psicologia no contexto educacional

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FACIBA – Faculdade de Ciências da Bahia FORMAÇÃO ESPECIAL DE DOCENTE Módulo - PSICOLOGIA NO CONTEXTO EDUCACIONAL Resolução 02/97 Resolução 02/97 Resolução 02/97 Resolução 02/97 Portaria nº 2913/MEC, de 17/09/2004 Portaria nº 2913/MEC, de 17/09/2004 Portaria nº 2913/MEC, de 17/09/2004 Portaria nº 2913/MEC, de 17/09/2004

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SUMÁRIO

1. CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM 4 1.1. Aprendizagem sob o ponto de vista dos modelos associacionistas, estímulo – resposta ou comportamentais

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1.2. A aprendizagem por ensaio e erro – aprendizagem de animais 5 1.3. A resposta condicionada de Pavlov 5 1.4. Modelos de aprendizagens baseadas em teorias cognitivas 6 1.5. A tradição da Gestalt 6 1.6. Teoria de aprendizagem Significativa 6 2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA PSICOLOGIA 9 2.1.As diferentes linhas do pensamento psicológico 9 2.2. Estruturalismo 10 2.3. Funcionalismo 10 2.4. Gestalt 10 2.5. Conexionistas 11 2.6. Psicanálise 11 2.7. Reflexologia 12 2.8. Condutivismo 12 2.9.Psicologia Soviética 13 2.10. Psicologia humanista 13 2.11. Cognitivismo 13 2.12. O desenvolvimento humano 14 3. VYGOTSKY: VIDA E OBRA A HISTÓRIA DE UM GÊNIO 15 4. BASES EPISTEMOLÓGICAS: O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO

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5. PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO: COMPORTAMENTO ANIMAL VERSUS COMPORTAMENTO HUMANO

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5.1. A cultura 25 5.2. A significação 26 6. A FUNÇÃO DO INSTRUMENTO E DO SÍMBOLO 27 7. A FORMAÇÃO DE CONCEITOS ELEMENTARES 32 8. FORMAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS 36 9. O PRECONCEITO NO CONTEXTO EDUCACIONAL 40 10. UMA REFLEXÃO INICIAL SOBRE O INTERCULTURALISMO 40 11. EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E A ESCOLA 41 12. A DISCRIMINAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: EDUCADOR 42 12.1. Racismo e livros didáticos 42 13. PIAGET 46 13.1. O Desenvolvimento mental segundo Piaget 46 13.2. A descoberta de Piaget 48 13.3. O modelo piagetiano: conceitos básicos 48 13.4. Piaget: estágios do desenvolvimento 51 13.5. O que são os estágios 51 13.6. O estágio sensório-motor 52 5213.7. O estágio operatório concreto 54 13.8. O estágio operatório formal 55 13.9. Desenvolvimento moral 56 13.10. Piaget: o desenvolvimento da inteligência 57 13.10.1. Fatores de desenvolvimento 58 13.10.2. Quanto à área social, as considerações são diferentes 58

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13.11. Aprendizagem 59 13.12. Tipos de experiências 60 14. PRESSUPOSTOS DA TEORIA CONSTRUTIVISTA DE PIAGET 61 15. WALLON E A PSICOLOGIA GENÉTICA: ASPECTOS BIOGRÁFICOS 65 15.1. Fundamentos epistemológicos 66 16. WALLON E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA 69 16.1. Os estágios 70 16.2. Estágio impulsivo emocional (O a 1 ano) 70 16.3. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) 71 16.4. Estágio do personalismo (3 a 6 anos) 72 16.5. Estágio categorial (6 a 11 anos) 72 16.6. Estágio da puberdade e da adolescência (11 anos em diante) 73

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1. CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM Neste texto foram destacados aspectos de aprendizagem e, desta forma, convém salientar as dificuldades em defini-la, assim como destacou Lomônaco (1984). Para ele, às vezes os termos aprendizagem e conhecimento são utilizados como sinônimos, porém, é através do processo de aprendizagem que se adquire conhecimento, no entanto o conhecimento resultante do processo não pode ser confundido com aprendizagem. Em alguns manuais de psicologia da aprendizagem, a aprendizagem é definida como “uma mudança de comportamento resultante de prática ou experiência anterior”. Para Netto (1987), a concepção de aprendizagem ou definição é a fonte principal de divergências entre as teorias. Segundo ele, (Bower e Hilgard, 1981), salientaram que, o que separam as teorias são as interpretações feitas sobre elas. Ao se fazer uma análise tem-se a impressão de pontos de vistas opostos, mas talvez não passe de diferenças de preferências, cada uma delas pode ser justificada e traduzida, tanto em afirmações convincentes como em termos de comprovações empíricas numa fértil área de aplicações práticas. Sabe-se que existem formas diferentes de classificar as teorias da aprendizagem. Pode-se adotar a forma baseada nas diferenças filosóficas entre empirismo e racionalismo. As teorias empiristas consideram à associação de idéias ou eventos para explicar a aprendizagem e dão grande valor as experiências sensoriais, desta forma descendem da tradição filosófica do associacionismo. Cabe salientar que Psicólogos como Thorndike, Pavlov, Skinner e outros foram influenciados por essa linha de pensamento. O racionalismo considera a razão humana como a mais importante fonte do conhecimento. Esta linha de pensamento tem interesse principal a qualidade subjetiva da existência. Nessa visão racionalista, na aprendizagem são destacados mais os problemas de organização, compreensão, interpretação, o significado do que foi aprendido e a influência dos fatores inatos. 1.1. Aprendizagem sob o ponto de vista dos modelos associacionistas, estímulo – resposta ou comportamentais Teorias denominadas de associacionistas, estímulo–resposta ou comportamentais, formam um grupo que descendem diretamente do empirismo, que sempre enfatizou estudar de forma objetiva o comportamento, acreditando que comportamentos complexos poderiam ser interpretados a partir de conceitos e princípios mais simples. Essas teorias consideram que qualquer aprendizagem poderá ser explicada através de sua redução a condicionamento. O modelo associacionista é uma das mais tradicionais formas de conceber aprendizagem. Teve origem nas investigações de psicólogos associacionistas britânicos, que mais tarde, meados do século XIX acabou também influenciando as investigações da Psicologia norte americana. De acordo com Gagné (1974), os teóricos influenciados por esse modelo interessavam-se em descobrir como idéias complexas, tais como “flor” ou “número” desenvolve-se na mente humana a partir das impressões sensoriais elementares, ou seja, como as “idéias complexas” eram aprendidas em primeiro lugar. Psicólogo como (Mill, 1869) citado por Gagné (1974), focalizou a concentração mental, hoje chamada de atenção, como uma condição importante para a realização da aprendizagem por associação de novas idéias. Para Gagné (1974), psicólogos como William James, John Dewey e Darwin acrescentaram novas interpretações a tradição associacionista.

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Esses pesquisadores deram preferência para investigar as funções dos fatores do comportamento, por exemplo, a aprendizagem e pensamento, demonstrando interesse menor apenas pela associação desses fatores. Para os psicólogos mencionados acima a aprendizagem desempenha a característica principal no funcionamento do organismo vivo. Para eles, o sistema nervoso, merece maior destaque, e não à mente, na compreensão das conexões que são estabelecidas entre as impressões sensoriais e o comportamento. Nessa visão norte americana, a ação não só acompanhava as idéias, como tinham dito os britânicos, mas era visto como um traço fundamental à aprendizagem, denominada por eles de processo de organização do comportamento, (Gagné, 1974). 1.2. A aprendizagem por ensaio e erro – aprendizagem de animais. Esse tipo de aprendizagem foi bastante investigado por psicólogos norteamericanos. Edward L. Thorndike do período que vai do final do século XIX, ao início do século XX, procurava entender como ocorria a aprendizagem de animais através da realização de experimentos. Thorndike fazia experiências com animais famintos. Colocando-os num ambiente fechado, por exemplo, numa caixa, e a vista dele seu alimento. Nessa caixa havia uma alavanca, que se pressionada abria a porta e dava condições do animal alcançar o alimento que tanto desejava. O animal tentava de diversas formas alcançar o alimento, até que de tanto tentar, acaba, por acaso, acionando a alavanca e por conseqüência a porta se abria e ele alcançava o alimento. Deste modo quando o animal era colocado na mesma situação outra vez, o tempo que ele levava para abrir a porta, por acaso, era menor. Não se pode dizer que a aprendizagem realizada por ensaio e erro em animais é também um protótipo da aprendizagem humana. Se humanos estivessem trancados numa caixa como os animais, eles iriam examinar as trancas, saliências ou asperezas, procurando descobrir-lhes a função. Tentar prever as conseqüências de suas ações antes de executá-las e possivelmente escolheriam o melhor modo de sair da caixa, (Gagné, 1974). Esse modelo de aprendizagem proposto por Thorndike (1898), citado por Cagné (1974) não é diferente em suas características básicas da proposta apresentada por Skinner (1938), na qual ele denominava de estímulos reforçadores, enquanto que Thorndike (1898) denominou de a lei de efeito. 1.3. A resposta condicionada de Pavlov Pavlov (1927) citado por Gagné (1974), verificou que, quando se faz ouvir um sinal, como por exemplo, o som de uma buzina, no mesmo instante em que apresenta o alimento a um cachorro, se esta situação for repetida várias vezes, o cachorro chega a salivar sempre que ouvir o som da buzina. Para Pavlov a salivação ao ouvir o som da buzina sem mesmo ver o alimento, é uma resposta adquirida, ou seja, condicionada. Para ele a aprendizagem ocorrerá quando o sinal da buzina for apresentado junto com o alimento inúmeras vezes. Desta forma uma nova conexão, sinal-resposta, será estabelecida a partir daí. Pesquisadores da atualidade que continuam estudando o condicionamento pavloviano acreditam que trata-se de um tipo especial de aprendizagem, que representa o estabelecimento de respostas involuntárias, “antecipatórias”. De acordo com Gagné (1974), em sala de aula, o gesto de um professor ao apontar para um objeto que deve ser observado por seus alunos pode se tornar um sinal condicionado para os aprendizes direcionarem a atenção a outros estímulos provenientes da mesma

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direção. Segundo Gagné (1974), talvez a expressão “preste atenção”, seja uma forma de designar as respostas antecipatórias aprendidas, segundo ele, talvez seja possível que as respostas desempenhem alguma função na determinação das atitudes. Observa-se então que as respostas condicionadas têm uma relativa freqüência no dia-a-dia das pessoas, mas elas não têm a maior representatividade nos fatos que são denominados de aprendizagem. 1.4. Modelos de aprendizagens baseadas em teorias cognitivas Pode-se dizer que teorias cognitivas, hoje representadas por pesquisadores dentro da Psicologia Cognitiva, procuram investigar como os organismos conhecem seu ambiente e obtêm conhecimento a respeito dele. Os psicólogos denominados de cognitivistas, embora não haja cognitivistas “puros”, procuraram sempre elaborar suas teorias tendo como foco de investigação a “mente” e seu processamento interno. De um modo geral há uma preocupação quanto à compreensão da aprendizagem e dos principais processos mentais, tais como: pensamento, julgamento, tomada de decisão e solução de problemas. 1.5. A tradição da Gestalt No período entre guerras, começou a surgir principalmente na Alemanha e depois nos Estados Unidos da América uma interpretação cognitiva da aprendizagem. Psicólogos como (Wertheimer, 1945; Kohler, 1929 e Koffka, 1929) citados por Gagné (1974), começaram a ser opor as interpretações associacionistas das pesquisas sobre aprendizagem. Para esses psicólogos a aprendizagem poderia se explicada através de “Insigth”, que de acordo com Gagné (1974), consiste em uma reorganização súbita do campo da experiência, como quando se tem uma idéia ou quando se descobre a solução de um problema. Para os Gestaltistas a psicologia deveria estudar o significado, nesse caso, não era divisível em elementos mais simples. Nessa visão, a Gestalt dava mais importância a compreensão do que uma simples acumulação de conhecimentos.Wertheimer (1945) citado por Pozo (1994), procurou mostrar, uma diferença entre pensar de forma reprodutiva e pensar na forma produtiva. Segundo Wertheimer (1945), El pensamiento reproductivo sería aquel que consiste simplemente em aplicar destrezas o conocimientos adquiridos con anterioridad a situaciones nuevas. Así, por ejemplo, todos hemos aprendido a aplicar de modo reproductivola ecuación del <<binomio de Newton>> para halar el cuadrado de una suma: (a+b)2 = (a2 + b2 + 2ab). En cambio, el pensamiento productivo sería aquel que implicara el descubrimento de una nueva organización perceptiva o conceptual con respecto a un problema, una compreesión real del mismo. (wertheimer, 1945, apud por Pozo, 1994. p. )Wertheimer mostrou que um pensamento produtivo seria, por exemplo, usando uma visualização geométrica do binômio de Newton chegar as conclusões dos resultados (a - b)2 , (a + b + c )2 e outros casos. 1.6. Teoria cognitivista, de aprendizagem Significativa De um modo geral Ausubel et al (1980), apresentaram em sua teoria dois tipos básicos de aprendizagem, ou seja, aprendizagem por recepção ou por descoberta. Esses dois tipos de aprendizagem apresentados por eles podem ser esquematizados da seguinte forma:

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Figura 1: Tipos de Aprendizagem, segundo Ausubel et al (1980) De acordo com Ausubel et al (1980), a aprendizagem por recepção, seja ela mecânica ou significativa se realiza quando: ...todo conteúdo daquilo que vai ser aprendido é apresentado ao aluno sob a forma final. A tarefa de aprendizagem não envolve qualquer descoberta independente por parte do estudante. Do aluno exigi-se somente internalizar ou incorporar o material (uma lista de sílabas sem sentido ou adjetivos emparelhados; um poema ou um teorema geométrico) que é apresentado de forma a tornar-se acessível ou reproduzível em alguma ocasião futura. (Ausubel et al,1980, p.20). Observa-se que os autores se referem dentre vários exemplos também a um teorema geométrico, neste caso um conteúdo matemático a ser incorporado na estrutura cognitiva dos aprendizes por meio da aprendizagem por recepção, que poderá ocorrer de forma mecânica ou significativa. Mecânica, quando é exigido do aprendiz apenas internalização, sem nenhum significado. No segundo caso, ou seja, na aprendizagem por recepção significativa, segundo Ausubel et al (1980), acontece quando: ...a tarefa ou matéria potencialmente significativa é compreendida ou tornada significativa durante o processo de internalização (Ausubel et al,1980, p. 20 ). Quanto à aprendizagem por descoberta, esta tem como característica principal o descobrimento, ou seja, o conteúdo da tarefa que está sendo estudada, não é simplesmente apresentado, mas será exigido do aprendiz que faça a descoberta e incorpore-o à sua estrutura cognitiva. Embora este seja também um tipo de aprendizagem que também pode ser significativa, esta é pouco explorada no contexto educacional e um dos motivos pelos quais, pouco se faça com a aprendizagem por descoberta, é a quantidade de tempo, que este tipo de aprendizagem exige. Como assinalou Ausubel et al (1980), a significação é indiossincrática e é um fenômeno de ordem pessoal e que só é alcançado se o sujeito estiver disposto a despender um esforço ativo para integrar em sua estrutura cognitiva o novo conhecimento. Na Matemática, temos símbolos e convenções compartilhadas no mundo inteiro, cada um relacionado ou representando alguma coisa do nosso mundo físico ou do mundo das

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idéias matemáticas. Mas, quando uma criança está no seu estágio primário de desenvolvimento, o que os símbolos matemáticos representam ou significam é algo totalmente desconhecido para ele. Após ter contato com o ensino formal e contextualizado no ambiente escolar, essa criança começa a aprender o que significa cada símbolo matemático. O processo pelo qual acontece essa aprendizagem é denominado aprendizagem representacional, que segundo Ausubel et al (1980), ...é coextensivo com o processo pelo qual novas palavras passam a representar para ele as idéias ou objetos correspondentes aos quais as palavras se referem. As novas palavras passam a significar para ele as mesmas coisas que os referentes e remetem ao mesmo conteúdo significativo diferenciado.(Ausubel et al, 1980, p. 39). Referências Bibliográficas AUSUBEL, David P. (1976). Psicologia educativa: um ponto de vista cognoscitivo. Tradução de Roberto Helier Domínguez. México: Editorial Trillas. AUSUBEL, David P., NOVAK, Joseph D. e HANESIAN, Helen. (1980). Psicologia educacional. Tradução: Eva Nick. Rio de Janeiro: Editora Interamericana Ltda. BRITO, Márcia R. F. de. , GARCIA, Vicente J. N. (2001). A Psicologia Cognitiva e Suas Aplicações à Educação. In: BRITO, M. R. F. et al. Psicologia da educação matemática: teoria e pesquisa. Florianópolis, Santa Catarina: Insular. BRITO, Márcia R. F. de. Contribuições da Psicologia Educacional À Educação Matemática. In: BRITO, M. R. F. et al. (2001). Psicologia da educação matemática: teoria e pesquisa. Florianópolis, Santa Catarina: Insular. FINI, Lucila Diehl. T., JESUS, Marcos Antonio S. de. (2001). Uma Proposta de Aprendizagem Significativa Através de Jogos. In: BRITO, Márcia R. F. et al. Psicologia da Educação Matemática: teoria e pesquisa. Florianópolis, Santa Catarina: Insular. LOMÔNACO, José F. e WITTER, Geraldina P. (1984). Psicologia da aprendizagem. São Paulo: EPU. MADEIRA, Milton J. P. (1998). Psicologia das Cognições x Psicologia Cognitiva. Cadernos de Psicologia. Vol. (4), N(1), pp. 77 – 81. MEIRA, L. (1998). Psicologia da educação matemática: a pesquisa em sala de aula. [anais, impresso]. Palestra. In: VI ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. São Leopoldo, Rio Grande do Sul: Editora Universidade do vale do Rio dos Sinos. NETTO, S. Pfromm. (1987). Psicologia da aprendizagem e do ensino. São Paulo: EPU, Editora da Universidade de São Paulo. POZO, J. I. (1994). Teorías cognitivas del aprendizagem. Madrid – España. Edicones Morata, S. L

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2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA PSICOLOGIA

Ercília de Paula1 Fernando Wolff Mendonça**2

Embora tenha sido uma das ciências mais antigas da humanidade, a Psicologia foi considerada como pré-científica durante muitos anos, pois defendia o dualismo do corpo e da alma. Acreditava-se que os "desvios" de comportamento humano ocorriam em decorrência dos espíritos que habitavam o corpo físico. O pensamento mítico era predominante e as diferenças comportamentais eram explicadas em função dos deuses e dos fenômenos sobrenaturais. De acordo com Davidoff (1983), a preocupação da Psicologia esteve voltada, no século XIX, para o estudo do cérebro, dos nervos e dos órgãos dos sentidos. Esse período é considerado o início da Psicologia científica, que utilizava diferentes procedimentos experimentais para explicar a mente humana. Com o tempo, a Psicologia foi se expandindo em diferentes correntes e sua linguagem também foi sendo popularizada. Habitualmente, usamos o termo psicologia para as características de comportamento das pessoas que encontramos no cotidiano. É comum usarmos expressões como:

- Hoje estou psicologicamente afetado. - Você percebeu como ela ficou abalada emocionalmente? - Saí da loja com produtos que não queria comprar: aquele vendedor usou de muita psicologia para me convencer. - José, eu vim falar com você porque você tem muita psicologia para ouvir as pessoas.

Essa forma popular de falarmos da Psicologia não representa, de fato, o fazer do psicólogo no seu dia-a-dia. Esse psicologismo, utilizado no cotidiano por muitas pessoas, ressalta o impacto que a ciência da Psicologia vem causando, por suas ações e seu fazer junto às pessoas. Porém, distante de toda essa realidade, a Psicologia veio buscando sua identidade como trabalho científico. Muito mais que a simples observação dos fenômenos cotidianos, ela procura estabelecer um critério sistematizado para analisar os fenômenos humanos inseridos na realidade cotidiana. Sendo assim, busca se diferenciar do senso comum para se tornar efetivamente uma disciplina científica. Para tanto, vem buscando fundamentos teóricos e científicos, bem como metodológicos, que proporcionem esse posicionamento diante da sociedade contemporânea. 2.1. As diferentes linhas do pensamento psicológico Como decorrência dessa necessidade de se colocar socialmente como ciência, muitas correntes foram se estabelecendo na Psicologia, tentando entender como o ser humano poderia ser concebido. Mostraremos algumas delas e seus principais pressupostos.

1 * Doutora em Educação pela UFBA. Mestra em Educação pela USP. Pedagoga pela Unicamp. Professora do Ensino Superior. 2 ** Mestre em Educação pela UFPR. Especialista em Pedagogia Terapêutica pela Universidade Thiuti do Paraná. Fonoaudiólogo pela PUCPR.

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2.2. Estruturalismo

Tem como seus principais representantes o psicólogo e fisiologista alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) e o psicólogo americano Edward Bradford Titchener (1867-1927). No começo do século XX, Wundt e Titchener discutiram com pensadores da época o conceito de mente e certas condições do método da introspecção científica. O objeto de estudo desta escola é a consciência mediante a introspecção e a auto-observação controlada. A mente, ou consciência imediata não é algo substancial, mas somente processos elementares da atividade mental: sensação, sentimento e imagem.

Para Davidoff (1983), a Psicologia experimental de Wundt estuda as operações mentais centrais, como atenção, intenções e metas. Os sujeitos desses estudos são treinados para descrever, da forma mais objetiva possível suas experiências com determinados estímulos de cores, sabores e odores. Wundt interessava-se por anatomia e sua vida acadêmica era voltada para a pesquisa fisiológica sobre as percepções sensoriais. O sistema da introspecção, proposto e praticado nos laboratórios de Wundt, refletia o método que os psicólogos utilizavam para que os sujeitos das pesquisas relatassem suas experiências internas em relação aos estímulos ambientais. Esses relatos eram os julgamentos e as observações conscientes dos sujeitos sobre o tamanho, a intensidade e a duração dos estímulos. A partir desses experimentos e relatos, Wundt descrevia a maneira como a consciência humana era estruturada. 2.3. Funcionalismo

Seus representantes mais destacados são o pedagogo e filósofo americano John Dewey (1859-1952) e o filósofo americano William James (1842-1910). Eles incorporam a concepção do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1881) afirmando que a mente humana e a conduta "humana são adaptativas e que o ponto central da Psicologia está na ação ou na conduta. Para Dewey e James. o que a consciência possui é menos importante do que aquilo que ela faz. Segundo esses autores, não existe produção mental que não seja acompanhada de uma modificação corporal. Além disso, eles apresentam a relação estímulo-resposta como a proposta metodológica de seu trabalho.

A Psicologia Funcionalista interessa-se em compreender como ocorre o funcionamento e a adaptação da mente dos indivíduos no meio em que esses indivíduos se inserem. De acordo com Schultz (1992), o funcionalismo estuda as influências das crenças no comportamento emocional e corporal das pessoas, bem como investiga a formação dos conceitos de acordo com as necessidades humanas. Para esta corrente, as pessoas apresentam comportamentos diferenciados em relação aos estímulos que recebem. Não existe uma única resposta aos estímulos: as respostas variam conforme os comportamentos adaptativos das pessoas. Portanto, a consciência e as sensações são mutáveis. O funcionalismo investigou a estrutura psicológica de diferentes populações - como animais, crianças, povos primitivos e deficientes - para descobrir as variações nas organizações mentais desses grupos. 2.4. Gestalt

Questionando o reducionismo proposto pelo estruturalismo e pelo funcionalismo, a Gestalt prega que o todo é maior que a soma de suas partes, buscando ser uma Psicologia integrativa de caráter globalista. Propõe que para entender o todo é preciso analisá-Io em sua configuração, analisando e 8liegrnndo as suas partes constituintes.

