representação no jornalismo econômico

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ÂNGELO PEIXOTO DOS PASSOS REPRESENTAÇÃO NO JORNALISMO ECONÔMICO: O TRABALHADOR NAS REPORTAGENS DE ECONOMIA DO JORNAL DO COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE Porto Alegre 2015

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Trabalho de Conclusão de Curso para a Faculdade de Comunicação Social da PUCRS (Famecos).

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE COMUNICAO SOCIAL

    NGELO PEIXOTO DOS PASSOS

    REPRESENTAO NO JORNALISMO ECONMICO:

    O TRABALHADOR NAS REPORTAGENS DE ECONOMIA DO JORNAL DO

    COMRCIO DE PORTO ALEGRE

    Porto Alegre

    2015

  • NGELO PEIXOTO DOS PASSOS

    REPRESENTAO NO JORNALISMO ECONMICO:

    O TRABALHADOR NAS REPORTAGENS DE ECONOMIA DO JORNAL DO COMRCIO DE PORTO ALEGRE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado como

    requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel

    em Comunicao Social com Habilitao em

    Jornalismo pela Faculdade de Comunicao Social da

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Orientadora:

    Prof. Dr. Ivone Maria Cassol

    Porto Alegre

    2015

  • NGELO PEIXOTO DOS PASSOS

    REPRESENTAO NO JORNALISMO ECONMICO:

    O TRABALHADOR NAS REPORTAGENS DE ECONOMIA DO JORNAL DO

    COMRCIO DE PORTO ALEGRE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Comunicao Social com Habilitao em Jornalismo pela Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovada em _____ de ___________________ de ________.

    BANCA EXAMINADORA:

    __________________________________

    Prof. Dr. Ivone Maria Cassol

    __________________________________

    Prof. Trcio Saccol

    __________________________________

    Prof. Me. Alexandre Claser Elmi

  • Agradecimentos

    Agradeo e dedico a concluso desta etapa aos meus pais, Vanise Peixoto e

    Renato Passos, ao meu padrasto, Renato Peixoto e a minha irm, Aline Passos, que

    me apoiaram, incentivaram e aconselharam desde o incio do curso at este

    momento e sei que o continuaro fazendo por muitos anos.

    Agradeo a minha orientadora, Ivone, por me instruir e compartilhar um pouco

    de sua experincia, o que certamente facilitou, e muito. a concluso deste estudo.

    Agradeo a minha namorada, Juliana, que, nas horas vagas, atuou como

    minha revisora de normas da ABNT e uma espcie de segunda orientadora, e sem

    perder a pacincia ou se perdeu, pelo menos sem demonstrar.

    Por fim, agradeo a meus amigos do colgio, da faculdade e do trabalho, sem

    os quais os ltimos anos teriam sido muito mais montonos e menos brilhantes.

    A todos, o meu obrigado.

  • Resumo

    Por mais que se discuta a relevncia do jornalismo nos dias de hoje e qual o rumo

    dessa rea no futuro, indiscutvel o peso da mdia, ainda hoje, na formao

    disseminao junto sociedade de conceitos e imaginrio. Tendo em vista isso,

    nesta monografia, temos como proposta analisar de que maneira a imagem do

    trabalhador figura essencial para o desenvolvimento de qualquer nao

    representada especialmente no mbito do jornalismo econmico. A escolha dessa

    rea se deu justamente pelo fato de ser ela a responsvel por abordar os assuntos a

    pautas ligadas ao setor produtivo. Para realizar o estudo, escolhemos como amostra

    reportagens publicadas na editoria de Economia do Jornal do Comrcio de Porto

    Alegre em um perodo de trs semanas. Nosso objetivo verificar de que forma o

    veculo apresenta o trabalhador, em que situaes, com qual frequncia e se ele

    representado como protagonista do noticirio.

    Palavras-chave: Jornalismo Econmico. Representao. Trabalhador.

    Protagonismo.

  • Abstract

    As much as we discuss the relevance of journalism today and what the direction this

    area is taking for the future, the weight of the media is undeniable, even today, in the

    formation of concepts and the societys imagery. In view of this, this study proposed

    to analyze how the worker's an essential figure in the development of any nation

    image is represented, especially in the economic journalism. The choice of this

    area is due to the fact that it is responsible for the guidelines address the issues

    linked to the productive sector . For the study, we chosen as sample stories

    published by the Jornal do Comrcio of Porto Alegre in a three-week period. Our goal

    is to see how the vehicle presents the worker to its readers, in what situations, how

    often, and if it is represented as the protagonist of the news.

    Key-words: Economic Journalism. Representation. Worker. Protagonism.

  • Lista de anexos

    Anexo A - Nvel ocupacional cai em Porto Alegre e regio (30 de abril)

    Anexo B - Trabalhadores da GM podem paralisar produo (30 de abril)

    Anexo C Para reduzir custos, BB adere ao home office (4 de maio)

    Anexo D - Dilma e ministros traam estratgia para MPs (5 de maio)

    Anexo E - Comisso aprova texto da penso por morte (6 de maio)

    Anexo F - Cmara aprova texto-base da MP 655 (7 de maio)

    Anexo G - Desemprego sobe para 7,9% no primeiro trimestre (8 de maio)

    Anexo H - MPs na rea trabalhista criam brecha jurdica (11 de maio)

    Anexo I - Retrao do mercado gera demisses no Estado (12 de maio)

    Anexo J - Deputados aprovam o texto-base da MP 664 (14 de maio)

    Anexo K - Crise preocupa os metalrgicos em Gravata (15 de maio)

