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PROBLEMÁTICA RACIAL E DE GÊNERO: A MULHER NEGRA NO BRASIL1
Camila Duarte2
Edemir Braga Dias3
RESUMO: O presente artigo busca fazer uma análise sobre a situação das mulheres negras no
Brasil. Nesse ínterim, apresentando constatações que são elas umas das maiores vítimas da
discriminação, tanto racial como de gênero. Demonstrando várias facetas dessa situação:
mulheres negras são as que sofrem mais discriminação no local de trabalho, no sistema de saúde
pública, nas escolas, e por obviedade na política. Discute a presença do racismo dos brasileiros
na vida cotidiana, enfocando-se em mínimas atitudes e mínimos comentários que aparentam por
vezes serem inofensivos. Questiona-se ao longo do estudo: Quais as possibilidades e
oportunidades das mulheres negras nesse país que diz não enxergar a cor, quando a realidade
mostra ser outra? Por conseguinte, realiza-se uma abordagem panorâmica das estatísticas
disponíveis sobre a condição da mulher negra no Brasil. Ao final é elaborada uma discussão
sobre a relutância da sociedade brasileira de tomar a sério o problema das desigualdades de raça
e gênero, visando ir além da superficialidade de simples discursos de inclusão.
PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Negras; Brasil; Vítimas de discriminação; Desigualdades;
Inclusão.
1 GT 06: Direito, Cidadania e Cultura. 2 Acadêmica e Bolsista CAPES do Curso de Mestrado em Direito do PPGD da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pós-graduanda na área de Direito do Consumidor.
Graduada em Direito pela Unijuí, Campus Três Passos-RS. E-mail: [email protected]. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado e Doutorado em Direito da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo/RS.
Graduado em Direito pela URI, Campus Santo Ângelo/RS. Graduando em Pedagogia nesta IES.
Integrante do projeto de pesquisa “Direitos Humanos e Movimentos Sociais na Sociedade Multicultural”,
vinculado ao PPG-Direito acima mencionado. E-mail: ededias@ymail.
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1.INTRODUÇÃO
No Brasil, a desigualdade social apenas, não é determinante quando se trata da mulher
negra. A cor da melanina traz algumas consequências ainda maiores para certas mulheres. Nesse
sentido, é possível afirmar que as mulheres negras, sofrem dois tipos de preconceitos: o
preconceito de gênero e o preconceito de raça.
Acrescenta-se que as desigualdades na sociedade brasileira estão diretamente ligadas ao
processo de exclusão pelo qual passam alguns segmentos da nossa sociedade, pode se citar,
dentre eles: as mulheres, e ainda mais, as mulheres negras.
As mulheres negras possuem imensas dificuldades em ocupar alguns espaços. Por
exemplo, nos postos de trabalho está descrito a boa aparência como requisito de acesso para o
ingresso neste. Seguramente constata-se que não são as mulheres negras que tem, para os donos
da empresa, a boa aparência.
Notadamente que tal fato é consequência de uma cultura que foi herdada historicamente
pela composição do Brasil, onde a discriminação e o preconceito persistem na manutenção
dessas desigualdades. O reflexo que o preconceito causa dentro da sociedade, afetando
diretamente mais as mulheres negras, causa assim, uma maior dificuldade destas se inserirem em
praticamente todos os segmentos da sociedade.
Assim, o presente trabalho será desenvolvido com o objetivo principal de analisar a
situação das mulheres negras no Brasil, trazendo dados e informações bastantes para afirmar a
imensidão das discriminações que essas melhores sofrem, e que as mesmas já têm conquistado
algumas batalhas, mas que muito há de se conquistar.
A principal conquista que se busca é de um país sem desigualdades, sem discriminações,
onde a mulher seja igual ao homem, e onde o negro seja igual ao branco. Muito se tem para fazer
e muito se tem para alcançar.
Impõe agregar, que a metodologia utilizada na construção da pesquisa do presente
trabalho foi do tipo exploratória, ou seja, o procedimento técnico utilizado foi o da pesquisa
bibliográfica, utilizando de todos os materiais disponíveis acerca da temática, sendo efetuada em
meios físicos e na rede mundial de computadores.
Quanto à realização do trabalho, foi utilizado o método de abordagem hipotético-
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dedutivo, no qual foram adotados alguns procedimentos, como a seleção da bibliografia e
documentos relacionados com o tema proposto e a leitura e resumo do material utilizado, os
quais resultaram na exposição do presente artigo.