Segundo Davidoff (1983), a Gestalt surgiu como protesto contra o estruturalismo,

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principalmente contra a prática de reduzir experiências complexas e elementos simples. A invenção do cinema foi a demonstração de como uma série de fotografias e imagens imóveis, quando eram rapidamente apresentadas, transformavam-se em imagens contínuas. Dessa maneira, verificava-se que o filme projetado na tela esboçava o todo. das partes que o compunham. O movimento aparente não podia ser compreendido, portanto, sem as análises de todos os seus componentes. A Gestalt é uma corrente muito significativa no estudo das percepções e também contribui para a compreensão dos indivíduos como parte de um campo mais amplo que inclui o organismo e o meio. 2.5. Conexionistas

Para o psicólogo americano Edward Lee Thorndike (1874-1949), o comportamento do sujeito é modelado pelo ambiente e segue leis que o direcionam. E esse comportamento só será efetivo se for condicionado por três princípios:

• lei do efeito - a aprendizagem se manterá ou não segundo as conseqüências que produz (reforçamento); • lei do exercício - a importância da prática para que se mantenham as conexões nervosas e se fortaleça o aprendido; • lei da disposição - se não existe disposição, não se produz comportamento, aprendido, pois é a disposição que permite o comportamento. Thorndike propunha conexões entre estímulos e respostas e seus experimentos

envolviam o uso de animais. Um dos seus estudos clássicos foi a experiência que realizou com um gato privado de alimentos que ficou em uma caixa fechada com vários trincos. Para sair da caixa, o animal tinha que encontrar a alavanca correta para acessar o alimento, que estava do lado de fora. Por meio da lei do exercício, com diversas tentativas de ensaio e erro (empurrar, farejar e dar patadas), o gato conseguiu abrir a alavanca. Em outras situações - quando o animal era recolocado na caixa, acionava a alavanca e conseguia o alimento -, manifestava-se a lei do efeito. A comida era sua recompensa e funcionava como um reforço positivo. Porém, quando gato acionava a alavanca e não encontrava o alimento, sua resposta era enfraquecida. O uso prolongado da resposta incorreta fazia com que a resposta fosse sendo extinta, pois funcionava como um reforço negativo. Portanto, para os conexionistas, um comportamento poderia tanto ser reforçado como esquecido se não fossem realizadas as conexões necessárias: se o animal não encontrasse uma maneira de alcançar alimento desejado, não havia disposição para realizar a ação. 2.6. Psicanálise

Para o médico austríaco Sigmund Freud (1859-1939), pai da Psicanálise, os processos psíquicos são de natureza inconsciente e os processos conscientes não são senão atos isolados ou fracionados da vida total. Segundo Freud, determinados impulsos instintivos, que podem ser unicamente de natureza sexual, desempenham um papel entre as causas das enfermidades nervosas, psíquicas, e colaboram na gênese das mais altas criações culturais, artísticas e sociais.

A Psicanálise considera que os processos mentais não ocorrem ao acaso existem

razões para os acontecimentos humanos, os sentimentos ou as ações. De acordo com Bock (2000), a Psicanálise busca o significado oculto das nossas ações, o qual é expresso por meio de gestos, palavras ou sonhos. Na educação, Psicanálise assume um

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papel significativo no estudo da afetividade, dos recalques das repressões, das projeções, das transferências e dos mecanismos de defesa vivenciados nas relações entre professores e alunos. 2.7. Reflexologia

O fisiologista russo Ivan Sechenov (1829-1905) e o fisiologista e psicólogo soviético Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) descobriram os mecanismos reguladores da conduta, os quais podem ser inibidos ou intensificados pelos mecanismos de estímulo e resposta. Pavlov propõe que as atividades nervosas superiores podem ser estudadas pelo procedimento do reflexo condicionado. Assim, o condicionamento assumido como técnica fundamental, o que permite descobrir as condições para que frente ao estímulo, haja uma resposta que não lhe pertence.

Por meio de pesquisas realizadas com cães, Pavlov demonstrou como u: comportamento pode ser condicionado. Em seus estudos, ele observou que, se comida era ofertada aos cães associada ao som de uma campainha, essa ação faz com que esses animais, com o passar do tempo, já começassem a salivar quando ouviam o sinal da campainha. Esse aspecto representava um reflexo condicional e essa resposta só ocorria em função de uma conexão existente entre o estímulo (o som) e a resposta (a comida).

O processo de condicionamento não ocorre somente com os animais, mas também no cotidiano das pessoas. Alguns exemplos (acordar ao som do despertador atender ao som do celular, dormir em horários determinados) representam que organismo está condicionado a oferecer determinadas respostas em função dos estímulos gerados. 2.8. Condutivismo

Esta é a base de uma Psicologia eminentemente prática, sem nada de introspecção, tendo como objetivos a predição e o controle da conduta. São seus representantes os psicólogos americanos John Broadus Watson (18781958), Clarck Leonard Hull (1884-1952), Edward Chace Tolman (1886-1959) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Este último propõe o condutivismo radical ou behaviorismo, segundo o qual toda conduta humana é completamente determinada, nunca havendo liberdade de escolha.

O termo behaviorismo deriva da palavra inglesa behavior, que significa “comportamento". Skinner, um dos principais representantes desta corrente, observava que o comportamento humano podia ser modelado. De acordo com Fadiman (1986), em um dos seus experimentos Skinner observou que se, após realizar uma ação positiva, uma criança recebia uma bala, esse ato reforçava comportamentos positivos dessa criança. Entretanto, se essa mesma criança realizava comportamentos de birra com a mãe todas as vezes que freqüentava uma loja, com o intuito de que sua mãe comprasse brinquedos, e se essa criança fosse atendida nos seus apelos, a mãe estava reforçando comportamentos negativos de filha. Portanto, ao estudar os reflexos, Skinner investigava a ocorrência desses reflexos e as respostas desejadas e indesejadas. A teoria condutivista é criticada na educação por estudar formas de recompensas no processo educacional, formas de controle do comportamento e por enfatizar o ensino programado, que centraliza o processo educacional no professor.

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2.9. Psicologia Soviética

O psicólogo russo Lev Semionóvitch Vygotsky (1896-1934) estudou as capacidades humanas (como cada um é capaz, com as ajudas adequadas, de desenvolver uma habilidade) e define consciência como o autêntico objeto de estudo da Psicologia: a consciência é a função mais especializada do cérebro e se desenvolve no contexto das relações sociais. Em suas investigações sobre os processos neuropsicológicos da mente humana, Vygotsky teve a colaboração do neurologista russo Aleksandre Romanovitch Luria (1902-1977).

A origem russa de Vygotsky contribuiu para que seus estudos recebessem influência do socialismo e estivessem voltados para as interações sociais e a construção coletiva do conhecimento. Para ele, o ensino não estava somente centrado no professor, mas em todos os integrantes da sala de aula. A Psicologia soviética discutia a não-universalidade de padrões de desenvolvimento. Nesta corrente, a estrutura e o funcionamento do psiquismo humano são construídos de acordo com a cultura dos indivíduos. 2.10. Psicologia humanista

Propõe a clara distinção entre homens e animais: os homens têm uma natureza específica comum a outros homens e possuem uma natureza individual, que é única e sem repetição. Portanto, cada sujeito deve ser estudado como é, sem pré-estabelecimento de juízos ou conceitos. A Psicologia humanista se baseia em alguns princípios, como os de o homem:

• ser mais que uma soma de partes; • ser a essência em um contexto humano; • viver de forma consciente; • ter condições de escolha; • O ser orientado para metas. Os maiores representantes desta corrente são o psicopedagogo americano Carl

Rogers (1902-1987) e o psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970). O humanismo na educação prioriza a pessoa que aprende e a escola deve

ensinar valores democráticos ao aluno, levando-o à autodireção. Assim, • a aprendizagem transcende os limites cognitivos, afetivos e motores; • a educação deve ter qualidade de um envolvimento pessoal e a pessoa precisa ser tratada como um todo;

• a avaliação reside no educando; • o aluno auxilia a realizar o planejamento, a formular questões, a discutir problemas referentes ao grupo e a avaliar as conseqüências de suas escolhas;

• o professor precisa ser um facilitador da aprendizagem e estabelecer um Clima de receptividade entre os alunos.

2.11. Cognitivismo

O objetivo principal desta corrente é a atividade humana de um sujeito que busca, escolhe, elabora, interpreta, transforma, armazena e reproduz a informação proveniente do

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meio ambiente ou do seu interior. Direcionado por um objetivo, esse sujeito planeja, programa, executa e corrige a ação em processo até o término dessa ação. O biólogo e filósofo suíço Jean Piaget (1896-1980) concebe o conhecimento como um conjunto de estruturas cognitivas que permitem à criança adaptar-se ao ambiente. E ele chama de epistemologia genética ao seu campo de estudo, sobre as origens e os estágios da inteligência e do conhecimento na criança. Os teóricos do processamento da informação estabelecem correlação entre os comportamentos humanos e os ordenadores de modelos virtuais, que processam informações mediante mecanismos de entrada, processamento e saída de informações, assim como acontece com o sistema cerebral humano. A partir disso, esses teóricos propõem um sistema de modelos de funcionamento da mente humana.

Piaget buscou nas crianças a origem do conhecimento. No início de suas pesquisas, ele realizava observação direta do comportamento de seus três filhos. Com o tempo, foi sistematizando seu método de investigação para entender a lógica infantil. Para ele, o desenvolvimento cognitivo ocorria por meio de processos constantes de desequilíbrio e equilibração. Ou seja, a cada interação do indivíduo com um objeto desconhecido, o indivíduo assimilava as estruturas desse objeto e, posteriormente, acomodava as características desse objeto ao seu pensamento. Dessa maneira, novos elementos eram incorporados à estrutura mental dos indivíduos e, em sucessivos processos de desequilíbrio e equilibração, os sujeitos construíam conhecimentos.

2.12. O desenvolvimento humano

A partir dessas diferentes abordagens e pontos de vista sobre o comportamento humano, buscaremos um referencial que nos permita entender como nos constituímos como sujeitos. Para tanto, partimos de algumas premissas.

• Em primeiro lugar, o princípio de que o ser humano não é um sujeito acabado ao nascimento: ele se constitui ao longo de seu desenvolvimento e de maneira tão peculiar e única que exige um estudo organizado para serem conhecidas as formas e as condições em que um sujeito vai se formando ao longo de sua vida. Para tanto, faz-se necessário que a Psicologia do Desenvolvimento estude, com base nos teóricos que admitem tais condições de desenvolvimento da criança, o processo de constituição de cada um.

• Posteriormente, deve ser claro que devemos levar em conta a condição de existência de cada um de nós a partir desse processo contínuo. Assim, teóricos que tenham essa óptica são eleitos para nosso estudo: as perspectivas psicanalítica, cognitivista e interacionista são as escolhidas para discutirmos, ao longo deste material, como se dá o comportamento humano a partir do desenvolvimento, da infância até a maturidade. E dessa forma poderemos construir um referencial teórico útil na relação que manteremos com a criança ao longo do processo de escolarização.

Atividades

Escolha três amigos do seus curso e discuta com eles as questões abaixo.

• São as características psicológicas humanas um atributo da espécie ou um processo de desenvolvimento gradual e aprendido?

• Nas perspectivas teóricas apresentadas, quais dão prioridade ao desenvolvimento proporcionado pelo meio, quais dão prioridade ao biológico e quais propõem uma

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visão interativa de sujeito humano? • A proposta de Psicologia estudada e defendida por Vygotsky é fundamentada no estudo: a) do comportamento. b) das bases biológicas do cérebro. c) da consciência humana. d) do experimento cognitivo.

• Entendemos o conceito de desenvolvimento humano como: a) sendo algo pronto, inato, que apenas aguarda o amadurecimento cerebral para se manifestar. b) um processo comportamental relacionado ao modo de estimulação ambiental fornecido pelo meio. c) um processo existencial, divino e sem influência humana. d) um processo construtivo, mediatizado, de múltipla influência entre sujeito e meio, começando pela criança e indo até o adulto.

• Das correntes psicológicas estudadas, qual defende a afirmativa de que "toda conduta humana é completamente determinada, nunca havendo liberdade de escolha"?

3. VYGOTSKY: VIDA E OBRA A HISTÓRIA DE UM GÊNIO

Para compreender o direcionamento da obra de Vygotsky, é necessário compreender um pouco o percurso vivido pelo homem Lev Semenovich Vygotsky, bem como o contexto histórico e social em que ele estava inserido. Dessa forma, é necessário analisar as influências recebidas da família, do clima intelectual e social da época em que viveu.

Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, em Orsha, uma pequena cidade na Bielo-Rússia (alguns livros trazem a data de 17 de novembro, mas não consideraram que o antigo calendário russo trazia 12 dias de diferença em relação ao ocidental). Era descendente de uma família de origem judaica. Viveu sua infância em GomeI, na companhia dos pais e dos sete irmãos. Foi uma infância marcada por um ambiente desafiador em termos intelectuais e tranqüila quanto ao aspecto econômico: o pai era bancário e a mãe, professora formada, dedicou-se à criação dos filhos. Eles foram os principais organizadores da biblioteca pública da cidade, da qual todos os filhos e amigos eram ativos freqüentadores.

Até os 15 anos, sua educação ocorreu em casa, acompanhada pelo tutor Solomon Asphiz. Desde muito jovem, ele se mostrava um estudante dedicado, um amante das artes e da literatura. Em sua casa, havia uma biblioteca onde estudava sozinho ou na companhia de amigos. Um aspecto marcante na sua formação foi o aprendizado de diferentes idiomas, o que lhe permitiu contato com textos de diversas línguas.

Aos 17 anos, completou o curso secundário, recebendo medalha de ouro por seu brilhante desempenho. Por sua origem étnico-religiosa, enfrentou dificuldades para ingressar no ensino superior: Universidade de Moscou oferecia apenas 3% das vagas para estudantes judeus. Para conseguir seu ingresso, Vygotsky participou de um sorteio. Em 1914, iniciou seus estudos no curso de Medicina, opção que, apoiada por seus pais, poderia lhe proporcionar uma vida estável, mas depois de um mês se transferiu para Direito e Literatura. Como trabalho de conclusão de curso, apresentou um estudo sobre Hmnlet, de Shakespeare, obra que mais tarde se tornaria o livro Psicologia da arte, no qual discute a influência da literatura no indivíduo.

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Vygotsky começou sua carreira profissional aos 21 anos, após a Revolução Russa.

No período entre 1917 e 1923, ele lecionou e proferiu várias palestras sobre temas ligados à Literatura, além de fazer crítica literária. Duas características marcantes definem o estudioso nessa época: o seu retorno à medicina (mesmo já sendo renomado, freqüentou o primeiro ano com naturalidade, junto aos alunos mais novos) e sua aptidão para a leitura (seu amigo Luria o definiu corno um "leitor em diagonal", sem dizer que o que Vygotsky lia não eram novelas românticas).

Seu interesse pela Psicologia surgiu de forma mais sistemática a partir do contato com crianças com problemas congênitos. Vygotsky trabalhou intensamente no início do período pós-revolucionário e, a partir de suas experiências, passou a pensar em alternativas que pudessem auxiliar no desenvolvimento dessas crianças.

Ele estudava os problemas neurológicos das crianças para compreender o

funcionamento psicológico do homem. Sua atividade acadêmica foi muito diversificada. Atuou nas áreas de Psicologia, Pedagogia, Filosofia, Literatura e de atendimento aos portadores de necessidades especiais. Para entender o funcionamento da mente humana, iniciou suas pesquisas com crianças que não possuíam os padrões considerados "normais". Vygotsky considerava que era preciso ir além dos pressupostos e dos objetivos do desenvolvimento humano. Para ele, o desenvolvimento variava consideravelmente segundo as tradições e as circunstâncias culturais de diferentes comunidades.

Naqueles anos, seus estudos sobre os grandes pensadores da época o colocaram em contato com as mais diferentes obras do seu tempo as suas preocupações com um ideal de sociedade o faziam decisivamente mais próximo das obras de Marx e Engels. Em 1919, descobriu ser portador de tuberculose, doença que o mataria 15 anos mais tarde, mas que em momento algum lhe tirou a tenacidade e a obstinação.

Em sua carreira, 1924 é um marco: a partir desse ano, Vygotsky se dedicou de

forma mais sistemática ao estudo da Psicologia, tendo realizado uma palestra no 2° Congresso Psiconeurológico e causando espanto e admiração em pesquisadores renomados que viram aquele jovem de 28 anos abordar, com clareza e de forma revolucionária, as idéias acerca do estudo do comportamento consciente humano. Depois disso, ele foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, mudando-se para essa cidade e dando início à construção de sua obra. Foi também aos 28 anos que ele se casou, e dessa união teve duas filhas. Em 11 de junho de 1934, morreu em Moscou.

A produção de Vygotsky foi vasta. Porém, como ele faleceu aos 37 anos de idade, muitos de seus textos não expressavam detalhes dos seus experimentos e pesquisas. De todo modo, a produção de Vygotsky era revolucionária para sua época pelo fato de romper com a estagnação da Psicologia e das ciências educacionais de então. É preciso destacar que as obras de Vygotsky foram ignoradas no Ocidente até 1962 por problemas políticos e pela situação de isolamento que a União Soviética apresentava em relação aos centros europeus e americanos de produção do conhecimento. 3.1. Vygotsky e a sua visão da realidade

A obra de Vygotsky é inovadora, contrapondo-se às visões correntes na sua época. Nas primeiras décadas do século XX, a Psicologia estava dividida em duas tendências.

O grupo ligado à filosofia empirista encarava a Psicologia como ciência natural,

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devendo deter seu olhar na descrição das formas exteriores do comportamento. Este primeiro grupo ignorava os fenômenos complexos da atividade consciente, especificamente humana.

Os empiristas defendiam que as pesquisas realizadas sobre o comportamento deveriam ser comprovadas por raciocínio dedutivo. Também enfatizavam os estudos dos comportamentos observáveis e desprivilegiavam pesquisas voltadas para o estudo de comportamentos que se manifestavam de forma subliminar, ou seja, no inconsciente humano. Para os empiristas, os comportamentos deveriam ser analisados e testados.

o outro grupo, fundamentado na filosofia idealista, acreditava que a vida psíquica não pode ser alvo de estudo de uma ciência objetiva, já que era manifestação do espírito. Este segundo grupo ignorava as funções mais complexas do ser humano e se detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos (CL REGO, 1995).

Os idealistas acreditavam que não era possível tratar o homem somente como resultado da interferência de um mundo físico e social. Eles procuravam entender o homem na sua totalidade, uma vez que o psiquismo sempre deveria ser visto na sua relação com o mundo.

No 2° Congresso Psiconeurológico, o mais importante evento de Psicologia na época, Vygotsky buscou superar essa situação usando o método dialético marxista ao apresentar palestra sobre A Metodologia da Investigação Rejiexológica e Psicológica, na qual expôs as bases de um pensamento para além da perspectiva vigente na Psicologia, propondo uma Psicologia de caráter materialista (cf. MOLL, 2002).

A Psicologia materialista procurava entender os fenômenos e o psiquismo humano a partir da interação dos aspectos biológicos e sociais no desenvolvimento. a homem, em uma relação dialética, era ao mesmo tempo produto e produtor das ações sociais. O cérebro, para os materialistas, não era somente um órgão, mas i12mbém um sistema aberto e flexível cujo funcionamento era construído na própria história dos homens. O desenvolvimento biológico não era descontextualizado, mas pensado em uma relação direta com o desenvolvimento social. Sendo assim, a cultura transformava as pessoas, seus valores e representações.

Sobre essas bases, Vygotsky pretendia construir uma nova Psicologia, uma marxista do pensamento humano. Essa nova forma de pensar a construção humana deveria incluir: A identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função: a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de esclarecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento de comportamento. (COLE; SCRIBNER, apud VYGOTSKY, 1984).

Esse grande projeto conta com a colaboração de um grupo de pesquisadores, incluindo do Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, principais colaboradores de Vygotsky era o Juntos, eles construíram a chamada tróica ("trinca"), da qual Vygotsky era o líder e que representava toda a efervescência da época ;pós-revolucionária. O grupo se encontrava com freqüência, aproximadamente seis horas de cada vez, duas vezes por semana.

Durante uma década de trabalho, Vygotsky e seu grupo se dedicaram à construção de uma nova Psicologia abordando diferentes temas relacionados ao desenvolvimento humano. Houve buscas incessantes sobre a formação do homem, em todos os referenciais da época, e o grupo realizou experiências ao longo de muitas pesquisas. Com a impossibilidade de acompanhar as pesquisas mais distantes, eram enviadas expedições pela Rússia em busca de dados que pudessem ilustrar as suas perspectivas

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sobre o papel da cultura na constituição do sujeito. Luria e Leontiev foram os principais pesquisadores dessas expedições, cujos resultados podiam ser estudados profundamente pelos membros do grupo de pesquisa e, após as conclusões, era Vygotsky quem se encarregava da redação final da obra.

A teoria elaborada por Vygotsky ficou conhecida como Teoria Sócio-histórica ou Teoria Histórico-cultural. Para o autor, "o mundo psíquico que temos hoje não foi nem será sempre assim, pois sua caracterização está diretamente ligada ao mundo material e às formas de vida que os homens vão construindo no decorrer da história da humanidade" (BOCK, 2000, p. 86).

Segundo essa visão, o homem é um ser ativo, histórico, e social e dessa forma sua ação deixa na natureza marcas e produtos que serão apropriados pelos demais integrantes do núcleo social mediante as atividades praticadas. Além disso, o uso das ferramentas transforma as pessoas e a sociedade em que elas Vivem.

O uso dos instrumentos é um conceito expressivo na teoria de Vygotsky, pois está associado ao trabalho e às transformações da natureza. De acordo com Oliveira (1997, p. 28), "é o trabalho que, pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e história humana". No trabalho se realizam as ações coletivas e a construção dos instrumentos.

Na história da humanidade, a evolução dos instrumentos demonstra como os homens foram construindo estratégias para se adaptarem e transformarem o meio social. No processo de alimentação, por exemplo, é possível verificar como as diferentes culturas foram elaborando múltiplas maneiras de conceber a forma e a estruturação coletiva de suas refeições. Os povos ditos primitivos foram elaborando ferramentas para poderem se alimentar. As mãos em concha e os objetos da natureza eram utilizados para beber água. Estes objetos foram os instrumentos precursores da invenção das colheres. Os objetos e materiais cortantes foram sendo adaptados e se transformaram em facas. Os galhos serviam como garfos. Estas foram algumas pequenas amostras da evolução do trabalho humano.

Para Oliveira (1997), os animais também utilizam instrumentos, porém, de forma rudimentar. A autora cita os exemplos dos chimpanzés, que usam varas para conseguir alimentos distantes. Todavia, os animais não produzem os instrumentos com os mesmos objetivos que os homens. A característica de preservar a função dos instrumentos e transmiti-Ias de geração para geração é um aspecto da cultura humana.

A apropriação desses instrumentos elaborados historicamente e a internalização dos modos de agir ocorrem no convívio social. Oliveira (1990) citou o caso verídico das meninas-lobo Amala e Kamala, na década de 1920 na Índia. Abandonadas pequenas na selva, elas aprenderam a conviver com os animais. Quando foram encontradas, andavam, comiam e se comunicavam como os lobos. Durante um determinado tempo, ficaram internadas em uma instituição, mas tiveram poucos avanços nos aspectos sociais e cognitivos. Amala morreu com dois anos de idade e Kamala conseguiu sobreviver até os nove anos. Porém, Karmala necessitou de seis anos para andar e, quanto à linguagem, apresentava um vocabulário bem precário.

Essa situação representa a maneira como o convívio social possibilita criar condições para o aparecimento da consciência. Para Davis e Oliveira (1990), os homens, quando transformam a natureza e aprimoram seus instrumentos, estão desenvolvendo suas funções mentais superiores, como percepção, atenção, memória e raciocínio. Nesse processo, também estão formando suas personalidades. Cabe à Psicologia do Desenvolvimento, portanto, conhecer e compreender a forma de estruturação do comportamento humano e dos processos de aprendizagem.

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Atividade

• Pesquise e comente com os seus colegas a influência da revolução socialista de 1917 no pensamento de Vygotsky.

• Pesquise o significado da expressão homem concreto, levando em conta a teoria de

Karl Marx. 4. BASES EPISTEMOLÓGICAS: O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO

A formação social da mente, uma das mais conhecidas obras de Vygotsky, marca uma das principais idéias da corrente sócio-histórica elaborada por ele, que não buscava descobrir a natureza da mente como uma colcha de retalhos, mas sim, com base no pensamento e no método marxista, "saber de que modo a ciência tem de ser elaborada para abordar os estudos da mente" VYGOTSKY, 1998, p. 10). Assim, o materialismo histórico deriva da influência de Marx em sua obra, enquanto para o materialismo dialético ele procurou fundamentação em Engels.Sobre suas bases marxistas se assentam os princípios da sua visão acerca da construção de uma ciência psicológica:

• os fenômenos devem ser estudados em permanente transformação; • ao transformar a natureza com a sua atividade, o homem transforma também a si mesmo;

• o conhecimento só pode ser construído a partir da essência dos fenômenos e não da aparência, ou seja, é preciso conhecer sua gênese;

• a consciência é determinada pelo modo de vida concreta dos sujeitos. Ele dirige dura crítica ao sistema cartesiano, proposto por Descartes (1649), pela

incompletude de sua abrangência nas questões de Psicologia. Tinha uma admiração profunda pela obra de Spinoza (1675), que buscava uma relação monista (unificada) para o problema do corpo e da mente. Para Vygotsky, além de mo possibilitar o entendimento das funções tipicamente humanas, as tendências cartesianas acabavam por gerar uma crise na Psicologia.

O filósofo Descartes3 era mecanicista e considerava que o corpo é um conjunto de reflexos regido pelas leis da física e da mecânica. Para Carpigiani, o pensamento cartesiano estava voltado para a separação da mente e do corpo (alma e espírito) e considerava que a única interação possível entre essas estruturas ocorria por meio da glândula pineal. De acordo com Descartes, essa glândula era localizada na base do cérebro e responsável pela memória e pelo pensamento. Todavia, embora o pensamento cartesiano enfatizasse essa característica da dualidade, não concebendo o homem como um ser único, suas afirmativas, para a época, contribuíram para as pesquisas na área da anatomia. Até aquele momento, os estudos sobre o corpo humano eram condenados pela Igreja, que afirmava que os corpos são sagrados e, portanto, intocáveis. Dessa maneira, os corpos humanos não podiam ser estudados.

