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Natalia de Azevedo Zarife
TERCEIRIZAÇÃO
PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO DIANTE DO ATUAL CENARIO
MUNDIAL
Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais / Menção em Direito
Laboral, sob orientação do Professor Doutor João Carlos Conceição Leal Amado
2017
Natalia de Azevedo Zarife
TERCEIRIZAÇÃO
PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
DIANTE DO ATUAL CENARIO MUNDIAL
(Outsourcing - progress or backward? The future of work relations before the current
global scenario)
Dissertação apresentada à Faculdade de
direito da Universidade de Coimbra, no
âmbito do 2º. Ciclo de Estudos em Direito
(conducente ao grau de Mestre), na Área de
Especialização em Ciências Jurídico
Empresariais – Menção em Direito Laboral,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre no curso, sob a orientação
do Professor Doutor João Carlos Conceição
Leal Amado.
Coimbra
2017
2
Às quatro estrelas mais brilhantes:
William Zarife Wermelinger
Anália Augusta Zarife
Amaro Braz de Azevedo
Iracy Vieira de Azevedo
3
AGRADECIMENTOS
Gratidão é o mais nobre dos sentimentos
Aquele que agradece, reconhece, que, sozinho,
sonhos são efêmeros...
Ao meu pai, William, pelo amor mais incondicional já visto ...
À minha mãe, Guiomar, meu exemplo, fonte de inspiração,
por ser a serenidade que me falta ...
À ambos, por me fazerem acreditar no poder do amor,
na empatia, na realização de grandes sonhos ...
e por, juntos, formarmos uma união indissolúvel...
Ao meu professor e orientador João Carlos da Conceição Leal amado,
pelas palavras de incentivo e
pelo ensinamento transmitido ao longo dessa árdua jornada...
Aos amigos de sempre,
em especial à amiga Manu, pelo companheirismo e parceria,
pelo abraço nos momentos difíceis,
pelos conselhos e pelas alegrias partilhadas...
e aos que Coimbra me deu...
“segredos dessa cidade levo comigo pra vida...”
4
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo analisar o fenômeno da terceirização no
ordenamento jurídico brasileiro traçando um breve paralelo com a situação do trabalho
temporário em Portugal, determinando seu alcance, suas limitações e sua finalidade, bem
como, buscando concluir, ao final, se a contratação terceirizada pode ser considerada uma
forma de modernização do direito trabalhista, ou se, ao revés, estar-se-ia precarizando os já
escassos direitos do trabalhador.
Para alcançarmos o objetivo final a que se pretende com a pesquisa atual, mister se
faz analisar o cenário econômico atual, a crise mundial e a tão especulada necessidade de
flexibilização e até mesmo de desregulamentação dos direitos trabalhistas.
Atualmente, como é sabido, muitos especialistas, sobretudo os que perfilham a uma
corrente neoliberal, acusam a suposta rigidez da legislação laboral do fracasso e colapso do
sistema capitalista, sem atentarem-se, contudo, para a grande vilã deste cenário, que é a busca
desenfreada pelo lucro.
Isso porque, para se alcançar uma conclusão racional acerca da existência de
progresso ou retrocesso da contratação terceirizada (ou temporária, como no ordenamento
jurídico português), é de suma relevância entender as circunstâncias de sua criação, bem
como a evolução histórica das relações de trabalho, tendo como certo que as normas jurídicas
devem evoluir junto com a sociedade, sob pena de se tornarem, por fim, meras palavras
mortas e ineficazes, capazes de engessar toda uma coletividade.
Objetiva-se, ademais, através de uma reflexão racional, concluir acerca da
valorização social do trabalhador frente ao mercado capitalista globalizado que motiva a
terceirização flexibilizada, não perdendo de vista o ser humano como sujeito de direito a
uma vida digna e não apenas como uma mercadoria.
Palavras-chave: capitalismo, globalização, flexibilização, dignidade, terceirização,
trabalho.
5
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze the phenomenon of outsourcing in the
Brazilian legal system by drawing a brief parallel with the situation of temporary work in
Portugal, determining its scope, its limitations and its purpose, as well as seeking, in the end,
whether hiring Can be considered as a form of modernization of labor law, or if, on the other
hand, the already scarce worker rights would be precarious.
In order to reach the final objective of the current research, it is necessary to
analyze the current economic scenario, the world crisis and the so speculated need for
flexibilization and even deregulation of labor rights.
Today, as is well known, many experts, especially those who follow a neoliberal
trend, accuse the supposed rigidity of labor legislation of the failure and collapse of the
capitalist system, without, however, paying attention to the great villain of this scenario,
which is the Unbridled search for profit.
This is because, in order to arrive at a rational conclusion about the existence of
progress or retreat from outsourced contracting (or temporary, as in the Portuguese legal
system), it is of great importance to understand the circumstances of its creation, as well as
the historical evolution of labor relations , With the certainty that legal norms must evolve
along with society, under penalty of becoming, in the end, mere words dead and ineffective,
capable of engulfing a whole collectivity.
It is also intended, through a rational reflection, to conclude about the social
valorization of the worker in front of the globalized capitalist market that motivates a
flexibilization outsourcing, not losing sight of the human being as subject of right to a life
worthy and not just as a merchandise.
Keywords: capitalism, globalization, flexibility, dignity, outsourcing, job.
6
SIGLAS E ABREVIATURAS
ART – Artigo
CF – Constituição Federal
CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLT – Consolidação de Leis Trabalhistas
CNI – Confederação Nacional de Indústria
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
NR – Norma Regulamentadora
Nº. – Número
OIT – Organização Nacional do Trabalho
OJ – Orientação Jurisprudencial
ONU – Organização das Nações Unidas
ORT –Organização Racional do Trabalho
PL – Projeto de Lei
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
7
ÍNDICE
Introdução ......................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – O surgimento do Direito do Trabalho no mundo: tripalium ao wellfare
state ..................................................................................................................................... 13
1.1 - Gêneses ........................................................................................................................13
1.2 - Pré-história e a divisão do trabalho por sexo ...............................................................13
1.3 - Idade Antiga e a escravidão .........................................................................................14
1.4 - Idade Média e a servidão ..............................................................................................15
1.5 - Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício ............................................15
1.6 - Édito de Turgot e a Revolução Francesa .....................................................................16
1.7 - Idade Contemporânea e o liberalismo .........................................................................17
1.8 - Rerum Novarum e Wellfare State ...............................................................................18
1.9 - No Brasil ......................................................................................................................19
1.10 - Em Portugal ...........................................................................................................20
CAPÍTULO 2 – Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro.................22
2.1– O que é capitalismo? ...................................................................................................22
2.2 - A tumultuada relação entre trabalho e capital ............................................................24
2.3 - Taylorismo, Fordismo e Toyotismo ...........................................................................28
2.4 - A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana ....................................................30
2.5 - A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural ..........................................34
CAPÍTULO 3 – A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas................38
3.1 – A globalização ..........................................................................................................38
8
3.2 – A responsabilidade social da empresa ........................................................................39
3.3 – “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise............................41
3.4 – Diferença entre flexibilização e desregulamentação ..................................................45
3.5 – Direito ao trabalho digno. O que diz a OIT? ..............................................................46
3.6 – Flexicurity: A solução europeia para a flexibilização dos direitos trabalhistas .........49
CAPÍTULO 4 – A Terceirização da mão-de-obra e seus reflexos.................................52
4.1 - O que é Terceirização? ...............................................................................................52
4.2 - A Terceirização no ordenamento jurídico..................................................................56
4.3 – Terceirização e intermediação de mão-de-obra ........................................................59
4.4 – Tipos de Terceirização...............................................................................................60
4.4.1 – Conforme o prazo de duração .............................................................................60
4.4.2 – Conforme a regularidade (licitude) ou irregularidade (ilicitude).........................61
4.4.2.1 – Regulares .............................................................................................................61
4.4.2.2 – Irregulares............................................................................................................68
4.4.3 – Conforme a obrigatoriedade ..................................................................................69
4.5 – Atividade-meio e atividade-fim ...............................................................................69
4.6 – Da Responsabilidade ................................................................................................72
4.6.1 – Responsabilidade na terceirização regular ou lícita ...........................................72
4.6.2 – Responsabilidade na terceirização irregular ou ilícita ........................................73
4.7 – Efeitos deletérios da terceirização ............................................................................73
4.7.1 – Desigualdade salarial ..........................................................................................74
4.7.2 – A questão do enquadramento sindical ................................................................80
4.7.3 - Segurança, medicina e higiene no trabalho .........................................................89
4.7.4 - Alta rotatividade e a subordinação estrutural ......................................................91
4.7.5 – Dificuldade de aplicação da norma mais favorável. Inaplicabilidade da norma
coletiva firmada pela tomadora .............................................................................93
4.7.6 - Redução dos benefícios legais, jornada excessiva e não progressão na
carreira....................................................................................................................94
4.8 – Subcontratação ou outsourcing no ordenamento português ....................................96
9
4.8.1 – Trabalho temporário segundo o ordenamento jurídico português .......,.............97
4.9 – Por que terceirizar? Vantagens e desvantagens da terceirização ......,....................100
4.10 – Cooperativas .................................................................................,...................102
4.11 – Terceirização na Administração Pública ..........................................................104
4.12 – Reflexos da Terceirização .................................................................................107
4.13 – PL 4330/2004. Principais pontos de mudança...................................................108
4.13.1 – Quarteirização ...................................................................................................110
4.14 – Terceirização no mundo ....................................................................................111
CONCLUSÃO ................................................................................................................112
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................118
10
Introdução
Iniciar os estudos acerca de um ramo do Direito compreende, necessariamente,
estudar seu ponto de partida, sua origem, suas causas e seu ponto de interesse social, para
que, então, se possa desenvolver o raciocínio em face de seus princípios norteadores, regras,
abrangências e consequências.
Não há, no mundo jurídico, como se analisar conceitos e aplicações normativas sem
que, antes, se tenha compreendido o real motivo do nascimento da
normatização/sistematização do instituto.
A influência social do Direito do Trabalho sobre a vida do homem é incontestável. É
o trabalho a principal fonte de vida dos seres humanos. É através do trabalho e sua
remuneração que o homem pode conhecer a liberdade, a dignidade e passou a sonhar,
realizar.
Ocorre que, com o desenvolvimento da atividade laboral, com a busca do homem e
seus anseios pelo conhecimento e pela concretização da sobrevivência diária uma
tumultuada e tensa relação passou a surgir.
A convivência humana, por sua própria natureza, sua interação e dependência
acabaram, ainda que naturalmente, fazendo surgir conflitos atualmente potencializados em
larga escala pela globalização e sua acelerada produção visando incessantemente a obtenção
de lucros1.
Esta relação, constituída, então, de um lado, por quem presta serviços e de outro por
quem os contrata, de interesses extremamente opostos, foi, aos poucos, sendo regulamentada
em todo o mundo, representando, atualmente, o ramo jurídico responsável por regulamentar
1 Relevante comentário acerca das dificuldades encontradas no ambiente de trabalho é de Fela Moscovici, pelo
qual: “pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem às outras pessoas
com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam, e sentem atrações, antipatizam e sentem
aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto. O
processo de interação humana é constituído através dessas reações voluntárias ou involuntárias, intencionais
ou não- intencionais”. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro, 1998, p. 34
11
tal relação, bem como proporcionar, em larga escala, a paz social e o equilíbrio entre o
trabalho e o lucro.
Respaldados pelo princípio da liberdade de contratar e gerir as fábricas como melhor
entendessem e diante de um Estado liberal, a ganância e o lucro dos burgueses ganhava cada
vez mais espaço frente à desconhecida valorização social do trabalho e do trabalhador.
O Direito do Trabalho, assim como os demais ramos jurídicos, surgiu, como se verá
ao longo deste trabalho, em momento histórico de eclosão da extrema necessidade social de
criar regras reguladoras da prestação de serviço humano, sem as quais ter-se-ia a barbárie, a
exploração desmedida e a perpetuação da coisificação humana.
Neste contexto, viu-se surgir, regulamentar, questionar e decair em credibilidade o
direito laboral.
Questionado atualmente quanto a sua importância por aqueles a quem somente o
lucro e a economia trazem progresso a um Estado, tenta o Direito Laboral sobreviver, se
equilibrar e se enquadrar no contexto explorador do mundo capitalista.
É fato que as ciências jurídicas, como um todo, devem ter mobilidade suficiente para
se enquadrar às necessidades da sociedade que está sempre em constante transição e de
engessado não se pode culpar o Direito do Trabalho, como se vem tentando fazer.
É que o mundo capitalista globalizado, de concorrência desleal, sobretudo para os
países mais pobres, exige tecnologia avançada, capaz de dar respostas momentâneas, de
atender na velocidade máxima aos altos e baixos do mercado financeiro e de criar cada vez
mais lucro.
Neste sistema, que gera o próprio colapso pela superprodução, não se tem mais a
quem culpar pela estagnação lucrativa senão ao trabalhador. Nesta acepção, não importa
quantas novas legislações tentem enquadrar o direito social aos ditames capitalistas (e assim
é tanto no Brasil quanto em Portugal), já que a única resposta pretendida é o retorno à
escravidão humana.
A intenção do presente trabalho funda-se, neste contexto. Nesta linha tênue
compreendida entre a liberdade de iniciativa impulsionadora do lucro a qualquer custo e a
12
valorização social do trabalho, pois, como se sabe, flexibilizar direitos mínimos da parte
mais frágil da relação irreversível de trabalho é a bandeira da vez.
No ordenamento jurídico brasileiro é a terceirização que vem sendo apontada como
grande possibilidade de salvar as pequenas e grandes empresas da bancarrota, assim como
se visualiza, em Portugal, através da contratação atípica de trabalhadores temporários.
Como será demonstrado a seguir, as modalidades acima citadas, apontadas pelo
mundo econômico como a conservação de milhares de postos de emprego, não passam,
outrossim, de desvalorização, banalização e precarização do trabalho humano em prol da
maior lucratividade. Tanto na esfera estatística quanto lógica, os argumentos utilizados para
convencer tratarem-se tais institutos de modernização não funcionaram.
É que os fins não justificam os meios.
Será demonstrado que os efeitos deletérios das práticas da terceirização não trazem
progresso, eis que não existe futuro não obscuro não precarização da força de trabalho do
próprio destinatário do mercado capitalista.
Seria, de fato, o retrocesso e a assunção de culpa pela crise por parte dos
trabalhadores a única opção para se obter o progresso ou será a exploração a maneira mais
vantajosa economicamente de poder?
É neste contexto que analisamos se a terceirização, tal como proposta e prevista, de
fato, se apresenta como a solução para salvar, da crise, o direito das relações laborais. Se o
cenário econômico é seguro para sustentar a modernização através da flexibilização de
direitos dos trabalhadores ou se a proposta não representa, outrossim, um retrocesso jurídico
cedido ao capitalismo desmedido.
13
Capítulo 1
O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO: TRIPALIUM AO
WELLFARE STATE
1.1 Gêneses
A história da criação da Terra e da vida por Deus, tal qual demonstrado no “livro da
criação”, já apresentava, o que se pode chamar, de primeiros registros da organização de
trabalho.
Narra, a obra, que Deus teria levado seis dias para criar o céu e a terra a partir do
nada e que, ao sétimo dia, descansou, santificando-o como dia de repouso.
Ressalta-se, ainda, que, ao sexto dia, Deus criou a humanidade através de Adão, e,
posteriormente, Eva, tendo a estes designados cuidar e se alimentar dos frutos do Jardim do
Éden.
De todos os frutos do Jardim não era permitido a Adão e Eva alimentarem-se do fruto
do conhecimento, porém, assim o fizeram, tendo se alimentado do fruto proibido e sido,
portanto, condenados com o trabalho pesado2.
Deste modo, evidencia-se desde então, na visão cristã, o caráter punitivo do trabalho,
sendo este necessário para a própria subsistência da humanidade, não sendo por outro motivo
sua descendência da palavra tripalium – instrumento feito de três paus aguçados, com pontas
de ferro, que representa, ainda, objeto de tortura.
1.2 Pré-história e a divisão do trabalho por sexo
2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAnesis. Acessado em: 10/04/2017.
14
Data a época pré-histórica de antes de 4.000 a.C., ou seja, antes mesmo do
desenvolvimento da escrita.
Nesta época os homens viviam em bandos, inicialmente habitando cavernas e
migrando de um para outro lado toda vez que acabam os alimentos de determinado local.
Aos poucos, principalmente a partir do domínio do fogo, o homem passou às
residências fixas e ao cultivo da terra, havendo, já neste período, a divisão de tarefas entre
homens e mulheres, sendo aqueles responsáveis pelo sustento da família e estas pela criação
dos filhos.
Desenvolvendo-se ainda mais, o homem passou à metalurgia, responsável pela
criação de objetos que possibilitaram a especialização da caça e produção de suas
necessidades, surgindo, assim, trabalhos mais especializados.
1.3 Idade Antiga e a escravidão
Com o aumento da produção, alguns integrantes passaram a dominar outros e então
a escravizá-los.
Nesta época, o trabalho, que era visto como castigo, passou a ser associado à ideia
de mercadoria do prestador, contribuindo, assim, para a visão de propriedade do senhor para
com o escravo.
Sendo um objeto e não um sujeito de direito, não recaia sobre o escravo qualquer
direito, menos ainda os trabalhistas, devendo apenas trabalhar, o que constituía uma
atividade sem dignidade3.
A par dos escravos, haviam os artesãos, que eram homens livres e trabalhavam de
forma autônoma, associados em colégios romanos.
Com o aumento da população e da produção alguns senhores passaram a arrendar
mão-de-obra escrava de outros senhores, o que culminou, posteriormente, com o surgimento
3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 4.
15
da locatio conductio, contrato semelhante ao de locação de coisas, pelo qual homens de
baixo poder aquisitivo, porém, livres, locavam a outros seus serviços4.
1.4 Idade Média e a Servidão
Do Século V ao XV evidencia-se o período feudal, sendo o trabalho executado pelo
servo da gleba, que, apesar de terem situação bem próxima à dos escravos, eram
reconhecidos como pessoas e não como coisas.
Os senhores feudais davam aos servos proteção militar e política, em razão das
invasões de terras pelo Estado e pelos bárbaros, e, em troca, os servos eram submetidos a
desumanas cargas de trabalho, além de poderem ser encarcerados e maltratados.
A partir do Século X surgiram as corporações de ofício, consistentes em associações
de pessoas especializadas em determinada função, constituídas por mestres, aprendizes e
operários, com objetivo de melhor defender seus interesses e proporcionar negociações mais
eficientes, sem que possa se falar, contudo, ainda, em qualquer direito trabalhista56.
1.5 Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício
O crescimento e diversificação das atividades comerciais, bem como a
monopolização por parte dos mestres, aliado ao desenvolvimento do sistema bancário,
inovações nos métodos de produção e surgimento de novas relações de trabalho, levaram à
decadência das corporações de ofício.
4 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 54.
5 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 2. 6 Os aprendizes, destaca-se, eram submetidos a jornadas de trabalho extremamente exaustivas, sendo, em
média, 14 horas de labor diários, como bem lecionada Sérgio Martins, em sua obra. MARTINS, Sérgio Pinto.
Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007., p. 5.
16
O surgimento de novas indústrias levou ao enfraquecimento das manufaturas, que,
fizeram surgir novo tipo de organização semelhante ao fabril.
Além disso, viu-se nascer também o trabalho doméstico, pelo qual os artífices, em
suas próprias casas, produziam por encomenda a mando dos empresários, que,
posteriormente, vendiam o produto no mercado.
Observa-se, neste ponto, que a intenção dos empresários era, desde já, introduzir
novas técnicas que possibilitassem a maior obtenção de lucro diante da redução de custos o
quanto fosse possível.
Com a cada vez maior dependência dos operários frente aos empresários, que lhes
forneciam não só a matéria-prima como também ferramentas para o trabalho e, muitas das
vezes, reunidos em oficinas para melhor desenvolvimento da atividade e controle da
exaustiva carga horária, via-se nascer o sistema fabril.
Nesta época, continuavam desumanas as condições de trabalho, uma vez que o
trabalhador não possuía qualquer proteção. O ambiente de trabalho não possuía adequadas
condições sanitárias, tampouco os salários eram justos. As jornadas exaustivas e as
condições precárias davam ensejo à proliferação de doenças, epidemias e criminalidade.
1.6 Edito de Turgot e Revolução Francesa
Em 1776, diante da crise do sistema das corporações de ofício que levou à sua
decadência, frente ao sistema abusivo e subumano com que eram tratados os operários e os
pobres, Turgot introduziu seus seis Éditos, extinguindo as corporações de ofício, na ânsia
por mudanças sociais, tendo sido dispensado em seguida do seu cargo de controlador geral
pela rainha Maria Antonieta7.
O Édito de Turgot, pode-se dizer, deu origem ao que hoje conhecemos como
princípio da livre iniciativa.
7 OLIVEIRA, Silvério da Costa. Reflexões Filosóficas. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2013., p. 145.
17
Após, com a Revolução Francesa iniciada em 1789 e, posteriormente, espalhada por
toda a Europa, foi instaurado período de grandes transformações, extinguindo-se privilégios
feudais, aristocráticos e religiosos, sob novos princípios da igualdade, liberdade e
fraternidade.
As causas da revolução foram não só sociais como econômicas e foi subdividida em
quatro períodos: Assembleia Constituinte, Assembleia Legislativa, Convenção e Diretório.
O primeiro período, da Assembleia Constituinte, culminou na supressão de direitos
feudais, imunidades e privilégios e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Contudo, apenas em 1791 é que as corporações de ofício e seus abusos foram
suprimidos através do Decreto Dllare, que favorecia a liberdade contratual, tendo, ainda, a
Lei Chapelier, no mesmo ano, proibido o restabelecimento das mesmas, bem como a reunião
de trabalhadores.
1.7 Idade Contemporânea e o liberalismo
Em razão dos princípios advindos do liberalismo contemplado pela Revolução
Francesa, o trabalho se tornou livre, assim como a contratação do trabalho de uma pessoa
em benefício de outra, mediante contraprestação remunerada. Aqui já não há subordinação,
mas um vínculo contratual8.
Se por um lado a Revolução Francesa contribuiu para a história por sua grande marca
ideológica, a Revolução Industrial, também iniciada no Século XVIII ofereceu sua base
econômica para o surgimento do Direito do Trabalho.
É nesta época que a força humana passa a ser substituída pelas máquinas, bem como
a transformação do Estado Liberal (liberdade contratual) em Neoliberal.
A Revolução Industrial trouxe consigo, ainda, enorme legião de desempregados, uma
vez que não havia preparo das pessoas para operarem as máquinas, além das condições ainda
8 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 3.
18
desumanas de trabalho, frente a inexistência de regras que regulamentassem as atividades e
a liberdade de contratação sem interferência Estatal.
Neste contexto, a regra do mercado passou a ser a “da oferta e da procura” o que
contribuiu ainda mais para um massacre dos empregadores sob os trabalhadores, haja vista
a imposição de condições subumanas de trabalho e redução drástica das já ínfimas
remunerações9.
É importante salientar que, nesta época, vigorava o liberalismo, que tinha como
principal característica a omissão da intervenção do Estado, indiferente ao massacre social,
em defesa da total liberdade contratual, o que favorecia aos desmandos e crueldades por
parte dos patrões.
1.8 Rerum Novarum e Wellfare State
O delicado momento pelo qual passavam os trabalhadores, diante dos excessivos
danos que os vinham sendo causados, sendo estes morais, físicos e patrimoniais, as injustas
remunerações pelo trabalho prestado e o tratamento indigno, foram responsáveis por gerar
enorme clima de insatisfação.
A insatisfação coletiva gerou o que a doutrina denomina de “questão social”,
consubstanciado na ruptura do modelo liberalista, de não intervenção, passando o ao inicio
do intervencionismo estatal nas relações privadas, visando assegurar vida digna aos
operários.
Diante deste cenário observou-se a crescente união dos trabalhadores em busca de
melhores condições de trabalho, o que acontecia de forma, ainda, clandestina, ate virem a
ser, posteriormente, reconhecidos os Sindicatos oficialmente.
9 Como bem elucida Jorge Leite, “Com uma oferta de mão-de-obra sempre muito superior à sua procura, a
regulação do trabalho pelas leis do mercado traduziu-se na imposição unilateral das respetivas condições de
troca por parte do empregador. O contrato não era, afinal, um acordo entre iguais e a liberdade de uma das
partes pouco mais era do que a necessidade econômica de celebrar o contrato nas condições ditadas pela
outra”. LEITE, Jorge. Direito do Trabalho. Serviço de Ação Social da U.C.: 2003., p.5.
19
Neste momento, cristianismo e marxismo já se opunham ao liberalismo, em defesa
da dignidade humana e da não opressão a classe trabalhadora10.
Com maior preocupação da Igreja Católica frente aos abusos cometidos em
detrimento à dignidade dos trabalhadores, houve marcante intervenção da mesma através da
Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão II, que consistia em orientações (sem
obrigatoriedade) sócio filosóficas para intervenção do Estado nas relações laborais11.
Surgiram, então, as primeiras leis de proteção ao trabalhador, que foram,
paulatinamente, abarcando situações das mais às menos precárias e, responsáveis por
proteger os operários frente aos abusos dos empregadores, aos quais, agora, eram
juridicamente subordinados e não mais se encontravam à mercê das leis do mercado.
Em seguida, ao passo que aumentavam as preocupações com o bem-estar social, foi
instituído o Wellfare State, com o condão de frear os abusos do capitalismo e a liberdade
ilimitada do mercado frente aos anseios de melhores condições sociais12.
A partir de então, o Século XX ficou marcado pela constitucionalização dos direitos
trabalhistas, tendo a primeira destas, acontecido no México, em 1917 e, posteriormente, na
Alemanha, em 1919 (Constituição de Weimar).
Nesta seara, também em 1919, foi instituída a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), pelo Tratado de Versalhes, com o objetivo principal de expedir convenções e
recomendações no que tange à proteção das relações empregatícias.
Em 1927 foi estabelecido, na Itália, o sistema corporativista, pela Carta Del Lavoro,
que tratou da organização das classes sociais, seu reconhecimento e representação. Este
sistema, é oportuno lembrar, foi adotado por muitos países, dentre os quais, Brasil e Portugal.
Outrossim, em continuidade ao estabelecimento de melhores condições sociais, em
1948, foi editada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com diversas normas
institucionalizadoras de melhores condições de trabalho, tais como limitação de jornada e
férias remuneradas.
10 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTR, 2011., p. 32 11 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2009., p. 8. 12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2011., p. 85.
20
1.9 No Brasil
Como visto no cenário mundial, até o Século XIX, o trabalho escravo era o que
predominava na sociedade, caracterizado, principalmente, pelo não reconhecimento do
trabalhador como ser humano, mas sim como mercadoria, que prestava trabalho gratuito e
forçado.