2.AS EVIDÊNCIAS DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA
Inicialmente, uma questão importante a ser levantada: a renda das mulheres negras no Brasil não
chega nem a metade da renda recebida pelos homens brancos, que por sua vez corresponde a 56%
(cinquenta e seis por cento) da renda das mulheres brancas. Nesse sentido Mariana Mazzini Marcondes et
al (2013, p. 118):
Comparando-se o total das rendas das pessoas, as desigualdades se pronunciam. Ainda
que as disparidades tenham sofrido redução nos últimos anos, a renda das mulheres
negras não chega nem à metade daquela auferida pelos homens brancos e corresponde a
cerca de 56% dos rendimentos das mulheres brancas.
E é contra essa abissal desigualdade que muito se tem lutado. E apesar das mulheres negras no
Brasil serem um número expressivo, ou seja, um percentual considerável da população, elas ainda são
excluídas de melhores condições sociais.
Em 2009, as mulheres negras respondiam por cerca de um quarto da população
brasileira. Eram quase 50 milhões de mulheres em uma população total que, naquele
ano, alcançou 191,7 milhões de brasileiros(as). É importante ressaltar, aqui, a opção por
se trabalhar com a categoria “negra”, construída a partir da soma das categorias preta e
parda, assim coletadas pelo IBGE. O Retrato das desigualdades de gênero e raça
apresenta seus indicadores sempre distribuídos em torno de apenas duas categorias
raciais: brancos e negros. Por questões de representatividade amostral, não foram
consideradas, no processo de produção de indicadores, as populações indígena e
amarela. Exceção a esta regra encontra-se no bloco 1 da publicação, que traz
informações acerca da população total e sua distribuição por sexo, raça/ cor, regiões,
Unidades da Federação, localização do domicílio e faixas etárias. (MARCONDES et al,
2013, p. 19)
No entanto, nota-se que as mulheres negras estão na base da pirâmide social, pois as
mesmas tendem a acumular desvantagens relacionadas com a discriminação de gênero, bem
como a discriminação de raça. Nesse sentido, Maria Nilza da Silva (2003, [S.p.]) afirma que:
A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua
realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em
último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema
injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a
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mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com
rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da
discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar
companheiros no mercado matrimonial.
A mulher negra no Brasil, hoje, encontra-se em situação desfavorável em diversas áreas:
educação superior, inclusão digital, mercado de trabalho, entre outros. Questiona-se: a que se deve essa
desigualdade? Essa desigualdade vem da maneira como se estruturou a sociedade brasileira, esclarece-se
que não é um fenômeno exclusivo da sociedade brasileira, pois tal fato é verificado em muito outros
países, como por exemplo, países latino-americanos e também em países considerados de primeiro
mundo. Walkyria Chagas da Silva Santos (2009, p. 1) relata que:
Ser mulher e ser negra no Brasil significa está inserida num ciclo de marginalização e
discriminação social. Isso é resultado de todo um contexto histórico, que precisa ser
analisado na busca de soluções para antigos estigmas e dogmas. A abolição da
escravatura sem planejamento e a sociedade de base patriarcal e machista, resulta na
situação atual, em que as mulheres afro-descendentes são alvo de duplo preconceito, o
racial e o de gênero.
Pondera-se ainda que enquanto os homens brancos preenchem um grupo com maior
inserção social, a percentagem de desemprego entre estes é muito menor comparado com as
mulheres negras, que estão inseridas no grupo com maior percentual de desempregos.
Analisando dados de pesquisas realizadas pelo DIEESE e outros órgãos, é possível
verificar que o preconceito resulta em salários mais baixos para os negros em relação aos
brancos, incluindo o item gênero, inferi-se que o homem negro ocupa um patamar abaixo
do da mulher branca quanto ao rendimento salarial. Mas as mulheres negras se encontram
ainda mais abaixo na pirâmide ocupacional. (SANTOS, 2009, p. 2)
A partir das ações afirmativas e também principalmente impulsionadas pelas
organizações de mulheres negras em conjunto com o movimento negro tem se outra perspectiva
que está presente no universo dessas mulheres. As mulheres, a população negra e outros grupos
racialmente considerados minoritários são colocados em posição de desvalorização, ou melhor,
são designados papéis sociais sem qualquer valorização social. Para Silva (2003, [S.p.]) a
“pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a
interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a
discriminação sofrida”.