Descartes argumentava que os corpos dos animais eram como máquinas sem alma e, por isso, podiam ser dissecados e estudados. Nesse sentido, a separação entre corpo e

3 René Descartes (15961650), filósofo e matemático francês. Autor de Regras para a Direção do Espírito

(1628,Discurso sobre o Método (1637) e Princípios da Filosofia (1644). Sua primeira preocupação foi fundar um método que permitisse o pensamento claro e distinto. Para o pensamento cartesiano, a racionalidade do mundo físico e biológico se expressa exclusivamente em termos de causa e efeito.

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mente favoreceu as pesquisas anatômicas. No entanto, o pensamento de Descartes não considerava a influência que a mente exerce sobre o corpo.

Segundo Wertheimer (1982), o filósofo Benedito Spinoza4 descrevia forma mais lógica e geométrica o comportamento humano. Spinoza disco! sobre a epistemologia e a ética e propôs uma solução para o problema do cc e da alma, desenvolvendo a perspectiva monista, que sustentava a unidade e: mente e corpo como substâncias unitárias.

Na teoria sócio-histórica, Vygotsky entendia a construção da inteligência humana a partir da vertente interacionista, que conjugava o corpo com a aI Também defendia a complementaridade dos aspectos biológicos e sociais desenvolvimento humano.

Essa teoria considera que é por meio das suas interações com outros s humanos que o homem se constrói. Em outras palavras, o homem não n: homem e sim com possibilidades de humanizar-se nas interações que estabelece ao longo da vida. Ao pensar assim, Vygotsky alia-se à perspectiva marxista de o homem ao longo de sua existência tem produzido, pelo trabalho, transformações de natureza social e material. Nascidos nesse contexto, os sujeitos devem apropriar dessas transformações para poderem participar da sociedade.

Entendida como instrumentos, essa produção permitiu que o homem atuasse sobre o meio - utilizando mediadores materiais, a priori, e simbólicos, a poste (PINO, 2000) - para promover sua relação com o outro e com a natureza. Assim seu nascimento, o sujeito encontra os elementos pertinentes à sua realidade, ou seja, interage com a tecnologia instrumental e simbólica vigente. Pode-se tomar um exemplo da necessidade do conhecimento digital para assim participar mais intensamente transformações que o conhecimento gera na realidade dos dias de hoje.

As mediações simbólicas que o homem constrói ao longo de sua existe estão relacionadas à invenção dos signos, que são elementos da cultura humana e orientam o pensamento. Na atualidade, quando uma mãe está grávida, já existe um instrumental tecnológico desenvolvido por gerações anteriores que vão mediar as futuras interações do seu bebê com o mundo.

Ao longo da evolução das espécies, os homens foram elaborando diferentes instrumentos adaptados às crianças, como brinquedos, utensílios para a alimentação e mesmo o mobiliário infantil. Além desses instrumentos, também foram s construídas representações sociais. Em diferentes culturas, a cor azul está associada ao sexo masculino e a cor rosa, ao sexo feminino. Portanto, mesmo antes de m: a criança já está imersa em um conjunto histórico de instrumentos, representa signos e símbolos. A partir do nascimento, essa criança vai aos poucos familiarizando e compreendendo seus significados. Tais símbolos e representação são expressos de várias formas em função das diversidades culturais.

Assim, as características tipicamente humanas não estão prontas no nascimento: desenvolvem-se no decorrer da vida.

As funções psicológicas superiores do ser humano surgem da interação dos fatores biológicos que são parte da constituição física do Homo sapiens, com fatores

4 Baruque de Spinoza(16321677), também chamado Benedito de Spinoza, filósofo holandês. Grande parte

de sua obra foi publicada postumamente: Ética (1661-1675), Tratado sobre a Reforma do Entendimento (1662) e 1i-atado Político (1676-1677). Seu maior objetivo foi transmitir uma mensagem libertadora diante de todas as servidões. Sua idéia moral sobre o homem se estende para a vida em sociedade: a cidade existe pela reunião de todos no espírito de liberdade.

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culturais, que evoluíram através de dezenas de milhares de anos de história humana. (LURIA, 1994, p. 60). Para Vygotsky, as funções psicológicas superiores são:

• a capacidade de solucionar problemas; • uso da memória; • a formação de conceitos; • o desenvolvimento da linguagem.

Reunidos, esses aspectos compõem as características eminentemente humanas. O processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores e de novas formas de atividade mental é um processo ativo e de interações que permitem a construção de ações partilhadas e modificações nos ambientes.

Isso é percebido quando comparamos a atividade humana com a atividade animal. Os animais não deterioram seu habitat, ou seja, vivem em harmonia com ele. Por sua vez, o homem, na medida em que gera trabalho (base do materialismo de Marx), transforma o meio ambiente e as próprias pessoas, modificando os sistemas sociais, naturais e individuais.

Na relação entre as transformações geradas pelo trabalho e pela ação intencional do homem sobre a natureza, a criação da linguagem humana deve ser tomada com destaque. Em virtude de sua intensa atividade com a natureza e com seus semelhantes, o homem necessita manter relações de troca de bens entre estes. Associada ao processo de liberação da mão e da face (PINO, 2000), essa necessidade proporcionou, pelo gesto e pela voz, a criação de um complexo sistema de representações desenvolvido a partir dos gestos e dos sons. Esse instrumento complexo, a linguagem, possibilita a troca de informações, experiências e atividades sem a presença dos objetos e das pessoas de quem se fala. Essa função, caracterizada por Vygotsky como a principal atividade humana, distanciou-nos das formas de atividade animal, permitindo-nos a representação das ações. E a possibilidade de interagir com a mediação do signo modificou por completo a atividade humana, criando funções cognitivas de ordem superior.

Para Vygotsky, a utilização da linguagem pela criança constitui um dos meios mais expressivos para a formação da consciência. As experiências históricas dos homens se encontram tanto nas produções materiais como nas formas verbais de comunicação. E é principalmente pelo uso da linguagem e dos signos que a criança interioriza o universo que está ao seu redor. Ao estudar o comportamento de crianças pequenas na fase pré-verbal, comparando-o ao comportamento dos macacos antropóides, Vygotsky constatou que, quando as crianças incorporam a fala e os signos nas suas ações, seu comportamento supera a inteligência prática dos macacos. Por meio dos processos de interiorização dos aspectos culturais, as crianças começam a controlar o ambiente e o próprio comportamento. Esses aspectos produzem novas relações sociais que constituem a base para a formação do intelecto.

Embora estabeleçam comunicações entre si, os animais não conseguem elaborar signos. De acordo com Oliveira (1997), os signos são produções construídas pelos homens para a solução de seus problemas, tais como lembrar, comparar coisas, relatar, escolher e descrever ações. Da mesma forma que os instrumentos auxiliam o homem no trabalho, os signos são instrumentos psicológicos utilizados pelos homens para auxiliar no pensamento e no desempenho de atividades.

Existe uma infinidade de situações do uso dos signos para auxiliar a memória. A utilização de agendas, lista de compras, bilhetes anotados e espalhados pela casa e anotações em sala de aula são recursos que constituem a atividade prática mental de povos das sociedades letradas. Essas estratégias auxiliares da memória são aprendidas

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coletivamente. Porém, cada pessoa, com o passar do tempo, vai elaborando recursos internos próprios para auxiliar na sua memória e na construção do pensamento. Uma anotação de sala de aula no caderno, por exemplo, pode ser um excelente recurso para auxiliar a memorização dos conteúdos de uma disciplina, para quem escreveu o texto. Todavia, pode não ser tão funcional para um outro leitor, que não compreende os signos, representações e rascunhos do escritor. Portanto, essas estratégias externas de anotação vão sendo transformadas de acordo com as características individuais dos sujeitos em processos conhecidos como internalização.

Vygotsky (1988, p. 63) caracteriza o processo de internalizarão como uma "reconstrução interna de uma operação externa". Ou seja: a humanidade está sempre em constante movimento de recriação e de reinterpretação de conceitos e significados. Oliveira (1997) considera que a cultura é um "palco de negociações" em que os sujeitos compartilham idéias e conhecimentos e reelaboram significados. Portanto, quando os indivíduos se apropriam da cultura de seu povo, não o fazem de forma passiva e estática.

As atividades externas vão sendo absorvidas internamente, ao que Vygotsky denomina processos interpsicológicos, e também vão sendo reapresentadas em processos intrapsicológicos. Dessa maneira, Vygotsky considera que o desenvolvimento ocorre do social para o individual. Nesse processo, a linguagem exerce um papel expressivo na constituição das pessoas.

Atividades

• Existem diferenças entre o estado de consciência e a consciência humana. Quais são e que fatores as determinam?

• Explique o que Vygotsky quer dizer com "formas típicas do comportamento

humano".

• Qual afirmativa corresponde ao sistema cartesiano? a) Os fenômenos devem ser estudados em processo de transformação. b) O corpo e o pensamento devem ser estudados como elementos distintos. c) O corpo e o pensamento devem ser estudados como elementos que se

integram. d) O conhecimento é construído a partir dos fenômenos sociais.

• Quais são as funções psicológicas superiores descritas por Vygotsky? a) Capacidade de solucionar problemas, memória e linguagem. b) Instrumentos e símbolos. c) Signos e percepções. d) Representações e símbolos.

5. PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO: COMPORTAMENTO ANIMAL VERSUS

COMPORTAMENTO HUMANO Para discutir as características tipicamente humanas, Vygotsky analisa o comportamento animal. A comparação entre o comportamento humano e o comportamento animal é encontrada em diferentes momentos de sua obra. Em A Formação Social da Mente, ele analisa as mais correntes psicológicas da época e critica o uso de comportamentos animais para explicar os comportamentos humanos. E, por outro lado, analisa que os

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fatores considerados inerentes à natureza humana também não são determinados apenas pelas características biológicas. Segundo Vygotsky, existem alguns traços característicos do comportamento humano:

• qualquer comportamento de um animal conserva uma ligação direta com os motivos biológicos;

• o comportamento humano não é determinado por estímulos imediatos;

• existem diferenças nas fontes do comportamento do homem e d animal.

O primeiro aspecto fica claro quando percebemos que a atividade animal está relacionada a comportamentos de espécie, ou seja, comportamentos ligados ao instinto animal. Lorenz (apud PINO, 2000) fala da existência de "mecanismos inatos deslanchadores da ação" que permitem que os animais reajam de forma "sensata" aos sinais emitidos por outros animais. Esses sinais seriam ativados em situações de ameaça, fome ou perigo para a sobrevivência de si ou do grupo. Esse viés instintivo se tornou muito marcante na Psicologia, com o comportamento humano sendo atribuído a porções instintivas do cérebro humano, o que se correlaciona a condutas predeterminadas.

Durante muitos anos, a Psicologia acreditou que algumas reações humanas aos reflexos eram instintivas, parecidas com as dos animais. A Psicologia histórico-cultural de Vygotsky trouxe novos elementos e interpretações para esses processos. Segundo Vygotsky (1988), algumas reações humanas são instintivas, mas também podem ser culturalmente elaboradas. Alguns acontecimentos de uma vida em grupo, por exemplo, podem provocar reações emocionais diferenciadas, que variam de cultura para cultura.

Assim sendo, o segundo aspecto se torna claro à medida que percebemos que as características do comportamento humano são maiores que a mera sensorialização dos estímulos ambientais: existe no comportamento humano uma elaborada forma de análise e representação dos elementos indicativos do ambiente, o que implica uma interpretação desses elementos. As relações como "cheiro de fumaça / fogo", características do comportamento de fuga dos animais, são diferentes no comportamento humano. Existe uma reflexão contextual em que a análise de bens, valores e condição de enfrentamento está posta como prioritária na resposta do humano ao específico sinal do ambiente. O terceiro aspecto posto na diferenciação entre o comportamento humano e o comportamento animal está relacionado às fontes do comportamento. A vida em grupo trouxe desafios de sobrevivência além do caráter natural: a busca de comida e o ritual de caça trouxeram novas formas para o comportamento humano. A necessidade de interpretar os sinais da caça e a elaboração de modos de captura e apreensão modificaram o comportamento inteligente, fazendo com que o homem criasse instrumentos que lhe permitiram modificar profundamente sua relação com o ambiente natural.

Nos seus estudos sobre a evolução da atividade humana, subsidiados pela perspectiva sócio-histórica de Vygotsky e pelos fundamentos da História, da Filosofia e da Antropologia, Palangana (2000) demonstrou que a linhagem humana sofreu uma transformação significativa quando os nossos ancestrais passaram da condição de arborícolas para a de terrícolas. A alimentação semicarnívora modificou características físicas e psíquicas dos homens, bem como possibilitou a invenção da agricultura e estratégias específicas para o cultivo da terra. De acordo com a autora:

A vida na terra liberou as mãos da constante tarefa de preensão e, ao mesmo tempo, obrigou os hominidas a lidar com os perigos imanentes à diferente realidade em que se encontravam. Esses fatos se completam: as mãos estão

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disponíveis a uma necessidade emergente, qual seja, usar instrumentos para se defender e, igualmente, para garantir o sustento. Tais condições de subsistência modificam a forma das mãos e mais, imprimem-lhes habilidades e destrezas antes inexistentes. A mão humana é um órgão de trabalho e, concomitantemente, produto dele. Mas, ela não é parte independente do resto do corpo. É, isto sim, membro de um organismo integrado e extremamente complexo. Os benefícios processados pelas mãos repercutem no corpo do qual é parte. Assim, as novas habilidades e destrezas estão nas mãos, no pensamento e no mundo. (PALANGANA, 2000, p. 21-22).

A partir dessa citação, é possível verificar como o uso das mãos foi sendo

aprimorado ao longo da evolução da espécie humana. A convivência coletiva entre os povos primitivos também trouxe a divisão de tarefas, a necessidade de comunicação e o aparecimento da consciência humana relacionada ao trabalho.

O surgimento de uma nova forma de pensar o mundo natural, chamada por Vygotsky de inteligência prática, faz com que o ser humano desenvolva habilidades diferenciadas em relação a muitos animais, mas ao mesmo tempo essas habilidades ainda são compartilhadas por animais de comportamento mais evoluído. Nos seus estudos sobre o comportamento animal, ele relata que existe a função instrumental em animais superiores como o macaco, e cita os estudos de Kohler (1925).

Esses estudos de Wolfgang Kohler foram realizados com macacos antropóides, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). De acordo com Vygotsky (1988), esses experimentos procuravam comparar os comportamentos das crianças pequenas com os dos macacos. Kohler estudou as estratégias das crianças pequenas para a apreensão dos objetos, o modo como buscavam resolver seus problemas e como faziam uso de instrumentos primitivos.

A experiência clássica realizada por Kohler era a de solicitar às crianças pequenas, de até dois anos de idade, que tirassem um anel de um bastão. Ele observou que as crianças dessa faixa etária possuíam estratégias de resolução de problemas muito próximas às dos chimpanzés: elas não eram capazes de tirar o anel do bastão deslizando-o verticalmente, mas puxavam lateralmente o bastão parai arrancar o anel. Kohler considerava que as crianças pequenas apresentavam inteligência prática. No entanto, a perspectiva das crianças era diferente da dos chimpanzés, pois as crianças desenvolviam os movimentos sistemáticos, tinham uma percepção mais aguçada, usavam as mãos de diferentes maneiras e, algumas, utilizavam a linguagem.

Para Vygotsky, "o sistema de atividade da criança é determinado em cada estágio específico, tanto pelo seu grau de desenvolvimento orgânico quanto o grau e domínio no uso de instrumentos" (1988, p. 23). Dessa maneira, o desenvolvimento da criança depende tanto da sua maturação biológica como da como maturação intelectual. A interação dos adultos com as crianças faz com que formas mais elaboradas de manipular os objetos, perceber as situações, memorizar eventos e buscar variadas tentativas de solucionar os problemas sejam transmitidas e compartilhadas de geração para geração.

Porém, Vygotsky relata que a diferença não está apenas no desenvolvimento m inteligência prática, mas também no desenvolvimento da fala. Ele nos esclarece que, à medida que se desenvolvem na criança, essas duas funções psicológicas vão proporcionando uma forma diferente de comportamento que em nenhuma espécie animal é encontrada, ou seja, surge o que Vygotsky chama de funções psicológicas superiores, ou seja, as formas típicas de comportamento humano. Vygotsky (1988) considera que as funções psicológicas superiores envolvem desenvolvimento humano, a capacidade do uso dos signos e o aprimoramento da memória. A transformação desses processos é resultado de uma longa sucessão de

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interações e eventos na história de uma pessoa. 5.1. A cultura

A cultura pode ser definida como o produto da ação intencional do homem, isto é, o resultado da construção que se vale da criação de instrumentos e do ato de deixar marcas e representações sobre o mundo natural. Ao conceber o homem como um ser eminentemente social, Vygotsky (1987) propõe que a formação e o desenvolvimento do psiquismo humano se dão com base em uma crescente apropriação dos modos de agir, pensar e sentir culturalmente elaborados. Para ele, o desenvolvimento caminha do social para o individual, visto que, quando nasce, a criança já está imersa em um mundo de cultura historicamente produzido, existindo, por parte do ser humano, uma paulatina apropriação do mundo que o cerca.

Isso implica que a apropriação da cultura só é possível a partir do contato social. Assim, a criança vai tomando seu aquilo que foi construído por seu grupo cultural, atribuindo-lhe sentido a partir do que já está construído em sua história de interação. Segundo Davis (1994), a interação social só pode ser compreendida no campo das relações que se estabelecem entre os indivíduos reais e concretos em um determinado tempo histórico.

A teoria histórico-cultural de Vygotsky propõe que o desenvolvimento das crianças, sua construção como sujeitos, ocorre em determinados ambientes físico-sociais historicamente elaborados. Oliveira e Paula (1995) afirmam que nesses ambientes, os membros adultos de uma cultura (pais, avós, educadores irmãos e amigos) se preocupam em fazer a criança participar de diferentes situações, promovendo atividades variadas, de acordo com as suas concepções d€ desenvolvimento infantil. O processo de apropriação desses conhecimentos pele criança não responde somente às necessidades de um organismo biológico ma: também às necessidades psicossociais, que são históricas.

Em Pensamento e Linguagem (1987), Vygotsky estabelece que o desenvolvimento

do psiquismo humano se dá com base em uma crescente apropriação dos modos de ação culturalmente elaborados.

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5.2. A significação Uma vez imersa no ambiente social e cultural, a criança busca, valendo-s de seu agir (que é a corporeidade - PINO, 1993), expressar suas necessidade Ao ser praticada essa atividade, o outro que está próximo à criança interpretação idade como indício da demanda da criança e busca dar resposta a essa ação. Pela interpretação da vontade da criança, o outro atribui significação a essa ação e, posteriormente, a criança construirá para si uma representação da interpretação dada pelo outro.

Um dos exemplos clássicos de Vygotsky (1988) para demonstrar como as começam a perceber o universo dos adultos e lhes atribuir significados é a interiorização do gesto de apontar. Ele descreve que, inicialmente, a criança utiliza o gesto como meio para conseguir algum objeto, mas o concebe apenas como um movimento. Quando a mãe interpreta o gesto da criança e realiza a ação desejada, a criança nota que o seu movimento tem um significado social. O apontar torna-se um movimento dirigido para outra pessoa e apresenta uma função específica.

Para Pino (1993), essa interpretação "transforma o movimento em gesto ao atribuir mesmo significado". Essa interação interpretativa se tornará modelo para a criança na medida em que, posteriormente, ela imitará a mesma relação ao imitar o comportamento adulto e utilizará os mesmos recursos para demonstrar sua compreensão da atitude do adulto.

Uma criança pequena, que ainda não consegue falar, apresenta comunicações gestuais que reproduzem os significados de uma cultura. A fala e os gestos desempenham papéis importantes na formação do pensamento complexo e abstrato dos homens.

Davis e Oliveira (1994) consideram que, quando as crianças crescem, elas interiorizando progressivamente as direções verbais fornecidas pelos adultos. Um outro exemplo de interiorização dos gestos ocorre quando uma criança bem pequena consegue reproduzir os gestos de balançar a cabeça de forma negativa e afirmativa em resposta às perguntas que lhes são feitas. Mesmo quando ainda não consegue falar, a criança consegue imitar os gestos. Em alguns momentos, é possível verificar que a criança se atrapalha. Às vezes, ela deseja um brinquedo que não está a seu alcance. Sua mãe lhe pergunta se quer o brinquedo. A criança responde que sim, mas balançando a cabeça negativamente. Com o passar do tempo, essa criança vai compreendendo os significados dos gestos e da fala e começa a agir sob sua influência. Ela internalizou as instruções e começa a modificar a sua percepção, sua memória e sua atenção, imitando e reproduzindo os significados culturais dos gestos e das palavras, de acordo com as convenções sociais.

Quando o desenvolvimento da fala torna mais complexas as ações e os gestos, esses circuitos comunicativos irão permitir que se compreenda a comunicação que é um produto histórico da sociedade. Assim, a comunicação humana existe quando sujeitos compreendem os significados que circulam entre o agir, o pensar e o falar entre grupos sociais, permitindo a transmissão de idéias e fazeres. Atividade

• Pesquise com seus colegas as características gerais do comportamento do macaco, do 1 orangotango e do homem. Discuta suas diferenças e o que toma o comportamento humano tão singular.

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• o que podemos entender com a frase "ao longo de seus sete primeiros anos de vida, a criança percorre todo o trajeto realizado pelo ser humano na sua jornada para tomar-se o que hoje ele é" (Vygotsky)

• Na teoria histórico-cultural, as interações assumem um papel significativo na

formação do psiquismo humano. Vygotsky defendia que o processo de humanização das crianças é: a) uma apropriação solitária dos elementos da cultura. b) desenvolvido de forma individual, e depois socialmente. c) desenvolvido do social para o individual. d) uma apropriação sempre compartilhada dos elementos da cultura.

6. A FUNÇÃO DO INSTRUMENTO E DO SÍMBOLO

Um dos aspectos centrais na produção da Psicologia sócio-histórica envolve as formas tipicamente humanas de atividade, que estão relacionadas a um processo criativo e transformador da realidade natural. A cultura e a criação de objetos culturais são as marcas dessas transformações.

Quando a criança nasce, ela está com o seu aparelho biológico imaturo como contingência da estação do homem em pé e, conseqüentemente, com a imaturidade de seu nascimento (LEROI-GOURHAN, apud PINO, 1993). Essa imaturidade a leva a uma descoordenação de movimentos característica de um cérebro em desenvolvimento. Movimentos reflexos são gradativamente substituídos por atividades voluntárias à medida que seu desenvolvimento neurológico se d á. Isso se caracteriza pelo controle do corpo da cabeça para os pés e do centro do corpo para as extremidades.

No bebê, o controle da cabeça e do tronco é um momento significativo do desenvolvimento humano. Quando o bebê começa a se arrastar e consegue ir ao encontro dos brinquedos que procura, aos poucos ele vai conseguindo conter seus reflexos involuntários e começa a desenvolver o sistema de preensão com as mãos. No momento em que ele consegue se sentar, novas possibilidades interativas vão surgindo no ambiente.

Essa corporeidade faz com. que a criança segure firmemente os objetos, até ter condições de soltá-Ios, e o movimento de levá-Ios à boca é contingência das áreas cerebrais estimuladas, onde ela já percebe os objetos apresentados. Assim, gradativamente, ela vai construindo imagens mentais das características físicas dos objetos e percepções associadas aos sentidos, tornando-as representações elementares.

Por outro lado, a cultura, sabendo e valendo-se do conhecimento dessa imaturidade cria objetos tem a intenção de estimular essas habilidades à medida que a criança domina seus movimentos corporais. Ou seja, os objetos culturais têm como principal função o estímulo às áreas cerebrais, para que elas possam se desenvolver. Interagindo com esses objetos, a criança sente e percebe suas formas, e essa atividade gera satisfação nela e no adulto que a estimula na interação da continuidade desse processo dinâmico.

Os brinquedos são objetos elaborados historicamente, voltados para as características infantis, e são elementos importantes como mediadores da interação das crianças com o mundo. Mas não basta ofertar os brinquedos às crianças: também é preciso estimulá-Ias e chamar a sua atenção para esses objetos. Vygotsky (1988, p. 33) afirma que "o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa". Desde os primeiros dias da criança, as interações dos adultos ao seu redor têm a função

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de integrá-Ia na cultura. Entretanto, a criança também vai construindo suas interações por meio do seu desenvolvimento motor, cognitivo e social.