    Anexo L - Metalrgicos de Caxias abrem campanha salarial (18 de maio)

    Anexo M - GM vai manter emprego na unidade de Gravata (19 de maio)

    Anexo N - Produtores rurais tomam Ministrio da Fazenda (20 de maio)

    Anexo O - Emprego industrial tem nova desacelerao (20 de maio)

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................... 8

    2 RESGATE HISTRICO DO JORNALISMO ECONMICO ............................. 12

    2.1 O JORNALISMO ECONMICO NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX .... 12

    2.2 O MILAGRE BRASILEIRO E A EDITORIA DE ECONOMIA ............................. 17

    2.3 O JORNALISMO ECONMICO APS A REDEMOCRATIZAO .................. 22

    3 CONCEITOS ..................................................................................................... 27

    3.1 CRITRIOS DE NOTICIABILIDADE: SELEO E CONSTRUO DA

    NOTCIA .................................................................................................................... 28

    3.2 FONTES DO JORNALISMO E SUA INFLUNCIA NO NOTICIRIO ............... 33

    3.3 ENQUADRAMENTO, AGENDAMENTO E REPRESENTAES NA

    IMPRENSA ................................................................................................................ 36

    3.4 CONCEITUAO DO TRABALHADOR ........................................................... 40

    3.4.1 Cenrio do trabalho no Brasil ........................................................................ 42

    3.4.2 Sindicato: estrutura e caracterstica ............................................................. 45

    4 ANLISE .......................................................................................................... 49

    4.1 JORNAL DO COMRCIO DE PORTO ALEGRE .............................................. 49

    4.2 METODOLOGIA DE PESQUISA ...................................................................... 51

    4.3 CONTEDO PUBLICADO NA EDITORIA DE ECONOMIA ............................. 53

    4.4 ANLISE DAS MATRIAS RELACIONADAS AO TRABALHADOR ................ 58

    5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................. 89

    REFERNCIAS ................................................................................................. 92

    ANEXOS ........................................................................................................... 97

  • 8

    1 INTRODUO

    Entre as reas de cobertura da mdia contemporneo, jornalismo econmico o

    responsvel por abordar as diferentes ramificaes do processo que envolve a

    gerao de capital e produo de bens de valor em um pas. Tanto a

    microeconomia, que trata do comportamento das unidades de consumo (indivduos

    e famlias), do estudo das empresas e da produo de preos dos diversos bens e

    servios, quanto a macroeconomia, que envolve o sistema de produo de maneira

    mais abrangente, esto no escopo de anlise dos veculos que destinam parte de

    seus recursos para contribuir com o entendimento dessa rea.

    A partir de sua consolidao no Brasil, nas dcadas de 1960 e 1970, o jornalismo

    econmico cresceu rapidamente em relevncia dentro das redaes dos principais

    jornais do pas, acompanhando o desenvolvimento da economia brasileira durante

    os anos do Regime Militar (1964-1985). Em publicaes com maior especializao

    no tema, surgiram ainda subeditorias focadas em ramos do sistema econmico

    (negcios, agronegcio e mercado de capitais, por exemplo).

    Neste estudo, no entanto, nosso objetivo principal no apresentar os diferentes

    ramos dessa rea de cobertura jornalstica ainda que, a ttulo de

    contextualizao, seja necessrio explicar o surgimento da editoria de economia

    tradicional. Esta monografia tem como propsito analisar a representao, nesse

    tipo de imprensa, de um dos agentes mais fundamentais para o funcionamento do

    capitalismo desde sua primeira concepo, ainda com Adam Smith o

    trabalhador. Para tanto, ao longo do trabalho, procuramos identificar quais as

    caractersticas desse personagem no contexto do Brasil e qual sua relevncia do

    processo produtivo e econmico do pas.

    Essa conceituao indispensvel para embasar a anlise proposta para o

    presente estudo, que pretende elucidar trs questes pontuais: 1) qual a presena

    dos assuntos ligados ao trabalhador no noticirio econmico do Jornal do Comrcio;

    2) de que maneira o trabalhador representado; 3) ele protagonista deste

    noticirio? Quando isso ocorre no Jornal do Comrcio de Porto Alegre, veculo mais

    voltado para o setor empresarial?.

  • 9

    O objeto da pesquisa o contedo publicado no Jornal do Comrcio, do Rio

    Grande do Sul. Especializado na cobertura dos assuntos econmicos, o veculo

    fundado em 1933 e com sede em Porto Alegre um dos mais tradicionais do Estado

    ao lado de Zero Hora, Correio do Povo, Dirio Gacho. A escolha pelo JC se d

    pelo seu foco no setor que tema do estudo e tambm pela facilidade de acesso ao

    material nele publicado. So analisadas reportagens da publicao ao longo de duas

    semanas. O perodo de amostragem aleatrio e visa abordar os mais diversos

    temas do noticirio econmico que, por natureza, muito atrelado agenda de

    instituies que pesquisam indicadores de desempenho da economia.

    Definidos problemas, objetivos e o objeto da pesquisa, o estudo est estruturado

    em cinco captulos. O Captulo 2, dedica-se ao resgate do histrico do jornalismo

    econmico no Brasil, a fim de compreender a importncia poltica dessa prtica.

