciada pelo aumento da expres-são de citocinas. Estas alterações explicari-am a razão pela qual a tuberculose acelera aprogressão para a SIDA15.Quanto às células dendríticas, os agentes mi-crobianos são reconhecidos pelos recepto-res toll-like (TLR)16 expressos na superfíciedas células apresentadoras de antigénios(APC), nas quais se incluem células dendríti-cas imaturas dos tecidos periféricos, fagóci-tos mononucleares, células de Langerhans dapele, etc. O reconhecimento do agente pa-togénico pelo TLR, a internalização, o pro-cessamento e a exposição ao MHC do an-tigénio microbiano processado levam àmaturação das células dendríticas, as quais,seguidamente, migram para os gânglios lin-fáticos de drenagem. A maturação envolveainda uma expressão aumentada de antigé-nios MHC e de receptores de quimiocinasinflamatórias (CCR1, CCR2, CCR5 e CCR6),assim como de moléculas co-estimuladorase de adesão16. Por outro lado, ela encontra--se também associada ao aumento da secre-ção de citocinas inflamatórias (IL2, IL10,IL12, IL18, TNF-α) e de quimiocinas – pro-teína inflamatória do macrófago (MIP 1α,MIP 1β, MIP 2)(16). In vivo, é possível reco-

nhecer alterações na produção de citocinase quimiocinas por estes elementos celularesem diferentes fases da infecção VIH17. A ca-pacidade de as células dendríticas madurasdeterminarem respostas do tipo Th1 ou Th2depende do perfil de produção de citocinase da interacção do receptor TLR com o agen-te microbiano18. A secreção de γ-INF pelosT-CD4 Th1 (bem como pelos T-CD8 e na-tural killer ) conduz à activação de macrófa-gos e ao desencadeamento de uma potenteresposta contra o agente patogénico intrace-lular, enquanto as células Th2, tipicamenteprodutoras IL4 e IL5, levam à produção deimunoglobulinas e à mudança de uma res-posta IgG para IgE16.Tanto as células dendríticas como as molé-culas por elas libertadas constituem o elo deligação entre as respostas imunes, inata e ad-quirida, contra agentes patogénicos invaso-res16. Em relação à infecção VIH, as célulasdendríticas desempenham um importantepapel face à infecção ao nível da mucosa, porrepresentarem um primeiro alvo para o ví-rus e, sobretudo, por permitirem a transmis-são de estirpes R5 do VIH a células T-CD4através da ligação dos viriões a moléculas deadesão específicas intercelulares. A interac-ção não determina a infecção destas células16,mas mascara e protege os viriões até queencontrem linfócitos T-CD4 e macrófagosaltamente susceptíveis16.O número e as funções das células dendríti-cas diminui durante a infecção, como conse-quência da lise mediada por linfócitos cito-tóxicos (CTL)19. In vitro, essas células podemser infectadas tanto por estirpes R5 comopor CXCR4 dependentes (X4), embora seobserve apenas uma replicação eficiente comas R5. Ao longo da infecção VIH, vários au-tores puderam constatar mudanças na produ-

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A tuberculose aceleraa progressão paraa SIDA

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ção de citocinas e quimiocinas pelas célulasdendríticas17, bem como a sua recuperação,numérica e funcional, sob terapêutica anti--retroviral20.Os linfócitos pulmonares encontram-se,quer nos folículos onde os linfócitos B nai-ve e os linfócitos T se diferenciam em linfó-citos de memória e efectores, quer em cir-culação, respondendo quando reconhecemos antigénios. Sempre que um antigénio des-conhecido franqueia as barreiras de defesa,inicia-se um processo complexo de comu-nicações entre as células acessórias dos fo-lículos pulmonares, sobretudo as dendríti-cas e os linfócitos T-naive, levando àtransformação destes em linfócitos-memó-ria (CD45RO), os quais se dirigem aos locaisde inflamação. O recrutamento linfocitárioenvolve a interacção de vários factores,como a integrina presente na superfície celu-lar dos linfócitos, com ligandos expressospelo endotélio inflamado, sabendo-se quetanto as citocinas (IL1, γINF e TNF-α)como os produtos bacterianos podem au-mentar a expressão de moléculas de adesãoa nível endotelial.No território pulmonar, as células T, quan-do activadas, produzem um conjunto de lin-focinas nas quais se incluem o γ-INF e a IL2,responsáveis por múltiplas actividades bio-lógicas, entre as quais se destaca a replicaçãoin situ das células T após estimulação antigé-nica. A IL2 é ainda indutora da síntese deanticorpos pelas células B e do aumento dacapacidade citotóxica local; pensa-se, igual-mente, que a sua influência se estende aindaaos macrófagos14, aumentando a expressãode GM-CSF.Os linfócitos T-CD4 subdividem-se em doistipos de células helper, designadas por Th1 eTh2, com base no perfil de produção de lin-

focinas. Assim, as células Th1 libertam IL2,IL12, γ-INF e TNF-β, enquanto as Th2 pro-duzem IL4, IL5, IL6, IL9, IL10 e IL13.Ambas podem segregar GM-CSF e IL3. Sobo ponto de vista funcional, Th1 encontram--se associados às respostas de hipersensibili-dade retardada, promovem a síntese de IgGe, através do γ-INF, inibem a libertação decitocinas pelos linfócitos Th2 e a síntese deIgE; por seu lado, os Th2 são capazes deinibir os Th1 através da IL1014.Na mucosa respiratória encontram-se aindalinfócitos citotóxicos específicos (CTL), ac-tivados por estimulação antigénica, e lin-fócitos natural killer (NK). Os citotóxicosreconhecem as células-alvo através da inte-racção molecular do seu receptor (TCR) comum peptídeo associado a uma molécula doMHC, geralmente da classe I no caso doslinfócitos citotóxicos CD8 e, mais raramen-te, da classe II. A diferenciação dos linfóci-tos T em células citotóxicas implica a expres-são de genes codificadores de moléculasefectoras da lise celular (granzimas, perfori-nas) e a citotoxicidade exige um contactomembranar entre células efectoras e células--alvo associadas à presença de co-sinais pro-duzidos pelas moléculas de aderência inter-celulares21.Um dos aspectos mais relevantes da infec-ção VIH prende-se com o estado de imuno-deficiência que resulta da diminuição numé-rica e funcional dos linfócitos T-CD4 aolongo da doença. Com efeito, durante a in-fecção primária, a replicação viral incontro-lável determina: A activação da resposta imu-ne de mediação celular, através do aumentoquantitativo de linfócitos CD8 activados queexpressam CD38, CD45RO e HLA-DR; aelevação das células NK; e o aumento dasconcentrações de citocinas, sobretudo do

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No territóriopulmonar, as célulasT, quando activadas,produzemum conjuntode linfocinas

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γ INF responsável pela expansão oligoclo-nal dos CD8. Estes aspectos caracterizam aresposta imunológica à infecção primária,mais tarde acompanhada pelo desenvolvi-mento da resposta humoral. Mas à medidaque se vai assistindo à diminuição dos mar-cadores de activação, a doença progride paraa fase crónica. Embora grande parte da re-plicação viral ocorra em linfócitos CD4 acti-vados, o vírus pode infectar outras célulasrelativamente inactivas e não replicativas, per-mitindo a emergência de outras infecções22.De facto, a diminuição dos linfócitos T-CD4na infecção VIH é acompanhada por umaprogressiva alteração da imunocompetêncialocal, pelo aumento da susceptibilidade às in-fecções oportunistas e ao desenvolvimentode neoplasias. Esta depleção celular pode terpor base um excesso de destruição e/ou umadiminuição da produção de células T.Entre os complexos mecanismos respon-sáveis pela diminuição destas células, é re-ferido um aumento da apoptose dos CD4 edos CD8, e, embora esta possa estar associa-da ao estado de contínua activação induzidapelo vírus, tal circunstância não permite, deper se, explicar o facto de só uma minoriados linfócitos apoptóticos se encontraremfisicamente infectados pelo VIH. A apoptoseé o processo de morte celular programada,essencial à manutenção da homeostasia.Entre os vários mecanismos que para elacontribuem incluem-se: a activação imuno-lógica crónica, a ligação da gp 120 ao re-ceptor de CD4, o aumento da produção deligandos citotóxicos ou de proteínas viraisa monócitos, macrófagos, células B e, ainda,a acção de linfócitos T-CD8 que destroemCD4 não infectados, bem como o efeitocitopático directo do próprio vírus. No en-tanto, a infecção de células não activadas