Assim, a relação da criança com objetos culturais de estimulação vem a ser uma forma de relação dela com o outro que é estimulada ou mediada pelos instrumentos culturais - os brinquedos. Vendo os objetos ao seu alcance, a criança busca, pela ação e pela atividade intencional, alcançar esses objetos, impelindo-se a solucionar os problemas com a imaturidade corporal, como a falta de coordenação dos pés e das pernas, buscando com as mãos e adaptando-se ao ambiente, arrastando-se e engatinhando.

Nessas atividades, ela centra-se no objeto a ser atingido, fixando a sua atenção I e coordenando suas ações em busca de atingir seu objetivo/objeto, com o que seus processos psicológicos elementares, do ponto de vista sócio-histórico, estão sendo construídos por sua relação com esses objetos. Assim, os objetos assumem papel importante na construção do psiquismo infantil ao permitirem à criança tanto conhecer suas próprias características como estabelecer vínculos entre o adulto e ela, fortalecendo os aspectos psico-afetivos. Portanto, os objetos e as relações são fortalecidos por desafios gradativamente mais elaborados, causando o avanço do desenvolvimento infantil. Os objetos novos apresentados crescem em complexidade e desafio aos processos cognitivos da criança. Esses instrumentos de estimulação levam a criança a construir formas mais elaboradas de atividade, e a isto chamamos inteligência prática.

Oliveira (1999) descreve que os animais, principalmente os chimpanzés, possuem a inteligência prática. Eles são capazes de usar meios indiretos - como varas e paus, por exemplo - para alcançarem seus alimentos. Os animais também possuem estratégias diferenciadas para brincar com os objetos da natureza. Todavia, esse modo de funcionamento intelectual dos animais independe da linguagem. Embora emitam sons e gestos e desenvolvam ações para resolver seus problemas, os animais possuem uma linguagem pré-verbal e não conseguem operar com signos. A associação entre pensamento, linguagem e operação com signos é uma característica especificamente humana que a criança vai incorporando ao longo do seu processo de desenvolvimento.

Oliveira (1999, p. 45) considera que "o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistemas de signos é um momento crucial do desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico se transforma no sócio-cultural".

Cabe lembrar que, assim como essa atividade inteligente se desenvolve pela relação da criança com o objeto, a fala assume papel importante nesse processo. Para o desenvolvimento da fala até a chegada na linguagem, a criança vai participar de diferentes processos interativos, e chegará o momento em que ela irá superar os limites da corporeidade. No início do seu desenvolvimento, a criança consegue mamar e respirar ao mesmo tempo, conforme o desenvolvimento maturacional, visto que a laringe ainda não está posicionada, em decorrência da imaturidade neurológica.

Com o desenvolvimento do sistema nervoso e a sustentação da cabeça, a criança passa a poder produzir sons involuntariamente. Essa postura chama a atenção do adulto, que vem ao encontro da criança para então criar um jogo de vocalizações e sorrisos que proporcionará a esta relações afetivas que a incentivarão à continuidade dos jogos posteriormente, iniciando uma comunicação entre adulto e criança, sendo que a criança, mesmo que ainda desprovida da linguagem, iniciasse num processo de interação com o outro.

As pessoas que cuidam diariamente de uma criança pequena sabem identificar os sons que o bebê emite para obter o que deseja. O choro, por exemplo, É a primeira forma de comunicação humana. A mãe consegue identificar, ouvindo o choro da criança, quando ela está com cólica, fome, ou mesmo quando está indisposta. Por meio do não-verbal e dos gestos, o bebê consegue mobilizar o outro e "dizer" o que deseja para aqueles que cuidam

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dele. Gradativamente, as vocalizações são substituídas por imitações dirigidas pela

linguagem da mãe, que estimula a criança a pronunciar sílabas e pequenas falas repetidas, como "mama" e "papa". A aprovação e o sorriso da mãe para a criança que repete com acerto provocam jogos afetivos de aceitação. Assim, a criança passa a ser estimulada para a continuidade do jogo, pois cada vez mais é tratada como uma pessoa.

Nessa fase, a imitação é um dos principais aspectos do desenvolvimento humano. Quando a criança é pequena, a imitação não é um processo mecânico. O bebê não reproduz os sons que sua mãe realiza com ele como um papagaio, mas reelabora as instruções fornecidas pela mãe. A imitação é um processo complexo. Para imitar, é preciso se colocar no lugar do outro, interiorizar os gestos, sons e significados. Newman e Holzman (2002) consideram que, na perspectiva histórico-cultutal, a imitação representa um processo revolucionário, pois é fundamental para a criação de significados e para a aprendizagem.

A imitação é importante porque é o meio pelo qual a criança se coloca na frente do que realmente é. Ou seja, os pais se surpreendem quando observam as crianças reproduzindo uma ação ou palavra, depois de horas ou dias do fato ocorrido. Os pais percebem que as crianças são capazes de outras ações, superiores àquelas que eles imaginam Por isso, afirma-se que na imitação a criança está à frente do seu tempo. Nas atividades de interação imitativa, nos jogos de linguagem, a criança aprende que é um aprendiz um falante, uma pessoa que observa, interage e constrói conhecimentos. Esse jogo se desenvolve até a chegada das primeiras palavras, e depois serão as primeiras frases ou palavras-frases. Nessas trocas, o importante é que sempre passa a existir um objeto entre a ação do adulto e a fala da criança: a linguagem a criança não surge de uma relação espontânea da mente, mas o agir, o pegar e o falar circulam nas representações entre adulto e criança. Isso é destacado por Vygotsky, que afirma que "as crianças resolvem suas atividades práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos"

Vygotsky (1988) considera que, na criança pequena, o desenvolvimento da linguagem se manifesta por meio da fala egocêntrica. Nessa fase, as vocalizações da criança estão voltadas para ela mesma. Com o processo de desenvolvimento, a criança vai aprimorando a sua fala, mas descobre que ainda é incapaz de resolver um problema por si mesma, percebe que sua linguagem é precária. Dessa maneira, pede ajuda verbal aos adultos para encontrar uma solução. Segundo Vygotsky, neste período as crianças "apelam para os adultos" para buscar resolver o .que não conseguem.

As crianças pequenas são capazes de ações, como pegar uma cadeira e alcançar o objeto que desejam, realizar pequenas solicitações aos adultos - pedir água, por exemplo - mas ainda não conseguem usar a linguagem para pedir ajuda ou solucionar os seus problemas. Quando as crianças conseguem atingir esse momento, considera que elas adquirem, conforme Vygotsky, a fala socializada. Porém, para. que se consigam atingir essa forma de comunicação, há um longo processo.

Desse modo, enquanto fala e interage com os objetos, a criança vai construindo representações entre essas funções, até que possa comunicar por si mesma o que está querendo e agindo. O momento em que ela produz a sua própria linguagem é caracterizado por Vygotsky como o mais importante na história do seu desenvolvimento cognitivo:

O momento de maior significação no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem. Essa coordenação do ato com a fala leva a uma dupla função da linguagem na mente

da criança, ou seja, agora, além de usar a fala como forma de comunicação, a criança

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também a usa como planejadora da ação: ela consegue utilizar a linguagem interior como organizadora da sua própria atividade. Cabe ressaltar que essas funções eram independentes, não se correlacionavam. Agora, ao coordenar as funções, a criança utiliza a linguagem para o planejamento das ações. E a atividade assim organizada é atributo da espécie humana.

O uso da linguagem como coordenadora das ações das crianças se evidencia quando elas começam a utilizar a linguagem para auxiliar o plano da ação que desejam realizar. Vygotsky (1988) faz uma analogia para esta fase em que as crianças começam a desenhar. As crianças pequenas comentam em voz alta sobre a cor do lápis que irão utilizar, os traços que irão fazer, o que pretendem desenhar - enfim, descrevem o processo que irão realizar. No entanto, elas dão nome aos desenhos somente depois de completá-los, pois têm necessidade de ver primeiro antes de decidir o que o desenho significa. Diferentemente, as crianças maiores, antes de desenhar, já conseguem planejar e nomear o que vão fazer. Vygotsky (1988) considera que, quando a criança é pequena, a fala acompanha as suas ações. Em um estágio posterior, quando a criança cresce, a fala precede a ação.

De acordo com Oliveira (1992), em fases mais avançadas do desenvolvimento da linguagem como instrumento social, a fala, que antes era utilizada para intercâmbio com as pessoas, passa a ser internalizada. Ou seja, a criança já não diz em voz alta tudo o que deseja realizar, não descreve o seu plano de ação: no processo de internalização da fala, a criança passa a utilizar a linguagem como instrumento de pensamento. A forma internalizada'da linguagem é um mecanismo I pelo qual as crianças começam a pensar antes de dizer, e já não dizem tudo o que I pensam. Vygotsky denomina esse processo como auto-regulação.

Como é possível verificar, portanto, a relação entre pensamento e fala não é linear: ela é dinâmica, funcional e dialética. Para Newman e Holzman (2002), o estudo da fala/pensamento como instrumento/resultado e os estudos dos jogos de linguagem ajudam a entender como os significados são culturalmente construídos. Assim, o jogo revolucionário de criar novos significados mostra a atividade social da linguagem e do pensamento.

Atividade

• Analise e discuta com seus pares como as novas ferramentas tecnológicas (computadores, videogames, internet etc.) têm contribuído para a humanização das crianças.

• Reúna-se com seus amigos da sala e elabore cinco exemplos de trocadilhos, jogos

de linguagem, jogos de palavras que crianças inventam e com os quais invertem o significado das palavras quando estão em processo de aquisição da linguagem.

• Segundo Vygotsky, qual o principal momento do desenvolvimento da fala no

processo de aquisição da linguagem pela criança? a) A aquisição da inteligência prática. b) A aquisição do pensamento pré-verbal. c) A aquisição da abstração. d) A convergência entre a fala e a atividade prática.

• Qual a diferença principal entre a linguagem pré-verbal humana e a linguagem dos animais? a) Os sons. b) As vocalizações.

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c) O uso de signos. d) A articulação sonora.

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7. A FORMAÇÃO DE CONCEITOS ELEMENTARES

Apropriação da linguagem é um processo muito dinâmico, relacionado a diferentes fatores determinantes. O meio cultural, as pessoas ali inseridas, os costumes sociais e familiares, relação com a comunidade, a escola: essa multideterminação faz com que cada criança, de modo diferenciado, vá se apropriando da linguagem à medida que participa ativamente das interações segmentos. Assim, notamos que a sociedade organiza e estrutura o ambiente social e natural o uso de elementos classificadores. Por exemplo, percebemos isso ao entrarmos em um o em cada corredor existe a representação de um segmento produtivo da sociedade, seus e diferentes modos de produção, seus nomes relacionados ao custo e à qualidade, demonstrando de que diversidade vive a sociedade. Esses produtos são indexados e classificados conforme suas císticas de produção, suas características físicas, de utilidade e importância na cadeia social.

Enquanto ser em processo de apropriação dos elementos culturais, e estando em fase de construção de um vocabulário que a permita entender usos e funções dos objetos e instrumentos sociais, a criança então quer (assim como antes queria com os objetos, na sua primeira infância) apropriar-se dos nomes desses produtos. Ela está tomando consciência de que, quanto mais puder se apropriar desses referenciais, mais será tratada como um ser de participação no contexto social. Como já faz uso da linguagem como instrumento de interação entre ela e aquele que sabe do mundo exterior, a criança vai desenvolver modos de se apropriar da experiência do outro para que também ela possa conhecer o mundo. Descobrindo gradativamente a linguagem como um instrumento simbólico que lhe permite interagir, ela percebe ou toma consciência de que não precisa mais experimentar fisicamente todos os para então saber seu nome e sua função: agora ela possui a linguagem que lhe permite tomar da experiência do outro para construir uma representação própria do mundo externo.

É claro que as mãos e a experimentação ainda estão presentes e que o agir ainda é necessário, mas a palavra abriu as portas de uma possibilidade de vivenciar (seja por meio dos instrumentos sociais de comunicação, seja pela manipulação direta do objeto) a condição de construir internamente os seus próprios sobre a sociedade.

Como percebemos, a sociedade definiu a criança pela linguagem e a conceituou pela ação. Isso ocorre com a criança utilizando seus próprios recursos de interação, apontando, usando o gesto como um aproximador entre o que o outro pensa e o que ela pensa. Ela pergunta para entender o que o outro como sendo a forma e o uso dos objetos - e assim ela mesma pode construir internamente, mente, a sua representação do objeto indicado. Pino (1996) expressa essa função ao explicar o papel da mediação semiótica, ou sígnica, na construção do psiquismo infantil:

• ele relata uma função indexical, em que o signo está preso ao objeto e, assim, a criança aponta, mostra e pede o nome como forma de representar internamente a representação do objeto;

• também nos fala de uma função simbólica, em que o objeto já está internalizado e o sujeito já pode manifestar seu uso e sua função a partir desse conceito internalizado.

Vygotsky considera que o signo é uma espécie de instrumento psicológico utilizado

pelo homem. “É por meio do signo (palavras, desenhos, símbolos) que” as pessoas representam os objetos, tomam presente o que está ausente e se recordam de fatos

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ocorridos. No processo de desenvolvimento da linguagem e de construção de significados, é possível observar como os homens fazem uso dos instrumentos verbais. É fácil observar crianças bem pequenas, quando começam a falar, utilizarem-se da expressão au-au para se referirem a todos os animais que encontram. Esse pensamento é considerado generalizante. Quando vai internalizando que existem diferentes raças de cachorro, por exemplo, a criança vai construindo novos significados e começa a aprender a nomear esses animais a partir das classes a que eles pertencem. Ela também compreende diversos símbolos a partir do momento em que precisa fazer uso desses símbolos. O próprio desenvolvimento da linguagem vai exigindo a elaboração de novos conceitos.

Vygotsky também deixa claro que esses processos são multideterminados pelo contexto e pela significação que esses elementos tomam na cultura e na sociedade em que estão inseridos. Tomemos como exemplo as múltiplas formas de representar, pela linguagem, certas frutas (mimosa, tangerina, bergamota etc.).

As diferenças lingüísticas mostram que existem formas variadas de se dizer uma mesma palavra. Essas variações estão associadas ao contexto e à cultura em que esses conceitos estão inseridos. Na concepção histórico-cultural, a utilização dos instrumentos e dos signos não se restringe à experiência pessoal de um indivíduo, pois se insere na experiência coletiva de elaboração de conceitos.

Esses processos de constituição de significados e sentidos são construídos em interações, que são realizadas por trocas sígnicas entre o que detém o significado no contexto e a criança que tem de construir os seus significados. Essa interação cria um processo mediado no qual aquele que detém o conceito, o significado social da linguagem, tem de se aproximar da forma" e do modo como a criança está construindo seus referenciais. E isso fica claro quando analisamos o conceito de zona de desenvolvimento próximo, com o qual Vygotsky procurou demonstrar que, para haver uma apropriação da palavra e de seu significado, o adulto, detentor dos saberes culturais, deverá se aproximar dos significados já construídos pela criança, mediando para além de onde ela está, mas de modo que ela possa alcançar se o conceito trazido estiver contextualizado com a realidade da criança: "o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo no qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que a cercam".

Vygotsky (1998) considera que o aprendizado da criança começa muito antes de ela freqüentar a escola; para ele, a criança já está aprendendo quando pergunta e assimila os nomes' dos objetos. Dessa maneira, o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados. Todavia, no período em que a criança vai para a escola, o aprendizado escolar lhe possibilita um novo desenvolvimento e um aprendizado mais sistemático. Vygotsky também defende a idéia de que o aprendizado precisa estar de acordo com o nível de desenvolvimento da criança. E propõe três níveis de desenvolvimento.

• Primeiro é denominado nível de desenvolvimento real. Não significa

necessariamente a idade cronológica da pessoa: uma pessoa pode ter, cronologicamente, 20 anos de idade, mas ser imatura, ou seja, ter um desenvolvimento mental de 18. Nesse sentido, o nível de desenvolvimento real das pessoas depende das condições sociais, econômicas, biológicas e sociais. Esse nível varia de cultura para cultura. O nível de desenvolvimento real é medido por meio da forma e da capacidade da pessoa para resolver os seus problemas.

• O segundo é o nível de desenvolvimento potencial e representa a

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potencialidade da pessoa, ou seja, o que ela é capaz de fazer. • Quando se associam o nível de desenvolvimento real com o nível de

desenvolvimento potencial, constrói-se o que Vygotsky denomina zona de aprendizagem, ou seja, a zona de desenvolvimento próximo (ZPD) ou zona de desenvolvimento proxi11Jal. Para Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal é: A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (1998, p. 97).

A zona de desenvolvimento proximal representa a maneira compartilhada de

construção de conhecimentos. Para exemplificar: uma criança de sete anos pode não saber amarrar os cordões de seu sapato por não ter recebido orientação adequada, mas pode ser ensinada por uma criança de cinco anos que já sabe amarrar cadarços. Sendo assim, o nível de desenvolvimento real das duas crianças é diferente. Embora a menor tenha essa habilidade, isso não significa que a criança de sete anos não tenha potencial para desenvolver essa função. Nesse exemplo, quando a criança menor ajudou a maior a resolver o problema, criou-se a ZPD. Esse aspecto de solidariedade e amento de conhecimentos também ocorre na escola, em situações diversas: o de alfabetização, na tentativa de resolução de problemas matemáticos, mo aprendizado de outra língua etc. Muitas vezes, crianças, adolescentes e adultos seus pares na resolução de problemas. Portanto, o professor não é o único do processo educacional e construção de conceitos.

Vygotsky (1998) considera que a ZDP auxilia as pessoas a terem autonomia na resolução de seus problemas. Ele defende a idéia de que uma ação, quando, com assistência de um amigo no presente, pode ser realizada de solitária no futuro. Ou seja, as interações sociais são importantes para as pessoas, pois promovem novas ações. Para ele, é significativo que as crianças compartilhem em experiências, orientem e sejam orientadas por seus pares.Influenciem e sejam influenciadas por outros.

Essa "entrada na vida intelectual daqueles que a cercam" não significa que a criança irá se apropriar do conhecimento tal qual ele é concebido na mente do interlocutor, mas sim que ela irá se apropriar desse conhecimento conforme seu repertório: ao imitar o comportamento do outro, ela simplifica ou demonstra de modo interpretativo o comportamento do outro tal como ela o entende. Assim, o outro, ao ver seu comportamento, interage e dá nova forma para a nova interpretação, pela criança, daquilo que ela pouco havia entendido, formando conceitos novos a partir dos conceitos realizados inicialmente por ela. Desse modo, a criança fala, brinca e cria um mundo baseado no modelo de mundo que os adultos vêm trazendo para ela em interações que representam uma forma do agir na sociedade, não com base em realidades distintas e irreais, mas nos comportamentos necessários para a interação social e a participação na comunidade de que ela faz parte.

A criança fará uso da linguagem como um instrumento de socialização e constituição de um modo de agir cada vez mais próximo do modo de agir dos adultos colocados em sua volta. Esse processo dinâmico e não repetitivo estimula e atrai o desenvolvimento intelectual e social para a participação social.

Portanto, o processo de desenvolvimento se caracteriza como o domínio do uso de instrumentos e a combinação de instrumentos e signos para realização da atividade psicológica. Quando é pequena, a criança usa os instrumentos para resolver os

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problemas. À medida que ela vai crescendo, as operações vão mudando. A operação das atividades começa a ser mediada pelos signos, que vão sendo internalizados. A criança vai aperfeiçoando sua linguagem, seus métodos de memorização na construção de conceitos. Atividade

• Reúna-se com seus amigos, conceitue o que é zona de desenvolvimento proximal (ZPD) e cite três exemplos da ZPD no processo de aprendizagem das pessoas.

• Dê exemplos para a afirmativa abaixo:

Essa "entrada na vida intelectual daqueles que o cercam” não significa que a criança irá se apropriar do conhecimento tal qual ele é concebido na mente do interlocutor, mas sim que ela irá se apropriar dele conforme seu repertório: ao imitar o comportamento do outro, ela simplifica ou demonstra de modo interpretativo o comportamento do outro tal o entende. -

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8. A FORMAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS

Temos analisado o desenvolvimento humano como sendo um processo dinâmico e complexo. Esse processo, multideterminado por diferentes fatores, leva à compreensão de um movimento social sempre em expansão e em constante produção de novos conhecimentos e necessidades.

Os processos de industrialização e de desenvolvimento social impulsionaram uma nova realidade, de um novo modo de vida baseado na necessidade de trabalho, na participação produtiva de todos os segmentos da família e da sociedade. Assim, a escola ganha papel fundamental na realidade do desenvolvimento infantil nos dias de hoje.

Por outro lado, a criança vem se apropriando de suas relações sociais, delas tirando seus significados, e precisando intensamente da presença do outro para aumentar seu repertório de conceitos sobre as coisas e as pessoas. Ou seja, à medida que vai ganhando autonomia com o uso da sua linguagem, a criança vai precisando de mais participação da linguagem do outro e de sua conceitual para formar o seu próprio discurso. Participando de interações com o mundo e com o mundo simbólico, a criança vai abstraindo dos objetos características imediatas que as suas representações individuais, e esses conceitos elementares são o ponto de partida para produção de ainda mais complexos conceitos acerca da realidade circundante. Essa complexidade reside na categorização social dada por todos os participantes de uma mesma cultura no sentido de referenciar todos os instrumentos sociais produzidos nessa e nas demais sociedades como sendo aqueles necessários para a criança participar das trocas com as mais diferentes culturas e sociedades.

Com a necessidade de trabalho dos sujeitos de interação e a necessidade de estruturação da sociedade, - surge como elemento sistematizador dessa nova fase de relações da criança com o mundo. A escola é criação social e representa um espaço em que as apropriações comuns de uma sociedade podem ser ordenadas e classificadas de acordo com a utilidade e a significação dos conceitos sociais, desde que essas apropriações tenham relevância para o desenvolvimento da criança, sendo utilizadas como ferramentas de interação da criança com o grupo social. Assim, a escola representa os saberes necessários participação social, constituídos a partir da realidade conceitual apropriada pelas crianças dessa e organizados de modo sistemático ou científico, o que é comprovado por meio de sua utilidade social para a participação do sujeito nos mais diferentes segmentos sociais.

Não sendo uma atividade espontânea, a construção de conceitos é constituída pela troca simbólica entre detentor de saberes socialmente relevantes e a criança, que precisa desses saberes e exige que na exista um ator social como mediador do conhecimento social e dos conceitos, das formas e do uso desse conhecimento pelas crianças na sociedade. Nesse processo, a criança é um sujeito ativo que deverá ser instigado a perguntar e a experimentar a diferença entre os seus conhecimentos e os conhecimentos trazidos pela escola, de modo a entender seus usos e aplicações para sua inserção em um mundo mais complexo e abrangente.

Para a criança, a escola representa um espaço tanto de socialização como de construção do conhecimento. Na escola, a criança também tem acesso a uma série de rituais e objetos que, culturalmente construídos para a aprendizagem, fazem parte do universo de sociedades letradas. Fontana e Cruz (1997, p. 65) consideram que, em nossa sociedade,

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a escola é uma instituição encarregada de possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com a leitura e a escrita, com os sistemas de contagem e mensuração, com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disciplinas científicas, com os modos como e de conhecimento é elaborado e com alguns variados instrumentos de que essas ciências se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas de calcular etc.).

Muitas vezes, a criança pequena brinca de escolinha, imita o prol escolar, antes mesmo de ter freqüentado uma sala de aula. Nessa brincadeira ela classifica, compara e reproduz as suas representações da escola. Ela já domínio de determinadas informações, mas é na escola que vai ter acesso a sistematização do conhecimento.

Todavia, é preciso destacar que Vygotsky diferencia escola e educação. Segundo Fontana (2000), Vygotsky não considera que a escola seja o único lugar legítimo a transmissão/construção de conhecimentos. No entanto, o mesmo Vygotsky afirma que na escola as relações de conhecimento são intencionais e planejadas. A criança sabe que vai para a escola para aprender. O professor, por sua vez, orienta a cria apresenta os conhecimentos de forma sistematizada; chama atenção para a diversificação de aspectos que os conceitos apresentam; ensina a criança a ler, a escrever, a utilizar-se dos instrumentos e materiais escolares e a comportar-se nesse novo ambiente: Enquanto aluno, a criança também procura incorporar esses comportamentos escolares. Ela vai interiorizando formas de agir, pensar e raciocinar de acordo cor moldes escolares. Conforme Fontana e Cruz (1997, p. 66), o professor tem um p: significativo no desenvolvimento das pessoas. Dessa maneira, quando o professor "faz junto, demonstra, fornece pistas, instrui, dá assistência, ele está interferi no desenvolvimento proximal de seus alunos, contribuindo para a emergência processos de elaboração e de desenvolvimento que não ocorrem espontaneamente.”

Ao estudar as implicações da teoria histórico-cultural para o ensino escolar, Oliveira (1998) considera que Vygotsky possuía três idéias básicas se desenvolvimento e aprendizagem.