    Assim como nos alerta Caldas (2003), o jornalismo econmico tem a mesma idade

    da imprensa, ou seja, desde o surgimento do primeiro jornal, j h registros de

    notcias de cunho econmico. No entanto, nessa parte do estudo pretendemos

    mostrar que, no Brasil, o desenvolvimento pleno e consolidao dessa rea de

    cobertura dentro das redaes ganham impulso como afirmado anteriormente

    a partir da instaurao da Ditadura Militar. Os generais viam na imprensa um meio

    de exaltar os feitos do chamado milagre econmico da dcada de 1970, o que

    acabou por fortalecer a presena de uma editoria especfica nos veculos

    tradicionais.

    Para embasar o resgate proposto na segunda parte deste estudo, nos

    apoiaremos em autores como Caldas (2003) e Lene (2013). Alm destes,

    indispensvel recorrer obra de Quinto (1987), que um dos primeiros a reunir os

    conhecimentos da prtica do jornalismo econmico e a traar seu desenvolvimento

    na imprensa contempornea brasileira a partir das dcadas de 1960 e 1970.

    No Captulo 3, so apresentados conceitos que importantes para estruturar a

    anlise proposta. Pretendemos identificar as caractersticas do trabalhador

    brasileiro, analisando quais os traos da fora produtiva, como idade, grau de

    escolaridade e sexo, e tambm a sua importncia no sistema econmico. Uma vez

    que o estudo tem como objetivo explicar como o personagem representado na

    mdia econmica, essencial mostrar qual a participao dele nesta rea. Alm

  • 10

    disso, qual a importncia e um pouco do histrico de organizao coletiva dos

    trabalhadores, tendo em vista que parte expressiva da presena da classe

    trabalhista na mdia se d pelos sindicados e associaes de categoria.

    Nesta primeira parte do terceiro captulo, nos apoiamos na obra de Marx (2013),

    que, em sua viso econmica de mundo, tinha no trabalhador pea fundamental.

    Para definir as caractersticas da classe trabalhista brasileira, abordamos dados

    coletados pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatstica (IBGE). Por fim, para

    fazer um histrico dos tipos e caractersticas das organizaes trabalhistas,

    aproveitamos estudos feitos por autores como Arouca (2013) e Chiarelli (2005).

    Ainda no Captulo 3, partimos em busca dos conceitos que tratam dos critrios

    de noticiabilidade no jornalismo, a fim de entender o que motiva a escolha de certos

    temas em detrimento de outros na imprensa. Aqui, temos como base expoentes da

    pesquisa terica sobre o jornalismo, como Traquina (2008) e Wolf (1995). Com o

    auxlio de suas obras, procuramos entender como se define a relevncia de um fato

    para que ele ganhe lugar na imprensa. Esse entendimento ser indispensvel na

    medida em que a proposta desta monografia verificar quando o trabalhador

    notcia dentro do mbito do jornalismo especializado em economia.

    O quarto captulo cuida da anlise do contedo publicado na editoria de

    economia do Jornal do Comrcio. Para tanto, porm, ser necessrio fazer um

    resgate histrico da publicao, desde seu surgimento, na dcada de 1930, at os

    dias atuais, alm de detalhar suas caractersticas e, no que diz respeito editoria de

    Economia. A razo de fazer neste captulo o resgate e caracterizao do JC se d

    pela proximidade, na estrutura do estudo, anlise do contedo do objeto.

    importante ter claro, no momento da anlise, de quais so as caractersticas e o

    perfil da plataforma em que o contedo objeto da pesquisa publicado. Feita essa

    contextualizao do veculo, passamos para a anlise do noticirio presente nas

    pginas de economia do Jornal do Comrcio. Para realiz-la, escolhemos utilizar o

    mtodo da Anlise de Contedo (HERSCOVITZ, 2007) e o protocolo desenvolvido

    por Silva e Maia (2011) que busca dar relevo construo do acontecimento

    jornalstico pelas estratgias e tcnicas de apurao visveis no texto.

    Quanto s tcnicas de pesquisa, vale ressaltar mesmo que j explicitado

    anteriormente que a pesquisa bibliogrfica, segundo aponta Gil (2006), a

  • 11

    principal base para o embasamento da apresentao dos conceitos fundamentais

    para a anlise. A tcnica consiste, como explica o autor, em se debruar sobre livros

    e artigos cientficos j produzidos. Contudo, j que neste trabalho tambm

    importante a contribuio de artigos vindos da web, acrescentamos ao repertrio de

    tcnicas de pesquisa a documental, que, tambm conforme Gil (2006), vale-se de

    materiais que no receberam ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem

    ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.

    Por fim, no Captulo 5, apresentamos nossas consideraes finais em relao ao

    que foi observado e constatado a partir da anlise.

  • 12

    2 RESGATE HISTRICO DO JORNALISMO ECONMICO

    Historicamente, o desenvolvimento do jornalismo econmico no Brasil

    acompanha as transformaes e mutaes do sistema capitalista como um todo. Da

    mesma maneira que os padres do jornalismo, em geral, surgem dos modelos

    ideolgicos dominantes em cada momento, que so os padres das elites

    dominantes conforme a tese consagrada de Karl Marx , na de economia,

    especificamente, influem muito as teorias econmicas dominantes em cada perodo.

    Neste captulo, fazemos um resgate do jornalismo econmico no Brasil, desde a

    origem do noticirio nas agncias estrangeiras e nos Jornais do Comrcio e,

    principalmente, pelo colunismo, passando pela dcada de 1950, marcada pelo

    crescimento industrial nos governos populistas de Getlio Vargas (1950-1954) e

    Juscelino Kubitschek (1956-1961), e, finalmente, sua consolidao dentro das

    redaes dos principais jornais durante a dcada de 1970.

