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Provedor de Justiça Relatório à Assembleia da República 1999 L i s b o a 2000

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Provedor de Justia

Relatrio Assembleia

da Repblica1999

L i s b o a2000

Ttulo - Relatrio Assembleia da Repblica - 1999Editor - Provedoria de Justia - Diviso de DocumentaoComposio - Provedoria de Justia - Ncleo de InformticaImpresso e acabamento -Tiragem - 400 ex.Depsito legal -ISSN 0872 - 9263

____________________Provedoria de Justia, Rua do Pau de Bandeira, 7- 9, 1249-088 Lisboa.

Telefone: 21 392 66 00. Telefax: 21 396 12 43. Internet: [email protected]

Em cumprimento do disposto no artigo 23., n. 1, do Estatutodo Provedor de Justia, aprovado pela Lei 9/91, de 9 de Abril,tenho a honra de apresentar Assembleia da Repblica o meurelatrio anual de actividades relativo a 1999.

Como habitual, no mesmo se encontra referncia aos aspec-tos mais importantes da actuao do Provedor de Justia du-rante o ano a que respeita, completando-se a sua leitura com ado relatrio especial relativo ao sistema prisional.

No vigsimo quinto aniversrio da criao do Provedor de Jus-tia, 21 de Abril de 2000

O Provedor de Justia,

Jos Menres Pimentel

u m r i o

I n t r o d u o ..................................................................................................................9

I - DA ACTIVIDADE PROCESSUAL

1. Dados estatsticos ...................................................................................................241.1. Comentrio aos dados estatsticos ..............................................................38

2. Casos significativos

2.1. Assuntos poltico-constitucionais e direitos, liberdades e garantias,ambiente, urbanismo e ordenamento do territrio, cultura e comunica-o social, caa e pesca, turismo e jogo

2.1.1. Recomendaes .......................................................................................462.1.2. Resumos de processos anotados .........................................................307

2.2. Assuntos financeiros, economia e emprego, direitos dosconsumidores

2.2.1. Recomendaes .....................................................................................3212.2.2. Resumos de processos anotados .........................................................455

2.3. Assuntos sociais: educao, segurana social, sade,menores e desporto

2.3.1. Recomendaes .....................................................................................4732.3.2. Resumos de processos anotados .........................................................612

2.4. Assuntos de organizao administrativa e funo pblica2.4.1. Recomendaes .....................................................................................6232.4.2. Resumos de processos anotados .........................................................641

2.5. Assuntos judicirios e penitencirios, defesa nacional, seguranainterna e trnsito, registos e notariado

2.5.1. Recomendaes .....................................................................................6452.5.2. Resumos de processos anotados .........................................................674

S

2.6. Assuntos Poltico-constitucionais e inspeces2.6.1. Recomendaes..................................................................................... 6792.6.2. Pedidos de fiscalizao da constitucionalidade ............................... 7682.6.3. Inspeces .............................................................................................. 885

2.7. Extenso da Provedoria de Justia nos Aores ............................ 901

3. Acrdos do Tribunal Constitucional publicados neste ano em resposta ainiciativa do Provedor de Justia................................................................1177

II - DA ACTIVIDADE EXTRAPROCESSUAL

1. Participao do Provedor de Justia em reunies internacionais1.1. I Reunio da Comisso de Acompanhamento

Da Declarao de Marrakesch.............................................................. 11831.2. Reunio sobre "Derechos Humanos y Defensor

del Pueblo ante el Nuevo Milenio"...................................................... 11831.3. Seminrio sobre "Les Mdiateurs et le Trait d'Amsterdam

et L'Integration Europenne"................................................................ 11841.4. IV Congresso Anual da Federao

Ibero-Americana de Ombudsmen ........................................................ 11841.5. II Curso de Fortalecimento Institucional

do Ombudsman Ibero-americano......................................................... 11861.6. Conferncia "A Preveno da Tortura

na Alvorada do novo milnio".............................................................. 11871.7. Jornadas Comemorativas do 10 Aniversrio

da Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana.... 1192

2. Discursos e intervenes do Provedor de Justia2.1. Interveno do Provedor de Justia na Cerimnia de

Lanamento do livro "a Provedoria de Justia na Salvaguardados Direitos dos Homens"..................................................................... 1197

2.2. Texto do Provedor de Justia escrito a convite da Comissode Mulheres da UGT para uma Brochura Comemorativa do25 Aniversario do 25 de Abril, e subordinada ao tema"a Igualdade de Oportunidades no ps-25 de abril" ........................... 1198

2.3. Seminrio "Agir e Reagir - Prevenir a Violncia contraas Pessoas Idosas", promovido pelaUnio das Mutualidades Portuguesas .................................................. 1203

2.4. Conferncia Proferida pelo Provedor de Justia naFaculdade de Direito de Coimbra, integrada no Ciclo deConferncias "Perspectivas da Realizao do Direito e dosValores que ele Integra e Vecula no incio do Terceiro Milnio". 1214

2.5. Interveno do Provedor de Justia no Seminrio"Descentralizao e Modernidade: Uma nova administrao paraum novo sculo" Promovido pelo CEDREL (Centro de Estudos para oDesenvolvimento Regional e Local) ....................................................1233

2.6. Interveno do Provedor de Justia no Almoo/Debatesubordinado ao temaa Provedoria de Justia e o Contributo paraPaz Social nas Empresas promovido pela Associaao Portuguesade Management........................................................................................1235

2.7. Interveno do Provedor de Justia no IX Colquio sobre "Atitu-des/Comportamentos/Toxicodependncia"promovido pelo PROSALIS ..................................................................1245

2.8. Discurso proferido no Colquio "Impunidade e Direito Memria"a convite da Fundao Humberto Delgado....................1257

2.9. Ciclo de Conferncias Promovido pela Ordem dos Advogados .....12672.10.Sobre o Exerccio do Direito da Cidadania Conferncia

proferida no Salo Nobre da Cmara Municipaldas Caldas da Rainha a convite do Plo Universitrionesta Cidade da Universidade Autnoma de Lisboa.........................1288

2.11. Simpsio sobre "Comisses de tica e seus Objectivos"Faculdade de Medicina de Lisboa........................................................1300

2.12. Intervenes escritas do Provedor de Justia no Seminrio sobre"Les Mdiateurs et le Trait d'Amsterdamet l'Integration Europenne"..................................................................1305

2.13.Interveno do Provedor de Justia a Propsito de Timor Leste ....13172.14.Conferncia "a Preveno da Tortura na Alvorada

do Novo Milnio" Conselho da Europa, Estrasburgo.......................1322

3. Actividade da Linha Verde "Recados da Criana" ................................ 1329

4. Actividade da Linha do Cidado Idoso....................................................... 1341

Fernando Brbera/Impala

INTRODUO

I. No momento em que escrevo estas linhas, cumpriram-se j mais de oito anos desdeque a Assembleia da Repblica me designou para o meu primeiro mandato como Pro-vedor de Justia no dia 14 de Janeiro de 1992. Penso pois justificar-se, em jeito de ba-lano, descrever, com inevitvel brevidade certo, os principais momentos que estaInstituio viveu desde aquela data at ao presente.

1. Quando iniciei o exerccio da minha novel funo como Provedor, vrios eram osproblemas com que se debatia a Provedoria de Justia. Desde logo, a exiguidade dasinstalaes no edifcio da Avenida de 5 de Outubro criava um constrangimento inultra-passvel actividade deste rgo do Estado. Este problema foi resolvido, nesse mesmoano, com a aquisio e transferncia dos servios para as actuais instalaes, facto queocorreu em 14 de Dezembro de 1992.

Outro tipo de problemas, estes estruturais, prendia-se com a Lei Orgnica da Provedo-ria, datada de 1978, manifestamente inadequada s necessidades do servio. Este pro-blema foi alis aquele ao qual dediquei prioritariamente a minha ateno, tendo promo-vido a elaborao de um projecto de lei orgnica que entreguei ao Governo em 14 deMaro de 1992. A segunda prioridade a que dediquei a minha ateno foi a renovaodo sistema informtico da Provedoria.

2. O ano de 1993 teve impacto sobre a Instituio em duas vertentes essenciais e com-plementares. Por um lado, a publicao do decreto-lei n. 279/93, de 11 de Agosto, queaprovou a Lei Orgnica e, por outro, a renovao do quadro tcnico da Provedoria. Apartir dessa data iniciou-se uma revitalizao com a admisso de novos assessores e co-ordenadores, bem como com a nomeao de dois novos provedores-adjuntos, Dr MariaMadalena Diener de Oliveira e Dr. Antnio Nadais. Remodelou-se tambm a estruturada assessoria que ficou composta por cinco reas temticas.

Esta nova disposio e preenchimento quase total dos lugares de assessores e coordena-dores, a par da nova forma de tramitao processual consistente com a dinmica impri-mida, permitiram recuperar atrasos de anos, controlar o servio e atenuar os efeitos dapendncia de cerca de 7000 processos existente em 1992.

Foi neste ano posto em funcionamento um novo modo de interveno do Provedor deJustia, a linha verde Recados da Criana, pretendendo dar resposta s carncias par-ticularmente sentidas pelos menores.

3. Durante o ano de 1994 procurou-se consolidar a reforma interna e concluiu-se o pre-enchimento do quadro da assessoria. Foi tambm neste ano que introduzi um novo pro-cedimento interno.

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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Como deixei escrito na Introduo do Relatrio de 19941: 1992 foi o ano da infra-estrutura fsica; 1993 foi o ano da infra-estrutura orgnica; 1994 foi o ano da infra-estrutura procedimental .

Nesse ano, em Junho, ao nvel das relaes externas, com a colaborao do Conselho daEuropa e com o precioso auxlio da Assembleia da Repblica, organizou-se em Lisboaa IV Mesa Redonda dos Ombudsmen Europeus.

4. A actividade desenvolvida no ano de 1995 ficou marcada pela consolidao das re-formas iniciadas pelo signatrio nos anos anteriores. Sem a aquisio de instalaesprprias e funcionais, sem a nova lei orgnica da Provedoria de Justia, sem a restrutu-rao dos servios e procedimentos, revelar-se-ia dificultado Provedoria de Justia,enquanto apoio do Provedor, exercer de modo pleno e satisfatrio o quadro das suascompetncias. Exemplo disso e que no posso deixar de assinalar, foi o conjunto de inspeces reali-zadas a esquadras da Polcia de Segurana Pblica em Lisboa e nos seus concelhos li-mtrofes, de onde resultou a formulao de recomendao ao Governo, tendo em vista osuprimento das insuficincias observadas. Pela primeira vez, na actividade da Provedo-ria, foi realizada uma inspeco durante o perodo nocturno e mobilizando cerca de du-as dezenas de intervenientes. Do mesmo passo, concluiu-se celeremente o relatrio so-bre os acontecimentos ocorridos em Dezembro de 1994 na Marinha Grande, na sequn-cia de conflitos laborais. Merc de um grande esforo, possvel pela actividade paulatinamente efectuada nosanos precedentes, conseguiu-se, pela primeira vez em 1995, reduzir em muito o nmerode processos pendentes. Este foi o quarto ano, nos vinte que ento contava a Instituio,em que o nmero de arquivamentos foi superior ao de processos organizados e o pri-meiro em que tal saldo se revelou significativo. 5. O ano de 1996 foi inicialmente marcado pela minha reeleio para o cargo de Prove-dor de Justia, por alargada maioria, facto de realar por ter sido a primeira vez na his-tria da Instituio que se renovou a confiana na mesma pessoa. No foi sem hesita-o que aceitei o pesado encargo da recandidatura: o primeiro mandato custou muitoem sacrifcio pessoal pela profunda reformulao de mtodos de trabalho, ultrapassandoa consequente resistncia mudana, tudo motivando um certo desgaste de energias.