• A primeira é a de que na escola o conhecimento deve ser observado de maneira prospectiva. Ou seja, o desenvolvimento do aluno deve ser olhado para além do que ele é capaz de fazer. Vygotsky critica as pesquisas sobre desenvolvimento humano que consideram somente as capacidades e função que a criança já domina ou que consegue exercer sem ajuda de outras pessoas. Ele defende o princípio de que os professores precisam enfatizar o interesse em compreender o que é emergente: desenvolvimento do aluno e provocar esses alunos para que se adiantem no seu processo de desenvolvimento.

• Um segundo aspecto é que os processos de aprendizagem movimentam os processos de desenvolvimento. Vygotsky considera que a aprendizagem ocorre de "fora para dentro': a partir das estimulações culturais que indivíduos recebem em suas trajetórias. Oliveira (1998) cita o exemplo de pessoas que pertencem a grupos culturais ágrafos, ou seja, aquele que não têm contato com a escrita e a leitura. Essas pessoas não vão desenvolver essas habilidades, pois, embora possuam o arsenal biológico e intelectual para exercer tais funções, se essas atividades não fizeram parte das práticas sociais do seu grupo, elas também não fazem parte do aprendizado e, conseqüentemente, não há desenvolvimento da leitura e da escrita. Portanto, determinadas habilidades sociais são transmitidas culturalmente e dependem

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da forma como cada país se preocupa em repassá-Ias para as novas gerações. • A terceira idéia de Vygotsky para a educação, de acordo com Oliveira

(1998, p. 61), está relacionada com "a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo e na promoção dos processos interpsicológicos que serão posteriormente interiorizados". Para Vygotsky, não basta os indivíduos estarem inseridos na escola se os professores não promoverem o desenvolvimento: a mediação da cultura e das informações na escola pressupõe determinados procedimentos e intervenções para que o aluno aprenda.

Outras análises da perspectiva histórico-cultural, realizada por Rego, também

evidenciam o significado, o papel e o impacto da escolarização na vida dos alunos. A autora constatou que:

Não é qualquer escola nem qualquer prática pedagógica que proporcionará ao indivíduo a possibilidade de desenvolver funções psíquicas mais elaboradas. A perspectiva histórico-cultural aponta claramente que o impacto da escolarização dependerá da qualidade do trabalho realizado. Vygotsky evidencia que o ensino só é efetivo e eficaz quando se adianta ao desenvolvimento: a qualidade do trabalho pedagógico está, portanto, necessariamente associada à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento proximal. (2002, p. 52).

Para a autora, nas últimas décadas a escola tem apresentado uma contribuição

significativa na construção da democracia e da modernidade. Em muitos países, a educação tem gerado vários estudos e movimentos de políticas públicas nesse sentido. Tais questões fazem parte das sociedades contemporâneas, que cada vez mais exigem um aperfeiçoamento da escolarização dos indivíduos.

Assim se entende a escola e o professor nessa escola, como elemento fundamental na constituição do ser humano: é ela que pode construir e constituir os modos de pensar e criar as necessidades do sujeito, é ela que nos humaniza – enquanto o professor, por sua vez, deve ter conhecimento da origem e da produção do conhecimento e de sua vinculação com o modo pelo qual a criança pensa e constrói seus conceitos. Se tem esse conhecimento, ele poderá levar a criança a compreender as produções humanas, instigando-a a ser produtora de suas próprias necessidades, tornando-a agente de humanização.

Por seu turno, a criança terá modelos de interação, pessoas que poderão fornecer a estrutura relacional e afetiva de que ela precisa para adquirir confiança e a consciência da realidade em que está inserida, bem como para utilizar os instrumentos científicos, conceituais e práticos para se tomar ator nessa realidade.

Fontana (2000) argumenta que, na perspectiva histórico-cultural, os conceitos científicos apresentam uma história no curso do desenvolvimento individual. Esses conceitos não são incorporados às pessoas de forma natural: para compreendê-Ios, é preciso entender como as informações são historicamente determinadas e construídas. Assim, para aprender determinados conceitos científicos, uma pessoa precisa possuir maturação biológica e funções superiores semioticamente.

A formação de conceitos depende da capacidade dos indivíduos para se apropriarem dos conteúdos e para objetivá-Ios, bem como da capacidade para unir o todo com as partes. O pensamento complexo exige associações entre objetos e informações, e a palavra passa a denominar categorias abstratas. Fontana (2000) considera que, na perspectiva histórico-cultural, o processo de elaboração de conceitos emerge de um

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processo de articulação e confronto de vozes sócio-historicamente definidas.

Atividade • Discuta com seus colegas o modo como a escola vai constituindo conceitos cada vez. elaborados acerca do mundo vivido pela criança. Como referência, utilize a seqüência abaixo.

au-au � bichinho � cachorro � mamíferos

• Analise o papel que a reestruturação de um texto tem na formação de conceitos por um aluno na escola.

• Vygotsky define o processo de desenvolvimento humano como sendo: a) linear. b) de maturação biológica. c) de maturação intelectual. d) complexo.

• Para Vygotsky, a construção de conceitos na criança é um processo: a) espontâneo. b) herdado biologicamente. c) de trocas simbólicas. d) passivo.

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9. O PRECONCEITO NO CONTEXTO EDUCACIONAL São vários os estudos que se têm debruçado sobre o problema da discriminação e o preconceito no contexto escolar brasileiro bem como das medidas tendentes a erradicá-las. No entanto, ainda são raros os estudos que se concentram na formação intercultural dos professores que atuam em nossas escolas. Esta formação deve estar embasada no reconhecimento das identidades culturais e dos processos de integração interétnica no Brasil e de suas complexidades, sociais e culturais. Considerando a inadequação na formação dos educadores, na escolha dos livros didáticos e a forma como têm sido trabalhados os conteúdos escolares, pouco se tem progredido para a erradicação da prática preconceituosa no ambiente escolar. Mas existe por parte dos próprios educadores, uma preocupação com a incidência de ações não interculturais dentro da escola, tomando-se necessário e importante, investigar profundamente o processo de formação intercultural dos professores do Ensino Fundamental e como se dá sua formação e ação no processo de educar, porque, como afirma Lopes (2003, p. 173). “A interculturalidade tem como objetivo compreender a expressão de uma cultura através dos homens, seus hábitos”. Assim, percebem a necessidade da formação interculturalmente dos professores, para que se esclareçam respectivamente os alunos, pois é através do ensino e da postura social do professor, que as crianças terão sua formação social e intercultural desenvolvida e formada, para assim, criarmos uma sociedade mais justa e democrática. Nessa perspectiva, procuramos desenvolver um trabalho de pesquisa no sentido de observarmos quais as formas de preconceito presentes em algumas escolas do Ensino Fundamental em Timóteo e Ipatinga e como o “corpo” escolar tem lidado com estes problemas. Estudos bibliográficos referentes à discriminação e a preconceito dentro da escola subsidiaram a coleta de dados e sua posterior análise, contribuindo de maneira sucinta na compreensão sobre a temática, que é complexa e polêmica no campo educacional e social. 10. UMA REFLEXÃO INICIAL SOBRE O INTERCULTURALISMO Nunca antes na História da Humanidade, tantos seres humanos estiveram deslocados dos seus lugares de residência como na época atual. Isso se deve a várias causas: guerras, cataclismos naturais, perseguições políticas, busca de melhores empregos, etc. Culturas até então distantes, estão agora colocadas face a face. Isto exige cada vez mais saber lidar com as diferenças. Como se sabe, a estimulação dos conjuntos bélicos, a crescente amplificação da violência humana e do terrorismo, além da crise que assola as instituições sociais e jurídicas, tanto no “campo” nacional quanto internacional, demonstram o quanto necessário se faz o debate sobre a educação intercultural. Esta é a razão pela qual julgamos de fundamental importância apresentar uma proposta de trabalho que possa estabelecer, sob diferentes perspectivas, um diálogo entre a Educação e a História, a Antropologia, a Filosofia, e outros campos do saber. Ela se orientaria para um aprofundamento e compreensão do significado do intercultural, de modo a começar a desenhar os traços básicos para a construção de uma educação intercultural. Silva et al (2003, p. 39), coloca a educação, vista como um processo de transformação social, preocupada com o desenvolvimento da consciência crítica dos componentes da

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comunidade escolar/geral, para que sejam capazes de realizar uma leitura crítica da estrutura social em que estão inseridos. E, por último, coloca-se a educação anti-racista, que pode ser assim resumida: uma ideologia radical apoiada em uma análise de classes de inspiração marxista, posta a serviço de uma transformação social baseada na liberdade, na libertação dos grupos oprimidos e na eliminação das discriminações para a promoção da ação política. Fleuri (2003, p. 54) mostra que somos uma sociedade multiética constituída historicamente a partir de uma imensa diversidade de culturas. Reconhecer nossa diversidade étnica implica saber que os fatores constitutivos de nossas identidades sociais não se caracterizam por uma estabilidade e uma fixidez naturais. As identidades culturais sofrem contínuos deslocamentos ou descontinuidades. Assim, o interculturalismo, parte de um conceito de cultura mais dinâmico, que permite o intercâmbio e o diálogo entre os grupos culturais e seu mútuo enriquecimento. Ao considerar a diversidade cultural como positiva, entendendo-a como um problema, mas como uma expressão da riqueza da espécie humana, na perspectiva Intercultural não aumentar as diferenças, mas apenas se buscam elementos que possam unir os distintos grupos e que possibilitarão a comunicação e o entendimento intercultural. 11. EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E A ESCOLA Para Fleuri (2003. p. 70) a recuperação das culturas no processo educacional coletivo ou pessoal, possibilitarão a interação entre diferentes modos de “ser humano”. Apresentam também a necessidade de se ampliar à visão sobre Educação intercultural, que não se restringe a uma escola em que convivem sujeitos de diferentes etnias. Sabemos que nas escolas, convivem simultaneamente diversas culturas de acordo com: gerações, gênero; classe, a etnia, pertença regional, capacidades físicas e mentais, entre outras. Esta compreensão nos remete a uma perspectiva relacional com o outro. A complementaridade entre mim e o outro constrói uma perspectiva inter-relacional de grande interesse no campo antropológico. Com efeito, o processo de relação em espelho fundamenta a metodologia intercultural. A perspectiva interrelacionista redefine a diferença com uma relação dinâmica não hierarquizada entre duas entidades, dois termos que se atribuem mutuamente um sentido. Dessa forma, o espaço educativo move-se por múltiplas conexões entre padrões culturais diversificados que coordenam uma sucessão complexa de tramas de significados. Essas tramas são estabelecidas nas relações entre sujeitos com seus padrões culturais específicos e diferentes, são a substância principal da educação intercultural. Neste momento, para uma maior compreensão do que é interculturalismo nas instituições escolares devemos abordar um outro “ponto” que predomina neste espaço: a cultura escolar. Para Candau (2003, p. 64), existe uma ruptura entre a cultura escolar, com seus parâmetros de homogeneização, normatização, rotinização e didatização, e a cultura da escola, com suas múltiplas vertentes de cultura vivida, intercambiada, na qual atuam as culturas sociais de referências dos “atores” do espaço escolar, que vivenciam diferentes universos culturais. Conclui que a cultura escolar ignora essa realidade plural e apresenta um caráter monocultural. Assim, é dentro do complexo universo escolar que a perspectiva intercultural da educação pode contribuir para a constituição de mediações críticas e articuladoras no processo educacional e na própria formação de educadores (as).

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Portanto, o papel do ensino consiste então em organizar, facilitar, e, sobretudo, em otimizar esta troca acordada. As diferenças não podem ser vistas como uma penalização, mas podem ao contrário, tornar-se um enriquecimento mútuo desde que se trabalhe com elas em vez de tentar erradicá-las. Todas as sociedades serão doravante multiculturais, todas as culturas deverão ser iguais em dignidade e, em decorrência desse fato, a opção potencialmente mais rica em termos pedagógicos é aquela da fertilização recíproca. Contudo, não devemos nos esquecer de que as oposições e resistências a esta perspectiva, problemas que deverão ser eliminados, sempre foram numerosas e fortes (por vezes mesmo brutais) ao longo do tempo. 12. A DISCRIMINAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: EDUCADOR A discriminação tem sido promovida e reforçada na educação escolar de diversas formas. As condições que muitos governos vêm dando à escola pública são alguns fatores que fazem com que o próprio educador acabe, sem perceber, reproduzindo e reforçando a discriminação e o preconceito, os quais acabem por gerar a violência, Lopes (2002b, p.10). Felizmente, são significativos os esforços realizados nas últimas duas décadas, em várias partes do mundo, visando construir um repertório de conhecimentos específicos ao ensino. Ora, levar á prática uma educação intercultural, implicará que o docente possua uma clara compreensão dos mecanismos políticos, sociais, culturais e educacionais que promovem, em maior ou menor escala em todo o planeta, toda a sorte de preconceitos e discriminações com base nas diferenças culturais. Esse professor deveria ser capaz de ajudar a promover reflexões que conduzissem a ações viradas para um diálogo frutuoso com o outro, o diferente. Um ponto importante a ser desenvolvido, é o da necessidade do professor questionar, conhecer e definir sua identidade social, como assim se afirmar como parte integrante de um grupo social. Tanto em suas bases teóricas quanto em suas conseqüências práticas, os conhecimentos dos professores, como os de quaisquer outros profissionais necessitam, por conseguinte, de uma formação contínua e continuada. Desse ponto de vista, a formação profissional ocupa, em princípio, uma boa parte da carreira e os conhecimentos profissionais partilham com os conhecimentos científicos e técnicos a propriedade de serem revisáveis, criticáveis e passíveis de aperfeiçoamento. 12.1. Racismo e livros didáticos Esta temática foi baseada principalmente em estudos bibliográficos e nas entrevistas feitas aos professores participantes do projeto de pesquisai em que este artigo se refere. È possível ver claramente expressões do racismo nos livros didáticos brasileiros e também observar que este tema tem se encontrado na pauta de discussões de diversas áreas de estudo e recortes disciplinares como: Educação, História e tantas outras. Evoca-se que o livro didático é um dos primeiros exemplos de desigualdade racial na educação. O discurso racista em livros didáticos brasileiros apresenta, em conjunto, tendências preconceituosas compartilhadas e diversificadas, sobretudo os relacionados com os negros e com os índios. Além disso, os livros didáticos não se preocupam em trazer a diversidade cultural e o multiculturalismo como algo importante a passar aos alunos.

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Mesmo assim, os livros didáticos brasileiros são considerados não ”racistas”, se comparados aos livros dos EUA, não demonstrando de forma tão clara o preconceito e o racismo. Para Skidmore (1991) o brasileiro tem preconceito de ter preconceito. Mas Silva Jr, (2002) coloca ainda que no ativismo contemporâneo, durante e após o processo de abertura política, o movimento negro vem se interessando e denunciando o racismo no livro didático, visando, especialmente, a uma proposta mais ampla de alteração curricular. Considerações finais Através de uma entrevista realizada com professores que atuam no ensino fundamental nas cidades de Ipatinga e Timóteo, pudemos analisar que há uma unanimidade em afirmar que no Brasil está se discriminando mais em função da condição socioeconômica dos sujeitos que pela sua origem ou cor. Podemos assim dizer, que os preconceitos estão presentes em nossa cultura, estabelecendo uma atitude de diferenciação de um indivíduo para outro e que por estes (os preconceitos), estarem, enraizados na sociedade, torna-se difícil uma mudança "rápida" de atitudes. Eles causam também, um bloqueio moral no momento de se falar sobre esta questão. Segundo Gomes (2003, p.171), é no âmbito da cultura e da história que definimos as identidades sociais (...). Reconhecer-se numa delas, supõe, portanto, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. Portanto, pudemos perceber que existe uma falta de preparação intercultural dos professores entrevistados, ou mesmo, uma indecisão em se situarem num determinado grupo social ou definirem sua raça. Ocorreram dúvidas e constrangimentos ante o questionamento sobre raça (presença significativa da falta de uma identidade cultural firmada). Percebeu-se também que as escolas hoje têm crianças de diversas raças e cores, o que vem dificultar o trabalho qualitativo com a turma, pois os professores não se sentem capacitados para lidar com as diferenças existentes dentro dos muros da escola. Aqui, os professores colocaram com veemência, que sentem desejo em mudar atitude e valores, lutar por uma afirmação cultural e erradicação das atitudes racistas e preconceituosas, mas não tem capacitação para qual direção tomar. Podemos então, supor, que não tem ocorrido em nosso meio, um trabalho de conscientização, politização e criticidade cidadã, o que vem a impedir uma transformação da realidade na qual vivemos. Portanto, percebe-se, que a posse de bens materiais, o poder de consumo e a posição social, têm tanto mais se firmado na sociedade, quanto gerado discriminação em relação aos quem não possuem tais "privilégios". Além disso, foi possível observar que, mesmo sendo crime qualquer forma de racismo e preconceito, os órgãos responsáveis pela educação/escola no país, não têm realizado nenhum trabalho de impacto que venha erradicar de nosso meio este “mal”, que há tanto tempo está enraizado na sociedade mundial. Infelizmente, os órgãos competentes para solucionar estes problemas, têm camuflado estas ações. Mesmo assim, a maioria dos entrevistados desta pesquisa, manifestou vontade de encontrar soluções para tais problemas e sugeriram alguns projetos. Entre outras, deram as seguintes sugestões: trabalhar o respeito pelo outro desde a pré-escola, pois não é a cor da pele que faz a diferença, mas sim o que você é capaz de produzir, pelo que não deveria haver desigualdade entre brancos e negros, promover o respeito mútuo; esforçar-se por

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compreender e saber conviver de forma mais harmoniosa com as diferenças; desencadear projetos no interior da escola que tratem destas questões; promover palestras e debates sobre o assunto; procurar manter sempre grupos de trabalho heterogêneos e, por último, a necessidade de capacitação regular dos educadores sobre esta problemática. Assim, foi possível perceber que começa a clarear a visão quanto ao valor das diferenças etnoracial, e que estas não são algo “ruim”, mas sim, algo que enriquece o valor sócio cultural de uma sociedade. A realização desta pesquisa veio propiciar uma interação entre a realidade da discriminação no contexto escolar e os estudos realizados sobre o tema central. Através de visitas e entrevistas, foi possível observar que as escolas não estão preparadas para o trabalho de uma educação intercultural, pois tanto professores quanto outros funcionários, não são capacitados profissionalmente para trabalhar a questão das diferenças existentes na escola. Conclui-se, portanto, que toda mudança implica uma escolha entre uma trajetória a seguir e outras a deixar para trás. A compreensão do contexto, dos processos e das conseqüências da mudança, por sua vez, ajuda-nos a clarificar e a questionar estas escolhas. As opções que fizermos dependerão, em última instância, da profundidade deste entendimento, mas também da criatividade das nossas estratégias, da coragem das nossas convicções e da orientação dos nossos valores. Referências Bibliográficas BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em preto e branco. 3.ed. São Paulo: Ática, 2001. 80p. CANDAU, Vera Maria (Coord.). Somos todos iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 176p. CARONE, Iracy et. al. Psicologia social do racismo: estudo sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. 189p. FLEURI, Reinaldo Matias (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP& A. 2003. 156p. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 8.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 212p. GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa. v. 29, n. 1, p. 167- 182, 2003. GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira, SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Multiculturalismo e educação: do protesto de rua a propostas políticas. Educação e Pesquisa..v.29, n.1, p 109–123, jan./jun. 2003. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e pesquisa, v.29, n.1, p.93- 107, 2003. LOPES, José de Sousa Miguel. Antropologia e educação intercultural: algumas reflexões. Doxa, v.4, n..8, p.7-16, jul./dez.2002. MACHADO, Cristina Gomes. Multiculturalismo: muito além da riqueza e da diferença. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 100p. MACHADO, Ruimar Berteli. Apostila de metodologia científica. Timóteo: UnilesteMG, 2003. OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.) Reformas educacionais na América latina e os trabalhados docentes.Belo. Horizonte: Autentica, 2003. ROSEMBERG, Fúlvia et al Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão de Literatura. Educação e Pesquisa.. v. 29, n.1, p.125-146, jan./jun. 2003.

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13. PIAGET

Os estudos sobre o desenvolvimento infantil tiveram um avanço a partir das

abordagens interacionistas. Anteriormente a elas, na virada do século XX, apenas os enfoques que situavam o sujeito dentro de características ambientais ou em características inatas prevaleciam nas abordagens da Psicologia. Muito se discutia sobre como abordar o comportamento humano, com sua complexidade e suas características tão peculiares. Foi tão efervescente aquele momento que vários teóricos propuseram estudar o comportamento humano de maneira própria, ou seja, buscando romper com o dualismo que opunha ambiente e corpo. Um claro exemplo dessa profusão de estudos é a diversidade dos autores: Henri Wallon (1879-1962), Sigmund Freud (1856 -1939), Lev S. Vygotsky (1896-1934) e Jean Piaget (1896-1980). Todos esses pensadores ressaltam a importância de se estudar o ser humano dentro de características peculiares a sua condição de "ser" em constante processo de transformação.

Aqui iremos abordar o pensamento de Jean Piaget, um dos mais conceituados psicólogos do século XX, produtor de uma ampla pesquisa sobre o desenvolvimento humano, obra que vai muito além de uma simples abordagem sobre o desenvolvimento infantil. Piaget produziu um amplo referencial buscando explicar como nos tornamos seres humanos, sempre sendo muito fiel àquilo que se propôs. Vamos estudar sua obra a partir de três aspectos:

• a produção histórica de seu pensamento, buscando uma fundamentação epistemológica sobre o sujeito, dessa forma criando um profundo estudo sobre o desenvolvimento mental desde a infância até a idade adulta;

• a maneira como essas etapas (da infância até a idade adulta) estão estruturadas e de que forma esse desenvolvimento é construído pelo indivíduo;

• os principais conceitos pertinentes à teoria piagetiana e como esses conceitos levam construção de um referencial teórico de caráter epistemológico.

A Epistemologia é o ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento humano, por isso é designada como Teoria do Conhecimento. Piaget foi um grande estudioso que procurou desvendar como o processo de conhecimento se constitui nos seres humanos. A maior parte de suas publicações esteve voltada para observação de como ocorre o desenvolvimento e a lógica infantil. Piaget considera que o indivíduo se desenvolve a partir da sua ação sobre o meio em que está inserido. Ele prioriza os fatores biológicos influenciando no desenvolvimento mental. Para ele, não se pode fazer dissociação entre crescimento mental do indivíduo, crescimento físico, maturação e sistema nervoso.

13.1. O Desenvolvimento Mental Segundo Piaget

Todo o trabalho de Piaget é influenciado por sua própria história. É interessante notar de que maneira as situações por ele vivenciadas na sua infância e em sua adolescência tiveram um impacto significativo na forma pela qual ele abordou a teoria que foi construindo. Vamos analisar algumas dessas peculiaridades.

Em seus escritos sobre Atualidades de Jean Piaget (2001), Emília Ferreiro, educadora argentina que por muitos anos teve a oportunidade de trabalhar com o pesquisador, relata o percurso de um 'Jovem prodígio que aos 11 anos escreve seu primeiro trabalho científico: Un Gorrión Blanco (pardal albino), onde desde cedo marca suas primeiras curiosidades sobre um mundo da biologia". Ela também narra a contribuição de Paul Godet, zoólogo suíço que o acolheu em seu museu, sendo uma

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espécie de tutor para os estudos de Piaget na busca de compreender o mundo biológico. Logo após a morte de Godet, Piaget se sentiu encorajado a publicar uma série de

notas sobre suas pesquisas a respeito de moluscos alpinos e sua facilidade de adaptação à altura. Essas notas acabaram por despertar o interesse de muitos biólogos, que quiseram conhecer o pesquisador e ficaram surpresos ao saberem, pelo próprio Piaget, que ele ainda não havia concluído o Ensino Médio. Mais tarde, Piaget narraria que esses estudos, por prematuros que fossem muito contribuíram para a sua formação científica: eles lhe proporcionaram o privilégio de entrever a ciência e o que ela representa antes de sofrer as crises filosóficas da adolescência (cf. FERREIRO, 2001, p. 105).

Com uma mãe de fortes convicções religiosas e um pai historiador e cético, o adolescente Piaget decidiu dedicar-se à filosofia, preocupado em "conciliar a fé e a ciência ou razão". Nessa fase, enquanto freqüentava cursos sobre a doutrina cristã, ele leu compulsivamente, na biblioteca de seu pai, autores como Kant5, Spencer6, Comte7 e Durkheim8, entre outros. Pela intervenção de um padrinho, muito preocupado com a formação do jovem Piaget nas ciências naturais, ele veio a conhecer Bergson5 e seu A Evolução Criadora, via de conciliação possível entre fé e razão.

Outra pessoa de grande influência sobre Piaget foi Amold Reymond, seu professor secundário de Lógica, que o iniciou na Lógica e na Filosofia Matemática, o que lhe põe em rota de colisão com o ofício filosófico. Graças aos intensos estudos dessa época, Piaget passou a buscar um campo mais relacionado com mundo natural. A partir de um trabalho intitulado Realismo e Nominalismo nas Ciências da Vida, ele buscou justificar a existência de uma "lógica vital", oposta à Lógica Matemática. Esse trabalho foi criticado por seu professor ao analisar o pouco avanço em relação à lógica aristotélica e assim um novo rumo foi traçado por Piaget na busca de um estudo mais aprofundado da Lógica, da Filosofia Matemática e da Epistemologia.