    2.1 O JORNALISMO ECONMICO NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX

    A prtica de cobrir fatos econmicos sempre existiu no jornalismo, e o caso

    brasileiro no exceo. O que se observa no Brasil at a primeira metade do

    sculo XX, entretanto, que o noticirio referente ao assunto era muito incipiente. O

    pouco contedo disponvel era gerado pelas agncias estrangeiras de informao,

    nas cmaras de comrcio ou no Ministrio da Fazenda, conforme nos aponta

    Quinto (1987, p. 48). No entanto, esse tema no era diferenciado do resto do

    noticirio, que tinha nos assuntos polticos o principal foco.

    Os chamados jornais do comrcio, apesar da denominao, em sua grande

    maioria faziam uma cobertura geral dos assuntos, como quaisquer outros veculos.

    Mantm apenas uma linha de sobriedade editorial com defesas espordicas dos

    segmentos econmicos, explica Quinto (1987, p. 48). A principal caracterstica

    desses veculos se d em decorrncia de suas fontes de renda, que variam desde a

    publicao de editais de cartrio e protestos at balanos e comunicados de

    empresas. No geral, esses veculos tinham circulao restrita s regies ou cidades

  • 13

    onde eram editados e, ao longo das primeiras dcadas do sculo XX, adquiriram

    estabilidade econmica atravs de vendas avulsas, assinaturas e venda de espao

    para publicao de editais.

    importante entender que, apesar do perodo de mudanas pelo qual o

    sistema econmico brasileiro passava a partir da Grande Depresso dos anos

    1930, a indstria se tornou o principal fator de crescimento do pas (LACERDA e

    outros, 2003) , a cobertura poltica era predominante nos principais veculos. Entre

    as justificativas, est a discriminao que as reas do comrcio e indstria sofriam

    pela grande imprensa. Entendem os editores dos grandes jornais de cobertura geral

    que as matrias oriundas dos setores comercial e industrial tm carter promocional,

    por isso, devem ser tratadas como matrias pagas, afirma Quinto (1987, p. 48).

    A presena desses assuntos se dava no formato de pequenas notas ou

    artigos isolados que tratavam de questes relativas ao interesse dos cafeicultores,

    com informaes sobre produo, vendas externas, movimento de portos e taxas de

    cmbio. Mesmo com a perda de poder econmico, ocorrida aps a crise de 19291

    principalmente aps 1933 , os chamados bares do caf ainda exerciam forte

    influncia sobre a sociedade especialmente no mbito poltico.

    O lugar onde o noticirio econmico encontrava mais espao e diferenciao

    de outros temas era nas colunas dirias dos jornais. Entre estes, destaca-se o

    pioneirismo de O Estado de S.Paulo que j na dcada de 1920 publicava um espao

    com temas exclusivamente econmicos assinado por Cincinato Braga, com o ttulo

    de Menos problemas econmicos (CALDAS, 2003). Embora nos anos seguintes

    outros veculos tenham adotado colunas no mesmo estilo o exemplo de O Jornal,

    que manteve na dcada de 1930 um espao para comentrios sobre o mercado de

    caf, redigidos pelo ex-presidente da Academia Brasileira de Letras Austegsilo de

    Athayde , no Estado que esse gnero jornalstico ganha fora como principal

    plataforma para a cobertura da rea econmica.

    1 Desencadeada a partir da quebra de bolsa de valores de Nova York, em 24 de setembro de 1929, a

    Grande Depresso atingiu a economia americana poca, a maior do mundo em todos os setores. Com a quebra de diversas empresas listadas na bolsa, o que sucedeu foi uma queda abrupta do investimento e do consumo e aumento das taxas de desemprego nos Estados Unidos. Como a economia americana exercia forte influncia no sistema econmico mundial, diversos pases foram afetados. No caso do Brasil, o principal impacto foi a queda vertiginosa das exportaes de caf tanto para os EUA quanto para Europa.

  • 14

    Para contribuir com a qualidade e abrangncia das anlises propostas nessas

    colunas, os jornais primeiramente o prprio Estado de S.Paulo passam a trazer

    de fora do pas estrangeiros especializados em economia internacional para

    escreverem. Um dos primeiros a desembarcarem no Brasil, em 1945, o jornalista

    alemo e doutor em Economia pela Universidade de Leipzig Frederico Heller, que

    passa a publicar artigos no veculo paulista. Comandado por Jlio Mesquita Filho,

    poca, o Estado recuperava a autonomia aps cinco anos sob a interveno

    decretada pelo governo de Getlio Vargas. Ao retomar o controle da publicao,

    Jlio Mesquita se deparou com situao financeira melhor do que a que havia meia

    dcada anterior, o que permitiu grande reformulao editorial.

    importante destacar que, apesar dar mais relevncia aos temas econmicos

    em relao ao que era observado nos jornais do comrcio ou em outras plataformas,

    esse colunismo pouco se aproximava dos conceitos e prticas do jornalismo

    econmico como o conhecemos. Quinto (1987, p. 52) detalha:

    No um jornalismo marcado, portanto, pela difuso regular de notcias econmicas, ou por uma imparcialidade analtica. Existe uma inteno evidente de influenciar e influencia e at orientar a poltica econmica do Pas. Esses colunistas relacionam-se diretamente com os ministros da Fazenda ou autoridades econmicas, que mantm o maior respeito por suas opinies.