J em 1996 foi possvel, depois de um complicado e moroso processo negocial, facilitaro acesso dos residentes na Regio Autnoma dos Aores ao Provedor, com a criao deuma extenso sediada em Angra do Herosmo.

1 Relatrio do Provedor de Justia Assembleia da Repblica 1994, Lisboa, 1995, p.7.

Introduo____________________

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Motivado por um grave motim no Estabelecimento Prisional de Caxias, no incio de1996, como se tinham avolumado queixas sobre o nosso sistema prisional, resolvi pro-ceder a um levantamento exaustivo da situao em todos os estabelecimentos em vezem vez de uma investigao pontual. Foi tarefa esgotante para a qual quase toda a As-sessoria foi mobilizada durante o perodo inicial de ms e meio, com outro perodoidntico em que se centrou o trabalho numa das reas da Assessoria e no meu Gabinete.Foi produzido, em sequncia, um relatrio no meramente descritivo, mas apontandosolues concretas e fundamentadas no sentido de colocar este sector fundamental aoservio de uma correcta poltica criminal. Este estudo, que originou quase duas cente-nas de recomendaes dirigidas a Sua Excelncia o Ministro da Justia, foi vertido emrelatrio especial dirigido Assembleia da Repblica em 5 de Maro de 1997.

Saliento, ainda no ano de 1996, ter sido possvel em curtssimo espao de tempo obteralguma reparao no caso de todos conhecido que ocorreu no posto da GNR de Saca-vm. Muito antes do julgamento em primeira instncia do crime de homicdio praticadopor agentes da autoridade, conseguiu-se, atravs de proposta aceite pelo Governo, o pa-gamento de uma indemnizao atempada aos herdeiros da vtima. Aqui est um exe m-plo muito significativo da concretizao de uma das funes primordiais do Provedorde Justia: evitar, atravs de processo expedito, os inconvenientes da morosidade dosistema judicirio.

Noutra vertente, eventualmente devido a uma maior visibilidade da Instituio, o nme-ro de queixas subiu de 3399 no ano anterior para 5767 em 1996, o que, como natural,originou o aumento do nmero de processos pendentes.

6. No ano de 1997 a pendncia de processos continuou grande, registando ainda um pe-queno aumento relativamente ao ano anterior. de referir que o nmero de processosarquivados em 1997 atingiu o total de 5032, quando em 1996 esse nmero se tinha que-dado pelos 4117. Note-se que quase metade dos processos abertos em 1997 foram ter-minados no decurso desse mesmo ano, para o que contribuiu o estabelecimento de umaforma de procedimento interno relativamente a casos que podem ser resolvidos a con-tactos telefnicos directos.

Foi tambm neste ano introduzida a possibilidade de apresentao de queixa por correioelectrnico e criada a homepage desta Instituio. De igual modo continuou-se a proce-der ao melhoramento do sistema informtico.

De realar, ainda, o incio das diligncias para a instalao de uma extenso da Prove-doria de Justia na Regio Autnoma da Madeira.

Ainda no ano de 1997 h a salientar a particular importncia assumida pela actividadede mediao, particularmente notria no caso da TAP e no designado caso das porta-gens do Oeste. No primeiro caso estava em causa um conflito laboral motivado por di-

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vergncias quanto s condies de trabalho dos pilotos da TAP. No segundo caso eracriticada a bondade da deciso do Governo em criar portagens nos troos do IP6 e IC1,transformando estes itinerrios em auto-estradas quando inexistiam vias ferrovirias ourodovirias alternativas. Em ambos os processos foram formuladas recomendaes eem ambos os casos a situao objecto de queixa sofreu considervel evoluo em senti-do mais equilibrado para os interesses em presena.

Em 1997 chegou tambm ao fim o processo referente falta de regulamentao legaldas condies tcnicas e de segurana dos parques aquticos, j que, aps recomenda-es dirigidas ao Governo e Assembleia da Repblica em 1995 e 1996, veio a ser pu-blicado o Decreto Regulamentar n. 57/97, de 31 de Maro.

7. Em 1998 foi alterada a Lei Orgnica da Provedoria de Justia. Para alm de algunsaperfeioamentos decorrentes da prtica dos anos decorridos e da reflexo pela mesmasuscitada, veio o decreto-lei 15/98, de 29 de Janeiro, a alargar o quadro da assessoria.Na sequncia deste aumento do quadro, criou-se uma sexta rea, distinta das demaiscinco por se definir em funo de um critrio formal em vez de material. Assim, novarea competiu o tratamento de todos os processos em que se encarasse como possvel autilizao dos poderes de iniciativa em matria de fiscalizao da constitucionalidade,quer por aco, quer por omisso, mais lhe cabendo a realizao preferencial ou coor-denao de visitas de inspeco, nos termos dos artigos 21., 1, a), e 17., do Estatutodo Provedor de Justia.

Na sequncia de tal reestruturao, foi levada a cabo uma nova inspeco ao sistemaprisional, com visita aos cinquenta e quatro estabelecimentos do continente e ilhas, ten-do em vista a apreciao da evoluo sofrida desde 1996. Estas visitas decorreram entre12 de Outubro e 11 de Novembro de 1998, de tudo resultando um relatrio especial pu-blicado em 1999, de que adiante se far breve referncia.

Neste ano foram ainda realizadas algumas visitas a estabelecimentos de sade da regiodo Porto, apurando a evoluo sofrida na situao alvo de recomendaes de diversaordem em 1997.2

Foi ainda divulgado o relatrio sobre a inspeco ao Servio Nacional de Proteco Ci-vil e ao seu homlogo da Regio Autnoma dos Aores, em consequncia das sua actu-ao nas cheias de Outubro-Novembro de 1997. 3

De realar, por fim, que a taxa de eficcia no ano de 1998 atingiu cerca de 85%, o quese traduziu na percentagem mais elevada at hoje verificada.

2 Cfr. Relatrio de 1998, pp. 599 e 517.3 Este relatrio foi publicado na ntegra, constituindo o Anexo II do Relatrio Assembleia da Repblica 1998.

Introduo____________________

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8. Facto de relevo no ano de 1999, foi, sem dvida, a criao de uma linha telefnicadestinada aos idosos, para um tratamento especfico e rpido. A criao de condiespara a plena participao social de todas as faixas etrias, o fcil acesso das pessoasidosas aos benefcios que lhes so concedidos, bem como o simples exerccio dos seusdireitos enquanto cidados, so algumas das razes que me levaram a criar a Linha doCidado Idoso.

A criao de uma linha telefnica destinada populao idosa torna-se assim um ve-culo de inestimvel valor e versatilidade. Alm da facilidade de acesso, a Linha do Ci-dado Idoso abrange uma rea de interveno que cobre todo o territrio nacional epermite sigilo na sua utilizao.

9. Em 1999 ocorreu o maior nmero de queixas de sempre, com 6640 novos processos,logrando-se, apesar desse facto, diminuir o nmero de processos principais pendentes(de 5726 em 1 de Janeiro de 1999 para 4519 no final desse ano) e manter a taxa de su-cesso em cerca de 79%.

II. Como casos mais significativos ocorridos em 1999, de que se dar notcia detalhadano captulo respectivo, permito-me salientar aqueles que, de algum modo, ilustram quera essncia da actividade deste rgo do Estado, quer aqueles que, pela sua dimenso econsequncias, assumiram um relevo particular.

10. No mbito dos direitos, liberdades e garantias, destaco uma queixa relativa a buscasdomicilirias determinadas por razes tnicas. Um cidado de etnia cigana queixou-sede que foi alvo de uma busca domiciliria pelo facto de ser cigano e que tal lhe causougrandes transtornos pessoais e profissionais, tendo em conta que vive numa cidade deprovncia, onde uma actuao policial deste tipo implica, inevitavelmente, um srioatentado reputao e ao bom nome.

Apurou-se que tal actuao tinha resultado de relatrio policial e deciso judicial dembito genrico de ndole claramente discriminatria e xenfoba.

Sendo a aco descrita terminantemente proibida pelo princpio da igualdade e pelosdemais princpios fundadores de um Estado de Direito Democrtico baseado no plura-lismo e na garantia da efectivao dos direitos e liberdades fundamentais, sugeri aoComandante-Geral da G.N.R. a adopo das medidas adequadas a prevenir este tipo desituaes e dei conhecimento do assunto ao Conselho Superior da Magistratura e aoConselho Superior do Ministrio Pblico.

11. Outra situao que entendo destacar refere-se s queixas relativas em matria deatribuio de nacionalidade portuguesa e que contendem com o princpio da igualdade.Concretamente no respeitante aplicao de critrio administrativo para verificao dorequisito da capacidade para assegurar a subsistncia, baseado em prova fiscal do pa-

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gamento de impostos directos superiores a trs salrios mnimos nacionais, o que cor-responde ao auferimento de um salrio mensal largamente superior ao do salrio mni-mo nacional. O Servio de Estrangeiros e Fronteiras, na sequncia de Recomendaoque formulei, veio dar conta da revogao daquelas instrues.

12. Em matria de Ambiente, destaco a formulao de recomendao ao Secretrio deEstado da Administrao Local e do Ordenamento do Territrio onde conclu pela ne-cessidade de adopo de medidas legislativas destinadas a reformular o procedimentoadministrativo do licenciamento sanitrio, com preservao do sistema da participaoprocedimental prvia e fiscalizao sucessiva em face das exigncias higio-sanitriasaplicveis, actualizao da tabela das actividades e estabelecimentos insalubres, inc-modos e perigosos e articulao deste regime com o do licenciamento municipal deobras particulares e com o Regulamento Geral sobre o Rudo.

Concordando com a motivao da recomendao, o Governo entendeu adoptar medidaslegislativas com tais objectivos. Assim, foi publicado em 18 de Setembro, o decreto-lein. 370/99, que estabelece o regime de instalao e funcionamento das actividades decomrcio e armazenagem de produtos alimentares e de prestao de servios que en-volvam riscos para a segurana e sade das pessoas.