Ao terminar o curso médio, aos 18 anos, Piaget foi à universidade para fazer o doutorado em Biologia, especializando-se em Filosofia Biológica (FERREIRO, 2001). Nessa fase, já trazia em mente duas das idéias centrais que iriam estar presentes em todo seu trabalho posterior ou, como diz Piaget, citado por Ferreiro:

A primeira é que, como todo organismo possui uma estrutura permanente, que pode modificar-se sob as influências do meio, mas sem nunca se destruir enquanto estrutura de conjunto, todo conhecimento é uma assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito. A segunda é que os fatores normativos do pensamento correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por auto-regulação. Assim, a lógica poderia corresponder, no sujeito, a um processo de equilibração.

Com esses conceitos, o jovem Piaget busca construir todo seu repertório inicial de

conhecimento, uma base científica própria que fundamente seus estudos e não esteja relacionada às formas especulativas das ciências filosóficas. Ele busca incessantemente uma "reflexão bem conduzida". Acabando seus estudos em Biologia, Piaget foi buscar na Psicologia uma possibilidade de análise científica para uma de suas mais significativas 5 Immanuel Kant (17241804), filósofo alemão. Suas pesquisas o conduziram à interrogação sobre os limites da razão e da sensibilidade 6 Herbert Spencer (18201903), filósofo e cientista britânico. Criador de um sistema organicista e evolucionista de interpretação do universo 7 Augusto Comte (1978-1857), filósofo francês Criador do Positivismo, corrente de pensamento que aplica nas Ciências Sociais os métodos das Ciências Exatas. Émile Durkheim (18581917), sociólogo francês.Seguidor do Positivismo, preocupou-se com a definição do que seria normal e o que seria patológico em uma sociedade. 8 Émile Durkheim (18581917), sociólogo francês.Seguidor do Positivismo, preocupou-se com a definição do que seria normal e o que seria patológico em uma sociedade.

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questões: "Onde está a fronteira entre o que a reflexão permite alcançar com segurança e o que os fatos obrigam a retificar?" - ou seja, como conciliar a Epistemologia com a Ciência.

Em 1919, ele foi a Paris em busca de conhecimentos, de modo a coadunar-se com as perspectivas vigentes. Estudou Psicologia Experimental e Psiquiatria, entre outras disciplinas. Porém, novamente um autor lhe despertou uma outra visão filosófica: ele estudou com León Brunschvicg9 a Filosofia crítica e racionalista da História da Ciência e a oposição desse autor ao empirismo positivista. Piaget reteve, de Brunschvicg, conhecimentos sobre a inteligência de características progressivas e a necessidade de verificação dos resultados.

O caminho de Jean Piaget começou a se aproximar de seu objetivo quando ele chegou aos laboratórios de Psicologia Experimental de Binet para trabalhar na padronização de testes psicológicos.

13.2. A descoberta de Piaget

Essa tarefa, a padronização de testes, estava muito longe daquilo que Piaget buscava para si, mas seu espírito pesquisador e questionador o levou a descobrir alguns conceitos que lhe conduziram a um modo especial para atingir a sua ambiciosa meta de criar ligações entre o experimento e a Filosofia. Quando começou a desempenhar a tarefa proposta pelo laboratório de Binet, descobriu que, se analisasse os erros em vez de simplesmente classificar as respostas -, ele poderia estar mais próximo de uma forma de estudar o conhecimento humano sobre as coisas. Então passou a se interessar pelos fracassos dos alunos, pelas razões de eles não atingirem êxito nas provas classificatórias. Assim, começou a formatar um modo de entrevista, clínica que lhe permitia explorar os raciocínios das crianças sobre as provas de modo a entender a lógica subjacente às respostas.

Com o ânimo redobrado, ele deixou de considerar os erros como déficits ou carências e passou a vê-Ios de maneira original, encarando-os como uma lógica própria da criança, e também buscando os processos que antecedem essas respostas. Desse modo, centrou seus estudos sobre a gênese do pensamento, seu desenvolvimento desde o nascimento, e a preocupação inabalável de não comparar as respostas a uma possível forma adulta de pensar, pois existem categorias do pensamento infantil que são peculiares às crianças e de modo algum podem ser analisadas pela forma adulta de pensar. 13.3. O modelo piagetiano: Conceitos básicos

A obra de Piaget tem influências da Biologia, da Matemática, da Filosofia e da Física.

Piaget considera que as categorias de conhecimento não são estáticas: elas mudam durante o ciclo do desenvolvimento. De acordo com Goulart (1987), pelo fato de a formação inicial de Piaget ter sido em Biologia, alguns conceitos utilizados por ele são extraídos desse campo científico. O seu conceito de desenvolvimento está baseado em um modelo de intercâmbio entre organismo e ambiente que é derivado da Biologia.

Todo esse estudo só foi possível pelo modelo proposto por Piaget. Certa vez, ele afirmou: "Tive finalmente a sensação de ter encontrado uma via que conciliava a investigação epistemológica com o respeito aos fatos" (apud FERREIRO,2001). Assim, a

9 Leon Brunschvicg (1869-1944), filósofo francês. Trabalhou com temas espirituais dentro da filosofia da Ciência.

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partir de 1921, e já no Instituto Jean-Jacques Rousseau de Genebra (organismo no qual trabalhou pelo resto dos seus dias), ele começou a estudar o pensamento lógico da criança.

Seu modelo de estudo, o famoso método clínico de Piaget, baseia-se em um princípio metodológico: interrogar-se a respeito do que parece óbvio. Ao analisar o desenvolvimento da lógica ao longo dos séculos, ele percebeu que muitos postulados pareciam absurdos em determinadas épocas da sociedade e, com o passar dos anos, se tornaram plausíveis e posteriormente óbvios ou mesmo meras convenções. Um exemplo disso é o conceito de conservação de número, quantidade, massa etc. Piaget desenvolveu atividades baseadas nesses conceitos físicos e passou a argüir mediante perguntas sobre como a criança entendia os processos de transformação sobre aquela experiência. Assim, percebeu que existiam diferentes respostas para tais fenômenos.

Esse método de pesquisa possibilitou a criação de um grande número de situações experimentais que pesquisariam a sucessão de pensamentos de uma criança desde a sua idade mais precoce até um processo de compreensão dos fenômenos, ao qual Piaget chamou de princípio de conservação, que para ele ocorreria em torno dos seis ou sete anos. A partir desse fenômeno do pensar, ele propõe a sucessão dos estudos para entender quando a criança chegaria a pensar de uma forma semelhante ao adulto. Desse modo, certas transformações que parecem óbvias para os adultos - como a transformação da matéria em uma atividade como manipulação de massa de modelar - para a criança que não construiu seu conceito de conservação de matéria pode vir a ser um objeto que se transforma a cada modificação que essa matéria sofre. Para Piaget, isso demonstra que há um modo de pensar da criança que se diferencia do modo adulto - e que essa busca depende da forma como se investiga o pensamento. Seu método clínico se mostrou extremamente eficaz na produção de tal processo.

Assim, o modelo piagetiano se tornou, ao longo do século XX, um processo de pesquisa científica internacionalmente reconhecido para analisar as diferentes etapas do pensamento infantil.

Para o entendimento de como esse pensamento vai sendo construído pela criança ao longo de sua infância, Piaget determinou alguns conceitos. O princípio da ação da criança é um dos mais fortes deles, definindo que a noção de conservação não é ensinada pelos adultos, mas, à medida que age sobre a matéria e quanto mais assim o faz, a criança adquire antes e melhor o referido conceito. Portanto, para Piaget, a ação é a fonte do conhecimento. Para ele, quanto mais intensa é a ação da criança, maior é a sua assimilação, ou seja, do ponto de vista orgânico-biológico,

a assimilação designa a incorporação de elementos estranhos ao organismo, de objetos exteriores, que são reelaborados - modificados em função das estruturas orgânicas que o assimilam e, em nível psicológico, um objeto externo é assimilado pelo sujeito quando é incorporado e modificado por este mesmo ato, numa modificação funcional, e não material, e este objeto fará parte dos esquemas de ação do sujeito. (FERREIRO, 2001).

Por outro lado, a ação do objeto sobre o sujeito, a modificação que o sujeito

experimenta em virtude do objeto, é chamada de acomodação. Assim, esse ato complexo, que é resultante desse interjogo de mecanismos de acomodação e assimilação e tem doses variáveis de um e de outro, chama-se adaptação.

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Segundo Ferreiro, para Piaget:

uma criança não pode chegar a conhecer senão aqueles objetos que é capaz de assimilar a esquemas anteriores. Esses esquemas são, no começo do desenvolvimento, esquemas de ação elementares,. que irão enriquecendo-se e tornando-se complexos à medida que o conhecimento prossegue, proporcionando assim novos instrumentos de assimilação. (FERREIRO, 2001).

Piaget extraiu os termos assimilação, acomodação e adaptação da Biologia. Muitas vezes, para um leitor principiante, esses conceitos são de difícil internalização. Para exemplificá-Ios, é possível observar o comportamento de um bebê de cinco meses, quando ainda está no berço e leva os objetos à sua boca. Nos primeiros meses de idade, é comum ver o bebê mordendo e lambendo os dedinhos de sua mão e de seu pé. Com o tempo, vão sendo introduzidos brinquedos no berço dessa criança. Então o bebê começa a explorar esses objetos. Porém, quando esses brinquedos são introduzidos e os bebês ainda não os conhecem, é como se ocorresse, segundo a teoria piagetiana, um desequilíbrio na estrutura mental dos bebês frente a tais brinquedos. Os bebês observam com calma, puxam, lambem e mordem esses objetos, interagindo com eles para conhecê-Ios. 'Nesse processo, aos poucos, os bebês vão assimilando a estrutura, a cor, o formato, o cheiro e outros aspectos dos brinquedos. Posteriormente, vão acomodando e adaptando esses elementos na sua estrutura mental. Dessa maneira, o processo de construção de conhecimentos é um processo de desequilibrações, assimilações, acomodações e adaptações de estruturas. No processo de desenvolvimento, velhas estruturas conhecidas vão sendo modificadas diante de novas estruturas que são incorporadas.

Esse processo interativo e progressivo de construção vai se consolidando e, ao final do primeiro ano de vida, pode-se afirmar com fundamento que os objetos exteriores têm uma permanência substancial, continuam a existir ainda que o sujeito não os veja ou não atue sobre eles, criando assim a representação ou conservação do objeto permanente.

Na teoria piagetiana, a construção do objeto permanente ocorre com os bebês quando eles têm a idade aproximada de seis ou oito meses e começam a observar ao seu redor o fato de que, tanto os objetos, como as pessoas, podem desaparecer e ser descobertos. Eles percebem que as pessoas podem sair de um ambiente e depois voltar, assim como os objetos podem ser escondidos. A experiência clássica de Piaget foi esconder um objeto por debaixo do lençol e observar a reação dos bebês. Quando os bebês são bem pequenos, de um a cinco meses, eles ainda não têm a noção do objeto permanente, pois não procuram os objetos. É como se eles desaparecessem em um "movimento mágico". Quando a criança constrói a noção de objeto permanente, ela compreende que esse objeto pode desaparecer do seu campo de visão, mas continuar existindo. Essa é uma fase importante para os bebês, pois eles começam a compreender os deslocamentos, coordenar desvios e retornos de ações e associar movimentos.

Assim, passamos a entender as palavras de Piaget quando ele nos diz que, "a inteligência não começa nem pelo conhecimento do eu nem pelo conhecimento das coisas enquanto tais, mas pelo conhecimento de sua interação e, orientando-se simultaneamente para os dois pólos desta interação, a inteligência organiza o mundo, organizando-se a si mesma" (apud FERREIRO, 2001).

Dessa maneira, é possível compreender que as pesquisas de Piaget não visam a conhecer melhor a criança e aperfeiçoar os métodos pedagógicos ou educativos, mas compreender o homem, a formação dos mecanismos mentais para entender como se estrutura o processo de aquisição de conhecimentos.

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Atividade • No desenvolvimento infantil, busque exemplos de situações reais em que a criança tem uma compreensão do mundo diferente do adulto - por exemplo, a criança que chora quando a mãe se esconde atrás do lençol pensando que a mãe sumiu.

• Qual a formação inicial de Piaget? a) Psicólogo. b) Biólogo. c) Filósofo. d) Matemático.

• Qual a correta seqüência do modelo piagetiano para a construção do conhecimento? a) Desequilibração, assimilação, acomodação e adaptação. b) Assimilação, desequilibração, adaptação e acomodação. c) Adaptação, assimilação, desequilibração e acomodação. d) Acomodação, adaptação, assimilação e desequilibração.

13.4. Piaget: estágios do desenvolvimento

Um dos pontos principais da obra de Piaget está na perspectiva construtiva do ser humano. Por seus estudos, fica claro que ele vem a conceber uma criança em constante processo de aprendizagem, construindo-se pelas interações com os objetos. Essa característica da sua obra a tornou uma das maiores contribuições para a Psicologia do Desenvolvimento, pois muitos psicólogos, a partir de Piaget, puderam ter claro que a constituição do ser humano é um processo em que as ações são construídas sucessivamente e precisam acontecer ao longo da vida da criança. Os estudos de Psicologia passaram a levar em conta o modo como a criança aprende. Assim, as pesquisas realizadas a partir do método clínico desenvolvido por Piaget para estudar as características do pensamento infantil foram aplicadas em diferentes lugares do mundo e, sempre que aplicadas em crianças dos mais diferentes continentes, essas pesquisas eram devolvidas a Piaget para que ele pudesse analisar e levantar as teses que fundamentaram seu pensamento.

É preciso destacar que as pesquisas sobre desenvolvimento infantil de Piaget foram iniciadas por meio da observação de seus filhos. De acordo com Barros (1993), Piaget anotava minuciosamente o crescimento dos filhos: Jaqueline, Laurent e Lucienne. Essas observações o levaram a produzir o livro O Nascimento da Inteligência na Criança.

A construção dos estágios do pensamento infantil foi produto dessa tarefa longa e meticulosamente produzida. Chegar a esses estágios foi muito mais que estabelecer etapas ou ritos de desenvolvimento de uma criança, pois a obra de Piaget tem o caráter do objetivo de sua vida: entender como nos constituímos sujeitos desde as primeiras atitudes humanas até a maturidade. 13.5. O que são os estágios

Piaget considera que o desenvolvimento cognitivo das pessoas obedece a uma ordem de estágios. Para ele, a natureza e as características humanas mudam com o passar do tempo e com a evolução desses diferentes estágios. A sua proposta de estudo é entender como a criança constrói conhecimentos para que as atividades de ensino

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sejam apropriadas aos níveis de desenvolvimento das crianças. Por isso, ele estruturou seu modelo de desenvolvimento.

Para Piaget, o indivíduo tende a um equilíbrio, que está relacionado a um

comportamento adaptativo em relação à natureza, que por sua vez sugere um sujeito de características biológicas inegáveis, as quais são fonte de construção da inteligência. O desenvolvimento é caracterizado por um processo de sucessivas equilibrações. O desenvolvimento psíquico começa quando nascemos e segue até a maturidade, sendo comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio (PIAGET, 1974, p.13). Esse desenvolvimento, apesar de contínuo, é caracterizado por determinadas formas de pensar e agir em diferentes idades, formas que o autor denominou estágios e refletem os diferentes modos de a criança pensar ao longo de sua vida. Segundo Piaget, o desenvolvimento passa por quatro diferentes estágios:

• sensório-motor; • pré-operatório; • operatório concreto; • operatório formal.

Esses estágios são sucessivos, isto é, seguem exatamente essa ordem de surgimento. O primeiro é uma preparação para o surgimento do próximo e a transição entre eles não é abrupta: enquanto o primeiro está se constituindo, já está preparando o surgimento do próximo estágio. Porém, o que marca esses estágios é o fato de cada um deles apresentar características próprias, exaustivamente pesquisadas até o seu esgotamento em diferentes partes do mundo. 13.6. O estágio sensório-motor

Inicia-se ao nascimento e segue ao longo dos dois primeiros anos de vida da criança. Como o próprio nome sugere, nesse período a criança terá uma inteligência prática centrada na percepção e no motor. Ela utilizará essa inteligência a partir de seus esquemas sensoriais e motores, vindos dos reflexos genéticos, procurando solucionar problemas imediatos como pegar, jogar ou chutar uma bola, por exemplo.

No ponto de partida da evolução mental não existe, certamente, nenhuma diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões vividas e percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como um eu, nem a objetos concebidos como exteriores. São simplesmente dados em um bloco indissociado, ou como exteriores. São simplesmente um bloco indissociado, ou como que expostos sobre um mesmo plano, que não é interno nem externo, mas meio caminho entre esses dois pólos. Estes só se oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por causa desta indissociação primitiva, tudo que é percebido é centralizado sobre a própria atividade. O eu, no início, está no centro da realidade, por que é inconsciente de si mesmo, e à medida que se constrói como uma realidade interna ou subjetiva o mundo exterior vai se objetivando. EQ1 outras palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os progressos da inteligência sensório-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como um elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior localizada neste corpo. (PIAGET, 1967).

Percebemos, portanto, que nessa etapa o indivíduo está, paulatinamente, trabalhando na formação da noção do eu e na diferenciação dos objetos. Dessa forma, a

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criança dá inicio à construção dos esquemas sensório-motores a partir de alguns poucos reflexos hereditários.

A partir da construção dos esquemas pela transformação da sua atividade sobre o meio, a criança vai construindo e organizando noções, organizando a realidade Isso se deve em parte pela conquista da noção da permanência do objeto.

Por isso, é muito importante que nesta fase a criança seja estimulada, reconhecer e interagir com diferentes objetos no seu entorno. É preciso que (bebê conviva com diferentes brinquedos, com objetos, para que possa pega, sacudir, morder e beliscar. Geralmente, neste período as crianças gostam d executar exercícios repetitivos, o que Piaget denomina de reações circulares. O bebê bate várias vezes no móbile do berço para observar a mudança do seu movimento. Outro aspecto que também é possível evidenciar está nas diferentes maneiras com que a criança atrai os brinquedos para si e também suas diferentes maneiras de encontrá-los. Esse processo ocorre quando ela possui a noção do objeto permanente. Nesta fase, a criança procura objetos escondidos e manifesta curiosidade em deixar objetos caírem no chão, para observar a queda.

Encerrando a fase de bebê, no final dos dois anos de vida, a criança começa a desenvolver as noções de tempo, espaço e causalidade e, com o surgimento da função simbólica, passa a interagir com o meio de outra forma. O estágio pré-operatório

Esse momento é marcado pelo aparecimento da linguagem oral que lhe dará possibilidades de, além de se utilizar da inteligência prática decorrente dos esquemas sensoriais e motores formados na fase anterior, iniciar a capacidade de representar uma coisa por outra, ou seja, formar esquemas simbólicos. Nesse período, o raciocínio é marcado pelo egocentrismo e possui uma lógica do particular para o particular. O pensamento será caracterizado por um misto de realidade e fantasia, o que o levará a uma visão distorcida da realidade.

O egocentrismo se caracteriza basicamente por uma visão da realidade que parte do próprio eu, isto é, a criança não concebe um mundo, uma situação da qual faz parte, confunde-se com objetos e pessoas, no sentido de atribuir a eles seus pensamentos, sentimentos etc. (RAPPAPORT, 1981, p. 68).

Um exemplo utilizado por Piaget para mostrar como a criança constrói conhecimentos a partir de uma lógica que envolve conceitos do particular para o particular ocorreu quando sua filha Lucienne, bem pequena, observou Jean Piaget esquentando água para rapar a barba. Ela perguntou para que o pai estava realizando aquela ação e Piaget explicou que iria se barbear. Em um outro dia, Piaget foi esquentar água novamente, mas para fazer um chá. Sua filha Lucienne lhe perguntou se ele iria fazer a barba. Nesse sentido, Piaget considerava que 15 crianças pensavam do particular para o particular. Outras características e exemplos também fazem parte do estágio pré-operacional.

Podem ser citados vários exemplos que remetem a essa característica: • "A cadeira me bateu." • ''A boneca está com fome." • "O rio foi meu pai quem fez."

Os dois primeiros exemplos dizem respeito à característica denominada animismo, ou seja, atribuir vida a plantas, objetos etc. O último exemplo refere-se ao artificialismo, a

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característica de atribuir ao homem a criação de fenômenos naturais.

O pensamento pré-operatório é dependente da percepção imediata e com isso está sujeito a erros. Para poder analisar esses processos, foram desenvolvidas provas para que Piaget pudesse avaliar as características de como esse pensamento ocorre. Para tanto, um conceito estava presente: a conservação. Para a criança, a conservação implica perceber que os objetos podem ser manipulados sem serem alterados em suas características materiais. Depois de suas testagens, Piaget afirmou que a criança em período pré-operatório não faz processos conservativos, respondendo de modo individual, o que é marca do egocentrismo do pensamento.

Foram várias as provas de conservação e podemos citar a de massa: uma massa de modelar recebe, sucessivamente, novas e diferentes formas, e então se argúi se há maior quantidade de massa nas transformações ou na massa original. As provas foram de volume e transvazamento de líquidos, peso e quantidade de matéria, como no exemplo abaixo.

Pergunta-se se há maior quantidade de fichas na primeira ou na segunda fileira. Muitas vezes, conseguindo contar as fichas, a criança, ao vê-Ias separadas ou na ação de separar, acaba por confundir o espaçamento com a quantidade e afirma que a inferior está maior porque está mais comprida. Essa mesma tendência aparecerá nas provas de conservação de volume, peso e massa.

O egocentrismo aparece também quando se trata do aspecto social. Uma criança não entenderá que a mãe está cansada e, por isso, o passeio ao parque ficará para mais tarde, visto que a criança está disposta para isso naquele momento.

Nessa fase, a criança não consegue perceber o ponto de vista do outro: o mundo gira ao redor da criança. Por isso o termo egocentrismo = ego ("eu") + centrismo. Para Piaget, a criança egocêntrica também é pouco sociável e não consegue partilhar seus brinquedos, nem seus objetos e nem mesmo o carinho dos seus pais com outros irmãos.

A linguagem terá características muito especiais, pois combinará coerência e o

produto da imaginação da criança pré-operatória. Assim, a criança apresentará argumentos socialmente aceitos e, em contraponto, manifestará o egocentrismo do seu pensamento quando precisar expressar o seu mundo interior.

13.7. O estágio operatório concreto

Em torno do sétimo ano de vida, o estágio do operatório concreto passa a se manifestar de modo mais evidente, o que coincide (ou deve coincidir) com o início da escolarização formal. Nesse momento, o declínio do egocentrismo passa a ser mais visível.

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É nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. As noções interiorizadas vão se tornando mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento torna-se menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Agora a criança é capaz de construir um conhecimento mais compatível com o mundo que a rodeia. O real e o fantástico não mais irão misturar-se em sua percepção. Além disso, o pensamento dominante é o operatório porque ele é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 44).

O declínio do egocentrismo se estende à linguagem, que se toma mais socializada, e a criança será capaz de levar em conta o ponto de vista do outro. Assim, objetos e pessoas passam a ser mais bem explorados nas interações da criança e ela buscará, com a linguagem e o uso dos objetos que ela está explorando, construir conceitos próprios a partir de sua ação exploratória.

Nesse estágio, a criança já consegue classificar os objetos de acordo com a cor, a forma e o tamanho. A criança também tem a noção de inclusão de classe, compreendendo que um mesmo objeto pode pertencer a duas classes. Barros (1993) cita alguns exemplos de provas piagetianas aplicadas no período operatório concreto, que vai dos 7 aos 11 ou 12 anos de idade. Nesse período, as crianças conseguem classificar e entender que as rosas vermelhas são subespécies da classe das rosas. Também compreendem operações matemáticas que envolvem relações entre maior, menor, números crescentes, números decrescentes etc. No entanto, elas apresentam dificuldades para realizar operações aritméticas mais complexas. Por isso, esse estágio é denominado operatório, pois as crianças ainda não conseguem abstrair essas operações: nessa fase, as operações da inteligência infantil precisam ser trabalhadas a partir do concreto.

13.8. O estágio operatório formal

O estágio das operações formais apresenta características bem próximas daquelas que os adultos estão elaborando. Por volta dos 12 anos de idade, a criança vai se distanciando daquelas operações concretas.

Se no período das operações concretas a inteligência da criança manifesta progressos notáveis, apresenta por outro lado ainda algumas limitações. Talvez a principal delas, [...] implícita no próprio nome, relaciona-se ao fato de que tanto os esquemas conceituais como as operações mentais realizadas se referem o objetos ou situações que existem concretamente na realidade. (RAPPAPORT, 1981, p. 74).