Mundialmente, tem-se que o Direito do Trabalho surgiu em resposta às Revoluções
Francesas e Industrial, no Século XVIII, somente tendo sido elevado ao status constitucional,
com a criação de sua Justiça própria, no Brasil, em 1934, pela respectiva Constituição da
República.
Desde então, algumas leis esparsas foram regulamentadas para consagrar certos
direitos aos trabalhadores, tais como: a estabilidade no emprego após dez anos de serviço, o
salário mínimo, participação nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, dentre
outros.
Somente em 1943 foi compilada a Consolidação das Leis Trabalhistas, quando, a
partir de então, observou-se vasta ampliação do mercado interno e da produção industrial, e,
com isso, o crescimento do número de assalariados.
A partir da sistematização, no texto da CLT, dos direitos mínimos e fundamentais do
trabalhador, tornou-se mais acessível o conhecimento, aos mesmos e aos empregadores, dos
seus direitos.
1.10 Em Portugal
A primeira previsão legal envolvendo direito do trabalho, em Portugal, se deu no
Código Civil de 1867, que, portanto, tratou a relação empregatícia como contrato de natureza
meramente civil.
21
Somente no final do Século XIX é que se pode considerar o nascimento do direito do
trabalho, com normas de proteção ao trabalhador, o que não era considerado ao tratar-se a
questão como contrato civil.
A partir de 1933 é que foi possível visualizar maior avanço, em Portugal, das
preocupações com a regulamentação de leis trabalhistas. Assim, através do Decreto-Lei
23048 (Estatuto do Trabalho Nacional), surgiu a primeira compilação da história do Direito
do Trabalho português13.
Somente em 2003 foi editado o primeiro Código do Trabalho Português, diante da
necessidade de organização do cenário jurídico laboral em face dos diversos textos
legislativos esparsos, que dificultavam sobremaneira o acesso à justiça, bem como a eficaz
aplicação legal.
Além da necessidade de sistematização das leis esparsas, a edição do Código do
Trabalho tinha finalidade, ainda, de aumentar a flexibilidade da organização do trabalho e
incentivar a contratação coletiva.
Em 2009 o texto de 2003 sofreu uma revisão com intuito maior de combater as
fraudes laborais e a precariedade artificial, compreendidas na devastadora crise financeira
que se iniciou em 2008, levando à necessidade de flexibilização dos direitos trabalhistas.
Desde então, vem o Direito do Trabalho se preocupando com a flexibilização dos
custos do trabalho, haja vista a crise econômica mundial e a necessidade de adequar a esfera
laboral ao novo cenário político empresarial.
13 MONTEIRO, Antonio Fernandes. Direito do Trabalho. Almedina: 2014., p. 35.
22
Capítulo 2
Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro
2.1 O que é o capitalismo?
O sistema capitalista teve início na Europa, durante a transição da Idade Média pra a
Idade Moderna, ao passo que a vida econômica e social era transplantada dos feudos para a
cidade.
Diante do declínio da servidão, observado no meio rural, e as revoltas camponesas
em vista das condições desumanas de vida, pode-se notar a crescente migração para a cidade.
Na cidade, contudo, observava-se a alta do comércio pela burguesia em busca
incessante pelo lucro e, com a economia em franco desenvolvimento, surgem os banqueiros
e cambistas, atividades estas em ebulição devido ao dinheiro em circulação.
Estamos diante, agora, da substituição do modelo de produção feudal pelo capitalista,
sistema econômico predominante, devido às revoluções sociais que marcaram a Idade
Moderna.
É importante recordar, ainda, que o capitalismo podia ser visualizado já na época das
Grandes Navegações, diante do acúmulo de riqueza gerado pelo comércio de especiarias e
matérias-primas dos países colonizados – época esta em que é conhecido como pré
capitalismo -, além das desigualdades geradas desde então, através da exploração.
Evoluindo para a Revolução Industrial, tem-se o acúmulo de riqueza proveniente do
comércio industrial das fábricas, cuja produção multiplicava-se devido a maior utilização
das máquinas, em contraponto ao desemprego, péssimas condições de trabalho e todo tipo
de opressão.
Após a Segunda Guerra Mundial, já no Século XX, temos o surgimento do
monopólio financeiro capitalista, incentivado pelo Estado, caracterizado pelo rápido
crescimento da economia – impulsionado pela globalização - e centralização do capital,
favorecendo, assim, as grandes empresas e a monopolização que persistem até os dias atuais.
23
O capitalismo, visto, assim, por seus críticos, ao passo que, decerto, provocam largo
crescimento da produção também é o maior responsável pelas contradições entre as classes
burguesa e operária, o que, por consequência, acarreta em crises periódicas ao longo da
história (como exemplo podemos citar a crise do dólar de 1971).
É nítido, nesse sentido, o motivo originário causador do abismo entre as classes. À
medida em que se observa a alta dos preços, proveniente da inflação, o custo de vida também
encarece, desaguando, por seu turno, no desemprego.
Em defesa do capitalismo, Jason Brennan observa que o socialismo possui um viés
moral ao qual a espécie humana, egoísta e gananciosa, não está pronta ou disposta a
funcionar. Prossegue seu estudo acerca da defesa do sistema capitalista atentando para a
utopia dos proclames socialistas, que exigem, de forma inatingível, que o ser humano seja
altruísta e benevolente14.
Em referência a Gerald Cohen, ferrenho defensor do sistema socialista, Brennan cita
seu argumento de que se houver desigualdade entre os indivíduos de uma mesma sociedade,
não será possível viver em comunidade, ao passo que a falta de empatia, naturalmente, gerará
exclusão daquele que se encontra em posição desfavorável15.
Na sociedade moderna, tendo o instinto egoísta e ganancioso do ser humano como
paradgma, é forçoso concluir que, apesar do socialismo representar um modelo mais justo e
solidário, este é de aplicação inviável16.
Tal conclusão pode ser comprovada pelo fato de que não estão dispostos, todos os
seres humanos, a receber idêntica recompensa pelos trabalhos prestados. Isto porque, em
verdade, é tendência humana a ganância por maiores remunerações ou melhores
14 BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 14. 15 Conclui Brennan, tendo em vista a visão socialista de Cohen, que “Se isso é assim, significa que toleramos
o capitalismo apenas porque pensamos que devemos fazê-lo. Toleramos o capitalismo apenas porque
pensamos que não sabemos como fazer o socialismo funcionar da maneira certa. Talvez, tendo em conta
nossas falhas morais e cognitivas, o capitalismo seja um bem. Mas o socialismo seria preferido se os seres
humanos fossem moralmente melhores”. BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do
capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 23. 16 Toma-se, como exemplo, o fracasso econômico, e para a maioria dos doutrinadores, até mesmo social, dos
países que adotaram o sistema socialista, como, por exemplo: União Soviética, Coreia do Norte e Cuba. Deve-
se, ainda, atentar para o fato de que, por outro turno, os países que adotaram o sistema capitalista, tais como:
Estados Unidos da América, Suiça, Hong Kong, apresentaram crescimento econômico-social extremamente
altos.
24
recompensas quando julgam que seu trabalho ou esforço é mais valioso que do outro, ao que
definem como motivação.
Em meio a várias vertentes sobre vantagens e desvantagens do sistema capitalista,
predominante desde o século XX, é imperioso destacar, com vistas ao presente estudo, as
violentas crises economico-financeiras que acometem o cenário mundial, e, por óbvio,
refletem nas relações de trabalho.
A alta dos preços pela inflação, o favorecimento aos monopólios em detrimento aos
pequenos proprietários resultam no encarecimento desordenado da vida e, com isto, no
desemprego.
Nesse cenário de inflação, prejuízos e desemprego alarmante é que surgem políticas
sociais e reformas, muitas das vezes disfarçadas de boas intenções, na tentativa de conter (ou
convencer) a crise instalada. Isto ocorre, como historicamente pode-se observar, através de
promessas de abertura de postos de emprego, ainda que com piores condições de trabalho.
É em tempos de crise capitalista que, ao que se percebe, os governantes se aproveitam
da ideia de que qualquer direito é melhor que nenhum direito, quando, em verdade, o que se
pretende é que qualquer direito seja suficiente para o apoio da população para maior
obtenção de lucros por parte da minoria monopolista em face da real opressão operária17.
2.2 A tumultuda relação entre trabalho e capital
Tendo visto sucintamente a evolução histórica e imposição do sistema capitalista
mundial, observa-se o nítido intuito deste: maior acúmulo de riqueza através do lucro em
menor tempo possível com aceleramento da produção.
A maior agilidade na produção e, em consequência, na geração de lucro, pressupõe,
como se sabe, maior exploração e opressão da classe operária, em favor dos interesses
17 Ao citar Lenine, bem observa à respeito da ganância pela obtenção de lucros L. Tarassov e K. Ianov:
“enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente dos capitais é consagrado não a elevar o nível de vida
das massas num determinado país, porque daí resultaria uma redução dos lucros para os capitalistas, mas a
aumentar esse lucro pela exportação de capitais para o estrangeiro”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os
Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 7.
25
patronais e do estímulo, pelo Estado, dos supermonopólios – ocasionando, por fim, cada vez
maior abismo entre as classes18.
Assim, com o domínio do sistema capitalista, as formas de produção do lucro
passaram por diversas transformações, tendo sido necessária, por conseguinte, uma reforma
no modelo de organização do sistema trabalhista.
É neste cenário de intensa disputa pela obtenção de lucro e acúmulo de riquezas que
surgem os modelos taylorista, fordista e toyotista (e, atualmente, a terceirização), todos
pensados e executados de modo a acelerar a produção em detrimento à saude mental e física
dos trabalhadores, como se verá detalhadamente a seguir.
Após a Revolução Científica, por exemplo, oberva-se o predomínio da formação
teórica e emprego racional, ao passo que perdem lugar os trabalhadores menos qualificados,
dotados de conhecimento mais empírico do que técnico, assim como aqueles que adquiriram
habilidade no ofício através da prática, tornando inúteis ou até mesmo inservíveis, aqueles
trabalhadores menos qualificados, o que favorece, outrossim, a minoria com melhores
condições financeiras.
Oportuno, por outro lado, destacar também que o processo de concentração e
monopólio financeiro, gerador e perpetuador da cada vez maior distância entre as classes
sociais, é responsável pela maior organização laboral, e, com isto, da maior concentração de
força e alargamento das lutas político econômicas.
Com a qualificação profissional acelerada e o mais acentuado abismo entre
trabalhadores agora qualificados - em especial burgueses -, e não qualificados, começam a
surgir outras questões baseadas ao pagamento pela prestação do trabalho associado às
condições do seu desenvolvimento.
Os novos desentendimentos começam a surgir posto que, se de um lado o
patrão/empresário pretende auferir cada vez mais lucro com menor gasto com a produção,
18 Citando colocação de Leonid Brejnev durante o relatório do Comitê Central do P.C.U.S. ao XXIV Congresso
L. TARASSOV; K. IANOV descrevem que: “face à necessidade de lutar contra o socialismo, os meios
dirigentes dos países capitalistas temem mais do que nunca ver a luta de classes tomar a forma de um
movimento revolucionário de massas. Daí, o desejo da burguesia de recorrer a formas mais dissimuladas de
exploração e de opressão dos trabalhadores, daí a sua tendência para aceitar, em certos casos, reformas parciais
a fim de manter as massas, na medida do possível, sob o seu controle ideológico e político”. L. TARASSOV;
K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974, p. 09.
26
por outro lado encontra-se o trabalhador, prestador de mão-de-obra, o qual, através da
prestação de um serviço, pretende ser justamente remunerado, ao ponto que possibilite sua
subsistencia digna.
Desta feita, o que seria, então uma remuneração justa? A quem cabe definir os
parâmtros de uma subsistência justa? Quais seriam os limites entre a lucratividade e o dever
de remunerar? Qual o papel social do empregador perante o mercado de trabalho?
Tais questões, longe de serem abstratas, constituem a origem do eterno impasse entre
a classe dos trabalhadores e dos empregadores. Se, por um lado, se pretende a valorização
do trabalho, por outro o interesse é da ilimitada obtenção de lucro sem intervenção estatal.
Em resposta a tais questionamentos, podemos garantir que, em regra, a classe
trabalhadora é remunerada aquém das suas necessidades normais, frente a vontade dos
patrões em obter lucro, sendo tais pretensões opostas entre si: lucro e justiça social19.
Um exemplo prático seria o disposto no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal,
que impõe, como direito do trabalhador, o salário mínimo unificado nacionalmente, cujo
valor deverá ser capaz de atender não só as suas necessidades vitais básicas, como também
de sua família, o que, como é sabido, não acontece20.
Apesar da intensificação do trabalho e de sua cada vez maior exploração, as baixas
remunerações se devem à intelectualização do trabalho, exigida pela maior modernização
das indústrias, em detrimento do rebaixamento salarial e elevado dsemprego da maioria
massiça dos operários que não tem acesso a qualquer estudo.
Na década de 60 a racionalização do trabalho (produção em cadeia), resultou, pela
repetição já inconsciente dos movimentos, no emburrecimento da classe operária, além de
19 Para L. Tarassov e K. Ianov, a força de trabalho depende das faculdades físicas e intelectuais do organismo,
da intensidade de sua utilização, da racionalidade, do nível de formação profissional do trabalhador, bem como
das suas condições materiais e sociais de vida. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo
Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 80. 20 Art. 7º da CF: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim”.
27
acentuado número de estresse psico traumático, doenças motoras, além de mortes de
trabalhadores, sobretudo diante da falta de segurança no ambiente de trabalho21.
O sistema capitalista, ao que se vê, pretende o lucro a qualquer custo, ainda que às
custas da mínima qualidade de vida ou até mesmo da saúde do trabalhador.
Frente à crise, o Estado, agora regulador e garantidor22, é chamado a regular os
serviços públicos, os salários, condições de trabalho, preços e formação profissional, ao
mesmo tempo em que concilia o mercado com as necessidades sociais, garantindo, assim, o
interesse público.
Isso porque, a partir da eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o
liberalismo do Estado começou a perder forças, não tendo conseguido superar a crise
financeira causada por tal conflito, o que perdurou até a eclosão da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), quando o agravamento da crise e todo o esforço para recuperação não foi
eficaz, tendo sido evidente que Estado e Sociedade não funcionariam como entes autônomos.
Tal percepção fez nascer o Estado-providência, em substituição ao Estado-liberal.
O até então Estado-liberal caracterizava-se pela não intromissão do Estado nas
necessidades do indivíduo. A liberdade consistia no fato de ser dado a cada indivíduo o poder
de fazer suas escolhas em prol de suas necessidades, enquanto o Estado deveria se incumbir
apenas de garantir as condições necessárias ao exercício desses direitos.
O chamado Estado-providência, nascido da necessidade de intervenção do Estado
frente à crise gerada pelo liberalismo, pressupõe o tipo de organização política-econômica,
no qual este deve agir como agente garantidor da promoção social e organizador da
economia.
21 No final da década de 60 e início da década de 70, o Brasil era considerado o campeão mundial em acidentes
de trabalho, tendo sido, em decorrência, editadas normas reguladoras sobre os serviços especializados em
engenharia de segurança e medicina do trabalho, bem como as comissões internas de prevenção de acidentes
do trabalho – CIPA, em caráter obrigatório. BISSO, E. M. O que é Segurança do Trabalho? São Paulo:
Brasiliense, 1990. 22 No final do Século XX, diante da necessidade de reorganização das tarefas públicas, a forma de intervenção
estatal no domínio econômico, fez surgir a função reguladora da economia, deixando de ser apenas um mero
executor de serviços públicos. Assim confirma Ladeur. KARL-HEINS, Ladeur. Der Staatgegen Die
Gesellschaft. Tubingen, Siebeck, 2006., p. 388.
28
Assim, frente à tumultuada relação entre capital e trabalho, causada pelo entrechoque
de interesses, passa a ser do Estado (garantidor) a responsabilidade de regular as condições
básicas de vida da sociedade, protegendo o cidadão contra os abusos do poder econômico.
2.3 Taylorismo, Fordismo e Toyotismo
Ainda utilizados em muitas indústrias pelo mundo, o taylorismo, fordismo e
toyotismo representam modelos de produção, apresentando, todos, o mesmo objetivo final:
maior produção e maior lucratividade.
No mundo capitalista, a racionalização dos meios de produção é tida como o meio
mais eficaz de se garantir baixas remunerações. À medida em que se acelera as operações, é
possível, explorar ao máximo, em cadeia de produção, a capacidade laborativa do ser
humano. Isto ocorre uma vez que os movimentos passam a ser executados repetidamente,
num tempo mínimo, tendo, como uma das principais consequências, o emburrecimento
profissional do trabalhador23.
Preconizado por Frederick Taylor, no início do Século XX, o Taylorismo representa
um modelo de produção focado na realização de tarefas com maior eficiência durante o
processo de produção.
Assim, o método desenvolvido pelo engenheiro norte-americano consiste em,
primeiramente, planejar a linha de produção, aplicando-se métodos testados, seguido da
seleção dos operários para realização das funções, devendo serem escolhidos quanto ao
critério da aptidão, ou seja, designando-se para o cargo aquele trabalhador que mais
especializado for para o mesmo.
É importante salientar que o método Taylorista consiste na designação e
aperfeiçoamento do operário tão somente para a função que executa. O trabalhador somente
terá responsabilidade pelo conhecimento estritamente necessário ao processo de execução
23 Como bem definem L. Tarassov e L. Ianov à respeito das cadeias de produção “a cadeia anula, ou quase, o
papel do ato consciente; o que a caracteriza é uma excessiva divisão do trabalho, cadências rápidas, a
monotonia”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa,
Lisboa, 1974., p. 93.
29
que lhe compete, o que se denomina princípio da singularização das funções, ao passo que,
apenas ao gerente cabe o conhecimento e fiscalização acerca de todo o processo.
Ao gerente cabia, ainda, o controle das jornadas de trabalho dos funcionários, que só
tinham intervalos em horários pré-programados e se submetiam à ORT.
Como forma de superação do taylorismo, não obstante guardarem algumas
similitudes, Henri Ford foi responsável pela organização e implantação do modelo fordista
de produção, tendo como base o princípio da racionalização do trabalho e o controle do
mesmo pelo mercado econômico24.
De forma inovadora, Ford implementa ao modelo taylorista o sistema de linha de
montagem, reduzindo, assim, a perda de tempo útil durante a produção pelos operários.
Conhecido como o modelo japonês de trabalho e organização, Taiichi Ohno elaborou
o modelo toyotista de produção. Tal modelo, baseado em sua experiência como engenheiro
na empresa Toyota, surgiu da necessidade de atender as exigências do mercado frente à
necessidade de expansão dos lucros.
Surgido na década de 70 o sistema tinha como objetivo principal a flexibilização da
fabricação de mercadorias. Deste modo, observa-se a diminuição do número de operários
diante da produção sem estocagem, ao contrário do modelo anterior fordista.
Ou seja, o toyotismo prevalece-se da produção conforme a demanda, sem
acumulação de mercadorias no estoque aumentando-se ou diminuindo-se a fabricação de
forma proporcional ao encomendado, o que acabaria por flexibilizá-la.
Para possibilitar a viabilidade desse sistema, era utilizada a técnica do “just in time”
(em cima da hora), que se baseava na maior agilidade quanto ao fornecimento de matéria
prima, produção e venda, trazendo enorme economia para a empresa.
Importante destacar, quanto ao modelo japonês, a drástica diminuição do número de
trabalhadores, à medida que, contrariamente ao sistema fordista, o mesmo trabalhador
participava de várias etapas do processo produtivo.
24 FERREIRA, Cândido Guerra. Processo de trabalho, tecnologia e qualificação: notas para discussão.
UNICAMP, 2000., p. 07.
30
Para muitos autores e estudiosos desta área, o modelo toyotista vem sendo apontado
como percursor do sistema da terceirização, pois o foco dos dois modelos está no
fornecimento de serviços, ou seja, maior distribuição de mercadorias que propriamente de
produção.
2.4 A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana
Historicamente, a livre iniciativa teve origem no Édito de Turgot de 1776,
determinando que, deste então, seria livre a qualquer pessoa realizar qualquer negócio ou
exercer qualquer profissão, arte ou ofício, devendo, contudo, munir-se do que era conhecido
como “patente”, pagar as taxas que lhe fossem exigíveis e submeter-se ao regulamento que
lhe fosse aplicável.
O art. 179, XXIV da Constituição Imperial de 1824, no Brasil, assegurava que
nenhum gênero de trabalho ou comércio podia ser proibido, desde que não se opusessem aos
costumes, segurança e saúde dos cidadãos, o que foi reiterado pela Constituição da República
de 189125. Não cabendo ao Poder Público legislar no sentido de controlar a economia, uma
vez que tal interferência poderia ser considerada como um rompimento do equilíbrio das
forças econômicas.
Somente a Constituição de 1937 apresentou, pela primeira vez, a intervenção do
Estado no domínio econômico, onde, até então, prevalecia o liberalismo econômico26.
De acordo com o que se entende por Estado Liberal, cada indivíduo deve ser
responsável por suas próprias escolhas, considerando, para tanto, suas necessidades e o
25 Constituição da República Brasileira de 1891, art. 72, § 24: “é garantido o livre exercício de qualquer
profissão moral, intelectual e industrial”. 26 Constituição da República Brasileira de 1937, art. 135: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de
organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a
prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as
deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os
seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação,
representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a
forma do controle, do estimulo ou da gestão direta”.
31
melhor modo de satisfazê-las, sendo exigido do Estado que proporcione apenas as condições
básicas, permitindo, a cada cidadão, o livre exercício dos seus direitos.
A Constituição Federal de 1988, por fim, adotou a livre iniciativa, tal como
insculpida em seu art. 170, constituindo fundamento da ordem econômica e da República,
que assim prevê:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Parágrafo único: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei”.
Pode-se afirmar que a liberdade de iniciativa compreende, então, o livre exercício da
atividade econômica, da liberdade de trabalho, ofício, profissão e de contrato. E mais, a
liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da
maneira que entenda ser mais conveniente27.
Muitos autores afirmam ser o princípio da livre-iniciativa, o pilar do capitalismo e,
que, visando este sistema o lucro irrestrito, estaria fadado ao entrechoque com as noções de
dignidade da pessoa humana28.
27 FUX, Luiz, ao reconhecer a repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº. 713.211 de Minas
Gerais. 28 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do Trabalho: Reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2010. P. 81.
32
Para outros, o princípio em tela configura nada mais que desdobramento ou projeção
da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas. Para
estes autores, a liberdade insculpida no texto constitucional não diz respeito apenas aos fins,
como também aos meios, ao passo que cabe ao empreendedor a escolha do processo ou meio
mais adequado para alcançar a finalidade empresarial almejada29.
Neste caso, seria o princípio da livre iniciativa absoluto? Quais seriam os limites
legais ou morais à liberdade de explorar, produzir e comercializar?
De acordo com o disposto no caput do art. 170 da Constituição Federal, a ordem
econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, fazendo, assim, com que os
dois princípios se complementem e sejam interdependentes. Isso significa, em outras
palavras, que o capitalismo franqueado pela livre-iniciativa deve coexistir e, até mesmo,
subordinar-se aos preceitos de justiça social e dignidade da pessoa humana.
A Constituição Brasileira de 1988, traz, em seu primeiro artigo, como fundamento
da República, a dignidade da pessoa humana30, que, como se verá adiante, será responsável
por nortear e limitar a atividade econômica, quando gerida com excessos ou de modo
inadequado.
Nesse mesmo sentido, a Constituição Portuguesa de 1976, em seu art. 15, nº. 1 traz a
previsão de igualdade de certos direitos e deveres entre cidadãos portugueses e estrangeiros
e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Isto porque a Constituição lusitana
acompanhou a tendência da Declaração Universal dos Direitos do Homem em asseverar a
dignidade como preceito fundamental.
A par da característica de fundamento da República e da tendência mundial ao
estabelecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como norte principal do
29 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997., p. 223. 30
Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da
pessoa humana”;
33
direito, é dever também dos agentes políticos zelar pela sua eficaz aplicabilidade, tendo em
vista sua imprescindibilidade ao convívio social pacífico31.
Na tentativa de definir e delimitar o princípio da dignidade da pessoa humana,
entende-se que por ser tão abrangente e abstrato, não haveria um consenso à tal respeito,
uma síntese. O que se concluiu de imediato foi que nunca foi possível dissociar o homem de
sua dignidade, mesmo que tal atributo ainda não fosse reconhecido como uma qualidade
afeta à pessoa humana.
Desde então, muitos estudiosos do direito e das ciências sociais vêm tentando definir
tal princípio, sem, contudo, pretender delimitar ou estabelecer exatidões.
Do latim, dignitas, tem origem a palavra dignidade, que, como sinônimos, apresenta
virtude, honra, dentre outras. É definida por Plácido e Silva32 como uma base moral que é
atribuída a uma pessoa, seu conceito público e respeito.
Principalmente após as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial,
quando se observou o extermínio em massa nos campos de concentração, muitos países
atentaram-se para a necessidade de incluir, em suas Constituições, o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Em uma visão kantiana, o homem possui uma dignidade ontológica, ou seja, é um
fim em si mesmo, ainda que, atualmente, tenham sido agregadas a essa concepção a tutela
da coletividade, dos interesses individuais e materiais indispensáveis para o exercício de suas
liberdades33.
Em relação ao direito do trabalho, ao que toca o presente trabalho, é forçoso
reconhecer a máxima importância do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez
que, dadas as definições acima apresentadas, é o trabalho que torna o homem mais digno, à
medida que lhe possibilita o pleno desenvolvimento de sua personalidade, origem de sua
valorização como ser humano.
31 Como bem explica Canotilho, J. J, O Estado de direito democrático exige os direitos fundamentais , ao passo
que os direitos fundamentais exigem o Estado de direito democrático. CANOTILHO, J. J. Fundamentos da
Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991., p. 99. 32 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
33 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P. 103.
34
Por fim, diante do exposto, pode-se concluir que o princípio da livre iniciativa não é
absoluto, mas sim relativo, estando o exercício da atividade econômica condicionado ao
bem-estar da sociedade e limitado pelo bem comum34.
No que toca ao direito do trabalho, a limitação ao princípio da livre iniciativa com
fundamento na dignidade da pessoa humana deverá ocorrer sempre que se observe, ao
avaliar um conflito, o abuso econômico e a obtenção de lucros ilícitos, por intervenção
Estatal.
Importa destacar, por oportuno, que, havendo entrechoque de conceitos
constitucionais, dever-se-á cotejar os bens jurídicos envolvidos para que se chegue a uma
solução equilibrada.
2.5 A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural
Apesar de ter seu início apontado para o século XV, a economia política só foi
enquadrada como ciência no século XVIII, sendo, esta época, marcada pela criação de leis
gerais da economia.
