principios de direito financeiro

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OS P~IN(íPIOS DO DIREITOFINANCEIRO JOSÉ RIBAMAR GASPAR FERREIRA Professor Titular do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná. Trata dos princípios do Direito Financeiro, analisando di- versas classificações. Define os princípios gerais do Direito como normas fundamentais, expressas ou não, que sinteti- zam a experiência jurídica e se aplicam diretamente ou em caráter integrativo nas resoluções jurídicas e orientam a ela- boração, interpretação e aplicação das normas primárias. De- fende que os princípios gerais do Direito Financeiro são os imediatamente resultantes da experiência jurídica da norma- ção da atividade financeira do Estado e demais entes públi- cos e da solução das questões surgidas com essa atividade. 1 INTRODUÇÃO Na linguagem comum a palavra princípics pode significar I'udimentos, leis básicas de uma ciência ou fundamentos de um sistema de idéias ou valores. Na linguagem jurídica princípios tem um sentido particular com maior ou menor extensão conforme se lhe junte a ex- pressão "gerais de Direito" ou "gerais próprios'. (de algum ramo do Direito). 2 PRINCIPIOS GERAIS DE DIREITO Vezio CRISAFULlI, que fez um longo estudo sobre os prin- cípios gerais de Direito, apresenta, em seU trabalho, as duas tendências de conceituação dos princípios gerais na doutrina R. Fac. Direito, Curitiba, a.26, n.26, p.47-54, 1990/91 47

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Page 1: Principios de Direito Financeiro

OS P~IN(íPIOS DO DIREITOFINANCEIRO

JOSÉ RIBAMAR GASPAR FERREIRAProfessor Titular do Departamento de Direito Público

da Universidade Federal do Paraná.

Trata dos princípios do Direito Financeiro, analisando di-versas classificações. Define os princípios gerais do Direitocomo normas fundamentais, expressas ou não, que sinteti-zam a experiência jurídica e se aplicam diretamente ou emcaráter integrativo nas resoluções jurídicas e orientam a ela-boração, interpretação e aplicação das normas primárias. De-fende que os princípios gerais do Direito Financeiro são osimediatamente resultantes da experiência jurídica da norma-ção da atividade financeira do Estado e demais entes públi-cos e da solução das questões surgidas com essa atividade.

1 INTRODUÇÃO

Na linguagem comum a palavra princípics pode significarI'udimentos, leis básicas de uma ciência ou fundamentos deum sistema de idéias ou valores.

Na linguagem jurídica princípios tem um sentido particularcom maior ou menor extensão conforme se lhe junte a ex-pressão "gerais de Direito" ou "gerais próprios'. (de algumramo do Direito).

2 PRINCIPIOS GERAIS DE DIREITO

Vezio CRISAFULlI, que fez um longo estudo sobre os prin-cípios gerais de Direito, apresenta, em seU trabalho, as duastendências de conceituação dos princípios gerais na doutrina

R. Fac. Direito, Curitiba, a.26, n.26, p.47-54, 1990/91 47

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italiana. A primeira "cansidera, em essência, cama princí-piasgerais aqueles princípias latentes na sistema da direita pasi-tiva, aas quais a intérprete pade e deve recarrer, quandO' adisciplina de uma determinada relaçãO' ou situaçãO' da vida realnãO' seja passível em base de uma precisa narma expressae nem através da aplicaçãO' analógica de narmas ditadas ari-ginariamente para regulamentaçãO' de autras casas". A segun--da, cantandO' cam a autaridade de Santi Ramana, dá aas prin-cípias gerais um canceita que vai além da integraçãa das dis-pasições particulares da lei e admite que, além das princípiascanhecidas pela tradicional pracedimenta abstracianista, au-tras existem, revelanda-se através da cancreta canfiguraçãa e;maneira de ser das instituições individuais que, necess-aria-mente, os cantém, e da Estada mesma (4).