    A partir do processo de mudanas editoriais sofrido pelo Estado de S.Paulo

    surgiram bases para o desenvolvimento do jornalismo econmico nas dcadas

    seguintes. Na onda das contrataes de profissionais estrangeiros, chegou ao Brasil

    Roberto Appy, jornalista francs com formao econmica no Centro de Altos

    Estudos Sociais e Econmicos de Paris. Com dois analistas de economia Heller e

    Appy , em junho de 1949, o Estado de S.Paulo lanou o Suplemento Comercial e

    Industrial, caderno especial, semanal, com 12 pginas. O seu escopo de cobertura

    trazia assuntos econmicos internacionais vindos de agncias estrangeiras ou

    escritos pelos colunistas.

    Apesar do pioneirismo, o Suplemento Comercial e Industrial mantm-se

    afastado dos padres atuais de cobertura econmica. Quinto (1987, p. 52) detalha:

    O Suplemento no apenas o primeiro informativo de negcios do pas com

    circulao regular, mas um veiculador doutrinrio, liberal, anticomunista com postura

  • 15

    poltica bem delineada na rea de economia. Outros veculos, como Folha de

    S.Paulo e ltima Hora, do Rio de Janeiro, seguiam a influncia do Estado de

    S.Paulo e, j na dcada de 1950 passaram a ter em seus quadros profissionais

    voltados anlise econmica.

    Os anos seguintes da dcada de 1950 foram decisivos para o

    amadurecimento da empresa jornalstica e do jornalismo econmico brasileiro, uma

    consequncia da maturidade da economia nacional (RIBEIRO, 2007). A indstria,

    que teve no perodo posterior a crise de 1929 o incio de seu desenvolvimento,

    ganhou forte impulso durante o segundo governo de Getlio Vargas (1950-54). A

    economia agrrio-exportadora entrava em crise com a derrocada do preo do caf

    no mercado internacional, que ainda representava parcela importante das

    exportaes do pas (SINGER, 1972). Ao mesmo tempo, o crescimento da

    populao urbana brasileira disparou a taxas surpreendentes entre 1950 e 1960,

    alta foi de mais de 40% , reforando o estoque de mo de obra industrial

    (OLIVEN, 1980).

    No segundo Governo Vargas tambm foram criadas estatais importantes

    como Vale do Rio Doce e Petrobras, para explorar minrio de ferro e petrleo,

    respectivamente, o que deu impulso formao de diversas empresas satlite para

    atuar nos novos mercados. Apesar dos avanos no mercado interno, ainda havia

    uma demanda dos setores mais liberais e a est includa a grande imprensa da

    poca por maior abertura ao capital estrangeiro, processo fortemente incentivado

    durante os anos de Juscelino Kubitschek frente do Executivo.

    Por meio do Plano de Metas, Kubitschek acelera de maneira intensa o

    desenvolvimento do parque industrial nacional, gerando um sentimento de otimismo

    na sociedade. No perodo entre 1957 e 1961, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu

    taxa anual de 8,2%, o que resultou aumento de 5,1% ao ano na renda per capita

    (LACERDA e outros, 2003). Se considerado todo o PIB da dcada de 1950, o

    crescimento foi cerca de trs vezes maior do que o dos outros pases da Amrica

    Latina (SKIDMORE, 1998). Apesar da importncia do fato poltico e policial,

    impossvel ignorar a dinmica da poltica desenvolvimentista de Juscelino

    Kubitschek, afirma Quinto (1987, p.55). Logo, nesse perodo que comearam a

    aparecer nos jornais as sees voltadas para cobertura econmica, com notcias, e

  • 16

    no apenas artigos analticos. Lene (2013, p.34) descreve as caractersticas e perfil

    desse noticirio.

    Os assuntos de economia que eram notcia estavam relacionados com o ufanismo desenvolvimentista, com a retrica nacionalista de defesa do capital estrangeiro, com as questes relativas explorao do petrleo, s riquezas minerais, defesa dos produtos primrios de exportao, especialmente o caf, com os ndices de carestia.

    Na segunda metade da dcada de 1950, o jornal Folha de S.Paulo lanou um

    suplemento chamado Caderno de Economia e Finanas, com trs a quatro pginas.

    Entre os assuntos abordados, aparecem matrias relacionadas a agronegcio,

    economia internacional, comrcio, indstria e at cotaes da Bolsa de Valores.

    Apesar disso, no caderno tambm entram temas distantes da esfera econmica,

    como meio ambiente e biologia, o que o torna um pouco confuso (QUINTO, 1987).

    No mesmo perodo, O Estado de S.Paulo tentou implementar uma seo de

    economia entre suas pginas, contudo, a existncia do Suplemento Comercial e

    Industrial j demanda muito dos redatores da rea que, por sua vez, no so

    noticiaristas, mas colunistas. Tendo em vista esses fatores, o Estado adiou a criao

    da seo.

    No mesmo perodo, jornais como Correio da Manh e Jornal do Brasil

    instalaram em suas publicaes sees de temas econmicos. No caso do Correio,

    a chefia da rea foi entregue a um delegado de polcia, que deixava a delegacia ao

    final da tarde para ento fechar suas pginas. No caso do Jornal do Brasil, no

    entanto, Quinto (1987) aponta que j surgiam nomes de reprteres capazes de

    cobrir a rea econmica. Mesmo assim, o autor explica que a cobertura ainda era

    incipiente em relao ao que viria a se tornar nas dcadas seguintes. Quinto (1987,

    p. 56) cita o porqu:

    Mesmo assim ainda uma cobertura confusa. Constantemente as pginas destinadas economia tm de ser preenchidas com matrias gerais por falta de notcias econmicas suficientes para fech-las (...). Os assuntos cobertos abrangem setores da indstria, portos, siderurgia, energia, preos, agricultura. Ainda no h cobertura regular da Bolsa de Valores, nem do incipiente mercado de capitais.