13. Na mesma rea, na sequncia da Recomendao dirigida em 29 de Setembro de1993 a Sua Excelncia a Ministra do Ambiente e dos Recursos Naturais, com vista reviso do Regulamento Geral Sobre o Rudo, foi elaborada uma proposta de alteraolegislativa sobre a qual foi efectuada uma exaustiva anlise.

14. Destaco, noutra vertente, no mbito da economia e emprego, trs intervenes ocor-ridas em reas completamente distintas: reconhecimento da tendinite que afectou gran-de nmero de trabalhadores da Ford Electrnica Portuguesa, Lda., como sendo doenaprofissional, com atribuio da respectiva incapacidade e pagamento da indemnizaocorrespondente; reforo das garantias de independncia e imparcialidade na fiscalizaode apoios financeiros nacionais e comunitrios e anlise das consequncias da diminui-o do preo de venda da energia elctrica em valor superior ao publicitado no pros-pecto da OPV efectuada por ocasio da 3 fase de reprivatizao da EDP, SA.

15. Quanto situao laboral na Ford Electrnica Portuguesa, Lda.4, o processo aquipendente foi aberto na sequncia de queixas por parte de trabalhadores (na sua maioriamulheres jovens que trabalhavam em linhas de montagem) afectados por leses m s-culo-esquelcticas traumticas cumulativas, vulgo tendinites. Tais situaes no eramreconhecidas como doenas profissionais e, mesmo quando isso acontecia, raramenteeram atribudas incapacidades permanentes absolutas com o pagamento da indemniza-

4 Proc. R-3566/97 (A2)

Introduo____________________

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o correspondente, antes se sucedendo situaes de baixa, seguida de alta, recidiva,nova situao de baixa e assim sucessivamente.

Aps duas visitas de colaboradores da Provedoria de Justia s instalaes da fbricadaquela empresa, durante as quais, para alm de reunies com os seus principais res-ponsveis, foram analisadas as condies de trabalho nas linhas de montagem e o fun-cionamento dos servios mdicos, foi elaborado relatrio detalhado sobre a situao.Com base nas concluses do referido relatrio, foi dirigida Recomendao a Sua Exce-lncia Ministro do Trabalho e da Solidariedade para que, atravs do Centro Nacional deProteco contra os Riscos Profissionais, procedesse a uma avaliao rigorosa das inca-pacidades dos trabalhadores da Ford Electrnica Portuguesa Lda. e para que fosse con-siderada a reduo da capacidade de ganho dos trabalhadores, sem excluir a hiptese dedeclarao de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com o paga-mento das correspondentes indemnizaes.

A forma pela qual esta Recomendao foi divulgada - integrando ordem de servio adistribuir por todos os mdicos que integram o servio nacional de incapacidades da-quele Centro - traduziu o seu acatamento.

Na mesma ocasio foi dirigida Recomendao ao Instituto para o Desenvolvimento eInspeco das Condies de Trabalho, ao qual foi sugerida a apreciao das condiesgerais de licitude da contratao a termo e temporrios pela Ford Electrnica Portugue-sa, Lda., bem como o estudo do impacto que este tipo de contratao teria no decrsci-mo estatstico do nmero de novos casos desta doena profissional. Foi ainda sugeridoao IDICT que se empenhasse na conciliao das partes em conflito trabalhadores eentidade patronal nomeadamente atravs da constituio de uma comisso de higienee segurana no trabalho que contasse com a participao dos trabalhadores/operadores eseus representantes.

A resposta a esta Recomendao revelou a adopo de medidas inspectivas adequadasquer resoluo, quer preveno daquelas situaes.

Em jeito de balano possvel concluir que, tanto a atitude colaborante das entidadesvisadas e da prpria Empresa com a Provedoria, como o contributo deste rgo do Es-tado no aprofundamento do estudo da questo, permitiram tornar mais eficaz a protec-o devida aos trabalhadores nesta matria.

16. Quanto fiscalizao de apoios nacionais e comunitrios concedidos a empresas ououtras entidades nacionais5, a questo foi trazida ao conhecimento da Provedoria a pro-psito de um caso concreto em que se constatou que, atravs de despacho ministerial,haviam sido atribudas a um rgo da administrao pblica (concretamente um insti-tuto pblico, o IAPMEI) funes de fiscalizao de aplicao de apoios financeiros,

5 Proc. R-4846/98 (A2)

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sendo que aquele mesmo rgo tinha, simultaneamente, participao indirecta - poden-do vir a ter participao directa - em entidade beneficiria desses fundos.

Por se entender que situaes deste tipo colocavam em causa a imparcialidade da admi-nistrao pblica e que, independentemente da resoluo do caso concreto que nos foraexposto, era essencial prevenir a repetio de casos idnticos, a interveno do Prove-dor dirigiu-se, por um lado, aos Ministros co-autores do despacho supra mencionado, afim de que institussem como rgo fiscalizador da aplicao dos apoios financeiros emcausa outra entidade que no o IAPMEI ou, em alternativa, que fosse exigido como re-quisito de aceitao das candidaturas que aquele instituto pblico no tivesse participa-o directa nem indirecta nas entidades beneficirias.

Simultaneamente, foi dirigida a Sua Excelncia o Primeiro-Ministro recomendao vi-sando a elaborao de legislao que permitisse obter este mesmo efeito em todos oscasos de atribuio e fiscalizao de apoios financeiros, nacionais ou comunitrios.

O clere acatamento de ambas as Recomendaes revelou no existirem dvidas quanto necessidade de melhorar as garantias de imparcialidade da administrao pblicanesta matria.

17. Um outro caso que motivou a apresentao de um nmero elevado de queixas naProvedoria durante o ano de 1998 teve tambm o seu desfecho em 1999: trata-se dasqueixas dos investidores adquirentes de valores mobilirios representativos do capitalsocial da EDP, S.A., no mbito da oferta pblica de venda (OPV) levada a cabo aquan-do da 3 fase da sua reprivatizao6.

Alegavam os Reclamantes prejuzos decorridos de um abaixamento das tarifas da elec-tricidade superior ao publicitado ao pblico em geral na referida OPV traduzidos,concretamente, na desvalorizao das aces e uma menor rendibilidade do Grupo.

Perante os documentos analisados, e ouvidas as entidades pblicas reguladoras do sec-tor elctrico (ERSE) e do mercado de valores mobilirios (CMVM), foram dirigidascomunicaes a cada uma delas apontando os motivos pelos quais se entendeu que arespectiva actuao no fora isenta de crticas, em especial a da ERSE, porquanto sabiae fora para tal insistentemente avisada pela CMVM que a aprovao de tarifas diferen-tes das garantidas e anunciadas populao na reprivatizao da EDP era susceptvel deafectar a confiana e a segurana dos investidores, princpios essenciais aos mercadosbolsistas, e acarretar para o pblico investidor uma menor rendibilidade da empresa econsequente desvalorizao das aces da empresa.

6 Proc. R-5132/98 (A2)

Introduo____________________

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Na chamada de ateno dirigida ERSE procurou sensibilizar-se esta entidade paraque, futuramente, no esquecesse o procedimento de concertao (e no de mera audi-o) com as entidades legalmente incumbidas da superviso e regulamentao do mer-cado financeiro em geral (CMVM e Associaes de Bolsa), conforme pugnado pelo re-gime jurdico do mercado de valores mobilirios.

Comisso do Mercado de Valores Mobilirios foi solicitado que, atendendo s com-petncias regulamentares conferidas quele instituto no mbito das ofertas pblicas detransaco, fossem criadas normas que, semelhana do que sucede para os prospectosinternacionais, obriguem insero nos prospectos nacionais de uma seco especial-mente destinada a destacar a informao sobre factos relevantes que afectem ou possamvir a afectar especialmente a actividade da emitente ou suas participadas, e assim com-portar maior risco para o investimento.

Mais do que defender, sem mais, o pagamento, aos investidores queixosos, de indemn i-zaes baseadas numa responsabilidade apenas afervel aps diligncias probatriascuja complexidade aconselhava o recurso via judicial para a qual foram remetidosos interessados optou-se antes por um tipo de interveno que, sem deixar de lhes sertil no caso concreto (desde logo porque lhes facultou um primeiro enquadramento doassunto, a partir do qual poderiam ponderar da viabilidade de avanar com uma acojudicial), aumentasse as suas garantias enquanto investidores em geral.

18. No mbito da segurana social, entendo evidenciar a anlise das mais de uma cen-tena de reclamaes que me foram dirigidas sobre o problema das penses degradadas.Da aplicao do novo sistema retributivo resultou que as penses dos funcionrios p-blicos que foram fixadas em momento posterior ao mesmo situam-se, nalguns casos,em valores que correspondem ao dobro das penses atribudas no perodo anterior, paracategorias idnticas e na base do mesmo tempo de servio.

certo que o Governo iniciou, a partir de 1991, uma tmida recuperao destas pen-ses, mediante a respectiva actualizao anual superior atribuda ao pessoal do activo.No entanto, as correces efectuadas, para alm de serem idnticas para todas as carrei-ras e categorias, esto longe de corrigir os desfasamentos verificados.

Por essa razo, entendi por bem recomendar uma recuperao pontual e extraordinriadas penses fixadas antes de 1 de Outubro de 1989, quer para as carreiras do regime ge-ral, quer para os regimes especiais, tomando por base os diferentes aumentos de quebeneficiaram cada carreira no curto perodo de Setembro 1989/ Outubro 1989, deduzin-do-se deste valor a correco j efectuada.

A Recomendao no foi acatada por razes estritamente oramentais, o que me levoua comunicar o assunto Assembleia da Repblica.

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

____________________

18

Posteriormente, tendo sido aprovado um regime especial para os funcionrios docentes,entendi recomendar ao Senhor Ministro das Finanas a extenso desse regime aos de-mais funcionrios.

19. A contagem de tempo de servio militar obrigatrio foi matria que mereceu a mi-nha interveno junto de Sua Excelncia O Primeiro Ministro, por via da qual sugeri aadopo de uma medida legislativa que estabelea a no incidncia de descontos paraqualquer dos regimes de segurana social relativamente ao tempo de servio militarobrigatrio e s bonificaes de tempo atribudas pelo exerccio de servio militar emcondies especiais de dificuldade ou perigo.