Com a Revolução Industrial, era nítida a ascensão econômica e social da burguesia,
acompanhado de um sentimento de prosperidade advindo pela alta produção nas fábricas.
Ocorre que, são frequentes, nesse modelo, os colapsos econômicos e crises
financeiras, que, como ondas, transformam um clima de euforia e prosperidade em
desemprego, inflação e falências.
Como aponta Marx, as crises do sistema capitalista podem ser entendidas como
inerentes a esse sistema e não algo imprevisível e aleatório. Em regra, ao que se observou, à
época, como fruto da teoria marxista, as transformações tecnológicas são capazes de, durante
décadas, causar depressões sistemáticas.
34 Importante apontamento de Sergio Gomes informa que, em relação aos direitos fundamentais, que, se de um
lado o Estado liberal se preocupou com os direitos civis e políticos dos detentores dos meios de produção, o
Estado social os menosprezou. Assim, os dois modelos limitaram direitos sociais, quando deveriam se
complementar, ou inter-relacionar. GOMES, S. Hermenêutica Constitucional. Curitiba: Juruá, 2010.
35
Para Marx, o principal crítico do sistema capitalista, o sistema é irracional, uma vez
que a concorrência provocada pelo capitalismo gerava uma superprodução, que não
encontrava o mesmo nível de procura, uma vez que, por outro lado, os operários não
recebiam salários capazes de suportar seu alto custo35.
Sem consumo total da superprodução, observa-se a baixa dos lucros e de
investimentos, acompanhado, então, de desemprego e falências.
Como se observa através do gráfico abaixo, atualmente, dentre os países que adotam
o sistema capitalista, são frequentes as crises econômicas, o que causa, em seguida, o
aumento extraordinário do custo de vida associado ao desemprego em massa36.
35 MARX, Karl. O capital. Crítica da Economia Política. Boitempo Editorial., p. 146. 36 De acordo com L. TARASSOV; K. IANOV: “é fácil de constatar, por pouco que se acompanhe dos
acometimentos mundiais, , que o desenvolvimento da economia capitalista moderna é pontilhado de convulsões
violentas, crises monetárias agudas e altas de preços, que é marcada pela inflação interna e por uma
concorrência cada vez mais encarniçada entre as potencias imperialistas”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os
Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de
Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 33.
36
Tem-se, assim, que tal fenômeno não é totalmente benéfico, sobretudo, considerando
o choque entre a classe burguesa e os operários impulsionado pelo sistema capitalista,
gerando, sem dúvidas, importante mudança estrutural na economia, ao passo que, como dito
anteriormente, são incentivadas, nesse sistema, as fusões de monopólios37.
Assim, o indiscutível aumento da produção trazido pelo modelo capitalista não traz
apenas lucros, aponta a história.
Ademais, o que se observa é que o processo de monopolização, caracterizado pela
desigualdade social, é responsável pela concentração de riqueza nas mãos de uma pequena
minoria, enquanto que todo o resto da população permanece no sistema de exploração, haja
vista, até mesmo, o arruinamento dos pequenos proprietários.
Estudos recentes apontam que, desde a década de 8038, quando a globalização saltou
de forma estratosférica, o que se viu foi o desemprego em massa aliado à forte insatisfação
dos operários pelas precárias condições de trabalho os conduzem à luta pelo aumento dos
direitos sociais, fazendo com que ganhe relevo a democracia.
O desemprego estrutural, como é conhecida a onda de demissões em massa que se
vem observando, oriundo da crescente globalização do mercado, ocorreu por uma série de
fatores, nos quais se incluem a robotização do processo de produção, a informatização, o uso
da internet e, sobretudo, a redução da mão-de-obra através da implementação de tecnologia
substitutiva do trabalho humano.
Diante desse cenário de crise, evidenciado pelo desemprego estrutural, os países em
desenvolvimento tentam conter a eclosão do empobrecimento social protegendo o mercado
interno, sem, contudo, deixar de estimular o investimento estrangeiro em sua economia.
37 Ensinam L. TARASSOV e K. IANOV que as teorias dos ideólogos do imperialismo na tentativa de evitar
ou minimizar o choque entre burguesia e operários resumem-se a substituir a luta de classes pelo que chamam
de cooperação de classes, estabelecida entre as ambas as classes, através da humanização da relação entre
trabalho e capital, das promessas de tornarem-se proprietários, apesar de restar intacta a propriedade privada
dos meios de produção, bem como seus proventos e os monopólios capitalistas. L. TARASSOV; K. IANOV.
Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 11. 38 Um relatório anual de informação social (RAIS), à época, levantou que na década de 80 a indústria
apresentou uma performance negativa ao nível do emprego. A pesquisa aponta uma eliminação de cerca de
2500 vagas de trabalho entre 1980 e 1989, caindo, assim, de 15% para 12% a participação do setor industrial
no estoque de vagas. Bahia Análise e Dados. Salvador: SEI-Informação a Serviço da Sociedade, v. 8, nº. 4,
março/1999.
37
Cabe relembrar, neste contexto de investimento estrangeiro na economia interna, que,
em muitos casos, grandes multinacionais se aproveitam do baixo custo da mão-de-obra de
países subdesenvolvidos no intuito de baratear os custos da produção, o que, aliado a uma
legislação trabalhista vulnerável ou demasiadamente flexível, abre espaço para exploração e
abusos dos trabalhadores, chegando, até mesmo, ao tratamento em condições análogas à
escravos.
É importante salientar, neste ponto, que o desemprego não é um problema que atinge
apenas os países subdesenvolvidos. A dificuldade mundial de alocar produtivamente todos
que estão em situação de produtividade é mundial, segundo pesquisas recentemente
divulgadas.
38
Capítulo 3
A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas
3.1 – A globalização
É sabido que não é recente a ideia de globalizar. Desde as Grandes Navegações, entre
os séculos XV e XVI, o homem passou a estabelecer contato e relações comerciais e culturais
com outros povos39.
Porém, foi no final do século XX que, com a ascensão do neoliberalismo, o processo
de globalização ganhou força.
Com a derrota do sistema socialista e a enorme força do sistema capitalista aliada a
saturação dos mercados internos, grandes empreendedores passaram a buscar ampliar suas
atividades no mercado internacional, ainda mais naqueles territórios ainda devastados pela
crise socialista.
Da abertura dos mercados internacionais, rumo à integração de sistemas, culturas,
produção, economia e trabalho, o mundo passou a ser interligado através das redes de
comunicação, cada vez mais ágeis, diminuindo as fronteiras entre os Estados até então
isolados em seus próprios sistemas40.
A abertura do mercado interno e a galopante revolução tecnológica fizeram com que
as empresas multinacionais direcionassem suas linhas de produção aos países
subdesenvolvidos, onde a mão-de-obra é mais barata e a legislação interna permite maior
exploração.
Assim, o desenvolvimento dessa nova realidade, globalizada, tecnológica e sem
barreiras, afetou claramente as relações de trabalho.
39 Nesse sentido, aponta Luiz Gonzaga que globalização não passa de um termo novo para práticas antigas,
como é o caso do Cristianismo, pelo qual o Papa o reafirma pelo mundo no intuito de reafirmar e unificar a
Igreja Católica. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória
Jurídica, 2001, p. 49. 40 CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões, Globalização da Economia e
Flexibilização das Normas Trabalhistas. Impetus, Niteroi; 2010., p. 5.
39
Se, por um lado, muitos Chefes de Estado apontam a globalização como principal
fenômeno responsável pela prosperidade, por outro tal pensamento não se sustenta. Para
muitos especialistas, a globalização é perversa, pois impõe imperativos de economia em
detrimento ao avanço social das populações mais pobres.
A OIT demonstra, através de estudos, a clara preocupação em relação as condições
de trabalho mundiais, que apresentam altos níveis de precarização, que tende a ser agravada
pelo progresso técnico, que, longe de criar postos de trabalho, deteriora ainda mais a atual
situação, ao passo que suprime postos e reduz salários sobretudo daqueles menos
qualificados.
A rapidez das comunicações e da capacidade comercial aumentou ainda mais a
competitividade entre as grandes empresas, que passaram, então, a buscar meios de redução
dos custos de produção, reduzindo o número de trabalhadores, aumentando a jornada de
trabalho e diminuindo os salários41.
Neste contexto, os países de economia mais frágil foram os mais prejudicados pelo
aumento do índice de desemprego, diante da automatização das linhas de produção e da
exigência, cada vez maior, de mão-de-obra qualificada.
Diante, mais uma vez, da crise e da degradação da economia interna, que não teve
condições de sustentar a competitividade internacional, as proteções trabalhistas tornam-se
alvo de questionamentos por aqueles que apontam as políticas sociais como causa da
insustentabilidade econômica e clamam, falaciosamente, por sua flexibilização.
3.2 – A responsabilidade social da empresa
Em todo o mundo, mas, principalmente, no Brasil e nos países subdesenvolvidos, há
extrema dificuldade em implementar direitos fundamentais, sobretudo os sociais.
Tais direitos são extremamente indispensáveis, uma vez que se prestam a estabelecer
igualdades materiais e a manter o mínimo existencial.
41 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2013., p. 77.
40
Já diante de um Estado-providência, imputa-se a este a promoção de políticas
públicas capazes de satisfazer os direitos sociais, tais como saúde, educação e moradia, o
que, muitas das vezes, não se pode alcançar sob alegação de limitação de recursos
orçamentários.
Neste contexto, somente com a cooperação da sociedade e também das empresas, é
que o Estado conseguirá alcançar, de forma eficiente, seus objetivos.
Somente através de políticas de conscientização e concretização dos direitos sociais
é que os Estados alcançarão a redução das desigualdades. Para tanto, existe um esforço
internacional, sobretudo pela ONU, para solucionar problemas econômicos e humanitários.
É através da solidariedade de esforços mútuos (Estado, sociedade e empresariado)
que os interesses privados serão alinhados aos interesses sociais. Tal relação de
complementação exige que as empresas participem de modo a assumirem sua
responsabilidade social, garantindo, por seu turno, incentivos públicos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo primeiro, reafirma o Estado
Democrático de Direito, fundado, por seu turno, em valores que se complementam, como a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Nesse sentido, é de suma importância o papel das empresas no desenvolvimento dos
Estados.
É a empresa que promove a economia, através da circulação de riquezas, da oferta
de empregos, investe em tecnologia e estimula a concorrência, e, é nesta linha que se
encontra sua função social, ou seja, num patamar de agente transformados da realidade na
qual se encontra inserida42.
A própria Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, inciso XXIII o dever do
empresário de observar a função social da propriedade privada, na qual se inclui a
propriedade empresarial.
42 LEAL JÚNIOR, João Carlos. Ensaio sobre o princípio da função social da empresa na Lei 11.101/2005.
Revista Forense nº 409, p. 507.
41
Representam, ainda, pontos de convergência entre direitos/deveres público-privados
o estabelecimento da valorização do trabalho humano, como fundamento e a dignidade como
finalidade da ordem econômica, a livre concorrência e a redução das desigualdades.
Não sem finalidade estão interligados o trabalhado valorizado e a proteção ao
mercado, pelo que o cumprimento da função social da empresa requer, além da produção de
bens e serviços, a descentralização do lucro, capaz de proporcionais melhores condições ao
trabalho humano43.
São inúmeras as maneiras pelas quais as empresas podem (e devem) contribuir para
a efetivação dos direitos sociais, incentivando o progresso da humanidade e o trabalho justo,
dentre esses meios podemos citar a oportunidade de acesso a planos de saúde, programas de
educação alimentar, incentivo a meio ambiente sadio, fomento à cultura, dentre outros.
Não se pode olvidar que o conceito de eficiência, se considerados somente números,
não é tão passível de resultados lucrativos como quando se considera números ligados ao
bem-estar do trabalhador como ser humano.
Desta feita, é notório que empresas que praticam medidas tendentes à melhoria da
condição do trabalhador com finalidade de alcançar o trabalho justo e digno obtêm resultados
lucrativos muito acima das empresas que tratam seres humano como apenas números, sem
cumprir, por consequência, sua função social.
3.3 “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise
Como temos observado ao longo do estudo acerca do capitalismo, é fato que este
sistema, focado na obtenção cada vez maior de lucro, é extremamente tendente a crises, dada
sua ambição desenfreada.
43 KEMPFER, Marlene. Segurança humana e o dever jurídico das empresas brasileiras. Estudos em Direito
Negocial. Curitiba: CRV, 2011., p. 206.
42
O capitalismo, então, globalizado, tornou o mercado de trabalho volátil, competitivo
e culminou por subordinar, de forma cruel, os países subdesenvolvidos aos detentores de
poder econômico internacional.
Ao mesmo tempo, em que se observava a busca cada vez mais alta pelo lucro e a
abertura das fronteiras possibilitavam a exploração dos países mais pobres, a crise
econômica foi inevitável.
Com a superprodução e a baixa demanda, a inflação foi o início de uma depressão
marcada por trabalhadores explorados (sem intervenção estatal) e, agora, desempregados em
massa, além de fábricas falidas.
O fracasso das políticas neoliberais, que dispensam a intervenção do Estado na
economia, em favor da austeridade fiscal, livre comércio, privatizações etc., faz surgir a
necessidade de um Estado regulador, ou Estado-providência44.
O Estado-providência, então, encarregado de limitar o abuso do poder econômico,
passa a regulamentar questões ligadas ao Direito do Trabalho, garantindo, assim, condições
dignas de vida ao trabalhador.
Não obstante o Estado intervencionista ter trazido novamente à tona a prosperidade
produtiva das fábricas, até então entregues à crise, os neoliberalistas não aceitavam sua
intromissão, alegando que a economia é capaz, por si só, de se autorregular ou auto reerguer.
Atualmente, o cenário mundial, sobretudo no que diz respeito às condições e relações
de trabalho, preocupa. Isto porque, como vimos, o sistema capitalista é tendente à crises
inesperadas, que trazem consigo enorme massa de desempregados e depressões financeiras
de prejuízos incalculáveis.
No atual cenário o termo “souplesse” ou “flexibilização”, vem ganhando relevo na
área trabalhista, sem que, contudo, realmente seja estudado seu significado.
Isso porque os que acreditam que o neoliberalismo seria a solução para a crise
econômica mundial culpam os direitos trabalhistas pela eclosão do drástico cenário.
44 Frente à crise, Keynes propôs, como solução, que o Estado tomasse para si a função controladora,
comprovando que o neoliberalismo capitalista não se sustenta. Neste cenário, o Estado passou a empregar os
milhares de desempregados, fazendo com que a economia voltasse a circular pelo novo poder de consumo e
trazendo, novamente às fábricas, a possibilidade de produção e os investimentos.
43
Apontam, tais autores, que a rigidez das legislações trabalhistas seriam a própria
causa do desemprego45.
Tido por muitos, principalmente economistas, como um novo modelo de
desenvolvimento capaz de atenuar o maior problema gerado pela crise financeira mundial, a
flexibilização não pode ser tida como um regresso à modelos superados e que não mais são
capazes de atender aos anseios sociais.
É sabido que se, atualmente, os trabalhadores possuem direitos que os proporcionam
certa qualidade de vida, tal não foi uma conquista fácil. Ao longo de muitos anos, diz a
história, os trabalhadores foram oprimidos, tratados como escravos e em situações
desumanas e degradantes.
Não obstante a tantas lutas dos trabalhadores, para alcançar alguma dignidade
humana através do trabalho justamente remunerado e, ainda hoje, lutando por condições
salubres de exercício dos seus ofícios, muitos tem apontado a esse conjunto de direitos, tão
arduamente conquistados, a causa da crise econômica mundial46.
Para tanto, apontam os neoliberais como solução para a crise global, o que se vem
chamando de flexibilização dos direitos trabalhistas, prestigiando a autonomia privada
coletiva47 para adaptar a nova situação econômica mundial e das empresas.
Para melhor entender o que vem a ser a flexibilização dos direitos trabalhistas é
essencial entender, por conseguinte, que grande parte das normas trabalhistas são de ordem
45 A legislação trabalhista não mais se ajusta a uma economia que se abre e tem de competir”. Segundo o autor,
há no Brasil, por exemplo, um enorme abismo entre a lei e a realidade no mercado de trabalho, devido ao
conjunto de direitos impostos pela Constituição e pela CLT às empresas. Sendo que estes direitos geram grande
burocracia além de encargos de 103,46% do salário pago ao empregado. PASTORE, José. Flexibilização dos
mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1995., p. 1. 46 Em sentido proporcionalmente diverso, Pochmann aponta que não é a mudança na forma de contratar a mão-
de-obra que irá reduzir o desemprego e aumentar os níveis de emprego. Informa, ainda, o autor, que flexibilizar
as relações trabalhistas importará na solidificação da precarização dos postos de trabalho e no que chama de
“desemprego disfarçado”, já que, como aponta, não serão adicionados postos de trabalho. Para finalizar,
lembra, ainda, que a discussão sobre a questão do desemprego no Brasil está concentrada no que tange ao
mercado de trabalho e não na economia em si. POCHMANN, Márcio. Desemprego e políticas de emprego:
tendências internacionais e o Brasil In: OLIVEIRA, Marco Antônio de (Org.). Economia & Trabalho: textos
básicos. Campinas, SP: UNICAMP, 1998, p. 227. 47 Nesse sentido, José Pastore afirma que a livre negociação seria a solução para a crise econômica e criação
de postos de trabalho, ao passo que o excesso de legislação protetiva impede o progresso econômico.
PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1995, p.
15.
44
pública, visando dar, de fato, efetividade aos princípios sociais e limitar a autonomia da
vontade em busca de proteção ao trabalhador48.
Outro conceito também determinante para corretamente empregar a flexibilização é
o de mínimo existencial, aliado, ainda, à proibição do retrocesso.
Assim, deve-se entender o mínimo existencial como um patamar civilizatório sem o
qual não se pode conceber a vida com dignidade, ou seja, uma espécie de limite à
possibilidade de flexibilização. Condições estas que devem ser estabelecidas pelo poder
Estatal.
Não se pode perder de vista que o objetivo precípuo da flexibilização é manter a
empresa e seus postos de trabalho em situação de grave crise e não o aumento de lucro do
empresário em detrimento a perdas de direitos ou deterioração da qualidade de vida do
empregado/trabalhador.
Outro princípio que importa à limitação da flexibilização dos direitos trabalhistas é a
da proibição do retrocesso social (também conhecido como irreversibilidade dos direitos
sociais). Tal princípio, ainda pouco enfrentado pela doutrina e jurisprudência, informa que,
adquiridos direitos sociais, não se poderá suprimi-los ou delimitá-los, sob pela de
caracterizar um retrocesso social49.
A par disso, na tentativa de se adequar à necessidade de redução dos custos com a
mão de obra, observou-se um cenário de maior contratação de trabalhadores fora do modelo
típico de vínculo empregatício, dando azo a maior contratação do teletrabalho, do
trabalhador por tempo determinado, parcial, dentro outros.
48 Ressalta, nesse sentido, Vólia Bomfim, que alguns direitos trabalhistas são espécie do gênero “direitos
humanos” e que, por isso, constituem cláusulas pétreas, configurando, no entanto, núcleo imodificável da
Constituição Federal de 1988, não sendo permitida sua modificação, sequer por emenda constitucional, no
intuito de prejudicar o trabalhador. CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões,
Globalização da Economia e Flexibilização das Normas Trabalhistas. Impetus, Niteroi; 2010., p. 13. 49 Em posição contrária à rigidez deste princípio podemos citar a tese de Canotilho, que em mudança de opinião
a tal respeito afirma que deve-se aceitar a existência de menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário
para todos faz relativizar a proibição ao retrocesso social. Há, inclusive, posicionamento do Tribunal
Constitucional de Portugal (acórdãos 399/2010, 396/2011 e 353/2012), no sentido de relativizar a rigidez da
proibição do retrocesso em tempos de crise, passando a aceitar restrições. Tais posicionamentos resgatam,
sobremaneira, as lições de Alexy e Dworkin, no sentido de que as normas constitucionais devem ser
interpretadas conforme a necessidade da época de sua aplicação. Canotilho, José Joaquim Gomes. Estudos
sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2004, p. 111.
45
O que pouco se consegue perceber, contudo, é que o Direito do Trabalho já é por
demais flexibilizado.
O princípio maior, da irredutibilidade salarial, é flexibilizado pela própria
Constituição Federal de 1988, quando prevê tal possibilidade, em caráter de exceção, por
convenção e acordo coletivo, assim como a compensação de horários, que flexibilizam a
jornada de trabalho e a possibilidade de dispensa sem justa causa que, até a presente data,
não foi regulamentada sua proteção50.
Flexibilizar ou reduzir direitos trabalhistas não podem significar, por seu turno, a
infração à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais do trabalho e a proteção
ao trabalhador.
Em importante análise, Godinho deixa claro seu posicionamento acerca da
possibilidade da flexibilização das leis trabalhistas, desde que mantido o patamar mínimo
civilizatório, defendendo, ainda, a existência de normas de indisponibilidade absoluta (não
passíveis de flexibilização) e relativa (passíveis de flexibilização nos limites necessários e
possíveis)51.
Neste contexto consistente entre analisar a necessidade real de flexibilização de
direitos trabalhistas para manutenção de postas de trabalho, cabe ao Estado estabelecer
parâmetros negociáveis para evitar abuso de direito por parte daqueles que detém
superioridade jurídica (empregadores), sob ameaça da dignidade da pessoa humana do
trabalhador, que, necessitado, passaria a aceitar qualquer oportunidade de sobrevivência.
3.4 – Diferença entre Flexibilização e Desregulamentação
A flexibilização dos direitos trabalhistas pode ser entendida, como visto, como a
necessidade de tornar menos rígida uma norma laboral, a fim de que mais postos de trabalho
possam ser mantidos e encorajados, resolvendo, para os que comungam desta teoria, o
problema do desemprego estrutural que atinge, atualmente, o mundo inteiro.
50 SILVA, Antonio Álvares da. Terceirização: Um trigre de papel. Belo Horizonte: RTM, 2015., p. 18. 51 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012., p. 212.
46
Por outro lado, tem-se debatido, ainda, acerca da desregulamentação trabalhista, que
em nada tem a ver com flexibilização das normas.
A desregulamentação consiste na supressão de determinadas normas jurídicas
heterônomas, ou seja, advindas do Estado, passando as situações fáticas e concretas a serem
reguladas pelos próprios atores sociais às quais se dirigem, através de uma
desregulamentação negociada.
Haveria, por seu turno, a derrogação das vantagens trabalhistas estabelecidas pelo
Estado e que seriam substituídas por benefícios muito inferiores, sem qualquer observância
aos princípios fundamentais constitucionais52.
Ressalta-se que, a substituição das leis por regras advindas de uma negociação
coletiva representariam, por seu turno, a revogação de direitos constitucionalmente
adquiridos após séculos de opressão da classe trabalhadora.
3.5 – Direito ao trabalho digno. O que diz a OIT?
Criada pelo Tratado de Versalhes em 1919, a OIT tem como convicção primeira a de
que a paz universal só poderá ser alcançada através da justiça social.
Com estrutura tripartite, ou seja, composta por representantes de governos,
trabalhadores e empregadores, é responsável por formular e aplicar normas internacionais
do trabalho, composta por convenções e recomendações.
Em 1944 foi adotada a Declaração de Filadélfia, como anexo da Constituição da OIT,
reafirmando, basicamente, que a paz só é possível se calcada na ideia de justiça social, além
do estabelecimento de quatro princípios básicos, quais sejam: o trabalho deve ser fonte de
dignidade; o trabalho não é uma mercadoria; a pobreza, em qualquer lugar, ameaça a
prosperidade de todos e o direito que compete à todo ser humano de perseguir seu bem estar
material com liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades.
52 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 69.
47
Dos quatro princípios anteriormente destacados, aos quais constituem a base do
objetivo da OIT, qual seja, justiça social e a paz permanente, podemos destacar os que
interessam diretamente ao presente estudo.
Nesse contexto, tem-se que o trabalho deve ser fonte de dignidade, preceitua a OIT.
Isto porque, estima-se que, atualmente, existem cerca de 200 milhões de pessoas em situação
de desemprego e 839 milhões de pessoas em condições não dignas de trabalho, auferindo,
por dia de labor, menos de 2 dólares.
O que se pretende, em verdade, é a elevação da cidadania laboral à uma base
sociológica, que deva ser buscada sem fronteiras, em todos os Estados53.
Merece destaque, ainda, o princípio atinente a não mercantilização do trabalho.
Sabe-se que o sistema capitalista se originou do comércio da força de trabalho
resultante da expropriação dos meios de produção e sujeitou o trabalhador, que a nada tinha
direitos54.
Assim, diante dos novos meios de produção, o trabalhador perde o controle e o
conhecimento do processo produtivo, sobretudo em razão da implementação de máquinas
nesse processo. Por fim, só detinha o trabalhador a propriedade de sua capacidade produtiva,
agora vista como mercadoria, vital, neste cenário, para sua própria sobrevivência.
O capitalismo transformou tudo em mercadoria, quantificada pelo dinheiro. E é
exatamente dessa quantificação do todo que a OIT visa resguardar a figura humana em sua
essência, que é a dignidade.
Apesar de abolidas a escravidão e a servidão, àqueles que não tem mercadorias para
vender, ou seja, que não são donos dos meios de produção, vendem o que lhes pertence: o
raciocínio, sua força de trabalho, suas mãos etc.
53 GHAI, Dharam. Decent Work: objectives and strategies. International Labour Organization 2006., p. 4 54 Alerta Marx para a máxima de que o sistema capitalista retira do trabalhador a propriedade dos seus meios
de trabalho, transformando em assalariados os produtores diretos das mercadorias. MARX, Karl. O capital.
Crítica da Economia Política. Boitempo Editorial, 1985., p. 830.
48
Em troca de dinheiro, o ser humano quantifica suas aptidões e as vende, agindo como
mercadoria, em troca de salário que possibilite sua existência, transferindo para quem
compra, a propriedade do fruto de sua produção.
O ser humano produz e vende sua força de trabalho, quantificada em dinheiro, porque
o sistema capitalista instituído não permite que cada pessoa produza tudo aquilo que é
necessário para a própria sobrevivência. Como única saída para obter o que não pode
produzir e permitir, então, sua sobrevivência e de sua família, o ser humano transforma em
moeda de troca as suas aptidões55.
O lucro, tão prezado pelo sistema capitalista, consiste em investir dinheiro numa
mercadoria (força de trabalho originária) que, posteriormente, será novamente transformada
em dinheiro, mas, agora, acrescida de valor excedente.
O produto da força de trabalho empenhada pelo trabalhador pertence, então, ao
empresário, que paga pela produção, geralmente considerada em razão da quantidade de
trabalho investida ou do tempo à disposição da realização56.
