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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 53 – Morfologia histórica do Português. 64 REFLEXÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA NOS ESTUDOS DA GRAMATICOGRAFIA PORTUGUESA Sônia Maria NOGUEIRA 1 Nosso interesse está centrado em fazer uma reflexão acerca da Historiografia Linguística da Língua Portuguesa, a fim de evidenciar as diferentes concepções de gramática e sua estrutura e, a partir delas, identificar as diversas formas de se entender o ensino de Língua Portuguesa. Apontando, assim, de que maneira as contribuições desses renomados gramáticos perduraram até os dias atuais. Nosso corpus é constituído pelas fontes documentais primárias, escritas e produzidas no século XIX, a Grammatica Elementar da Lingua Portugueza, de Filippe Benicio de Oliveira Condurú, 1850 e a Grammatica Portugueza, accomodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicação pratica, de Francisco Sotero dos Reis, 1866, publicadas em São Luís, no Maranhão. Esse trabalho insere-se na Linha de Pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa, mais especificamente centrado nas investigações levadas a efeito no Grupo de Pesquisa em Historiografia da Língua Portuguesa (GPeHLP) do Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP- PUC/SP). Desse modo, fixamo-nos nos procedimentos metodológicos da Historiografia Linguística, de acordo com Koener (1996), para o desenvolvimento das formas de expressão e normatizaçao da Língua Portuguesa, sobre prismas históricos sucessivos e descontínuos. Sobre Historiografia Linguística 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – IP-PUC/SP Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/MA Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão – FAPEMA/MA Rua Capitão José Verde, nº 343, Vila Curti, CEP- 15025-530 São José do Rio Preto/SP/Brasil [email protected]

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 53 – Morfologia histórica do Português.

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REFLEXÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA NOS ESTUDOS

DA GRAMATICOGRAFIA PORTUGUESA

Sônia Maria NOGUEIRA1

Nosso interesse está centrado em fazer uma reflexão acerca da Historiografia

Linguística da Língua Portuguesa, a fim de evidenciar as diferentes concepções de

gramática e sua estrutura e, a partir delas, identificar as diversas formas de se entender o

ensino de Língua Portuguesa. Apontando, assim, de que maneira as contribuições desses

renomados gramáticos perduraram até os dias atuais.

Nosso corpus é constituído pelas fontes documentais primárias, escritas e

produzidas no século XIX, a Grammatica Elementar da Lingua Portugueza, de Filippe

Benicio de Oliveira Condurú, 1850 e a Grammatica Portugueza, accomodada aos

principios geraes da palavra seguidos de immediata applicação pratica, de Francisco

Sotero dos Reis, 1866, publicadas em São Luís, no Maranhão. Esse trabalho insere-se

na Linha de Pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa, mais especificamente

centrado nas investigações levadas a efeito no Grupo de Pesquisa em Historiografia da

Língua Portuguesa (GPeHLP) do Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae

para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP-

PUC/SP).

Desse modo, fixamo-nos nos procedimentos metodológicos da Historiografia

Linguística, de acordo com Koener (1996), para o desenvolvimento das formas de

expressão e normatizaçao da Língua Portuguesa, sobre prismas históricos sucessivos e

descontínuos.

Sobre Historiografia Linguística

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – IP-PUC/SP Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/MA Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão – FAPEMA/MA Rua Capitão José Verde, nº 343, Vila Curti, CEP- 15025-530 São José do Rio Preto/SP/Brasil [email protected]

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 53 – Morfologia histórica do Português.

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No final do século XIX, na França, os historiadores são solicitados, em primeiro

lugar, para manifestar suas escolhas nacionalistas em meio a um contexto de relações

internacionais, ao mesmo tempo em que se acentua a hostilidade com a Alemanha.

Assim, alguns acontecimentos da política interna contribuem para a evolução da história

e, além disso, as crises manifestadas nos primeiros momentos da República provocam o

engajamento dos intelectuais em um outro partido. As influências que marcam essa

geração de historiadores são: a politização das mentes, os começos da Sociologia de

Auguste Comte, Émile Durkheim e os primeiros sociólogos alemães, os debates

socialistas, mesmo sendo ainda o meio francês indiferente ao marxismo. (Cf. CAIRE-

JABINET, 2003:101-102).

Logo após, nasce uma verdadeira multidisciplinaridade na universidade de

Estrasburgo, pois abriga sociologia, geografia, história, direito e teologia. Surge daí o

propósito de escrever uma outra história que, a partir de 1929, se reorganiza em torno da

revista Annales d’histoire économique et sociale; cujos diretores são Lucien Febvre e

Marc Bloch e a equipe de redação reúne historiadores como o modernista Henri Hauser,

o medievalista Georges Espinas, o especialista em história antiga André Piganiol, o

historiador belga Henri Pirene, o sociólogo Maurice Halbwachs, o economista Charles

Rist, o analista político André Siegfrie. (Cf. CAIRE-JABINET, op.cit.: 118). Esses

autores criticam a Escola historicizante e lançam os princípios da história comparada,

ainda em 1923 com Henri Pirenne, afirmando a vontade de inscrever a história na vasta

perspectiva de uma reflexão econômica e social.

A revista Annales traz uma renovação da historiografia em diversos campos. A

primeira novidade é o interesse pela atualidade e o presente, a segunda novidade aborda

a colaboração sistemática entre as diferentes ciências sociais e a História, assim como as

estreitas relações estabelecidas entre Geografia e História. Assm sendo, o ponto básico

trata da história vista ao mesmo tempo como ciência do passado e ciência do presente,

tendo em vista que o conhecimento do presente é condição sine qua non da

cognoscibilidade de outros períodos históricos e que a história-problema permite não só

ao historiador, mas também aos seus contemporâneos a que se dirige, uma compreensão

melhor das lutas de hoje. (Cf. CARDOSO, 1997: 07-08).

