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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 46 (2.691) Cidade do Vaticano terça-feira 17 de novembro de 2020 Não nos deixemos contagiar pela indiferença O Papa Francisco celebrou o Dia mundial dos pobres NESTE NÚMERO Pág. 2: O Papa Francisco cele- brou o Dia mundial dos pobres; pág. 3: Audiência geral de quar- ta-feira; pág. 4: Publicado o rela- tório sobre McCarrick elaborado pela Secretaria de Estado por mandato do Papa; pág. 5: Decla- ração do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin; págs. 6/7: O cardeal Hollerich sobre a “Fratelli tutti”, por Andrea Mon- da; Exposição inaugurada no Museu do Dinheiro em Lisboa — Coisas nunca vistas, por José To- lentino Mendonça; pág. 8: Arte- sãs da reconciliação, por Anna Pozzi; pág. 9: Rumo à transfe- rência da gestão dos fundos fi- nanceiros da Secretaria de Esta- do para a Apsa; Beatificação de Joan Roig i Diggleem em Barce- lona; pág. 10: Mensagem para a festa do Deepavali de 2020; Ví- deo com a intenção de oração do Papa para o mês de novem- bro; pág. 11: Informações; Beati- ficação de Michael McGivney em Hartford; pág. 12: Angelus de domingo. A coragem necessária neste tempo de incerteza CONTINUA NA PÁGINA 12 ANDREA MONDA Kalòs kìndinos, repetia a antiga sa- bedoria grega: “O perigo, o risco, é belo”. À sua maneira, também o Papa Francisco repetiu este concei- to ontem de manhã, comentando a parábola dos talentos: «Servos bons, no Evangelho, são aqueles que arriscam. Não se mostram exa- geradamente cautelosos e precavi- dos, não conservam intacto o que receberam, mas usam-no. Com efeito o bem, se não se investir, perde-se, já que a grandeza da nos- sa vida não depende de quanto amealhamos, mas do fruto que pro- duzimos. Quantas pessoas passam a vida só a acumular, pensando mais em estar bem do que em fazer o bem! Como é vazia, porém, uma vida que se preocupa das próprias necessidades, sem olhar para quem tem necessidade! Se temos dons, é para nós sermos dom para os ou- tros. [...] Arriscar: não há fidelida- de sem risco. Ser fiel a Deus é gas- tar a vida». Portanto, Kalòs kìndinos. Mas desde os tempos antigos até aos nossos dias algo aconteceu, ao lon- go do caminho tortuoso do pensa- mento, tanto o “alto”, filosófico, como o “baixo”, o pensamento co- mum. A verdade é que hoje o “dogma” vencedor é o da certeza e da segurança de que São Paulo fala na carta aos Tessalonicenses, citada pelo Papa: «E quando disserem: “Paz e segurança”, sobrevir-lhes-á repentinamente a destruição, como as dores à mulher grávida. E nin- guém escapará». O texto bíblico e o Papa advertem contra a ilusão desta atitude que evita a emoção do risco em nome da certeza ani- madora, mas não há nada a fazer: no Ocidente florescente, saudável e seguro do pós-guerra o único pen- samento dominante é aquele que identifica a verdade com a certeza, de modo que a única dimensão que tem o direito de poder dizer a “verdade” é a científica. Quem fre- quenta as salas de aula, depois de poucos dias pode fazer esta sim- ples observação: para as jovens ge- rações, “verdadeiro” é igual a certo, seguro, experimentável, reproduzí- vel. Assim, desvanece até o concei- to de “certo”, que é inevitavelmen- te confundido com o de “correto” ou, pior, de “legal”. O legalismo de quem procura seguranças para evi- tar riscos já estava presente na épo- ca de Jesus e ainda hoje esta atitu- de ganha raízes entre os cristãos. Também por este motivo, ontem, na sua homilia, o Papa voltou a advertir contra a tentação de «se colocar na defesa, prendendo-se apenas à observância das regras e ao respeito dos mandamentos. Aqueles cristãos “comedidos” que nunca dão um passo fora das re- gras; nunca, porque têm medo de arriscar. E – permiti-me a imagem – as pessoas que estão de tal modo atentas a si mesmas que nunca ar- riscam... começam na vida um pro- cesso de mumificação da alma, e acabam como múmias. Isto não basta! Não basta observar a regras; a fidelidade a Jesus não consiste apenas em não cometer erros!». Contudo, pelo menos aparente- mente, hoje em dia o pensamento vencedor é precisamente este: ver- dadeiro igual a certo. Um pensa- mento que quiser separar-se desta redução do conceito de verdade, como na Itália, por exemplo, o do professor Silvano Petrosino, da Universidade Católica, terá muita dificuldade em propagar-se. Para o professor milanês, a sabedoria anti- ga, e a bíblica em particular, tem um conceito muito mais amplo de verdade, que não coincide com a certeza mas com a fecundidade (que não é a mesma coisa que ferti- lidade). E é precisamente a parábo- la dos talentos que o demonstra. O servo “mau” tem medo do risco, das incertezas dos mercados, e agarra-se à única certeza que pensa possuir, aquele único talento que lhe foi concedido pelo seu senhor (que lho deu, investindo nele). E a sua “não-escolha” permanecerá ine-

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  • Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

    L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

    Unicuique suum

    EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

    Ano LI, número 46 (2.691) Cidade do Vaticano terça-feira 17 de novembro de 2020

    Não nos deixemoscontagiarpela indiferença

    O Papa Francisco celebrou o Dia mundial dos pobres

    NESTE NÚMEROPág. 2: O Papa Francisco cele-brou o Dia mundial dos pobres;pág. 3: Audiência geral de quar-ta-feira; pág. 4: Publicado o rela-tório sobre McCarrick elaboradopela Secretaria de Estado pormandato do Papa; pág. 5: Decla-ração do cardeal secretário deEstado Pietro Parolin; págs. 6/7:O cardeal Hollerich sobre a“Fratelli tutti”, por Andrea Mon-da; Exposição inaugurada noMuseu do Dinheiro em Lisboa —Coisas nunca vistas, por José To-lentino Mendonça; pág. 8: Arte-sãs da reconciliação, por AnnaPozzi; pág. 9: Rumo à transfe-rência da gestão dos fundos fi-nanceiros da Secretaria de Esta-do para a Apsa; Beatificação deJoan Roig i Diggleem em Barce-lona; pág. 10: Mensagem para afesta do Deepavali de 2020; Ví-deo com a intenção de oraçãodo Papa para o mês de novem-bro; pág. 11: Informações; Beati-ficação de Michael McGivneyem Hartford; pág. 12: Angelusde domingo.

    A coragemnecessária neste

    tempo de incerteza

    CO N T I N UA NA PÁGINA 12

    ANDREA MONDA

    Kalòs kìndinos, repetia a antiga sa-bedoria grega: “O perigo, o risco, éb elo”. À sua maneira, também oPapa Francisco repetiu este concei-to ontem de manhã, comentando aparábola dos talentos: «Servosbons, no Evangelho, são aquelesque arriscam. Não se mostram exa-geradamente cautelosos e precavi-dos, não conservam intacto o quereceberam, mas usam-no. Comefeito o bem, se não se investir,perde-se, já que a grandeza da nos-sa vida não depende de quantoamealhamos, mas do fruto que pro-duzimos. Quantas pessoas passama vida só a acumular, pensandomais em estar bem do que em fazero bem! Como é vazia, porém, umavida que se preocupa das própriasnecessidades, sem olhar para quemtem necessidade! Se temos dons, épara nós sermos dom para os ou-tros. [...] Arriscar: não há fidelida-de sem risco. Ser fiel a Deus é gas-tar a vida».

    Portanto, Kalòs kìndinos. Masdesde os tempos antigos até aosnossos dias algo aconteceu, ao lon-go do caminho tortuoso do pensa-mento, tanto o “alto”, filosófico,como o “baixo”, o pensamento co-mum. A verdade é que hoje o“dogma” vencedor é o da certeza eda segurança de que São Paulo falana carta aos Tessalonicenses, citadapelo Papa: «E quando disserem:“Paz e segurança”, sobrevir-lhes-árepentinamente a destruição, comoas dores à mulher grávida. E nin-guém escapará». O texto bíblico eo Papa advertem contra a ilusãodesta atitude que evita a emoçãodo risco em nome da certeza ani-madora, mas não há nada a fazer:no Ocidente florescente, saudável eseguro do pós-guerra o único pen-samento dominante é aquele queidentifica a verdade com a certeza,de modo que a única dimensãoque tem o direito de poder dizer a“v e rd a d e ” é a científica. Quem fre-quenta as salas de aula, depois depoucos dias pode fazer esta sim-ples observação: para as jovens ge-rações, “v e rd a d e i ro ” é igual a certo,seguro, experimentável, reproduzí-vel. Assim, desvanece até o concei-to de “certo”, que é inevitavelmen-te confundido com o de “c o r re t o ”ou, pior, de “legal”. O legalismo dequem procura seguranças para evi-tar riscos já estava presente na épo-ca de Jesus e ainda hoje esta atitu-de ganha raízes entre os cristãos.Também por este motivo, ontem,

    na sua homilia, o Papa voltou aadvertir contra a tentação de «secolocar na defesa, prendendo-seapenas à observância das regras eao respeito dos mandamentos.Aqueles cristãos “comedidos” quenunca dão um passo fora das re-gras; nunca, porque têm medo dearriscar. E – permiti-me a imagem –as pessoas que estão de tal modoatentas a si mesmas que nunca ar-riscam... começam na vida um pro-cesso de mumificação da alma, eacabam como múmias. Isto nãobasta! Não basta observar a regras;a fidelidade a Jesus não consisteapenas em não cometer erros!».Contudo, pelo menos aparente-mente, hoje em dia o pensamentovencedor é precisamente este: ver-dadeiro igual a certo. Um pensa-mento que quiser separar-se desta

    redução do conceito de verdade,como na Itália, por exemplo, o doprofessor Silvano Petrosino, daUniversidade Católica, terá muitadificuldade em propagar-se. Para oprofessor milanês, a sabedoria anti-ga, e a bíblica em particular, temum conceito muito mais amplo deverdade, que não coincide com acerteza mas com a fecundidade(que não é a mesma coisa que ferti-lidade). E é precisamente a parábo-la dos talentos que o demonstra. Oservo “mau” tem medo do risco,das incertezas dos mercados, eagarra-se à única certeza que pensapossuir, aquele único talento quelhe foi concedido pelo seu senhor(que lho deu, investindo nele). E asua “não-escolha” permanecerá ine-

  • página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 17 de novembro de 2020, número 46

    L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

    Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

    Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

    w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

    ANDREA MONDAd i re t o r

    Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

    Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

    telefone +390669899420fax +390669883675

    TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

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    O Papa Francisco celebrou o Dia mundial dos pobres

    Não nos deixemos contagiarpela indiferença

    «Não nos deixemos contagiar pelaindiferença», seguindo o exemplo dopadre Roberto Malgesini — o sacerdoteitaliano de Como assassinado a 15 desetembro — «que via o sentido da vidano serviço»: eis a exortação do PapaFrancisco na homilia da Missa do 4ºDia mundial dos pobres, celebrada nabasílica de São Pedro na manhã de 15de novembro, 33º Domingo do Tempocomum, na presença de umarepresentação de indigentes,acompanhados dos voluntários dasrealidades caritativas que se ocupamdeles.A parábola que ouvimos apresentaum início, um centro e um fim, queiluminam o início, o centro e o fimda nossa vida.

    O início. Tudo parte de um bemavultado: o dono não guarda as suasriquezas para si, mas entrega-as aosservos: a um cinco talentos, a outrodois, e ao terceiro um, «a cada qualconforme a sua capacidade» (Mt 25,15). Calcula-se que um único talentoequivalia aproximadamente ao salá-rio de vinte anos de trabalho: eraum bem superabundante, que entãodava para uma vida inteira. Aqui es-tá o início: também connosco tudocomeçou com a g ra ç a de Deus — tu-do, sempre, começa com a graça deDeus, não com as nossas forças —com a graça de Deus, que é Pai ecolocou um bem tão grande nasnossas mãos, confiando a cada umtalentos diversos. Somos portadoresduma grande riqueza, que não de-pende da quantidade de coisas quetemos, mas daquilo que somos: a vi-da recebida, o bem que há em nós, abeleza intangível com que Deus nosdotou. Feitos à imagem d’Ele, cadaum de nós é precioso a seus olhos,cada um de nós é único e insubsti-tuível na história! É assim que Deusnos vê, é assim que Deus nos sente.