O entrechoque de interesses entre as classes sociais, donos da produção e operários,
esta justamente no pagamento pela força de trabalho frente à cada vez maior necessidade de
obter lucros. Neste contexto, a classe detentora dos meios de produção e, por isso, do
dinheiro, procurará pagar menos pela produção, reduzindo o tempo de disposição do
operário (precarização do trabalho) para, por fim, obter resultados mais consistentes.
Ocorre que, o trabalho não deve ser visto apenas como o gasto da força de trabalho
para busca de moeda de troca que possibilite a sobrevivência.
É o princípio da dignidade da pessoa humana que justifica o intuito protetivo do
Direito do Trabalho e ressalta o valor social (e não apenas econômico) do trabalho como
fundamento da ordem econômica e social.
55 Em relação ao pressuposto de que a força de trabalho não é mercadoria, alerta Marx para o fato de que se o
sistema adotado for o capitalismo a força de trabalho será mercadoria, inevitavelmente, representando, assim,
fonte de lucro. 56 A lógica do sistema, aponta Marcio Viana, é transformar trabalhador em emprego e empregado em
consumidor. Diante dessa lógica entende-se que, na realidade, as crises financeiras são geradas pelo colapso
do próprio sistema superprodutivo e capitalista. VIANA, Marcio Tulio. Para entender a Terceirização. São
Paulo: LTr: 2017., p. 31.
49
Devemos lembrar que antes da CLT, era o Código Civil (de 1916) que regulamentava
os contratos de trabalho, através da expressão “locação de serviços”.
Assim como o princípio da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho
foi elevado ao nível de Princípio Constitucional Estruturante57 e submetendo a tal princípio
a ordem econômica, não ao contrário. Deve ser entendido, assim, que os valores do trabalho
humano têm prioridade sobre todos os valores expostos numa economia de mercado,
devendo ser priorizado, sempre, o ser humano, se houver entrechoque entre este e o capital58.
É função do Estado garantir que o trabalhador seja avaliado apenas em seu aspecto
econômico, garantindo-lhe uma existência digna. Deve ser tratado, afirma Ana Gomes, como
um elemento social e não como um valor59.
A exploração da atividade econômica praticada pela globalização capitalista,
agravada pela alta influência tecnológica, tornou o homem um mero instrumento de trabalho,
passando a tratar o capital com superioridade em relação à dignidade humana. Assim, cabe
ao Direito do Trabalho, através do fomento à valorização do trabalho, proteger a figura
humana do trabalhador.
3.6 – Flexicurity: A solução europeia para a flexibilização dos direitos trabalhistas
Como visto, o acelerado processo da globalização, acentuado pelo alto progresso
tecnológico e a intenção cada vez maior de redução dos custos da produção para obter maior
lucratividade, resultou no desemprego em massa dos trabalhadores.
57 Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa”. BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa
do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em: 04/07/2017. 58 SILVA, Luis Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001., p.
764. 59 GOMES, Ana Virgínia Moreira. A aplicação do princípio protetor no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,
2001., p. 44.
50
Diante da crise econômica mundial e do cenário de desemprego que atinge a maioria
dos países, inclusive europeus, muito se tem discutido acerca das soluções ou métodos de
atenuação dos seus estragos.
Destaca-se que, na Europa, o desemprego é, em maior parte, estrutural, ou seja,
aquele causado pela substituição da mão-de-obra humana por máquinas, tamanho o
progresso tecnológico.
Outro fator que, aliado a alta tecnológica contribui para o forte desemprego europeu
é a migração das linhas de produção das grandes empresas para países com menor custo de
mão-de-obra e legislações trabalhistas mais flexíveis, permanecendo no território europeu
apenas sua sede.
A pressão imposta pelo sistema capitalista e o mercado internacional globalizado
ensejam, então, a incessante busca pelo maior lucro possível, representando as condições de
vida dos trabalhadores fator irrelevante.
Ocorre que, como já podemos observar ao longo da história, o desemprego maciço,
as péssimas condições de trabalho, e a preocupação apenas com o lucro levam a economia
ao colapso, além de marginalizar o trabalhador e desencadear, por fim, uma série de
problemas sociais.
A solução neoliberal para a crise econômica e, falaciosamente, para geração de novos
postos de trabalho seria, então, a flexibilização dos direitos trabalhistas, aos quais alegam
tratar-se da origem do esgotamento de todo o sistema.
A flexibilização dos direitos trabalhistas representa, em apertada síntese, já que o
assunto já foi amplamente discutido anteriormente, um modo de amenizar a rigidez de certas
normas jurídicas laborais no intuito de preservar, por fim, a manutenção dos postos de
trabalho e evitar demissões em massa.
Percebendo, então, neste cenário de flexibilização dos direitos dos trabalhadores,
que, sem qualquer rigidez, não era possível conter o aumento do desemprego, e que, por
outro lado, tal medida seria a única possível para manter a competitividade no mercado
capitalista global, passou a União Europeia a discutir formas de atenuar a marginalização e
o descontentamento da classe operária.
51
Neste ínterim, vem sendo discutida a flexisegurança, surgida da conciliação de
propostas proporcionalmente antagônicas, tais como a flexibilização dos direitos trabalhistas
frente ao mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores em situação de desemprego60.
Em termos gerais, a flexisegurança consiste em incentivar a mobilidade no emprego,
desburocratizando a contratação de trabalhadores e tornando sem ônus o despedimento,
porém, compensando o trabalhador através de seguro-desemprego em altos valores aliado a
políticas públicas de realocação no mercado de trabalho61.
É importante ressaltar, neste contexto, que uma das formas de flexibilizar a legislação
trabalhista aqui tratadas, consiste na vinculação dos salários aos resultados e da jornada de
trabalho à produção, deixando à mercê do mercado de capitais a dignidade do trabalhador.
Outra questão de grande relevância para o tema consiste em atentar-se para o fato de
que a flexibilização dos direitos trabalhistas em prol da “sobrevivência” das empresas
culminará em rombo aos cofres públicos. Isto porque, sobrecarregando o seguro-
desemprego, os ônus do despedimento facilitado serão suportados pelo Estado, cabendo ao
empresariado apenas o lucro.
É certo que a medida aqui proposta não é passível de resultados positivos em países
nos quais a realidade dos cofres públicos já é catastrófica. Tanto no Brasil quanto em
Portugal há muito se discutem reformas capazes de diminuir os gastos públicos (além da
corrupção), não sendo, de fato, plausível, implementar medidas ainda mais onerosas, o que,
por fim, culminará apenas por marginalizar a situação dos trabalhadores.
60 Nessa direção é o “Livro Verde sobre Relações Laborais da União Européia”, editado em novembro de 2006,
que propugna pela “modernização do Direito do Trabalho para fazer frente ao desafio do século XXI”. Em
igual sentido mencione-se também a Diretiva n. 21 da União Européia que objetiva “promover a flexibilidade
combinada com segurança”. 61 DALLEGRAVE Neto, José Affonso. Flexisegurança nas relações de trabalho. O novo debate europeu.
Disponível em: www.calvo.pro.br/media/file/.../jose.../jose_dallegrave_neto_flexiseguranca. Acessado em:
10/06/2017.
52
Capítulo 4
A Terceirização da mão-de-obra e seus reflexos
4.1 - O que é Terceirização?
Do latim tertius (terceiro), como adjetivo, indica a posição, ou o lugar de coisas, ou
de pessoas, que vêm a seguir do segundo, ocupando, assim, numa ordem determinada, o
número três.
Tal denominação é empregada, também, para indicar uma ordem, ou hierarquia,
sendo, em regra, inferior ao segundo e ao terceiro.
Juridicamente, terceirização remete à existência de pessoa estranha à relação jurídica
ou àquela que não participou do contrato, que nele não interviu, não tendo, assim,
responsabilidade pelas obrigações derivadas do mesmo62.
Como mencionado em capítulo anterior, muitos estudiosos imputam à globalização e
a cada vez maior interação eletrônica o surgimento da necessidade de terceirizar63. Isto
porque a velocidade da comunicação e a agilidade na tomada de decisões, terão enorme
responsabilidade sobre a alta dos lucros das grandes multinacionais.
É oportuno relembrar que, com menos investimento e custo da produção, observa-se
o fortalecimento da competitividade do produto junto ao mercado externo, não obstante, por
seu turno, desague na consequente flexibilização e a té mesmo revogação de muitos direitos
trabalhistas, como sugerem alguns doutrinadores.
62 “Pessoa estranha a uma relação jurídica, ou, em matéria processual, quando é um estranho à demanda
ajuizada. Em sentido lato, terceiro revela sempre o estranho ao ato, ao contrato ou à demanda. Destarte, não
se confundem o terceiro, em referência ao contrato, ou ato jurídico e o terceiro em relação à demanda
ajuizada. Relativamente aos contratos, terceiro é aquele que não participou do contrato, ou não teve nele
qualquer intervenção, pelo que, não sendo parte, não se liga nem é responsável por quaisquer das obrigações
derivadas do mesmo contrato. É um completo estranho De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico. 31ª edição.
Rio de Janeiro: Forense. 63 A esse respeito, Alice Monteiro de Barros sustenta que a relação de trabalho típica não é mais compatível
com a necessidade da empresa moderna de adaptar a um processo econômico competitivo. Como consequência
passou-se a recorrer a modalidades de emprego mais flexíveis, dentre elas a terceirização.
53
Mais especificamente em relação ao Direito do Trabalho no Brasil, o termo
terceirização remete ao ato de transferir as atividades secundárias do tomador de serviços a
uma empresa de terceirização, especializada no serviço64, culminando na interferência de
estranhos na própria relação jurídica e não na relação processual.
Também é conhecida, a terceirização, como desverticalização, exteriorização,
subcontratação, filialização, reconcentração, focalização, parceirização, colocação de mão-
de-obra, intermediação de mão-de-obra, contratação de serviço, contratação de trabalhador
por interposta pessoa, marchandage ou horizontalização65.
Em Portugal não se fala em terceirização, não representando, naquele país, um fato
social alarmante, haja vista o entendimento da preponderante livre iniciativa, mas são
utilizados termos como subcontratação e outsourcing em referência ao mesmo fenômeno.
Para melhor compreensão do instituto em questão é de suma importância o
entendimento da sua razão de ser. Em relação à necessidade de terceirizar, não basta falar-
se apenas em redução dos custos da mão-de-obra, mas sim em especialização66.
No âmbito empresarial é consenso a importância da comunicação e reciprocidade
entre empresas, justamente pelo fato de não poderem, ou de não ser viável, que produzam
tudo necessário para seu bom funcionamento por conta própria. Neste ponto, é, sob o prisma
empresarial, necessária a subdivisão ou desagregação, no intuito de especialização – para
alguns, “especialização flexível” - e racionalização dos serviços.
Assim, delegando-se a terceiros a prestação de serviços (atividade-meio) que não
sejam sua finalidade principal (atividade-fim), possibilita-se que haja maior
64 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
p. 357. 65 A horizontalização, afirma Arnaldo Sussekind, é caracterizada pela produção de bens ou serviços mediante
contratação de pessoas físicas ou jurídicas especializadas em determinados segmentos da empresa contratante.
SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 141. 66 Em verdade, aponta Marcio Tulio Viana, somente na análise do caso prático exposto a julgamento é que se
poderá analisar se o serviço prestado é ou não especializado. VIANA, Marcio Tulio. Para entender a
Terceirização. São Paulo: LTr: 2017., p. 35.
54
especialização67, foco e, por consequência, melhor produção referente ao objetivo ou
finalidade social pretendida68.
Os que incentivam a prática da terceirização, encontram na maior eficiência e
especialização da prestação de serviços o cerne da argumentação favorável. Isto é, havendo
delegação, ou terceirização, daqueles serviços que não constituem a finalidade da empresa,
esta pode se aprimorar e, inclusive, baixar os custos da produção em relação à sua atividade
final.
Também neste ponto se faz necessário citar a insegurança jurídica que vem sendo
notada, sobretudo pelos julgadores, ao serem instados a decidir sobre a licitude ou não de
uma terceirização em cada caso concreto.
É que, para tal análise, é primordial que se verifique se a atividade desenvolvida pelo
trabalhador pode ser enquadrada como atividade-meio ou fim de determinada empresa, o
que requer enorme cautela.
Representando, assim, uma análise, muitas das vezes, subjetiva, muitos
doutrinadores vêm reconhecendo licitude na terceirização da atividade-fim com base no
princípio da livre concorrência, incerto no art. 170 da Constituição Federal69.
A relação de trabalho terceirizada, ao que se entende, passaria a ser trilateral,
contrariando o requisito da bilateralidade típica do contrato de trabalho70. Trata-se, portanto,
da introdução do trabalhador, por empresa interposta, especializada, na dinâmica empresarial
67 Jorge Luiz Souto Maior critica, neste ponto, a Súmula 331 do TST, que, utilizada na tentativa de regular o
instituto da terceirização não traz como requisito o termo especialização de serviços, que seria, ao que se
entende, a ideia básica de sua criação. Disponível em
http://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/a_terceiriza%C3%87%C3%83o_sob_uma_pers
pectiva_humanista..pdf. 68 Em interessante análise, Washington Luiz da Trindade aponta que a atividade-fim de uma empresa é aquela
cujo objetivo foi registrado na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades
sociais. TRINDADE, Washington Luiz da. Os caminhos da terceirização. Jornal Trabalhista. Brasília, 1992.,
p. 904. 69 Art. 170 da Constituição Federal de 1988 “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios”. 70 Em sentido contrário, Antonio Alvares da Silva assevera que não há interferência na relação de trabalho e
seus elementos básicos, permanecendo a prestação de trabalho mediante salário. Prossegue, ainda, salientando
que não o local onde o trabalho é prestado não importa para fins de caracterização da relação de trabalho.
SILVA, Antonio Alvares. Terceirização: Um tigre de papel. São Paulo: RTM, 2015., p. 12.
55
da empresa tomadora de serviços, sem, contudo, que haja qualquer tipo de vínculo ou
obrigação empregatícia desta com o trabalhador.
Os laços justrabalhistas, repisa-se, mantém-se entre o trabalhador e a empresa
interposta, não havendo qualquer vínculo daquele para com a empresa tomadora de
serviços71, - o que Antônio Alvares da Silva aponta como “pequena sinuosidade”72 -, além
da relação obrigacional, e não trabalhista, entre as duas empresas. Entende, neste sentido,
Maurício Godinho Delgado, que exista uma dissociação entre as relações econômicas e
justrabalhistas.
Vólia Bomfim Cassar, em posicionamento claramente contrário à terceirização alerta
para a crescente condição de subempregos em consequência à redução dos já escassos
direitos trabalhistas, bem como da “sonegação do vínculo com quem é seu real empregador”,
chegando a apontar que tais atos representariam a negativa de uma vida digna ou do mínimo
existencial ao trabalhador” e, prossegue, salientando a não coincidência do empregador real
com o formal diante da relação trilateral entre trabalhador, prestador de serviços e tomador73.
Entende-se, assim, tratar a terceirização de uma espécie de empreitada, em que a
empresa tomadora celebra com outra pessoa física ou jurídica um contrato pelo qual esta
última (prestadora), se encarrega da produção de um serviço, que a própria tomadora deveria
executar para um cliente.
Tal relação trilateral74 funciona de forma que a empresa prestadora de serviços coloca
seus trabalhadores nas empresas tomadoras ou clientes, servindo, assim, de intermediadora
entre o tomador e os trabalhadores.
Cabe ressaltar, no entanto, que a subcontratação de empregados se apresenta como
exceção, tendo em vista a contrariedade à finalidade, princípios do direito e função social.
Desta feita, deve ser interpretada de forma também restritiva, já que, em regra, os contratos
são bilaterais.
71 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 435. 72 SILVA, Antonio Alvares. Terceirização: Um tigre de papel. São Paulo: RTM, 2015., p. 31. 73 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389. 74 Diferente posicionamento à respeito da trilateralidade da relação é apresentada por Sayão Romita, que
entende que não existe uma relação trilateral, mas apenas bilateral entre empresa prestadora e tomadora, não
tendo o empregaodo da empresa prestadora qualquer relação. ROMITA, Arion Sayão. Globalização da
Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997., p. 294.
56
Há quem distinga, ainda, a terceirização interna da terceirização externa, salientando,
como faz o professor Marcio Tulio Viana, que na primeira forma haveria a introdução, na
empresa tomadora, de trabalhadores externos e, na segunda forma, descentraliza etapas de
seu ciclo produtivo (empresa “vazia”)75, tratando-se, de um fenômeno circunstancial
periférico.
Doutrinadores e julgadores divergem, no entanto, a respeito do tema, que, por
flexibilizar em enorme escala os direitos trabalhistas, que já não são muitos, acaba por
representar verdadeira precarização do trabalho humano, isso porque, na maioria das vezes,
o que há é uma verdadeira simulação, já que a maioria dos trabalhadores subcontratados são,
na realidade, empregados diretos das empresas tomadoras.
À respeito da simulação e fraude à legislação trabalhista observa-se, na prática, que
grande parte das empresas se utiliza da contratação do trabalhador através de empresas
interpostas com finalidade de baratear os custos da contratação, mas, recebendo o
trabalhador, todavia, ordens da tomadora de serviços, o que seria vedado.
Por fim, interessa ao direito do trabalho e, neste sentido, no ordenamento português
ou brasileiro, o fato do trabalhador prestar serviços ao tomador, embora possua relação
jurídica com a empresa prestadora de serviços, o que reflete verdadeira relação triangular.
A relação existente, contudo, entre a empresa prestadora de serviços e a tomadora é
de direito civil, consubstanciada num contrato de natureza civil ou comercial, de nada
influenciando no contrato trabalhista existente entre os trabalhadores e aquela primeira.
Por outro lado, como já dito, o contrato de trabalho estabelece-se entre o trabalhador e a
empresa prestadora de serviços, ou intermediadora, de modo que não exista subordinação
(jurídica) direta dos trabalhadores à empresa tomadora.
4.2 - A Terceirização no ordenamento jurídico
75 VIANA, Marcio Tulio. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br. O Autor cita, ainda, como exemplo
de terceirização interna, a contratação, pela empresa tomadora, de serviços que constituam sua atividade-meio,
não havendo nada produzido ou comercializado pela empresa prestadora, apenas os próprios trabalhadores e,
de terceirização externa, a externalização de fases do seu próprio ciclo produtivo, que, juntamente com os
trabalhadores, seriam lançados para fora da empresa.
57
Inicialmente, cumpre esclarecer que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer
menção ao termo terceirização, vindo este a compreender uma inovação jurisprudencial
atualmente disciplinada pela Súmula 331 do TST.
Criticada por muitos doutrinadores, a Súmula 331 foi criada pela jurisprudência no
intuito de preencher a lacuna legislativa, contendo, porém, flagrante criação de direitos e
deveres, o que, à princípio, deveria ser declarado inconstitucional, já que o julgador deve
agir secundum legem e não, apropriando-se da função legislativa, atuar positivamente.
Não obstante, atualmente tramita no Congresso Federal o Projeto de Lei 4330, que dispõe
sobre a contratação de forma terceirizada e irrestrita, encontrando-se, no entanto, aprovado
pela Câmara dos Deputados e ao aguardo de apreciação pelo Senado Federal.
O referido projeto de lei tem como objetivo principal dispor sobre o contrato de prestação
de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes e vem sendo ferrenhamente
criticado por muitos doutrinadores e julgadores, haja vista a pretensão de ampliação da
possibilidade de terceirizar serviços irrestritamente, ao passo que, como se verá adiante, esta
não é a regra, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro.
Paralelamente, foi sancionada de forma sorrateira e com velocidade extrema a PL
4302/1998, que tem como premissa básica a possibilidade de terceirização ampla, no campo
da terceirização temporária, passando a vigorar a Lei 13429/2017 desde 31/03/2017.
Cumpre destacar que o Projeto de Lei, agora sancionado, vem sendo muito criticado e
temido pelos defensores do Direito do Trabalho, tendo em vista, notadamente, seu menor
rigor em relação à responsabilização das empresas contratantes/tomadoras.
Assim, como será melhor explicado adiante, o Projeto de Lei 4330 (ainda pendente de
análise pelo Senado Federal) estabelece responsabilidade subsidiária entre a empresa
tomadora e a contratada, ao passo que, o Projeto de Lei 4302, sancionado e transformado na
Lei 13429/2017, impõe também a responsabilização subsidiária entre ambas as empresas,
mas apenas no que diz respeito ao trabalhador temporário.
58
Antes mesmo de se discutir acerca dos benefícios e malefícios deste tipo de contratação,
é importante entender o que é ou não atualmente permitido pelo ordenamento jurídico
brasileiro, com base no entendimento vigente.
Desta feita, como se verá adiante, a terceirização pode ocorrer, de forma legal,
temporária ou permanentemente.
Em sendo temporária, é adotada para atender demanda eventual, autorizada pela Lei
6.019/74 (terceirização para substituição de pessoal regular e permanente, tanto para
atividade-fim quando para atividade-meio76), alterada pela Lei 13.429/2017, ou seja, só é
permitida a intermediação de mão-de-obra do trabalhador temporário nos casos citados, no
período máximo de cento e oitenta dias, em relação ao mesmo tomador, que poderão ser
prorrogados por mais noventa dias, consecutivos ou não, satisfeitos os requisitos necessários
para tanto7778.
Por outro lado, a Lei 7.102/83 cuidou de regular a terceirização dos serviços de vigilância
em agências bancárias e transporte de valores, o que deve, obrigatoriamente, ocorrer através
de empresa interposta/especializada e pode ocorrer de forma permanente.
Não se pode negar que, não obstante as duas legislações acima citadas, o fato é que a
jurisprudência muito tem legislado à respeito da terceirização, fazendo às vezes, não é
demais dizer, de legislador ordinário, que, por seu turno, permaneceu até aqui inerte79.
76 Deve-se frisar, neste ponto, tendo em vista importante apontamento feito por Arnaldo Sussekind, que a
licitude apenas dessas duas hipóteses afasta ou torna ilícitas a hipótese de prestação de serviços ou de
empreitada de obra, tal como disciplinadas pelo Código Civil. Explica, ainda, que tais contratos se justificam
por sua própria natureza e finalidade, sendo o poder de comando da empresa contratada e não da contratante.
SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 143. 77 Lei 6.019/74, art. 2º: “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa
de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à
necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”. 78 Lei 6019/74, art 10º: “Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de
emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário. § 1o O contrato de
trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta
dias, consecutivos ou não. § 2o O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não,
além do prazo estabelecido no § 1o deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o
ensejaram”. 79 Um bom exemplo de criação de direito por parte da jurisprudência, ou, em outras palavras, de ativismo
judicial exarcebado por parte dos julgadores seria o estabelecimento de restaurantes; preparação de alimentos;
segurança; assistência de máquinas e equipamentos; médica, jurídica ou contábil, dentre outras, são passíveis
de terceirização.
59
Por fim, mesmo diante das legislações citadas, bem como do Projeto de Lei ainda em
trâmite no Senado o que se pode concluir que há em comum em todas essas diretrizes é a
falta de técnica do legislador (e da jurisprudência ao editar a Súmula 331 do TST). Tal
concepção fica evidente ao submeter a legislação ao caso concreto, no momento do seu real
julgamento, haja vista a quantidade de interpretações subjetivas geradas, o que culmina, por
seu turno, na permanência da insegurança jurídica digna da falta de legislação.
4.3 Terceirização e intermediação de mão-de-obra
Inicialmente, devemos destacar que muitos autores diferenciam a terceirização da
intermediação da mão-de-obra.
Como visto, o conceito de terceirização abrange apenas a contratação de uma outra
empresa que lhe preste serviço especializado, não importando, para a empresa tomadora, a
pessoa do trabalhador que executará o contrato, tanto é assim que o trabalhador pode ser
livremente substituído pela prestadora. Desta feita, infere-se que não se admite, na
terceirização, a subordinação direta e a pessoalidade.
Como visto anteriormente, a OIT, através da Declaração de Filadélfia veda o
tratamento do trabalhador como mercadoria, não podendo, assim, ser intermediado, sob pena
de caracterizar afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Ou seja, a terceirização de serviços especializados é permitida em nosso ordenamento
jurídico, não sendo permitida, outrossim, a intermediação da mão-de-obra.
Importa relembrar, neste contexto, que há apenas um caso no qual é permitido a
intermediação, que é o caso da contratação de trabalhadores temporários, nos casos e formas
legalmente previstos. Neste caso, entende-se que o que há é realmente uma intermediação
da mão-de-obra e não de um serviço específico e especializado, não sendo considerado, por
60
muitos, uma espécie de terceirização80. Tal conceito equivaleria ao que outra parte da
doutrina reconhece como terceirização de trabalhadores81.
Ocorre que, é muito corriqueira a terceirização simulada, ou seja, a contratação de
empregados, através de empresa interposta, fazendo com que, na realidade, tais empregados
possuam vínculo de fato com a empresa tomadora82 dos serviços e não com a empresa
intermediadora, já que é com àquela que o trabalhador mantém os requisitos da pessoalidade
e subordinação direta.
Em nome do princípio da primazia da realidade, norteador do direito do trabalho,
deve-se analisar, no caso concreto, para quem, de fato, o empregado presta serviços com
subordinação e pessoalidade, sendo ilícita a mera intermediação de mão-de-obra.
Por fim, entende a doutrina majoritária que, em se tratando de intermediação ilícita
de mão-de-obra, o que caracteriza, inclusive, crime contra a organização do trabalho, a
responsabilidade pela quitação dos créditos trabalhistas pode ser considerada solidária, uma
vez que seriam instados a responder todos os que participaram da cadeia fraudulenta83.
4.4– Tipos de terceirização
4.4.1– Conforme o prazo de duração:
Um contrato de terceirização pode ser ajustado de forma permanente ou temporária.
A terceirização temporária é aquela regulamentada pela Lei 6019/74 e tem a finalidade
de atender a uma demanda eventual ou de urgência.
80 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização como intermediação de mão-de-obra. São Paulo: Papyrus,
2014., p. 84. 81 MIZIARA, Raphael. A terceirização produzida pela Lei 6019/74. Revista da Academia Brasileira de Direito
do Trabalho, nº. 20. São Paulo: LTr, 2015., p. 94. 82 Súmula 331, I do TST: “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o
vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo nos casos de trabalhador temporário”. 83 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2014., p. 368.
61
Já a terceirização pactuada de forma permanente é contínua, não possuindo o requisito
da eventualidade ou urgência para sua valida
4.4.2 - Conforme a regularidade (licitude) ou irregularidade (ilicitude)
4.4.2.1- Regulares:
Como anteriormente mencionado, atualmente, as formas lícitas de terceirização do
trabalho representam exceção ao modelo clássico bilateral, que é o da contratação direta da
prestação de serviços.
Conforme artigos 2º e 3º da CLT, em regra, o contrato de trabalho tem como
requisitos básicos a pessoalidade, a onerosidade, a subordinação, a não-eventualidade e a
prestação por pessoa física, não havendo, por consequência, como se falar em validade de
um contrato, no qual estejam presentes tais premissas, sem, contudo, responsabilidade
jurídica do tomador dos serviços em relação ao prestador.