em repouso, como linfócitos e macrófagos,não desencadeia a apoptose; esta circuns-tância permite explicar o desenvolvimentode reservatórios virais.As células natural killer constituem um ele-mento importante do sistema imunológicoinato e, no homem, representam cerca de15% dos linfócitos do sangue periférico.Contrariamente às células T e B, não pos-suem receptores antigénio-específicos23, masproduzem várias citocinas e quimiocinasquando activadas, o que lhes permite modu-lar outras células imunes e regular a hemato-poiese. Uma das suas funções mais relevan-tes consiste na capacidade de lisar célulasmalignas ou infectadas por vírus, sem préviasensibilização. Inicialmente, pensava-se queesta população celular era relativamente ho-mogénea; contudo, hoje reconhece-se queexistem populações natural killer distintas comvárias capacidades funcionais. Algumas des-tas células possuem fraca capacidade cito-tóxica, embora sejam fortes produtoras decitocinas, enquanto outras exibem, predomi-nantemente, uma actividade citotóxica. Em-bora se possam encontrar nos tecidos, exis-tem sobretudo em circulação, deslocando-seao longo do endotélio vascular, onde exer-cem uma função de patrulha. Contrariamenteaos linfócitos T, não possuem receptoresantigénio-específicos, podendo ligar-se aoutras células através de moléculas e destruí-las, aquando da libertação do conteúdo dosseus grânulos citolíticos (perforina, serina-protease, proteoglicanos) ou induzindoapoptose24. Após exercerem a sua função ci-tolítica, estão aptas a nova ligação e à des-truição de outro alvo. Entre as citocinas queproduzem contam-se o γ INF, o TNF α, aIL1, a IL5, a IL8, a IL10, o GM-CSF, e, ain-da, quimiocinas como linfotactina α, MIP

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A diminuição doslinfócitos T-CD4na infecção VIHé acompanhadapor uma progressivaalteração daimunocompetêncialocal

As células naturalkiller constituem umelemento importantedo sistemaimunológico inato

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1α, MIP 1β, RANTES, quimiocina derivadados macrófagos (CCL22), defensinas e IL8.Podem ainda expressar vários receptores es-pecíficos para as quimiocinas – CXCR1,CXCR2, CXCR3, CXCR4, CX3CR1 –, bemcomo para as citocinas IL2, IL12, IL15, IL21e γ INF.Dado que os vírus não representam formasde vida autónoma, dependendo da maqui-naria das células do hospedeiro para se po-derem replicar, a defesa contra estes agentespassa pela destruição das células infectadasdo hospedeiro23. As principais células envol-vidas no combate aos vírus são os linfócitosT e os NK. Na infecção VIH, as células CD4helper são os principais alvos das estirpes Ttrópicas, sendo destruídas após a infecção.Como constituem o eixo fundamental daresposta imune adquirida, a sua depleção éresponsável pelo estabelecimento de umaimunodeficiência grave, caracterizada peloaparecimento de infecções oportunistas.Neste contexto, os monócitos e as célulasNK constituem as principais células efecto-ras inatas no combate às infecções virais. Osmonócitos expressam CD4 em baixa densi-dade e são sensíveis à infecção pelo VIH,através de estirpes M trópicas. Quanto àscélulas NK, embora tenha sido descrita emseres humanos25 uma população de célulascom fenótipo CD4+NK que exibiam recep-tores CCR5 ou CXCR4 infectadas pelo VIH,a maioria delas são CD4- e resistem à infec-ção VIH. A diminuição do número desteselementos celulares no sangue de doentesseropositivos para o VIH está geralmenteassociada a uma rápida progressão da doen-ça, o que atesta a importância funcionaldestas células no controlo da infecção. Poroutro lado, a função NK é regulada, habitual-mente, a partir de receptores da classe I do

MHC; ora, o VIH1 parece diminuir a expres-são MHC 1 na superfície das células do hos-pedeiro através das moléculas Vpu e Nef26,suspeitando-se de que se trate de uma adapta-ção do vírus para escapar à acção citotóxicadas células T que requerem a apresentaçãode antigénios específicos no contexto dasmoléculas da classe I do MHC. Esta altera-ção desequilibra o balanço entre sinais deactivação e de inibição, tornando as célulasdo hospedeiro susceptíveis à acção lítica dascélulas NK.Outros vírus, como o CMV23, codificam umaproteína semelhante à molécula I do MHChumana, como forma de impedirem a lise deelementos celulares infectados pelas NK. Nainfecção VIH, as células NK encontram-senão só diminuídas em relação às observadasem indivíduos saudáveis, como funcional-mente alteradas27, existindo uma supressãosignificativa da produção de TNF α e deγ INF. Sob tratamento anti-retrovírico, as car-gas virais diminuem e as células NK parecerecuperarem a sua capacidade citotóxica, em-bora se mantenha a sua incapacidade paraproduzirem γ INF23. São, no entanto, impor-tantes no controlo da viremia, parecendoexistir um aumento da sua actividade em in-divíduos expostos mas não infectados, o quecontribui, nesta situação, para a protecçãocontra a infecção primária. As alterações fun-cionais induzidas pelo VIH traduzem-se poruma diminuição da produção de citocinas equimiocinas, bem como pela capacidade cito-lítica, que parece ocorrerem paralelamente àprogressão da doença.Os polimorfonucleares neutrófilos (PMN-N)constituem a segunda linha de defesa contrainfecções bacterianas e fúngicas. Em condi-ções normais, e em indivíduos não fumado-res, os PMN-N encontram-se numa peque-

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As principais célulasenvolvidas nocombate aos vírussão os linfócitos Te os NK

Os polimorfonuclearesneutrófilos constituema segunda linhade defesa contrainfecções bacterianase fúngicas

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na percentagem (< a 5%) no pulmão, maspodem ser rapidamente recrutados a partirdos vasos sanguíneos adjacentes aos alvéo-los se a quantidade de microrganismos seelevar em relação à capacidade fagocitária dosmacrófagos, ou se os agentes patogénicosforem particularmente virulentos. A migra-ção até aos locais de inflamação é dirigidapelos macrófagos sob a libertação de váriosfactores quimiotáticos para os granulócitos,nos quais se incluem as IL1 e IL8, o γ-INF eo TNF-α14.Ainda neste contexto, salienta-se o papel dasquimiocinas, originalmente descritas comoproteínas de defesa do hospedeiro e que hojese reconhece terem funções biológicas maisalargadas, para além de simples modulado-res imunológicos. Exercem os seus efeitosbiológicos ligando-se a receptores na super-fície das células.As quimiocinas constituem uma grande fa-mília de proteínas quimiotácticas que regu-lam a activação e o recrutamento de leucó-citos para os locais de inflamação atravésda interacção com receptores28. Emboracada um destes receptores se ligue a umasó classe de quimiocinas, eles podem unir--se a vários membros da mesma classe comalta afinidade. Atendendo ao seu papel nadefesa do hospedeiro, numerosos agentespatogénicos intracelulares têm utilizado es-tes receptores como porta de entrada e meiode transmissão de doenças29. A ligação aoreceptor da quimiocina dá origem a umacascata de mecanismos intracelulares queculmina nos seus efeitos biológicos – acti-vação da quimiotaxia, mas igualmente umconjunto de funções em diferentes leucóci-tos, como o aumento do burst respiratório,a desgranulação, a fagocitose, a síntese demediadores lipídicos, etc.