Francesca CARNELUTTI,dá a seguinte definiçãO' de princí-piO' de Direita: "... dispasiçãa nãO' expressa, mais ampla ecampreensiva. . .enquantO' que a dispasiçãa expressa se ari-gina dele (princípiO') par via da especificaçãa (3)

Norberto 808810, par sua vez, sustenta: os princípiosgerais nãO' são, senão normas fundamentais au generalíssimasda sistema, as normas mais gerais. O name de princípiosleva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas seos princípios gerais sãO' normas. Entretanto, não há dúvida:os princípios gerais são normas como todas as outras. E estaé também a tese sustentada pelo estudioso que se ocupou ;maisamplamente do problema, Crisafulli (4).

Raberto Limangi FRANÇA, .em Princípios gerais de Direitotranscreve a definiçãO' de princípios dada par Ettore Casati eGiacoma Russo: "São, 'Conforme a moderna dautrina e o có-digo vigente, aquelas ideal idades positivas e progressivas naevolução da vida social, que vão historicamente afirmando-senos preceitos positivos dos quais constituem, por assim dizer,a quintessência, devendo-se abstratamente extrair de todo acomplexo das narmas sabre as quais se assenta o ordenamGntajurídico estatal do qual são .a base e o fundamento" F).

Farmau-se o conceito de que as princípios gerais de Di-reita são narmas fundamentais, expressas ou nãO', que sinte-tizam a experiência jurídica e se aplicam diretamente au e'm

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caráter integrativo nas resoluções jurídicas e orientam a ela-boração, interpretação e aplicação das normas primárias.

Por isso .considera-se que os princípios gerais de Direitotê.m as funções normativa, construtiva e integrativa.

3 OS PRINCíPIOS DO DIREITO FINANCEIRO

Giuliani FONROUGE,citando D'amelio, sustenta que a au-tonomia de um ramo do Direito reside na existência em prin-cipios gerais próprios. Eles constituem as "linhas arquitetô-nicas do novo direito" (6). Mas, não adianta o autor argentinoquais seriam os princípios do Direito Financeiro.

Rafael CALVO ORTEGA, entretanto, os indica, em um ar-tigo, sobre os pressupostos científicos do Direito Financeiro:

1.° Princípio de reserva da Lei, que, no Direito Financeiro,tanto na vertente dos ingressos como na dos gastos públicos,joga com rigor maior do que no resto da atividade adminis-trativa;

2.° Princípio de preferência da Lei, que ve.m restringir noDireito Financeiro o âmbito da potestade regulamentária daAdministração em uma medida superior a outros ramos doDireito Público;

3.° Princípio do 'Controle regulamentário retrospectivo, quetambém alcança no Direito Financeiro uma ,generalidade e pe-riodicidade que não existe em nenhum outro â-mbito da ativi-dade administrativa;

4.° Princípio de não discricionariedade administrativa. Ca-racterística não só do Direito Tributário - como já havia assi-nalado Berliri, fazendo ver cc'mo em matéria tributária "a admi-nistração nãü tem nenhum poder discricionário, devendo limi-tar-se a aplicar do modo mais rígido a Lei impositiva" - senãotambém no Direito Orçamentário.

5.° Princípio da indisponibilidade administrativa das situa-ções jurídicas subjetivas (2).

Embora tais princípios sejam referidos ao ordenamento ju-rídico espanhol, como adverte Alvaro RODRIGUESBEREIJO(9),

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(e não poderia ser diferente), eles constitue'm uma evidênciado labor científico para identificá-Ios, assim como D'AMELlO(5),MAFFEZZONI(8) e SIMON ACOSTA(1°) têm feito, inclusiveRODRIGUES BEREIJO que, criticando os princípios indicadospor Calvo Ortega, acrescenta o de justiça financeira (2),

4 OS PRINCíPIOS DO DIREITOFINANCEIROBRASILEIRO

Como os princípios gerais de direito, conceitualmente, sãorelativos a um ordenamento jurídico, os princípios gerais pró-

. prios çe um ramo do Direito são próprios desse ramo do Di-reitO.em um determinado ordenamento(4, 9).

Assim, . deve-se identificar os princípios gerais própriosdo Direito Financeiro Brasileiro.

Primeiramente deve-se observar os princípios citados porautores nacionais, depois, pelo tradicional método de genera-lização indica-se aqueles que parecerem próprios.