  • 17

    Em suma, o desenvolvimento do jornalismo econmico no perodo que

    antecede ao golpe militar, em especial durante os governos populistas, acompanhou

    tanto o crescimento e modernizao da economia brasileira quanto prpria

    modernizao da empresa jornalstica e da cobertura como um todo. Para a

    consolidao da prtica, no entanto, foi importante uma juno de fatores que

    ocorreria no Brasil dentro da organizao proposta pelo Regime Militar. Entre eles,

    est a perda de espao na cobertura poltica, que ocorre em decorrncia,

    evidentemente, da represso exercida pelo governo autoritrio.

    2.2 O MILAGRE BRASILEIRO E A EDITORIA DE ECONOMIA

    O perodo que antecedeu a tomada de poder pelos militares em 1964 foi

    marcado pela instabilidade poltica e econmica. A proposta modernizante de

    Juscelino Kubitschek foi substituda pelo controle de preos e reduo do dficit

    pblico nos governos de Jnio Quadros e, em seguida, Joo Goulart. Este segundo,

    na tentativa de controlar a entrada de capital estrangeiro no pas, preconizada nos

    governos anteriores, estancou o processo crescente de manipulao das verbas

    publicitrias, exercido pelas agncias estrangeiras estabelecidas no eixo Rio-So

    Paulo (LENE, 2013, p. 38), atingindo fortemente a indstria editorial. A queda dos

    subsdios elevou gradativamente o custo dos jornais e gerou problemas financeiros

    para a maioria deles. Quinto (1987, p. 60) resume que no incio da dcada de

    1960, o Pas dispe de uma imprensa envolvida na discusso poltica, mas

    industrialmente antiquada e economicamente prestes a se tornar invivel.

    A ruptura com o modelo democrtico em 1964 interrompeu com as reformas

    intencionadas por Jango e a sequncia de governos populistas que se seguiam no

    pas desde o Estado Novo de Getlio Vargas. Os militares estabelecem um Estado

    de exceo, regulado pelos atos institucionais editados no mbito do Executivo que

    est sob o comando dos mesmos. Partidos polticos foram extintos e militantes,

    artistas e jornalistas foram perseguidos pela represso. Nesse perodo, foram

    editados leis e decretos que visam a fortalecer o papel da censura, como uma nova

    Lei de Segurana Nacional e uma nova Lei de Imprensa.

  • 18

    A rea do jornalismo mais afetada com a crescente represso de ideias foi a

    poltica. Com o golpe militar, o pas trocou o processo poltico democrtico pelo

    regime autoritrio, e s vezes autocrata, comandado pelos generais. Quinto (1987,

    p. 62) explica que nessa rea que a censura oficial vai atuar de forma mais

    implacvel:

    Com a ausncia da atividade poltica, o Jornalismo Poltico vai se silenciando A nova legislao e a censura oficial exercem sobre a atividade uma ao fiscalizadora e repressiva rigorosa: muitos cronistas e reprteres polticos perdem os empregos, mudam a rea de cobertura, ou so simplesmente recolhidos para outras funes dentro das empresas jornalsticas.

    No que diz respeito economia, foi adotada uma postura tecnocrtico-

    modernizante, comprometida com a superao do modelo populista de Joo

    Goulart. A prioridade era a normalizao das relaes com os organismos

    financeiros internacionais2 (LACERDA e outros, 2003), logo, as aes buscavam

    uma integrao maior com os pases capitalistas desenvolvidos, especialmente os

    Estados Unidos. Nessa linha, foi criado o Programa de Ao Econmica do Governo

    (PAEG), elaborado pelo recm-formado Ministrio do Planejamento na liderana

    da equipe econmica esto Roberto Campos (Planejamento) e Octvio Gouvea de

    Bulhes (Ministrio da Fazenda).

    A figura de Campos ganhou destaque no perodo foi pea importante para

    o esgotamento do discurso poltico na imprensa e, consequentemente, aumento de

    espao do jornalismo econmico. Transformado em porta-voz do governo para a

    rea econmica, o ministro cercou-se de uma assessoria de imprensa competente,

    liderada pelo jornalista Oliveira Bastos3, que tem como principal objetivo viabilizar o

    relacionamento de Campos com os jornais e, consequentemente, dar sustentao

    orientao que pretende imprimir poltica econmica (QUINTO, 1987, p.67).

    2 Desde o final do governo de Juscelino Kubitschek a relao entre Brasil e o Fundo Monetrio

    Internacional (FMI) principal rgo financeiro internacional estava abalada Em 1958, aps um pedido de emprstimo de US$ 200 milhes (valor da poca) condicionado adoo de um pacote de medidas anti-inflacionrias (condio que foi refutada), o governo decidiu por romper com o rgo (LACERDA e outros, 2003).

    3 Amigo de Campos, Bastos era editorialista do Dirio de Notcias do Rio de Janeiro, veculo que mais

    difundia as posies do Ministrio do Planejamento. (QUINTO, 1987)

  • 19

    Esse processo tem xito, de maneira que acelera a expanso do sistema oficial de

    comunicao do Executivo.

    A estruturao das ferramentas usadas para propagar o discurso oficial

    permite que o crescimento econmico do pas torne o tema preponderante em

    encontros, seminrios, visitas, entrevistas, viagens, inauguraes e discusses

    polticas. A partir de 1967, assume a chefia da equipe econmica o ministro Delfim

    Netto, que promove um ciclo de expanso monetria e aumento de crdito ao setor

    privado, estimulando a produo para o mercado interno e externo (LACERDA e

    outros, 2003, p. 117). importante levar em conta que, a partir da edio do Ato

    Institucional n. 54, ficou ainda mais fcil a administrao e o controle da integral da

    mquina econmica.