Em 1996 foi clonado28 o gene humano doreceptor da quimiocina CC, posteriormentedesignado por CCR5. Este é uma proteínaG ligada a um receptor (GPCR), e a sua acti-vação é responsável por uma série de altera-ções celulares. Liga-se a várias quimiocinas(MIP 1α, MIP 1β, RANTES) que bloqueiamou diminuem a sua expressão30, mas a suafunção não se encontra ainda completamenteesclarecida, mesmo in vivo. Exprime-se emvárias subpopulações de linfócitos e em mo-nócitos-macrófagos sanguíneos, em órgãoslinfóides primários e secundários e em teci-dos não inflamados. O CCR5 está ainda pre-sente no epitélio, no endotélio, no músculoliso vascular, nos fibroblastos, em células ner-vosas, etc., e estudos efectuados em animais(ratos), nos quais o CCR5 era deficiente,mostraram apenas alterações limitadas dosprocessos imunes de mediação celular. A de-ficiência em seres humanos parece não au-mentar a susceptibilidade a doenças, emborao CCR5 pareça estar implicado na activaçãode células Th128.O interesse por este receptor aumentou subs-tancialmente a partir do momento em quese reconheceu o seu papel como co-recep-tor de entrada das estirpes M trópicas do VIHnas fases iniciais da infecção. Com efeito, aglicoproteína do envelope do vírus – gp120– liga-se à proteína CD4 na superfície celu-lar, sofre uma alteração conformacional quelhe permite interagir com o receptor CCR5,após o que ocorre a fusão das membranascelulares, seguida da entrada do vírus na cé-lula. Por isso, os níveis celulares do CCR5são importantes na determinação do grau deinfecção dos seropositivos. De facto, os in-divíduos com baixa expressão de CCR5, pro-vocada, por exemplo, pela delecção Δ32, sãomenos susceptíveis ao VIH, encontrando-

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As quimiocinasconstituem umagrande família deproteínasquimiotácticas queregulam a activação eo recrutamento deleucócitos para oslocais de inflamação

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-se a capacidade de infecção igualmente re-duzida. Do mesmo modo, indivíduos comníveis elevados de quimiocinas circulantes e,portanto, com uma expressão reduzida deCCR5, devida à sua ligação a estas e à inter-nalização dos receptores, mostram-se menosvulneráveis à infecção28. Os mecanismos im-plicados na regulação do número de recep-tores presentes nas células afiguram-se damais alta importância. De facto, neste con-texto, e segundo vários autores, após a liga-ção quimiocina-receptor CCR5, o complexoé fosforilado por uma proteína quinase, ligan-do-se a uma β arrestina28 do CCR5, e na se-quência da remoção do estímulo quimiocíni-co o receptor internalizado é reciclado para asuperfície celular através de endossomas28.Uma célula pode expressar diferentes recep-tores quimiocínicos em diferentes circuns-tâncias fisiológicas, o que lhe permite res-ponder a diferentes quimiocinas. Estaexpressão programada de receptores qui-miocínicos tem provavelmente um impor-tante papel, ao assegurar que uma respostaimune apropriada se desencadeie contra umagente patogénico particular. Assim, a se-lecção de células efectoras Th1 ou Th2 podeser influenciada pela expressão dos recep-tores de quimiocinas, os quais são regula-dos por citocinas28.Na infecção VIH, a progressão da doençaestá associada a uma mudança na preferên-cia de co-receptores, do CCR5 para oCXCR4, o que está associado à expansão dascélulas-alvo e a um prognóstico mais som-brio31. Segundo Ronald Veazey32, a maiorparte, senão a totalidade das estirpes de VIHe SIV, utiliza o receptor CCR5 para entrarnas células do hospedeiro, enquanto as estir-pes virais que ocorrem mais tarde, com aprogressão da doença, podem utilizar o re-

ceptor quimiocínico CXCR4, isolada ou con-juntamente com o CCR5. Este autor pre-coniza que é o estado de activação celular eo turnover das células T-CD4 nos tecidosmucosos que determinariam a progressão dadoença e a patogenia da SIDA. Um aspectoimportante neste contexto é a utilização pre-ferencial de determinado receptor a nível dostecidos, mais particularmente ao nível dasmucosas. Estudos recentes demonstram que,ao contrário das células T-CD4 do sangueperiférico e dos gânglios linfáticos que ape-nas expressam CCR5 numa percentagem de4% e 7%, respectivamente, não sendo porisso susceptíveis à infecção pelas estirpes R5;as da mucosa intestinal e da vagina expres-sam-no em elevados níveis (74% e 52%,respectivamente), o que pode explicar a pre-ferência do VIH por este receptor na trans-missão sexual da doença.O CXCR4 é outro dos co-receptores do VIHnecessário para a entrada celular de estirpesT trópicas, mas não M trópicas. Encontra-sepresente numa grande variedade de células,incluindo a maior parte das hematopoiéti-cas, as células vasculares endoteliais, os neu-rónios, etc.29. A alteração do gene do seu li-gando SDF1 (stromal cell derived factor) produzalterações no desenvolvimento embriológico,imune, circulatório e nervoso29, tendo sidoapontado como o co-receptor preferencialdos macrófagos alveolares na co-infecção tu-berculose/SIDA15.

O lavado broncoalveolarna infecção VIHHá cerca de 35 anos reuniu-se um conjuntode circunstâncias que viriam a fazer desta téc-nica acessória da broncofibroscopia um mé-todo de excelência para o estudo do pulmão

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Uma célula podeexpressar diferentesreceptoresquimiocínicosem diferentescircunstânciasfisiológicas

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profundo. Nessa época, os novos conheci-mentos acerca da imunidade humoral e ce-lular conduziram a comunidade científica acentrar o seu interesse na compreensão dosmecanismos de defesa do hospedeiro, sobre-tudo nos do aparelho respiratório, até entãobaseados fundamentalmente em modelosanimais. A possibilidade de aceder à celulari-dade pulmonar através dum método simplese seguro resultou de um dos avanços tecno-lógicos mais importantes da pneumologia –o desenvolvimento do broncofibroscópiopor S. Ikeda e colaboradores, no Japão. Comefeito, após a introdução da broncofibros-copia, quer nos EUA, quer na Europa, o la-vado broncoalveolar (LBA) foi usado ini-cialmente para a obtenção de macrófagosalveolares, em voluntários, para estudos fun-cionais, expandindo-se rapidamente à reco-lha de outros elementos celulares e ao estu-do dos componentes solúveis do líquido delavagem broncoalveolar (LLBA). A partirdestes e de outros trabalhos foi possível ob-servar o perfil imunológico da resposta dopulmão profundo a múltiplas agressões, cominteresse não só no diagnóstico, mas, igual-mente, na monitorização terapêutica e follow--up dos doentes. Assim, por exemplo: a pre-sença de neutrofilia no LLBA de indivíduosportadores de fibrose pulmonar idiopáticaconstituiria um factor de mau prognóstico;a pneumonite de hipersensibilidade encon-trar-se-ia associada a uma alveolite linfo-citária, sobretudo à custa dos linfócitos su-pressores; na sarcoidose, a alveolite estariafundamentalmente na dependência de linfó-citos CD4, com relações CD4/CD8 muitoelevadas no LLBA.Todos os estudos subjacentes a estes resul-tados sugeriam que a análise celular poderiaconstituir um meio de diagnóstico eficaz e,

certamente, menos invasivo do que a biópsia.De facto, nessa altura, a LBA era rotuladapelos adeptos desta técnica como uma ver-dadeira biópsia líquida, enquanto os menosentusiastas a consideravam equivalente a umamera contagem de células no sangue ou nolíquido cefalorraquidiano. A consagração dométodo só seria possível quando fosse viá-vel responder à seguinte questão: O perfilcelular do LLBA correlaciona-se com a al-veolite in situ, ou com as alterações paren-quimatosas e histopatológicas das biópsiasefectuadas simultaneamente e em áreas adja-centes, durante o procedimento? Esta ques-tão viria a ser ultrapassada; de facto, váriosinvestigadores puderam demonstrar que exis-tia uma boa correlação entre ambas as técni-cas33,34. Por outro lado, parece ser inques-tionável a circunstância desta técnica terpermitido a recolha de células pulmonares ede substâncias solúveis do líquido epitelialpara pesquisa, o que permitiu uma melhorcompreensão dos mecanismos de defesa lo-cais, dos componentes imunológicos envol-vidos na regulação da inflamação, fibrogé-nese, produção de surfactante e clearance, e,sobretudo, da notável cinética celular e daimportância do microambiente celular.O resultado de tão profícua e numerosa in-vestigação permite-nos hoje aceder melhorà interpretação imunopatogénica de muitasdoenças e lançar novos desafios no conheci-mento de outras. Neste contexto, a síndro-ma da imunodeficiência adquirida (SIDA)foi, desde o seu aparecimento, um motivode pesquisa, face às suas repercussões a ní-vel pulmonar. A série de acontecimentos queocorrem entre a infecção pelo VIH e o desen-volvimento de doenças respiratórias é com-plexo, prolongado e ainda não completamenteesclarecido. Subjacente a esses acontecimen-

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A LBA era rotulada (...)como uma verdadeirabiópsia líquida