Essa necessidade da presença do objeto vai sendo gradativamente substituída por hipóteses e deduções, o objeto vai sendo substituído pelo pensamento formal, simbólico, no qual o objeto é reconstruído internamente em todas as suas propriedades físicas e lógicas. Dessa forma, a criança começa a operar apenas com a imaginação e o pensamento formal, e seu pensamento assume um caráter hipotético-dedutivo.

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Oliveira (1994) considera que o estágio operatório formal é muito pouco estudado e,

no entanto, é um dos mais importantes para a compreensão de como o jovem conquista as estruturas lógicas elementares, organiza o espaço, consegue distinguir entre diferentes pontos de vista e construir conceitos.

Para Oliveira (1994), de acordo com a teoria piagetiana, o período operatório formal

corresponde à faixa etária de 11/12 a 15/16 anos. Portanto, essa fase envolve crianças, pré-adolescentes e adolescentes. Nesse período, uma das características mais importantes do pensamento e a mobilidade /flexibilidade. No aspecto da linguagem, os jovens já conseguem argumentar o que desejam e trabalhar com signos mais complexos. No que se refere ao social, a vida em grupo é um aspecto significativo, junto com o planejamento de ações coletivas. A solidariedade, a amizade, os juízos de valor e os juízos morais também se fazem presentes.

13.9. Desenvolvimento moral

Segundo Piaget, "toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda

moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo tem por elas". Pensando assim, ele acredita que o desenvolvimento moral também é construído na medida em que a criança vai tomando consciência de si e dos objetos que a circundam - afinal, as regras das pessoas e dos objetos são construídas pelas interações, enquanto o exercício constante de construção e estruturação da forma de pensar permite à criança a noção de valor, assim havendo respeito pelas pessoas e objetos.

No seu livro sobre o desenvolvimento do juízo moral, Piaget inicia sua pesquisa pelos jogos de regras. Como resultado, considerou que a evolução da consciência das regras pode ser dividida em três etapas, conforme abaixo.

• Anomia - aproximadamente até o sexto ano de vida, quando as crianças não conseguem seguir as regras coletivas por causa de seu egocentrismo e seu apego aos objetos.

• Heteronomia - quando há interesse em participar de atividades coletivas regradas. Essa etapa possui duas manifestações possíveis: 1) as regras são consideradas como criações de senhores ou deuses e qualquer modificação é trapaça; 2) o jogo mostra-se liberal e suas regras são modificadas ou desconsideradas.

• Autonomia - a consideração adulta de um jogo.

A partir dessa pesquisa, Piaget levantou a hipótese de que o desenvolvimento do juízo moral seguirá as mesmas etapas, de modo que o dever moral só é possível" a partir da fase da heteronomia.

La Taille (1992), ao estudar o desenvolvimento do juízo moral na teoria piagetiana, considera que na fase da heteronomia, principalmente nos jogos infantis, a criança está em um processo de construção do valor moral. Quando começa a brincar coletivamente, a criança não assimila as regras como necessária: para regularizar as ações dos jogadores. E é por isso que, em alguns momentos ela quer levar "vantagem". Quando começam a seguir as regras com propriedade as crianças entram na fase da autonomia.

Para investigar a construção do dever moral, Piaget realizou uma pesquisa com três situações diferentes (dano moral, mentira e roubo) em que as criança desempenharam o

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papel de juízes. Como resultado, temos a primeira fase de heteronomia, que se traduz pelo realismo moral, que por sua vez é caracterizado por se considerar bom todo ato de obediência à regra e pelo fato de a criança julga pelas conseqüências e não pela intencionalidade. Esse momento é superado por volta do nono ano de vida.

La Taille (1992, p. 51) cita as provas piagetianas utilizadas para observar a evolução

da moral nas crianças. Piaget utilizou um método que apresentava dilemas morais às crianças para que elas julgassem. O primeiro dilema era um menino que quebrava dez copos sem querer, enquanto o segundo caso era o de um menino que quebrava o copo em uma ação ilícita. As crianças eram convidadas para julgar quem era culpado e por quê. Como já afirmado anteriormente, as crianças pequenas tendem a condenar os dois meninos, pois o ato de quebrar os copos implica uma desobediência às regras: das entendem que os dois meninos devem ser punidos. Já os adolescentes conseguem relativizar a situação e condenar somente o menino que executou a ação ilícita.

Um ponto importante a ser considerado na construção da moral diz respeito às relações individuais, que se dividem em duas categorias:

• coração - imposição da forma de pensar; • reciprocidade - cooperação, autonomia e construção da democracia.

Para Piaget, as crianças bem pequenas podem sofrer processos de coação, assim como as pessoas que ainda não conseguem ter autonomia e elaborar pensamento crítico sobre o universo no qual estão inseridas. No processo de desenvolvimento humano, as noções de justiça, os julgamentos e a lógica da legalidade começam a ser formadas desde a infância. Todavia, é na juventude - quando as relações de cooperação, autonomia e construção de democracia se fazem presentes - que esses conceitos são aperfeiçoados.

Atividade • Para Piaget, o desenvolvimento permite a aprendizagem ou é a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento? Pesquise a diferença.

• Pesquise o que são as provas do diagnóstico operatório desenvolvidas por Piaget.

• De acordo com Piaget, os estágios de desenvolvimento humano são: a) etapas sucessivas. b) processos independentes. c) transições abruptas. d) rupturas com a fase anterior.

• Qual destas características não pertence ao estágio pré-operatório? a) Animismo. b) Lógica do particular para o particular. c) Artificialismo. d) Abstração

13.10. Piaget: o desenvolvimento da inteligência

Piaget considera que o desenvolvimento da inteligência ocorre por meio da interação do sujeito com o objeto. Ele não se preocupou somente em estudar a

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inteligência: também estava interessado em saber qual a origem, a gênese do processo de conhecimento. A partir de suas experiências, ele concluiu que o conhecimento surge da ação do sujeito cognoscente ("aquele que conhece") com o objeto cognoscível ("aquilo que pode ser conhecido"). Assim, para Piaget são necessários alguns fatores para o desenvolvimento da inteligência nos seres humanos. 13.10.1. Fatores de desenvolvimento Segundo Carla Beatris Valentini, 2006,

Na teoria psicogenética, há fatores internos do sujeito e fatores de interação do sujeito com a realidade. Existem fatores que são influenciadores do desenvolvimento e um fator que Piaget considera como dominante. Os fatores influenciadores são hereditariedade (maturação biológica), experiência física, transmissão social. O fator determinante é o processo de equilibração.

Para Piaget, esses fatores são pontos específicos que proporcionam possibilidades

para que a gênese da inteligência possa vir a ser formada. Para Valentini, a "hereditariedade influencia o desenvolvimento, mas é insuficiente para explicá-Io, a própria maturação está na dependência da atividade do sujeito". Assim, o sujeito herda uma série de estruturas biológicas que o predispõem ao surgimento de certas estruturas mentais.

Para Rappaport, (1981, p. 55).

A inteligência, não a herdamos. Herdamos um organismo que vai amadurecer em contato com o meio ambiente. Desta interação entre organismo e ambiente, resultarão determinadas estruturas cognitivas que vão funcionar de modo semelhante durante toda a vida do sujeito.

A maturação biológica colabora de forma marcante para que surjam novas estruturas

mentais que possibilitam uma adaptação cada vez maior ao ambiente.

Piaget, no seu modelo explicativo dos processos de conhecimento, afirma que todo organismo tem invariantes funcionais. Ou seja, para funcionar, todo organismo precisa ter uma organização e se adaptar ao meio. O mesmo ocorre com o pensamento. Para o desenvolvimento da inteligência, os indivíduos precisam ter uma condição biológica (uma organização física) e uma estrutura que irá integrá-Io ao meio - o que corresponde aos processos adaptativos. A adaptação é a segunda invariante de desenvolvimento.

Piaget utiliza o termo invariante porque considera que qualquer pessoa, em qualquer país, independente de sua cultura, passa por esses processos, ou seja, por esses dois aspectos por ele caracterizados como invariantes. 13.10.2. Quanto à área social, as considerações são diferentes

Ao se referir ao ambiente, Piaget refere-se tanto ao ambiente físico quanto ao social.

Os dois concorrerão no sentido de oferecer estímulos que necessitam de um processo cognitivo para a resolução. "É óbvio, então, que a riqueza ou a pobreza de estimulação tanto no plano físico como no 50Cial vão interferir no processo de desenvolvimento da inteligência." (RAPPAPORT, 1981, p. 56).

Piaget é criticado pelos teóricos da corrente histórico-cultural por dar pouca ênfase à questão social influenciando no processo de desenvolvimento. Durante muito tempo, as

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formas de pensar o desenvolvimento humano na perspectiva dos piagetianos foram consideradas antagônicas em relação à perspectiva dos vygotskyanos. Para os representantes da perspectiva histórico-social, não existem comparações entre os ambientes e culturas, pois uma cultura pode promover determinadas relações que outra não promove. Portanto, não existe uma inteligência universal. A riqueza ou a pobreza dos estímulos ou das formas de construção do pensamento, de acordo com os vygotskyanos, depende da concepção de pensamento de cada país e das suas especificidades.

No que se refere à experiência física das crianças na construção do conhecimento, Fontana (1997) afirma, ao analisar a perspectiva de Piaget, que a inserção de um objeto de conhecimento na vida da criança ocorre por meio de um sistema de relações que se vale da ação dos indivíduos sobre os objetos. Para Valentini, (2006)

A experiência física é entendida como toda a experiência que resulta das ações realizadas materialmente; se este é essencial ao desenvolvimento, também é insuficiente porque a lógica da criança não é resultante apenas dele. É necessária a coordenação interna entre as ações que a criança exerce sobre os objetos.

A transmissão social diz respeito ao fator da educação que é fundamental, mas não suficiente. Para a transmissão ser possível entre o adulto e a criança ou entre o meio social e a criança a ser educada, é necessário que ela assimile o que o meio lhe quer transmitir. E essa assimilação é acionada pelas leis do desenvolvimento. O processo de equilibração é mais um dos aspectos que intervêm na construção da inteligência da criança. Rappaport nos diz que:

O conceito de equilíbrio, ou melhor, do processo de equilibração é um dos que apresentam maiores dificuldades para o leitor que está iniciando seus estudos das abordagens piagetianas [.,,] Em linguagem simples não passaria de um processo de organização das estruturas cognitivas num sistema coerente, interdependente que possibilita ao indivíduo um tipo ou outro de adaptação à realidade. (RAPPAPORT, 1981, p. 62).

A equilibração é o fator essencial e determinante no desenvolvimento de sujeito no

processo de adaptação ao meio em que vive. Para Valentini (2006),

A equilibração se caracteriza por dois aspectos: equilibrar entre si os outros três fatores do desenvolvimento e equilibrar a descoberta de uma noção nova com outras já existente nas possibilidades de entendimento da criança ou do adulto.

13.11. Aprendizagem

A grande pergunta que Piaget formulou foi "Como se passa de UI conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado?" E pesquisou e elaborou uma teoria dos mecanismos cognitivos da espécie (sujei epistêmico) e dos indivíduos (sujeito psicológico). Entendendo ser praticamente impossível remontar aos primórdios da humanidade e compreender qual ti efetivamente, o processo de desenvolvimento cognitivo desde o homem primitivo até os dias atuais (filogênese), ele se voltou para o desenvolvimento da espécie humana, do nascimento até a idade adulta (ontogênese). E assim se explica o fato de que, para conhecer como o sujeito epistêmico (sujeito que conhece) constrói conhecimento, Piaget tenha recorrido à Psicologia como campo de pesquisa. Ao elaborar a teoria psicogenética, ele procurou mostrar quais as mudanças qualitativas pelas quais passa a criança, desde o estágio inicial de uma inteligência prática

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(período sensório-motor) até o pensamento formal, lógico-dedutivo, a partir da adolescência.

Os processos filogenéticos de construção do conhecimento são processos herdados de outras gerações. Por exemplo, o aperfeiçoamento do uso das mãos e a própria arte de pintar um quadro foram processos elaborados ao longo da história da humanidade. Entretanto, a maneira individual como cada pessoa utiliza as mãos e aprende a pintar é considerada um processo ontogenético, ou seja, um processo de características individuais que aperfeiçoam as características coletivas (filogenéticas) transmitidas de geração para geração.

Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo): o conhecimento resulta das ações e interações do sujeito no ambiente em que vive. Todo conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, por meio de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou do mundo cultural. O conhecimento resulta de uma inter-relação do sujeito que conhece com o objeto a ser conhecido. 13.12. Tipos de experiências Podemos destacar tipos diferentes de experiência:

A experiência física, ou seja, agir sobre os objetos propriamente ditos. Concepção clássica do que seja experiência. O sujeito age sobre o objeto e pela abstração das ações que exerce sobre os objetos descobre as propriedades físicas desse objeto, bem como as propriedades observáveis das ações realizadas materialmente. Pela experiência física, a criança descobre as propriedades físicas do objeto. (VALENTINI, 2006).

Piaget admite a importância da experiência física, mas destaca a experiência lógico-matemática, que diz respeito à experiência que a pessoa conquista em sua ação sobre os objetos. Valentini acrescenta que "a experiência lógico-matemática envolve não somente as abstrações exercidas sobre os objetos, mas as abstrações das coordenações que ligam essas ações; [a experiência lógico-matemática] se relaciona com as propriedades das ações e não apenas dos objetos".

Por último, podemos acrescentar a experiência social, fator que, se contribui para exercitar e modificar os esquemas, também apresenta efeitos em última instância dependentes dos instrumentos intelectuais de que o indivíduo dispõe em cada ocasião.

De acordo com Fontana (1997), a concepção piagetiana enfoca o processo de

desenvolvimento como um processo de equilibração que possibilita aos indivíduos a auto-regulação. Assim, as ações físicas e sociais das crianças são elaboradas e reelaboradas a partir de todas as suas ações - tanto físicas como mentais - sobre o meio.

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14. PRESSUPOSTOS DA TEORIA CONSTRUTIVISTA DE PIAGET

(MULTIRIO,2006)

Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado pelas estruturas internas do sujeito (porquanto estas resultam de uma construção contínua) nem pelas I características do objeto (já que estas só são conhecidas graças à mediação dessas estruturas). Todo conhecimento é uma construção, uma interação, contendo um aspecto de elaboração novo.

Em seus estudos sobre a psicogênese do conhecimento, fica claro que o conhecimento não procede [...] nem de um sujeito consciente de si mesmo, nem de objetos já constituídos do ponto de vista do sujeito e que se impropriam (sic) a ele. O conhecimento resultaria de interações que se produzem entre o sujeito e o objeto. A troca inicial entre sujeito e objeto se daria a partir da ação do sujeito.

Logo, para Piaget não existe conhecimento resultante do simples registro de observações e informações, sem uma estrutura devida às atividades do próprio sujeito.

Não existem, também, estruturas inatas no homem. As estruturas formam-se mediante uma organização de ações sucessivas exercidas sobre os objetos. Piaget condena veementemente as hipóteses inatistas que concebem o sujeito como estando, - desde o início, munido de estruturas inatas, contradizendo Chomsky, para quem o ser humano é dotado geneticamente com a capacidade específica de aprender uma língua, sendo, portanto, a aquisição desta um processo de base biológica.

Para Piaget, a linguagem é uma construção da inteligência sensório-motora, preparada passo a passo, até se concretizar no período pré-operatório, mais ou menos aos dois anos de idade.

Ao analisar o desenvolvimento desde a sua gênese, Piaget o define como uma equilibração progressiva, uma passagem de um estágio de menor equilíbrio para outro. Sob este ponto de que vista, o desenvolvimento mental é uma construção contínua.

Em todos os níveis, a inteligência procura compreender e explicar o que se passa a

sua volta, só que embora as funções do interesse sejam comuns a todos os estágios, os interesses variam de um nível para outro e as explicações assumem formas diferentes de acordo com o grau de desenvolvimento intelectual, justamente porque as estruturas progressivas ou formas de equilíbrio marcaram as diferenças de um nível de conduta para outro.

Assim, em presença de um novo objeto, o bebê tende a incorporá-Io a seus esquemas de ação (agitar, esfregar, balançar, sugar) tentando compreendê-Io pelo uso. Em cada estágio, as tentativas de compreensão serão diferentes face ao grau de desenvolvimento progressivo.

O conhecimento, portanto, procede da ação e, dessa forma, toda ação que se generaliza por aplicação a novos objetos gera um esquema, uma espécie de conceito prático.

O que constitui conhecimento não é apenas uma simples associação entre objetos, mas a assimilação dos objetos aos esquemas do indivíduo. A assimilação cognitiva

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também é realidade dessa forma. É necessário um esquema que permita a assimilação do objeto de conhecimento.

A estrutura de assimilação irá variar desde as formas mais simples de incorporação de sucessivas percepções e movimentos até as operações superiores. A partir da assimilação dos objetos, a ação e o pensamento se acomodam a estes, reajustando-se. Há, portanto, uma adaptação quando ocorre o equilíbrio entre assimilações e acomodações.

O desenvolvimento mental será sempre uma adaptação progressiva e cada vez mais precisa à realidade.

Os mecanismos de assimilação/acomodação são gerais e se encontram nos diferentes níveis do pensamento científico.

Cada estágio é responsável por determinadas construções, sendo estas contínuas: no estágio sensório-motor, anterior à linguagem, constitui-se uma lógica de ações, fecunda em descobertas.

Assim, no início da vida do bebê, em seu universo primitivo não há objetos permanentes, nem há separação entre o sujeito e o objeto. Há uma indiferenciação completa entre o subjetivo e o objetivo. O sujeito não se reconhece como origem das ações, porque as ações primitivas são como um todo indissolúvel, ligando o corpo ao objeto (chupar, agarrar etc.).

Só aos 18 meses, mais ou menos, nos primórdios da função simbólica e da inteligência representativa, começa a haver a descentração das ações em relação ao próprio corpo, podendo-se, então, falar de um sujeito que começa a se conhecer como fonte/origem de seus movimentos.

No caso das ações primitivas, não coordenadas entre si, indiferenciadas, podem ocorrer dois tipos de assimilação:

• assimilação por estrutura hereditária -como por exemplo a sucção, em que o bebê tenta incorporar novos objetos a este esquema, sugando o peito, a mão, tudo que estiver ao seu alcance;

• assimilação reprodutora - diante de uma situação inesperada, como por exemplo a tentativa de agarrar um objeto pendurado, fazendo-o balançar no intuito de reproduzir o gesto, formam-se novos esquemas, conduzindo à assimilação recognitiva (balançar outro objeto), o que gera a assimilação generalizadora (objetos que servem para balançar).

Gradativamente, o bebê realiza combinações novas pela reunião de esquemas de assimilações recíprocas (objetos que balançam e emitem sons e que, portanto, servem para olhar e ouvir). Esta descoberta o levará a novas tentativas, como a de agitar diferentes brinquedos para descobrir se também fazem barulho.

Por mais modesto que seja este início, este é o modelo que se irá desenvolvendo cada vez mais: a criança constrói combinações novas, combinando abstrações separadas dos próprios objetos (como reconhecer num objeto suspenso algo para balançar) e coordena os meios para atingir tal fim. O próprio reconhecimento de que o objeto serve para balançar já implica uma abstração.

Dessa forma, já no período sensório-motor, começam as coordenações e as relações de ordens, os encadeamentos de ações necessários a essas coordenações, havendo,

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portanto, o início de uma abstração reflexiva.

A partir destas observações, Piaget assevera que a estrutura do conhecimento forma-se anteriormente ao domínio da linguagem, constituindo-se no plano da própria ação.

É, portanto, no nível da inteligência prática, no período sensório-motor, que surgem as coordenações entre as ações, e os objetos começam a se diferenciar; só que haverá, ainda, uma longa evolução até que as ações se interiorizem em operações mentais.

Ainda que estas construções sejam muito elementares, já se percebe segundo Piaget, a existência dos primeiros instrumentos de interação cognitiva. Tais construções, no entanto, estão situadas no plano das ações efetivas e não refletem um sistema "conceitual". Com a capacidade de representação, o jogo simbólico, a imagem mental e a linguagem, enfim, com a constituição da função simbólica (capacidade de representar um significado através de um significante), a situação mudará. Às ações simples sobrepõe-se um novo tipo de ação que é internalizado: o bebê, além de poder fazer, por exemplo, um deslocamento de A para B, poderá representar esse movimento no pensamento e evocar, pelo pensamento, outros movimentos. A representação implica a função simbólica e a criança torna-se capaz de representar um significado (objeto ou acontecimento) através de um significante único e diferenciado, tornando-se capaz de evocar os significados graças aos significados. Enquanto a inteligência sensório-motora é obrigada a segui os acontecimentos, sem poder ultrapassá-los ou evocá-los, no nível seguinte, pré-operatório, a inteligência, graças à função simbólica, é capaz de abranger, num todo, elementos isolados, podendo também evocar o passado, representar o presente e antecipar ações futuras. Para Piaget, a inteligência é vista como um processo de sucessivas adaptações, equilibrações entre assimilações e acomodações. No começo, ela é prática, apóiam-se nas percepções, movimentos e ações anteriores ao pensamento e à linguagem.

Se o campo da inteligência sensório-motora aplica-se somente a ações concretas, e da inteligência representativa amplia-se, liberta-se da realidade concreta, torna possível a manipulação simbólica de algo que não está visível.

No período pré-operatório (mais ou menos dos dois aos seis anos), a criança é capaz de produzir imagens mentais, de usar palavras para referir-se a objetivos e situações, de agrupar objetos de forma rudimentar. Nesta fase, as crianças têm o que Piaget chama de pensamento intuitivo; raciocinando a partir de intuições e não de uma lógica semelhante a do adulto.

A linguagem, neste período, é comunicativa e egocêntrica. Comunicativa por ser usada com a intenção de transmitir algo a alguém ou de procurar informações; e egocêntrica, quando criança fala pelo prazer de falar, numa espécie de monólogo, às vezes coletivo, sem intenção de se comunicar com os outros.

Nesta fase, as crianças ainda não se atêm às regras fixadas poderem, ainda, conciliar seus próprios interesses e os do grupo.

Os juízos de valor são feitos à base das primeiras impressões, calcados em instituições e dicotomias: certo/errado, melhor/pior.

A atividade simbólica da criança é chamada por Piaget, neste período, de pré-conceituação, significando estar num período intermediário entre o símbolo imaginando e o conceito propriamente dito.

O pensamento ainda não é capaz de descentração, fixando-se a criança em um ou outro aspecto de uma relação.

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No terceiro estágio, o do pensamento operatório concreto, mais ou menos dos 7 aos 12 anos, a criança torna se capaz de efetuar operações mentalmente, lembrando o todo enquanto divide partes, colocando idéias em seqüência, iniciando a construção de operações reversíveis, podendo "conservar", isto e, considerar, ao mesmo tempo, tanto o todo como vários reagrupamentos de suas artes.

Com esta possibilidade de reversibilidade, a criança passa a poder explorar diferentes caminhos para resolver situações-problema, já que ela pode fazer e refazer mentalmente o caminho de ida e volta.

No estágio das operações concretas, a criança é capaz de classificar, agrupar, tornar reversíveis as operações que efetua e pensar sobre um fato a partir de diferentes perspectivas.

Sua linguagem perde as características de egocentrismo. A criança, gradativamente, também começa discutir a questão das regras dos jogos dentro do grupo, tentando segui-Ias.

No estágio das operações formais, a partir de 11/12 anos, a criança inicia sua transmissão para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre idéias abstratas.

Ao final deste período, mais Ou menos aos 15 anos, a pessoa atinge sua maturidade intelectual.

Nesta fase, a linguagem dá suporte ao pensamento conceitual; há possibilidade de formulação dê hipóteses e preposições; o jovem caminha da anatomia inicial e da heteronomia para a autonomia no tocante às regras sociais. Se, num primeiro momento, a criança desconhece as regras (anomia), se depois as recebe de "fora para dentro" (heteronomia), neste estágio o jovem consegue caminhar para rejeitar, criticar, aceitar, refletir sobre valores e convenções sociais, culminando com a construção da autonomia.

Quanto à linguagem, para Piaget, ao atingir a adolescência, ela assume papel cada vez mais importante, não só pelo que oferece de conceitos abstratos necessários à flexibilidade de pensamento; mas, também, pelo acesso ao conhecimento filosófico e científico.

Atividades • Apresente para seus colegas alguns exemplos de atividades físicas e de atividades

lógicas. • É melhor iniciar o estudo de matemática pelas formas ou pelas figuras? Qual seria a

opção piagetiana? • Qual fator Piaget considera determinante para a ocorrência do desenvolvimento?

a) Hereditariedade. c) Experiência física b) Equilibração. d) Transmissão social.

• "Piaget considera que o desenvolvimento ocorre somente com a experiência física".

Essa afirmação é: a) correta.