    Foi durante o mandato de Delfim frente do Ministrio da Fazenda que o

    Brasil vivenciou o pice do que ficou conhecido como Milagre Econmico.

    Comandado pelos setores produtores de bens de consumo durveis e bens de

    capital, o crescimento disparou entre 1967 e 1973, a alta mdia do PIB foi de

    11,2% ao ano, enquanto a indstria registrou taxas de 12,6%. Diante disso, era

    importante para o governo a participao da imprensa para divulgar os avanos, j

    que a economia se tornara a moeda de legitimao de um regime sem legitimidade

    poltica (ABREU, 2003, p.25).

    O surgimento do jornalismo econmico nos moldes contemporneos se deu a

    partir da publicao pelo jornal Correio da Manh, do Rio de Janeiro, de um caderno

    voltado ao tratamento de negcios do mercado financeiro, chamado de Diretor

    Econmico. Com 16 pginas dirias, o suplemento ganhou destaque na medida em

    que houve simultaneamente, um crescimento exponencial no volume de negcios

    nas principais bolsas de valores do pas poca no Rio de Janeiro e em So

    Paulo (QUINTO, 1987). Quando deixou de circular em decorrncia da perda de

    confiana dos leitores aps grandes quedas registradas nas bolsas de valores em

    1971 e de presses do governo militar o Diretor deixa uma lacuna editorial que

    ser preenchida por diversos jornais nos anos seguintes. Conforme aponta Quinto

    4 Emitido em 2 de setembro de 1968, o AI-5 se sobrepunha Constituio de 27 de janeiro de 1967,

    dando poderes extraordinrios ao Presidente da Repblica e suspendia vrias garantias institucionais. A primeira medida do governo sob o AI-5 foi o fechamento do Congresso Nacional. Disponvel em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=194620. Acesso em: 30/4/2015.

  • 20

    (1987, p. 49), o noticirio econmico praticado a partir deste momento diferente do

    jornalismo de negcios presente em o Diretor Econmico.

    O novo noticirio econmico no tratar questes polmicas Abordar numa direo positiva grandes operaes financeiras internas ou externas, insistir na abertura de capitais por empresas tradicionais, em novas linhas de produo industrial, ou questes ligadas agropecuria, avanando em discusses meramente acadmicas de categorias simblicas da cincia econmica como o comportamento dos agregados macroeconmicos, tipo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a composio do Balano de Pagamentos, da Balana Comercial ou das Contas Correntes; discusses sobre frmulas de anlise de componentes inflacionrios; fluxo dos meios de pagamento, dos investimentos globais; discutir o dficit pblico, o open market e at mesmo prticas econmicas desconhecidas no Brasil.

    Na linha criada pelo Diretor Econmico, surgiu a Gazeta Mercantil, que

    passou a desempenhar o papel um de jornal de negcios ao extrair do noticirio

    poltico do cotidiano a essncia da informao econmica e de negcio, voltada para

    o estmulo do desenvolvimento de uma economia capitalista de livre mercado

    (QUINTO, 1987, p. 80). A transformao da Gazeta acelera o processo de

    implementao da cobertura econmica moderna que j era observado desde o final

    de dcada de 1960.

    Pesquisa realizada por Scavone, Belloni e Garbayo (1975) mostra que, entre

    1968 e 1988, o espao dedicado economia pelos trs principais jornais de So

    Paulo cresceu de 1,5 pgina diria em mdia para 6,5 pginas, custa das demais

    coberturas especialmente a cobertura poltica. Isso mostrava, conforme aponta

    Abreu (2001, p.3), que o governo militar acreditava poder controlar melhor o que era

    noticiado nessa rea. Ele explica:

    Para os militares, as editorias de economia representavam um espao de menor risco porque as informaes eram basicamente sobre o setor pblico, e os dados e ndices eram oficiais, fornecidos pelo BNDE (Banco Nacional do Desenvolvimento), pelo CMN (Conselho Monetrio Nacional), pela Associao Comercial, pelas Federaes das Indstrias e, fundamentalmente, pelo Ministrio da Fazenda.

    As primeiras editorias de Economia surgiram nos jornais de So Paulo e Rio

    de Janeiro. Antes, as principais editorias de rea eram Poltica, Esportes, Policia e

    Internacional, embora, na dcada de 1950 no houvesse uma diviso ntida das

  • 21

    responsabilidades editoriais dentro das redaes, ou na organizao do espao

    morfolgico dos jornais. As mudanas ocorridas nas relaes de produo da

    sociedade e na elaborao da notcia, a partir do golpe de 1964, e a tendncia

    criao de uma cobertura especfica de economia provocaram alteraes mais

    definitivas na estrutura das redaes, delineando melhor a atuao de cada uma das

    sees do jornal.

    Juntamente com a ampliao da cobertura econmica dentro dos

    jornais, ocorreu a valorizao dos profissionais da rea. Os reprteres e editores de

    economia passaram a receber os melhores salrios da redao. Somou-se isso ao

    esvaziamento do noticirio poltico em meio aos anos de chumbo, resultando em um

    crescimento do nmero de jornalistas interessados no tema (RESENDE, 2005).