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tos encontra-se a presença do vírus em todasas fases da doença, assim como a correlaçãoentre a diminuição de linfócitos T-CD4, oaumento da viremia e a emergência de infec-ções oportunistas. Desde as fases iniciais dadoença que foi possível avaliar o impactodesta infecção a nível pulmonar, detectan-do-se, logo na fase assintomática, a presençade uma alveolite linfócitária citotóxica e ob-servando-se um comportamento inverso re-lativamente à população CD438,14,36, que secrê constituir uma resposta imune adequadaàs células infectadas no pulmão e um marca-dor da elevada carga viral neste órgão36.Segundo Agostini14, a alveolite linfocitáriaé devida, sobretudo, à compartimentação delinfócitos citotóxicos que constituiriam aprincipal arma efectora da resposta imunepulmonar contra o VIH, prevenindo a suadisseminação no microambiente. Contudo,com o decorrer do tempo, os efeitos doVIH incluem um declínio progressivo daresposta citotóxica pulmonar (CTL) e aexaustão dessa actividade favorecedora daemergência de infecções oportunistas. Noestabelecimento da alveolite linfocitária es-tariam envolvidas citocinas, particularmen-te as derivadas dos macrófagos, como aIL15 e o α TNF, reguladoras da expressãode moléculas envolvidas na apresentaçãoantigénica APC/T, as quais iniciariam a pro-gressão do ciclo celular nos linfócitos resi-dentes; um segundo mecanismo teria porbase moléculas quimiotácticas, particular-mente as quimiocinas35.Por outro lado, o vírus é detectável nas célu-las do LLBA, nomeadamente nos macrófa-gos purificados e nos linfócitos alveolares34.Através da PCR-DNA, que reconhece os ví-rus latentes, 50 a 86% dos indivíduos infec-tados exibem o VIH nas células broncoal-

veolares, o que sugere que este agente exista,predominantemente, num estado latente nascélulas recolhidas pela LBA, pelo menos nosdoentes não afectados por infecções opor-tunistas37. Homer, utilizando a RT-PCR emLLBA de indivíduos infectados, em váriasfases da doença, encontrou uma correlaçãoestatisticamente significativa entre a percen-tagem de linfócitos citotóxicos e a carga vi-ral do LLBA, sobretudo nas fases iniciais eintermédias da infecção (CD4>500 cel/ml– inicial; CD4 entre 200-500 cel/ml – inter-média)36. Este autor refere ainda que nosdoentes em fase mais tardia da infecção ofenótipo predominante dos linfócitos é osupressor.Os macrófagos alveolares de doentes infec-tados revelam um aumento de antigéniosda classe II do MHC necessários para aapresentação do antigénio às células T, oque aumenta a sua capacidade nestes domí-nios e evidenciam, ainda, receptores de altaafinidade para a porção Fc da IgG, da IgE edo complemento, bem como uma elevadaexpressão de antigénios CD4, reflectindo,indirectamente, a presença na sua superfí-cie celular do receptor do VIH e o aumen-to da produção de citocinas IL1, IL6, IL8,γINF, TNF α, GM-CSF, MIP 1α (macrophageinflammatory protein). Estas citocinas desem-penham o seu papel no estabelecimento daalveolite: o TNF α , a IL1, a IL8 e a MIP1α podem promover directamente o recru-tamento e a activação de linfócitos, neutró-filos e monócitos e amplificar indirectamen-te a resposta inflamatória, estimulandooutras células, como os fibroblastos e ascélulas epiteliais, a libertarem factores qui-miotácticos ou moléculas de adesão; o TNFα favorece o contacto célula-célula no mi-croambiente pulmonar.

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O vírus é detectávelnas células do LLBA,nomeadamentenos macrófagospurificados e noslinfócitos alveolares

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ObjectivosA infecção VIH apresenta, entre outras carac-terísticas, uma grande variabilidade individual.Com efeito, tal como em outros processos in-fecciosos, é da interacção entre os complexosmecanismos do agente agressor e das defesasinatas ou adquiridas do hospedeiro que resul-tará o eclodir da doença ou a sua resolução.No caso particular da infecção VIH, porém,assistimos ao estabelecimento de um proces-so mais ou menos longo, que conduz à pro-gressiva destruição do sistema imunológicodo hospedeiro, processado através de umjogo de forças dinâmicas, nomeadamente anível celular (activação; diferenciação; proli-feração; libertação de mediadores; microam-biente químio e citocínico, etc.), que atinge atotalidade do organismo, adquirindo, no en-tanto, uma expressão particular a nível pul-monar, face, entre outros factores, à simul-tânea exposição desta região orgânica aomeio interno e ao ambiente exterior.Assim, a motivação deste trabalho dirige-se aum novo olhar sobre a dinâmica do processode defesa pulmonar, agora à luz de novas aqui-sições científicas que permitam uma melhorcompreensão da génese dessa variabilidade deresposta. Esta premissa, a ser confirmada, po-deria contribuir para relevantes implicaçõesclínicas, dado que o tratamento que já agora édirigido à estrutura e mecanismos da pene-tração celular do vírus passaria a ser adaptadoindividualmente ao conjunto de alterações queele produz no hospedeiro.Por isso, este trabalho teve como objectivoprincipal o estudo da variabilidade de algunsaspectos do envolvimento imunológico ce-lular do pulmão profundo durante a agres-são pelo VIH, na tentativa de contribuir paraum melhor conhecimento da dinâmica sub-jacente a estes mecanismos.

Material e métodos

MaterialEste estudo englobou um conjunto de 14doentes VIH1 positivos, 5 do sexo femininoe 9 do masculino, com uma média de idadesde 39,6 ± 14,3 anos (Quadro I), referencia-dos pelo Departamento de Doenças Infec-ciosas dos Hospitais da Universidade deCoimbra para realização de broncofibrosco-pia por suspeita clínica de infecção bronco-pulmonar oportunista.Posteriormente, este conjunto de doentesseria dividido e analisado em dois grupos;Grupo I, designado por diagnóstico recente;e o Grupo II, englobando os de diagnósticonão recente, pois, embora todos fossem por-tadores de SIDA, a amostra clínica era cons-tituída por indivíduos com infecções opor-tunistas de diagnóstico recente, nos quaisainda não tinha sido instituída terapêutica

Quadro I – Amostra médica

Doente Sexo Idade 1 F 29 2 M 38 3 F 41 4 M 60 5 M 33 6 M 36 7 F 37 8 M 76 9 F 4810 M 4111 F 2912 M 2413 M 3114 M 33

Med ± DP 9M; 5F 39,6 ± 14,3

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A motivação destetrabalho dirige-sea um novo olharsobre a dinâmicado processo dedefesa pulmonar

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anti-retroviral, enquanto o segundo grupoincluía doentes com doença mais prolonga-da, com vários episódios infecciosos opor-tunistas e tratamento anti-retroviral, paraalém de outros esquemas terapêuticos.

MétodosTodos os indivíduos, depois de expressaremo seu consentimento informado, foram sub-metidos a exame broncoendoscópico e aLBA, após anestesia local da orofarige e cor-das vocais com lidocaína a 2%, encontran-do-se os doentes sob monitorização cárdio--respiratória.Seguidamente à observação da árvore brôn-quica, procedeu-se ao encravamento do fi-broscópio num brônquio sub-segmentar,cuja localização foi variável, de acordo como local das alterações presentes na telerra-diografia do tórax; na ausência de lesões ra-diológicas localizadas, esta técnica foi apli-cada num dos brônquios subsegmentares dobrônquio lobar médio. Após encravamentodo fibroscópio, efectuou-se a instilação se-riada, através de seringa, de 60cm3 de sorofisiológico aquecido à temperatura corporal,num total de 180 cm3, após o que se proce-deu à sua aspiração, igualmente através deseringa. Considerou-se uma boa recolhaaquela em que se obteve 60%, ou mais, dosoro previamente instilado.Em 10 doentes foi efectuado um estudo imu-nológico do LLBA e do sangue para a deter-minação quantitativa das populações e subpo-pulações linfocitárias (CD3, CD4, CD8,CD19, CD56 e CD56CD8) e dos receptoresCCR5 L, CD4CCR5, CD8CCR5, CCR5Mo,CXCR4, CXCR4CD3, CXCR4CD14, CD28,CD28CD3, CD28CD4, CD28CD8, atravésde anticorpos monoclonais: CD8FITC,