Entendi que o actual quadro legal cria uma situao de injustia social. Efectivamente,o servio militar obrigatrio decorre de um imperativo constitucional e legal e semprefoi um servio pblico encarado como um dever exigvel ao cidado, sem se lhe reco-nhecer direito de opo. Entende-se que assim seja, mesmo numa sociedade democrti-ca. Contudo, j no parece razovel e justo que, para alm da exiguidade do vencimentoatribudo durante o perodo em causa e da perturbao no seu percurso profissional, ocidado se veja obrigado a pagar qualquer tipo de contribuies ou quotas para a Segu-rana Social ou para a CGA. O mesmo se diga, por maioria de razo, quanto s bonifi-caes de tempo atribudas no mbito da prestao do servio militar obrigatrio. Omnimo que a sociedade civil deve a estes cidados o reconhecimento do seu esforopara a causa pblica.

A sugesto no foi acatada, seguindo-se a comunicao do assunto Assembleia daRepblica, tendo-me sido recentemente transmitida uma iniciativa legislativa nestamatria.

20. Destaco que no ano de 1999 foi publicado o diploma legal que traduziu o acata-mento da Recomendao n. 19/B/97: foi ento recomendada a emisso de medida le-gislativa que permitisse a contagem do tempo de servio prestado pelos servidores doEstado Portugus nas ex-colnias, aps a independncia dos novos territrios at dataem que lhes foi permitido ingressarem no Quadro-Geral de Adidos ou prestarem servi-o ao abrigo do Estatuto do Cooperao.

21. No mbito do ensino, refiro o caso de um concurso para mudana de curso, na Uni-versidade de vora que procedeu colocao de alunos, em vagas adicionais criadaspara o efeito, em termos considerados ilegais e injustos: num dos casos, foi cometidoum erro de apreciao acerca das condies de candidatura, tendo-se dado relevncia aum facto que, de acordo com o regulamento, no constitua critrio de seleco, massim de desempate; noutro, dois alunos foram colocados j depois de concludo o pero-do de apresentao de candidaturas, com fundamento num critrio que no constava doregulamento do concurso; num outro, foi determinado o acesso ao curso de forma purae simplesmente discricionria.

Introduo____________________

19

Foi recomendada a revogao dos actos de colocao dos alunos e o reencaminhamentodos mesmos para os cursos em que estavam inicialmente inscritos.

22. Um outro tipo de interveno ao nvel dos assuntos sociais consiste na divulgaode direitos dos cidados. As principais deficincias verificadas neste domnio so de in-formao. A experincia tem mostrado que as maiores desigualdades e, por isso, injus-tias sociais no resultam da dificuldade de acesso aos recursos econmicos mas sim dafalta de informao.

So recebidas muitas reclamaes de pessoas a quem foi vedada uma prestao de se-gurana social porque a requereram fora do prazo, ou por exemplo que no viram con-tados, para efeitos de reforma, 20 anos de trabalho prestado no Ultramar porque nosouberam que, entre 1989 e o fim de 1994, esteve em vigor um decreto-lei que o per-mitiu ou, ainda, que fizeram uma opo errada quanto ao regime da sua penso, sim-plesmente por nada entenderem do assunto.

Ora, se certo que este problema se revela de modo generalizado na nossa sociedade,tambm verdade que ele afecta especialmente quem, como os reformados, est afasta-do dos centros de deciso e dos veculos da transmisso da informao e quem, por ra-zes de ordem fsica, econmica ou cultural, tem dificuldade de se deslocar, de se fazerouvir ou de compreender as informaes que lhe so prestadas.

Por essa razo, tenho pugnado pela divulgao pblica de informao relativa ao exe r-ccio de direitos, sobretudo os sujeitos a prazo. Assim, foi divulgada a publicao dodecreto-lei n. 95/99, de 23 de Maro, que reconheceu direitos em matria de seguranasocial, igualmente sujeitos a prazo, aos trabalhadores dos ex-hospitais concelhios, pelosquais, alis, o Provedor de Justia j se vinha batendo h longos anos.

23. No atinente s matrias da Funo Pblica, devo notar a aprecivel entrada de maisde quinhentas queixas motivadas pela reestruturao de carreiras, operada pelo decreto-lei n. 404-A/98, de 18 de Dezembro.

24. Entendo ainda salientar um outro caso relativo ao Servio Militar, concretamentesobre o reconhecimento de uma situao de assistncia famlia com vista dispensada prestao do servio militar obrigatrio, o qual foi resolvido atravs de meios info r-mais.

O queixoso alegava, em traos gerais, que o seu pai se encontrava gravemente doente enecessitado de assistncia domiciliria permanente e que s a dispensa do servio mili-tar lhe permitiria continuar a trabalhar de noite por forma a assistir o seu pai durante odia, desta forma permitindo que a sua me e irm menor pudessem estar ausentes du-rante aquele perodo para poderem trabalhar e estudar, respectivamente.

Apesar de o Exrcito ter deferido o adiamento da incorporao para o ano seguinte, re-cusou a concesso do estatuto de amparo, com base no facto de o rendimento per capita

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

____________________

20

do agregado familiar ser superior ao montante mnimo estabelecido na lei, pelo que medirigi a Sua Excelncia o Ministro da Defesa Nacional, fazendo notar que estava emcausa o direito proteco famlia e chamando a ateno para o facto de ter sido pre-terida uma formalidade essencial no processo administrativo instrudo nos Servios doExrcito, dado no ter sido concedido ao interessado o direito de audincia prvia.

Na sequncia de um Parecer do Departamento de Assuntos Jurdicos do Ministrio daDefesa Nacional, o qual acolhia parte da argumentao da Provedoria de Justia, foi re-vogado o acto de indeferimento e concedido o pedido de qualificao como amparo defamlia.

25. Ainda em 1999 eliminou-se totalmente a acumulao verificada em sede de proces-sos em que era pedida a fiscalizao da constitucionalidade por aco ou por omisso,tendo sido a todos dada resposta, maioritariamente negativa, por razes de mrito ou deimpossibilidade de actuao. Foi este ano aquele em que mais me dirigi ao TribunalConstitucional, no total por dezoito vezes, uma das quais pedindo a verificao de umainconstitucionalidade por omisso.

Permito-me desses dezoito casos salientar a tutela dos direitos dos estrangeiros, no que extradio, expulso e reconhecimento de alguns direitos de natureza social diz res-peito, a saber a qualificao como deficiente das foras armadas e a possibilidade deaquisio ou manuteno da qualidade de aposentado, e a tutela dos direitos dos contri-buintes, em dois casos relacionados com o princpio da legalidade tributria. De todosse far transcrio no corpo deste relatrio.

26. Foi igualmente no ano em referncia que foram divulgados os relatrios das inspec-es ao sistema prisional e ao servio pblico de transporte areo de passageiros entre ocontinente e as regies autnomas, a cargo da TAP-Air Portugal. Ambos tendo mereci-do em termos globais a concordncia dos respectivos destinatrios. Do primeiro foi ela-borado um relatrio especial j apresentado Assembleia da Repblica, do segundo sedando notcia no presente.

27. Apesar de j em 2000, no posso deixar de salientar a inaugurao, no passado dia22 de Fevereiro, da extenso da Provedoria de Justia na Regio Autnoma da Madeira,sita na cidade do Funchal. Preencheu-se, assim, a lacuna existente ao nvel da repre-sentao efectiva deste rgo do Estado nos arquiplagos atlnticos, promovendo-se,consequentemente, a garantia dos direitos de cidadania dos madeirenses.

Auguro para esta extenso o mesmo sucesso que j obteve a dos Aores, patente no sna eficcia e prontido demonstradas, como no grande aumento de queixas apresenta-das por aorianos, ocupando o primeiro lugar a nvel nacional, quer em 1998, quer em1999.

Introduo____________________

21

28. Este relatrio o ltimo que dirijo Assembleia da Repblica. assim o momentooportuno para saudar e agradecer ao Parlamento, na pessoa do seu actual Presidente,Dr. Antnio de Almeida Santos, na do seu predecessor, Dr. Antnio Barbosa de Melo,nos presidentes das comisses parlamentares, em particular da Comisso de AssuntosConstitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, dos presidentes dos grupos parla-mentares e em geral de todos os deputados da VI, VII e VIII Legislaturas, no esque-cendo a Secretria Geral, Conselheira Adelina de S Carvalho, o total apoio e a perma-nente disponibilidade que me foi concedida, contributo determinante para o cumpri-mento da atribuies que constitucional e legalmente so conferidas a este rgo doEstado e que se resumem, enfim, defesa dos direitos dos cidados.

Investido duas vezes pela confiana parlamentar, ao Parlamento que agradeo a honraque tive em servir.

ID a A c t i v i d a d e

P r o c e s s u a l

1. D a d o sE s t a t s t i c o s

Quadro IMovimento geral de processos

I Nmero de Processos organizados

Queixas escritas 4839Queixas verbais 1801

Total 6640

Iniciativas do Provedor 24

Total geral 6664

dos quais correspondem a processos de inconstitucionalidade 80

II Nmero de processos reabertos

de 1976 a 1993 164de 1994 29de 1995 34de 1996 45de 1997 52de 1998 45De 1999 43

Total 402

Da ActividadeProcessual

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25

III Nmero de processos movimentados e a movimentar

Processos que transitaram de 1976 a 1993 714Processos que transitaram de 1994 400Processos que transitaram de 1995 487Processos que transitaram de 1996 1061Processos que transitaram de 1997 1598Processos que transitaram de 1998 3082Processos reabertos 402Processos organizados em 1999 6664

Total 14408

IV Processos arquivados em 1999

transitados de:1976 a 1993 5691994 2621995 2911996 6031997 8601998 1757

Soma dos anteriores a 1999 4342

organizados em 1999 2931

Total geral 7273

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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26

V Resumo

Processos organizados 6687Processos movimentados 14408Processos arquivados 7273Processos organizados e definitivamente arquivados em 1999 2888** Representando 43,34 % do total de processos organizados

Recomendaes: 137, sendo 40 normativas/genricas e 97 no normativas.Pedidos de Declarao de Inconstitucionalidade: 18, sendo um de fiscalizao de inconstituci-onalidade por omisso.