Não obstante, pode-se falar, assim, em quatro casos excepcionais nos quais os
requisitos acima mencionados, ainda que presentes (variáveis a cada caso), não signifiquem,
de plano, a existência de vínculo trabalhista com o tomador de serviços. Tais casos
encontram-se presentes, como se verá em seguida, em quatro situações excepcionais de
licitude na terceirização admitidas pelo ordenamento jurídico, sendo eles:
I – Contratação de trabalho temporário84.
Tal situação encontra-se regulada pelo item I da Súmula 331 do TST e pela Lei
6.019/74.
O item 1 da Súmula 331 do TST informa que é ilegal a contratação de trabalhador
por empresa interposta, sendo reconhecido o vínculo empregatício juntamente ao tomador
de serviços, salvo nos casos regulados pela Lei 6019/74, ou seja, do trabalho temporário.
84 A relação estabelecida por essa lei é triangular, afirma Sussekind, pela qual a empresa fornecedora de mão-
de-obra delega o poder de comando à sua cliente, que dirigirá a prestação de serviços dos trabalhadores
vinculados à contratada. Sussekind, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 142.
62
Já a Lei 6019/74 prevê a possibilidade de terceirização temporária no caso de
necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora
ou de necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa.
Cabe ressaltar, no entanto, que, apesar da Súmula 331 do TST prever que são, ainda,
requisitos da terceirização lícita, a inexistência de pessoalidade e subordinação direta entre
trabalhador e o tomador de serviços – visto que tal relação é mantida entre trabalhador e
empresa contratada ou interposta -, no tocante ao item I, da contratação temporária, tais
requisitos não são exigidos.
A impossibilidade de exigência dos mesmos é óbvia, uma vez que os trabalhadores
temporários terceirizados, neste caso, são diretamente inseridos no estabelecimento da
tomadora, de forma a encontrar-se plenamente integrado na dinâmica da mesma, ainda que
em caráter temporário.
Importante mencionar, neste ponto, que no caso de falência da empresa de trabalho
temporário, que é a prestadora de serviços, empregadora aparente, há previsão legal (art. 16
da Lei 6019/74) no sentido de contemplar responsabilidade solidária do tomador de serviços
pela remuneração, indenizações e contribuições previdenciárias referente ao tempo em que
o empregador esteve sob suas ordens.
Em relação a Lei 6019/74 é necessário mencionar que, encontra-se em vigor, desde
31/03/2017, a Lei 13429/20017 que alterou e acrescentou alguns dos seus dispositivos.
A terceirização do trabalho temporário nas hipóteses previstas pela lei, como o
próprio nome diz, se refere a um trabalho com prazo determinado.
O prazo de prestação do trabalho era, segundo a Lei 6019/74, de três meses, no
máximo. O período foi, então, recentemente, majorado pela nova Lei 13429/2017, passando
a vigorar o máximo de 180 dias, consecutivos ou não, prorrogável por até 90 dias.
Cabe aqui, informar que, cumpridos os prazos legalmente estabelecidos, o
trabalhador só poderá ser recolocado à disposição da mesma empresa tomadora de serviços,
de forma temporária, após 90 dias do término do contrato anterior.
Não obstante a alteração acima descrita, esta não foi a mudança mais significativa e
divergente trazida pela Lei 13429/2017. A inovação mais preocupante diz respeito ao
63
disposto no seu art. 9º, § 3º, no que tange à extensão do contrato de trabalho temporário à
atividade-fim85.
Ocorre que, o trabalho temporário previsto pela Lei 6019/74 já era, de fato, possível
de ser realizado na atividade-fim do tomador, uma vez que as hipóteses contempladas para
contratação (necessidade transitória de substituição de pessoal e acréscimo extraordinário
dos serviços) induziam ao trabalho na atividade preponderante da empresa contratante,
fazendo as vezes de trabalhador direto.
Desta feita, muito alarde se tem feito pela inclusão do referido dispositivo, que passa
a regulamentar uma hipótese de licitude da terceirização do trabalho temporário que, de fato,
já existia, não passando, nesse mister, de meras especulações.
Outra inovação trazida pela Lei 13429/2017 no que tange à licitude da terceirização
do trabalho temporário diz respeito ao disposto no art. 4º -A86, que passa a prever que a
empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a
prestar serviços “determinados e específicos”.
É notória a intenção do legislador, ao incluir este artigo, de afirmar a necessidade de
delimitação e especificação dos serviços que serão desenvolvidos pelo trabalhador, não
podendo haver contrato genérico, sob pena de ilicitude da terceirização.
Fica evidente, também neste artigo, que não importa, à terceirização de trabalho
temporário se a função será exercida na atividade-meio ou atividade-fim da empresa
tomadora, mas sim a delimitação e especificação da tarefa a ser realizada.
Por todo o exposto, conforme previsão do art. 4º-A, § 2º da Lei 13429/2017, não há
que se falar em configuração de vínculo empregatício entre os trabalhadores das empresas
prestadoras e as contratantes, qualquer que seja o ramo, desde que a terceirização seja
considerada lícita, ou seja, cumpridos os requisitos e exigências legais.
85 Art. 9º da Lei 13429/2017: “O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de
serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de
serviços e conterá; § 9º: O Contrato de Trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de
atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços. 86 Art. 4º-A. “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a
prestar à contratante serviços determinados e específicos”.
64
II - Contratação de serviços de vigilância:
A situação em comento encontra-se regulada pela Lei 7.102/83 e item III da Súmula
331 do TST e representa o segundo caso excepcional em que é aceita a contratação de forma
terceirizada.
Inicialmente, a previsão legal apenas citava a terceirização dos serviços de vigilância
no segmento bancário, tendo, posteriormente, a mencionada súmula, generalizado a previsão
para contratação dos serviços de vigilância, ainda que por particulares, por empresas
interpostas, especializadas.
Atualmente, a contratação de serviços de vigilância patrimonial representa,
juntamente ao segmento bancário, uma das principais formas de contratação. Isso porque,
devido à especialização das empresas prestadoras de tais serviços, a experiência vem
mostrado ser mais vantajosa a contratação terceirizada que a de forma direta.
Importa salientar, neste caso especifico, a distinção entre vigilante e vigia proposta
por Mauricio Godinho Delgado, segundo o qual o vigia pode ser empregado não
especializado, que se vincula ao próprio tomador; já o vigilante, que por ser membro de
categoria diferenciada, submete-se a regras próprias.87
Também não há que se confundir o serviço de vigilância com o de porteiro, que, por
sua vez, tem a função apenas de controlar o acesso e fluxo de entradas e saídas em
condomínios, sem qualquer poder/dever de reação, tampouco uso de armas, assim como o
vigia88.
Outra importante observação em relação à exceção para contratação de serviços de
vigilância se refere a especialidade. Em outras palavras, é requisito essencial para a licitude
87 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 449. 88 Pode-se citar, como requisitos concretos para que não haja confusão entre tais funções, bem como para evitar
casos de desvio de função, os requisitos indispensáveis aos prestadores de serviço de vigilância, tais como:
deve o profissional ser maior de idade, além de obrigatoriamente ter sido aprovado em curso de formação de
vigilante, sendo que a aprovação e regularidade deve constar na Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS). Também deve o profissional ter sido aprovado em exame médico de saúde física e mental, bem como
em exame psicotécnico. A imposição de que o vigilante não tenha antecedentes criminais é outro requisito que
serve para qualificar a profissão regulamentada. Em relação ao vestuário, o vigilante também apresenta
características próprias, sendo exigido que deverá utilizar uniforme especial fornecido pela empresa
empregadora que estiver vinculado. A vestimenta deverá incluir apito com cordão, emblema da empresa e
plaqueta de identificação autenticada pela empresa a que estiver vinculado. O uniforme será adequado às
condições climáticas da localidade em que for prestar os serviços.
65
desta contratação que a empresa prestadora/contratada seja especializada em serviços de
vigilância, além de possuir capacitação específica para tanto, sob pena de caracterizar-se
uma simples locação de mão-de-obra, o que é vedado por nosso ordenamento jurídico89.
Além da exigência de especialização da empresa contratada para licitude da
terceirização dos serviços de vigilância, é essencial, ainda, que não exista subordinação
jurídica direta e pessoalidade do tomador de serviços em relação ao trabalhador. Tais
requisitos somente existirão entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços, sendo
esta sua real empregadora. Caso a regra não seja observada, ou seja, presentes a subordinação
jurídica e a pessoalidade junto ao tomador de serviços, será considerada ilícita a
terceirização.
Quanto à responsabilidade pelas verbas trabalhistas, havendo licitude na
terceirização, esta se dá de forma subsidiária para o tomador de serviços, ou seja, havendo
descumprimento dos deveres contratuais por parte da prestadora de serviços, o tomador
responderá subsidiariamente pelo que não for pago.
Em relação ao Projeto de Lei 4302 recentemente aprovado e transformado na Lei
13429/2017, nada foi alterado no que tange à terceirização dos serviços de vigilância, pelo
que tal exceção continua, ao que tudo indica, a ser regida pela Lei 7102/83 e pelo item III da
Súmula 331 do TST.
III – Contratação de atividades de conservação e limpeza:
Prática prevista na Súmula 331, item III do TST, que autoriza a subcontratação de
atividades de conservação e limpeza.
Nos mesmos moldes já citados quando tratamos acerca da terceirização de serviços
de vigilância, a contratação por empresa interposta dos serviços de conservação e limpeza,
89 Nesse sentido, destaca-se importante comentário de Paulo Moraes, segundo qual: “a exigência de serviços
especializados impõe-se justamente para coibir fraude. Dela decorre que a prestadora de serviços tem que ser
uma empresa especializada naquele tipo de serviço; que tenha uma capacitação e uma organização para a
realização do serviço que se propõe e, no caso de contratação indireta bipolar, que seja o prestador de serviços
um especialista naquele mister. Disto decorre que o objeto do ajuste é a concretização de alguma atividade
material especializada e não o mero fornecimento de mão-de-obra”. MORAES, Paulo Douglas Almeida.
Contratação Indireta e Terceirização de Serviços na Atividade-Fim das Pessoas Jurídicas: Possibilidade
Jurídica e Conveniência Social. Monografia. Faculdade de Campo Grande, 2003., p. 101.
66
regulada pela Súmula 331, III do TST, também representa uma exceção à regra da
bilateralidade contratual.
Contudo, para que a contratação tenha validade, se enquadre inteiramente à previsão
sumular e, portanto, não seja considerada ilícita, alguns requisitos devem ser respeitos.
Assim como previsto para a contratação dos serviços de vigilância, a empresa
prestadora de serviços de limpeza e conservação deve ser especializada, sob pena de
caracterizar a rechaçada locação de mão-de-obra.
Outro requisito essencial para validade e licitude da terceirização de serviços de
limpeza e conservação é a inexistência da pessoalidade e subordinação direta para com a
empresa tomadora dos serviços, mantendo-se como empregador real do trabalhador a
empresa emprestadora.
Desta feita, presentes os requisitos da relação de emprego, configurar-se-á o vínculo
entre o trabalhador e a empresa tomadora (empregadora aparente enquanto válida a
terceirização), em respeito aos princípios protetivos.
Assim como no caso anteriormente apresentado, neste tipo de subcontratação
também de verifica a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora pelas verbas
trabalhistas não quitadas pela real empregadora (empresa prestadora de serviços), nos casos
de validade e licitude da terceirização.
Em relação à recente legislação (Lei 13429/2017) que modificou alguns artigos da
Lei 6019/74 pode-se garantir que nenhuma alteração foi feita no tocante à contratação
terceirizada de serviços de limpeza e conservação.
IV – Contratação de serviços especializados relacionados à atividade-meio do
tomador:
A última exceção à regra da bilateralidade contratual trabalhista é a terceirização de
serviços correspondentes à atividade-meio da empresa tomadora, conforme disposição
expressa do item III da Súmula 331 do TST.
67
É certo que não existe um rol taxativo que preveja expressamente, em nosso
ordenamento jurídico, quais atividades encontram-se abarcadas por tal tópico, ou seja, quais
atividades podem ser consideradas como de meio para determinado tomador, sendo
necessário verificar, no caso em concreto, se estas correspondem ou não à atividade-fim do
tomador90.
Ocorre que, a função de verificar e determinar, na prática, se a atividade a ser
contratada por terceirização pode ser considerada ou não como atividade-meio é genérica e
abstrata, gerando, com isso, infindáveis discussões processuais à respeito da licitude de sua
realização. Oportuno destacar, outrossim, que tais distinções e parâmetros serão melhor
explicados em tópico seguinte, cabendo, neste ponto, apenas entender que é lícita a
contratação, através da terceirização, de trabalhadores ligados à atividade-meio do tomador.
Assim como nos dois tópicos anteriores, para determinar a licitude da contratação
através de terceirização da atividade-meio há de se observar, ademais, se a empresa
prestadora se trata de empresa realmente especializada e com capacitação específica na
atividade para a qual foi contratada.
Outro pressuposto para a licitude dessa contratação é, como nos demais casos (exceto
o da contratação terceirizada de trabalho temporário), o da inexistência de subordinação
jurídica e de pessoalidade, uma vez que, presentes tais requisitos, poderá ser considerada
ilícita a terceirização, fazendo com que o vínculo jurídico seja considerado junto à tomadora.
A nova Lei 13429/2017 também nada dispõe acerca deste item, pelo que, ao que tudo
indica, continuará regulado pelo item III da Súmula 331 do TST.
Por fim, em relação à responsabilidade pelo pagamento das dívidas trabalhistas, e,
sendo considerada lícita a contratação terceirizada para realização de atividade-meio, esta é
da prestadora de serviços de forma direta, e, subsidiária, em relação à tomadora de serviços
pelos créditos por aquela não quitados.
90 Conforme explica Godinho, “atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais
e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços (...)”.90 Classifica, por
outro lado, as atividades-meio, como sendo “aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se
ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem essa dinâmica ou
contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São,
portando, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços”. DELGADO,
Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P., 450.
68
4.4.2.2 - Irregulares
O ordenamento jurídico pátrio prevê, como já visto, que, existentes os requisitos da
relação de emprego, quais sejam: subordinação jurídica, habitualidade, onerosidade e
pessoalidade (arts. 2°, caput, e 3°, caput, CLT), o empregador responderá pela relação de
trabalho91.
Assim, em regra, a responsabilidade direta pelo pagamento das verbas trabalhistas,
com base na bilateralidade contratual, é do empregador real, ou seja, daquele à quem o
empregado presta serviços e desde que presentes os requisitos da relação empregatícia.
Ocorre que, na trilateralidade contratual característica da contratação de forma
terceirizada, de forma excepcional, o pagamento dos créditos trabalhistas são feitos pelo
empregador real, que, contudo, não coincide com aquele à quem, de fato, o serviço é
prestado.
As hipóteses de terceirização lícita, no entanto, estabelecem a relação justrabalhista,
como já visto, entre o trabalhador e a empresa interposta, representando, outrossim, exceção
à regra da bilateralidade contratual, constituindo, por fim, como ilícitas, todas as práticas não
previstas pela Súmula 331 do TST, pelas Leis 6019/74, 7102/83 e 13429/2017.
É importante atentar-se, neste tópico, para, uma vez sendo excepcionais os casos de
licitude da terceirização, quais atos ou pressupostos invalidariam a contratação por não se
enquadrarem aos casos regulamentados.
Importante se faz, ainda, destacar a existência do já comentado projeto de lei (PL
4330/2004), que se encontra na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania e que propõe
a admissão de terceirização em qualquer nível e independente da atividade e cumprimento
de requisitos, pondo fim, porém, a tal classificação sobre irregularidade ou regularidade da
contratação.
91 “Irregular é a terceirização que, embora a lei não a proíba (por isso não é ilícita), viola princípios básicos
de Direito do Trabalho ou regras administrativas”. CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição.
Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389. (?)
69
4.4.3– Conforme a obrigatoriedade
Existem situações nas quais a própria legislação impõe que a contratação de
trabalhadores seja feita de forma terceirizada.
A única hipótese constante do ordenamento jurídico brasileiro de contratação
terceirizada obrigatória é a do serviço de vigilância, conforme regulamenta a Lei 7102/1983,
sendo, nos demais casos, opcionais, desde que se enquadrem, por seu turno, nos casos de
terceirização lícita acima expostos.
4.5 – Atividade-meio e Atividade-fim
Aponta o Código Civil que a empresa é uma atividade econômica, profissionalmente
exercida, para produção e circulação de bens ou serviços.
Já a profissão remete a realização de determinadas tarefas, bem como a consecução
contínua de atos a ela referentes.
A partir do momento que o ser humano se especializa em determinado ato, e o faz
com habitualidade de repetições, determinará uma profissão. A profissão é, por si, capaz de
reunir indivíduos que pertençam à mesma especialização e que, portanto, agregam-se
tecnicamente entre si. Como exemplo da agregação de indivíduos pertencentes à mesma
profissão/especialização podemos citar os sindicatos.
Já para o Código Civil, a profissão recai como um elemento da empresa. Neste caso,
a atividade econômica permanente é precedida de atos tendentes à geração de produção e
riqueza.
A empresa, então, é formada pela organização de bens e profissionais com intuito de
produção e lucro.
Como visto acima, a definição do que vem a ser uma atividade-meio e uma atividade-
fim é de suma importância ao presente estudo, uma vez que, em regra, é tal caracterização
responsável por definir a licitude ou não de uma terceirização.
70
Em regra, apenas a atividade-meio é passível de ser terceirizada e compreende a
externalização ou internalização de serviços não inerentes à atividade-fim do tomador.
A atividade-fim de uma empresa corresponde à produção e circulação de bens e
serviços, direcionados ao seu objetivo constante de seus atos constitutivos, sendo, neste
sentido, a jurisprudência dominante92.
Contrário à conceituação e distinção entre atividade-meio e atividade-fim que a
doutrina majoritária tende a apontar, Viana entende que tal separação é infundada. Para o
autor, é impossível realizar a distinção entre tais atividades uma vez que a finalidade de uma
empresa são os bens e serviços que resultam de sua atividade e são gerados pelos meios
fornecidos pelo estabelecimento empresarial (compreendido como o complexo de bens
organizado, para o exercício da empresa, pelo empresário, conforme artigo, 1142 do Código
Civil). Não deve ser imposta, todavia, uma hierarquia entre os bens gerados, não havendo
elementos capazes de defini-los como de meio ou fim93.
Resta evidente que a distinção entre os institutos propostos é de difícil execução e
que, mais ainda, dividem opiniões na doutrina e jurisprudência.
Como anteriormente mencionado, o capitalismo globalizado, aliado ao crescimento
tecnológico, exige que a empresa concentre esforços e especialização para uma prestação
mais adequada e eficiente de serviços, possibilitando, por fim, resultados mais lucrativos e
de melhor qualidade.
Atualmente, a empresa não sobrevive sem que se destaque por sua eficiência,
objetivando, todavia, sua atividade final, que é a obtenção de lucros.
Se for considerado o fator especialização para enquadrar o trabalhador como de
serviço especializado ou não, e, por isso, enquadrado na licitude ou ilicitude da contratação
terceirizada, tão que ser analisadas provas, nos casos concretos postos à julgamento, do que
seria ou não especialização externa à dada atividade empresarial.
92 Assim afirma Vólia Bomfim, ao julgar o Recurso Ordinário 7271320105010015 a ela submetido no TRT/RJ,
junto à Segunda Turma, senão vejamos: “a atividade fim de uma pessoa jurídica se comprova formalmente
pelo objeto social constante de seus atos constitutivos (contrato social)”. 93 VIANA, Marcio Tulio. Para entender a Terceirização. São Paulo: LTr: 2017, p. 38.
71
Porém, tratando-se não de serviços terceirizados por especialização, mas por
pertencerem à prática de uma atividade-meio, ainda assim, o objetivo final da atividade
empresária seria o da busca pelo lucro.
Alguns especialistas classificam a atividade empresarial em grupos, sendo eles:
- Atividades - meio de apoio: não agregam valor diretamente ao negócio do tomador
de serviços. São serviços necessários, mas não essenciais e citam, como exemplo, o serviço
de vigilância, de limpeza, transporte, dentre outros.
- Atividades - meio essenciais: são os serviços vinculados ao fornecimento de
matéria-prima, que fazem parte do processo produtivo e, por isso, influenciam no resultado
final da produção.
- Atividade-fim: está diretamente relacionada ao negócio. É o objetivo empresarial.
Concluem, então, após a classificação das atividades empresariais que, a primeira
hipótese, das atividades-meio de apoio, há possibilidade de terceirizar, sendo, na segunda
hipótese, facultativa e na última proibida94.
A clássica distinção entre atividade-meio e atividade-fim necessária à verificação da
licitude da contratação terceirizada, como já dito, é demasiadamente subjetiva. Não é por
outro motivo, ao julgar questões postas perante a Justiça do Trabalho, nas quais se discute
sua legalidade, não há consenso entre os julgadores.
Gustavo Filipe classifica a atividade-meio como sendo aquela de mero suporte, que
não integra o núcleo essencial da atividade do tomador; enquanto a atividade-fim seria a que,
de fato, o compõe95.
A classificação do que seria, de fato uma atividade-meio ou fim ainda é muito
subjetiva e abre margem para interpretações diversas mesmo diante de casos idênticos, o que
proporciona verdadeira insegurança jurídica.
94 REIS, Jair Teixeira dos. A terceirização vista pela auditoria fiscal do trabalho. Revista Jurídica Consulex,
nº. 359, 2012, p. 13. 95 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2014., p. 361.
72
Nesse sentido, muitos juristas vêm julgando improcedente pedidos de
reconhecimento de vínculo direto com a tomadora de serviços, em razão da nulidade da
terceirização por exercício ilícito, na realidade, de atividade-fim, sob o fundamento, por seu
turno, do princípio da livre iniciativa, já que não existem parâmetros balizadores dos
conceitos de atividade-meio e fim.
Em contraponto, em situações idênticas, outros julgadores entendem que
interpretação restritiva, concedendo o vínculo com a empresa tomadora em razão da
declaração de nulidade da contratação terceirizada, sob fundamento do princípio da
dignidade da pessoa humana.
O fato é que, sem que haja uma disciplina legal capaz de definir objetivamente
atividade-meio e atividade-fim, não será possível garantir a segurança jurídica de tais
relações, ficando à mercê do julgador sua caracterização.
4.6 – Da Responsabilidade
4.6.1 – Responsabilidade na terceirização regular ou lícita
Segundo dispõe a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em se tratando de
terceirização regular ou lícita, ou seja, dentro dos limites previstos pela súmula e legislação,
a responsabilidade do tomador de serviços pelo vínculo trabalhista é subsidiária.
Como é sabido, a solidariedade não se presume, posto que deve decorrer de lei ou da
vontade das partes. Desta forma, não haveria como estabelecer-se responsabilidade solidária
no caso da terceirização licita, já que as leis autorizadoras não preveem tal medida.
O que ocorre é que, mesmo no caso da terceirização regular, o tomador de serviços
pode ser responsabilizado, ainda que de forma subsidiaria, uma vez que falhou ao bem
fiscalizar o cumprimento dos preceitos trabalhistas por parte da empresa terceirizante,
enquadrando-se, tal conduta, em ato ilícito na modalidade abuso de direito.
73
4.6.2 – Responsabilidade na terceirização irregular ou ilícita
No caso da terceirização ser considerada ilícita ou irregular, o vínculo empregatício
se formará com o tomador de serviços, fazendo com que a responsabilidade entre tomador e
empresa terceirizante seja solidária.
Como visto, a solidariedade não se presume, decorrendo de lei ou da vontade das
partes, sendo, neste caso, advinda tanto da legislação civil quanto trabalhista, uma vez que
desfeita a fraude consequente da terceirização irregular, o vínculo trabalhista se formará
junto ao tomador (empregador real), não se podendo ilidir a responsabilidade do
intermediador (empregador aparente), pela fraude, conforme dispõem os arts. 186, 927 e 942
do Código Civil, bem como os arts. 2°, 3° e 9° da CLT.
Importante salientar, ainda, que havendo mais de um tomador de serviços, não haverá
responsabilidade solidaria entre eles, devendo cada qual responder limitadamente pelo
período que figurou como real empregador.
4.7 – Efeitos deletérios da terceirização
Como definido anteriormente, a terceirização é um instrumento que vem sendo
amplamente utilizado pelos empresários em todo o mundo no intuito de reduzir os custos e,
paralelamente, aumentar a produção.
Muitos especialistas, sobretudo voltados para o crescimento econômico, apontam o
fenômeno como único caminho possível para que as empresas sobrevivam ao mercado
capitalista e glibalizado.
Ocorre que, na maioria das vezes, o que se observa é a contratação
simulada/fraudulenta através de intermediação de mão-de-obra, responsável por precarizar
sobremaneira as condições de trabalho.
Devemos ter em mente, nesse contexto, que a OIT proíbe o tratamento do trabalhador
como mercadoria, o que significa a desvalorização social do trabalho e, muitas vezes, sua
redução à condição análoga a de escravo.
74
Analisaremos, então, neste tópico, os principais itens preocupantes no cenário da
contratação terceirizada, pelos quais se pode considerar a preocupação relativa ao presente
estudo.
4.7.1 – Desigualdade salarial
A onerosidade é um dos requisitos da relação empregatícia. Por seu turno, significa
dizer que não é gratuito o trabalho, correspondendo ao mesmo uma remuneração.
. Nos termos do art. 457 da CLT, o salário pode ser entendido como a quantia que é
paga pelo empregador diretamente ao trabalhador em decorrência do contrato de trabalho
firmado.
Em relação ao valor do salário, sua quantificação será feita de acordo com a política
salarial adotada por determinado ordenamento jurídico, dispondo a Constituição da
República do Brasil à respeito de suas formas de reajuste e aumento, bem como sobre o valor
mínimo necessário à uma vida digna para o trabalhador e sua família96.
Na mesma esteira, é de suma importância relembrar que, para o Direito do Trabalho,
o princípio constitucional da igualdade encontra diversas aplicações, tratando-se, por seu
turno, da notória necessidade de pacificação social diante deste ramo tão conflituoso97.
Assim, traz ainda a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXX, a previsão específica
de adoção de diferentes salários, exercício de função e critério de admissão em razão do
sexo, cor, idade ou do estado civil.
96 Art. 7º da CF/1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo
vedada sua vinculação para qualquer fim”; 97 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3º edição. São Paulo: Saraiva,
2004., p. 52, afirma que, sendo a igualdade um direito de ordem fundamental integrante dos direitos humanos
de segunda geração e, sendo o direito à equiparação salarial a concretização do princípio da igualdade na esfera
dos direitos sociais, poder-se-ia concluir que a equiparação salarial representaria a aplicação dos direitos
humanos fundamentais no plano trabalhista.