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b)incorreta. 15. WALLON E A PSICOLOGIA GENÉTICA: ASPECTOS BIOGRÁFICOS

Henri Wallon nasceu na França, em 1879. Morou em Paris e seu percurso foi

marcado por intensa atividade intelectual e política. Morreu em 1962. Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi médico de batalhão e durante a Segunda Guerra (1939-1945) participou da ciência, movimento contra a invasão nazista. Sua trajetória existencial colaborou para aumentar a sua crença na necessidade de a escola assumir um papel democrático, solidário e sem preconceitos para reconstrução de uma sociedade mais justa e humana. Sua trajetória acadêmica demonstra uma Dida formação em Filosofia, Medicina e Psiquiatria e um forte interesse pela Psicologia, que na época não existia enquanto curso universitário.

A militância política de Wallon esteve relacionada com a tradição liberal e republicana de sua killia. De acordo com Zazzo (1978), o avô de Henri Wallon era um historiador que, por um longo período, foi um deputado católico liberal francês que lutou pela abolição da escravatura e auxiliou a elaborar a Constituição Francesa. O pai de Wallon, também republicano, muito discutia e debatia com o filho as questões políticas da França. Em função dessa influência familiar, Renri Wallon cursou a Escola Normal Superior. Quando era estudante, já era preocupado com as questões políticas e a coisa pública. Em 1903, aos 24 anos de idade, tornou-se professor de Filosofia.

Durante o seu processo de formação acadêmica, Wallon também se interessou pelo

estudo Medicina. Segundo Dantas (1983), após ministrar aulas de Filosofia, Henri Wallon passou a se interessar pelos valores socialistas, optando pela Medicina para buscar entender a organização biológica do homem. Nessa opção, procurou unir a Medicina com a Psicologia, a Neurologia, a Filosofia e também a Educação.

Wallon formou-se em Medicina em 1908 e até 1931 atuou como médico em hospitais psiquiátricos, nos quais se dedicou ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios do comportamento. Em 1925, fundou um laboratório destinado ao atendimento de crianças ditas "anormais". Ainda em 1925, publicou sua tese de doutorado, intitulada A criança turbulenta, dando início a um ciclo de grande produtividade.

É preciso destacar que em 1908, quando se formou em Medicina, Wallon foi preso por dez dias pelo governo francês por contestar a violência do estado contra plantadores de uvas que estavam na miséria e sofriam fortes represálias em suas reivindicações. De acordo com Dantas (1983), Wallon apoiou o movimento dos trabalhadores e, junto com outros democratas e socialistas, foi para a prisão. Wallon também foi enviado à guerra para cuidar dos feridos. Essa vivência, aliada à experiência com crianças, fez com que elaborasse as relações entre os componentes psíquicos e orgânicos do desenvolvimento.

Almeida (1999) fez uma observação sobre as pesquisas de Wallon com um soldado, vítima de guerra, que teve um episódio de medo e fuga durante um bombardeio. Quando o soldado voltou para casa, instalou-se o trauma de guerra e esse veterano passou a apresentar crises de pânico. Após estudar esse caso, em 1934 Wallon escreveu o livro As origens do caráter na criança, no qual abordou a evolução do comportamento emociona\ nas pessoas desde o primeiros reflexos do recém-nascido até a fase adulta. Ele analisou o paradoxo das emoções, antagonismos, aspectos do psiquismo, e as relações da emoção entre o corpo e a mente.

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Wallon também foi eleito deputado no Parlamento francês. Na década de 1940, a França enfrentava muitos problemas com as suas colônias e procurava reconstruir sua economia. Esse foi uni período de instabilidade política no qual Wallon realizou a maior parte de sua produção acadêmica. Galvão (1995) considera que Wallon viveu em uma época de muita turbulência política, o que marcou profundamente suas obras. As duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e o avanço do fascismo fizeram com que ele refletisse sobre a influência do meio no comportamento das pessoas, sobre a questão dos conflitos, do movimento, das contradições e a formação das emoções. Zazzo (apud GALVÃO, 1995, p. 17) afirma que Wallon foi "um homem da contradição num mundo de contradições, numa sociedade, num universo com conflitos cada vez mais agudos, cada vez mais explosivos".

As obras de Wallon apresentam uma linguagem do materialismo histórico, uma mescla de análises políticas com linguagem médica para a interpretação das relações sociais e emocionais dos sujeitos. Por isso, muitas de suas obras não são de fácil compreensão. Segundo Almeida (1999), Wallon foi chamado de organicista no início de sua carreira. Todavia, com o tempo, a sociedade científica foi reconhecendo que a sua produção acadêmica fundamenta-se no materialismo dialético, que busca a complementariedade dos aspectos biológicos e culturais no processo de desenvolvimento. Wallon concebia o homem como um ser "biologicamente social".

Wallon escreveu diversos artigos voltados para a formação do professor e a análise das interações em sala de aula. Segundo Galvão (1995), de 1937 a 1962 ele trabalhou com os professores do ensino primário, e entre 1946 e 1962 participou do Grupo Francês da Educação Nova. Ele discutia o desenvolvimento na perspectiva médica, filosófica e psicológica.

Assim, seus interesses voltavam-se também para a Educação. Após a Segunda Guerra Mundial, como integrante de uma comissão nomeada pelo Ministério da Educação Nacional Francês, Wallon redigiu, juntamente com o físico Langevin, o Projeto Langevin-Wallon, cujas idéias também estão expostas no livro Psicologia e pedagogia. O projeto apresenta uma proposta de reforma de todo o sistema educacional francês no pós-guerra e suas idéias são tão avançadas que ele foi apenas parcialmente realizado.

O Plano Langevin-Wallon propunha uma formação integral para as professoras que desejassem atuar no magistério e lhes previa bolsas de estudo. À idéia era democratizar a educação para favorecer ao máximo as potencialidades dos sujeitos e investir na educação. Mas o plano não chegou a ser concretizado.

15.1. Fundamentos epistemológicos

Wallon assumiu os pressupostos do materialismo dialético. E a influência do materialismo nas obras de Wallon se faz presente na interação dos

fatores de natureza orgânica com os fatores sociais no desenvolvimento dos indivíduos. Segundo Galvão (1995), Wallon procura superar dicotomias e dualismos. No materialismo histórico, busca-se a explicação dos fenômenos a partir dos vários aspectos que o compõem. Para ele, as mudanças e transformações históricas são fruto de ações sociais humanas desenvolvidas por diferentes culturas em diversos períodos. Para exemplificar, Wallon considera que um determinado grupo social pode modificar estruturas biológicas em função da sua cultura: as mulheres africanas que têm seus pescoços alongados pelo uso de colares, ou indígenas que têm os lóbulos das orelhas ampliados pelo uso de

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brincos largos. Para algumas culturas, essas ações podem ser incompreensíveis; para outras, fazem parte do seu universo. Esses aspectos ajudam a compor as culturas humanas e suas contradições.

Para Wallon, o estudo dessa realidade movediça e contraditória que é o homem e seu psiquismo beneficia-se enormemente do recurso ao materialismo dialético, perspectiva filosófica especialmente capaz de captar a realidade em suas permanentes mudanças e transformações (GALVÃO, 1995, p. 31).

A partir dessa fundamentação, Henri Wallon elaborou seu próprio método: a análise genética, trabalho multidimensional que consiste em uma série de comparações entre diferentes realidades para esclarecer o processo de desenvolvimento. Nessas comparações, o fenômeno é analisado em suas várias dimensões - orgânicas, biológicas, sociais -, bem como as relações entre esses vários fatores.

Ao tratarem da obra de Wallon, Marroney e Almeida (2002) nos apontam alguns

pressupostos que embasam a teoria, conforme abaixo. • A pessoa está continuamente em processo.

Há um movimento contínuo de mudanças ao longo da vida de cada sujeito e o

resultado dessas mudanças pode ser observado externamente, sendo que internamente existe um jogo de forças entre os conjuntos motor, afetivo e cognitivo.

• Em cada instante desse processo, a pessoa é uma totalidade resultante da integração dos conjuntos motor, afetivo e cognitivo.

Dentro dessa perspectiva, não há possibilidade de se pensar a pessoa de forma

parcelar, pois ela é sempre uma totalidade e só pode ser pensada a partir dessa integração. Com essa rede de relações entre esses conjuntos (cognitivo, afetivo e motor) e entre eles e seus fatores determinantes (o orgânico e o social), temos como resultado a pessoa individual, única.

• As existências individuais e sociais estão marcadas pelas situações históricas concretas em que acontecem.

• A concepção é a de um desenvolvimento em aberto, e processo, ou seja, sempre em movimento - o que não elimina regressões e conflitos.

• Na passagem de um estágio para outro, ocorrem crises advindas das atividades já adquiridas com as novas solicitações do meio. Estabelece-se um conflito cuja solução significa a passagem para um novo estágio.

Para explorar os diferentes conceitos de Wallon, é preciso considerar como eles são

construídos em sua teoria. A noção de que o homem está em um contínuo processo de desenvolvimento se relaciona com análises de como a criança se desenvolve nos seus aspectos físicos, sociais, motores e emocionais. Para Wallon, criança já é um ser social quando nasce. A sobrevivência do bebê está associada a cuidados dos adultos para com ele, e esses cuidados não são exercidos de uma forma mecânica. Os próprios bebês, segundo Wallon, já negociam - por meio de choro sorrisos e gestos - como querem que os adultos os tratem. Os adultos, por sua vez vão interpretando essas ações e direcionando seus cuidados com as crianças.

No que se refere ao desenvolvimento motor, Wallon dá grande destaque a processo de maturação biológica e a como os adultos estimulam socialmente desenvolvimento da

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motricidade dos bebês. Um de seus conceitos clássicos é que no bebê, o desenvolvimento motor é céfalo-caudal e próximo-distal. Isso significa afirmar que, quando consegue equilibrar o seu pescoço, arrastar-se e depois: sentar, o bebê vai conseguir grandes avanços físicos. A maturação cerebral os estímulos ambientais são processos que ajudam o bebê a se sentar. Em um outro momento, quando o bebê consegue segurar os objetos, o desenvolvimento é próximo-distal porque se traduz no equilíbrio do tronco para as mãos. Esses aspectos podem ser facilmente observados em bebês de quatro meses, por exemplo. Existem mães que não colocam os bebês de bruços, para que comecem equilibrar o pescoço. Como eles ficam a maior parte do tempo deitados de barri! para cima, muitos ficam carecas na parte traseira da cabeça e demoram mais pai desenvolver a parte motora. Por isso, Wallon considera que o desenvolvimento motor dos indivíduos também depende dos estímulos sociais que eles recebem. Por isso considera o homem como um ser biológico e social.

No que diz respeito à integralidade das pessoas, por serem compostas de aspectos motores, afetivos e cognitivos, Wallon se preocupou com a gênese da sua formação. Ele considera que a evolução psicológica das pessoas ocorre e processos de integração e diferenciação, de modo que as pessoas ora se identifica com seus pares, ora se diferenciam. Por exemplo, até completarem um ano, as crianças ainda se encontram muito misturadas com as mães, em um processo simbiótico. Com o tempo, elas vão aprendendo a se diferenciar.

Quanto à emoção, Wallon a considera possuidora de um papel expressivo no desenvolvimento humano. Ele observa as características visíveis da emoção afirma que, independentemente de cultura, a emoção é acompanhada de reações orgânicas, batimentos cardíacos e uma série de outras manifestações. Entretanto ela é contagiosa, representa as manifestações culturais e expressivas de cada povo. Assim, Wallon considera as emoções como processos coletivos. Para ele, as pessoas choram ou sorriem em relação a alguém ou alguma coisa.

Wallon também afirma que as emoções orientam o pensamento humano. Ao analisar a perspectiva walloniana, Dantas (1990) defende a idéia de que razão nasce da emoção e vive da sua morte". Ou seja, quando estão envolvidos emocionalmente com uma situação, os indivíduos não conseguem raciocinar; todavia, quando se distanciam do fato, conseguem resolver o problema. Mas Dantas (1990) também adverte que a razão e a emoção caminham juntas. Em determinados momentos do processo de desenvolvimento humano, ora predomina a emoção, ora predomina a razão. Mas elas convivem em um processo dialético. Elas se complementam.

Quanto à concepção de o desenvolvimento ser um processo em aberto, Wallon defende que a criança está em constante processo de transformação, assim como o meio social. Galvão (1995, p. 40) afirma que "o meio não é uma entidade estática e homogênea, mas transforma-se com a criança.”

No que se refere às questões dos conflitos, para a teoria walloniana eles não atrapalham o desenvolvimento, pois são constitutivos desse processo. Galvão (1995, p. 42) descreve que "Wallon" é os conflitos como propulsores do desenvolvimento, isto é, como fatores dinamogênicos. Essa concepção quanto ao significado dos conflitos repercute na atitude de Wallon diante do estudo do desenvolvimento infantil, fazendo-o dirigir aos momentos de crise maior atenção.”

As crises também são consideradas importantes para as pessoas crescerem e se

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desenvolverem. Sobre os estágios de desenvolvimento, Wallon defende a idéia de que eles são descontínuos e assistemáticos: o desenvolvimento não é linear. Às vezes, uma pessoa pode se desenvolver bem em uma área e não em outra. Como pode também, em momentos de crise, regredir no seu desenvolvimento. Portanto, Wallon percebe o desenvolvimento como um processo de alternâncias e predominâncias cognitivas e emocionais.

Atividade

• Assim como Vygotsky, Wallon utilizou uma perspectiva dialética para compreender o sujeito humano. Quais as semelhanças e diferenças entre esses teóricos? Discuta em grupo.

• Wallon produziu um grande plano educacional para a França, chamado Plano

Longevin-Wallon. Pesquise as características desse plano e sua contribuição para a escola moderna.

• Dentre os aspectos citados, qual é o pressuposto materialista assumido por

Wallon? a) Dicotomia. b) Dualismo. c) Contradição. d) Linearidade.

• Qual das afirmativas abaixo, acerca do desenvolvimento, é incorreta na

perspectiva walloniana? a) É um processo aberto. b) Não elimina regressões. c) É homogêneo. d) É assistemático.

16. WALLON E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA Segundo Wallon, quando se trata de desenvolvimento da criança, uma questão central a ser trabalhada é a da consciência. Para ele, o melhor caminho para o estudo seria buscar sua origem, de modo que buscou explorar as origens biológicas da consciência. Da análise de suas observações, comparando semelhanças e diferenças entre o desenvolvimento de crianças normais e patológicas, entre crianças e adultos, ele foi extraindo os princípios reguladores desse processo e identificando seus vários estágios (MAHONEY; ALMEIDA, 2002).

Em sua obra, fica clara a posição de não dicotomizar o sujeito, e sua teoria indica para fatores orgânicos e sociais como responsáveis pelas possibilidades e limites de cada estágio do desenvolvimento.

Para Wallon, o desenvolvimento psíquico não ocorre como uma mera justaposição de estágios, mas como um processo assistemático que envolve oscilações, ritmos variados, alterações marcadas por conflitos e instabilidades. Na perspectiva walloniana, existem algumas leis que regulam esse desenvolvimento. As leis reguladoras

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• Alternância de direções opostas em cada estágio - o movimento predominante ou é para dentro (para o conhecimento de si mesmo) ou é para fora (para o conhecimento do mundo).

• Alternância na predominância de conjuntos diferentes em cada estágio - ora temos o motor, ora temos o afetivo em predominância, sendo que um está sempre nutrindo o outro. Analisando as duas leis, temos que, quando a direção é para si mesmo (centrípeta),

o predomínio é do afetivo; quando é para o mundo exterior (centrífuga), predomina o cognitivo. E tanto o cognitivo como o afetivo têm sempre como suporte a atividade motora.

Wallon considera que o princípio de alternância funcional imprime o ritmo geral do desenvolvimento. Ou seja, cada estágio é marcado por alternâncias e predominâncias. Cada etapa vai depender dos recursos que a criança possui para interagir e das necessidades dos indivíduos. Dessa maneira, existe no comportamento do bebê o predomínio da emoção, que é o instrumento privilegiado de interação do bebê com o mundo. Wallon defende que na etapa do desenvolvimento iniciada no primeiro ano de vida, quando o bebê começa a utilizar a inteligência prática para resolver os seus problemas, há o predomínio da cognição. Portanto, ao longo do processo de desenvolvimento, os aspectos emocionais e cognitivos se alternam. Isso não significa que eles trabalhem de forma isolada, pois ora predominam as ações emocionais no desenvolvimento, ora as cognitivas. As pessoas também se desenvolvem ora voltadas para si (ações centrípetas) e ora voltadas para o mundo externo (ações centrífugas).

A integração funcional nos aponta a relação entre os estágios como uma regulação entre conjuntos funcionais hierarquizados. Segundo Mahoney e Almeida, (2002, p. 14-15).

todos os conjuntos funcionais, em suas várias configurações, revelam-se inicialmente de forma sincrética, isto é, o motor, o afetivo e o cognitivo reagem como um todo diferenciado aos estímulos internos e externos. Neste sentido, desenvolver-se é ser capaz de responder com reações cada vez mais especificas a situações cada vez mais variadas.

16.1. Os estágios

Galvão (1996, p. 43) afirma que, para Wallon, "cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo predomínio de um tipo de atividade". Dessa maneira, o desenvolvimento humano se caracteriza por um processo dinâmico que segue um conjunto de determinações provenientes do próprio sujeito e do seu meio. 16.2. Estágio impulsivo emocional (O a 1 ano)

A criança inicia sua vida imersa num mundo social e dele recebe o significado e as respostas a suas necessidades:

É-lhes indispensável uma assistência a todos os instantes. É um ser cujas reações têm todas as necessidades a ser completadas, compensadas. Incapaz de algo por si s6, é manipulando outrem, e é nos movimentos do outro que tomarão forma as primeiras atitudes. (W ALLON, 1975, p. 153).

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Esse estágio é dividido em dois momentos:

• impulsividade motora (O a 3 meses), com predomínio da necessidade de exploração do próprio corpo;

• emocional (3 a 12 meses), quando já é possível reconhecer padrões emocionais diferenciados para a alegria, para o medo etc., e ocorre o início do processo de discriminação da forma de comunicação pelo próprio corpo.

Nos primeiros meses de vida, na fase da impulsividade, o bebê é guiado por funções fisiológicas: respiração, alimentação e sono. É uma fase em que ele necessita de muita ajuda do adulto e vive momentos de espera que se refletem no próprio corpo: apresenta espasmos, gritos e choro, e também apresenta descargas musculares. O bebê agita os braços e pernas no berço e observa seus movimentos. E mostra, por meio dos seus movimentos, seu estado de desconforto e alegria. Por isso, essa é denominada fase da impulsividade. É preciso destacar que o bebê não é capaz de diferenciar-se no ambiente. Ele tem uma relação simbiótica muito forte com a mãe.

No segundo período dessa fase, considerada a etapa emocional, segundo Dantas

(1992), o bebê realiza com a mãe o diálogo tônico. A criança responde diferentemente às carícias da mãe ou do seu cuidador. A criança também se acomoda no colo da mãe de uma maneira especial, como se formasse um diálogo corporal com a mãe. Seus gestos e expressões mobilizam o outro. Por meio do desenvolvimento da afetividade, ela vai experimentando o universo ao seu redor. 16.3. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos)

As principais características desse estágio são o andar e o falar. Antes de andar, as ações da criança estavam limitadas pelo espaço próximo, mas, com a marcha, ela mesma pode medir a distância, ampliando sua liberdade de exploração do meio físico, ir e vir por si mesma. Enfim, é um momento de reconhecimento espacial dos objetos e de si mesma, e de maior diversidade de relações com o meio.

A linguagem constitui-se em outro fator importante. Com a linguagem aparece li possibilidade de objetivação dos desejos. A permanência e a objetivação da palavra permitem à criança separar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, antecipar, combinar, calcular, imaginar, sonhar. (WALLON, apud MAHONEY; ALMEIDA, 2002).

Essa fase é de descoberta e exploração do mundo externo. A criança interessa-se em repetir movimentos, ver e rever suas ações. Sente prazer em manipular os objetos. É um momento em que ela amplia suas sensibilidades táteis, visuais e auditivas. Há um processo de mielinização10 do córtex cerebral e a criança começa a aprimorar a coordenação da cabeça com os olhos e a mão. A imitação também assume um significado importante nesse período.

8 Mielinização é a evolução funcional, a maturação orgânica que ocorre no desenvolvimento humano, proporcionando o aperfeiçoamento do sistema nervoso central e tomando possível o surgimento e o aprimoramento de diversas capacidades, como andar, falar, ler. Na prática, é um progressivo revestimento das fibras motoras por uma substância que isola as fibras nervosas, o que facilita a condução do impulso nervoso.

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16.4. Estágio do personalismo (3 a 6 anos)

É marcado pela construção da própria subjetividade por meio das atividades de oposição (expulsão do outro) e, ao mesmo tempo, de sedução (assimilação do outro), como também de imitação. "Neste estágio, a tarefa central é a formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas, definindo o retorno da predominância das relações afetivas" (GALVÃO, 1998, p. 45).

A consciência de si, realizada nesse estágio, já pressupõe uma diminuição do sincretismo da pessoa, uma demarcação do eu e do outro, condição que permitirá novas conquistas no próximo estágio, particularmente no plano da inteligência.

Esse estágio é caracterizado por Wallon como a fase da "crise do eu". É a fase da birra da criança de três anos quando quer se auto-afirmar. Esse período foi considerado por Wallon (1995, p. 267) "como o responsável por uma brusca reviravolta nos modos de agir da criança nas relações com o ambiente".

Nesta fase personalista, a busca pela consciência de si se manifesta por meio da

conquista do eu psíquico, da independência e da diferenciação com o outro. A criança de três anos se opõe ao outro para demarcar a sua personalidade, seus gostos e desejos. A recusa e a oposição são momentos de afirmação para a criança. Nesta fase, os conflitos revelam a necessidade de a criança adquirir sua independência. Todavia, esta fase é considerada também a "idade da graça": a criança troca palavras, conquista a simpatia dos seus pares e faz gestos graciosos. Wallon estudava, portanto, as contradições presentes no desenvolvimento humano.

16.5. Estágio categorial (6 a 11 anos)

Existe uma diferenciação nítida entre o eu e o outro, o que permite à criança uma organiza9ão mental do mundo físico: agora ela é capaz de organizar o mundo físico em categorias (seriação, classificação etc.). Este estágio traz importantes avanços no plano da inteligência em decorrência da consolidação simbólica e da diferenciação da personalidade realizada no estágio anterior. No estágio categorial, existe predominância do aspecto cognitivo.

Dantas (1990) considera que, nesta fase, a criança busca a superação do sincretismo do pensamento. Ou seja, ela procura entender, no plano intelectual, o que é obscuro, confuso e sem distinções. Neste período, os progressos obtidos na cognição também se fazem presentes nos aspectos biológicos e sociais.

Com o início da escolarização, a criança já não se volta somente para as relações familiares, mas também para as relações estabelecidas na escola. A linguagem assume um significado expressivo para elaboração de categorias do pensamento. A criança é capaz de lembrar imagens e símbolos a partir de situações concretas.

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16.6. Estágio da puberdade e da adolescência (11 anos em diante)

Apresenta-se pela capacidade de domínio de categorias abstratas, com a dimensão temporal tomando espaço, possibilitando uma mais abrangente análise de sua autonomia e de sua dependência. Segundo Wallon,

questões metafísicas, de tonalidade intensamente subjetiva, que não parecem poder encontrar resposta no mundo da experiência, [...] com a puberdade e seus instintos de absorção, de perpetuidade, de reprodução, a noção de lei se torna acessível à mente. (apud MAHONEY; ALMEIDA, 2002).

Esse estágio também é marcado por atividades de auto-afinação, bem como de confronto com os valores dos adultos e apoio dos grupos demais.

No inicio da adolescência, a oposição ao outro aparece freqüentemente ligada à dependência do outro [...] ao mesmo tempo em que deseja tornar-se independente do adulto, o jovem necessita de sua orientação para as escolhas que deve realizar, em um jogo de alternância que se faz necessário a fim de continuar a construção de sua pessoa, de sua identidade. (PEREIRA, 2006).

O adolescente manifesta seu desejo de autonomia e procura resolver os seus problemas por meio de uma lógica argumentativa, ou seja, por meio da linguagem. É preciso destacar que o período da puberdade também traz para o adolescente modificações orgânicas que vão influenciar no seu comportamento e na sua maneira de lidar com o mundo. Wallon considera que na fase da puberdade o jovem voltasse mais para si mesmo, em função 40 seu "eu corporal". As alterações no plano fisiológico influenciam o plano psíquico e trazem ambivalência de sentimentos. O adolescente questiona sua vida, sua origem, seus valores e seu destino. Atividade

• Releia as leis reguladoras e exemplifique de que forma elas se dão na relação entre mãe e filho nos primeiros seis meses de vida.

• Forme grupos com outros alunos e dê exemplos de cada uma das fases expostas

por Wallon.

• Em que estágio walloniano existe a "crise do eu"? a) Impulsivo. b) Sensório motor e projetivo. c) Personalismo. d) Categorial

• Para Wallon, quais são as leis reguladoras do desenvolvimento? a) De alternâncias e predominâncias. b) De integrações e desintegrações. c) De construções e desconstruções. d) De impulsos e reflexos.