Quadro 2Motivos de arquivamento

A Arquivamento liminar 158 2,17%B Improcedncia 4043 55,59%C No resolvidos 208 2,86%D No resolvidos/Recomendao no acatada 173 2,38%E Resolvidos independentemente da interveno do Provedor 1249 17,17%F Resolvidos pela instruo do processo 1314 18,07%G Resolvidos/Recomendao acatada 102 1,40%H Pedido de declarao de inconstitucionalidade 26 0,36%

Total 7273 100,00%

Quadro 3Rcios de eficcia da interveno do Provedor

Taxa de estudo (Total - A)/(Total) 98 %Taxa de resoluo (E+F+G+H)/Total - (A+B) 88 %Taxa de sucesso (F+G+H)/(Total - [A+B+E]) 79 %

Evoluo entre 1992 e 1999

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Taxa de estudo 80,62% 86,13% 86,12% 95,94% 89,63% 94,16% 93,90% 97,83%

Taxa de resoluo 72,18% 84,41% 81,52% 78,12% 82,69% 89,86% 90,54% 87,60%

Taxa de sucesso 58,84% 75,21% 74,71% 71,16% 76,82% 82,89% 85,15% 79,10%

Da ActividadeProcessual

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27

Quadro 4Caractersticas das queixas

A) Situao scio-profissional dos reclamantes

I Queixas individuais

Agricultor 23Aposentado ou reformado 386Comerciante 36Desempregado 74Domstica 53Estudante 123Industrial 6Militar 133Profisso liberal 320Profisso no declarada 2321Proprietrio 15Recluso 255Trabalhador da Administrao Central, Regional ou Local 1873Trabalhador de empresa pblica ou nacionalizada 6Trabalhador do sector privado 247Outros 339

Total 6210

II Queixas colectivas

Associaes profissionais 34Comisses de residentes 88Comisses de trabalhadores 5Entidades pblicas 42Partidos polticos 10Sindicatos e Associaes Sindicais 108Sociedades 122Outros 21

Total 430

Total geral 6640

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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28

B) Origem geogrfica das queixas

I- Distritos

Aveiro 137Beja 43Braga 213Bragana 60Castelo Branco 93Coimbra 232vora 48Faro 153Guarda 63Leiria 176Lisboa 1829Portalegre 48Porto 667Santarm 187Setbal 329Viana do Castelo 102Vila Real 78Viseu 91

Total 4549

II Regies Autnomas

Aores 1867Madeira 61

Total 1928

III Territrio de Macau, estrangeiro e origem no identificada

Macau 3Estrangeiro 102No identificada 58

Total 163

Da ActividadeProcessual

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29

C) Distribuio dos reclamantes por gnero

Sexo Feminino 2397Sexo Masculino 3802No identificado 12

Total 6640

D) Queixas oriundas de intermedirio

Assembleia da Repblica 0Ministrio Pblico 46

Total 46

Quadro 5N. de queixas por 10 mil habitantes (1992-1999):

os cinco maiores valores

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 19991. Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Aores Aores

2. Bragana Coimbra Setbal Vila Real Setbal Coimbra Portalegre Lisboa

3. Coimbra Setbal Coimbra Coimbra Coimbra Aores Lisboa Coimbra

4. Porto Vila Real Vila Real Santarm Aores CasteloBranco

Bragana Setbal

5. Santarm Viana doCastelo

Porto Setbal Leiria Faro Coimbra Faro

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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30

Da ActividadeProcessual

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31

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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32

N. de recomendaes e pedidos de declarao de inconstitucionalidade 1992-99

168

212

182

114108

137

96

263

13

18

7

3 3

1

7

6

0

50

100

150

200

250

300

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 19990

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

RecomendaesD I

Da ActividadeProcessual

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Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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Da ActividadeProcessual

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Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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Da ActividadeProcessual

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Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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1.1. Comentrio aos Dados Estatsticos

1 - O nmero total de processos abertos no ano de 1999 foi de 6664, o que correspon-deu a um aumento de 1302 processos em relao ao ano anterior (acrscimo de 24,3%).

Noto que este aumento de processos imputvel ao caso das chamadas de valor acres-centado dos Aores, adiante referido.

2 - As queixas apresentadas por escrito foram 4839, as verbais 1801 e foram abertos 24processos por iniciativa do Provedor de Justia.

3 - Movimentaram-se ao todo 14408 processos (no ano anterior foram 12555), tendo onmero de processos que transitaram de anos anteriores sido de: 714 de 1976 a 1993,400 de 1994, 487 de 1995, 1061 de 1996, 1598 de 1997 e 3082 de 1998. Foram rea-bertos 402 processos.

4 - Foram arquivados 7273 processos (5881em 1997), sendo 569 processos de 1976 a1993, 262 de 1994, 291 de 1995, 603 de 1996, 860 de 1997 e 1157 de 1998.

5 - Dos processos organizados em 1999, foram definitivamente arquivados 2888, o querepresenta 43,3% do total dos processos organizados (em 1998 essa percentagem foi de48,4%, sendo esta variao explicvel pelo elevado nmero de processos relativos aocitado caso das chamadas telefnicas, processo que no sendo arquivado em 1999 dis-torce, naturalmente, os valores).

6 - Nos processos em que o Provedor tomou posio sobre o mrito, foram formuladas137 recomendaes (mais 41 que em 1998), 40 normativas/genricas e 97 no normati-vas.

7 - O Provedor apresentou 18 pedidos de declarao de inconstitucionalidade sendo umde fiscalizao da inconstitucionalidade por omisso, mais 11 pedidos do que no anoanterior. Trata-se do valor mais elevado dos anos em que desempenhei estas funes,devendo-se tal facto s alteraes orgnicas j mencionadas no relatrio de 1998 (cria-o de rea temtica especfica).

8 - Em 1999 alcanou-se soluo favorvel aos interessados, em virtude da intervenodo Provedor e durante a instruo do processo, em 1314 processos, o que corresponde a18,1% do total dos processos arquivados. Somando a esses os resolvidos por via de Re-

Da ActividadeProcessual

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39

comendao acatada (102), a percentagem foi de 19,5% dos arquivamentos no ano emanlise.

9 - A taxa de estudo dos processos, superior registada em 1998, foi de 98% - restando2% que correspondem aos arquivamentos liminares - sendo a taxa de resoluo de87,6%, excluindo as improcedncias e os arquivamentos liminares (incompetncia emanifesta improcedncia).A taxa de sucesso verificada foi de 79,1%, correspondendo a uma quebra relativamentea 1998 de 6 pontos percentuais. Esta diminuio deve-se a um grande nmero de pro-cessos arquivados por no acatamento de recomendao, a maior parte dos quais liga-dos a um nico processo recuperao de penses degradadas cuja recomendaono foi acatada pelo Senhor Ministro das Finanas. Entretanto, aps publicao da Lei39/99, de 26 de Maio, relativa recuperao da penso dos professores, foi abertonovo processo e formulada nova recomendao, qual ainda se aguarda resposta. til fazer notar que em 1995, ano em que como no presente ocorreu grande nmerode arquivamentos, a taxa de sucesso tambm registou uma quebra ligeira.De todo o modo, desde 1996, a taxa de sucesso manteve-se sempre acima dos 75%(76,8% em 1996, 82,9% em 1997, 85,2% em 1998).

10 - A caracterizao scio-profissional predominante dos que se queixaram ao Prove-dor de Justia e que declararam essa qualidade, no sofreu alteraes de relevo, conti-nuando a predominar o nmero dos trabalhadores da Administrao Pblica (1873),sendo seguidos dos aposentados e reformados (386), dos profissionais liberais (320),dos reclusos (255), dos trabalhadores do sector privado (247).

11 - De entre as 430 queixas formuladas por entidades colectivas, destacam-se, agora,as sociedades com 122 queixas, os sindicatos e associaes sindicais com 108 e as co-misses de residentes com 88.

12 - A repartio geogrfica das queixas, segundo os distritos de origem, mostra algu-mas alteraes em relao aos valores do ano anterior. Assim, os Distritos/Regies deque se receberam mais queixas foram: Aores com 1867, Lisboa com 1829, Porto com667, Setbal com 329, Coimbra com 232 e Braga com 213. Em contraposio, os Dis-tritos que deram origem a menos queixas foram: Beja com 43 e vora e Portalegre com48.Da Regio Autnoma da Madeira provieram 61 queixas, uma diminuio face a 1998de menos 30, o que refora a razo da agora concretizada inaugurao da extenso daProvedoria de Justia no Funchal.De Macau apenas foram recebidas 3 queixas (34 em 1998), o que compatvel com ofim da Administrao portuguesa no territrio. Foram recebidas ainda 102 queixas doe 127 do estrangeiro (127).

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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40

Em termos de queixas por cada dez mil habitantes (considerando-se como populaoresidente a constante no Anurio Estatstico de Portugal de 1993, ed. INE), a RegioAutnoma dos Aores, mantm-se com o valor mais elevado com o espantoso valor de78,5 (9,3 em 1998), seguida de Lisboa com 8,9 (8,3), Coimbra com 5,4 (5,9), Setbalcom 4,6 (4,7) e Faro com 4,5 (5,2).Em sentido contrrio assinalam-se os Distritos/Regies de vora com 2,8, Beja com2,6, Madeira com 2,4, Viseu com 2,3 e Aveiro com 2,1.

13 Os valores relativos Regio Autnoma dos Aores mostram-se bastante inflacio-nados pela existncia de um nmero avultado de processos relacionados com a mesmaquesto das chamadas de valor acrescentado (1445), que, no entanto, no representammenos o exerccio do direito de queixa por parte de um nmero notvel de cidados.Admitindo a sua no existncia, o nmero de processos sobrantes (445), seria por si ssuficiente para colocar a Regio Autnoma dos Aores em terceiro lugar em termos ab-solutos, logo atrs de Lisboa e Porto, mantendo a primazia incontestada em termos re-lativos, com um valor de 18,7 queixas por 10.000 habitantes mais do dobro do valorque se segue relativo a Lisboa.Os casos de Portalegre e Bragana focados especialmente no Relatrio de 1998, mo s-tram uma natural diminuio do nmero de queixas, mantendo-se, no entanto, os doisdistritos a meio da tabela em termos relativos.

Julgo que os nmeros apresentados demonstram saciedade a justeza da minha apostana instalao da Provedoria de Justia na Regio Autnoma dos Aores.

Espero que a extenso, nesta data j inaugurada, na Regio Autnoma da Madeira possaapresentar os mesmos frutos.

14 - De entre as queixas individuais apresentadas 3802 provieram do sexo masculino e2397 do sexo feminino, subindo este em termos relativos.

15- Em 1999, em continuao da tendncia para atenuar o nmero de pendncias, estasbaixaram de 7342 para 7135, representando uma diminuio de 3% nas pendncias.Se o caso das chamadas de valor acrescentado dos Aores no tivesse ocorrido, assimse obtendo um nmero de processos entrados similar ao de 1998, a quebra teria sido de22,5%.

A quebra de pendncias em si mesma no um objectivo. No entanto, quanto menor foro seu nmero mais rapidamente possvel responder ao cidado com a desejada efic-cia.

16 Mais uma vez se verifica que uma grande percentagem de processos foram termi-

Da ActividadeProcessual

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41

nados no prprio ano em que foram iniciados (mais de metade, caso desconsidersse-mos os originados pelas chamadas de valor acrescentado), sendo ainda de frisar que666 (10,3% do total de processos no arquivados liminarmente), foram solucionadosatravs da modalidade mais expedita, introduzida no art. 13. da ordem de servio1/PJ/96 (publicada no meu relatrio de 1996 a pp. 849 s).

2.

C a s o s

s i g n i f i c a t i v o s

2.1.