O ilustre Prof. Geraldo de Camargo VIDIGAL,em seu Fun-damentos do Direito Financeiro, classifica os princípios geraisdo Direito Financeiro em:

a) Condicionais: princípio da relação estrutura/conjuntu-ra, princípio da visualização global, princípio da otimização degestão, princípio da realidade político-administrativa;

b) Princípios técnicos: princípio da relação instrumentosde troca/preços, princípios da relação instrumentos de troca/balança de pagamentos, princípio do pleno emprego.

c) Princípio Final: da igualação dos custos e benefícios~ociais marginais (12).

As definições que o Prof. VIDIGALdá dos princípios enun-ciados indicam o seu conceito de princípios do Direito Finan-ceiro. Diz o mestre: "chama-se 'finais' aqueles princípiosque ilumjnam as metas dos atos financeiros, orientando a re-gulamentação dos instrumentos de troca e sua utilização peloEstado a partir da consideração dos objetivos perseguidos" (12).

"Condicionais são os princípios que ditam formas e pro-cessos indispensáveis à melhor utilização dos instrumentos

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BlsrLOT!:C.ADE C'~NC!I\S .JURIDICASde troca pelo Estado, em função de limitações que lhe im-põem estruturas e conjunturas econômico-político-administrati-vaso Por fim, denomina-se 'técnicos' os princípios que indicamextensão e limites do uso público dos instrumentos de troca,a partir de definição de mecanismos de repercussão desseuso no universo social" (12).

Em um parágrafo, na página seguinte, há uma afirmaçãoainda mais reveladora: "os princípios informativos do DireitoFinanceiro são de natureza lógica: mas há, no princípio cha-.mado 'final', elementos de claro sentido ético" (12).

A natureza de "informativos" desses princípios não .cor-responde às notas do .conceito conveniente.

O Prof. Igor TENÓRIO,em um artigo sob o título DireitoFinanceiro Brasileiro, enumera os seguintes princípios:

1.° Princípio da prevalência da norma financeira da União;

2.° Princípio do planejamento governamental como condi-ção essencial à elaboração orçamentária;

3.° Princípio da transferência da receita -e da cooperaçãofinanceira intergovernamental;

4.° Princípio do Sistema Tributário Nacional;

5.° Princípio da padronização orçamentária;

6.° Princípio da prestação de contas e controle;

7.° Princípio de resguardo do crédito público (11).

Esses princípios, conforme se vê da explanação que sesegue no artigo do renomado Professor da Universidade deBrasília, são resumos de disposições da Constituição de 1967e Emendas.

Como a Constituição de 1967 não vige mais, dir-se-ia queos princípios acima também não existem mais. Entretanto, nãoé bem assim. Os princípios extraídos da Constituição de 1967permanecem na atual Constituição. Mas são princípioscons-titucionais ou constitucionais financeiros, se quiserem, e nãopropriamente do Direito Financeiro, porque antes resultam dasdecisões políticas que organizaram ou reorganizaram o Estado

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BIBILOTECADE CI~NCJASJURIDICAS

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através das disposições que constitue.m a Carta, inclusive aque-las de onde se reduziram os princípios apresentados (12).

No presente trabalho os princípios gerais próprios do Di-reito Financeiro são os imediatamente resultantes da experiên-cia jurídica da normação da atividade financeira do Estado edemais entes públicos e da solução das questões surgidascom essa atividade.

Com esse entendimento e' pelo estudo da legislação fi-nanceira passada e presente e de decisões de órgãos admi-nistrativos e jurisd:cionais, encontra-se, como substância norma-tiva das normas particulares, . os seguintes princípios geraisdo Direito Financeiro Brasileiro:

a) a atividade financeira do Estado é regulada;

b) a realização da receita pública se faz conforme a lei;

c) a execução da despesa pública depende de autorizaçãolegal e obedece a procedimento estabelecido em lei;

d) as transações financeiras públicas devem ser registra-das e seus resultados de.m-onstrados após cada exercício;

e) os administradores públicos estão obrigados à presta-ção de contas dos valores que recebe'm, administram ou gas-tam, como tais.