Em questão disso a sociedade foi se reproduzindo e se consolidando a partir desses
papéis pré-definidos e como são papéis menos valorizados isso se reflete em níveis educacionais
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e na forma como a população está inserida no mercado de trabalho, e em muitos outros setores.
Kimberlé Grenshaw (2002, p. 177) afirma que:
Trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de
classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as
posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a
interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões
que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do
desempoderamento.
As mulheres negras são cidadãs plenas de direito, e é na Constituição Federal de 1988
que garante os mesmos direitos e garantias fundamentais as mulheres, aos negros, aos
estrangeiros, ou seja, a todas as pessoas. In verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
Ocorre que se na prática o respeito à CF/88 prevalecesse, não teria o Brasil
indicadores socioeconômicos onde se verifica que as mulheres negras sempre estão em
desvantagem. E dessa forma, é possível elencar que só conhecendo a realidade é que se pode
modificá-la.
3.DISCRIMINAÇÃO E LUTA: APONTAMENTOS, ANÁLISES E DADOS
É possível ainda citar, que na previdência nota-se também que a maioria dos beneficiários
de aposentadoria bem como de pensão são brancos.
Os benefícios previdenciários estão diretamente relacionados com a participação e
qualidade dos vínculos no mercado de trabalho, reproduzindo, sobretudo, o mesmo
padrão de desigualdade. Por esta razão, não surpreende o fato de que 73% dos
rendimentos de aposentadoria e pensão pagos a pretos e pardos corresponda a um SM,
enquanto o mesmo patamar é compartilhado por aproximadamente 48% dos
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beneficiários brancos. Da mesma forma, enquanto 5,7% dos beneficiários brancos
recebiam mais de dez SM, apenas 2% dos negros compartilhavam deste montante em
2008 (Paixão et al., 2010). Considerando-se a população protegida por rendimentos
pagos pela previdência social oficial (de 16 a 59 anos), na forma de aposentadorias e
pensões, constata-se prevalência da população branca. (MARCONDES et al, 2013, p.
122)
Questiona-se: O que isso significa? Além da parcela negra da população não ter todos os
seus direitos garantidos, quer dizer também que não buscam na mesma intensidade que os
brancos os seus direitos?
A resposta aqui é simplória: há discriminação, pois a grande maioria das mulheres negras
não tem acesso ao trabalho formal, e consequentemente estão inseridas em trabalhos informais.
Muito corriqueiro é as mulheres negras estarem inseridas no trabalho doméstico.
Além do acesso ao mercado de trabalho, a desigualdade se reflete na ocupação de
posições de menor prestígio e remuneração. As mulheres negras estão sobre
representadas no trabalho doméstico – são 57,6% dos trabalhadores nesta posição – e
têm a menor presença em posições mais protegidas, como o emprego com carteira
assinada. Importa destacar que, embora na administração pública sua participação seja
maior que a dos homens brancos, a sua presença, neste, se concentra nos serviços
sociais – educação e saúde – e na esfera municipal, posições, em geral, com menor
remuneração. (MARCONDES et al, 2013, p. 121-122)
Quanto aos trabalhos informais o valor pecuniário que as mulheres negras auferem, na
maioria das vezes, não chega a ser um valor que possa proporcionar a essa mulher, bem como
sua família, a dignidade prometida na CF/88. Obviamente que em consequência dos baixos
salários, a mulher negra inserida no trabalho informal tampouco consegue arcar com quaisquer
despesas previdenciárias.
Outro ponto interessante é que muitas dessas mulheres são responsáveis pela família, ou
melhor, são chefes de família. E segundo Marcia dos Santos Macêdo (2001, p. 61):
Pensando em algumas das combinações possíveis entre as mulheres chefes de família,
pode-se perceber que ser chefe de família, pobre e negra/parda, ao invés de branca das
camadas médias constituí dimensões que não podem ser separadas, pois uma identidade
reflete e termina por reforçar a outra, integrando uma experiência objetiva e, ao mesmo
tempo, subjetiva, que vai refletir em diferentes níveis de acesso aos bens culturais e
materiais, influenciando, pois, desde elementos como autoestima até as possibilidades
concretas de realização de projetos de vida.