    Como é importante lembrarmo-nos disto! Muitas vezes, olhando pa-ra a nossa vida, vemos só o que nosfalta e lamentamo-nos daquilo quenos falta. Então cedemos à tentaçãodo «quem dera…»: quem dera queeu tivesse aquele emprego, quem de-ra que eu tivesse aquela casa, quemdera que eu tivesse dinheiro e suces-so, quem dera que eu não tivesse talproblema, quem dera que eu tivessepessoas melhores ao meu redor! Masa ilusão do «quem dera» impede-nos de ver o bem e faz-nos esqueceros talentos que possuímos. É verda-de que tu não tens aquilo, mas tensisto, e o «quem dera» faz com quenos esqueçamos disto. Mas Deusconfiou-no-los, porque conhece cadaum de nós e sabe aquilo de que so-mos capazes; confia em nós, apesardas nossas fragilidades. Confia aténaquele servo que esconderá o talen-

    to: Deus espera que também ele,não obstante os seus medos, utilizebem aquilo que recebeu. Em suma,o Senhor pede que nos empenhemosno tempo presente sem nostalgia dopassado, mas na diligente expetativado seu regresso. Sem aquela nostal-gia ruim, que é como o humor ama-relo, o humor negro que envenena aalma, fazendo-a olhar sempre paratrás, sempre para os outros, e nuncapara as próprias mãos, para as possi-bilidades de trabalho que o Senhornos deu, para as nossas condições,inclusive para as nossas pobrezas.

    Chegamos assim ao c e n t ro da pa-rábola: a atividade dos servos, isto é,o serviço. E serviço é também a nossaatividade, aquilo que faz frutificar ostalentos e dá sentido à vida: de fac-to, quem não vive para servir, nãoserve para viver. Devemos repetir is-to e repeti-lo muito: quem não vivepara servir, não serve para viver. De-vemos meditar nisto: quem não vivepara servir, não serve para viver. Masqual é o estilo do serviço? Servosbons, no Evangelho, são aqueles quearriscam. Não se mostram exagera-damente cautelosos e precavidos,não conservam intacto o que recebe-ram, mas usam-no. Com efeito obem, se não se investir, perde-se, jáque a grandeza da nossa vida nãodepende de quanto amealhamos,mas do fruto que produzimos.Quantas pessoas passam a vida só aacumular, pensando mais em estarbem do que em fazer bem! Como évazia, porém, uma vida que se preo-cupa das próprias necessidades, semolhar para quem tem necessidade! Setemos dons, é para nós sermos dompara os outros. Neste ponto, irmãose irmãs, perguntemo-nos: preocupo-me só das necessidades, ou sou ca-paz de olhar para quem tem necessi-

    dade? Para quem passa necessidade?A minha mão é assim [mostra-a aber-ta] ou assim [a mão fechada]?

    Note-se que os servos que inves-tem, que arriscam, quatro vezes sãochamados «fiéis» (Mt 25, 21.23). Se-gundo o Evangelho, não há fidelida-de sem risco. «Mas, padre, ser cris-tão significa arriscar?» — «Sim, que-rido ou querida, arriscar. Se tu nãoarriscas, acabarás como o terceiro[servo]: enterrando as tuas capacida-des, as tuas riquezas espirituais, ma-teriais, tudo». Arriscar: não há fide-lidade sem risco. Ser fiel a Deus égastar a vida, é deixar que os nossosplanos acabem transtornados peloserviço. «Eu tenho este plano, masse me ponho a servir…» Deixa quefique transtornado o plano; tu, ser-ve. É triste quando um cristão se co-loca à defesa, prendendo-se apenas àobservância das regras e ao respeitodos mandamentos. Aqueles cristãos«comedidos» que nunca dão umpasso fora das regras; nunca, porquetêm medo de arriscar. E — p ermiti-me a imagem — as pessoas que estãode tal modo atentas a si mesmas quenunca arriscam, elas começam na vi-da um processo de mumificação daalma, e acabam como múmias. Istonão basta! Não basta observar a re-gras; a fidelidade a Jesus não consis-te apenas em não cometer erros; estaé a parte negativa. Assim pensava oservo preguiçoso da parábola: des-provido de iniciativa e criatividade,esconde-se atrás dum medo inútil eenterra o talento recebido. O donoclassifica-o de «mau» (25, 26). E,contudo, não fez nada de mal… Éverdade! Mas, de bom, também nãofez nada. Preferiu pecar por omissãodo que correr o risco de errar. Nãofoi fiel a Deus, que gosta de Se dar;e fez-Lhe a ofensa pior: devolver-

    Lhe o dom recebido; «deste-me isto,e é isto que eu Te dou». Ao contrá-rio, o Senhor convida a envolver-nosgenerosamente e a vencer o temorcom a coragem do amor, a superar apassividade que se torna cumplicida-de. Nestes tempos de incerteza, nes-tes tempos de fragilidade que cor-rem, não desperdicemos a vida pen-sando só em nós mesmos, assumin-do uma atitude de indiferença. Nãonos iludamos dizendo «paz e segu-rança!» (1 Ts 5, 3). São Paulo convi-da-nos a olhar a realidade de frente,a não nos deixarmos contagiar pelai n d i f e re n ç a .

    Então como é servir segundo avontade de Deus? O dono explica-oao servo infiel: «Devias ter levado omeu dinheiro aos banqueiros e, nomeu regresso, teria levantado o meudinheiro com juros» (25, 27). Nonosso caso, quem são estes «ban-queiros» capazes de nos proporcio-nar juros duradouros? São os pobres.Não o esqueçais: os pobres estão nocentro do Evangelho; o Evangelhonão se compreende sem os pobres. Apersonalidade dos pobres é igual àde Jesus que, sendo rico, aniquilou-Se a Si mesmo, fez-Se pobre, fez-Sepecado, a pior pobreza. Os pobresgarantem-nos um rendimento eternoe permitem, já agora, enriquecer-nosno amor. Com efeito, a maior pobre-za que devemos combater é a nossapobreza de amor. A maior pobrezaque devemos combater é a nossa po-breza de amor. O livro dos Provér-bios elogia uma mulher diligente ecaritativa, cujo valor é superior aodas pérolas; devemos imitar aquelamulher que, como diz o texto, «abrea mão ao indigente» (Pv 31, 20): es-ta é a grande riqueza daquela mu-lher. Em vez de exigir o que te falta,estende a mão a quem passa necessi-dade: assim multiplicarás os talentosque recebeste.

    Aproxima-se o período do Natal,o tempo das festas. E a perguntaque muitas vezes as pessoas se colo-cam é: «O que posso comprar? Quemais posso ter? Preciso de ir às lojascomprar». Digamos a outra versão:«O que posso dar aos outros?». Paraser como Jesus, que Se deu a Simesmo e até nasceu naquele presé-pio.

    Chegamos, assim, ao final da pa-rábola: haverá quem tenha em abun-dância e quem tenha malbaratado avida ficando pobre (cf. 25, 29). Emsuma, no fim da vida, esta desven-dar-se-á como é na realidade: decli-nará a ficção do mundo — segundoa qual o sucesso, o poder e o dinhei-ro é que dão sentido à existência —,enquanto o amor, aquilo que tiver-mos dado, surgirá como a verdadeira

    CO N T I N UA NA PÁGINA 10

  • número 46, terça-feira 17 de novembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

    Quem rezanunca está sozinho

    O Papa continuou a reflexão sobre a oração de Jesus

    C AT E Q U E S E

    «Quem reza, nunca está sozinho»: fortalecido por esta certeza, na audiênciageral de quarta-feira, 11 de novembro, Francisco exortou a manter aperseverança na oração, até nos momentos sombrios da vida. Ainda naBiblioteca particular do Palácio apostólico do Vaticano, e sem a presença dosfiéis, em conformidade com as normas necessárias para combater o contágio docoronavírus, o Papa deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre a oração deJesus.

    Deus, até para “discutir” com Ele,sem se resignar ao mal e à injusti-ça.

    A terceira parábola apresenta umfariseu e um publicano que vão aoTemplo para rezar. O primeiro diri-ge-se a Deus gabando-se dos pró-prios méritos; o outro sente-se in-digno até de entrar no santuário.Contudo, Deus não ouve a oraçãodo primeiro, isto é, dos soberbos,mas atende a dos humildes (cf. Lc18, 9-14). Não há verdadeira oraçãosem espírito de humildade. É pre-cisamente a humildade que nos le-va a pedir na oração.

    O ensinamento do Evangelho éclaro: é preciso rezar sempre, atéquando tudo parece vão, quandoDeus nos parece surdo e mudo, eque perdemos tempo. Mesmo queo céu se ofusque, o cristão não dei-xa de rezar. A sua oração anda demãos dadas com a fé. E a fé, emmuitos dias da nossa vida, podeparecer uma ilusão, uma labuta es-téril. Há momentos escuros na nos-sa vida e nesses momentos a fé pa-rece uma ilusão. Mas praticar aoração também significa aceitar es-ta dificuldade. “Pai, vou rezar enão ouço nada... Sinto-me assim,com um coração seco, com um co-ração árido”. Mas devemos conti-nuar, com a dificuldade dos mausmomentos, dos momentos nosquais não sentimos nada. Muitossantos e santas viveram a noite dafé e o silêncio de Deus — quandobatemos à porta e Deus não res-ponde — e estes santos foram per-severantes.

    Nestas noites de fé, quem rezanunca está sozinho. Na verdade,Jesus não é apenas testemunha emestre de oração, é muito mais.Ele acolhe-nos na sua oração, parapodermos rezar n’Ele e atravésd’Ele. E isto é obra do EspíritoSanto. É por este motivo que oEvangelho nos convida a rezar aoPai em nome de Jesus. São Joãorelata estas palavras do Senhor: «Etudo o que pedirdes ao Pai emmeu nome, vo-lo darei, para que oPai seja glorificado no Filho» (14,13). E o Catecismo explica que «acerteza de sermos atendidos nasnossas petições baseia-se na oraçãode Jesus» (n. 2614). Ela dá as asasque a oração do homem sempredesejou possuir.

    Como deixar de recordar aqui aspalavras do Salmo 90-91, carrega-das de confiança, que brotam deum coração que espera tudo deDeus: «Ele cobrir-te-á com as suasplumas, sob as suas asas encontra-rás refúgio. A sua fidelidade ser-te-á um escudo de proteção. Tu nãotemerás os terrores noturnos, nema flecha que voa à luz do dia, nema peste que se propaga nas trevas,nem o mal que grassa ao meio-dia»(vv. 4-6). É em Cristo que esta ma-ravilhosa oração se cumpre, é n’Eleque encontra a sua verdade plena.Sem Jesus, as nossas orações corre-riam o risco de se reduzir a esfor-ços humanos, na maioria das vezesdestinados ao fracasso. Mas Ele to-

    mou sobre si cada grito, cada ge-mido, cada júbilo, cada súplica...cada prece humana. E não esque-çamos o Espírito Santo que ora emnós; é Ele que nos leva a orar, leva-nos a Jesus. É o dom que o Pai e oFilho nos deram para prosseguir-mos ao encontro com Deus. E oEspírito Santo, quando oramos, é oEspírito Santo que reza nos nossoscorações.