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Em 1978, Jacques Le Goff, com a assistência de Roger Chartier e Jacques Revel,

publica o Dictionnaire de la nouvelle histoire, inserindo a expressão “nova história”. O

historiador faz uso dos mesmos documentos analisados pelas gerações anteriores, porém

com um olhar diferente, determinado primeiramente pela sua personalidade. Tal atitude

resulta num vasto campo à escolha de cada um e, por isso, recebe a crítica de constituir-

se em uma história em migalhas. (Cf. DOSSE, 2003)

A questão da identidade cultural e linguística do povo brasileiro tem sido alvo de

reflexões de muitos pesquisadores nos últimos anos, uma vez que, na pluralidade de

raça, de cores e de línguas, permanecem traços da cultura do colonizador. Do processo

de colonização, então, faz parte a fé e a educação, o que se reflete na instauração de

colégios que além do ensino tradicional – primeiro em Tupi e, depois, em Português,

visa à conversão dos gentios.

Nosso interesse está centrado em compreender a Historiografia Linguística

(HL), para tanto identificamos as acepções do termo em sua totalidade a fim de nortear

nossa investigação científica, uma vez que os estudos de HL perpassam os de

Historiografia. Koerner (op.cit.:45) diz que há necessidade de compreendermos a HL

como modo de escrever a história do estudo da linguagem baseado em princípios

científicos e não mais como mero registro da história da pesquisa linguística.

A Historiografia nasce na França, instituída como método interdisciplinar e, com

isso, tem demonstrado a intenção de registrar os feitos humanos em sua totalidade. A

HL, fora do Brasil, tem seu campo definido como ciência há mais de duas décadas. No

Brasil, no entanto, a sua institucionalização surge em reunião da Associação Nacional

de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística – ANPOLL e seu credenciamento

como disciplina – HL. A Formação da Linguística Brasileira, data de 1994, no

Programa de pós-graduação em Linguística da Universidade de São Paulo (Cf.

ALTMAN, 1998). O objetivo da disciplina é o de descrever e explicar como foi

produzido e desenvolvido o conhecimento linguístico em um determinado contexto

social e cultural, através do tempo. (Cf. SWIGGERS, 1990).

Nessa perspectiva, a disciplina HL surge como alternativa de trabalho sobre a

história do conhecimento linguístico, uma vez que pode complementar o modelo

tradicional de História da Linguística. A atividade historiográfica em Linguística não se

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resume a uma simples compilação de datas, fatos, títulos e nomes relacionados com os

estudos das línguas e da linguagem e, por isso, difere da história, uma vez que

apresentam estatutos e dimensões diferentes. (Cf. ALTMAN, op.cit.:23). A busca pelo

estabelecimento da HL como disciplina inicia-se na década de 70, uma vez influenciada

por Kuhn (op.cit.:25) que, na década anterior, aborda a questão da mudança de

paradigma na ciência denominando de revoluções cientificas os episódios

extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos profissionais.

É imprescindível ressaltar os três princípios traçados por Koener (op.cit.), o

princípio de contextualização, o princípio de imanência e o princípio de adequação. A

adoção de tais princípios, pelo historiógrafo da linguística, pode ser a solução para o

problema dos abusos na linguagem técnica cometidos por ele, assim como dá

credibilidade à sua pesquisa.

O primeiro princípio trata do clima intelectual da época e do contexto de

produção dos documentos, que traça o clima de opinião, uma vez que aborda as

correntes intelectuais do recorte em estudo, além da situação sócio-econômica, política

e cultural. Bastos (2004:11) esclarece que no princípio de contextualização as mais

variadas correntes – filosóficas, políticas, econômicas, cientificas e artísticas – ao se

interinfluenciarem, marcam indelevelmente todo um determinado período histórico, e

dentro dele, portanto, o pensamento lingüístico e a sociedade em geral.

O princípio de imanência tenta estabelecer um entendimento global tanto

histórico quanto crítico do texto linguístico em análise. Koener (op.cit.:60) enfatiza ser

desnecessário dizer que o historiógrafo deve afastar-se tanto quanto possível de sua

formação linguística individual e dos comprometimentos da Lingüística que lhe são

contemporâneos.

O resultado obtido após seguir os dois primeiros princípios é a localização e

compreensão de um pronunciamento linguístico no seu contexto histórico original.

Assim, o último passo consiste no princípio de adequação, que se relaciona com a

obediência aos dois primeiros. Koener (op.cit.:60) afirma que pode o historiógrafo

aventurar-se a introduzir, ainda que muito cuidadosamente e colocando seu

procedimento de forma explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico assim

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como um quadro conceptual de trabalho que permita uma melhor apreciação de um

determinado trabalho, conceito, ou teoria.

Cabe, pois, ao historiógrafo reconstruir as práticas linguísticas de um

determinado momento histórico, e rastrear sua continuidade e sua ruptura ao longo do

tempo. Nesse sentido, convém mencionar que esse trabalho é fruto de um projeto mais

amplo, desenvolvido por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e

da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Nossa participação no Grupo de

Pesquisa em Historiografia da Língua Portuguesa (GPeHLP), cadastrado no Diretório de

Pesquisa do CNPq, ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa

da PUC/SP e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UPM/SP, que atua na

ANPOLL, possibilitou o embasamento teórico necessário à concretização desse estudo.

O GPeHLP, num primeiro momento, expõe cinco pontos fundamentais vistos

como procedimentos metodológicos: o primeiro ponto trata dos três princípios básicos

traçados por Koerner, a saber, contextualização, imanência e adequação. O segundo

ponto aborda os passos investigativos, que abrangem quatro momentos: seleção,

ordenação, reconstrução e interpretação. (Cf. BASTOS, op.cit.:11-12)

Além desses, o terceiro ponto refere-se à questão das fontes, que podem ser

primárias e secundárias. O quarto ponto considera as dimensões cognitiva e social,

vistas como “interna” e “externa”. O último ponto trata dos critérios de análise, nos

quais são detectadas as “categorias” que imprimem cientificidade a um trabalho, a

saber: a) apresentação/organização das obras e b) intenção teórico-metodológica dos

autores que, explicitamente ou não, levando em conta o item a), desenvolveram

políticas de Língua Portuguesa matizadas pelo “discurso da lei”e do “ensino”. (Cf.