A s s u n t o s

polt ico-constitucionais:

direitos, l iberdades

e garantias;

ambiente, urbanismo e

ordenamento do territrio;

cultura e comunicao

social; caa e pesca;

turismo e jogo.

2.1.1. R e c o m e n d a e s

AoExmo. Senhor

Presidente da Cmara Municipal da Amadora

R-605/98Rec. n. 11/A/99

1999.02.11

IDos Factos

1. Foi solicitada a interveno do Provedor de Justia junto de V. Exa., a pro-

psito da aparente desconformidade que se verificaria entre as imposies constantes do

alvar de loteamento n 13/79 (Alfragide) e a licena de construo n 405/97, de 20 de

Fevereiro, em que se sustenta a obra promovida no lote 12.

2. Atravs do ofcio n 7485, de 30 de Abril p.p., foi V. Exa. instado a informar

das possibilidades para a construo naquele espao, designadamente, quanto rea de

construo e nmero de pisos previstos no alvar de loteamento, e a esclarecer se o al-

var de licena de construo se conformava com o prescrito naquele instrumento de

planeamento territorial.

3. Por ofcio de 9 de Julho p.p. (n 11972), veio V. Exa. informar que o alvar

de loteamento n 13/79 previa a implantao, no lote 12, de um edifcio de 17 pisos + 3caves, com uma rea de construo de 5.554,81 m, respeitando a obra em desenvolvi-

mento "o n de pisos acima da cota de soleira prescritos no Alvar de Loteamento".

4. No entanto, em visita efectuada ao local, em 20 de Agosto p.p., observar-se

ia que na placa afixada na zona onde se desenvolviam os trabalhos constavam, e entre

outras, as seguintes indicaes:

- Pisos: 18 + 5 caves

Da ActividadeProcessual

____________________

47

- rea de construo: 7.729,32 m

5. Confrontada a Cmara Municipal a que V. Exa. preside com tal facto, vie-

ram a ser prestados os esclarecimentos que constam de ofcio n 15410, de 16 de Se-

tembro p.p., atravs dos quais se pretendia justificar a desconformidade detectada.

IIDos Fundamentos

Da anlise dos elementos carreados no decurso da instruo do processo, re-

sulta:

AQuanto ao nmero de pisos:

6. facto assente que o alvar de loteamento prev a construo de 17 pisos

acima do solo, mais 3 pisos em cave, destinados a habitao e comrcio.

7. Dvidas tambm no restam que o alvar de licena de construo prev a

edificao de 18 pisos acima do solo, mais 5 pisos em cave, sendo o 18 piso destinado

a instalaes de apoio ao condomnio (constitudas por casa das mquinas, sala de con-

dminos e habitao da porteira) e as 2 a 5 caves destinadas a estacionamento.

8. Pretende essa Cmara Municipal justificar a construo de mais um piso

acima do solo (o 18), em desrespeito do previsto no alvar de loteamento, pelo facto de

a sua destinao vir a dar cumprimento exigncia de instalaes de apoio ao condo-mnio (prevista no regulamento municipal de edificaes urbanas).

9. No entanto, no se v que tal motivao seja susceptvel de vir a alcanar o

fim que se pretende.

10. Isto porque, datando o edital municipal que publicita aquela exigncia de

20 de Dezembro de 1979 (a alterao ao referido regulamento municipal foi objecto de

deliberao da Cmara Municipal de 7 de Novembro de 1979, e de aprovao da As-

sembleia Municipal de 4 de Dezembro de 1979), nunca foram avanadas quaisquer jus-

tificaes para o facto de, o projecto de arquitectura apresentado no mbito do processo

de licena de obra, no prever a construo daquelas instalaes dentro do nmero de

pisos autorizado pelo alvar de loteamento.

11. Por seu turno, no colhe, por falta de motivao legalmente atendvel, a

justificao avanada no sentido de, porque aquele espao constitui "reas no comerc i-

alizveis", no dever entrar no cmputo do nmero de pisos.

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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48

12. No que concerne incluso de mais duas caves para alm das previstas no

alvar de loteamento, tambm no parece de aceitar a justificao avanada no sentido

de o desrespeito pelo prescrito neste alvar ter sido motivado pela preocupao em do-

tar o prdio em apreo de uma rea acrescida de estacionamento.

13. Efectivamente, no vislumbro razo que obstasse a que o projecto de ar-

quitectura objecto do processo de licenciamento de construo previsse uma unidade

funcional do prdio que servisse aqueles objectivos, em respeito dos parmetros defin i-

dos pelo alvar de loteamento.

14. Alis, acrescente-se que, no definindo o alvar de loteamento o nmero de

fogos a implantar naquele lote 12, sempre se poderia ter previsto, no projecto de arqui-tectura, nmero consentneo com os lugares de estacionamento a desenvolver nas 3 ca-

ves autorizadas pelo alvar de loteamento.

15. Conclui-se, assim, pelo desrespeito da licena de construo ao prescrito

no alvar de loteamento, quanto ao nmero de pisos permitido.

BQuanto rea de construo:

16. Prev o alvar de loteamento que a rea de construo a desenvolver seja

de 5.584,81 m.

17. Por seu turno, o alvar de licena de obra prev a construo de 7.729,32

m.18. Alega V. Exa. que tal desconformidade ser meramente aparente, j que as

reas relativas a parqueamento (que constituem 4 das 5 caves) e a rea afecta s instala-

es de apoio ao condomnio (que constitui o 18 piso), no devero ser contabilizadas

para efeitos de clculo da rea de construo.

19. Conclui, ainda, V. Exa., que a rea efectivamente destinada a habitao e

comrcio, porque se traduz num acrscimo que no alcana 3%, dever considerar-se

como constituindo uma alterao de pormenor.

20. Para o efeito, bastaria, portanto, a autorizao tomada por simples delibe-

rao fundamentada da Cmara Municipal, com dispensa de quaisquer outras formali-

dades (art. 36, ns 4 e 5 do Decreto-Lei n 448/91, de 29 de Novembro, que aprovou o

regime jurdico do licenciamento das operaes de loteamento e das obras de urbaniza-

o, com as alteraes que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n 334/95, de 28 de

Dezembro, e Lei n 26/96, de 1 de Agosto).

Da ActividadeProcessual

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49

21. So conhecidas as vantagens do parqueamento subterrneo, por tal soluo

se mostrar adequada a assegurar o estacionamento em boas condies, minorando, as-

sim, o impacto decorrente do parqueamento e da circulao de um maior nmero de

veculos para os futuros residentes do prdio em construo e daqueles que residem na

sua rea de influncia, contribuindo-se, deste modo, para o acrscimo da segurana e

comodidade pblicas.

22. Sufragando este entendimento, tem vindo a moderna doutrina urbanstica a

defender a construo em cave, pelas inmeras vantagens ao nvel do aproveitamento

de espao, com a comodidade da inerente, e do menor impacto visual que essa opo

propicia.23. Nesta esteira, veio o legislador a considerar no art. 7, al. c), do Decreto-

Regulamentar n 63/91, de 29 de Novembro, que para efeitos do clculo do ndice de

construo no ser utilizado o valor da rea a construir abaixo da cota de soleira, se

esta se destinar exclusivamente a estacionamento e o contrrio no esteja previsto em

plano municipal de ordenamento do territrio.

24. Acolhendo esta tendncia, veio o Regulamento do Plano Director Munici-

pal da Amadora (ratificado pela Resoluo do Conselho de Ministros n 44/94, de 22 de

Junho) a exceptuar, para efeitos do clculo do ndice de construo, designadamente, as

reas de estacionamento coberto para utilizao do condomnio - art. 9, seco II, al.

40.

25. Entendo, assim, razovel defender que no devero ser contabilizadas as

reas dos pisos abaixo da cota de soleira destinados a garagens.

26. No entanto, o mesmo j no direi relativamente rea destinada s instala-

es de apoio ao condomnio.

27. que no se vislumbra qualquer apoio legal tese defendida por essa edi-lidade.

28. Nestes termos, entendo que o valor dessa rea dever ser contabilizado.

29. Concluo, ento, que no mbito do processo de licenciamento da obra veio

essa Cmara Municipal a autorizar a construo de um edifcio com a rea contabiliz-

vel de 5.877,92 m, que corresponde ao valor encontrado quando se deduz da rea total

do edifcio (7.729,32 m) a que se encontra destinada a garagens em cave (1.851,40 m).

30. Ora, este valor ultrapassa o encontrado atravs da aplicao do coeficiente

de aumento de 3% (art. 36, ns 4 e 5 do supra mencionado Decreto-Lei n 448/91, de

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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50

29 de Novembro) sobre o valor da rea de construo prevista no alvar de loteamento

(sendo que o valor encontrado de 5.721,45 m).

31. Assim sendo, necessrio concluir que o alvar de licena de construo

viola o imposto pelo alvar de loteamento quanto rea de construo permitida.

32. O facto de a referida licena de construo contender com o disposto no

alvar de loteamento acarreta a nulidade do acto administrativo que decidiu do pedido

de licenciamento da construo - art. 52, n 2, al. b), do regime de licenciamento muni-

cipal de obras particulares aprovado pelo Decreto-Lei n 445/91, de 20 de Novembro,

com as alteraes que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n 250/94, de 15 de

Outubro).33. Assim sendo, o acto em causa insusceptvel de produzir qualquer efeito

jurdico, podendo ser declarado nulo a todo o tempo (art. 134, ns 1 e 2 do Cdigo do

Procedimento Administrativo).

34. Por seu turno, as obras j realizadas ao abrigo da licena de construo, ir-

remediavelmente ferida de nulidade (note-se que o acto nulo insusceptvel de ser rati-

ficado, sanado, convertido ou revogado), sujeitam-se ao regime das obras ilegais.

35. Nestes termos, dever ser imediatamente ordenado o embargo das obras,

sem prejuzo da sua futura legalizao atravs de processo de licena de construo cuja

deciso final venha a obedecer s prescries impostas pelo alvar de loteamento.

36. Fao notar a V. Exa. que a situao em apreo faz incorrer o municpio na

obrigao de indemnizar os lesados pelo prejuzo que lhes causou em consequncia da

deciso impugnada.

37. E quanto mais dilatado venha a ser o momento em que se decida pela de-

clarao da nulidade da licena de construo, mais avultados sero os prejuzos dos

terceiros afectados e, consequentemente, maior ser o quantitativo indemnizatrio a pa-gar.

38. Efectivamente, o art. 52, n 5, do supra mencionado Decreto-Lei n

445/91, de 20 de Novembro, manda ao municpio assumir a obrigao de indemnizar

pelos prejuzos causados aos interessados em consequncia de actos administrativos

nulos, por decidirem pedido de licenciamento de obras particulares em violao do dis-

posto em alvar de loteamento em vigor.