    Cristo é tudo para nós, inclusivena nossa vida de oração. SantoAgostinho dizia-o com uma expres-são iluminante, que também en-contramos no Catecismo: Jesus,«sendo o nosso Sacerdote, ora pornós; sendo a nossa Cabeça, ora emnós; e sendo o nosso Deus, a Eleoramos. Reconheçamos, pois, n’Elea nossa voz, e a voz d’Ele em nós»(n. 2616). E é por isso que o cris-tão que reza nada teme, confia-seao Espírito Santo, que nos foi da-do como dom e que reza em nós,suscitando a oração. Que seja opróprio Espírito Santo, Mestre deoração, a ensinar-nos o caminho daoração.

    No final da audiência, antes dassaudações aos fiéis, o Santo Padrevoltou a garantir a sua vontade deagir de maneira rápida e decididacontra a chaga dos abusos. A seguir,as suas palavras e a saudação emportuguês.Ontem foi publicado o Relatóriosobre o doloroso caso do ex-car-deal Theodore McCarrick. Renovoa minha proximidade às vítimas detodos os abusos e o compromissoda Igreja para erradicar este mal.

    Com afeto saúdo e abençoo osouvintes de língua portuguesa, de-sejando que cada um saiba sempreviver e irradiar uma grande con-fiança nos desígnios de salvação ebem-aventurança que o Pai do Céupredispõe para os seus filhos e fi-lhas. Para Ele, todos vivem! Queesta certeza vos sirva de confortoao longo deste mês caraterizadopela recordação orante em sufrágiodos vossos queridos defuntos. Con-tinuai a amá-los no Senhor!

    Estimados irmãos e irmãs,bom dia!Continuemos a catequese sobre aoração. Alguém me disse: “Fala de-masiado de oração. Não é necessá-rio”. Sim, é necessário. Porque, senão rezarmos, não teremos forçaspara ir em frente na vida. A oraçãoé como o oxigénio da vida. A ora-ção é atrair sobre nós a presençado Espírito Santo que nos levasempre em frente. É por isso quefalo muito sobre a oração.

    Jesus deu exemplo de uma ora-ção contínua, praticada com perseve-ra n ç a . O diálogo constante com oPai, no silêncio e no recolhimento,é o ponto fulcral de toda a suamissão. Os Evangelhos apresen-tam-nos também as suas exortaçõesaos discípulos, para que rezem cominsistência, sem se cansar. O Cate-cismo recorda as três parábolas con-tidas no Evangelho de Lucas quesublinham esta caraterística da ora-ção de Jesus (cf. CIC, 2613).

    A oração deve ser antes de maistenaz: como o personagem da pará-bola que, devendo receber um hós-pede que chegou de repente, nomeio da noite, vai bater à porta deum amigo e pede-lhe pão. O ami-go responde “não!”, porque já estána cama, mas ele insiste, e insiste aponto de o obrigar a levantar-se ea dar-lhe pão (cf. Lc 11, 5-8). Umpedido tenaz. Mas Deus é mais pa-ciente do que nós, e quem bate àporta do seu coração com fé e per-severança não fica desiludido.Deus responde sempre. Sempre. Onosso Pai sabe bem do que precisa-mos; a insistência não serve para oinformar ou convencer, mas paraalimentar o desejo e a expetativaem nós.

    A segunda parábola é a da viúvaque se dirige ao juiz para que aajude a obter justiça. Este juiz écorrupto, é um homem sem escrú-pulos, mas no final, exasperado pe-la insistência da viúva, decide con-tentá-la (cf. Lc 18, 1-8). E pensa:“Mas, é melhor que lhe resolva oproblema e me livre dela, sem quevenha continuamente lamentar-sediante de mim”. Esta parábola faz-nos compreender que a fé não é oimpulso de um momento, mas umadisposição corajosa para invocar

  • página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 17 de novembro de 2020, número 46

    Publicado o relatório sobre McCarrick elaborado pela Secretaria de Estado por mandato do Papa

    Uma página dolorosa da qual a Igreja aprendeANDREA TORNIELLI

    No momento da nomeação do arce-bispo de Washington Theodore Mc-Carrick, no ano 2000, a Santa Séagiu baseada em informações par-ciais e incompletas. Verificaram-se,infelizmente, omissões e desconside-rações, foram feitas escolhas que sedemonstraram erradas, mesmo por-que, durante as verificações na épo-ca solicitadas por Roma, nem sem-pre as pessoas interrogadas contaramtudo o que sabiam. Até 2017 nenhu-ma acusação fundamentada jamaisdisse respeito a abusos ou assédioscontra menores: assim que chegou aprimeira denúncia de uma vítimamenor na época dos acontecimentos,o Papa Francisco agiu de modo rá-pido e decidido em relação ao an-cião cardeal já retirado do governoda arquidiocese desde 2006, primei-ro, tirando-lhe a púrpura e, depois,demitindo-o do estado clerical. É oque emerge do Relatório sobre o co-nhecimento institucional e o processodecisório da Santa Sé relativo ao ex-cardeal Theodore Edgar McCarrick (de1930 a 2017), publicado pela Secre-taria de Estado.

    Uma resposta pontualO Relatório em si, por sua exten-

    são e por seus conteúdos, respondede modo pontual àquele compromis-so, assumido na época pelo PapaFrancisco, de investigar cabalmenteo caso McCarrick, e de publicar osresultados das investigações. O Rela-tório representa também um ato desolicitude e cuidado pastoral do Pa-pa para com a comunidade católicados E UA , ferida e desorientada porMcCarrick ter conseguido alcançarposições tão elevadas na hierarquia.A investigação realizada nestes doisanos, teve início no final do verãode 2018, durante semanas de notáveltensão, culminadas no discurso doex-núncio apostólico em Washing-ton Carlo Maria Viganò, que atravésde uma operação mediática interna-cional, chegou a pedir publicamentea renúncia do atual Pontífice.

    Ausência de acusações de abusoscontra menores até 2017

    A força do Relatório está certa-mente na sua inteireza, mas tambémna visão de conjunto que oferece. Eda visão de conjunto aparecem al-guns pontos nodais os quais é im-portante tomar em consideração.

    O primeiro diz respeito aos erroscometidos, que já levaram à aprova-ção de novas normas na Igreja, paraevitar que a história se repita. Umsegundo elemento diz respeito à au-sência, até 2017, de acusações funda-mentadas concernentes a abusoscontra menores cometidos por Mc-Carrick. É verdade que nos anos no-venta algumas cartas anónimas quetinham chegado a cardeais e à nun-ciatura de Washington acenaram aisso, mas sem fornecer indícios, no-mes, circunstâncias: foram, infeliz-mente, consideradas não críveis, pre-cisamente porque faltavam elemen-tos concretos. Com efeito, a primeiraacusação fundamentada que envolvamenores é de três anos atrás, que le-

    vou à imediata abertura de um pro-cesso canónico, concluído com asduas sucessivas decisões do PapaFrancisco, o qual, primeiro, tirou apúrpura do cardeal emérito e, em se-guida, o demitiu do estado clerical.Deve-se reconhecer às pessoas quese apresentaram para denunciar Mc-Carrick, durante toda a realizaçãodo processo canónico, o mérito deterem permitido que a verdade vies-se à luz e a gratidão por terem feitoisso, superando a dor da recordaçãodo que tinham sofrido.

    A averiguaçãoantes da viagem do Papa

    Resulta do Relatório que tanto nomomento da primeira candidaturaao episcopado (1977) quanto no mo-mento das nomeações para Metu-chen (1981) e depois para Newark(1986), nenhuma das pessoas consul-tadas para obter informações forne-ceu indicações negativas sobre aconduta moral de Theodore McCar-rick. Uma primeira “verificação” in-formal sobre algumas acusações con-cernentes à conduta do então arce-bispo de Newark em relação a semi-naristas e sacerdotes da sua arqui-diocese, foi feita em meados dosanos noventa, antes da viagem deJoão Paulo II à cidade dos EUA . Foio cardeal-arcebispo de New York,John O’Connor, quem a fez: pediuinformações a outros bispos dos E UAe depois concluiu que não havia“imp edimentos” à visita papal à ci-dade da qual McCarrick era, naque-le momento, o pastor.

    A carta do cardeal O’ConnorUm ponto crucial do caso é certa-

    mente representado pela nomeaçãopara arcebispo de Washington. Du-rante os meses em que se levanta ahipótese de uma transferência deMcCarrick para uma das sedes tradi-cionalmente cardinalícias dos E UA ,diante de vários e qualificados pare-ceres favoráveis, regista-se o parecernegativo do cardeal O’Connor. Em-bora reconhecendo não ter informa-ções diretas, o purpurado explicava,numa carta de 28 de outubro de1999 endereçada ao núncio apostóli-co, considerar um erro a nomeaçãode McCarrick para um novo cargo:com efeito, haveria o risco de umgrave escândalo, devido a boatos deque o arcebispo tinha no passadopartilhado a cama com jovens adul-tos na reitoria, e com seminaristasnuma casa na praia.

    A primeira decisãode João Paulo II

    É importante ressaltar, a esse pro-pósito, a decisão inicialmente toma-da por João Paulo II. Efetivamente,o Pontífice pediu ao núncio que ve-rificasse o fundamento dessas acusa-ções. A investigação escrita, tambémdesta vez, não levou a nenhuma pro-va concreta: com efeito, três dosquatro bispos de New Jersey consul-tados forneceram informações defini-das no Relatório “não precisas e in-completas”. O Papa, que no entantoconhecia McCarrick desde 1976 portê-lo encontrado durante uma via-

    gem que fez aos E UA , acolheu a pro-posta lançada pelo então núncioapostólico nos E UA , Gabriel Montal-vo, e do então prefeito da Congrega-ção para os bispos, Giovanni Battis-ta Re, de abandonar a candidatura.Mesmo diante da ausência de ele-mentos fundamentados, não se deve-ria correr o risco, transferindo o pre-lado para Washington, de que asacusações, consideradas desprovidasde consistência, pudessem voltar àtona provocando desconcerto e es-cândalo. McCarrick parecia, portan-to, destinado a permanecer emNewark.

    A carta de McCarrick ao PapaAlgo novo veio a mudar radical-

    mente o curso dos eventos. O pró-prio McCarrick, após ter evidente-mente tomado conhecimento da suacandidatura e das reservas mantidasem relação a ele, em 6 de agosto de2000 escreveu ao então secretárioparticular do Pontífice polaco, D.Stanisław Dziwisz. Proclamou-seinocente e jurou “jamais ter tido re-lações sexuais com pessoa alguma,homem ou mulher, jovem ou idoso,clérigo ou leigo”. João Paulo II leu acarta. Convenceu-se de que o arce-bispo norte-americano dissesse a ver-dade, e que os “b oatos” negativosfossem, propriamente, apenas boatosinfundados ou, em todo o caso, nãoprovados. Foi o próprio Papa, me-diante indicações precisas dadas aoentão secretário de Estado AngeloSodano, a estabelecer que McCarri-ck fosse novamente inserido na listados candidatos. E foi ele por fim aescolhê-lo para a sede de Washing-ton. Segundo alguns testemunhos ci-tados no Relatório, pode ajudar acompreender o contexto deste perío-do também a experiência pessoal vi-vida pelo então arcebispo Wojtylana Polónia: durante anos viu o usoinstrumental de falsas acusações porparte do regime para desacreditar sa-cerdotes e prelados.

    A decisão de Bento XVIAté ao momento da nomeação pa-

    ra Washington não houve nenhumavítima — adulta ou menor — que ti-vesse entrado em contato com aSanta Sé, ou com o núncio nos E UA ,para fazer chegar uma denúncia re-lativa a comportamentos imprópriosatribuídos ao arcebispo. E nada deimpróprio nas atitudes de McCarrickserá assinalado durante o seu episco-pado em Washington. Quando em2005 emergiram as acusações de as-sédios e abusos em relação a adul-tos, o novo Papa, Bento XVI, pediurapidamente a renúncia do cardealnorte-americano, ao qual tinha aca-bado de conceder uma prorrogaçãode dois anos do mandato. Desde2006 McCarrick deixou, portanto, ogoverno da Arquidiocese deWashington tornando-se um arcebis-po emérito. O Relatório mostra queneste período Viganò, como delega-do para as Representações pontifí-cias, tinha relatado aos superiores naSecretaria de Estado as informaçõesprovenientes da nunciatura, ressal-tando a sua gravidade. Mas, en-quanto lançava o alarme, ele tam-

    bém compreendia que não estavadiante de acusações comprovadas. Ocardeal secretário de Estado TarcisioBertone apresentou o assunto direta-mente ao Papa Bento XVI. Nessecontexto, na ausência de vítimas me-nores, e tratando-se de um purpura-do que tinha sido demitido do car-go, foi decidido não abrir um formalprocesso canónico para investigarMcCarrick.