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Segundo dados retirados do livro “Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida
das mulheres negras no Brasil”, Marcondes et al (2013, p. 24) afirma que:
Neste contexto, uma relevante mudança verificada foi o aumento de mulheres apontadas
como chefes de família. Entre 1995 e 2009, houve um aumento de mais de 12 pontos
percentuais (p.p.), tendo a proporção de famílias chefiadas por mulheres (FCMs)
aumentado de 22,9% para 35,2%. O número de famílias chefiadas por homens (FCHs)
continuava, em 2009, sendo duas vezes maior que o das chefiadas por mulheres, mas, no
período analisado, o número de FCMs mais que dobrou, enquanto as FCHs tiveram um
aumento de cerca de 25%. Este é um fenômeno tipicamente urbano. Nas cidades, as
famílias chefiadas por mulheres passaram de 24,8% para 37,8% dos casos, de 1995 a
2009. E foi na região Sudeste, a mais maciçamente urbanizada, que o maior aumento
absoluto do número de famílias chefiadas por mulheres ocorreu, da ordem de mais de 5
milhões. Entre a população rural, apenas 19,9% das famílias eram chefiadas por mulheres
em 2009, taxa esta que variou apenas 5 p.p. no período estudado. Se hipóteses simplistas
para explicar este quadro se apresentam facilmente – o conservadorismo, a menor
abertura do universo rural às mudanças e à igualdade entre os sexos –, entender o que
significa, de fato, este aumento de chefias femininas não é tarefa simples. Ele se
apresenta, afinal, como um fenômeno recente e traz, como toda novidade, sua parcela de
questões ainda inexplicadas.
Nesse ínterim, avaliando a população pobre chega-se a conclusão que a maioria é negra
e dessa maioria negra são mulheres. O fato de essas terem uma maior dificuldade de se inserir no
mercado de trabalho, e quando se inserem são em condições precárias, conforme relatado acima.
Assim, aclara-se porque essas mulheres estão entre a população mais pobre. É perceptível que
uma é consequência da outra. Nesse sentido, Santos (2009, p. 2) observa que:
Devido à extrema pobreza, as meninas ingressam muito cedo no mercado de trabalho,
sendo exploradas pela sociedade, que sabendo da sua condição financeira, oprime e
humilha. Como é possível verificar, para as mulheres afro-descentes o mercado reserva as
posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o desrespeito.
Assim, é possível observar que as mulheres negras, quando inseridas no mercado de
trabalho, além de na maioria das vezes ser em condições precárias, recebem a metade do salário
do homem não negro. Sendo essa, uma brutal e visível desigualdade.
Há uma desigualdade que faz com que as mulheres negras continuem concentrando
menores rendimentos, maiores desigualdades e tratando-se de oportunidades de trabalho são
essas mulheres negras que esbarram diretamente com o racismo institucional. Conforme leciona
Ana Lúcia Valente (1994, p. 56) “as mulheres negras e as mulatas que em geral, sofrem de tripla
discriminação: sexual, social e racial. Portanto tudo o que se coloca como problemático para a
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população negra atinge especialmente as mulheres”.
Tem se estimulado, para que estatais, como por exemplo, a Petrobrás, venham a adotar
ações afirmativas no sentido de alterar o perfil de inserção das mulheres negras. Contudo,
importante observar que essa diferença diminui no que concerne aos serviços públicos, levando
em conta o princípio da isonomia.
Embora sejam necessários estudos mais aprofundados sobre o assunto, não se pode deixar
de notar que, na categoria de funcionários públicos e militares, cujo ingresso exige
impessoalidade, meritocracia e certo grau de escolarização, dado o caráter do concurso
público, percebe-se que, nestes segmentos, de modo geral, as mulheres possuem boa
inserção, chegando a superar os homens, situação singular, quando comparadas as demais
categorias analisadas. Em que pese a barreira racial e de gênero na ascensão aos postos de
mando e cargos de chefia, o serviço público permanece como a principal porta de
mobilidade social dos negros e das mulheres. (MARCONDES et al, 2013, p.68-69)
Impõe agregar ainda, que a mulher, atualmente, possui um tempo maior de estudo do que
os homens, sendo assim, angariando uma qualificação cada vez melhor, num comparativo com
os homens. Apesar disso, no mercado de trabalho, os homens costumam ter mais oportunidades e
quando são empregados possuem uma chance maior de progressão, ou seja, de ter um salário
maior, ou de ocupar cargos de chefia.