BASTOS, op.cit.:12).

Num segundo momento, o GPeHLP avança nas discussões teórico-

metodológicas com relação a vários aspectos que abordaremos a seguir. Inicialmente,

tece considerações a respeito da identidade teórica, uma vez que, por um lado, em se

tratando da Linguística, adota a corrente que for mais adequada ao corpus de estudo

selecionado, dependendo do objeto linguístico. Por outro lado, em se tratando da

História, adota elementos das vertentes: Intelectual, da Cultural e da Micro-história.

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Quanto ao objeto de investigação, que é considerado como o linguístico com diversas

características, o GPeHLP aceita a possibilidade dele ser ou não ser metalinguístico.

Assim, considerando-se um objeto “metalinguístico”, o princípio de imanência é

realizado por meio das categorias tiradas do próprio objeto e o princípio de adequação,

por sua vez, apresenta pontos convergentes aos da teoria atual selecionada à qual se

pretende aproximá-lo. Em um objeto “não-metalinguístico” (lei, cartas, documentos

oficiais etc), entretanto, tiram-se as categorias de análise, para o princípio da imanência,

de uma teoria linguística que seja contemporânea ao objeto de estudo e para o princípio

da adequação estabelece-se uma teoria análoga que será observada paralelamente.

Dessa forma, enfoca os posicionamentos linguístico-pedagógicos constantes das

obras assim como as implicaçoões socioculturais concernentes aos diversos momentos

históricos ocorridos desde os anos 50 até os anos 90 do século XX, estabelecendo

reflexões sobre gramáticas portuguesas dos autores selecionados, sobre os próprios

autores, a visão que esses gramáticos apresentavam em suas produções gramaticais no

período mencionado, além da influência que eles exerceram nos estudos acerca da

Língua Portuguesa em momentos posteriores. (Cf. BASTOS, 2008:13).

Sobre o século XIX: clima de opinião

Considerando a natureza essencialmente social da língua materna e de sua

aprendizagem, para uma análise do ensino da Língua Portuguesa, a partir da segunda

metade do século XIX, é particularmente relevante uma série de fatores históricos,

sociais, econômicos, políticos e culturais que influenciaram a educação e o ensino de

Língua Portuguesa no Brasil e, particularmente, no Maranhão.

A Revolução Francesa, a Expansão Napoleônica e a segunda Revolução

Industrial causaram mudanças fundamentais, nesse período, no comportamento do

homem europeu que passa a expressar suas idéias políticas engajado em tentativas de

revolução e lutas sociais.

O Marxismo, por exemplo, provocou grandes transformações sociais, pois Marx

e Engels, autores do Manifesto Comunista, de 1848, defendiam a idéia de que poderia

existir uma sociedade igualitária isenta da exploração do homem pelo homem e que

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somente poderia ser alcançada pela luta de classes, tendo o sistema capitalista e a

burguesia como alvos. Outro movimento socialista predominou na Europa, depois de

Marx, e dividiu-se em duas correntes principais – a democracia social e o leninismo. A

primeira corrente percorreu um caminho sem revolução e prevaleceu na Europa

ocidental. A segunda, que prevaleceu na Europa oriental, na Ásia e na África era

favorável a uma profunda revolução, a fim de obter mudanças na antiga sociedade de

classes.

A corrente denominada Naturalismo, representada por Marx, Darwin e Freud,

defendia a concepção de uma única realidade – a própria natureza. Assim, as palavras-

chave tanto da filosofia, quanto da ciência, incluíam natureza, evolução, meio ambiente,

história e crescimento, dentre outras. O Positivismo, o determinismo e o darwinismo

contribuíram para mudanças profundas no comportamento do homem. Assim, a

pesquisas no campo da Medicina, Física, Química e Biologia propiciaram uma mudança

comportamental do europeu e mais tarde do brasileiro. As influências, nesse contexto,

são da ordem das idéias políticas, cientificas e filosóficas, uma vez que se passou a

valorizar o observável e o analisável.

No Brasil, com a chegada de D.João VI e sua corte à Bahia, em 1808, e, logo

após, sua transferência para o Rio de Janeiro, inicia-se um processo de transformação

que a Colônia jamais tinha visto. A educação dos brasileiros não era preocupação do rei,

a não ser no que diz respeito à preparação de especialistas a serviço da corte. Era

necessário criar a escolas militares, os cursos de Anatomia e Cirurgia e o de Medicina,

os de Agricultura, Economia, Química e Desenho Técnico. Logo após, inauguraram o

Jardim Botânico e a Biblioteca Nacional. O ensino primário, responsável pelas

primeiras letras em língua nacional, além do curso secundário, continuavam fora da

preocupação do governo.

No período decorrido entre a saída de D.João VI do Brasil e a aclamação de D.

Pedro como Imperador do Brasil, houve momentos de desentendimentos políticos,

acompanhados de insegurança quanto ao futuro da nação. Assim, mais uma vez, a

educação foi esquecida e entrou em um grande marasmo. D. Pedro, por sua vez, apoiou

as idéias de José Bonifácio de Andrada e Silva sobre educação, as quais eram

conservadoras – educação restrita a uma camada dominante e ilustrada. Uma Escola de

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Ensino Mútuo, ou método de Lancaster, foi criada e instalada no Rio de Janeiro, para

onde um soldado de cada província se dirigia a fim de receber as lições desse método e

propagá-lo em sua província.

A única lei geral relativa ao ensino elementar até os anos 40 foi de 1827,

resultado do projeto de Januário da Cunha Barbosa, que contemplava a criação de

escolas de primeiras letras em todo o Império. Uma das exigências dessa lei é a inclusão

da leitura e escrita nos programas. A justificativa para a leitura se faz pela necessidade

de contar histórias, habitualmente de cunho moral e religioso, às crianças. A escrita se

justifica pela necessidade de dar, aos mais interessados, embasamentos para assimilar a

língua padrão. Com isso, visava-se a dar condições aos alunos de terem sucesso no

exame para o curso secundário. Por questões econômicas, técnicas e políticas ,o

resultado do programa não obteve êxito esperado pelo legislador.