    Recomendações, não sançõesNos anos sucessivos, apesar da so-

    licitação que lhe foi feita pela Con-gregação para os bispos a levar umavida mais reservada e a renunciar acompromissos públicos frequentes, ocardeal continuou viajando de umaparte à outra do globo, inclusiveRoma. Estes movimentos eram ge-ralmente conhecidos e pelo menostacitamente aprovados pelo núncio.Discutiu-se muito sobre o alcancereal desta solicitação a uma vida re-servada, feita pela Santa Sé a Mc-Carrick. Dos documentos e dos tes-temunhos agora publicados no Rela-tório é evidente que jamais se tratoude “sanções”. Eram mais propria-mente recomendações, dadas oral-mente em 2006 e por escrito em2008, sem que fosse explicitamentemencionado o imprimatur da vonta-de papal. Tratava-se, portanto, de re-comendações que para serem coloca-das em prática pressupunham a boavontade da pessoa em questão. Na-quele contexto, na ausência de víti-mas menores, e tratando-se de umpurpurado que já havia renunciadoao seu cargo, foi também decididonão abrir um processo canónico for-mal para investigar sobre McCarrick,como, ao contrário, o então Secretá-rio de Estado Tarcisio Bertone tinhasugerido. Com efeito, tolerou-se queo cardeal permanecesse ativo e con-tinuasse a viajar e que fizesse, embo-ra sem nenhum mandato por parteda Santa Sé, várias missões em vá-rios países, das quais frequentementese extraem informações úteis. Diantede uma nova denúncia contra Mc-Carrick que lhe foi comunicada em2012, Viganò, entretanto nomeadonúncio nos E UA , recebeu do prefeitoda Congregação para os bispos ins-truções para investigar. Daquilo queresulta do Relatório, o núncio, po-rém, não cumpriu todas as verifica-ções que lhe tinham sido feitas.Além disso, continuando a seguir amesma abordagem usada até àquelemomento, não deu passos significati-vos para limitar as atividades e asviagens nacionais e internacionais deMcCarrick.

    O processo aberto por FranciscoNo momento da eleição de Fran-

    cisco, McCarrick já tinha superadoos 80 anos e, portanto, estava ex-cluído do conclave. Os seus costu-mes de viajar não sofreram mudan-ças, e não foram entregues ao novoPapa documentos ou testemunhosque o colocassem a par da gravidadedas acusações dirigidas contra o ex-arcebispo de Washington. Foi referi-do a Francisco que tinham circulado“b oatos” e imputações relacionados

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  • número 46, terça-feira 17 de novembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

    a “comportamentos imorais comadultos” antes da nomeação de Mc-Carrick para Washington. Conside-rando, porém, que as acusações ti-nham sido analisadas e rejeitadaspor João Paulo II, e consciente deque McCarrick tinha permanecidoativo durante o pontificado de Ben-to XVI, o Papa Francisco não sentiua necessidade de modificar “quantoestabelecido pelos seus predecesso-re s ”, portanto, não corresponde àverdade afirmar que tenha suspensoou aliviado sanções ou restrições aoarcebispo emérito. Tudo muda, co-mo já recordado, com o apareci-mento da primeira acusação deabuso contra um menor. A respostafoi imediata. A determinação gra-víssima e sem precedentes da de-missão do estado clerical foi toma-da na conclusão de um rápido pro-cesso canónico.

    Aquilo que a Igreja aprendeuA página fotografada no rol de

    testemunhos e documentos agorapublicados é, sem dúvida, uma pá-gina dolorosa da história recente docatolicismo. Um episódio triste doqual toda a Igreja aprendeu. Comefeito, é possível ler algumas das

    providências tomadas pelo PapaFrancisco após o encontro para aproteção dos menores realizado emfevereiro de 2019 propriamente àluz do caso McCarrick. O Motuproprio Vos estis lux mundi, com as-suas indicações sobre a troca de in-formações entre os Dicastérios e en-tre Roma e as Igrejas locais, o en-volvimento do arcebispo metropoli-tano na investigação inicial, a indi-cação de verificar prontamente asacusações, bem como a suspensãodo segredo pontifício: são todas de-cisões que levaram em consideraçãoquanto ocorrido, para aprender da-quilo que não funcionou, dos meca-nismos que se bloquearam, das des-considerações que infelizmente fo-ram feitas em vários níveis. Nocombate ao fenómeno dos abusos,a Igreja continua a aprender, inclu-sive a partir dos resultados destetrabalho de reconstrução como seviu também em julho de 2020, nomomento da publicação do Va d e -mécum da Congregação para a dou-trina da fé, que nos convida a nãodescartar automaticamente uma de-núncia anónima.

    Humildade e penitênciaEis, portanto, o quadro geral que

    emerge das páginas documentadas

    do Relatório, com a reconstrução deuma realidade certamente muitomais articulada e complexa em rela-ção à que se conhecia. Nas últimasduas décadas a Igreja católica to-mou sempre mais consciência dodrama indizível das vítimas, da ne-cessidade de garantir a proteçãodos menores, da importância denormas capazes de combater o fe-nómeno. E por fim tomou cons-ciência também dos abusos cometi-dos contra adultos vulneráveis e deabuso de poder. O caso TheodoreMcCarrick — prelado de notável in-teligência e preparação, capaz detecer muitas relações tanto no âm-bito político como no inter-religio-so — permanece, portanto, para aIgreja católica, nos E UA e em Ro-ma, uma ferida aberta e que aindasangra, em primeiro lugar e sobre-tudo pelo sofrimento e dor causa-dos às vítimas. Uma ferida não sa-nável somente com novas normasou códigos de comportamentossempre mais eficazes, porque tam-bém o crime tem a ver com o peca-do. Uma ferida que para ser curadaprecisa de humildade e penitência,pedindo a Deus o perdão e a forçapara voltar a levantar-se.

    Uma página dolorosa da qual a Igreja aprendeCO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 4

    Declaração do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin

    A busca da verdadee um olhar de esperança

    Hoje é publicado o Relatório sobre oconhecimento institucional e o processodecisório da Santa Sé concernente aoex-cardeal Theodore Edgar McCarrickque a Secretaria de Estado elaboroua pedido do Papa. É um textoexaustivo, que comportou um examecuidadoso de toda a documentaçãorelevante dos arquivos da Santa Sé,da Nunciatura em Washington e dasdioceses dos Estados Unidos envol-

    vidas de várias maneiras. A comple-xa investigação foi integrada com in-formações obtidas em colóquios comtestemunhas e pessoas informadasdos acontecimentos, de modo a ob-ter uma imagem o mais completapossível e um conhecimento maisdetalhado e preciso das informaçõesre l e v a n t e s .

    Publicamos o Relatório com tris-teza pelas feridas causadas às víti-

    mas, às suas famílias, à Igreja nosEstados Unidos, à Igreja Universal.Como fez o Papa, também eu pudeexaminar os testemunhos das vítimascontidos nas Acta em que o Relató-rio se baseia e que estão depositadosnos arquivos da Santa Sé. A suacontribuição foi fundamental. Nasua Carta ao Povo de Deus de agostode 2018, o Santo Padre Francisco es-creveu, a respeito do abuso de me-nores: «Com vergonha e arrependi-mento, como comunidade eclesial,assumimos que não soubemos estaronde deveríamos estar, que não agi-mos a tempo para reconhecer a di-mensão e a gravidade do dano queestava a ser causado a tantas vidas».

    Como se pode ver pela extensãodo Relatório e pela quantidade dedocumentos e informações nele con-tidas, moveu-se em busca da verda-de, oferecendo material útil para res-ponder às questões suscitadas pelocaso. A investigação, como sabemos,exigiu dois anos de trabalho e agoraque o texto é publicado, compreen-deremos o porquê deste tempo nãobreve. O convite que me permito di-rigir a quem procurar respostas éque leia o documento na sua totali-dade e não se iluda em encontrar averdade numa parte ou noutra. Só apartir da visão global e do conheci-mento, na sua totalidade, do que foireconstruído dos processos decisó-rios concernentes ao ex-cardeal Mc-Carrick, será possível compreender oque aconteceu.

    Nos últimos dois anos, enquantodecorria a investigação que conduziua este Relatório, demos passos signi-ficativos para assegurar uma maioratenção à proteção dos menores eintervenções mais eficazes para evitarque certas decisões tomadas no pas-sado se repitam. A normativa canó-nica foi enriquecida pelo Motu pro-prio Vos estis lux mundi, que prevê acriação de mecanismos estáveis parareceber assinalações de abusos e es-tabelece um procedimento claro parainvestigar denúncias contra bisposque tenham cometido crimes ou pro-tegido os seus responsáveis. Ao Mo-tu proprio acrescentam-se os instru-mentos criados na sequência do En-contro de fevereiro de 2019 sobre aproteção de menores. Penso, porexemplo, na intervenção em dezem-bro último acerca do sigilo pontifí-cio sobre denúncias, processos e de-cisões relativas a casos de abuso demenores e pessoas vulneráveis; e so-bre casos de omissão de denúncia ouencobrimento de abusadores. E pen-so também na publicação do Va d e -mécum sobre procedimentos para li-dar com casos de abuso de menores,publicado em julho passado pelaCongregação para a Doutrina da Fé.

    «Olhando para o passado, nuncaserá suficiente o que se fizer parapedir perdão e procurar reparar odano causado», escrevia o Papa naCarta ao Povo de Deus, a c re s c e n t a n -do: «Olhando para o futuro, nuncaserá pouco tudo o que for feito paragerar uma cultura capaz de evitarque essas situações não só não acon-teçam, mas que não encontrem espa-ços para serem ocultadas e perpetua-das. A dor das vítimas e das suas fa-mílias é também a nossa dor, por is-so é preciso reafirmar mais uma vezo nosso compromisso em garantir aproteção de menores e de adultosem situações de vulnerabilidade».Da leitura do documento emergeque todos os procedimentos, incluin-do a nomeação dos bispos, depen-dem do empenho e da honestidadedas pessoas envolvidas. Nenhumprocedimento, mesmo o mais aper-feiçoado, está livre de erros porqueabrange as consciências e decisõesde homens e mulheres. Mas o Rela-tório também terá efeitos ao tornartodos os envolvidos nestas escolhasmais conscientes do peso das suasdecisões ou omissões. São páginasque nos encorajam a uma reflexãoprofunda e a questionar-nos sobre oque podemos fazer a mais no futuro,aprendendo com as dolorosas expe-riências do passado.

    Gostaria de concluir dizendo quea dor é acompanhada por um olharde esperança. Para evitar que estesfenómenos se repitam, além de nor-mas mais eficazes, precisamos deuma conversão dos corações. Preci-samos de pastores críveis anunciado-res do Evangelho, e todos devemosestar muito conscientes de que istosó é possível com a graça do Espíri-to Santo, confiando nas palavras deJesus: «Sem mim nada podeis fa-zer».

    Um momento da liturgia penitencial durante o encontro no Vaticanosobre «A proteção dos menores na Igreja» (23 de fevereiro de 2019)

  • número 46, terça-feira 17 de novembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

    ANDREA MONDA

    «O Senhor conhece-me, diretor, e sabe co-mo fujo da retórica. Mas se tivesse que citarum adjetivo que indique o meu estado deespírito depois de ler a Fratelli tutti, a únicapalavra que me vem à mente é “entusiasma-do”». Assim o cardeal Jean-Claude Holleri-ch, arcebispo de Luxemburgo e presidenteda Comissão das Conferências Episcopaisda Comunidade Europeia, inicia uma con-versa sobre a nova encíclica pontifícia quenos concede à margem dos seus muitoscompromissos. «Teria preferido aderir aoseu convite e escrever um comentário orgâ-nico sobre o lindo texto do Papa Francisco,mas a situação da pandemia aqui em Lu-xemburgo, como no resto da Europa, émuito grave e os compromissos pastoraismultiplicam-se: se as ovelhas não se reú-nem, é o pastor neste momento que deveprocurar o rebanho».