75
No plano internacional, a Convenção 117 da OIT, promulgada pelo Decreto
66.496/1970, prevê a supressão de qualquer tipo de discriminação entre os trabalhadores por
motivos de raça, cor, sexo, crença e filiação sindical, inclusive no tocante à remuneração.
A própria CLT dispõe, em seu artigo 5º a concretização do princípio da igualdade
salarial, prevendo, assim, que a todo trabalho de igual valor corresponderá idêntica
retribuição salarial.
Já o art. 461 dispõe sobre a equiparação salarial, no intuito de tornar justa e pacífica
a contratação dos trabalhadores, bem como sua convivência na estrutura empresarial e prevê,
dentro do que informa o artigo anteriormente citado, as linhas delimitativas desta
regulamentação.
Desta feita, em relação à estrutura empresarial aliada ao direito fundamental à
isonomia de condições, bem como à previsão, por lei federal, de equiparação de salários,
muitos questionamentos e problemas começaram a surgir em relação ao trabalho
terceirizado.
A problemática está no fato de que, como vimos, os trabalhadores terceirizados são
empregados contratualmente vinculados à empresa prestadora de serviços e não à empresa
tomadora. Tal assertiva impõe que, sendo empregados diretos da empresa prestadora, ou
seja, sendo esta sua real empregadora, também será esta a responsável pela quitação de seus
salários e demais créditos trabalhistas.
Assim, na prática, visualiza-se que não há previsão legal que imponha a isonomia
salarial entre trabalhadores diretos da empresa tomadora e os terceirizados, tendo em vista
tratarem-se de diferentes empregadores reais em cada caso.
O já mencionado artigo 461 da CLT não deixa dúvida quanto à inaplicabilidade da
igualdade salarial entre trabalhadores contratados diretamente pela empresa tomadora de
serviços, como empregados de seu quadro próprio, e empregados contratados diretamente
pela empresa prestadora de serviços, ao prever como um dos requisitos para tanto que o
trabalho seja prestado para o mesmo empregador.
Ocorre que a intenção do legislador, à época da regulamentação acerca da
equiparação salarial não foi de excluir o trabalhador terceirizado, - ou seja, o contratado por
interposta pessoa, uma vez que tal instituto é recente e carente de regras específicas -, mas
76
dos trabalhadores comuns, contratados diretamente por seus empregadores, mas sem
qualquer conexão entre os mesmos.
Apenas uma exceção é resguardada no caso em análise, que é a do trabalhador
terceirizado temporário, uma vez que estes estão inseridos diretamente na dinâmica
empresarial, podendo exercer, até mesmo, sua atividade-fim, dado aos motivos que levam a
sua contratação (necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da
empresa tomadora ou de necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da
empresa), não importando, entretanto, se a terceirização é regular ou não.
Conforme leciona Vólia Bomfim98, “o trabalhador terceirizado receberá a
remuneração ajustada com seu empregador (empresa interposta) e seu labor será no
horário determinado pela interposta pessoa, assim como o enquadramento sindical”, e
complementa “por isso, não há que se falar em equiparação salarial entre trabalhadores
terceirizados e os empregados da empresa tomadora de serviços, já que não possuem o
mesmo empregador aparente, mesmo com o preenchimento dos demais requisitos do art.
461 da CLT”.
De acordo, ainda, com o Juiz Heriberto de Castro, em ementa citada por Vólia
Bomfim, em sua obra, “não há que se falar em equiparação de salário do empregado
contratado pela empresa prestadora de serviços com o daqueles que laboram na tomadora,
dos quais se exigiu prévia aprovação em concurso público (...). É inaplicável, ainda, à
hipótese vertente, o art. 12, “a”, da Lei 6019/74. Este preceito legal cuida tão-somente do
contrato temporário, não se afigurando possível a extensão de suas disposições ao contrato
de prestação de serviços, sob pena de afronta ao princípio isonômico invocado”.99
Nos demais casos anteriormente citados, os quais representam exceções à proibição
da contratação de trabalhadores terceirizados, situação contrária ocorre no caso de ser
reconhecida a irregularidade da terceirização.
Isto porque, em sendo declarada nula a contratação por terceirização, o vínculo
empregatício será reconhecido diretamente com a empresa tomadora dos serviços, passando
98 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413. 99 TRT/MG – RO- 11844/02 – Rel. Designado: Juiz Heriberto de Castro. DJ/MG 14/12/2002, citado por
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413
77
a ser considerado, o trabalhador, empregado direto desta empresa, sendo, então, garantida a
isonomia para com os trabalhadores de seu quadro próprio, se pleiteada.
Conforme expõe o Juiz Paulo Maurício Ribeiro Pires, em julgamento junto ao TRT
da 3ª Região, “reconhecido o vínculo com a tomadora, segue-se que incide sobre o pacto
todas as normas relativas à efetiva categoria profissional, a fim de que se possam corrigir
as distorções havidas, sendo a mais frequente a da isonomia salarial, ou salario
equitativo”.100
Importante mencionar, contudo, a existência de corrente minoritária que aponta a
necessidade de se garantir a todos os trabalhadores terceirizados (não só aos temporários
regidos sob a Lei 6019/74101) isonomia de tratamento, inclusive em relação a igualdade
salarial, em relação aos empregados diretos do tomador de serviços.
Isto porque, justamente por trata-se de um instituto novo no direito do trabalho, a
terceirização carece de regulamentação própria, razão pela qual muitos autores citam a
existência, até mesmo, de uma lacuna legislativa nesse sentido, não podendo, neste caso, a
interpretação jurisprudencial restringir direitos não limitados pela lei, o que acarretaria,
sobretudo numa arguição de inconstitucionalidade102.
A Constituição Federal, em seu art. 7º, XXXII trata, ainda, da proibição de distinção
entre profissionais, o que, por seu turno, tornaria inconstitucional a interpretação tendente a
considerar lícita a diferença salarial e o tratamento diferenciado entre terceirizados e não
terceirizados.
100 TRT/MG – RO- 16865/00 – Rel. Designado: Juiz Paulo Mauricio Ribeiro Pires. DJ/MG 20/11/2000, citado
por CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413. 101 Alerta Vólia Bomfim para o cuidado que se deve ter ao afirmar que os salários devem ser iguais, uma vez
que o empregado do tomador, muitas vezes, pode contar com valores agregados em razão da antiguidade na
empresa, o que não justificaria a equiparação. Propõe, como solução, que o salário do empregado terceirizado
seja calculado de forma proporcional ao que seria pago, na empresa tomadora, para o trabalhador em início de
carreira ou considerando-se o piso da categoria do tomador. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Impetus: Niterói. 2009. p. 942. 102 Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma
estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho do
país. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que se
assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica. DELGADO, Maurício Godinho.
Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2012., p. 417.
78
Ainda que pequena parte da doutrina e estudiosos do direito questionem a ilegalidade
da diferença salarial entre os trabalhadores terceirizados e não terceirizados, cabe destacar o
caso dos trabalhadores terceirizados que trabalhem para a Administração Pública.
Em tais casos, como veremos a diante, ainda que a terceirização venha a ser
considerada ilícita, não haverá formação de vínculo empregatício com o tomador de serviços
(Administração Pública), em razão da exigência constitucional expressa no art. 37 da CF de
que tal apenas será feita através de aprovação em concurso público.
Nestes casos, o que se observa, na prática, é que empregados contratados por
empresas interpostas (terceirizados) e empregados diretos da Administração Pública,
trabalham lado a lado, nitidamente em idênticas situações, mas fazendo jus, por outro lado,
a salários diferenciados.
No intuito de dirimir a injusta situação desses trabalhadores, o TST decidiu, através
da Orientação Jurisprudencial 383, - agindo nitidamente como legislador ordinário -, que
ainda que seja impossível o reconhecimento de vínculo empregatício junto à tomadora de
serviços, quando tal for a Administração Pública, porém, sendo considerada ilícita a
contratação, farão jus, os trabalhadores terceirizados, pelo princípio fundamental da
isonomia, às mesmas condições salariais dos trabalhadores diretamente contratados,
devendo ser observada, para tanto, a identidade de funções103.
Tem sido corriqueiro, porém de forma ainda tímida, que os julgadores, ao apreciarem
casos de diferenças salariais entre trabalhadores terceirizados e contratados diretamente pela
tomadora, utilizem, de forma análoga, o artigo 12 da Lei 6019/74 que protege o trabalhador
temporário, dando margem, por fim, a mais discussões à tal respeito.
Por fim, ante a inexistência, até o presente momento, de legislação que ponha fim à
celeuma, a regra é a de que, sendo considerada lícita a terceirização e não se tratando de
103 OJ 383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA
TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011,
DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente
da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados
terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador
dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019,
de 03.01.1974.
79
trabalhador temporário, não há que se falar em comunicação entre os padrões remuneratórios
das empresas tomadoras e prestadoras de serviços104.
Há de se atentar, no entanto, para que, segundo pesquisas recentes, os trabalhadores
terceirizados ganham salário menor que os trabalhadores não terceirizados. De acordo com
os estudos, a diferença salarial chega a ser de 25%, o que ocasionaria uma precarização do
trabalho humano, bem como a criação de trabalhadores de uma subclasse105, como se
depreende da tabela adiante.
Na mesma esteira, aponta pesquisa feita pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo
– Estado brasileiro com maior quantidade de contratações por terceirização -, que os
empregados terceirizados recebem cerca de 1/3 a menos que os trabalhadores diretamente
104 DELGADO, Marcelo Godinho, sustenta que: “ há claros preceitos constitucionais e justrabalhistas
brasileiros que, lidos em conjugação sistemática entre si e com os aspectos acima apontados, indicam na
direção da comunicação remuneratória entre o contrato do trabalhador terceirizado e o padrão prevalecente
para os empregados da mesma categoria da empresa tomadora dos serviços. Preceitos constitucionais e legais
que, em síntese, favorecem à aplicação do salário equitativo mesmo em situações de terceirização lícita”.
Afirma, ainda, que os direitos garantidos ao trabalhador regido pela Lei 6019/74 devem ser estendidos a todos
os trabalhadores terceirizados, tendo em vista que, se este contrato, que é de curta duração, possui isonomia de
tratamento, tal interpretação também deve ser aplicada aos casos de terceirização permanente.
105 CUT. Terceirização e desenvolvimento – uma conta que não fecha”. Disponível em: www.cut.org.br.
Acessado em: 10/07/2017.
80
contratados, não fazendo jus, ainda, a outros direitos, tais como participação nos lucros e
auxílios106.
4.7.2 – A questão do enquadramento sindical
Conforme ensina Vólia Bomfim, pode-se considerar uma relação de trabalho a partir
de uma ótica individual, tendo-se, assim, por bases, situações reais e não hipotéticas,
envolvendo um contrato, em regra, bilateral, entre empregado e empregador, que definirão,
desde logo, direitos e obrigações; ou sob o ponto de vista coletivo e, portanto, abstrato,
através do qual generaliza-se ou se pretende prever aspectos passíveis de ocorrerem numa
relação de emprego concreta. 107
Já Luciano Martinez define o direito coletivo do trabalho como uma vertente própria
do direito do trabalho responsável por regular, tendo, para tanto, princípios específicos, a
106 Dados fornecidos pelo DIEESE. Disponivel em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017. Acessado
em: 10/07/2017. 107 CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 977.
81
forma de organizar e atuar das entidades coletivas, com o objetivo de melhorar as condições
de trabalho do empregado individual.108
Pode-se constatar, por fim, que a dinâmica social leva o trabalhador à organizar-se
em associações, pelas quais apoiam-se e reivindicam novas condições de trabalho.
A organização, então, de trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho
culminou, como se sabe, no surgimento dos sindicatos, que, atualmente, apresentam-se como
a base de sustentação do Direito Coletivo.
Nas palavras de Otávio Bueno Magano, o Direito Coletivo é o ramo descentralizado
do Direito do Trabalho que regula a organização sindical, negociações e convenções
coletivas de trabalho, bem como os modos de solução de tais conflitos.109
Conforme insculpido pelo art. 5º. XX da Constituição Brasileira, o princípio da
liberdade sindical diz respeito ao direito dos trabalhadores e empregadores se associarem
livremente a um sindicato visando a promoção dos seus interesses ou dos grupos que os
representem, sem qualquer intervenção do Estado.
O princípio em tela é regulado pela Convenção 87 da ONU, ainda não ratificado pelo
Brasil, não obstante, não se sustente mais o modelo sindical controlado pelo Estado e sim
pautado pela democracia e pluralismo nas relações sindicais.
O sistema adotado pelo Brasil foi o da unicidade sindical, ou seja, apenas é possível
a criação de um sindicato, representativo da mesma categoria, por território (art. 8º da
Constituição Brasileira)110.
Pode-se dizer, assim, que o princípio representa um direito subjetivo público, que
veda a intervenção do Estado na criação e funcionamento do sindicato.
Ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia, que “a organização sindical, assim, passa a
ser pautada na liberdade de fundação, organização, filiação, administração e atuação dos
108 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do
trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 599 109 MAGANO, Otavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 1993, p. 11. 110 Art. 8º CRFB – “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: II - é vedada a criação
de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados,
não podendo ser inferior à área de um Município”.
82
entes sindicais, mantendo o diálogo e a boa-fé nas suas relações, de modo a alcançar a
dignidade e a justiça social”.111
Contrariamente ao sistema na unicidade adotado pelo Brasil, o sistema Português é
o da pluralidade, ou seja, não há limitação de criação sindical por base territorial, podendo
ocorrer em qualquer nível, conforme Convenção 87 da ONU e art. 55º § 2º da Constituição
Portuguesa112.
Nas palavras de Maurício Godinho, o princípio da autonomia sindical informa a
capacidade de autogestão da qual é dotada a organização sindical, não sendo possível, neste
ínterim, qualquer interferência Estatal. Determina, então, a livre estruturação interna do
sindicato, “sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua
desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador”113
Assim, a autonomia sindical ou coletiva privada, é um poder conferido aos atores
sociais, inseridos nas relações coletivas, de estabelecer normas coletivas de trabalho, que
serão aplicadas a tais relações.
O termo "sindicato" deriva do latim syndicus, que é proveniente do grego sundikós,
com o significado do que assiste em juízo ou justiça comunitária.
Historicamente a dinâmica social leva o trabalhador à organizar-se em associações
nas quais apoiam-se e reivindicam novas condições de trabalho.
Essa tendência associativa diz respeito, sobretudo nos países Ocidentais, à
polarização, encontrando-se, de um lado, a solidariedade e defesa e revolta contra o modelo
capitalista e de outro a burguesia.
Nesse contexto, com a Revolução Industrial ocorrida no Século XVIII, se
desenvolvem as primeiras organizações sindicais, percebendo, o trabalhador, que seus
interesses eram mais fortemente buscados quando reunidos em grupos.
111 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
P. 1241. 112 Art 55º, 2. “No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação,
designadamente: a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis”. 113 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 1332..
83
Assim, a organização de trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho,
culminou, como se sabe, no surgimento dos sindicatos, que, atualmente, apresentam-se como
a base de sustentação do Direito Coletivo.
Os Sindicatos, atualmente, são vistos como entidades associativas permanentes que
representam trabalhadores vinculados por laços profissionais comuns, e visam defender seus
interesses, bem como solucionais seus conflitos coletivos, em busca de melhores condições
de vida e trabalho.
As funções comumente estabelecidas aos sindicatos são as de negociação,
assistência, arrecadação, colaboração com o Estado, representação dos interesses da
categoria ou individuais de seus integrantes.
O art. 511 da CLT aduz que: “é licita a associação para fins de estudo, defesa e
coordenação de seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como
empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais,
exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões
similares ou conexas”.
Como visto anteriormente, os sistemas brasileiro e português divergem no que tange
a adoção, pelo primeiro, da unicidade sindical e pelo segundo da pluralidade, tal como a
Convenção 87 da ONU, pelo que, o princípio da liberdade de associação culmina por
esbarrar, no Brasil, na vedação da criação de mais de uma organização por base territorial,
que não pode ser inferior à área de um Município.
Adotam, ainda, os sistemas, o princípio da liberdade de filiação, pelo qual ninguém
é obrigado a filiar-se ou manter-se filiado, estando tal regra prevista no art. 8º da CRFB e
art. 55º, item 2, b da CRP.
Importante mencionar, no entanto, que o sistema sindical brasileiro é organizado em
categorias, conforme art. 8°, incisos II, III e IV da Constituição Federal de 1988, senão
vejamos:
“II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau,
representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será
definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área
de um Município.
84
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas.
IV – a assembleia-geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional,
será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical
respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
Ressalta-se, por fim, que as categorias podem ser profissionais ou econômicas,
conforme representem trabalhadores ou empregadores, respectivamente e que, em Portugal,
não é permitida a sindicalização patronal, apenas profissional.
De acordo com o art. 511, §§ 1° e 2° da CLT, pode-se depreender o conceito das
categorias:
“§ 1° - a solidariedade de interesses econômicos dos que
empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico
que se denomina categoria econômica.
§ 2° - a similitude de condições de vida oriundas da profissão ou
trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em
atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar
compreendida como categoria profissional”.
Conforme explica Gustavo Filipe, à respeito das categoriais, estas podem ser
definidas pela reunião de pessoas com interesses profissionais comuns, resultante de uma
identidade de condições atreladas à atividade econômica que desempenham.114
Desta feita, denomina-se categoria profissional, a dos empregados, bastando, para
tanto, que preste serviços a empregador inserido em determinado setor da economia. Insta
salientar, neste ponto, que é irrelevante, aqui, a função especificamente exercida,
considerando-se, por fim, a categoria do empregador.
Por outro lado, a categoria dos empregadores é denominada econômica, representada
pelo vinculo decorrente da solidariedade de interesses econômicos daqueles que
desempenham atividades idênticas, similares ou conexas.
114 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
P. 1262.
85
Como se pode observar, o enquadramento sindical se dá de acordo com a atividade
preponderantemente desenvolvida pelo empregador, com fulcro no que dispõe o art. 581, §
1° da CLT:
“quando a empresa realizar diversas atividades econômicas,
sem que nenhuma delas seja preponderante, cada uma dessas
atividades será incorporada à respectiva categoria econômica
(...)”.
De acordo com Maria do Rosário Palma Ramalho, sobre o modelo Português de
associação, observa que a associação através de sindicatos se determina pela defesa dos
interesses profissionais dos trabalhadores aos quais representa. Não há mais no CT de 2003,
diz a autora, delimitação à associação por categorias, podendo ter a amplitude que os
trabalhadores determinarem, ainda que não vinculadas a uma categoria profissional115.
Como regra geral, pode-se dizer que o enquadramento sindical se dá de acordo com
a atividade econômica única ou preponderantemente exercida pelo empregador,
independente da função exercida pelo empregado.
Como visto anteriormente, um trabalhador é membro de determinada categoria
simplesmente porque exerce determinada profissão, sendo, o enquadramento sindical, por
seu turno, automático e natural, o que não acontece, por outro lado, com a filiação sindical,
que se consubstancia em ato volitivo do trabalhador.
O enquadramento sindical em Portugal, vale lembrar, ocorre de acordo com a regra
do art. 444 do Código do Trabalho, pelo que este ocorre não de acordo com a atividade
preponderante do empregador, mas de acordo com a atividade desenvolvida pelo
empregado116.
115 RAMALHO, Maria do Rosario Palma. Tratado de Direito do Trabalho, parte III. Almedina, 2015. 116 Art 444 do Código do Trabalho – Liberdade de Inscrição
1 – No exercício da liberdade sindical, o trabalhador tem o direito de, sem discriminação, se inscrever em
sindicato que, na área da sua atividade, represente a categoria respectiva.
2 – Pode manter a qualidade de associado o trabalhador que deixe de exercer a sua atividade, mas não passe a
exercer outra não representada pelo mesmo sindicato ou não perca a condição de trabalhador subordinado.
5 – O trabalhador não pode estar simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou atividade, em
sindicatos diferentes.
86
A problemática que envolve a dificuldade de enquadramento sindical dos
trabalhadores terceirizados gira em torno, portanto, da regra geral de ambos os institutos:
terceirização e enquadramento sindical.
Isso porque, pela regra geral, o enquadramento sindical se dá de acordo com a
atividade econômica única ou preponderantemente exercida pelo empregador, independente
da função exercida pelo empregado, sendo que, no caso do trabalho terceirizado, o
empregador real é o tomador de serviços, sendo a prestadora a empregadora formal.
Neste caso, dificulta-se, então, o enquadramento sindical da referida classe, o que
culmina pelo enfraquecimento de suas reivindicações decorrentes de dificuldades de
associações.
Como bem expõe Maurício Godinho Delgado, é fato notório que a contratação
terceirizada desorganiza, de forma perversa, salienta, a atuação sindical, retirando-lhe o que
mais lhe compete, que é uma atuação eficaz. No caso da terceirização, com a pulverização
da força de trabalho, torna-se inviável a aglomeração finalística de trabalhadores117.
Há, neste tópico, forte divergência doutrinaria e jurisprudencial.
Juristas de renome entendem que o enquadramento seguirá o da regra geral, ou seja,
se dará de acordo com a atividade única ou preponderante da empregadora (neste caso, a
prestadora de serviços).
Estes estudiosos entendem, por consequência, que o trabalhador enquadrado na
categoria sindical da atividade econômica da empregadora (prestadora de serviços) não tem
direito aos benefícios obtidos pelo sindicato representativo da categoria na qual encontra-se
enquadrada a tomadora de serviços, ainda que em seu estabelecimento exerça integralmente
suas atividades.
Nesse sentido, advoga Vólia Bomfim Cassar, para quem “o trabalhador terceirizado
receberá a remuneração ajustada com seu empregador (empresa interposta) e seu labor
será no horário determinado pela interposta pessoa, assim como o enquadramento
sindical”118.
117 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 118 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niteroi. 2009, p. 413.
87
Ocorre que, imputar ao trabalhador enquadramento sindical da empresa prestadora
de serviços, significa reprimir a atuação sindical e contrariar os princípios e ideais que regem
o direito coletivo119.
Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, um dos poucos juristas a enfrentar
veementemente a questão, a formação de um sindicato de trabalhadores terceirizados, que
prestam serviços a múltiplos tomadores de serviços, integrantes, portanto, a seguimentos
extremamente díspares, é um contrassenso120.
Isto porque a criação de um sindicato dos trabalhadores terceirizados abrange, como
dito, uma infinidade de segmentos, contando com empregados de diferentes profissões, sem
qualquer similitude entre os mesmos.
Tal agremiação está em total confronto com a ideia de Sindicato, que possui como
principal característica a unidade, ou seja, a reunião de indivíduos com interesses comuns,
com estilos de vida ao menos similares, que estejam em busca de melhores condições de
trabalho para a categoria.
Em decorrência, seria ilógico reunir num mesmo sindicato pessoas com diferentes
formações, que, decerto, não possuem o mesmo estilo de vida e menos ainda possuem os
mesmos interesses, descaracterizando, portando, a ideia de unidade sindical prevista
constitucionalmente.
Portanto, nota-se, nesse sentido, um grave desrespeito ao direito constitucional dos
trabalhadores (também os terceirizados, por óbvio) de associarem-se em sindicatos e por ele
serem representados, conforme dispõe o já citado art. 8°, II da Constituição Federal de 1988.
Por outro lado, de forma contrária entendem outros, no sentido de que o
enquadramento sindical poderá se dar junto à empresa tomadora dos serviços, fazendo jus,
até mesmo, aos direitos obtidos pelos sindicatos aos quais esta encontra-se filiada.
Nesse sentido posiciona-se Maurício Godinho Delgado, em importante colocação
que faz em sua obra, para o qual a vinculação laboral do trabalhador terceirizado se encontra
119 Neste sentido, João Reis ensina que tenta, o liberalismo econômico, enfraquecer a representação sindical
através do sindicato, no objetivo último de estabelecer maiores poderes patronais na relação laboral. REIS,
João Carlos Simões. O direito laboral português na crise atual. Disponível em: www.periodicos.unipe.br.
Acessado em: 11/07/2017. 120 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479.
88
junto à tomadora de serviços e não à mera intermediadora. Levando-se em consideração esta
última não será possível, de fato, representar os interesses do trabalhador.121.
Aponta, assim, o supracitado jurista, importante questão em crítica à tese de que os
trabalhadores terceirizados deviam ser representados por um sindicato das empresas
prestadoras de serviços terceirizados, uma vez que não haveria comunhão de interesses entre
os representados, como exposto no art. 511, § 2° da CLT.
Enfatiza, ainda, o ilustre doutrinador, com propriedade, que “a real categoria
profissional desse obreiro é aquela em que ele efetivamente se integra em seu cotidiano de
labor”122.
Ora, não há como se vislumbrar atuação sindical representativa de profissionais
provenientes de vários segmentos, cada qual com distintos interesses e reivindicações.
Imperioso se faz destacar, ainda, outra importante observação feita por Mauricio
Godinho, para o qual havendo contratação de trabalhadores de forma terceirizada, é na
empresa tomadora e não na prestadora, onde se encontra realmente a similitude pelo trabalho
em comum (similares ou conexas), posto que, é naquela empresa que se encontra seu
cotidiano e é deste cenário que deveria advir seu efetivo sindicato123.
Por fim, salienta-se que, apenas através do adequado enquadramento sindical poder-
se-á garantir plena aplicação não só das garantias legais apontadas pela Consolidação das
Leis Trabalhistas, no que tange ao direito de agremiação por categorias, como também às
garantias constitucionais de liberdade sindical e direito à representação.
Finaliza, ainda, Delgado, afirmando que adotado o enquadramento baseado na real
função atribuída ao obreiro, junto à empresa tomadora, é que será possível proporcionar uma
eficaz representatividade do trabalhador, culminando no fim da problemática suscitada. 124
Questão indiscutível, porém, gira em torno de ser considerada ilícita a terceirização
de serviços, isto é, não estar de acordo com os requisitos legais.
121 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 122 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 123 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 480. 124 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 480.
89
Em tais casos, o contrato será considerado nulo e, portanto, o vínculo empregatício
se dará diretamente com o tomador de serviços, razão pela qual, o enquadramento sindical
também acompanhará a atividade econômica única ou preponderante do tomador, de forma
indiscutível.
Neste tópico importa salientar que o ordenamento jurídico português não discute
acerca da licitude ou ilicitude da terceirização, isto porque não há limitações em tal
ordenamento, como ocorre no direito brasileiro.
O modelo português, como visto, adota o enquadramento sindical segundo a
atividade realmente exercida pelo trabalhador e não pela atividade preponderante do
empregador (art. 444 do Código do Trabalho), como no Brasil, pelo que, neste caso, os
trabalhadores terceirizados não devem se filiar ao sindicato da empresa prestadora de
serviços (intermediadora), mas sim, seguirem sua real atividade.