CD19FITC, CD3PE, CD56PE, CD4PECY5– lymphogram “cytognos”, CCR5PE, CXCRFITC – R & D Systems, CD8Cy5 e CD3Cy5– DaKo, CD4PE, CD14PE, CD28FITC-Im-munotech; CD4FITC – CLB; CD8Percp –Beckton Dickinson e CD3 APC – BecktonDickinson.A leitura foi realizada num citómetro de fluxo(Facs Calibur - Beckton Dickinson) a 3 ou a 4fluorescências: FL1-FITC (fluoresceína); FL2-PE (ficoeritrina); FL3–PECY (ficoeritrina-ci-anina); FL4-APC (aloficocianina).Procedeu-se, em todos os doentes, à quanti-ficação das viremias plasmáticas do VIH, porPCR (polymerase chain reaction) de retrotrans-crição (PCR-RT) a partir de amostras desangue colhido em EDTA e, seguidamente,processadas (separação do plasma e conge-lamento a menos 80ºC, nas primeiras 4 ho-ras após a colheita).Em 9 doentes efectuou-se a quantificação doARN-VIH1 no LLBA através da PCR-RT. Nasprimeiras 4 horas depois da colheita, cada amos-tra foi centrifugada, e aliquotas do sobrenadan-te foram congeladas a menos 80ºC até à extrac-ção e amplificação dos ácidos nucleicos. Estaextracção foi efectuada por método automati-zado “Cobas Ampliprep/Cobas AmplicorHIV1 Monitor TM Test, version 1.5” RocheDiagnostic Systems (Branchburg, New Jersey,USA). Na amplificação dos ácidos nucleicos uti-lizaram-se dois métodos disponíveis em termoscomerciais – método padrão e ultra sensível dosistema “Cobas Amplicor HIV1 Monitor TMTest Version 1.5 Roche Diagnostic Systems”.Este método permitiu a amplificação de umasequência de 155 nucleótidos situada numa re-gião altamente conservada do gene gag do VIH1,limitada pelas sequências iniciadoras SK145 eSKCC1B, optimizadas para se obter um rendi-mento em termos de amplificação equivalente

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para todos (A-G) os subtipos do grupo M doVIH1. Os resultados foram observados na es-cala numérica, com uma variação dinâmica si-tuada entre as 50 e as 750 000 cópias de ARNdo VIH1/cm3 de amostra, tendo sido posterior-mente convertidos em escala logarítmica.Durante todo o procedimento foram acau-teladas medidas de anticontaminação.Para a análise estatística aplicou-se o teste tde Studant e o teste de correlação linear, uti-lizando-se para isso o programa computaci-onal disponível.

Resultados

Caracterização da amostra médicaA caracterização da amostra médica (Qua-dro II) revelou um conjunto de doentes apro-

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ximadamente homogéneo em relação aosparâmetros considerados, com excepção daidade. Com efeito, esta apresentava umamédia de 39,6±14,3 anos, mas com valoresque oscilavam entre os 29 e os 76 anos.Quanto aos outros, todos eram VIH1 posi-tivos, heterossexuais e não toxicodependen-tes; pelo que diz respeito ao sexo, 36% erammulheres e 64% homens, tendo-se verifica-do uma distribuição sobreponível dos hábi-tos tabágicos – 43% de fumadores e 57% denão fumadores.A avaliação clínica destes doentes (QuadroIII) permitiu verificar que todos referiamqueixas de acordo com a situação patológicae uma tradução imagiológica que justificavaa realização do exame broncoendoscópico.Entre os sintomas predominavam a febre ea expectoração purulenta, de acordo, aliás,

Quadro II – Caracterização da amostra médica

N.º doente Idade Sexo HS HT Tox Inf VIH 1 29 F Ht NF N VIH1 R 2 38 M Ht F N VIH1 NR 3 41 F Ht NF N VIH1 NR 4 60 M Ht NF N VIH1 R 5 33 M Ht F N VIH1 R 6 36 M Ht F N VIH1 NR 7 37 F Ht NF N VIH1 R 8 76 M Ht NF N VIH1 R 9 48 F Ht NF N VIH1 NR10 41 M Ht F N VIH1 R11 29 F Ht F N VIH1 NR12 24 M Ht NF N VIH1 R13 31 M Ht F Ex VIH1 R14 33 M Ht NF N VIH1 R14 39,6±14,3 9M 5F Ht 6F 8NF N VIH1 9R 5NR

HS – Hábitos sexuais; HT – Hábitos tabágicos; Tox – Toxicodependência; Inf VIH – Infecção VIH; R – Recente; NR – Não recente

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Quadro III – Avaliação clínica da amostra médica.

N.º Sintomas IDR Rx BFO Bact Imunodoente LBA LBA

PC +1 Candidíase oral e esofágica Neg. Padrão intersticial Inflamat. CMV - Sim

MICT -PC -

2 S. Febril; exp: purulenta Neg. Pleurite esq.; reforço broncovascular Inflamat. CMV - SimMICT -PC -

3 S. Febril; candidíase genital Neg. Reforço broncovascular Inflamat. CMV - SimMICT -

Inflamat. PC +4 S. Febril; exp: purulenta Neg. Padrão interstício nodular + Sec. Pur. CMV - Sim

MICT -

Candidíase oral; adenopatias cervicais, PC +5 emagrecimento Neg. Reforço broncovascular Inflamat. CMV - Sim

MICT -PC +

6 S. Febril; candidíase oral e esofágica Neg. Padrão intersticial Inflamat. CMV - SimMICT -

Tosse; exp: purulenta; adenopatias PC -7 cervicais; candidíase oral Neg. Reforço broncovascular Inflamat. CMV - Não

MICT +

S. Febril; tosse seca; candidíase oral; PC +8 emagrecimento Neg. Padrão intersticial Inflamat. CMV + Não

MICT +PC -

9 S. Febril; Exp: purulenta; tosse Pos. Infiltrado para hilar esq. Inflamat. CMV - NãoMICT +

Cefaleias; emagrecimento; PC -10 perda de equilíbrio Neg. Padrão reticular basal Inflamat. CMV - Não

MICT -PC -

11 S. Febril; tosse seca Neg Padrão intersticial Inflamat CMV - SimMICT -PC +

12 S. Febril; Exp: purulenta Neg Padrão intersticial Inflamat CMV - SimMICT -PC -

13 Tosse seca; febre Neg Reforço broncoalveolar Inflamat CMV - SimMICT +tPC -

14 S. Febril; tosse seca Neg Padrão intersticial Inflamat CMV + NãoMICT +t

IDR – Intradermo reacção à tuberculina; BFO – Broncofibroscopia; LBA – Lavado broncoalveolar: PC – Pneumocistis jiroveci; CMV – Citomegalovirus;MICT – Mycobacterium tuberculosis

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com a existência de uma infecção respirató-ria oportunista detectada pelo exame micro-biológico do LLBA e pelo aspecto inflama-tório da mucosa da árvore respiratória,observável em todos os indivíduos.No âmbito das alterações imagiológicas, do-minava um padrão intersticial, adstrito, na suamaioria, aos doentes com infecção por Pneu-mocystis jiroveci, seguido pelo reforço bronco-vascular, nos restantes. Como seria de espe-rar, o resultado da intradermo-reacção àtuberculina era generalizadamente negativo,com excepção do doente n.º 9.Quanto ao estudo das cargas virais (QuadroIV), dos seus resultados sobressaem, pela suarelevância, os seguintes aspectos: por umlado, a presença de vírus no LLBA, tradu-zindo a sua existência no pulmão profundo,naturalmente em quantidades inferiores àsdo sangue; por outro, a enorme variabilida-de dessas cargas, tanto no sangue como noLLBA, independentemente do período detempo mediado entre o diagnóstico e a rea-lização do exame.

Do estudo imunológico no sanguee no LLBAA avaliação sanguínea, em valores absolu-tos, das principais populações e subpopula-ções linfocitárias (Quadro V), efectuada emtreze doentes, mostrou uma acentuada que-da, tanto dos linfócitos totais como das suaspopulações e subpopulações, mais expressi-vamente nas células T-CD4. Apenas em2 casos (doentes n.os 12 e 13) esta subpo-pulação ultrapassava as 250 células/mm3, eem 42,9% dos doentes era inferior a 50 célu-las/mm3. Igualmente a população CD19 re-velaria níveis muito inferiores ao normal,com uma distribuição individual aparente-mente equivalente à da subpopulação CD4.