    «Estou entusiasmado, diz-nos, iniciando,porque nesta carta podemos saborear ogosto do Evangelho. Não há nada maisnem menos do que o Evangelho. Não hánada de diferente do que aquilo que Cristo

    nos diz no Evangelho. Fratelli tutti significa, antesde mais, que a nossa é uma religião comunitária:nunca estamos sozinhos perante Deus. Jesus ensi-nou-nos a rezar o Pai-Nosso na primeira pessoa do

    Coisas nunca vistas

    O cardeal Hollerich sobre a “Fratelli tutti”

    Este é o Evangelho

    Para

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    “Moeda, Fé e Política”No dia 12 de novembro foi inaugurada, no Museu do Dinheiro em Lisboa, umaexposição intitulada “Moeda, Fé e Política”, para dar aos visitantes a possibilidade deadmirar diversas peças provenientes da Biblioteca Apostólica do Vaticano, do Banco dePortugal, bem como de diferentes acervos nacionais portugueses. Na realidade, aexposição estava prevista para o passado mês de abril, mas foi necessário adiá-la porcausa das complicadas circunstâncias provocadas pela pandemia de Covid-19. Contudo,graças aos incansáveis esforços envidados pelas entidades responsáveis, o projeto foifinalmente concretizado e agora será possível levar o público a percorrer um percursoespecial no mundo da moeda e da sua relação histórica com a religião e o poder. Oprincipal promotor desta interessante exposição foi Sua Eminência o senhor cardealJosé Tolentino de Mendonça, prefeito da Biblioteca Apostólica do Vaticano, cujoprojeto conseguiu reunir diferentes moedas e medalhas ligadas à história de Portugal eàs relações do país com a Santa Sé, atualmente conservadas na Biblioteca do Vaticano,colocando-as em diálogo com vários documentos, obras de arte e de numismáticaprovenientes de diversas coleções portuguesas. Este “diálogo”põe em evidência quatro temas principais: a moeda nouniverso dos Evangelhos, as diferentes emissõesmonetárias da Santa Sé, as relações político-diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, e o papeldesempenhado pelas moedas e medalhas na obrade urbanização promovida por vários papas ereis. A exposição permanecerá aberta ao públicoaté 16 de maio de 2021.

    O museu

    ©[1514]Moeda de 2

    ½ ducados de Leão XBiblioteca apostólica vaticana

    Museu do dinheiro (© Francisco Nogueira)

    São Francisco doa o seu manto a um pobre (Giotto)

    EXPOSIÇÃO I N AU G U R A D A NO MUSEU D O DINHEIRO EM LISBOA

    que ele tutelou, Vasco da Gamachegou por mar à Índia (1498); Pe-dro Álvares Cabral aportou ao Bra-sil (1500); foi assegurado o controledas rotas comerciais do Oceano Ín-dico e do Golfo Pérsico; estabelece-ram-se entrepostos fundamentais co-mo Malaca, Goa e Ormuz; e, porexemplo, o icónico e monumental

    Mosteiro dos Jerónimos seria cons-truído em Lisboa. D. Manuel I ar-quitetou duas grandiosas embaixa-das a Roma, carregadas é claro deambição política pois tratava-se, afi-nal, de obter do Papa o apoio paraum emergente império, mas tam-bém altamente inovadoras do pontode vista cultural. A diplomacia tor-

    nava-se o teatro para exibir o exotis-mo e a originalidade dos mundosnovos que, com as navegações, eramoferecidos ao velho espaço europeu.E Portugal assumia-se assim, mes-mo se mais ou menos consciente detodas as implicações que isso repre-sentava, como um decisivo laborató-rio da modernidade.

    Na embaixada de 1514, lideradapor um robusto triunvirato políticoconstituído pelo navegador Tristãoda Cunha e pelos diplomatas DiogoPacheco e João de Faria, o elementoque mais se destacou, no faustosocortejo das oferendas reais ao pontí-fice, foi um elefante, que enlouque-ceu de contentamento a Roma po-pular, que fascinou artistas e corte-sãos e impressionou pessoalmente oPapa Leão X. Como escreveria maistarde o próprio monarca português«eram coisas tão novas, nestas par-tes nunca vistas e que praticamentenão se encontravam nos livros».Não admira que o Papa Leão X te-nha decidido entregar a prestigiosaRosa de Ouro nesse ano ao rei dePortugal. De facto, era daí que pa-recia chegar o futuro.

    A segunda embaixada de D. Ma-nuel I ao papa aconteceria poucodepois, em 1516, e o rei intentou re-petir o mesmo efeito de surpresa,fazendo chegar, desta vez, um rino-ceronte. O trunfo que Portugal jo-gava não seriam os animais em si,mas sim o poder documentar forte-mente a nova realidade de um mun-do global.

    Ora, esta diplomacia-espetáculotinha raízes mais fundas do que sepoderia supor. Quando se entra naBiblioteca Apostólica Vaticana, queé a Biblioteca dos Papas, a presençade Portugal é atestada por uma pro-fusão bibliográfica e documentalque começaria por espantar os pró-prios portugueses: são textos inova-

    O Museu do Dinheiro trata o di-nheiro, a sua história e a relaçãoque estabelece com a sociedadeem geral e com os indivíduos, tan-to no Oriente como no Ocidente.Faz isso através da coleção numis-mática e de outras coleções histó-ricas do Banco de Portugal, bemcomo de dispositivos virtuais decontextualização que ocupam no-ve salas temáticas.

    Desenhada por Francisco Provi-dência Design (conceito) e desen-volvida pelo Banco de Portugal, aexposição aborda temas como: osartigos pré-monetários; o dinheirode várias partes do mundo e a suahistória ao longo dos séculos; aprodução de notas e moedas; etambém a educação económica. Avisita oferece uma experiência dis-tintamente interativa, que se ba-seia na tecnologia multimédia pa-ra dar a ver as coleções. Esta mu-seografia não convencional e sur-preendente cria um ambiente atra-tivo, que garante a participaçãodo visitante e promove a constru-ção de novas formas de relação enovos conhecimentos.

    Vista parcial da sala da consulta da Biblioteca apostólica vaticana

    dores no campo das ciências; ex-traordinários volumes sobre técnicasde navegação; requintados tratadosde matemática, de astronomia ou demedicina; dicionários de novas lín-guas, acompanhados por atlas e re-latos etnográficos; moedas e meda-lhas preciosíssimas; tesouros de es-piritualidade e mística; ou incalculá-veis monumentos literários como é,por exemplo, o Cancioneiro da líri-ca trovadoresca galaico-portuguesaque a Vaticana conserva. As «coisasnunca vistas» e que até então «nãose encontravam nos livros», os cien-tistas e homens de cultura portu-gueses escreviam-nas agora em volu-mes que chegavam à Santa Sé e queesta amigavelmente guardava. Poiso que é uma Biblioteca senão umpolifónico repositório para a amiza-de?

    Não há dúvida que a história dasrelações históricas de Portugal e daSanta Sé, mesmo na complexidadede algumas estações históricas, deveser descrita como uma história deprofunda amizade. E o importanteespólio da Biblioteca Apostólica, deque a secção numismática faz parte,confirma-o amplamente. Sobre aamizade, recorda-nos o Papa Fran-cisco: «A amizade não é uma rela-ção fugaz e passageira, mas estável,firme, fiel, que amadurece com opassar do tempo. É uma relação deafeto que nos faz sentir unidos»(Christus vivit, 152).

    *Cardeal arquivista e bibliotecárioda Santa Igreja Romana

    ça são o paradigma do cristianismo; desde o tem-po dos apóstolos. É a própria presença de Cristona Igreja que permite a propensão para a abertura.Já o disse, nesta carta há o Evangelho, e o Evange-lho vem sempre em primeiro lugar. Neste sentidoposso dizer que na encíclica há toda a doutrinapreexistente da Igreja, mas com a linguagem deFrancisco. Que é uma linguagem que sabe torná-lafragrante, que sabe falar com o coração».

    Especialmente nos dois primeiros capítulos há diversasreferências à Europa, que impressão lhe causou, Emi-nência?

    Achei muito bom que falasse sobre isso. Os eu-ropeus são pessoas que conheceram e experimenta-ram o conceito de fraternidade. O mesmo conceitoque laicamente expresso estava na base do projetoeuropeu, tal como os pais fundadores o preten-diam. Uma Europa unida é um projeto de fraterni-dade. O Papa diz que, se não existisse, deveria serinventado. É um modelo para o mundo. Em ne-nhum outro lugar do mundo as nações renuncia-ram a partes de soberania para as ceder a um pro-jeto comum. Mas este projeto está hoje em sériasdificuldades. À cedência de soberania opõe-se osoberanismo. Ou seja, à fraternidade contrapõe-seo egoísmo. Veja-se o caso dos refugiados: não seconsegue encontrar compromisso algum, e quandose encontra certamente é em prejuízo para os refu-giados que pagam o preço da indecisão e do egoís-mo europeus. Não, essa não é a nossa história.

    vidualismo que infelizmente também persiste noseu interior.

    O Papa Francisco convida-nos a uma nova glo-balização: a do amor e da fraternidade. Fiqueimuito comovido com a referência ao Bom Samari-tano, e com a necessária atualização da parábola:hoje sou, devo ser, o próximo dos refugiados deLesbos, cristãos ou muçulmanos, sou o próximodos milhões que sofrem com a pandemia em todoo mundo. Do ponto de vista da fraternidade, no-vas terras estão abertas perante nós, novas possibi-lidades para o nosso ser cristãos. E, ao contrário,algumas opções intrinsecamente opostas a ser cris-tão estão fechadas, antes de mais ideologias popu-listas e nacionalistas. Qualquer sistema “fechado”apresenta riscos. E isto também é verdade para ateologia e para a Igreja: evitar sempre o risco defechamentos de identidade. A abertura e a mudan-

    gressar ao ideal originário de uma Casa comum.Aquela que os pais fundadores sonharam e cons-truíram. Que necessita certamente de atualização(por exemplo, também em relação à coexistênciade diferentes crenças religiosas), mas que ainda éválida nos seus fundamentos.

    Gostaria de acrescentar uma última coisa. VejoFratelli tutti como a continuidade e a consequênciada Laudato si’. Vive-se como irmãos numa casa co-mum. Só se formos irmãos protegeremos a casa co-mum. Ser irmãos significa então contribuir para aproteção da criação com os irmãos da Amazónia ecom os das gerações vindouras. Existe um nexoconsequencial entre as duas encíclicas que terá deser mais aprofundado. Não tenho dúvidas de queambos os documentos são a base sobre a qualconstruir um novo humanismo para todos os ho-mens de boa vontade.

    Não é a melhor histó-ria da Europa. Da Eu-ropa unida que gosta-ríamos de ter. E istotambém se aplica àsreligiões que se apre-sentam no cenário eu-ropeu: vencer as tenta-ções de fechamento, ecom elas as generaliza-ções, isolar o separa-tismo e as violências.Reconhecer sempreque o Outro é rique-za. Ver sempre o bemque há no Outro. Fa-lar do que nos une,não do que nos divi-de.