Contudo, insta salientar, por ora, que, em suma, a categoria sindical do empregado,
em regra, se dá tendo em vista a atividade desenvolvida por seu empregador.
Tratando-se, entretanto, de trabalhador terceirizado, o enquadramento, à primeira
vista, seguirá a atividade da empresa prestadora de serviços (empregadora aparente), da qual
é empregado, e não à da empresa tomadora de serviços (empregadora real).
4.7.3 – Segurança, Medicina e Higiene no Trabalho
O respeito às normas de segurança e higiene no trabalho são de obediência
imperativa. A regra se encontra insculpida no art. 7º, XXII e XXVIII da Constituição
Federal, que preceitua, desta forma, como direitos sociais, a redução dos riscos do trabalho
e seguro contra acidentes a cargo do empregador.
O art. 156 da CLT também contempla a necessidade de fiscalização, pelas Delegacias
Regionais do Trabalho de normas se segurança e medicina do trabalho.
Também a NR 17 dispõe, em seu item 1.7, à respeito da responsabilidade do
empregador cumprir as legislações pertinentes às questões de segurança e medicina do
trabalho.
90
Ocorre que, cabe ao empregador zelar pela observância de tais normas, através de
criação de um ambiente de trabalho saudável e sem riscos à saúde e a segurança do
trabalhador.
No caso de terceirização de serviços os trabalhadores não se encontram vinculados à
empresa tomadora de serviços, mas à empresa prestadora, apesar de exercerem suas
atividades, no mais das vezes, no estabelecimento das empresas tomadoras.
Assim, a quem caberia o dever de observância das normas relativas à saúde, higiene
e segurança dos trabalhadores?
Restou comprovado, recentemente, o aumento de mortes de trabalhadores no
ambiente de trabalho, além da observância do fato de que a maior parte desses trabalhadores
eram terceirizados125.
O aumento significativo de acidentes e mortes de trabalhadores, em maioria
terceirizados, é crescente, dizem as pesquisas, o que leva a uma enxurrada de ações judiciais
na Justiça no Trabalho objetivando reparação civil.
Deve-se lembrar, ainda, que o alto número de acidentados no trabalho prejudica, por
outro lado, o já saturado sistema previdenciário, que, por seu turno, terá que cobrir o sustento
desses trabalhadores através de pensões e auxílios.
O fato da maior parte dos acidentes de trabalho ocorrerem entre trabalhadores
terceirizados, leva à concluir que não há qualquer interesse da empresa tomadora de serviços
em zelar pelas normas imperativas aqui citadas, uma vez que não se sentem responsáveis
pelos riscos correntes aos trabalhadores, que, por sua vez, estão juridicamente vinculados à
empresas que não observam o dia-a-dia de labor desses operários.
É importante ter em mente, inclusive, que a maioria das empresas prestadoras de
serviços não possuem capital suficiente para arcar com os custos dessas condenações, nem
no que tange à próprias verbas trabalhistas, menos ainda em relação à indenizações civil,
que são muito mais altas.
125 É expressivo o número de acidentes fatais dentre os trabalhadores terceirizados. Tal fato deve-se não só pela
falta de fiscalização, mas também pela corrida atrás da redução de custos pelo lucro, em total desrespeito aos
Direitos Humanos.
91
Sabe-se que a Súmula 331 do TST impõe a responsabilidade subsidiária da empresa
tomadora de serviços no que tange à responsabilidade pela quitação das verbas trabalhistas,
não ocorrendo da mesma forma, contudo, em se tratando de condenação decorrente de
responsabilidade civil por acidente de trabalho.
Nestes casos, cumpre ao empregador comprovar que cumpriu todas as normas
atinentes à segurança e saúde do trabalhador (posto que cabe também ao trabalhador agir
conforme orientações do empregador), e, em não conseguindo obter tal comprovação, ter-
se-á a responsabilidade solidária126 entre empregador e tomador de serviços quanto à
eventuais condenações127.
Mais uma vez conclui-se que a terceirização precariza, desvaloriza e reduz o
trabalhador à condições desumanas e tendentes a pôr em risco sua saúde física, mental e
emocional.
4.7.4 – Alta rotatividade e a subordinação estrutural
Como é sabido, a relação de emprego é uma espécie do gênero relação de trabalho e
se verifica quando presentes os requisitos da onerosidade, pessoalidade, não eventualidade,
trabalho por pessoa física e a subordinação.
O requisito da subordinação é um dos mais importantes e determinantes para definir
a relação empregatícia, sendo, muitas vezes, mascarado numa terceirização simulada.
O conceito de subordinação jurídica pode ser tido como a prestação de serviço por
conta e risco de outrem, com quem se mantém dependência hierárquica ou jurídica128.
Assim, trata-se a subordinação de sujeição de uma pessoa em face de outra, na qual em razão
126 MELO, Raimundo Simão. Terceirização de serviços e direitos sociais dos trabalhadores. LTr, 2017., p. 84. 127 Cabe salientar que não é pacífica, na jurisprudencia, a condenação solidária do tomador de serviços em
relação à condenações por acidente de trabalho. A evolução, nesse sentido, caminha em prol da
responsabilização solidária tendo em vista a necessidade de se estender a todos que tiram proveito da prestação
de serviços (todos envolvidos na mesma cadeia produtiva), bem como no que tange a insubsistencia economica
recorrente das empresas prestadoras de serviços, culminando, muitas das vezes, em impossibilidade de
reparação. 128 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Responsabilidade Civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.,
p. 66
92
de um contrato de trabalho, aquela compromete-se a cumprir o poder de direção empresarial
desta129.
A sujeição a que refere diz respeito ao fato do trabalhador receber ordens diretas do
empregador ao qual submete sua força de trabalho no intuito de cumprir os objetivos da
empresa na qual está inserido.
Havendo contratação de trabalhador terceirizado, sabe-se que a relação de
subordinação não se forma entre tomador e trabalhador, com quem não possui qualquer
vínculo.
Já a subordinação estrutural diz respeito á real inserção do trabalhador na dinâmica
do tomador. Isto é, ampliando-se o leque do instituto em questão, vislumbra-se a necessidade
de integrar o trabalhador terceirizado ou que não faz parte da estrutura jurídica da empresa
tomadora, na dinâmica dos seus serviços.
A não integração do trabalhador na organização empresarial gera desânimo para o
labor e não comprometimento com os objetivos da empresa, o que desagua, inclusive, no
insucesso da iniciativa empresarial no mercado.
A dificuldade de inserir o trabalhador na estrutura empresarial se deve também ao
fato da alta rotatividade de trabalhadores terceirizados. Isto ocorre devido à não pessoalidade
característica das relações terceirizadas. Em tais situações há contratação do serviço a ser
prestado e não do ser humano trabalhador em si.
Tal assertiva relava, então, que, como o que se considera para a contratação
terceirizada é o serviço realizado, não importa por que trabalhador ou por quantos isso se dê,
este pode ser substituído ou remanejado conforme interesse da empresa contratada.
A substitutividade do trabalhador leva ao entendimento de tratar, o ser humano, como
uma mercadoria, uma vez que suas condições pessoais, habilidades e entendimentos não
importam para quem está recebendo o serviço.
129 DELGADO, Maurício Gordinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. p. 301
93
Na maioria dos casos de contratação terceirizada, o trabalhador, que já se sabe, pode
ser facilmente substituído, não se integra na estrutura empresarial, que, por seu turno, sequer
reconhece o ser humano como tal, mas como uma peça do seu ciclo produtivo.
Convém ressaltar, ainda, a incongruência de objetivos políticos no que diz respeito à
necessidade de aumentar a arrecadação previdenciária, ao que alega saturada, paralelamente
com a pretendida alta rotatividade de trabalhadores.
É que, explica-se, a alta rotatividade induz maiores despedimentos, tanto é assim que
esses também, pretendem seus idealizadores, deve ser flexibilizado, o que leva, em
consequência, a maior despesa dos cofres da segurança social com seguro desemprego, o
que, devido sua saturação, seria insubsistente.
4.7.5 – Dificuldade de aplicação da norma mais favorável. Inaplicabilidade da
norma coletiva firmada pela tomadora.
É sabido que é cada vez maior a contratação terceirizada (ou por empresa
agenciadora) pelas grandes empresas.
Ocorre que, deste modo, pode-se verificar a presença, na mesma empresa, de
trabalhadores efetivos e terceirizados, lado a lado.
Convém relembrar, neste contexto, que os trabalhadores efetivos pertencem ao
quadro empregatício da empresa tomadora, enquanto os trabalhadores terceirizados
encontram-se vinculados à empresa prestadora de serviços (ou agenciadora), pelo que estão
sujeitos a empregadores diversos.
Neste ínterim, deve-se considerar que trabalham, lado a lado, trabalhadores
pertencentes a estatutos diferenciados, sujeito a regras diferenciadas e, portanto, submetidos
a uma situação de desigualdade.
Restou comprovado (já demonstrado em item acima), que o trabalhador terceirizado
recebe, em média, salário 30% menor que o empregado diretamente contratado pela
empresa.
94
Diante, ainda, do também já citado enfraquecimento sindical, os trabalhadores
perdem a capacidade de negociação por melhores condições, o que, por fim, acaba também
por precarizar seus direitos e submetê-los ao mercado capitalista.
Neste ponto, é preciso esclarecer, as normas coletivas firmadas pela empresa
tomadora não se aplicam aos empregados terceirizados, o que gera ainda mais desigualdade
entre estes e os trabalhadores diretamente contratados.
4.7.6 – Redução dos benefícios legais. Jornada excessiva e não progressão na
carreira.
Como temos visto, se, por um lado, pretende a empresa uma terceirização ampla com
flexibilização de direitos, tal acepção não é interessante para o trabalhador.
Inúmeras pesquisar apontam que os trabalhadores terceirizados estão sendo seus
benefícios diminuídos em larga escala, o que reflete não só a precarização do trabalho como
num empobrecimento em massa.
Como já visto, os trabalhadores auferem, em regra, salário 30% menos que os
trabalhadores diretamente contratados pelas empresas. A lógica do sistema terceirizado
explica a diminuição salarial. É que não faria sentido, num intuito de redução de lucros, que
a empresa tomadora pagasse à empresa prestadora valores idênticos aos que pagaria em sua
folha normal de salários, acrescida, ainda, de encargos, impostos e da parcela de lucro
pretendida pela empresa contratada.
Assim, por um valor mais atrativo, a empresa tomadora contrata o fornecimento de
serviços junto à empresa contratada, que, por sua, vez, antes de pagar os trabalhadores a ela
vinculados, ainda retira sua margem de lucro e todos os seus custos.
Matematicamente, não há como se depreender qualquer benefício a ser concedido ao
trabalhador. O que há é redução de benefícios, cada vez maior.
Sob ameaça de perda de postos de trabalho, as empresas vêm assegurando, ainda,
que o trabalhador cumpra jornadas excessivas e exaustivas, sem qualquer pagamento a mais
por isso.
95
Aliado a essa realidade, com o também enfraquecimento dos sindicatos, tem em vista
a dificuldade de filiação trazida pela terceirização, a luta por melhores condições também
tem se exaurido.
Estudos recentes apontem, inclusive, que em relação à jornada de trabalho, os
trabalhadores terceirizados trabalham cerca de 3h a mais que os trabalhadores diretamente
contratados. Ademais, devido ao fato da maioria das terceirizações se concretizarem no
estabelecimento da empresa tomadora, não há qualquer fiscalização da exploração que vem
acometendo os empregados130.
Outro problema enfrentado pelos trabalhadores terceirizados é a impossibilidade de
progressão na carreira, visto que, como não fazem parte dos quadros de trabalhadores da
tomadora não terão, por sua vez, acesso a progressão de carreira, caracterizado pelo aumento
salarial de acordo com o tempo de trabalho e qualificação. Isso ocorre porque na
terceirização o empregado mantém vínculo com empresa prestadora que não é a
consumidora final dos serviços do obreiro, não tendo sequer interesse em qualifica-lo ou
motivacioná-lo.
O que se depreende dos trabalhadores terceirizados e a condição degradante e
emburrecedora de trabalho, sem qualquer expectativa de integração ou progressão
130 http://www.diap.org.br/index.php/noticias/integras/25061-cut-dieese-dossie-sobre-a-terceirizacao. Acesso
em 07/07/2017.
96
profissional. O trabalhador é tratado como fornecedor de mão-de-obra, sendo apenas mais
um item da etapa produtiva e não pelas suas habilidades pessoais.
Enfim, como visto dos principais problemas trazidos pela terceirização, podemos
concluir sobre os efeitos deletérios trazidos por essa prática. Se, por um lado, a terceirização
é tida por muitos como modernizadora do processo produtivo, por outro, deve-se observar
os efeitos danosos em relação aos trabalhadores. Enfatiza-se, outrossim, que tais efeitos,
longe de serem especulativos, são comprovações estatísticas de desigualdade, acidentes,
sobrejornada, enfraquecimento sindical e exploração.
4.8 – Subcontratação ou Outsourcing no ordenamento português.
No ordenamento jurídico português não é comum encontrarmos referência ao termo
terceirização.
Em tal ordenamento, o mesmo fenômeno é conhecido como subcontratação de
serviços, ou, ainda, outsourcing, como vem sendo chamado.
Raros são, ainda, os estudos à respeito dessa questão, que, diferentemente do Brasil,
já não possui restrições, podendo ocorrer em qualquer atividade.
Não obstante, a definição e caracterização ocorrem tal qual no ordenamento
brasileiro, devendo-se entender a subcontratação como o fato de alguém atribuir à um
terceiro a execução de certo serviço mediante pagamento, sendo o serviço a ser executado
necessário à atividade do contratante.
Ou seja, trata-se da operação através da qual uma empresa confia à outra a tarefa de
executar para si, de acordo com um caderno de encargos ou requisitos pré-estabelecidos,
uma parte ou a totalidade dos atos de produção de bens ou determinadas operações
específicas.
É possível encontrar, ainda, neste ordenamento jurídico, a expressão “organização
em rede”, sendo a subcontratação uma espécie desta, que, como define Federico Butera,
97
aplicar-se-á sempre que haja descentralização das atividades de uma empresa central para
subcontratadas131
Através deste mecanismo o empresário executa a sua atividade de forma indireta, ou
seja, se beneficia do serviço prestado por um trabalhador, sem, contudo, assumir a posição
de empregador.
Cabe salientar, que, em Portugal, vem sendo comumente chamado de outsourcing o
fato da empresa concentrar-se nas suas competências centrais, externalizando às empresas
especialistas o que considera periférico132.
Nos países europeus, como um todo, considera-se a terceirização possível de forma
plena e irrestrita com base no princípio da livre iniciativa, que permite ao empresário
conduzir e gerir sua atividade da forma que entender mais benéfica.
4.8.1– Trabalho temporário segundo o ordenamento jurídico português
O Decreto 260/2009 trata da regulação do exercício e licenciamento das agências
privadas de colocação e de trabalho temporário.
O objetivo da regulamentação é melhor atender às necessidades do mercado
globalizado, sem, contudo, perder de vista os direitos trabalhistas. Desta feita, sua
abrangência corresponde às empresas que são responsáveis apenas por aproximar oferta e
procura de trabalho, não havendo que se falar, neste caso, em qualquer vínculo de emprego,
bem como às empresas que empregam trabalhadores para servir à outras tomadoras
(utilizadoras) do serviço.
Há de se recordar, aqui, que Portugal é signatário da Convenção 181 da OIT, que,
também reconhecendo a necessidade de flexibilizar a legislação trabalhista em prol de
131 BUTERA, Federico. La Metamorphose de L`Organisation. Paris, 1990. 132 “A cada vez maior variedade e complexidade do mercado, assim como as cada vez maiores variedades e complexidades das tecnologias disponíveis dificultam a possibilidade de uma empresa se posicionar em todas as frentes, conduzindo, de forma natural, a uma especialização de suas atividades”. Azevedo, Américo Lopes. Novos Modelos de Negócio. Disponível em http://www.spi.pt/documents/books/ecommerce/cenmn. Acessado em 13/06/2016.
98
assegurar os direitos sociais dos trabalhadores, adotou a convenção sobre as agências de
emprego privadas.
No presente tópico não nos alongaremos acerca das agências privadas de colocação,
tendo em vista a inexistência de relação jurídica entre estas e os trabalhadores, os quais são,
por elas, aproximados das ofertas de trabalho.
Importante destacar que, os contratos normais ou típicos de labor, tem como
requisitos a pessoalidade, a duração sem termo certo e a inserção completa do trabalhador
na estrutura empresarial. Tendo esse modelo padrão sido com enorme frequência substituído
pelos contratos à termo certo, ou por prazo determinado (outsiders), tudo no intuito de
adequar a empresa moderna aos padrões globalizados.
Referindo-nos a esse novo (precário) modelo de contrato, de forma atípica, torna-se
necessária a apreciação destas novas modalidades.
O art. 53 da CRP garante aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo o
despedimento sem justa causa, bem como por motivos políticos ideológicos. Deixa claro, o
referido artigo, a intenção de que a regra laboral seja a da contratação sem prazo
determinado, ou seja, sem precariedade. Isto porque, não havendo razões suficientes para
celebração do contrato a termo certo, o que a prática laboral aponta é uma enorme
vulnerabilidade e desmotivação do trabalhador em relação ao labor.
Ainda em relação aos contratos por prazo determinado, os casos excepcionais nos
quais são admitidos no ordenamento jurídico português são: satisfação de necessidade
temporária da empresa, pelo tempo estritamente necessário. Nesse contexto, aponta Leal
Amado que, havendo necessidade transitória da contratação, poderá haver contratação
temporária, ao passo que, sendo permanente a necessidade, tal contratação deverá
corresponder ao contrato típico, de prazo indeterminado, ao qual denomina standard133.
O art. 140, nº 4 do Código do Trabalho Português acaba por permitir, por outra
vertente, que contratos a prazo determinado sejam celebrados em necessidades permanentes
da empresa. Deste modo, são permitidos os contratos precários em casos de lançamento de
nova atividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou
133 AMADO, João Carlos Conceição Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p. 70.
99
estabelecimento de empresa com menos de 750 trabalhadores e para fomento de contratação
de trabalhadores em busca do primeiro emprego, ou em casos de desemprego de longa
duração. Deve-se atentar, ainda, no que diz respeito a esta modalidade de contrato atípico,
para os requisitos formais de sua existência, que não cabe aqui se alongar.
Outra modalidade de contrato de trabalho atípico é o já citado e preocupante trabalho
temporário.
Assim como tratamos no modelo de contratação terceirizada de trabalhador
temporário, no Brasil, no modelo português o contrato atípico de trabalho temporário
também pressupõe a existência de uma relação trilateral, contrariando, por seu turno, a regra
da bilateralidade comum aos dois ordenamentos.
Também no caso português, visualiza-se, neste modelo, a existência de uma empresa
utilizadora (tomadora) que contrata uma empresa prestadora, através de um contrato de
prestação de serviços a lhe ceder trabalhadores. Estes trabalhadores, outrossim, manterão o
vínculo laboral para com a empresa prestadora de serviços através de um contrato de trabalho
e não terão qualquer tipo de vínculo para com a empresa utilizadora134.
Destaca-se, ainda, no contexto do trabalho temporário, entre o trabalhador e a
empresa prestadora, que este pode ser por prazo determinado ou indeterminado. A
temporariedade diz respeito apenas à atividade para o qual é cedido junto à empresa
tomadora/utilizadora.
Em relação ao poder disciplinar, observamos que no modelo de contratação
terceirizada temporária, no Brasil, tal prerrogativa cabe, apenas no caso do trabalho
temporário (Lei 6019/74), à empresa tomadora, uma vez que este trabalhador será inserido
no contexto de sua atividade. Por outro lado, no ordenamento português tem-se situação
134 Leal Amado considera que, nesta relação, é claramente visualizado o tratamento do trabalhador como
mercadoria. Salienta, contudo, que deve haver uma posição mais concreta do legislador a este respeito,
conquanto se garanta, no mínimo, tratar-se a prestadora de empresa financeiramente subsistente. Cabe ressaltar,
neste ínterim, que um dos princípios da OIT, como visto oportunamente, é a proibição da utilização da força
de trabalho como mercadoria, o traduz nítida desvalorização social do labor. AMADO, João Carlos Conceição
Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p. 100.
100
inversa. Neste caso, o poder disciplinar será exercido pela própria empresa prestadora, sendo
o poder de direção sim exercido pela utilizadora.
Como se vê, o contrato de trabalho temporário flexibiliza a relação laboral, porém,
precariza, o trabalho humano135.
À rigor, segundo o ordenamento jurídico português, tem-se, ainda, como modelo
atípico de contrato de trabalho, o labor a tempo parcial, também surgido como uma hipótese
de flexibilização da mão-de-obra, assim como o trabalho intermitente, figuras às quais não
cabem, no presente trabalho, maiores explanações.
4.9- Por que Terceirizar? Vantagens e Desvantagens da Terceirização
Historicamente, a necessidade de maior produtividade por menores custos para
possibilitar competitividade junto ao mercado externo, devido à globalização e forte crise
econômica mundial, teve como consequência imediata a flexibilização e até revogação de
alguns direitos trabalhistas.
Neste cenário, a terceirização surgiu como forma de amortização dos gastos buscada
pelos empresários, que poderiam, assim, aumentar seus lucros, o que, por outro lado, restou
por culminar em tendente precarização do trabalho, tendo em vista o abuso de direito por
parte destes empregadores.
E não é só! A partir da Segunda Guerra Mundial houve demasiado aumento de
produção na indústria bélica, ante à necessidade de manter o fornecimento de armamento
aos países conflituosos.
Neste passo, a indústria percebeu que não era vantajoso do ponto de vista econômico,
a não especialização, ou seja, que sua forma de produção estivesse voltada para vários setores
135 Importante reflexão a tal respeito é trazida por João Reis, ao estabelecer que corresponde a uma escolha o
modo como se pretender reger e direcionar o direito do trabalho. Para o autor, a flexibilidade das relações
laborais não pressupoem, em regra, a adoção do trabalho temporário, assim como maior facilidade para
cessação do contrato não induz à maior empregabilidade. Reis, João Carlos Simões. O direito laboral português
na crise atual. Disponível em: www.periodicos.unipe.br. Acessado em: 11/07/2017.
101
concomitantemente, sendo necessário que seu foco estivesse voltado para a produção de
material bélico enquanto as atividades secundárias seriam exercidas por outras empresas136.
A justificativa para a terceirização de mão-de-obra encontra respaldo justamente na
vantagem auferida pelas empresas que poderão concentrar-se em suas atividades-fim.
A possibilidade de especialização e produção apenas no que agrega valor ao ramo
empresarial faz com que a empresa se torne mais competitiva no mercado de trabalho e, com
isso, obtenha mais lucros.
Ao terceirizar a atividade-meio, a empresa tomadora não precisa mais envidar
esforços no sentido de controlar funções que não lhe trarão lucros diretos, além da baixa
capacidade para controlar serviços que não são de sua especialidade, tornando o resultado
pouco proveitoso e de alto custo.
Ademais, e, principalmente, visualiza-se a redução dos custos, o que reflete,
diretamente, na alta dos lucros do empresariado. Isso porque, a substituição dos custos da
mão-de-obra por contratos de prestação de serviços traz, na prática empresarial, severa
redução, uma vez que, além de livrarem-se da irredutibilidade dos encargos trabalhistas, os
empresários passam a comprar resultados móveis, conforme suas necessidades
momentâneas e não enraizados em seu corpo interno137.
Frente à realidade empresarial, entendem alguns autores que a flexibilidade de
direitos trabalhistas para obtenção de lucros maiores é o objetivo de qualquer empresa, pelo
que melhor se poderá, inclusive, responder aos anseios do mercado com preços mais
competitivos de seus produtos.
A contratação de serviços e não de pessoas traz inúmeras vantagens empresariais
desde a despreocupação com gerência e controle de pessoal pela tomadora até a redução de
despesas com futuras ações trabalhistas, sendo as empresas prestadoras responsáveis diretas
pela quitação das verbas.
136 Castro, Rubens Ferreira de. A terceirização no Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 2000., p. 75. 137 Hermes, Gustavo Cauduro. A terceirização e os riscos jurídico-trabalhistas dos contratos de prestação de
serviços. Justiça do Trabalho, ano 18, nº. 2016, dezembro 2001., p. 26.
102
Paga-se, na terceirização, por um resultado. Contrata-se o serviço (de limpeza, de
vigilância, de advocacia, de manutenção..) e não a pessoa (o faxineiro, o vigilante, o
advogado, o mecânico...).
Por outro lado, alguns riscos decorrentes da contratação terceirizada devem ser
considerados.
Como já anteriormente estudado, é sabido que o vínculo empregatício do trabalhador
terceirizado se dá com a empresa prestadora de serviços e não com o tomador. Ocorre que,
tal premissa se baseia na licitude da terceirização, que tem como requisitos primordiais a
inexistência de pessoalidade e de subordinação direta para com o tomador.
Havendo, no entanto, quebra de tais requisitos, ou seja, restando caracterizada a
pessoalidade e/ou a subordinação direta junto ao tomador, o vínculo empregatício poderá, se
requerido, ser reconhecido junto àquele, pelo que haverá responsabilidade do tomador pelas
obrigações contratuais trabalhistas.
E não é só. Deverá ser observado, ainda, se a atividade ou serviço é passível de ser
contratada por terceirização.
Sendo constatada qualquer falha ou quebra nos requisitos para a validade da
contratação terceirizada, poderá ser a tomadora de serviços subsidiariamente
responsabilizada pelas verbas trabalhistas daqueles trabalhadores postos a sua disposição.
Cabe ressaltar, no entanto, que, constatada a ilicitude da contratação terceirizada,
recairão sobre a empresa tomadora tanto o vínculo empregatício quanto a responsabilidade
pela quitação das verbas que lhe dizem respeito, em nome do princípio da primazia da
realidade, o que se faz no intuito de evitar contratações fraudulentas.
4.10– Cooperativas
O corporativismo é um meio de organização surgido no Século XX, como meio
alternativo de produção, com vistas à ideia de ajuda mútua, sem objetivo de lucro, mas
103
destinado a um fim econômico em benefício dos que elas integram, sendo o sócio também
usuário.
É uma sociedade de pessoas e possui natureza civil, o que pressupõe a inexistência de
sujeição ao regime da falência.
Alguns requisitos, portanto, determinam a licitude de uma organização cooperativa, tais
como: a adesão voluntária (livre associação), a autonomia (não pode haver subordinação
caracterizando relação de emprego), existência de um objetivo comum (o sócios são os
donos do negócio, não havendo que se falar em relação de emprego), a autogestão e limitação
de cotas (capital social limitado, inacessível a terceiros).
Dentre as diversas formas possíveis de cooperativas (produção, consumo e crédito), não
se encontra a de trabalho, legalmente prevista, estando presente, apenas no art. 442 § único
da CLT a impossibilidade de existência de vínculo entre os associados, não se podendo,
então, negar sua existência.