A questão aqui é: no caso de mulheres negras, pode-se afirmar que esse problema é muito
maior? A resposta é positiva. E as consequências de tal problemática são sentidas por muitas
mulheres, mas em relação às mulheres negras tem se um impacto muito maior. Notadamente que
os anos de estudo não têm garantido para as mulheres uma igualdade de valores em relação à
remuneração.
Todavia, melhora-se a condição de trabalho para a mulher, mas em compensação poucas
mulheres conseguem exercer algum cargo de direção. Ainda mais se tratando de mulheres
negras. Essas geralmente estão em cargos subalternos aos homens ou outras mulheres brancas.
Santos (2009, p. 2) assevera que:
Ascender socialmente é algo muito difícil para a mulher negra, são muitos obstáculos a
serem superados. O período escravocrata deixou como herança o pensamento popular, em
que, elas só servem para trabalhar como domésticas ou exibindo seus corpos. As que se
destacam, tiveram que provar mais vezes do que as mulheres brancas a sua competência,
por isso, é que é possível afirmar que a questão de gênero é um complicador, mas se esta
for somada a questão de raça, o resultado é maior exclusão e dificuldades.
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A falta de mulheres negras em cargos mais estáveis, ou melhor, cargos que possuem ao
menos uma carteira assinada são reflexos de um histórico de preconceito. Após a abolição da
escravidão as mulheres negras migraram para os trabalhos domésticos. Ocorre que, apesar de
alguns avanços, existe ainda essa permanência, qual seja: mulheres negras no serviço doméstico.
Mas quais são as maiores dificuldades que a mulher negra encontra hoje, no Brasil, no
mercado de trabalho? Podem-se mencionar aspectos formais, ou seja, aspectos que estão
relacionados com a formação educacional, com a capacitação para determinadas atividades,
dentre outros.
No entanto, partes dessas barreiras encontradas pelas mulheres estão relacionadas com
discriminação de gênero e com questões relacionadas com o racismo. Nilma Lino Gomes (1995,
p. 18) expressa que o que “para um gênero e etnia pode ser uma vivência e um percurso de
afirmação de uma auto-imagem, para outra etnia e gênero pode ser um percurso traumático
deformador”.
Nota-se que muito existe, ainda, o pré-requisito para se conseguir um emprego, qual seja:
ter uma boa aparência, e implícito nisso está, muitas das vezes, não ser negra. Ângela Figueiredo
(2002, p. 97) aborda que:
A ascensão social dos negros tem sido abordada de forma maniqueísta, enfatizando-se
sempre a problemática do ‘embranquecimento’, ou o drama psicológico a que estão
submetidos os negros que ascendem, sugerindo sempre uma contradição entre ser negro e
ocupar melhores posições na estratificação social.
Atualmente ocorreram algumas alterações na legislação do trabalho doméstico. Há
expectativas que tais alterações melhorem as condições das mulheres no mercado de trabalho,
bem como passe a formalizar o trabalho que ainda não o foi, com o respectivo pagamento de
INSS e outros benefícios que outros trabalhadores possuem.
4.CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
EM RELAÇÃO A RAÇA E GÊNERO
As desigualdades no Brasil contém uma herança colonial escravista. Há, atualmente, um
esforço para que se possa diminuir tais desigualdades e pobrezas no Brasil. Contudo, tais
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mazelas persistem e os fatores basilares são: intensa discriminação que ainda existe em relação
às mulheres e aos negros.
Convém sublinhar, assim, a importância de caracteres adscritos como raça e gênero, tanto
para o tipo de inserção no mercado de trabalho como para recompensas na forma de
rendimentos. A herança de piores condições socioeconômicas bem como padrões
culturais e valorativos que designam determinados papéis aos indivíduos continuam a
operar nos processos de estratificação nos quais negros e mulheres são alocados em
posições subalternas. Mesmo os avanços educacionais não foram suficientes para eliminar
os padrões de desigualdades categoriais que se reproduzem, principalmente no que tange
a espaços de poder e posições de alto status. O grupo mais desfavorecido nestes processos
é o das mulheres negras, as quais, de modo geral, não conseguem reconverter suas
aquisições educacionais em melhores rendimentos e posicionamentos no mercado de
trabalho, e estão sobrerrepresentadas nas ocupações de menor prestígio. (MARCONDES
et al, 2013, p. 77)
Existem medidas a serem tomadas pelo governo na tentativa de solucionar essa
situação. Mas o que mais pode ser feito em questões de políticas públicas para tentar equiparar o
acesso ao emprego entre negras e brancas? Nesse contexto Silva (2003, [S.p.]) elucida:
Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando
apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na
possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da
sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser
enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades
sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento,
ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da
sociedade.