    Temos o dever deapelar à consciênciade todos. Não se trata(apenas) de uma ques-tão de política. Masacima de tudo deconsciências. A Uniãoprecisa de valores, masnão vejo muita circu-lação de ideais nestemomento. A Uniãosobrevive de compro-missos, não vive deideais. Temos de re-

    JOSÉ TOLENTINO DE MEND ONÇA*

    Éinovadora e emotiva a for-ma como a diplomacia por-tuguesa se afirma junto daRoma papal no reinado deD. Manuel I, o monarca das gran-des descobertas. E, se quisermos,funciona também como uma curiosaparábola de Portugal e do seu desti-no no concerto das nações. Ora ve-jamos. O rei D. Manuel I reinou en-tre outubro de 1495 e dezembro de1521. No arco do período histórico

    plural. Mas, especial-mente aqui na Euro-pa, o hábito de rezaro “Pa i - M e u ” tornou-seum hábito consolida-do de ceder a umapiedade muito pes-soal, de considerarDeus o meu Deus. Is-to não é simplesmenteerrado, não é cristão.Jesus é muito explícitoneste sentido: Estouconvosco quando“dois ou três” estive-rem reunidos em meunome. A essencialida-de da própria Encar-nação está na comu-nhão fraterna, Deustorna-se homem e ir-mão para se partilhara si próprio. Desteponto de vista, encon-tro tons proféticos nacarta, em comparaçãocom o individualismoda pós-modernidade.E também em relaçãoà renovação da Igreja,que é em grande partea superação de umatendência para o indi-

    O museu está instalado na anti-ga igreja de S. Julião, dessacrali-zada nos anos 30 do séc. XX. Anave principal, totalmente desocu-pada de qualquer mobiliário, éum vasto salão, que gera um forteimpacto à entrada. As salas de ex-posições ocupam os 4 níveis doedifício.

    A antiga igreja está ligada aoedifício administrativo e sede dobanco, formando um quarteirãohistórico, um excelente exemplodo estilo arquitetónico e de pla-neamento urbano do centro deLisboa após o terremoto de 1755,

    objetivo de a transformar numazona turística e cultural.

    No subsolo desta antiga igrejaencontra-se a Muralha de D. Di-nis, uma das estruturas defensivasmedievais mais importantes deLisboa, classificada como Monu-mento Nacional.

    Este complexo patrimonial, quecompreende a coleção permanente,a igreja neoclássica/barroca e amuralha medieval, oferece uma ex-periência cultural que revisita opassado e o presente do dinheiro,criando assim uma sociedade maisconsciente, conhecedora e livre.

    que criou uma cidademoderna e racional apartir de um plano reti-líneo, de quarteirões or-togonais.

    A renovação do edifí-cio e a instalação doMuseu do Dinheiro foium empreendimento im-portante para o banco,incentivado pela vonta-de da Câmara Munici-pal de revitalizar a áreada Baixa-Chiado com o

  • página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 17 de novembro de 2020, número 46

    Artesãs da reconciliaçãoMulheres protagonistas dos processos de cura dos horrores do passado

    ANNA POZZI

    Maureen ficou presa durante quatroanos. Porque era negra. Foi espanca-da e torturada, e o seu marido foibaleado duas vezes. Ela conta a his-tória e, entretanto, mostra as marcasque levará no seu corpo para sem-pre. Ela conta-o, mesmo que isso afaça sofrer. Para não esquecer e paraque os outros não o façam.

    Maureen, o seu marido e a sua fa-mília estão entre os milhões de víti-mas do regime do apartheid sul-afri-cano que, vinte e cinco anos após asprimeiras eleições livres em 1994,continuam a levar a cabo uma árduajornada de cura da memória e recon-ciliação, na qual as mulheres estãofrequentemente na linha da frente.São-no especialmente nas comunida-des, onde realizam um trabalho fun-damental de “i n t e rc e s s ã o ”, promo-vendo processos de justiça redento-ra, na sequência do trabalho realiza-do pela Comissão Verdade e Recon-ciliação. Estes processos requeremmuito tempo, esforço e dor, mas sãoindispensáveis para transformar umasociedade profundamente ferida pelaopressão e repressão numa sociedadebaseada na democracia, justiça, res-peito pelos direitos humanos e reco-nhecimento da dignidade de cadapessoa. Uma sociedade na qual asvítimas possam encontrar a força pa-ra perdoar — como Nelson Mandelacontinuamente reiterava — mas tam-bém para não esquecer.

    «Oh, o perdão, como é difícil operdão», refletia Annalena Tonelli,que, na Somália — devastada pelaguerra e fome, fundamentalismo eignorância – nunca desistiu, até sermorta por alguns jovens extremistasem outubro de 2003. «Todos os diasno nosso Centro antituberculose emBorama, não tratamos só doenças docorpo, mas trabalhamos pela paz,pela compreensão, para aprenderjuntos a perdoar». Trabalhava muitocom as mulheres, Annalena, e comelas conduzia «a batalha de cada diaantes de tudo com o que nos man-tém escravos dentro, o que nos man-tém no escuro». Profunda conhece-dora da sociedade somali, ela sabiamuito bem que a luta contra aopressão dos mais fortes e a arrogân-cia das armas, mas também contra ofatalismo e a instrumentalização dareligião só podia ser combatida comas mulheres. Para tornar todos oshomens livres.

    Há muitas situações, em todas aspartes de África, em que as mulheressão protagonistas — muitas vezesanónimas e pouco reconhecidas —dos processos de resistência e resi-liência, cura e regeneração: contex-tos de conflito ou crise, campos derefugiados ou migração forçada, de-sastres climáticos ou injustiça social.Conseguiram romper o muro da in-violabilidade, tornando-se exemplos,mesmo a nível global, de um com-promisso — que exige uma renova-ção constante — com a paz, a justiça,a reconciliação e a cura das feridasda alma.

    E talvez não seja coincidência que— depois dos sul-africanos Tutu,Mandela e De Klerk — os sucessivos

    vencedores do Prémio Nobel da Pazem África tenham sido algumas mu-lheres. A primeira foi a quenianaWangari Maahtai, em 2004, compro-metida na causa ambiental e de gé-nero. Enquanto, em 2011, foi a vezde Ellen Johnson Sirleaf, ex-presi-dente da Libéria, e da sua concida-dã, a advogada Leymah Gbowee(juntamente com uma terceira mu-lher tenaz e corajosa, a iemenitaTawakkul Karman, líder da manifes-tação feminina contra o regime deSana’a). Mas até o Prémio Nobel deDenis Mukwege em 2018 é em gran-de parte feminino. Foi devido ao seuempenho a favor das mulheres bru-talmente violadas e abusadas nas re-giões orientais da República Demo-crática do Congo — para destruir otecido social e comunitário — que omédico de Bukavu recebeu o presti-gioso reconhecimento.

    Paz, esperança e reconciliação fo-ram também o fio condutor da via-gem do Papa Francisco no ano pas-sado ao Quénia, Moçambique eMaurícias. O Pontífice reconheceuem várias ocasiões o importante pa-pel desempenhado pelas mulheresno processo de cura dos horrores dopassado. No entanto, nem sempre éassim. Com efeito, mesmo dentro daIgreja este trabalho crucial realizadosilenciosamente pelas mulheres con-tinua a ser pouco apreciado. Isto,apesar do facto de os documentosoficiais sublinharem repetidamente acentralidade e ineludibilidade doempenho das mulheres nestas áreas.Lê-se, por exemplo, em Africae Mu-nus, a Exortação publicada após oSegundo Sínodo especial para Áfricaem 2009: «Quando a paz está amea-

    çada e a justiça é denegrida, quandocresce a pobreza [...], estais prontaspara defender a dignidade humana,a família e os valores da religião» (n.58).

    É isto que experimenta durantemuitos anos na sua pele — e na peledas pessoas com quem tem partilha-do a sua missão — a irmã Elena Ba-latti, uma missionária combonianano Sudão do Sul. Ela viveu nestepaís os momentos mais terríveis daguerra civil, permanecendo em Ma-lakal, uma das cidades mais devasta-das pelos confrontos também por es-tar localizada numa das regiões maisricas de petróleo. Para além desta

    experiência dramática e persistente,especialmente com as mulheres, a Ir-mã Elena ensina Cura da memóriana universidade católica do Sudãodo Sul e é membro da ComissãoJustiça e Paz das combonianas.«Não basta pôr fim às hostilidades,mesmo que esta seja uma prioridadeabsoluta e muito urgente — diz amissionária — depois de todos estesanos de confrontos e violência, quemuitas vezes envolvem também ascomunidades, põemumas contra asoutras, é necessário acompanhar apopulação para fazer um verdadeirocaminho de reconciliação, valorizan-do em particular o papel das mulhe-res, que são as autênticas artesãs dapaz».

    No outro extremo de África, naGuiné-Bissau, a irmã AlessandraBonfanti, das Missionárias da Ima-culada, recorda como, no início daguerra civil em 1998, nasceu uma or-ganização feminina, chamada Exér-cito de paz: uma organização com-posta por mulheres que tinham deci-dido lutar para pôr fim ao conflito.Propuseram-se como mediadoras econtrastaram a força das suas ideiascom a violência das armas. Diziam:«A paz é um animal estranho: porvezes esconde-se debaixo de bom-bas, mas estamos dispostas a ir bus-cá-la também lá».

    Em 2013, após o último golpe deEstado, um grupo de mulheres dediferentes camadas, social, económi-ca, intelectual e cultural, reuniu-separa realizar um estudo aprofunda-do da situação do país e para elabo-rar «uma visão feminina do processode construção da paz. A Guiné-Bis-sau que queremos é um país de jus-tiça e estabilidade», disseram. Estesexemplos, testemunhou a irmã Ales-sandra, «fazem-nos compreender oimpacto que as mulheres podem terno processo de paz. Mas é essencialque elas possam participar ativamen-te na vida social e política dos seuspaíses. A mulher é um instrumentode reconciliação a começar pela suafamília: como mãe, esposa e irmã,exerce uma forte influência na edu-cação. Em África, graças a Deus,ainda há um coração a bater pelapaz. Um coração de mulher».

    Audiência ao presidenteda República do Quénia

    Na manhã de 6 de novembro o Papa Francisco recebeu em audiênciao presidente da República do Quénia, Uhuru Muigai Kenyatta, quesucessivamente se encontrou com o cardeal Pietro Parolin, secretáriode Estado, acompanhado pelo arcebispo Paul Richard Gallagher, se-cretário para as Relações com os Estados.

    Durante colóquios cordiais na Secretaria de Estado, foram destaca-das as boas relações bilaterais existentes. Neste contexto, não faltou acontribuição da Igreja católica para o bem da sociedade queniana,com particular referência à educação e aos cuidados médicos.

    No prosseguimento das conversações, foi discutida a situação atualdo país e a sua contribuição para o multilateralismo, tanto a nível con-tinental como internacional. Os tópicos de interesse comum tambémforam debatidos, incluindo a emergência pandémica na região, as alte-rações climáticas e a questão dos refugiados.

    Wangari Maathi com o Nobel (Ansa)

  • número 46, terça-feira 17 de novembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

    Constituída uma “Comissão de passagem e controlo” para realizar, no prazo de três meses, a vontade do Papa

    Rumo à transferência da gestão dos fundos financeirosda Secretaria de Estado para a Apsa

    vado através dos mecanismos habi-tuais, com os próprios procedimen-tos exigidos a qualquer Dicastério,exceto no que diz respeito a ques-tões confidenciais que estão sujeitasa sigilo, aprovadas pela Comissãodesignada para o efeito.

    A Secretaria para a Economia im-plemente o controlo e supervisão emmatéria administrativa e financeirasobre todos os Órgãos da Cúria Ro-mana, bem como sobre aqueles quelhe estão ligados ou a ela se referem,de acordo com o que está prescritonos seus Estatutos. Isto implica quea Secretaria de Estado, mantendo aspróprias competências em todos osâmbitos que lhe são atribuídos, emmatéria económica e financeira, nãoterá responsabilidade de vigilância econtrolo de qualquer Entidade daSanta Sé, nem das que lhe estão li-gadas ou que a ela se referem.

    Tendo em conta que a Secretariade Estado não deverá administrarnem gerir patrimónios, será oportu-no que redefina o próprio Departa-mento Administrativo, ou que avaliea necessidade da sua existência.