Também na maior parte dos casos as taxasmais baixas de células CD8 correspondiamaos valores mais diminutos da subpopulaçãoCD4 e CD19 (doentes n.os 7 e 8).O estudo das populações e subpopula-ções linfocitárias no LLBA, realizado em10 dos 14 doentes (Quadro VI), revelou umadistribuição percentual semelhante à que foiobservada no sangue (Quadro VII) em rela-ção às células CD3, CD19, CD4 e CD8,embora no LLBA a percentagem de linfóci-tos T fosse superior neste meio, em relaçãoao sangue (94,5±5/84,1±10,4), ao contráriodo que se verificou com os linfócitos B(2,2±3/10,4±9,6); também no LLBA existiauma percentagem mais elevada de linfócitosT-CD8 (77,7±17,6/67,6±4,2), o que se nãoobservou com as células T-CD4 (8,1±9,5 noLLBA vs. 10,4±9,6 no sangue).

Quadro IV – Cargas virais

N.º doente Sangue LLBA 1 718 000 1010 2 4 110 106 3 685 000 654 4 787 000 2620 5 2 090 000 137 6 680 000 – 7 2 300 000 49 8 621 000 49 9 84 100 15310 1 880 000 317011 546 000 –12 1 000 000 –13 41 600 –14 14 200 –

Med ± DP 769 490 ± 793 871 883 ± 1 1945,89 log ± 5,90 log 2,95 log ± 3,08 log

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A actividade natural killer (NK), marcada pelascélulas T-CD56, com importantes variaçõesindividuais nos dois meios biológicos, expres-sava-se em níveis mais elevados no sangue(9,1±8) do que no LLBA (2,9±1,9). Quanto àactividade citotóxica, avaliada através das célu-las CD56 CD8, era, em média, similar no LLBA(1,7±1,2) e no sangue (2,2±2), parecendo, noentanto, que a distribuição individual se apre-sentava mais homogénea no primeiro destesmeios (Quadro VI) do que no segundo (Qua-dro VII). As células duplamente negativas (DN)apresentavam-se em valores ligeiramente maiselevados no LLBA (7,6±4,5 vs. 5,6±5,3).Curiosamente, e ao contrário do que se passa-va no sangue, no LLBA destacava-se um con-junto de células da linha monocítico-macro-fágica em vias de diferenciação que emtermos médios atingia uma percentagem de13 ±13,6 (Quadro VI).

A análise dos receptores celulares CCR5e CXCR4 evidenciaria, em termos globais emédios, comportamentos diferentes entre sie em relação aos meios biológicos em queforam determinados (Quadros VI e VII).Assim, o CCR5 adstrito à totalidade dos lin-fócitos T era mais abundante no sangue(10,9±13,2) do que no LLBA (8,4±3,5); noentanto, o CCR5 ligado às células T-CD4 eCD8 encontrava-se em maior percentagemno LLBA do que no sangue (2±2,3 e4,9±3,7/0,9±0,7 e 4,1±4,0, respectivamen-te). Já em relação aos valores deste receptornos monócitos/macrófagos, a disparidade devalores atingidos nos dois meios considera-dos era muito acentuada (77,8±41 no LLBAvs. 18,7±15 no sangue).Ao contrário do CCR5, a expressão doCXCR4 total era mais elevada no LLBA(31±19,9) do que no sangue (16,48,1), e esta

Quadro V – Populações e subpopulações linfocitárias no sangue (valores absolutos)

N.º doente Linf. totais CD19 CD3 CD4 CD8 1 1800 64 1584 108 1476 2 700 35 658 126 539 3 1200 12 1092 12 816 4 1700 204 1292 17 1173 5 500 15 440 40 400 6 – – – – – 7 100 8 73 8 66 8 100 6 86 8 77 9 1500 195 1260 225 94510 700 98 476 42 41311 1000 110 850 110 70012 800 24 568 256 32813 800 104 704 320 38414 500 5 420 80 330

Med ± DP 877 ± 548 68 ± 70 731 ± 465 104 ± 103 588 ± 418

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tendência manifestava-se igualmente em rela-ção aos linfócitos T (26,6±19,8 vs. 10,7±7,6)e à linha monocítica/macrofágica, neste casoexuberantemente (84,5±30,2/4,8±4,6).A avaliação da co-estimulação efectuadaatravés da marcação CD28 mostrou-se su-

Quadro VI – Valores das populações e subpopulações linfocitárias e receptores no LLBA (%)

Casos CD3 CD4 CD8 CD19 CD56 DN CD56 CCR5 CD4 CD8 CCR5CD8 CCR5 CCR5 Mo

1 95,2 4 80,5 0,4 3,8 10,9 1,8 5,7 1,3 4 98,1 2 86,5 22 54 5,6 5,6 4 4 9,8 8,2 1,6 0 3 97,6 0,1 89,7 1,4 1 7,8 0,6 3 0,2 2,5 95,8 4 95,8 0,3 91,3 2,8 1,3 4,1 0,8 12,2 0,2 10,5 97 5 98,1 5,2 81,2 0,5 1,4 10,1 0,8 12,7 2,7 9,2 94,3 6 98,7 0,9 93 0 1,3 5,2 0,8 8,5 0,8 0 0 7 96,3 1,9 91,2 0 3,6 2,4 2 7,8 0,9 5,3 99,5 8 84,7 27,4 39,4 9,1 5,9 17,6 2,9 8,3 2,6 4,1 99,5 9 93 9,8 76,8 1,7 4 5,3 2,9 3,6 1,2 2,1 96,410 98,6 9,7 79,9 0,3 1,1 8,7 0,7 12,6 1,9 10 97

Med 94,5 8,1 77,7 2,2 2,9 7,6 1,7 8,4 2,0 4,9 77,8DP 5,0 9,5 17,6 3,0 1,9 4,5 1,2 3,5 2,3 3,7 41,0

Casos CxCR4 CxCR4 CxCR4 Cel. CD28 CD28 CD28 CD28CD3 CD14 - Dif CD3 CD4 CD8

1 11,7 10,4 98,8 31,2 4,9 4,3 1,9 2,3 2 75,3 66,4 99,4 1,7 20,8 15,1 8,5 5,7 3 21,4 19,4 85,2 11,7 12,5 10,4 0,1 9,5 4 15,3 13,4 85,7 11,9 17,1 15,3 0 14,8 5 17,5 15 89 25,8 17,7 15,6 2,3 13,3 6 16,2 0 0 0 0 0 0 0 7 43,6 41,7 99,6 1,9 23,3 21,3 1,5 19 8 41,6 39 97,3 1,5 7,4 30,1 4,6 4,5 9 43,6 41,6 95,4 7,3 20,3 18,8 3,7 13,610 23,3 22,4 94,4 37 34,6 34,2 5,9 25,5

Med 31,0 26,9 84,5 13,0 15,9 16,5 2,9 10,8DP 19,9 19,8 30,2 13,6 10,1 10,5 2,8 8,0

perior no sangue (22,8±16,2) em relaçãoao LLBA (15,9±10,1); esta tendência man-tinha-se a nível das células T totais, dosCD4 e dos CD8 (22,516,7; 7,8±8,3;13,3±8,3/16,5±10,5; 2,9±2,8; 10,8±8, res-pectivamente).