Da ActividadeProcessual

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51

IIIConcluses

Senhor Presidente da Cmara Municipal da Amadora, ao abrigo do disposto no

art. 20, n 1 al. a) da Lei n 9/91, de 9 de Abril,

RecomendoI) Seja declarada a nulidade do acto administrativo que decidiu o pedido de licencia-

mento de construo em violao do prescrito no alvar de loteamento em vigor.

II) Seja ordenado o embargo da obra promovida a coberto daquela licena de constru-

o ferida de nulidade.

III) Assuma o municpio a responsabilidade pelos prejuzos causados aos terceiros lesa-

dos em consequncia daquele acto.

Recomendao no acatada

AoExm Senhor

Presidente da Cmara Municipal de Viana do Castelo

R-217/96Rec. n. 14/A/99

1999.02.19

IExposio de Motivos

1. Atravs do ofcio n 594, de 31 de Julho p.p., comunicou V. Exa. a posio

da Cmara Municipal de Viana do Castelo quanto ao que havia sido preconizado na

Recomendao n 18/A/98 relativa nulidade do acto de licenciamento de obras efectu-

adas no logradouro do prdio sito na Travessa da Sr da Ajuda, freguesia da Meadela.2. No acatou essa Cmara Municipal a recomendao formulada por se reve-

larem divergentes as suas concluses com as alcanadas pela Inspeco-Geral da Ad-

ministrao do Territrio na inspeco efectuada em Outubro de 1997.

3. Concluiu aquela entidade que o acto de legalizao se tornou inatacvel,

quanto a eventuais violaes do Regulamento Geral das Edificaes Urbanas, por efeito

do decurso do prazo de impugnao contenciosa, "e que, a nvel do PDM, no h ele-

mentos concludentes quanto a uma eventual violao " (ponto 20, a fls. 71, do Relatrio

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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52

da IGAT), porquanto "nada constava do processo quanto legalizao das edificaes

anexas j existentes" (fls. 56 do mesmo Relatrio).

4. De forma diversa conclu quanto ao desvalor jurdico do despacho de

20.07.1994, do Exmo. Vereador da rea de Planeamento e Gesto Urbanstica, por des-

respeito da disciplina contida no Regulamento do Plano Director Municipal de Viana

do Castelo.

5 Com efeito, resulta dos elementos do processo camarrio de licenciamento

que o acto de legalizao das obras contestadas permitiu que a rea ocupada por anexos

excedesse largamente o ndice de ocupao de logradouros fixado no art. 16 n 7, da-

quele instrumento de planeamento territorial, infringindo, em simultneo, a proibio deocupao sistemtica e integral de logradouros com edificao, contida no n 8 daquele

artigo, atenta a rea total do lote. Por certo, que tal disciplina no tolera uma situao

em que a rea da construo principal, tal como resulta da planta junta ao processo, pa-

rece ser inferior rea total ocupada por anexos.

6. Idntico entendimento havia sido subscrito por essa Cmara Municipal na

fundamentao do despacho de indeferimento do primeiro pedido de legalizao apre-

sentado pelo dono da obra. Refere expressamente o Exmo. Vereador de Planeamento e

Gesto Urbanstica que a rea dos anexos existentes e construdos antes da entrada em

vigor do Plano Director Municipal de Viana do Castelo excedia largamente os ndices

previstos no respectivo regulamento. Idntica posio assumiu V. Exa. em resposta a

um pedido de informaes formulado pela Inspeco-Geral da Administrao do Ter-

ritrio.

7. Aliceram-se tais concluses na anlise da planta junta ao processo camar-

rio. Desta constam os anexos j construdos e que tero sido objecto de licenciamento e

legalizao em processos deferidos por essa Cmara Municipal em Outubro de 1987 eJaneiro de 1995.

8. No obstante, mesmo que assim no sucedesse, o que no se concede, ao

proceder legalizao das obras contestadas a Cmara Municipal teria de ter em consi-

derao as construes j existentes, com vista a concluir sobre o respeito do ndice de

ocupao de logradouros permitido. Se nada constasse dos registos camarrios, tratar-

se-ia, por certo, de construes ilegais por ausncia de licena municipal de obras, cuja

legalizao se encontraria inviabilizada, uma vez que a rea total das construes exis-

tentes excede, em cerca de 20 m2, a rea mxima de ocupao permitida (50 m2). As-

sim sendo, sempre seria necessrio proceder demolio parcial do conjunto edificado,

Da ActividadeProcessual

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53

por forma a reduzir a rea de construo.

9. Assim, sendo nulo tal acto por efeito do disposto no art. 52, n 2, alnea b),

do regime aprovado pelo Decreto-Lei n 445/91, de 20 de Novembro, com a redaco

conferida pelo Decreto-Lei n 250/94, de 15 de Outubro, dever a Cmara Municipal

proceder correspondente declarao (art. 134, n 2, do Cdigo do Procedimento Ad-

ministrativo) e instaurar o procedimento de demolio das construes regulado no De-

creto-Lei n 92/95, de 9 de Maio.

10. Objecta V. Exa. que tal procedimento contende com o princpio da segu-

rana jurdica e que "ponderados os prejuzos decorrentes da revogao do licencia-

mento e consequente demolio da obra e os eventualmente resultantes da sua manu-teno, conclui-se serem aqueles superiores e de todo injustificados".

11. No procede, porm, tal argumentao, atentas as razes que levaram o le-

gislador a cominar com a sano da nulidade os actos de licenciamento municipal de

obras, ex ante ou ex post, que violem o disposto em instrumento de planeamento territo-

rial. A este propsito, reitero a V. Exa as consideraes j expendidas quanto ao fun-

damento de tal grau de invalidade jurdica no que se refere aos actos administrativos

ofensivos da disciplina de ocupao, uso e transformao dos solos contida em plano de

ordenamento do territrio (cfr. ns 21 a 23 da Recomendao n 18/A/98).

12. Entendeu o legislador, de forma clara, privilegiar a tutela da legalidade ur-

banstica em detrimento da tutela da confiana dos administrados em tais actos de li-

cenciamento, com preterio do princpio da segurana jurdica relativamente ao prin-

cpio da legalidade. Foi o legislador que realizou tal ponderao, no cabendo s cma-

ras municipais derrog-la. o princpio da legalidade, de resto, o fundamento e limite

de toda a actividade administrativa (arts 3, n 3, e 266, n 2, da CRP). No procede,

pois, a invocao do princpio da segurana quando se trata de proceder reconstituioda situao material afectada por obras realizadas com base numa licena afectada pelo

desvalor da nulidade. Por outro lado, no possvel descurar a segurana que o orde-

namento jurdico deve conferir comunidade reagindo contra as infraces perpetradas

contra a ordem urbana edificada.

13. J quanto ponderao dos prejuzos resultantes da demolio das obras

em face dos que resultam da sua manuteno, no parece que o legislador autorize a

Administrao a efectuar tal prognose sempre que se trate de exercer um poder de for-

ma vinculada. De nada serve invocar a eventual desproporcionalidade da medida de

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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demolio, para mais no sendo indicados os prejuzos que resultam da demolio, em

favor da manuteno de uma situao de ilegalidade. Por outras palavras, no h pro-

porcionalidade relevante dentro das fronteiras da ilegalidade, uma vez que a obra no se

mostra susceptvel de legalizao. Desproporcionado parece, ao invs, deixar subsistir

uma construo clandestina sem que se demonstre a necessidade de assim ser.

14. No deixa, por certo, a posio do particular que edificou ao abrigo de uma

licena nula de encontrar proteco em sede do regime da responsabilidade civil extra-

contratual da Administrao. Acontece, porm, no caso em presena, que a obrigao

de indemnizar no tem lugar, uma vez que o facto ilcito no causou qualquer dano ao

reclamado particular, ao passo que a demolio constitui facto lcito do qual no se des-cortina a anormalidade ou especialidade de um dano devido ao lesado e culpa com

que agiu (arts. 8 e 9 do Decreto-Lei n 48051, de 21 de Novembro de 1967).

15. Pelas razes expostas, reitero a V. Exa. a motivao de quanto recomendei

Cmara Municipal de Viana do Castelo, uma vez que no exerccio da atribuio cons-

titucional de reparao de ilegalidades, no posso deixar de insistir para que sejam to -

madas as medidas necessrias eliminao de uma situao de clara ofensa disciplina

urbanstica municipal.

IIConcluses

De acordo com o exposto ,

Recomendo1) Que seja declarada a nulidade do despacho de 20 de Julho de 1994, do Exmo Vere-ador da rea de Planeamento e Gesto Urbanstica que legalizou as construes, nos

termos do disposto no art. 134, n 2, do Cdigo do Procedimento Administrativo.

2) Que V. Exa. ordene a demolio da edificao conforme estabelece o art. 58, n 1,

do regime jurdico do licenciamento municipal de obras particulares, e do art. 53, n 2,

al. l), do Decreto-Lei n 100/84, de 29 de Maro, cumprindo o procedimento estabeleci-

do no Decreto-Lei n 92/95, de 9 de Maio.

Recomendao no acatada (situao ultrapassada)

Da ActividadeProcessual

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ASua Excelncia

o Ministro da Administrao Interna

R-1358/98Rec. n. 15/A/99

1999.02.19

AExposio de Motivos

1Dos Factos

1. Foi-me exposta a situao do cidado paquistans S. A., na sequncia da de-

ciso desfavorvel do pedido de asilo pelo mesmo formulado, apreciado no mbito do

Processo de Asilo n 75C/96 do Servio de Estrangeiros e Fronteiras.

2. Mais se conheceu o teor do Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo

de 25 de Fevereiro de 1998 (Processo n 41953, 1 Seco-3 Subseco), que negouprovimento ao recurso de impugnao do despacho de Sua Excelncia o Secretrio de

Estado Adjunto do Ministro da Administrao Interna, datado de 4 de Fevereiro de

1997 (que consubstancia a citada deciso de recusa de asilo).

3. Os fundamentos dessa deciso so revelados nos seguintes termos:

"No uso da competncia que me foi delegada pelo despacho n 14/95, do Mi-

nistro da Administrao Interna publicado no D.R. n 291 - II Srie de

95/12/19, com base no parecer do Senhor Comissrio Nacional para os Refu-

giados e nos termos do art. 16, n 3 da Lei n 70/93, de 29 de Setembro, no

concedido o direito de asilo ao cidado S. A., de nacionalidade paquistanesa,

por no haver prova nos autos que ele preencha os requisitos do art. 2 da

mesma Lei.

Nos termos do art. 18 da mesma Lei, o cidado pode permanecer no territrio

nacional durante um perodo transitrio, at 30 dias, para o efeito de procurar

asilo noutro pas, findo o qual fica sujeito legislao geral sobre estrangei-

ros".4. Foi ento requerida autorizao de residncia, ao abrigo do disposto no art.