    Sugiro que, logo que possível, oSecretário de Estado convoque umareunião em que participem o Substi-tuto, o Presidente da Apsa e o Pre-feito da Secretaria para a Economia,com o objetivo de preparar a transi-ção, de modo a que as alteraçõesque delineei sejam efetuadas antesde 1 de novembro p.f.

    Na certeza da sua compreensão,peço-lhe que não me esqueça nassuas orações,

    fraternalmente,

    FRANCISCO

    Vaticano, 25 de agosto de 2020Eminência Reverendíssima!No âmbito da reforma da Cúria, re-fleti e orei pela oportunidade de darum impulso que permita uma orga-nização cada vez melhor das ativida-des económicas e financeiras, conti-nuando na linha de uma gestão queseja, segundo os desejos de todos,mais evangélica, transparente e efi-ciente. Neste ponto do percurso em-preendido, é da maior importânciaque a missão de cada Entidade sejaclaramente definida na esfera econó-mica e financeira e a correspondenteforma de implementar a administra-

    ção e o controlo, a fim de evitar so-breposições, fragmentações ou dupli-cações inúteis e prejudiciais ao bomdesempenho do trabalho da CúriaRomana.

    Tendo já sido verificadas, tanto naApsa, como na Secretaria para aEconomia e na Secretaria de Estado,uma série de mudanças que dão es-perança de que as alterações neces-sárias e funcionais aos objetivos quenos propusemos através da reformada Cúria serão alcançadas frutuosa-mente e para satisfação de todos, etendo agora concluído esta reflexãopara a qual reconsiderei o caminho

    da reforma económica desde o seuinício e a necessidade de tornar ain-da mais eficazes as reformas promo-vidas até agora, desejo comunicar-lhe as minhas decisões.

    A Secretaria de Estado é sem dú-vida alguma o Dicastério que maisestreita e diretamente apoia a açãodo Santo Padre na sua missão, re-presentando um ponto de referênciaessencial na vida da Cúria e dos Di-castérios que dela fazem parte. Nãoparece, contudo, necessário nemoportuno que a Secretaria de Estadodesempenhe todas as funções que jásão atribuídas a outros Dicastérios.É preferível, por conseguinte, que oprincípio da subsidiariedade sejaigualmente aplicado em matéria eco-nómica e financeira, sem prejuízopara o papel específico da Secretariade Estado e para a tarefa indispensá-vel que esta desempenha.

    Com base nas indicações que aca-bo de expor, é minha vontade queno futuro:

    A Secretaria de Estado transfira agestão e a administração de todos osfundos financeiros e do patrimónioimobiliário para a Apsa, que dequalquer modo manterá o seu obje-tivo atual. Deve ser dada especialatenção aos investimentos feitos emLondres e ao fundo Centurion, doqual é necessário sair o mais rapida-mente possível ou, pelo menos, dis-por deles de forma a eliminar todosos riscos de reputação.

    Todos os fundos que até agoratêm sido administrados pela Secreta-ria de Estado sejam incorporados nobalanço consolidado da Santa Sé.Em matéria económica e financeira,a própria Secretaria de Estado fun-cione através de um orçamento apro-

    Depois da carta pontifícia

    Uma reunião com Francisco

    A 4 de novembro, o Papa Francisco presidiu a uma reunião na qual par-ticiparam o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado; o arcebispo Ed-gar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado; os bispos FernandoVérgez Alzaga, secretário-geral do Governatorato do Estado da Cidadedo Vaticano, e Nunzio Galantino, presidente da Administração do patri-mónio da Sé Apostólica (Apsa); e o sacerdote jesuíta Juan AntonioGuerrero Alves, prefeito da Secretaria para a Economia (Spe). Isto foidado a conhecer no dia seguinte através de uma declaração do diretorda Sala de imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, na qual se especificaque «o objetivo da reunião foi promover a implementação do que oSanto Padre pediu com a carta ao secretário de Estado, datada de 25 deagosto de 2020, sobre a transferência da gestão administrativa dos fun-dos da Secretaria de Estado» para a Apsa «e do seu controlo» à Spe.

    «Na mesma reunião — conclui a declaração — o Papa criou a “Comis-são de passagem e controlo”» (constituída pelos bispos Peña Parra eGalantino e pelo padre Guerrero Alves) «que entra em função com efei-to imediato, a fim de completar, nos próximos três meses, as disposiçõesda carta ao secretário de Estado», da qual publicamos o texto completonesta página.

    Na Sagrada Família em Barcelona a beatificação do jovem Joan Roig i Diggle

    Mártir pela EucaristiaA Eucaristia foi o alimento que fortaleceu a fé e aesperança de Joan Roig i Diggle, recordou o car-deal Juan José Omella Omella, arcebispo de Bar-celona, durante a missa de beatificação do jovemmártir assassinado em 1936 durante a guerra civilespanhola. O rito foi presidido pelo purpurado,em representação do Papa Francisco, na manhãde 7 de novembro, na basílica da Sagrada Famíliana cidade catalã.

    Tal como os primeiros cristãos, disse o cele-brante na homilia, Joan «não podia viver semparticipar na Eucaristia ou sem a sagrada Comu-nhão». Por isso, antes de ser preso, quis receber ahóstia consagrada e conseguiu tranquilizar a suamãe com estas palavras: «Deus está comigo». «Ea sua mãe, como todas as mães — acrescentou ocelebrante — foi capaz de suportar aquele momen-to terrível porque tinha a esperança no Senhor».

    A vida eucarística levou o jovem Joan «a quererser pão partido e partilhado com os homens emulheres do seu tempo», frisou o cardeal, formu-lando votos de que todos os crentes possam viveras celebrações eucarísticas «com a mesma paixãoe alegria com as quais o beato viveu».

    Nas recordações da sua irmã Lourdes, Joanaparece como «um rapaz sensível às injustiças eque amava acima de tudo as pessoas mais vulne-ráveis». A este respeito, o cardeal salientou que,quando o jovem viajava de comboio, ficava cho-cado ao ver as condições dos foguistas que «tra-balhavam arduamente para ganhar um salário irri-sório, enquanto os ricos festejavam na praia, inde-pendentemente do sofrimento alheio».

    A Federação de jovens cristãos da Catalunha,que Joan frequentava, «ajudou o nosso mártir aconhecer melhor Jesus e a tornar-se um ardentedefensor da doutrina social da Igreja», continuouo arcebispo de Barcelona, salientando que o novobeato estava empenhado «na construção da civili-zação do amor e na luta pela justiça, paz e solida-riedade». Joan soube reconhecer «a existência deum desejo de justiça social» e, consciente da si-tuação do seu tempo — tão semelhante à que ahumanidade vive hoje — «quis transformar a so-ciedade» não por meios violentos, mas através doEvangelho «que se traduz em obras na doutrinasocial da Igreja». Um momento da beatificação (Guillermo Simon Castellví)

  • página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 17 de novembro de 2020, número 46

    Mensagem para a festa do Deepavali de 2020

    Reacender um clima de esperançaem tempos de pandemia de Covid-19

    Cidade do Vaticano

    Caros amigos hindus!

    O Pontifício Conselho para o Diálo-go Inter-Religioso apresenta-vos asmais cordiais saudações e os melho-res votos para o Deepavali, que esteano será celebrado no dia 14 de no-vembro. No meio das dificuldadesda pandemia de Covid-19, que estafesta significativa possa dissipar asnuvens do medo, da ansiedade e dequalquer temor, enchendo mentes ecorações com a luz da amizade, ge-nerosidade e solidariedade.

    Com a Mensagem deste ano, oPontifício Conselho encarregado depromover o diálogo e a cooperaçãoentre as religiões continua a queridatradição de vos transmitir os melho-res votos, acompanhados de algumasreflexões apropriadas. Destas Men-sagens, que procuram reconhecer,preservar e cultivar os aspetos positi-vos presentes em ambas as nossastradições religiosas e patrimónios es-pirituais (cf. Nostra aetate, 2), esta éa vigésima quinta. Embora se tratede um pequeno passo rumo ao res-peito e à cooperação inter-religiosa,ao longo dos anos estas Mensagenscontribuíram para a promoção do

    diálogo e harmonia hindu-cristã emvários níveis. Continuemos esta no-bre tradição com a intenção de mol-dar, encorajar e aprofundar as rela-ções recíprocas entre hindus e cris-tãos, como instrumento de colabora-ção para o nosso bem e o de toda ahumanidade.

    Este ano, no sulco da pandemiade Covid-19, queremos partilhar con-vosco algumas reflexões sobre a ne-cessidade de encorajar um espíritopositivo e esperança para o futuro,também perante obstáculos aparen-temente intransponíveis, desafios so-cioeconómicos, políticos e espiri-tuais, ansiedade, incerteza e medogeneralizados. Os nossos esforços aeste respeito baseiam-se na convic-ção de que Deus, que nos criou eampara, não nos abandonará. Masum encorajamento ao otimismo po-de parecer pouco realista para quan-tos perderam entes queridos, empre-gos, ou ambos.

    Com efeito, até a mais ousada es-perança e sentido de positividade ésuscetível de se dissipar nas situa-ções trágicas causadas pela atualpandemia e as suas graves conse-quências para a vida quotidiana, aeconomia, os cuidados de saúde, aeducação e as práticas religiosas.

    Mas é precisamente a confiança naProvidência divina que nos inspira aser otimistas e a estar dispostos atrabalhar para reacender a esperançano meio das nossas sociedades.

    Com efeito, a pandemia provocoumuitas mudanças positivas na nossamaneira de pensar e de viver, embo-ra a nível mundial tenha causado so-frimentos sem precedentes e confina-mentos que alteraram o curso nor-mal da vida. As experiências de so-frimento e um sentido de responsa-bilidade mútua uniram as nossas co-munidades em solidariedade e preo-cupação, em atos de bondade ecompaixão para com os sofredores eos necessitados. Estes sinais de soli-dariedade fizeram-nos apreciar maisprofundamente a importância dacoexistência, a pertença recíproca e anecessidade que temos uns dos ou-tros para o bem-estar de todos e danossa casa comum. Como o PapaFrancisco observou, «hoje a solida-riedade é o caminho a percorrer ru-mo a um mundo pós-pandemia, pa-ra a cura das nossas doenças inter-pessoais e sociais», é «um caminhopara sairmos melhores da crise» (cf.Audiência geral, 2 de setembro de2020).

    As nossas respetivas tradições reli-giosas ensinam-nos a permanecerpositivos e esperançosos até nas ad-versidades. Prestando atenção às tra-dições e aos ensinamentos religiosos,podemos lutar no meio da crise glo-bal para difundir o que o PapaFrancisco gosta de chamar «o contá-gio da esperança» (Mensagem Urbi etOrbi, 12 de abril de 2020) com ges-tos de cuidado, afeto, bondade ecompaixão, que são mais contagio-sos do que o próprio coronavírus.

    Baseados nestas tradições e ensi-namentos religiosos, nos nossos va-lores partilhados e no nosso compro-misso de melhorar a humanidade,possamos nós, cristãos e hindus,unir-nos a todas as pessoas de boavontade para construir uma culturade positividade e esperança no cora-ção das nossas sociedades, não sónestes dias difíceis, mas também nofuturo que nos espera.

    Desejamos feliz Deepavali a todosvós!

    Miguel ÁngelCardeal Ayuso Guixot, MCCJ

    P re s i d e n t eArcebispo Indunil Kodithuwakku

    Janakaratne KankanamalageS e c re t á r i o

    Vídeo com a intenção de oração do Papa para o mês de novembro

    A robótica ao serviço do bem comum

    ADRIANA MASOTTI

    Um desenvolvimento rápido que não es-tá isento de riscos e consequências nega-tivas se não for governado tendo emmente a centralidade do ser humano. Éo que carateriza a inteligência artificial,um campo tecnológico crucial na socie-dade atual, pelo qual o Papa pede ora-ções aos fiéis do mundo inteiro. No ví-deo com a intenção que confia à Igrejapara este mês de novembro, Franciscoobserva, falando em espanhol, que a in-teligência artificial está «na base da mu-dança de época que estamos a viver». Econtinua: «A robótica pode tornar possí-vel um mundo melhor, se estiver unida

    estudantes, ajudar as pessoas com deficiência a desen-volver instrumentos de comunicação, facilitar a recolhae a divulgação de informações médicas para melhorar odiagnóstico e o tratamento. Também no campo ecoló-gico, os dados sobre as mudanças climáticas podem seranalisados para prever catástrofes naturais. Ainda podeser utilizado para criar cidades sustentáveis, reduzindocustos e aumentando a eficiência energética.