A primeira Escola Normal do Brasil é fundada em 1835. Sua organização de

ensino médio serviu de parâmetro em todo o país. O Seminário de S.Joaquim foi

transformado em colégio de instrução secundária, em 1837, com o nome de Colégio D.

Pedro II, cujo objetivo principal era passar a direção para o governo. Por mais de cento

e cinqüenta anos, o Colégio D. Pedro II foi símbolo de excelência em ensino

secundário.

Oito anos depois, o governo começou a se preocupar com a instrução primária,

que vinha tendo resultados insatisfatórios advindos de medidas inadequadas tomadas

anteriormente. O Estado nomeou uma comissão de cidadãos para inspecionar os

estabelecimentos de ensino, tanto público quanto particular, tal atitude causou revolta,

pois eram frequentes as severas punições e a falta de regras para a abertura e

funcionamento de escolas particulares. Assim, somente as intervenções governamentais

conseguiram amenizar a situação e manter a disciplina, a fim de recuperar a força moral

escolar.

A instrução pública primária foi regularizada por Decreto Imperial, em 1854,

numa constatação de que a educação consistia-se um dos temas centrais da Constituinte.

Assim sendo, a história da escola no Brasil revela que, nesse período, de acordo com

Bastos (1998:54-55), o ensino destinava-se, fundamentalmente, às camadas

privilegiadas da população, as únicas que tinham acesso assegurado à escolarização.

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Em vista disso, as camadas privilegiadas detinham um razoável domínio da chamada

‘norma padrão culta’ ao chegarem às aulas de Português, exigido pela escola.

Verificou-se, com efeito, ser a função do ensino da Língua Portuguesa,

basicamente, levar ao conhecimento, ou ao reconhecimento, a ‘norma padrão culta’.

Dessa maneira, o ensino da gramática, enfatizado como respeito à língua, era utilizado

para o desenvolvimento das habilidades de falar, ler e escrever corretamente.

Após o acesso a uma escolarização mais prolongada, os alunos passavam

diretamente à aprendizagem da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética.

Acrescente-se, ainda, que a denominação de disciplina escolar “Português” ou “Língua

Portuguesa” só passou a existir nas últimas décadas do século XIX, em virtude de a

língua ter sido estudada na escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e

Poética. Mesmo assim, a disciplina “Português” continuou sendo, basicamente, o estudo

da gramática da língua e leitura, para compreensão e imitação de autores portugueses e

brasileiros.

Ao considerarmos, portanto, a legislação escolar como sendo um precioso

documento para estudo da evolução de uma sociedade e do caráter de uma civilização,

convém lembrar que nos deparamos, no final do século XIX, exatamente com a

continuidade de estrutura social e econômica e do desenvolvimento do “tipo de cultura”

colonial, produto de uma civilização fundada na escravidão.

Nesse período, há o predomínio de um intenso sentimento nacionalista causado

pela abolição da escravidão, a Independência e a República. Entre outros, tais fatos

políticos e sociais influenciaram um movimento de valorização da cultura e um

nacionalismo linguístico.

No que se refere à questao educacional no Maranhão, no início do século XIX,

quase todos os rapazes maranhenses iam estudar nos melhores colégios da França ou da

Inglaterra. Tais estudantes pertenciam à minoria branca, basicamente de origem

portuguesa, e suas famílias enriqueceram no comércio. A sociedade maranhense era

relativamente fechada, a burguesia de São Luís adotava a moda e os produtos franceses.

Do ponto de vista da educação, alguns fatores devem ser ressaltados. O Liceu

Maranhense foi criado com a Lei nº 77, de 24/7/1838, seu primeiro diretor foi o famoso

gramático Francisco Sotero dos Reis. Esse estabelecimento de ensino substituiu os

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preceptores dos filhos da burguesia comercial e da oligarquia rural, uma vez que o

ensino primário estava se desenvolvendo desde a Independência, tanto na capital quanto

nas principais aglomerações da província.(Cf. MÉRIAN, 1988:15).

Filippe Benicio de Oliveira Condurú era considerado, pelo Presidente da

Província do Maranhão, um sujeito de reconhecida e indisputável habilidade para

aprender praticamente o ensino pelo Método de Lancaster, na França, a fim de reger

uma Escola Normal. O sistema de ensino mútuo, do célebre Joseph Lancaster, foi

introduzido pelo governo brasileiro pela Lei Geral de 15 de outubro de 1827.

No Maranhão, era defendido o Método de Lancaster como um dos principais

recursos para solucionar o problema da falta de difusão do ensino elementar a uma

maior clientela de homens livres possível. Esse sistema de instrução primária, do ponto

de vista do conteúdo, propunha que o ensino primário fosse divido em dois graus. O

primeiro compreendia a leitura e escrita, noções de aritmética e doutrina cristã. O

segundo, além dos conhecimentos anteriores, deveria compreender os de gramática

nacional, geografia, história e princípios mais simples de geometria. Deveriam ainda ser

adotados os mesmos compêndios em todas as escolas públicas. (Cf.

CABRAL,1984:37).

Apenas em 1841 oficializou-se a aula de Primeiras letras, com o artigo 2º da lei

provincial nº 105, porém só teve início em janeiro do ano seguinte. (Cf. MARQUES,

1870:188). Nesse período, de acordo com os estatutos do Liceu, a congregação

determinava a forma pela qual deveria ser conferido o grau de bacharel em Letras. Uma

lei regulando a instrução, em 1849, incentivava financeiramente os professores públicos

de primeiras letras a ensinarem pelo método lancasteriano. Nesse mesmo Liceu, foi

criada uma cadeira de gramática filosófica da língua nacional.

No final dos anos 50, tanto o ensino de latim quanto o ensino secundário eram

desprestigiados pelos presidentes da Província, um deles mostrava-se contrário à criação

e manutenção dessas aulas no interior, e declarava: O tempo dos gramáticos já passou;

hoje há cousas mais uteis a que se possa dedicar a atividade humana e mais favor

merece a educação industrial. (Cf. MOACYR, 1942:10).