Não se diga, como RODRIGUEZBEREIJOdisse dos princí-pios de Ortega, que os princípios agora expostos se reduzemao da legalidade, porque este é comum de todos os atos jurí-d:cos e o que se objetiva são os princípios indicadores de umramo de direito e, portanto, relativas à "legalidade" dos atosque o ramo do Direito disciplina.

Nem se diga que o princípio (a) compreende o (b) e o (c)porque a atividade financeira abrange, além da obtenção dosrecursos financeiros e seu dispêndio, a admin:stração dos va-Iares obtidos pelo ou confiados ao Estado ou seus agentes.O que o princípio (a) confirma é a existência de um sistemade normas que disciplinam a atividade financeira do Estado edos outros entes públicos, sistema que, pela natureza dos atose das respectivas normas reguladoras, constitui o Direito Fi-nanceiro.

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Os outros princípios se referem a atos de espécies diver~sas do gênero financeiro, o que determina sua existência eidentificação.

5 CONCLUSÃO

Os princípios gerais de Direito são normas fundamentaisresultantes da experiência jurídica. Os princípios gerais doDireito Financeiro Brasileiro são, por conseqüência, normas fun-damentais do Direito Financeiro Brasileiro resultantes da expe-riência jurídica na regulamentação da atividade financeira doEstado.

ABSTRACT

This paper is about some principies of Fiscal Lawanaly-sing several classifications on the subject. Defines generalprincipies of law as fundamental laws summing up a juridicalexperience. These principies are c:pplied directly or in a in-tegrated fashion in juridical matteJS and give directions to theelaboration, interpretation and application of primary norms. Itstates that the general principies of Fiscal Law wich areimmediate result of judicial experience of the financial activitiesof the state and others publicentities.

REFERÊNCiAS BIBLIOGRÁFICAS

1 BOBBIO, Norberto. Teoria dell'ordenamento giuridico. Torino: Giap-piachelli, 1950. p. 181.

2 CALVO ORTEGA, Rafael. Consideraciones sobre los pressupostos cien-tíficos dei derecho financeiro. Hacienda Pública Espaiíola, n. 1, p.135-136, Is.d.l.

3 CARNELUTTI, Francesco. Teoria general dei derecho. Madrid: Edito-rial Revista de Derecho Privado, 1955. p. 116.

4 CRISAFULLI, Vezio. Per Ia determinazione dei concetto dei principigenêrali dei diritto. Riv. Int. de FiI. dei Diritto, v. 21, n. 115, p.48-50, 1941.

5 D'AMELlO. L'autonomia dei diritti in particulare dei diritto finanziario:nell'unitá dei diritto. Riv. di Diritto Finanziario e Scienza deUe

Finanze, v. 1, p. 1-16, 1941.6 FONROUGE, Giuliani. Derecho financeiro. Buenos Aires : Depalma,

1962. v. 1.

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"7" 'FRANÇA~'R.'Limongi. Princípios gerais de, direito. - 2. ed. São Paulo:. Rév. do_s Tribunais, 1971. p. 59-60. -

8 MAFFEZZONI. Frederico. In torno ai principi generali -dei' dirittofinanziario. Rivelanza giuridica e vicenda storica della dottrina ,cau-sale dei tributi. Jus, v. 1, p. 172, junio Is.d.l. --

9 RODRIGUEZ BEREIJO. Alvaro. Introduccion ai estudio dei derechofinanceiro. Madrid : Instituto de Estudios Fiscales/Ministério deHacienda, 1976. p. 141.

10 SIMON ACOSTA, Eugenio. EI derecho financeiro y Ia ciência jurídica.Bolonia : Publicaciones dei Colégio de Espana. 1985. p. 188-212.-

.11 TENÓRIO. Igor. Direito financeiro brasileiro. B. Inspetoria Geral deFinanças, 1973.

12 VIDIGAL,Geraldode Camargo. Fundamentos do direito financeiro. SãoPaulo: Rev. dos Tribunais. 1973. p. 95-98. -

54 H. Fac. Direito. Curitiba. a.26, n;26, p.47-54. 1990/91