64, n 1, do Decreto-Lei n 59/93, de 3 de Maro, segundo o qual "em casos excepcio-

nais de reconhecido interesse nacional verificados por despacho do Ministro da Admi-

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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56

nistrao Interna pode ser concedida ou renovada autorizao de residncia a estran-

geiros com dispensa dos requisitos exigidos no presente diploma" .

5. A entrada em vigor do Decreto-Lei n 244/98, de 8 de Agosto, determinou a

apreciao do pedido formulado de acordo com o disposto no art. 88, do citado diplo -

ma legal. Assim, "em casos excepcionais de reconhecido interesse nacional ou por ra-

zes humanitrias, o Ministro da Administrao Interna pode conceder a autorizao

de residncia a cidados estrangeiros que no preencham os requisitos exigidos no

presente diploma".

6. Por ofcio datado de 22 de Janeiro de 1999, foi informado o requerente que,

tendo solicitado "Autorizao de Residncia ao abrigo do art. 88, do Decreto-Lei n244/98, de 8 de Agosto, aps a anlise do processo verificou-se no estar preenchido

nenhum dos requisitos previstos no art. 88, do referido diploma, ou seja, o reconhecido

interesse nacional e/ou razes humanitrias.

(...) Os factos descritos demostram que se est perante interesses meramente

individuais, no podendo beneficiar do regime excepcional previsto no art. 88, do D.L.

n 244/98, de 8 de Agosto".

7. Notificando-se, do mesmo passo, o interessado para, no prazo de dez dias, e

por escrito, dizer o que se lhe oferecer, nos termos do direito de audincia prvia pre-

visto e regulado no artigo 100 (e 101), do Cdigo do Procedimento Administrativo,

direito esse que foi oportunamente exercido pelo Senhor S. A..

8. Aguarda-se a deciso final sobre o pedido de autorizao de residncia, a

qual dever ser tomada aps ponderao das razes e argumentos aduzidos pelo interes-

sado.

2Do Direito

9. Descrita sumariamente a situao que motivou o pedido de interveno do

Provedor de Justia, cumpre apreciar o projecto de deciso de indeferimento do pedido

de autorizao de residncia por motivos humanitrios formulado pelo cidado paquis-

tans S. A..

10. Os motivos que baseiam o projecto de deciso - os quais, recorde-se,

apontam como factor determinante da no concesso da autorizao excepcional de re-

sidncia o facto de se considerar que os interesses aduzidos revestem natureza individu-al, sem mais - no se mostram conclusivos.

Da ActividadeProcessual

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57

11. Com efeito, numa primeira anlise, parece resultar que se procedeu, to s,

a uma contraposio entre o interesse nacional (constante da norma que habilita a auto-

rizao requerida) e os interesses individuais, que, alegadamente, baseiam a pretenso

do requerente.

12. Mas o que sejam interesses individuais tambm fica por esclarecer. Difi-

cilmente se imagina uma situao em que o requerente formula o pedido com vista a

prosseguir tarefas do Estado, iluminadas pelo interesse nacional (interesse de toda a

comunidade poltica que funda o Estado). O que pode suceder que se reconhea que a

permanncia do indivduo no territrio portugus vai tambm ao encontro do interesse

nacional, o que dever ser ponderado em concreto.13. De todo o modo, no pode bastar-se a fundamentao do acto a emitir nas

breves consideraes levadas ao conhecimento do interessado, para que o mesmo se

pronunciasse.

14. Isto, por duas ordens de razes. Em primeiro lugar, a fundamentao adu-

zida manifestamente insuficiente, no esclarecendo as razes de facto nem de direito

que permitem a formulao de tal concluso. Em segundo lugar, mostra-se postergada a

aplicao da norma na parte em que, em sede de previso, aduz motivos humanitrios

para a concesso da autorizao requerida, quando, ao fim e ao resto, disso que aqui

se trata. Ainda aqui se mostra insuficiente a argumentao expendida no projecto de de-

ciso. Veja-se porqu:

15. A mera referncia a interesses individuais, sem sequer dar a conhecer os

factos que permitem tal concluso, no pode ter-se como fundamentao clara, adequa-

da e suficiente, pois no permite conhecer as razes que, no caso concreto, determinam

a denegao do pedido de permanncia em territrio nacional (o qual consubstancia um

pedido de proteco do Estado portugus).16. Uma fundamentao constitucionalmente adequada (art. 268, n 4, CRP)

sempre observar trs princpios essenciais:"(a) princpio da suficincia, devendo a

fundamentao estender-se a todos os elementos em relao aos quais a Administrao

dispe de poder discricionrio de escolher (e o exerce), de forma a poder reconstituir-se

o ter lgico e jurdico do procedimento que terminou com a deciso final ("motivao

ou fundamentao de todo suficiente"); (b) princpio da clareza , de modo que a funda-

mentao seja inteligvel, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura

do destinatrio normal ou razovel que, na situao concreta, tenha de compreender as

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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razes decisivas e justificativas da deciso; (c) princpio da congruncia, de tal modo

que se verifique existir uma relao de adequao e consonncia entre os pressupostos

normativos do acto (de facto e de direito) e os motivos do mesmo, devendo, por isso,

considerar-se como equivalente falta de fundamentao a adopo de fundamentos

que, por contradio, no esclaream concretamente a motivao do acto"7.

17. doutrina assente que a obscuridade ou insuficincia dos fundamentos

corresponde falta de fundamentao, como alis se conclui da leitura do art. 125, n

2, do Cdigo do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n 442/91,

de 15 de Novembro, com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n 6/96, de 31 de

Janeiro).18. Assim, mostra-se desde logo postergada a funo garantstica indissocia-

velmente ligada ao dever de fundamentao dos actos administrativos que afectem di-

reitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, assinalando-se que "em re-

lao aos actos praticados no exerccio de poderes discricionrios a fundamentao

mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a

possibilidade de impugnar com xito os seus vcios mais tpicos. Nesse domnio, a fun-

damentao mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente

frustrada a possibilidade de impugnar com xito os seus vcios mais tpicos. Nesse do-

mnio, a fundamentao uma garantia do prprio direito ao recurso contencioso"8.

19. Alm de que fundamentao dos actos administrativos ainda assinalada

uma importante funo objectiva , como regra essencial do dever de boa administrao,

ou "norma de aco administrativa (...) que visa assegurar uma correcta e ponderada re-

alizao dos interesses pblicos (legalidade, imparcialidade, justia, eficincia)"9.

20. Nem se diga que o dever de fundamentao cede por motivo de a conces-

so da autorizao de residncia nos termos do art. 88, do Decreto-Lei n 244/98, de 8

de Agosto, se enquadrar no exerccio de um poder discricionrio. que o exerccio de

um poder discricionrio no isenta a Administrao do dever de fundamentao dosseus actos; pelo contrrio, antes o "exige especialmente", nas palavras de VIEIRA DE

7 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, 3 edio, Coim-bra, 1993, p. 936.8 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, cit., p. 936.9 Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , ob. cit., loc. cit.

Da ActividadeProcessual

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ANDRADE.10

21. Estas so as linhas gerais que disciplinam o dever de fundamentao dos

actos administrativos que decidam desfavoravelmente pretenses. Considero, porm,

que no presente caso, como em geral nas autorizaes de residncia que sejam pedidas

por motivos humanitrios, a fundamentao deve revelar clara, suficiente e adequada-

mente a ponderao de quais sejam as razes que possam impelir um estrangeiro perse-

guido por motivos religiosos a regressar ao seu territrio, ao invs do que sugere a Re-

comendao do Comit de Ministros do Conselho da Europa n R (84)1.

21. que dever ter-se presente que a norma constante do art. 88, do Decreto-

Lei n 244/98, procura acautelar a situao dos que, por razes humanitrias, no pos-sam ou no queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou residncia.

22. O que, no presente caso, no pode deixar de ser ponderado, pois no ser

descabido atentar no facto de que ao Senhor S. A. foi recusado o estatuto legal de refu-

giado (com a denegao do pedido de asilo) por razes que se prenderam apenas com a

prova dos factos inerentes perseguio ou receio de perseguio pelas autoridades ofi-

ciais e pelos seus concidados.

23. Foram tambm as questes probatrias que mereceram reviso judicial,

pois foi essa a base da argumentao que sustentou a deciso desfavorvel impugnada.

Por outras palavras, a concesso de asilo foi-lhe recusada por alegada falta de provas

que abonassem o preenchimento dos requisitos legais.

24. No sendo, neste domnio, rara a dificuldade de apresentao de provas

que permitam, sem margem de dvida, concluir pela justeza dos receios dos requerentes

de asilo11, certo que a prova requerida para afastar os pedidos manifestamente in-

fundados, nomeadamente, quando se trata de distinguir entre o asilo (poltico) e a imi-

grao (econmica).25. Mas tal no significa que um pedido de asilo mal sucedido (por insuficin-

cia de provas, como no presente caso se decidiu, ou por no se configurar, como em

outros casos, uma situao subsumvel em todos os requisitos enunciados no art. 1, da

10 Cfr. O Dever de Fundamentao Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, 1991, p. 136.11 A prova , para HLNE LAMBERT, um dos elementos cruciais no procedimento de admisso dos pedi-dos de asilo (Cfr. SEEKING ASYLUM, Comparative Law and Practice in Selected European Countries,Dordrecht, 1995, p. 72 e ss.).

Relatrio Assembleia da Repblica 1999

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Conveno de Genebra de 195112) represente necessariamente uma tentativa encapota-

da de emigrao (por motivos econmicos) para o Estado cuja proteco foi requerida.

que tambm o princpio de no-reenvio (non-refoulement) consagrado no art. 33, da

citada Conveno, deve estar presente na ponderao da deciso a tomar.

26. nesta linha que no se poder ignorar a j citada Recomendao n

R(84)1, adoptada pelo Comit de Ministros do Conselho da Europa, em 25 de Janeiro

de 1984, nos termos da qual se "recomenda aos governos dos Estados membros que as-

segurem, sem prejuzo das excepes previstas no art. 33, pargrafo 2, da Conveno

de Genebra, o princpio segundo o qual nenhuma pessoa deve ser sujeita a recusa de

admisso na fronteira, a extradio, a expulso ou a qualquer outra medida que tenhapor efeito obrig-la a regressar ou a permanecer num territrio onde ela cr com ra-

zo ser perseguida em funo da sua raa, religio, nacionalidade, pertena a um

certo grupo social ou das suas convices polticas, seja aplicado independentemente

do facto de determinada pessoa ser ou no reconhecida como refugiada conforme a

Conveno relativa ao Estatuto dos Refugiados de 28 de Julho de 1951 e o Protocolo

de 31 de Janeiro de 1967".

27. A questo da proteco dos refugiados de facto ou por razes humanitrias,

no obstante a tanto apontar a letra e o esprito da Lei13 no transparece do projecto de

deciso em anlise.

28. Chegados a este ponto,