Uma interferência exterior que reanimou a economia do Maranhão, nos anos 60,

foi a guerra de secessão nos Estados Unidos, pois provocou a elevação dos preços do

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algodão exportado por essa província. Tais lucros, porém, não foram destinados à

modernização da agricultura, do porto ou mesmo dos transportes fluviais. Na cidade de

São Luís, foi renovado o teatro, na época, considerado o melhor do Brasil. Além disso,

o Gabinete Português de Leitura foi suprido com novas obras. Soma-se a isso o fato de a

cidade possuir quatro gráficas e, por essa razão, poder iniciar as publicações do jornal O

País.

No Maranhão, a partir do final da década de 60, se fez do estudo da língua

materna, não um mero degrau para as outras disciplinas, mas um estudo aturado e

profundo d’essa primeira base de uma boa e esmerada educação literária, no colégio

Instituto de Humanidades, em 1864. (Cf. LEAL, 1873:159).

Nessa segunda metade do século XIX, aumenta o número de gramáticas da

língua portuguesa comprometidas em manter a tradição clássica latina, por isso não

refletiam a língua escrita e falada no período, em virtude de serem considerados os

modelos clássicos o ideal absoluto. Uma análise dos manuais didáticos utilizados para o

ensino da língua nas primeiras décadas do século XX, até os anos 60, comprova essa

tendência de continuidade.

Sobre os gramáticos: Condurú e Sotero dos Reis

A biografia dos autores das obras analisadas nesse trabalho é fundamental, uma

vez que revela o que poderá ser o mais próximo do espírito de época. Num primeiro

momento, tratamos da biografia do maranhense Filippe Benicio de Oliveira Condurú

(1818-1878). Ele aprendeu o Latim com as eruditas lições do professor maranhense

Francisco Sotero dos Reis e avançou no conhecimento da língua materna sob a tutela do

nosso primeiro conhecido filólogo maranhense, padre Antônio da Costa Duarte, ambos

herdeiros da tradição filosófica tão bem representada pela Gammaire de Port-Royal.

Subsidiado pela Província e não sustentado pela família, no início de 1839,

Condurú foi estudar Pedagogia em Paris, com previsão de permanecer dois anos. Ele

teve sua volta antecipada em virtude da célebre Revolução da Balaiada, iniciada no final

de 1838 e estendendo-se até início de 1841.

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No final de 1839, o Palácio do Governo do Maranhão determinou que Condurú

passasse a reger, em observância da Lei Provincial nº 76, de 24 e julho de 1838, a

Escola Normal, a fim de que se desempenhassem as instruções dos legisladores

provinciais, a bem da Instrução Pública. A Escola Normal – Curso de Aperfeiçoamento

para professores de primeiras letras – foi instalada no Liceu Maranhense no início da

década de 40. Condurú ministrava o ensino de Didática, proporcionando aos discentes

conhecimentos relativos aos mais modernos métodos pedagógicos da época, uma vez

que a classe era formada pelos mestres das escolas primárias da Província.

Manifestação evidente de quanto o Governo da Província preferia a Grammatica

de Condurú, publicada em 1850, como livro de aula, foi a distribuição gratuita dos seus

exemplares aos escolares da década de 60. Essa obra foi aprovada pelo Inspetor da

instrução pública para uso das Escolas de primeiras letras da província do Maranhão,

assim como pelo Conselho de instrução pública para uso do Liceu, colégios e aulas de

instrução primária na província do Pará. Foi o segundo compêndio da língua materna,

escrito no Maranhão.

Num segundo momento, tratamos da biografia de Francisco Sotero do Reis

(1800-1871), também maranhense. Autodidata, não freqüentou colégio, a não ser o de

primeiras letras. A partir dos 18 anos iniciou seus estudos de latim, retórica e filosofia.

O gramático ministrava aulas particulares de latim e francês em sua própria residência.

Com 21 anos, Sotero dos Reis já lecionava gramática latina, no Collegio D’instrucção, e

dois anos depois foi aprovado em concurso público, assumindo a cadeira de Latim,

tornando-se o primeiro professor público do Maranhão após a Independência.

O autor, além de exercer o cargo de professor da língua latina no Liceu e de

literatura do Instituto de Humanidades, exerceu diversos cargos públicos de eleição

popular, tais como o de vereador, membro dos conselhos gerais da província, inclusive

deputado da Assembléia provincial legislativa. Também foi sócio fundador e presidente

da Associação Instituto Literário Maranhense, que tinha por finalidades o estudo da

história pátria e a propagação da instrução e conhecimentos úteis.

Desde o início do seu magistério, Sotero dos Reis exerceu as tarefas de jornalista

em periódicos políticos. Ele escreveu para A Revista, um jornal de idéias conservadoras,

considerado por Leal (op.cit: 143) um dos jornaes mais bem escriptos que temos tido.

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Logo após, Sotero dos Reis publicava seus artigos no Correio dos Annuncios, que teve

o nome trocado pelo de Constitucional, no Observador ele era o redator. Depois desses,

passou a redigir o Publicador maranhense, diário oficial.

Nas aulas de latim, Sotero dos Reis juntava à explicação das regras da gramática

latina aquilo em que as da gramática portuguesa divergiam dele. O mestre percebeu que

faltava uma gramática, principalmente na parte da sintaxe, no que dizia respeito à

análise e construção. A elaboração da obra de Sotero dos Reis adveio do exercício do

magistério, com o propósito de uma concepção de ensino de língua simples, apenas com

regras necessárias e definições de fácil entendimento. O autor entrelaçava suas obras

para obter um melhor resultado ao seu trabalho, a exemplo da parte da Grammatica

Portugueza que trata da sintaxe.

A gramática de Sotero dos Reis apontou caminhos que ainda são válidos hoje,

uma vez que a renovação do ensino da língua materna, o português, está intimamente

ligado a um leque de fatores políticos, econômicos, sociais, psicológicos, lingüísticos,

metodológicos e pedagógicos, todos de relevância e interação, pois o fator lingüístico

deve ter de se aliar às variáveis sociais e pedagógicas. As obras de Sotero dos Reis são

destinadas especificamente ao público discente, escritas como se fosse um diálogo com

os seus alunos.