    Por conseguinte, as possibilidades de utilizar o pro-gresso para o bem comum são enormes e as imagensno vídeo do Papa mostram algumas delas.

    «A mutação das nossas sociedades transforma tam-bém o nosso trabalho. São mudanças rápidas que de-vem ser acompanhadas para o bem de todos», observao padre jesuíta Frédéric Fornos, diretor internacionalda Rede mundial de oração. E neste sentido a intençãode Francisco, «reforça a ideia de que o benefício que ahumanidade obteve, e continuará a obter, do progressotecnológico deve contemplar sempre, em paralelo, umadequado desenvolvimento de responsabilidades e va-l o re s » .

    ao bem comum. Pois se o progresso tecnológico au-mentar as desigualdades, não será um progresso real».Sucessivamente, o Pontífice indica o caminho a seguir,recordando que «os progressos futuros devem serorientados para o respeito pela dignidade da pessoa eda Criação», afirmando que não devemos perder devista a humanidade. «Oremos para que o progresso darobótica e da inteligência artificial esteja sempre ao ser-viço do ser humano» — exorta Francisco — ou melhor,para que «seja humano».

    No comunicado difundido pela Rede mundial deoração do Papa, que promove mensalmente esta inicia-tiva, as palavras de Francisco são contextualizadas:«Não é novidade — lemos — que nos últimos anos ainteligência artificial progrediu a um nível exponencial,como foi evidenciado pelas suas muitas aplicações emvários campos do conhecimento»: é suficiente pensarque 37% das organizações mundiais a implementaramde alguma forma, com um aumento de 270% nos últi-mos quatro anos. É capaz de resolver muitas questões:tais como avaliar a capacidade de aprendizagem dos

    CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

    riqueza. Aquelas coisas declinarão,ao passo que o amor sobressairá.Como escrevia um grande Padre daIgreja, «assim acontece na vida:quando chega a morte, acaba-se oespetáculo; todos tiram a máscara dariqueza e da pobreza ao deixaremeste mundo. E são julgados apenascom base nas suas obras, resultandouns realmente ricos, outros pobres»(SÃO JOÃO CR I S Ó S T O M O, D i s c u rs osobre o pobre Lázaro, II, 3). Se nãoqueremos viver pobremente, peça-mos a graça de ver Jesus nos pobres,servi-Lo nos pobres.

    Quero agradecer a tantos servosfiéis de Deus, que vivem assim, ser-vindo, e de quem não se fala. Penso,por exemplo, no padre RobertoMalgesini. Este padre não fazia teo-rias; simplesmente, via Jesus no po-bre; e o sentido da vida, em servir.Enxugava lágrimas com mansidão,em nome de Deus que consola. Oinício do seu dia era a oração, paraacolher o dom de Deus; o centro dodia, a caridade para fazer frutificar oamor recebido; o final, um claro tes-temunho do Evangelho. Aquele ho-mem compreendera que devia esten-der a sua mão aos inúmeros pobresque encontrava diariamente, porqueem cada um deles via Jesus. Irmãose irmãs, peçamos a graça de ser cris-tãos não em palavras, mas emobras... para dar fruto, como Jesusdeseja. Assim seja..

    Dia mundialdos pobres

  • número 46, terça-feira 17 de novembro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

    INFORMAÇÕES

    AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

    No dia 6 de novembroSua Ex.cia o Sr. Uhuru Kenyatta,Presidente da República do Quénia,com o Séquito.O Senhor Cardeal Luis FranciscoLadaria Ferrer, Prefeito da Congre-gação para a Doutrina da Fé.

    No dia 7 de novembroOs Senhores Cardeais Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; Giovanni Battista Re, Deca-no do Colégio Cardinalício; e Ange-lo Comastri, Vigário-Geral de SuaSantidade para a Cidade do Vatica-no.

    No dia 9 de novembroSua Ex.cia a Senhora Maria Alejan-dra Muñoz Seminario, Vice-Presi-dente da República do Equador.O Rev.do Pe. Pierluigi Maccalli, daSociedade das Missões Africanas.

    RenúnciasO Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

    A 7 de novembroDe D. José Dolores Grullón Estrella,ao governo pastoral da Diocese deSan Juan de la Maguana (RepúblicaD ominicana).

    A 11 de novembroDe D. Fernando Mason, O.F.M.Conv., ao governo pastoral da Dio-cese de Piracicaba (Brasil).

    NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

    No dia 7 de novembroBispo da Diocese de San Juan de laMaguana, na República Dominica-na, o Rev.do Pe. Tomás Alejo Con-cepción, do clero da Diocese de LaVega, até agora Pároco da Paróquiade “Nuestra Señora de Fátima”, namesma Sede.

    D. Tomás Alejo Concepción nasceuno dia 15 de junho de 1963, em SantaAna, Diocese de La Vega (República

    Dominicana), e foi ordenado Sacerdotea 7 de agosto de 1993.

    No dia 10 de novembro

    Bispo da Diocese de Bayeux (Fran-ça), D. Jacques Habert, até à presen-te data Bispo de Sées.

    Bispo Auxiliar da Arquidiocese deYangon, em Myanmar, o Rev.do Pe .Noel Saw Naw Aye, do clero deYangon, até hoje Procurador damesma Arquidiocese e Docente deSagrada Escritura no SeminárioMaior, simultaneamente eleito BispoTitular de Methamaucum.

    D. Noel Saw Naw Aye nasceu nodia 14 de fevereiro de 1969, emSaukwaigyi Village, Arquidiocese deYangon (Myanmar), e foi ordenadoPresbítero em 18 de março de 1995.

    No dia 11 de novembro

    Arcebispo Metropolitano da Arqui-diocese de Merauke (Indonésia), D.Petrus Canisius Mandagi, M.S.C., até

    agora Bispo da Diocese de Amboi-na.Bispo da Diocese de Piracicaba(Brasil), D. Devair Araújo da Fonse-ca, até agora Bispo Titular de Uzalise Auxiliar da Arquidiocese Metropo-litana de São Paulo.Bispo Auxiliar da Arquidiocese Me-tropolitana de Cracóvia, na Polónia,o Rev.do Pe. Robert Józef Chrząszcz,do clero da mesma Sede, até estadata Vigário Episcopal do VicariatoJacarepaguá, na Arquidiocese de SãoSebastião do Rio de Janeiro (Brasil),e Pároco de São Pedro do Mar, noRio de Janeiro, simultaneamenteeleito Bispo Titular de Forconium.

    D. Robert Józef Chrząszcz nasceu a7 de outubro de 1969, em Wadowice,Arquidiocese Metropolitana de Cracóvia(Polónia), e recebeu a Ordenação pres-biteral no dia 14 de maio de 1994.Em 2005 partiu para o Brasil comosacerdote “fidei donum”, incardinadona Arquidiocese de São Sebastião doRio de Janeiro, onde desempenhou ocargo de administrador paroquial(2006-2008). Depois foi nomeado pá-roco (2008-2019) da Paróquia deSanta Luzia e mais tarde vigário forâ-neo da II Forania do Vicariato Jacare-paguá (2009-2014), desempenhandoaté à presente data também a função

    de coordenador da Comissão arquidio-cesana de coroinhas e acólitos.

    Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

    A 7 de novembroD. Anicetus Bongsu Antonius Sina-ga, Arcebispo Emérito de Medan(Indonésia), de Covid-19.

    O saudoso Prelado nasceu na locali-dade de Nagadolok, Arquidiocese deMedan, na Indonésia, a 25 de setem-bro de 1941. Foi ordenado Sacerdotedos Frades Menores Capuchinhos nodia 13 de dezembro de 1969 e recebeua Ordenação episcopal das mãos deJoão Paulo II em 6 de janeiro de1981.

    A 8 de novembroD. Benedito Roberto, membro daCongregação do Espírito Santo, Ar-cebispo de Malanje (Angola), deCovid-19.

    O ilustre Prelado nasceu a 5 de no-vembro de 1946, na localidade deMussende Gango, Diocese de Sumbe,em Angola. Recebeu a Ordenação pres-biteral no dia 18 de outubro de 1981 efoi ordenado Bispo em 25 de fevereirode 1996.

    A beatificação de Michael McGivney em Hartford

    Testemunha de solidariedadeO beato Michael McGivney foi «uma extraordináriatestemunha de solidariedade cristã e de assistência fra-terna», pelo seu zelo no anúncio do Evangelho e pelasua «generosa solicitude pelos irmãos e irmãs». Eis aspalavras que o Papa Francisco escreveu na carta apos-tólica, por ocasião da beatificação do fundador dosCavaleiros de Colombo, lida pelo cardeal Joseph Wil-liam Tobin, arcebispo de Newark, durante o rito debeatificação que presidiu — em representação do Papa— na tarde de 31 de outubro, na Catedral de São Joséem Hartford, Estados Unidos da América.

    Na homilia, o cardeal aprofundou os aspetos do mi-nistério presbiteral do novo beato. A sua vida, disse, é

    um exemplo do modo como «um santo sacerdote»possa dar testemunho do vínculo entre o povo e Deus,tão íntimo e necessário na vida e na missão da paró-quia.

    O padre McGivney, salientou o cardeal, «conhecia orequisito simples e indispensável para um pastor: amaro seu povo». Com efeito, ele estava com o seu povonos momentos de alegria mas também de dor, de mor-te e de luto. Assim, santificou-se «fazendo o que os pá-rocos ainda fazem, dia após dia».

    A sua paróquia, disse o purpurado, não era apenasum conjunto de nomes de pessoas, mas de rostos co-nhecidos. As prisões e os hospitais estavam no centrodas suas preocupações. Promovia também «relaçõesrespeitosas» com outras comunidades cristãs e autori-dades civis. Na verdade, foi «um construtor de pon-tes» que se comprometia a não erguer muros.

    Em McGivney, salientou o celebrante, «vemos o ros-to de um filho de imigrantes» irlandeses «que deu avida ao serviço pastoral dos recém-chegados a estepaís». Foi um «apóstolo que cuidava das vítimas deuma epidemia» de gripe chamada “ru s s a ”, devido àqual morreu. No entanto, cento e trinta anos após oseu nascimento no Céu, a sua vida ainda fala eloquen-temente de santidade. Jesus, acrescentou o cardeal, pe-de «a cada um de nós que se torne santo» e cada um«pode certamente encontrar encorajamento na vida dopadre McGivney», de modo especial aqueles que sãochamados a santificar-se como párocos.

    Também a fundação dos Cavaleiros de Colombo, em1882, nasceu «do seu ministério de pároco». O beatocontinuou o apostolado até ao fim; até «que o seu cor-po exausto se rendeu à doença», dando assim «a vidapelos seus amigos». Portanto, a beatificação «nestemomento da nossa peregrinação comum», num tempode sofrimento e divisão, «é um sinal da bondade deDeus e convida-nos a seguir em frente». O beato lem-bra a todos que a vida não está ligada a interesses par-ticulares mas é «um dom a partilhar», recorrendo sem-pre à misericórdia de Deus para a difundir entre os ir-mãos.

  • página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 17 de novembro de 2020, número 46

    Estender a mãoaos necessitados

    Prece pelas Filipinas, Costa do Marfim e Roménia

    O Papa comentou a parábola dos talentos

    ANGELUS

    CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

    A coragem necessária neste tempo de incerteza

    vitavelmente infecunda, enquantoos outros são os verdadeiros servosfiéis, porque se puseram em jogo einterpretaram o seu papel com co-ragem e liberdade, revelando-se fe-cundos.

    Esta parábola, tal como as outrasdo Evangelho, diz muito precisa-mente hoje, «nestes temp