São conhecidas assim cooperativas de trabalho, tais como: de produção coletiva,
organizações comunitárias, de profissionais liberais autônomos e de mão-de-obra.
No presente capítulo nos concentraremos em tratar do ponto que interessa ao trabalho,
que seria o relativo às cooperativas de mão-de-obra.
Desta forma, a preocupação existente em relação à cooperativa em questão se deve ao
fato da instituição mascarar uma real relação de emprego.
Neste caso, observa-se corriqueiramente nas cooperativas de mão-de-obra o
descumprimento dos requisitos para sua licitude anteriormente elencados (adesão voluntária,
autonomia, objetivo comum, auto-gestão, continuidade, integralidade e viabilidade).
O que acontece, nos casos em que se verifica tratar-se de cooperativa de mão-de-obra
fraudulenta, é a mesma relação entre tomador e cooperativados da empresa prestadora de
mão-de-obra. Não há, em tais casos, prestação de serviços eventuais e autônomos, mas
fraude à legislação trabalhista.
Devemos recordar, todavia, que o direito do trabalho (assim como os demais ramos) é
norteado pelo princípio da boa-fé, sendo repugnado qualquer tipo de fraude ou simulação
104
que venha a transgredir ou desvirtuar o direito dos trabalhadores, gerando nulidade absoluta
dos atos atingidos.
A criação de cooperativas de mão-de-obra simuladas e fraudulentas consistem, assim,
no objetivo de burla ao sistema protetor inerente ao direito do trabalho, no intuito de
precarizar o trabalho, uma vez que, pretendendo o reconhecimento de uma simples prestação
de serviço, mascara-se uma real relação de emprego.
4.11- Terceirização na Administração Pública
A Constituição da República de 1988, informa, em seu art. 37, II, que a investidura
em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso público de provas ou de
provas e títulos138.
Em razão da exigência constitucional da aprovação em concurso público para
investidura em cargo ou emprego público, a Súmula 331 do TST prevê, em seu item II, que,
havendo contratação irregular de trabalhador mediante empresa interposta (terceirização),
não haverá que se falar em formação de vínculo empregatício junto à Administração Pública.
Ainda assim, a possibilidade de contratar terceiros para a realização de atividades-
meio do sistema produtivo está presente na esfera privada ou pública, como ocorre na
contratação de serviços de limpeza, vigilância e serviços temporários.
No âmbito da Administração Pública, o Decreto-Lei 200/67 regulou a necessidade
de descentralização da execução de atividades pela Administração Federal139, bem como, no
138 Art. 37, II da CF: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998), II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego,
na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”. 139 Art. 10 do Decreto-Lei 200/67: “A execução das atividades da Administração Federal deverá ser
amplamente descentralizada”.
105
intuito de conter o inchaço da máquina pública, a previsão de delegação da realização de
matérias executivas, o que será feito de maneira indireta, mediante contrato140.
Posteriormente, em 1993, foi editada a lei de licitações (Lei 8666), estabelecendo
normas sobre licitações e contratos no âmbito da Administração Pública, devendo, em todo
caso, antes mesmo de realizar qualquer contratação, motivar seu ato.
Importante salientar, neste ponto, que também em relação à Administração Pública,
encontram-se presentes os requisitos para licitude da terceirização, quais sejam: inexistência
de subordinação e pessoalidade, no intuito, apenas, de economicidade e especialização.
Também (e mais ainda) no que tange à terceirização nos quadros da Administração
Pública, é necessário atentar-se aos requisitos de sua legalidade. Isto porque, prevê o item
IV da Súmula 331 do TST que, o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do
real empregador (empresa contratada) implicará a responsabilidade subsidiária do tomador,
o que se aplica até mesmo à Administração Pública141.
Não observados atentamente pela Administração Pública o real cumprimento das
obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada e, por seu turno, havendo
condenação subsidiária ao pagamento das verbas inicialmente de responsabilidade desta, o
objetivo de redução de custos imputado aos cofres públicos não será atingido, mas, pelo
contrário, o que haverá será ainda maior oneração.
Nesse ponto é de salutar importância mencionar o embate jurídico acerca da
possibilidade ou não de desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine)142
no âmbito da administração pública em relação às licitações e contratos administrativos.
140 Art. 10, § 7º do Decreto-Lei 200/67: “Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina
administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas,
recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa
privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”. 141 Súmula 331 do TST, item IV: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto
aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial”. 142 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em importante instrumento para coibir abuso
de direito. Isto porque, havendo desvio de função da pessoa jurídica, haverá, também, incongruência entre a
finalidade perseguida e o conteúdo da forma utilizada. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial –
Volume II. 11ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2008., p. 152.
106
A par de inexistirem, no ordenamento jurídico pátrio, dispositivos legais que
autorizem a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em âmbito
administrativo, tal não constitui óbice à sua utilidade prática, uma vez que os princípios
constitucionais que fundamentam o regime jurídico público, possuem indubitável força
normativa143.
Aplicando concretamente a normatividade constitucional dos princípios da
legalidade, moralidade, indisponibilidade e supremacia do interesse público, o Superior
Tribunal de Justiça julgou, recentemente, um recurso em mandado de segurança
reconhecendo a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na esfera
administrativa por evidente fraude à lei e abuso de forma144.
Conclusivamente, há de se destacar, em relação a possibilidade de desconsideração
da personalidade jurídica em âmbito das licitações e contratos administrativos, seu viés
positivo no sentido de coibir a instituição de sociedades com objetivo de prejudicar e fraudar
terceiros, eis que, antes de onerar os cofres públicos, seria necessário atingir o patrimônio
dos sócios da empresa fraudulenta.
Deve-se lembrar que, em relação ao projeto de lei 4302 recentemente transformado
na Lei 13429/2017, nada foi mencionado no que concerne à Administração Pública,
permanecendo a terceirização, neste caso, regida pela Lei 8666/93 (lei de licitações).
O art. 71 da Lei 8666/93 proíbe a responsabilização automática da Administração
Pública145 pelo inadimplemento da empresa contratada em relação às verbas trabalhistas,
pelo que permanece a responsabilidade subsidiária.
Ainda em relação à nova Lei 13429/2017, já em vigor, vem se discutindo acerca da
sua aplicabilidade no que tange à Administração Pública, uma vez que a referida legislação
143 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo,
Malheiros: 2010., p. 344. 144 Superior Tribunal de Justiça – RMS 15166 / BA – Relator: Ministro CASTRO MEIRA – SEGUNDA TURMA
– DJ 08.09.2003 p. 262. 145 Art. 71. “O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato. § 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”.
107
modifica apenas alguns artigos da Lei 6019/74 (terceirização de trabalho temporário) e não
é clara no que tange à sua extensão ao serviço público.
A dúvida e preocupação dizem respeito à abertura de possibilidade de contratação,
pela nova Lei, de trabalhadores terceirizados na atividade-fim da empresa tomadora, o que,
no caso de ser esta a Administração Pública, encontra barreira na exigência constitucional
de concurso público para investidura.
4.12- Reflexos da Terceirização
Vólia Bomfim Cassar, em posicionamento claramente contrário à terceirização alerta
para a crescente condição de subempregos em consequência à redução dos já escassos
direitos trabalhistas, bem como da “sonegação do vínculo com quem é seu real empregador”,
chegando a apontar que tais atos representariam a negativa de uma vida digna ou do mínimo
existencial ao trabalhador”146.
A empresa tomadora dos serviços, além de pretender beneficiar-se com a redução de
custos da produção objetivando maior obtenção de lucro, aproveita-se da contratação
terceirizada pretendendo, também, reduzir sua responsabilidade em razão da legislação
trabalhistas.
Como visto anteriormente, é crescente o número de acidentes e mortes no trabalho
sobretudo dentre trabalhadores terceirizados. O empresariado busca, historicamente, o lucro
exacerbado ainda que às custas da dignidade e da vida do operário.
Toda essa prática, expressa no atual modelo de terceirização, culmina num grave
empobrecimento da população. Na busca desenfreada por qualquer trabalho, ainda que sem
qualquer condição digna.
E assim, mais a mais, os reflexos da terceirização vão criando uma legião de
subempregos, subtrabalhadores e subclasses, no sentido de precarizar, em todos os níveis, o
direito trabalhista tão arduamente construído.
146 CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389.
108
Em larga escala e a longo prazo teremos trabalhadores fragmentados, sem identidade
profissional, desmotivados e emburrecidos pelo próprio sistema.
4.13- PL 4330/2004. Principais pontos de mudança.
Atualmente o tema em debate vem ganhando maior visibilidade não só pelo crescente
número de ações judiciais na Justiça do Trabalho envolvendo fraudes nas contratações
terceirizadas como pela tramitação no Congresso da PL 4330, também conhecida como
projeto da terceirização.
O referido projeto, como se sabe, vem causando grande impacto no mundo jurídico,
dividindo opiniões de doutrinadores e julgadores acerca das mudanças pretendidas147.
De acordo com a PL 4330, não haveria mais qualquer proibição no que tange à
contratação de trabalhadores terceirizados, explica-se: se, atualmente, só é permitida a
contratação de trabalhadores terceirizados nas situações permitidas por lei e/ou em se
tratando de atividade-meio do tomador. Se transformado em lei o projeto, passar-se-á a
autorizar a contratação, de forma terceirizada, em qualquer ramo de atividade, sendo estas
de meio ou fim148.
O alargamento da possibilidade de terceirização para qualquer ramo de atividade é a
principal mudança prevista pelo projeto de lei, havendo, contudo, de se analisar as diversas
nuances da reforma.
Vale ressaltar que, como visto anteriormente, a terceirização, atualmente,
compreende uma situação de extrema exceção, tendo em vista que contraria as principais
regras e princípios historicamente desejados e pregados pelo Direito Laboral.
O contrato de trabalho que sempre foi bilateral passaria desordenamente a
trilateralidade (nos casos em que efetivada a terceirização) e o vínculo empregatício passará
147 O ponto mais nevrálgico do PL 4330/04, aponta Teixeira dos Reis, é a possibilidade de terceirização da
atividade-fim, dos serviços finalísticos que justificam a existência da empresa. Não haverá qualquer limite à
terceirização nem à precarização. REIS, Jair Teixeira dos. A terceirização vista pela auditoria fiscal do
trabalho. Revista Jurídica Consulex, nº. 359, 2012, p. 15.
148 http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/04/27/quadro-pl-4.330
109
a se dar junto a uma empresa interposta e não mais com o tomador, onde, em regra, o
trabalhador presta o serviço.
Consta, assim, do referido projeto, em seu §2º, art 4º que “o contrato de prestação
de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou
complementares à atividade econômica da contratante”. Em rápida análise, pode-se
assegurar que o projeto pretende possibilitar a terceirização da atividade-fim da empresa.
Neste caso, não seria mais necessária a distinção que hoje se faz entre o que
compreenderia atividade-meio e fim dentro de uma empresa. Se ambas as atividades
passarem a ser passíveis de contratação terceirizada, não mais importará a função a ser
desenvolvida na cadeia produtiva.
Ocorre que, se, para muitos, a subtração dos termos representaria um avanço, por
representarem insegurança jurídica, tal não se resolverá. É que o projeto de lei prevê, todavia,
que poderá haver terceirização de qualquer atividade à empresa especializada e que preste
serviços determinados e específicos.
Ora, a insegurança jurídica que tanto se debate da dificuldade de balizamento dos
termos atividade-meio e atividade-fim permanecerá, apenas sendo substituída pela celeuma
de se determinar quais seriam os serviços especializados e o que consistiria determinação e
especificidade.
No campo prático há previsão de que a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas
não honradas se deem de forma subsidiária, ou seja, a empresa tomadora só será aciona e
responsabilizada após esgotarem-se todos os recursos de cobrança em relação à empresa
contratada.
O que se conclui do referido projeto é que a prática da terceirização ilegal, com intuito
de reduzir os custos da mao-de-obra e até mesmo de tornar inexequíveis as condenações, é
nítido da permissibilidade de terceirizações irrestritas e indiscriminadas, de forma sucessiva,
o que dificultará sobremaneira a percepção dos créditos trabalhistas e precarizará, ainda
mais, o trabalho.
110
4.13.1 – Quarteirização
O art. 2º, § 1º do PL 4330, informa que “a empresa prestadora de serviços contrata
e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para
a realização desses serviços”.
Há previsão, assim, de quarteirização, que consiste na possibilidade da empresa
contratada para a prestação dos serviços também poder contratar outra empresa terceirizada
que complementará a produção ou desempenhará toda a atividade terceirizada. Isso porque,
não consta, no artigo acima citado, qualquer limitação quanto ao tema.
Outra teoria aponta que a quarteirização consistiria na contratação, pela empresa
tomadora de serviços, de uma empresa responsável pela administração e gerenciamento da
atividade terceirizada a uma empresa prestadora. Nesse caso, outra nomenclatura utilizada
para a mesma situação seria a de “gestão facilitada”149.
É certo que, se, por um lado a empresa tomadora de serviços tem o objetivo de obter
cada vez mais lucro dentro de um sistema capitalista globalizado, por outro, tal majoração
de resultados não é sadia para o trabalhador.
Para que se possa aumentar a lucratividade e especializar a produção, tem-se utilizado
formas amplamente combatidas pela jurisprudência, como a terceirização e quarteirização.
É que em tais casos, vê-se diminuir mais a mais os direitos dos trabalhadores, além do seu
afastamento da estrutura empresarial e precarização do labor.
O trabalhador do Século XXI, terceirizado e, por que não, quarteirizado, é apenas
mais um número na cadeia produtiva e não um ser humano prestador de serviço socialmente
valorizado.
Não é demais ressaltar, que a cada afastamento do trabalhador em relação ao tomador
através da intermediação de mão-de-obra, o que se tem é maior margem para sonegação de
direitos trabalhistas e burlas à legislação através de contratos simulados.
149 FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. Revista
LTr. p. 22.
111
4.14 - A Terceirização no mundo
Como se sabe, os Estados Unidos adotam uma política econômica liberal, pelo que
se observa ínfimo controle e intervenção do Estado e isso reflete, indubitavelmente, na
proteção e regulamentação dos direitos trabalhistas.
O fato de não possuir uma Consolidação de Leis trabalhistas naquele país, não
significa, contudo, a inexistência de regras. Existem, atualmente, algumas legislações de
nível federal que estabelecem regras mínimas sobre pagamentos dos trabalhadores, que, cabe
dizer, diferentemente do Brasil, é contabilizado por hora de trabalho e não de forma mensal
fechada, bem como sobre as horas extras por eles prestadas.
Em relação especificamente ao trabalho terceirizado, os Estados Unidos não fazem
qualquer distinção entre atividades-meio e atividades-fim, sendo permitida a irrestrita
terceirização, o que se dá devido a política liberalista econômica adotada.
Outros países, tais como Alemanha, China150, Noruega, Suécia, Bélgica e Colômbia,
também não fazem qualquer distinção entre quais atividades podem ou não serem
terceirizadas, sendo tal decisão de livre escolha pelas empresas.
Um estudo realizado pela Confederação Nacional de Indústria (CNI) aponta que, com
a aprovação do texto da PL 4330/2004, pendente de apreciação pelo Senado Federal, o Brasil
seja igualado a tais potências.
Do ponto de vista do setor privado, sobreposto nos países de política econômica
liberal, a decisão sobre terceirizar ou não deve ser tomada pela empresa, em nome do
princípio da livre iniciativa.
150 Dentre os países Asiáticos é notória a precarização do trabalho, chegando-se ao tratamento em condição
análoga a de Escravos. Aponta Marcio Tulio uma reportagem retirada do jornal Estado de São Paulo, de autoria
do jornalista Jamil Chade, que países como Bangladesh são extremamente fornecedores de mercadorias (neste
caso, têxteis), contando com uma legião de quatro milhões de trabalhadores para suprir a demanda do mercado.
Ocorre, que, aponta a matéria, 90% desses trabalhadores ganham apenas cerca de um dólar por dia. Isso ocorre
devido a alta flexibilidade da legislação trabalhista, sendo o menor salario mínimo mensal do mundo. Viana,
Marcio Tulio, ob. Cit., p. 61.
112
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo precípuo analisar detalhadamente o tema da
terceirização, sua conceituação, características principais, modalidades, enquadramento
legal e seus efeitos, para, ao final, concluir acerca da sua importância ou reflexos positivos
ou negativos no cenário atual.
Para tal, necessário se fez analisar, historicamente, o contexto social em que nasceu
e foi institucionalizado o Direito do Trabalho. Notamos, a partir de tal estudo, que este ramo
jurídico nasceu e se expandiu de diferentes formas nos países capitalistas, podendo ser
caracterizado por fases.
Como visto no início do estudo acerca da evolução histórica do Direito Laboral, os
autores apontam como marcos principais o “Manifesto Comunista” de Marx e Engels,
publicado em 1848; a Encíclica Católica Rerum Novarum, de 1891; a formação da OIT e
Constituição Alemã, em 1919 e a Constituição Mexicana, de 1917151.
Anteriormente à constitucionalização laboral, o que existiam eram manifestações e
legislações esparsas, ainda muito primitivas, tais como as do início do Século XIX, que
visavam diminuir a exploração do trabalho da mulher e do menor, nada no sentido de originar
a criação de um ramo jurídico próprio.
O final do Século XIX foi marcado, ainda, pela crescente força sindical e das
negociações coletivas nos países europeus, em resposta a arbitrariedade e a todo tipo de
exploração e abuso que vinha oprimindo a classe trabalhadora, o que culminou, ainda, com
a edição da Encíclica Rerum Novarum, através da qual a Igreja Católica recomenda a
regulação das Leis Trabalhistas.
O Século XX, então, foi marcado pelo início da constitucionalização do Direito do
Trabalho, o que se deu de forma inaugural pelas duas Constituições mencionadas, a Alemã
e a Mexicana.
151 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012., p. 90.
113
Foi no Século XX, então, que o Direito do Trabalho conheceu sua autonomia, sendo
sua normatização através da atuação coletiva dos trabalhadores, de forma negocial, ou
através da formulação de regras Estatais.
Após a Segunda Guerra Mundial, no final do Século XX, o direito do trabalho já se
encontrava constitucionalizado e institucionalizado, sendo o Estado responsável pela
promoção social e organizador da economia.
Nesse momento, após séculos de escravidão, exploração e toda sorte de abusos,
passou a ser incentivado o valor do trabalho, a dignidade da pessoa humana, os princípios
fundamentais e a luta por justiça social.
A partir da década de 80, no entanto, observou-se a crescente crise econômica
mundial que fez se instalar a inflação e o desemprego, acentuados ainda, pela alta
tecnológica, que robotizava, cada vez mais, o trabalho.
A crise gerada pela automação dos meios de produção, que culminavam no
fechamento de diversos postos de trabalho fez com que muitos autores falassem, inclusive,
numa futura sociedade sem trabalho152.
Diante do cenário de crise, do fechamento de diversos postos de trabalho e da
substituição constante de trabalhadores por máquinas, levando à sua irrelevância no processo
produtivo, acompanhamos o surgimento de modalidades atípicas de contrato de trabalho.
Aliado a isso, a efetivação da globalização econômica, caracterizada pela expansão
do mercado internacional, aumento da concorrência e bens de produção e consumo originou
uma transformação do capitalismo liberal, em consequência da evolução tecnológica e da
rapidez das comunicações153.
A busca incessante pela maior obtenção de lucro pelo menor custo possível de
produção, um dos pilares da globalização capitalista, causa ainda maior abismo entre as
152 De acordo com Leonel Moura, o aumento do desemprego não é uma situação conjuntural e sim uma
mudança de paradigma civiizacional, uma vez que a sociedade agora organizada em torno do trabalho caminha
para a irrelevância deste. Prossegue o autor afirmando que é ilusão imaginar que uma retomada econômica será
a solução para o desemprego, já que caminhamos para a desvalorização do trabalho humano no processo
produtivo. MOURA, Leonel. A sociedade sem trabalho. Disponível em
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/leonel-moura/detalhe/a_sociedade_sem_trabalho.
Acessado em 26/06/2017. 153 GONÇALVES, Reinaldo. Globalização financeira e globalização produtiva. A nova economia
Internacional: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1998., cap. 7.
114
classes burguesa e operária, ao passo que contribui, junto com a automação industrial, para
o crescente desemprego.
Nesse cenário, formas atípicas de trabalho, que não aquelas baseadas no contrato
bilateral, com subordinação jurídica, habitualidade, pessoalidade e onerosidade começam a
surgir.
Isso porque os adeptos do neoliberalismo passaram a pregar, então, diante da crise
aliada ao desemprego em massa (desemprego estrutural) a necessidade de flexibilizar os
direitos dos trabalhadores, alegando, neste ínterim, que o excesso de garantias previstas nas
legislações é que seriam responsáveis pela instauração da crise econômica.
Uma das formas, então, de flexibilizar as relações trabalhistas, no ordenamento
jurídico brasileiro, no intuito de acelerar a obtenção de lucro com menor custo foi através da
contratação de trabalhadores de forma terceirizada. Já em Portugal, como visto, apesar de
não se discutir à respeito do tema da terceirização, também foram criadas formas de
flexibilização dos direitos trabalhistas através do modelo de contratação atípico, no que
corresponde, especificamente, ao trabalho temporário.
O tema é polêmico e divide opiniões de especialistas, não havendo que se falar na
existência de qualquer pacificação neste sentido.
Tanto no Brasil quanto em Portugal encontramos, por um lado, aqueles que acreditam
tratarem-se os institutos (terceirização e trabalho temporário, respectivamente) de formas
mais modernas de contratação, ao que se acompanha a evolução tecnológica e as
necessidades do mundo globalizado. Os adeptos desta linha de pensamento, sobretudo
neoliberais, fundamentam na livre iniciativa a licitude da medida flexibilizadora, uma vez
que não cabe ao Estado restringir a forma como o empresário ou dono do meio de produção
administra e gere sua cadeia produtiva.
Por outro lado, encontram-se os que acreditam que a terceirização, assim como o
trabalho temporário na forma prevista pelo ordenamento jurídico português, não são o único
caminho possível para solucionar a crise econômica mundial. Tais adeptos entendem que os
direitos trabalhistas já se encontram por demais flexibilizados que os efeitos deletérios de
tais modalidades de contratação ferem o princípio maior da dignidade da pessoa humana.
115
Como se percebe, o cenário mundial aponta para uma crise de existência do direito
do trabalho, através da qual os neoliberais defendem sua flexibilização e até mesmo
desregulamentação, sob a máxima de que qualquer emprego é melhor que nenhum emprego.
Acreditando, no entanto, que exista progresso na terceirização.
No presente trabalho concluímos e perfilhamo-nos ao entendimento daqueles que
acreditam tratarem-se as modalidades de contratação flexibilizada já citadas (terceirização
no ordenamento jurídico brasileiro e trabalho temporário no português) de formas, em regra,
de retrocesso social.
Salvo os casos legais expostos de contratação terceirizada dos serviços de vigilância;
da possibilidade de terceirização temporária (no caso de necessidade transitória de
substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou de necessidade
resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa); dos serviços especializados
relacionados à atividade-meio do tomador e dos serviços de conservação e limpeza e, mesmo
assim, com ressalvas, não pode ser a terceirização considerada uma forma de modernização
e progresso da legislação laboral.
As ressalvas aqui mencionadas dizem respeito à subjetiva e, portanto, vulnerável,
definição de atividade-meio e atividade-fim, que como visto em momento oportuno, por falta
de definição concreta, acaba por gerar inúmeras decisões judiciais diversas, dando azo,
inclusive, a interpretações de cunho pessoal e culminando, por fim, na insegurança jurídica.
Da mesma forma, não existe parâmetro concreto capaz de definir o que seriam atividades
especializadas, pelo que, sem um posicionamento nítido do Poder Legislativo, tais
denominações acabam por perpetuar injustiças.
Também o ordenamento jurídico português apresenta termos de definição subjetiva,
tais como, atividades de necessidade permanente ou transitória, com a finalidade de justificar
a possibilidade da contratação atípica temporária e, assim como no caso de nomenclaturas
indefinidas no Brasil, sofre inúmeras críticas.
Vistas tais ressalvas, cabe salientar que, mesmo em relação aos casos independentes
dessas definições, outras medidas deveriam ser tomadas para que a flexibilização já existente
não culmine em mais precarização e desvalorização social do trabalho. Para tanto, caberia
ao Legislador comprometer-se com os direitos sociais de forma a eliminar as consequências
116
deletérias dessas medidas, proibindo diferenças salariais, prevenindo mortes e acidentes de
trabalho, reformulando os meios de sindicalização e exigindo maior fiscalização quanto à
consistência financeira das empresas prestadoras, bem como a solidariedade das empresas
tomadoras quanto a responsabilidade pelos créditos trabalhistas.
Porém, o que se vê é o rumo do direito laboral em direção à precarização, à
desvalorização, à desigualdade e ao aviltamento da dignidade da pessoa humana. O trabalho
precário acentua ainda mais o abismo entre classes, desmotiva o trabalhador e lhe rouba a
autoestima gerada pela produtividade do trabalho valorizado.
O ser humano produz, não apenas para vender sua força de trabalho e suas
habilidades em troca de dinheiro para sobreviver, mas também para se sentir útil, para
satisfazer suas necessidades ideológicas e criativas. É a sensação de auto estima, fruto do
trabalho que motiva o ser humano, que o dignifica numa existência produtiva. Por todos
esses motivos, o valor social do trabalho está acima das crises do mercado financeiro, que é
no campo dos estudos monetários que deverá se resolver (através da redução da carga
tributária, por exemplo). A livre iniciativa está limitada pelo princípio maior que é o da
dignidade da pessoa humana. Está a serviço deste e não ao contrário.
Ademais, à despeito da falaciosa ideia de que qualquer direito e qualquer trabalho
são melhores que nenhum direito ou nenhum trabalho é que observamos a banalização dos
casos legalmente previstos como exceção154 (contratações atípicas) e, por consequência,
reduzimos, ao longo do tempo, o direito de todos os trabalhadores em troca de maior lucro
para o empresariado155.
É neste sentido que ruma, então, uma sociedade em direção ao trabalho, em regra,
precário, aumentando ainda mais o abismo social entre as classes, onde os donos da produção
154 AMADO, João Carlos Conceição Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p.
98/102. 155 “Os índices de desemprego atingiram 5% da PEA nessa época. Hoje, mais de 4 anos de vigência desta
legislação flexível, o índice de desemprego em Portugal aumentou para pouco mais de 8%. Conclusão: a nova
lei flexível não serviu de mecanismo eficiente para o combate ao desemprego”. Como bem informa
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117
continuarão dominando e explorando a classe trabalhadora, que, cada vez mais oprimida e
explorada, aceita o que lhe cabe, por ser melhor que nada.
118
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