O autor é considerado um dos célebres gramáticos maranhenses que, na redação

de periódicos e gramáticas, solidificou o conceito de filólogo profundo, gramático

abalizado, exímio conhecedor da língua e familiar dos clássicos. Os filhos de Francisco

Sotero Reis revelam que a gramática foi considerada por todos como perfeição do estilo,

na perspiciudade e precisão das definições e regras doutrinais, por isso, acha-se ela com

justiça adotada nas aulas públicas das principais províncias do Império. (p.I).

José de Alencar, por sua vez, faz referência a Sotero dos Reis como erudito

filólogo brasileiro, reconhecendo a importância do seu trabalho no que se refere à

divergência entre a prosódia das línguas modernas e da prosódia dos gregos e romanos,

a respeito da quantidade das sílabas.

Os autores das gramáticas pesquisadas nesse trabalho obtiveram grande

repercussão, não só na província do Maranhão. Ao tentarmos reconstruir o clima de

opinião, pudemos perceber que essas obras possuem evidente relação com o espírito de

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época, no sentido de continuidade da tradição greco-latina. Buscamos, pois, estabelecer

a relação desses autores maranhenses com a gramática tradicional, por meio das

características das obras. Os objetivos da gramática revelam tanto o reflexo e resultado

de uma organização social, quanto a ferramenta de uma classe dominante agindo em sua

ideologia, a fim de manter esta dominação. (Cf. LYONS apud SILVA, R., 2002:12).

O espírito de época, portanto, mostra uma concepção da gramática da palavra,

advinda da tradição greco-latina na teoria gramatical. A gramática de Port Royal dedica

apenas quatro páginas de sintaxe, admitindo a sintaxe de concordância, porém não a de

regência. A Grammatica Elementar de Condurú apresenta apenas 18 páginas de sintaxe,

sendo que cinco delas são de figuras de sintaxe e a Grammatica Portugueza de Sotero

dos Reis mostra cento e cinco páginas de sintaxe, em virtude de inserir modelos

detalhados de análises, ainda assim prioriza a parte da etimologia.

Na gramática de Port-Royal, também, verbo e adjetivo fazem parte da mesma

categoria de base, tal qual na gramática de Condurú. Assim, podemos notar mais uma

influência que esse autor recebe: a da gramática geral e razoada.

Sobre a gramaticografia portuguesa do século XIX: Condurú e Sotero dos Reis

O processo de gramatização das línguas do Brasil inicia-se no século XVI e

ainda está em curso. Os estudos sobre linguagem no Brasil, particularmente do

português, no entanto, tomam monta numa discussão geral das idéias a partir da

segunda metade do século XIX. O ano de 1850 no Brasil constitui-se um marco de

profundas transformações, a exemplo de questões sociais, políticas, econômicas,

educacionais, filosóficas, literárias.

Ao traçarmos o percurso historiográfico da Língua Portuguesa no Maranhão, do

período em questão, pelo princípio de imanência, discutimos as categorias selecionadas,

tal como são tratadas pelos autores. Esses aspectos serão realizados simultaneamente

nesse capítulo, a fim de conferir maior fluência ao texto.

A primeira obra a ser analisada é a de Condurú e trata-se do segundo compêndio

da língua materna escrito no Maranhão. O autor expressa preocupação com o ensino da

língua na Introdução ao afirmar que seu fim é dar preceitos e regras para fallar,

escrever e ler com acerto. (p.3). A Grammatica Elementar faz parte de uma tradição

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que valoriza a lógica e, portanto, a razão sobre o uso ao considerar a gramática uma

maneira de ensinar a falar e a escrever corretamente.

Na Introdução, foram privilegiados, de forma sucinta, apenas os conceitos a

serem trabalhados no corpo da obra, a saber: fallar, escrever, ler, letra, syllabas,

palavra, nome, monossyllabo, palavra primitiva, palavra simples, palavras na

accepção natural, palavras na accepção figurada, oração ou frase e periodo. Os sons

articulados são os elementos que representam as idéias, na gramática de Condurú falar é

exprimir nossas idéas por meio de sons articulados, chamados palavras. (p.3)

Além desses sons, foram inventados os caracteres da escrita a fim de os sons se

tornassem duráveis, logo, escrever é representar nossas idéas por meio de caracteres

chamados letras. (p.3) Condurú trata da leitura ao fazer a correspondência entre letra e o

som que ela representa, deixando transparecer a existência de uma única maneira de

escrever e falar em Português: Ler é exprimir por palavras ou sons articulados o que se

acha representado por caracteres ou letras. Letra é um caracter com que se representa

um som simples ou elementar. De uma ou mais letras se compõem as syllabas. (p.3)

Condurú ressalta a classificação das palavras quanto a sua formação: As palavras

consideradas em sua formação podem ser primitivas ou derivadas, simples ou

compostas. O autor considera também as palavras em sua significação, uma vez que

podem ser tomadas no sentido natural ou figurado. (p.4).

Os conceitos apresentados no final da Introdução da Grammatica de Condurú

referem-se à sintaxe: Chama-se oração ou frase a reunião de palavras formando um

sentido perfeito. Chama-se período a reunião de varias orações subordinadas a uma

dellas, que é a principal, e da qual dependem todas as outras. (p.4)

Assim sendo, após a análise da Introdução da Grammatica Elementar da Língua

Portuguesa, de Condurú, focalizaremos os Prolegômenos da Grammatica Portugueza,

accomodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicação

pratica, de Sotero dos Reis.

A segunda edição da Grammatica Portugueza foi publicada após a morte de

Sotero dos Reis, por seus filhos. Os revisores inserem no início da obra uma carta ao

público com as devidas justificativas para a publicação, uma delas é a grande procura

pela gramática em virtude de ser adotada em várias escolas públicas, pois a primeira

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edição já tinha se esgotado. Em razão da procura pela Grammatica Portugueza, os

filhos de Sotero dos Reis julgaram conveniente oferecer mais uma edição ao público e,

também uma terceira edição se fez necessária. Assim, ao editarem a obra, eles sentem

que estão cumprindo um dever para com o autor. (p.II).