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Quadro VII – Valores das populações e subpopulações linfocitárias e receptores no sangue (%)

Casos CD3 CD4 CD8 CD19 CD56 DN CD56 CCR5 CD4 CD8 CCR5CD8 CCR5 CCR5 Mo

1 89 4,8 81,3 2,1 8,9 2,1 1,9 3 0,4 2,3 8,3 2 89,8 19,5 69,6 9,3 0,7 0,6 0 1,8 0,7 0,9 7,1 3 89,6 0,1 70,5 2,5 7,6 19,2 1,9 3,1 0 1,9 10 4 65,5 1,7 57,8 23,1 11,3 6,1 1,7 27,3 1,9 11 15,5 5 86,9 4,2 81,4 2,3 10,7 1,2 2,8 6,3 0,8 4,8 8,6 6 85,1 5 74,7 7,2 7,8 5,6 1,8 41,2 1,8 0 58,2 7 88,2 7,5 75,5 7,8 4 5 1,6 5,2 0,1 3,5 17,4 8 64,5 17,3 38,5 5,8 29,4 8 7,6 3 0,5 2,6 20,3 9 86,7 30,3 50,5 4,1 8,9 3,6 1,7 4 1,1 2,6 17,510 95,4 13,8 76,5 2,3 2,1 4,9 1,2 14,2 1,8 11,7 24

Med 84,1 10,4 67,6 6,7 9,1 5,6 2,2 10,9 0,9 4,1 18,7DP 10,4 9,6 14,2 6,3 8,0 5,3 2,0 13,2 0,7 4,0 15,0

Casos CxCR4 CxCR4 CxCR4 Cel. CD28 CD28 CD28 CD28CD3 CD14 - Dif CD3 CD4 CD8

1 10,3 9,5 3,3 – 8 7,9 3,3 4,5 2 21,5 18,2 5,8 – 34,5 35,5 13,1 22,1 3 6,8 5 4 – 12,4 12 0,3 8,9 4 18,6 5,5 2,5 – 15,3 13,4 1,5 11,5 5 10,3 8,6 1,9 – 11,6 11 2 8,7 6 21,9 0 16,9 – 0 0 0 0 7 21,9 17,3 2,1 – 30,6 30,4 5,9 22,6 8 31,3 25 0,6 – 40,1 37,7 14,6 20,9 9 5,6 4,9 5,3 – 51,9 54,2 25,5 23,210 15,8 13,4 5,3 – 23,2 22,9 11,5 10,9

Med 16,4 10,7 4,8 – 22,8 22,5 7,8 13,3DP 8,1 7,6 4,6 – 16,2 16,7 8,3 8,3

DiscussãoNo âmbito da discussão dos resultados, jul-gamos dever assinalar, em primeiro lugar, acircunstância de eles corresponderem a umaamostra médica que desejaríamos mais re-presentativa, o que se não verificou, na de-

pendência de dois factos: por um lado, deapenas podermos dispor de doentes referen-ciados ao Departamento de Ciências Pneu-mológicas e Alergológicas pelo Serviço deDoenças Infecciosas com um quadro clíni-co que necessitasse, para seu esclarecimen-

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to, de um exame broncoendoscópico; poroutro, da diminuição do número de interna-mentos e de patologia respiratória oportu-nista, face à aplicação dos novos esquemasterapêuticos (HAART).No entanto, apesar de a caracterização e ava-liação clínica da amostra médica (QuadrosII e III) demonstrarem uma relativa homo-geneidade do conjunto dos indivíduos estu-dados, verificou-se, em relação aos parâme-tros aplicados na investigação dirigida àspopulações e subpopulações linfocitárias ereceptores celulares, a presença de uma rele-vante variabilidade individual dos resultados,tanto no LLBA como no sangue (QuadrosVI e VII), dando a sensação de que as múlti-plas alterações verificadas impedem a forma-ção de conjuntos homogéneos, face aos nu-merosos factores envolvidos na resposta dopulmão profundo à infecção VIH.Por isso nos interrogamos sobre se o alarga-mento da amostra médica, em circunstân-cias habituais sempre desejável, viria a alte-rar substancialmente o espectro de resultadoscorrespondentes a este trabalhoA acentuada queda dos linfócitos totais, as-sim como das suas populações e subpopula-ções, tanto no LLBA como no sangue, e queatingiam marcadamente as células T-CD4,está de acordo com os resultados obtidos poroutros autores38,40,41,42,43,44. Curiosamente, ape-sar da enorme variabilidade detectada nosvalores das cargas virais (Quadro IV), tantono sangue como no LLBA, aos níveis de T-CD4 mais baixos nestes meios biológicoscorrespondiam as maiores cargas virais, exis-tindo uma correlação entre as cargas viraise os elementos celulares considerados(p=0,005 para os linfócitos totais; p=0,05para os CD19; p=0,004 para os CD3; p=0,01para os CD4 e p=0,007 para os CD8). Já em

relação às infecções respiratórias oportunis-tas, não nos pareceu que se encontrassemdependentes dos níveis virais no LLBA. Aoanalisar as cargas virais do LLBA em funçãodo tempo decorrido entre o diagnóstico e oexame broncoendoscópico, podemos cons-tatar que à maioria dos doentes mais recen-tes correspondiam as maiores cargas viraisno LLBA, à semelhança do que ocorria nosangue periférico (Quadros II e IV).O pulmão profundo destes doentes apresen-tava uma percentagem de linfócitos T e dasubpopulação CD8 superior à do sangue, aocontrário do que ocorria com a subpopula-ção CD4, embora menos expressivamente,mas ambos em valores extremamente dimi-nuídos, em oposição ao que se verificava comos linfócitos B, que predominavam nitida-mente no sangue (Fig.1).Ainda na Fig 1, pode-se reconhecer que aactividade natural killer era significativamen-te (p=0,01) mais elevada no sangue do queno pulmão, onde apresentava valores extre-mamente diminuídos e, quanto à actividadecitotóxica, esta encontrava-se muito reduzi-da nestes meios biológicos (Fig. 1). Assina-la-se, por isso, a queda acentuada destes doismecanismos de defesa a nível pulmonar, in-dependentemente das cargas virais e do tem-po de infecção. Assim, os baixos níveis decélulas T-CD4 e T-CD8 com expressão ci-totóxica poderiam ter contribuído para aocorrência das infecções oportunistas queatingiram a maioria destes doentes.Por outro lado, a depleção linfocitária verifi-cada a nível do pulmão profundo poderá jus-tificar a diminuta expressão das actividadesreguladora e supressora das subpopulaçõesCD4 e CD8 ligadas à molécula de co-estimu-lação CD28, as quais, aliás, se apresentavamligeiramente mais elevadas no sangue (Fig. 2).

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Tanto no sanguecomo no LLBA, aosníveis de T-CD4mais baixos nestesmeios biológicoscorrespondiam asmaiores cargas virais

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Fig.1 – Distribuição das populações e subpopulações linfocitárias no LLBA e no sangue. (* p<0,03; # p< 0,01; ## p<0,003)

Fig. 2 – Expressão do factor co-estimulatório CD28 no LLBA e no sangue. (* p<0,02).

Assim, a diminuta expressão do receptorCCR5 nas subpopulações CD4 e CD8 pre-sentes no aparelho respiratório destes doen-tes poderá estar dependente do reduzido nú-

mero destes elementos celulares, eventual-mente de acordo com uma fase avançada dadoença (Fig. 3); pelo contrário, nas células dalinha monocítico/macrofágica, este receptor

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abundava expressivamente e em percenta-gens muito superiores às detectadas no san-gue (Fig. 3).A presença de tão elevada percentagem daexpressão do receptor CCR5 neste grupocelular a nível do aparelho respiratório(77,8±41%) coincide com as descrições deinvestigações similares32 efectuadas noutrosórgãos mucosos, como o intestino (74%) evagina (52%) vs sangue (4%) e gânglio linfá-tico (7%), traduzindo a sua grande sensibili-dade para os territórios de grande replica-ção do VIH.Quanto à expressão do receptor CXCR4,sempre mais acrescida no pulmão (Fig. 4),encontrava-se em percentagens bastante maiselevadas do que o CCR5, tanto nos linfóci-tos T como nas células monocítico/macro-fágicas, neste último caso com diferenças sig-nificativas (p<0,005) em relação ao sangue.Parece, assim, que existe um tropismo viralpara os receptores CCR5 e CXCR4, poden-do o VIH utilizar qualquer deles.

Face aos resultados apresentados, e nesta faseda doença, os monócitos e os macrófagosdo pulmão profundo, para além de consti-tuírem um poderoso reservatório, assumemum importante papel na defesa deste terri-tório, demonstrada, em todos os doentes,pela expressiva activação detectada por au-tofluorescência, como se pode reconhecer,a título exemplificativo, no Caso n.º 1 (Fig. 5).Aliás, se distribuirmos os doentes por doisconjuntos em função da antiguidade da suainfecção, determinada pelo espaço de tem-po que decorreu entre o diagnóstico deSIDA e a realização deste estudo – con-junto I (doentes n.º 1, 4, 5, 8,9 e 10 – diag-nóstico recente) e conjunto II (doentes n.º2, 3, 6 e 7 – diagnóstico não recente), po-demos reconhecer que, apesar dos condi-cionalismos que rodeiam esta amostramédica e da notória variabilidade indivi-dual, o comportamento dos receptores ce-lulares CCR5 e CXCR4 parece tendencial-mente ligado à fase evolutiva da doença.

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Fig. 3 – Expressão do receptor CCR5 no LLBA e no sangue. (* p<0,002).