Impõe referir que as políticas públicas tem que conter um direcionamento e uma
postura de superar o racismo institucional, pois é dessa forma que se consegue ter um acesso
melhor a todas as questões de trabalho e de renda. São necessários incentivos a políticas que
tenham como finalidade o gênero e raça, no sentido de incitar que as mulheres negras, bem como
as mulheres em geral, tenham a participação em todas as instâncias de poder e de decisão.
Marcondes et al, (2013, p. 129) menciona ainda que:
Antes, esse reconhecimento deve conduzir ao questionamento sobre os processos sexistas
e racistas que favorecem o quadro de vulnerabilização deste grupo social e sobre os quais
as políticas públicas devem se concentrar. Decerto, é imprescindível concentrar
estratégias de superação em um grupo social reconhecidamente mais afetado pela pobreza
e atuar sobre as dimensões que mais precarizam as condições de vida desta população.
Contudo, é igualmente demandado que o foco das políticas públicas direcione-se para a
análise dos processos que contribuíram para este estado de coisas, remetendo à
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necessidade de inserir a perspectiva de raça e gênero nas políticas públicas, promovendo a
realização da proposta da transversalidade, como ressignificação das políticas públicas.
Nota-se, que atualmente existem as questões de cotas para negros em concursos públicos.
Tal questão é um incentivo a toda população negra do país. Nesse sentido Djamila Ribeiro
(2015, [S.p.]), expõe:
Em contrapartida, para a população negra não se criou mecanismos de inclusão. Das
senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta
dessa herança escravocrata e por falta da criação desses mecanismos. É necessário
conhecer a história deste País para entender porque certas medidas, como ações
afirmativas, são justas e necessárias. Elas precisam existir justamente porque a sociedade
é excludente e injusta para com a população negra. Cota é uma modalidade de ação
afirmativa que visa diminuir as distâncias, no caso das universidades, na educação
superior. Mesmo sendo a maioria no Brasil, a população negra é muito pequena na
academia. E por quê? Porque o racismo institucional impede a mobilidade social e o
acesso da população negra a esses espaços.
Importante também é trabalhar com estereótipos que se tem, ou seja, mulheres e
população negra conjuntamente. Pois, hodiernamente, em razão do racismo e em razão do
sexismo têm-se estereótipos muito marcados. O ideal é que juntamente com iniciativas de
promoção de mulheres negras no mercado de trabalho, em espaços mais valorizados, que se
tenha também uma ressignificação desses estereótipos para que mulheres negras se visualizem
nesses espaços e se apropriem deles.
Para Santos (2009, p. 5) “As mulheres negras, necessitam reencontrar a sua identidade,
valorizar sua história e suas raízes, se assumir enquanto afrodescendentes e agentes ativos desse
processo de democratização racial”.
Pergunta-se: em questão de políticas públicas, o que mais pode ser feito para que a
remuneração seja mais justa entre as mulheres negras? Tanto em questão de acesso, como de
remuneração, é necessário em primeiro lugar, dar visibilidade ao problema e principalmente as
desigualdades.
Tal trabalho tem sido efetuado há algum tempo por diversas instituições no país, mas
necessita-se ser trabalhado de uma maneira mais consistente nas instituições que empregam para
que não se naturalize questão das mulheres negras possuírem remunerações inferiores ou
diferenciadas. É necessário dar visibilidade e trabalhar com questões que possam reverter esse
quadro.
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5.CONCLUSÕES
É evidente que, pelo todo exposto, a luta por reconhecimento e por consequência a
desmantelada das discriminações, é uma luta a mais das mulheres negras em detrimento das
mulheres brancas. Certamente que para as mulheres e para negras, tudo é mais complexo.
As mulheres negras tem que continuar lutando, continuar combatendo, continuar
ocupando espaço cada vez mais, continuar cobrando de todos os governantes políticas públicas
de inclusão
Deve-se enfocar em políticas públicas que coloquem a mulher negra em igualdade com as
mulheres não negras, bem como em igualdade com homens brancos e negros para que se possa
em um determinado momento afirmar que a sociedade brasileira é na prática, sim, uma
sociedade justa, fraterna e igualitária.
.6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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