Outro ponto a ser ressaltado ao público diz respeito aos erros tipográficos, em

razão da primeira edição ter sido editada sem as devidas revisões, nessa segunda edição

há uma grande preocupação em corrigir tais erros, conforme informam. (p.VI).

Na segunda edição da Grammatica Portugueza, além da carta ao público, foram

inseridos os Prolegomenos do autor que iniciavam a primeira edição. Neles, Sotero dos

Reis expõe sua preocupação com o magistério, visto que expõe o método utilizado:

Procurei simplifical-a o mais possivel na theoria, subordinando os usos especiaes da

lingua só aos principios geraes da eterna verdade, porque o methodo e aclareza nao teem

maior inimigo do que a multiplicidade das regras, que só serve de embaraçar o alumno sem

explicar-lhe cousa alguma. (p.VII).

O autor explica a importância do entrelaçamento teoria e prática para a qualidade do

ensino: Acompanhei a theoria da pratica, dando logo immediata applicação aos principios

invocados com exemplos que os comprovassem, porque assim se arraigão elles melhor no

espirito, que não pode duvidar de sua solidez.. (p.VII).

Sotero dos Reis trata da classificação das palavras ao afirmar: As palavras são de

duas especies, palavras variaveis, e palavras invariaveis. São palavras variaveis – o nome, o

pronome,o adjetivo, o verbo. São palavras invariaveis – a conjuncção, a preposição, o

adverbio, a interjeição. (p.IX).

Condurú e Sotero dos Reis reforçam uma prática estabelecida desde a época do Renascimento. Sobre a gramaticografia portuguesa no século XIX versus a gramaticografia

portuguesa no século XXI: continuidades ou descontinuidades de ideias

Iniciamos a adequação, retomando alguns termos técnicos e teóricos presentes

em Condurú e Sotero dos Reis e trazendo-os para os tempos modernos, tomando como

parâmetro a Moderna Gramática Portuguesa, publicada em 1961, de Evanildo Bechara.

Para tanto, focalizamos as quatro categorias elencadas nesse trabalho, a saber, a

introdução, os conceitos basilares, a organização da obra e a ortografia.

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Como vimos, desde a época do Renascimento, a proliferação de gramáticas de

línguas vernáculas fazia com que elas assumissem um aspecto de simplicidade e clareza

tanto para o mestre quanto para o estudante. Essa preocupação fica claramente exposta

na Grammatica Elementar, de Condurú, assim como Grammatica Portugueza, de

Sotero dos Reis. Bechara, gramático fluminense, também apresenta esse propósito na

Introdução de sua obra, tanto na primeira edição – ao ressaltar que seu intuito era levar

ao magistério brasileiro, num compêndio escolar escrito em estilo simples, o resultado

dos progressos que os modernos estudos de linguagem alcançaram no estrangeiro e em

nosso país – quanto na 37ª edição, ao reiterá-lo. (p.21)

Bechara esclarece, todavia, que a 37ª edição configura-se como um novo livro

elaborado a partir de pesquisa a teóricos da linguagem, da produção acadêmica

universitária, além das críticas e sugestões de companheiros da mesma área. O autor

justifica que a orientação teórica adotada resulta da convicção de que ela possa oferecer

elementos de efetiva operacionalização para uma proposta de reformulação da teoria

gramatical entre nós. Assim, a preocupação de uma científica descrição sincrônica se

alia a uma visão equilibrada da gramática normativa, libertada do ranço do antigo

magister dixit e sem baralhar os objetivos das duas disciplinas. (p.19-20)

De fato a 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa é notadamente banhada

de farta teoria lingüística que dá suporte aos principais conceitos tratados e que permite

a profundidade na sua abordagem. A linguagem é definida como um sistema de signos

simbólicos empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar idéias

e sentimentos, isto é, conteúdos da consciência. (p.28).

Se se pode aproximar Condurú, Sotero dos Reis e Bechara no que toca à função

da linguagem como uma forma de expressar o pensamento – ou conteúdos da

consciência –, pode-se afastá-los no que tange à noção de sistema e à de

intercomunicação social. É evidente que, para os gramáticos maranhenses, a noção de

sistema ainda não era solidificada – o que só veio a ser no início do século XX, a partir

do paradigma estruturalista.

Para o gramático fluminense, a língua é definida como a parte da historicidade

da linguagem, como um sistema de isoglossas comprovado numa comunidade

lingüística (p. 31). Suas concepções seguem não só aquilo que propugna o pós-

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estruturalista Eugênio Coseriu, mas também correntes modernas da Análise do

Discurso, da Lingüística Textual e da Sociolingüística, quando admite, por exemplo, a

distinção texto/discurso, a questão das competências lingüísticas e a das variações

lingüísticas diatópicas, diastráticas e diacrônicas.

Ainda que de maneira abreviada, é possível perceber em Condurú e Sotero dos

Reis a admissão da idéia de uma gramática geral e de gramática particular. Já em

Bechara, essas noções vêm esmiuçadas. Em vez de generalizar, como fazem os autores

maranhenses, Bechara toma a língua tanto em relação ao indivíduo como em relação à

comunidade lingüística, ao estado, ao país, à internacionalidade. Por considerar a língua

relacionada ao indivíduo, é que o autor fluminense vai tratar da noção de competência,

que se apóia na de saberes: saber elocutivo → competência lingüística geral; saber

idiomático → competência lingüística particular; saber expressivo → competência

lingüística textual. Não há como negar que essa visão ampla da língua em relação ao

falante, e vice-versa, representa um grande avanço no que diz respeito à concepção que

havia no século XIX.