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Fig. 4 – Expressão do receptor CXCR4 no LLBA e no sangue. (* t=2,5; p<0,02; ** t=3,3; p<0,005; *** t=7,3, p<0,00002)

Fig. 5 – Autofluorescência,determinada por citometriade fluxo, das células da li-nha monocítica/macrofágicaque expressavam recepto-res CCR5 e CXCR4, corres-pondente ao doente n.º 1.

CCR5

CXCR4

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Assim, o CCR5 ligado à linha celular mo-nocítica-macrofágica dos indivíduos recen-temente diagnosticados (Fig. 6) encontra-va-se larga e significativamente expandido

no pulmão profundo em relação ao san-gue (p<0,000002), em níveis muito supe-riores aos detectado no LLBA das infec-ções mais antigas (Fig. 7).

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Fig. 6 – Expressão do receptor CCR5 no LLBA e no sangue do conjunto I (diagnóstico recente). (* t=34,1; p<0,000002).

Fig. 7 – Expressão do receptor CCR5 no LLBA e no sangue do conjunto II (diagnóstico não recente).

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Curiosamente, a sua evolução no sangue pro-cessou-se em termos opostos (Figs. 6 e 7),parecendo aumentar neste meio à medida quediminuía no LLBA.

Já a expressão do receptor CXCR4, igual-mente elevada nos monócitos/macrófagosdo LLBA, em valores significativamente(p<0,0000001) muito superiores aos do san-

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Fig. 8 – Expressão do receptor CXCR4 no LLBA e no sangue do conjunto I (diagnóstico recente). (* t=43,4; p<0,0000001)

Fig. 9 – Expressão do receptor CXCR4 no LLBA e no sangue do conjunto II (diagnóstico não recente). (* t=2,4; p<0,05)

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gue (Fig. 8), diminuía muito mais lentamen-te no pulmão profundo com a progressãoda doença (Fig. 9).Por outro lado, também em relação ao re-ceptor CXCR4 ligado aos linfócitos T, sem-

pre em maiores percentagens no LLBA doque no sangue (Figs. 10 e 11), se viria a reco-nhecer uma tendência evolutiva inversa, comníveis mais elevados no LLBA dos doentescom infecção mais antiga (Figs. 8 e 9).

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Fig. 10 – Populações e subpopulações linfocitárias no LLBA e no sangue do conjunto I (diagnóstico recente).

Fig. 11 – Populações e subpopulações linfocitárias no LLBA e no sangue do conjunto II (diagnóstico não recente).

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Estes dados parecem sugerir que, em relaçãoaos receptores investigados, aquele que maisse exprime nas células da linha monocítica//macrofágica, e, em menor percentagem, noslinfócitos T do pulmão profundo, ao longoda afecção, é o CXCR4. Com efeito, nas fasesevolutivas avaliadas, esta dinâmica dos recep-tores celulares poderá ter várias explicações,tanto na dependência de eventuais mutaçõesvirais, como de prováveis alterações celularesna expressão de receptores, induzida pelo pro-cesso inflamatório crónico dependente da in-fecção VIH, ou da acção do tratamento re-troviral, o qual, aliás, não tinha sido aindaaplicado aos doentes do conjunto I. A esteprocesso não deverá ser indiferente o acelera-do turnover monocítico/macrofágico do pul-mão profundo, desencadeado, ao que tudoindica, por citocinas moduladoras do proces-so inflamatório, responsável por uma expres-são destes elementos celulares neste territó-rio orgânico, traduzida por uma alveolitemacrofágica detectada por Fontes Baganha,Meliço Silvestre e Santos Rosa, entre outros,desde a fase assintomática da doença38.Os resultados obtidos parecem reforçar aideia de que, com a progressiva queda doslinfócitos T, fundamentalmente dos CD4, oselementos da linha monocítica/macrofágicaassumir-se-iam como as primeiras célulasefectoras inatas de combate à infecção VIHno pulmão profundo.Por outro lado, em qualquer dos conjuntosconsiderados, a actividade natural killer ecitotóxica pulmonar encontrava-se profun-damente diminuída, enquanto no sangueparecia cair com a progressão da doença(Figs. 10 e 11), pressagiando um prognósti-co sombrio.A progressiva diminuição no território pul-monar das células duplamente negativas (au-

sência dos receptores α-β e γ-δ) (Figs. 10 e11) poderá significar uma queda da percenta-gem de células indiferenciadas ou de elemen-tos celulares que endocitaram receptores sobo efeito da infecção VIH. Curiosamente, as-sistia-se, no sangue, a uma evolução inversada dinâmica destas células (Figs. 10 e 11).Por último, uma referência ao papel desem-penhado neste contexto pelas infecçõesoportunistas, já que também os seus agentesou o processo inflamatório por eles desen-cadeado, ao modificarem o microambientecelular, poderão alterar, a par do aumentoda replicação viral, a utilização de receptorescelulares pelo VIH, através da produção oudiminuição de determinados grupos citocí-nicos, como o assinalaram Israël-Biet, emrelação ao Pneumocystis jiroveci 39, e Hyoshihi-ko Hoshint ao Mycobacterium tuberculosis 15.

Conclusões1. A infecção VIH desencadeia no pulmão

profundo, como em muitos outros órgãosimportantes, extensas e diversificadas per-turbações dos mecanismos de defesa.

2. Os factores envolvidos nesta luta são detal forma numerosos, tanto em relação aoagente agressor como ao hospedeiro (es-tirpe viral, porta de entrada, elementosenvolvidos na resposta imunitária, actua-ção de uma complexa rede de citocinas ede outros mediadores, actividades naturalkiller e citotóxica, expressão de diferentesreceptores celulares, apoptose, eventualpresença de patologia oportunista – infec-ciosa ou de outra natureza – resposta te-rapêutica, etc.) que dificulta a disponibili-dade de amostras médicas homogéneasquando se pretende conduzir uma inves-tigação nestes domínios. Este circunstan-

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cionalismo vê-se ainda agravado pelas dis-posições de ordem ética que impõem, na-turalmente, acentuadas restrições à abor-dagem destes doentes com finalidadesexclusivamente científicas.

3. Entretanto, julgamos poder afirmar, faceaos resultados apresentados, que estesapontam tendencialmente para uma res-posta pulmonar à agressão VIH com ca-racterísticas de compartimentação, confe-rida essencialmente, entre outros factores,pela dinâmica dos elementos celularesenvolvidos e dos respectivos receptores,com estes últimos a revelarem expressõesdistintas em função do meio biológico.Neste contexto, a compartimentação daresposta do pulmão profundo encontra--se particularmente dependente da activi-dade dos macrófagos alveolares, os quaisconstituem, desde muito cedo, a peça gira-tória destes fenómenos e representam oúltimo mecanismo celular de defesa nestaregião orgânica, quando todos os outrosse encontram fortemente afectados.

4. Por outro lado, parece que o conhecimen-to da dinâmica dos receptores celularesestudados, em relação aos quais este tra-balho constitui um modesto contributo,fará acalentar fundamentadas esperançasna utilização terapêutica do seu bloqueio,na medida em que já foi demonstrado quea sua aplicação ao receptor CCR5 não de-sencadeia o perigo de constituição de vari-antes do VIH para o receptor CXCR445,46,o que poderá depender dos resultados queobservámos quanto ao comportamentodestes receptores; de facto, enquanto nopulmão profundo o CXCR4 permaneceuconsistentemente elevado nas células mo-nocítico-macrofágicas ao longo da infec-ção e aumentava a sua expressão nos lin-

fócitos-T com a progressão da doença,o CCR5 revelou um comportamentooposto, no LLBA, caindo substancialmenteao longo da infecção, mas, contrariamen-te ao CXCR4, aumentava a sua expressãono sangue com o decurso do quadro pa-tológico.

5. Dada a elevada coexistência de infecçõesoportunistas nestes doentes (71,4%), nãopodemos descartar a hipótese de este pre-domínio da expressão CXCR4 se dever auma modulação induzida por estes ger-mes oportunistas ou, eventualmente, terorigem em reinfecções por estirpes quepredominantemente o utilizem.

6. Finalmente, a expressão de uma tão acen-tuada variabilidade individual não deixaráde acarretar importantes ilações clínicas.De facto, nestas circunstâncias, cada casoparece apontar para a necessidade de odoente respectivo ser analisado individual-mente em relação aos principais parâme-tros estudados, atitude indispensável à apli-cação de uma correcta terapêutica.

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