Um ponto importante a ser considerado, também no âmbito individual, é o fato

de a língua ser tomada como discurso (ato linguístico irrepetível, tomado em relação à

sua situação de produção) ou como texto (enunciado, produto do discurso). Nessa

perspectiva, diferentemente de Condurú e Sotero dos Reis, Bechara vê a língua

diretamente associada à circunstância de uso, determinada por quatro fatores: falante,

destinatário, tema e situação. Essa determinação implica juízos de valor relativos à

conformidade dos atos lingüísticos em relação à situação de sua ocorrência. Tais atos

devem estar de acordo com o que Bechara chama de Normas de Congruência (relativas

aos princípios gerais do pensamento, independente das características de qualquer

língua particular), Normas de Correção (relativas ao funcionamento específico de cada

língua) e Normas de Adequação (relativas às exigências de cada situação).

Com essa reflexão, avança-se muito em relação ao conceito de correção que se

sustentou durante muito e que ainda encontra resquícios em práticas escolares atuais. A

correção deixa de ser apenas relativa a um modelo de uso lingüístico imposto e passa a

considerar outros aspectos tanto cognitivos quanto sociais. Assim, extrapolando os

conceitos de certo/errado, Bechara afirma que o uso linguístico, do ponto de vista do

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tema, pode ser adequado ou inadequado; do ponto de vista do destinatário, pode ser

apropriado ou inapropriado; e, do ponto de vista da situação, pode ser oportuno ou

inoportuno.

A essa postura subjaz a admissão da variação linguística como algo inerente à

própria língua. Não raramente, Condurú e Sotero dos Reis chamam a atenção de seus

leitores para o fato de que, no uso efetivo do português, há nuances que o tornam

diferente do que a norma gramatical preceitua. O aprofundamento dos estudos nesse

campo da linguagem leva Bechara considerar a língua em dois planos: o histórico –

produto cultural historicamente determinado, reconhecido e utilizado – e o funcional –

modalidade que imediata e efetivamente funciona nos discursos e textos.

A despeito do fato de que a variação lingüística é fortemente presente na língua

funcional, Bechara afirma: Como por exigência metodológica e de coerência interna só

se pode descrever uma realidade homogênea e unitária, é a língua funcional o objeto

próprio da descrição estrutural e funcional. (p. 38-39).

Para Bechara a gramática é apenas a descrição de uma das línguas funcionais.

Daí sua célebre afirmação, quanto à educação lingüística, de que o falante deve ser

poliglota em sua própria língua, isto é, tem de ser competente nos diversos modos de

funcionamento da língua, determinados por fatores sociais diferentes.

Como Condurú e Sotero dos Reis, cujas gramáticas parecem pretender defender

uma língua exemplar, Bechara também posiciona sua gramática como normativa, isto é,

que tem finalidade pedagógica e que elenca os fatos recomendados como modelares da

exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais do

convívio social. (p.52). É importante ressaltar, no entanto, a lucidez dessa última

ressalva (... em circunstâncias especiais do convívio social) resume consciência límpida

de que o uso exemplar da língua é um dentre outros á disposição do falante, que deverá

ter a competência de se valer dele quando uma determinada situação social o exigir.

Dessa forma, apresentamos as categorias de análise, dos prefácios

Sobre considerações finais

As questões referentes ao processo de implementação do ensino da Língua

Portuguesa no Maranhão, especificamente no século XIX, merecem especial destaque,

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pois é nessa época que inicia a produção de gramáticas maranhenses da Língua

Portuguesa. A gramaticografia, nesse período, é marcada por obras que optam pela

continuidade do modelo latino, algumas ensaiando algumas inovações junto com a

tradição, além de outras que iniciam um movimento de descontinuidade. Refletir, pois,

acerca do percurso historiográfico-linguístico do Maranhão nos direcionou-nos a definir

o problema desta pesquisa: Como se deu o processo de implementação do ensino da

Língua Portuguesa no Maranhão do século XIX?

Diante do exposto, justificamos o fato de termos escolhido como corpus desta

pesquisa duas obras escritas e produzidas no século XIX, a Grammatica Elementar da

Lingua Portugueza e a Grammatica Portugueza, accomodada aos principios geraes da

palavra seguidos de immediata applicação pratica, em virtude de ambas terem sido

aplicadas, didaticamente falando, no Maranhão, e de serem consideradas apropriadas

para fornecer uma visão do ensino de Língua Portuguesa no período. O objetivo desse

estudo foi analisar como se constituíam as gramáticas maranhenses de Língua

Portuguesa, a fim de descrever e explicar como se deu esse processo de implementação

do ensino da Língua Portuguesa.

A Grammatica Elementar da Lingua Portugueza, de Condurú, assim como a

Grammatica Portugueza. Accomodada aos principios geraes da palavra seguidos de

immediata applicação pratica, de Sotero dos Reis, são excelentes materiais para o

estudo e para o ensino da língua no Maranhão, não apenas no tempo em que foram

publicadas, mas ao longo de todo o século XIX e início do XX. Isso se deve às

qualidades intrínsecas das obras, bem como à postura dos autores, que procuraram

caminhar entre a tradição e a inovação.

O método é, de certa forma, uma continuidade da tradição greco-latina,

sobretudo na divisão que Condurú e Sotero dos Reis fazem da gramática e em algumas

posições tomadas. A exposição, como procuramos ressaltar, em muitos casos,

assemelha-se a João de Barros, a dos gramáticos de Port-Royal e a Reis Lobato.

Convém esclarecer que optamos por relacionar essas obras numa volta às origens

gramaticais, uma vez que é identificado, por meio das categorias de análise selecionadas

– os prefácios, os conceitos basilares, a organização da obra e a ortografia –, o clima de

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opinião que influenciou a elaboração das obras. Assim, pudemos constar a vigência da

gramática da palavra, em detrimento da sintaxe.

Como resultado de nossas pesquisas, constatamos que, no século XIX, os fatores

externos à língua – fatos histórico-sociais – podem interferir no processo de ensino da

língua materna, em especial, na elaboração de gramáticas. Verificamos, ainda, que as

obras analisadas contribuíram sobremaneira para a implementação do ensino da Língua

Portuguesa no Brasil.

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