    Quinto (1987, p.96), contudo, afirma que essa transio no ocorria com facilidade:

    Criam-se tabelas de salrios mais elevadas para atrair os jornalistas experientes para a rea de economia. Mas, mesmo sabendo que a poltica caiu para um plano totalmente secundrio, pela supresso dos tpicos mais excitantes do noticirio do setor; ou por ter sido esvaziado no plano popular para se internar nos ptios dos quartis; que p Congresso, as Assemblias, as Cmaras ou os partidos desempenham um papel meramente formal, a transferncia dos jornalistas de Poltica para a Economia se d com muito sacrifcio. Alguns deixam o jornal e outros no conseguem se adaptar.

    No final da dcada de 1970, o jornalismo econmico j ocupava espao

    obrigatrio e de destaque nas pginas dos grandes jornais. Nos anos que

    antecederam a virada para a dcada de 1980 e a acelerao do processo de

    redemocratizao concretizado em 1985, com a eleio de Tancredo Neves, um

    civil, para a Presidncia da Repblica a cobertura de economia se intensificou e

    passou a adotar um carter mais crtico. Nesse perodo, o crescimento brasileiro

    comeou a desacelerar diante dos reflexos da crise mundial do petrleo e da alta

    internacional dos juros. Com financiamentos externos mais caros, crescentes dficits

    da balana comercial e descontrole da inflao, o Brasil mergulhou em um perodo

    de recesso.

  • 22

    Ao longo do processo de deteriorao, ocorreu, concomitantemente, um

    movimento de ampliao da especializao da imprensa econmica do pas. Lena

    (2013, p. 75) explica a origem desse processo:

    Isso foi necessrio para que o pblico entendesse a complexidade das questes envolvidas nas tentativas de proceder estabilizao da moeda; entendesse como e por que o Brasil tinha quebrado, nos idos de 1981; quais as novas condies da retomada do crescimento e por que era uma nao to injustamente dividida entre ricos e pobres.

    O mercado das notcias de economia saltou de uma demanda pequena para

    uma elevada, estimulada pela mudana de hbitos dos consumidores e pelo

    processo de desenvolvimento econmico e social. O novo pblico consumidor desse

    tipo de informao reunia empresrios, economistas, assessores tcnicos privados e

    governamentais, estudantes de economia e administrao, investidores das bolsas

    de valores, especuladores financeiros etc. Em suma, possvel afirmar que, por

    meio desse processo, a informao do campo econmico se libertou do limitado

    interesse das elites para comear a se popularizar.

    2.3 O JORNALISMO ECONMICO APS A REDEMOCRATIZAO

    Os anos seguintes ao processo de redemocratizao do pas foram marcados

    por transformaes no cenrio econmico brasileiro e mundial e,

    consequentemente, por mudanas no perfil do jornalismo econmico. As primeiras

    alteraes logo aps o fim do Regime Militar, a partir de 1985. Nesse perodo, o pas

    passou a ter de lidar com as heranas negativas da poltica econmica

    expansionista dos governos militares, sendo que a principal delas era a crise

    inflacionria (LACERDA e outros, 2003).

    J sob o comando de Jos Sarney frente da Presidncia5, a equipe

    econmica do governo passou a lanar mo de pacotes de medidas com o intuito de

    5 A eleio indireta de 1985 colocou no poder o mineiro Tancredo Neves, o primeiro civil a comandar

    o pas desde o incio do Regime Militar. Contudo, devido a complicao de sade, Neves no pode

  • 23

    segurar a alta dos preos. O primeiro destes foi o Plano Cruzado6, lanado em

    maro de 1986. O tipo de cobertura econmica realizada a partir deste plano

    contava com caractersticas que remetiam s vistas durante o perodo militar

    como o ufanismo , mas tambm apresentava novos traos. Cada vez mais, na

    medida em que tinha um papel pedaggico diante do leitor das editorias de

    economia, o jornalismo dessa rea fortaleceu-se como um jornalismo de servio

    (LENE, 2013).

    Bahia (1990) registra que a informao econmica prestada pelos veculos

    assumiu uma funo poltica e social, valorizada pela qualidade da orientao que

    fornecia ao pblico. Leitores, ouvintes, telespectadores buscavam informaes

    sobre bolsas, aplicaes de curto prazo, investimento de risco, sobre como

    assegurar o valor do salrio e tambm como funcionava o seguro-desemprego,

    afirma o autor (1990, p.65). Esse perfil de abordagem do noticirio, em meio a uma

    dcada de choques econmicos, ganhou popularidade na dcada de 1980 e se

    consolidou nas seguintes como um dos pontos fortes da rea.

    Para exemplificar o impacto dessa mudana de perfil, basta observar os

    nmeros envolvidos na cobertura do lanamento do Plano Cruzado. Conforme

    registra Bahia (1990, p. 391-392), no dia 5 de maro de 1986 dia seguinte ao

    lanamento do pacote, a Folha de So Paulo bateu todos os recordes. Juntamente

    com a Folha da Tarde, imprimiu 1,714 milho de exemplares de uma edio extra

    com a tabela de preos congelados de 300 produtos, vlida somente para o Estado

    de So Paulo e emitida pela Superintendncia Nacional de Abastecimento (Sunab).

    O Globo tambm superou seu prprio recorde de circulao. No dia 6 de maro do

    mesmo ano, sua tiragem foi de 814 mil exemplares.

    Outros assuntos se incorporaram pauta de economia dos jornais, como

    questes ligadas a condomnio, seguro, financiamento habitacional, o conjunto de

    temas que compem o oramento domstico. Com isso, cresceu o nmero de

    tomar posse, e quem assumiu foi ser vice, Jos Sarney. Tancredo Neves faleceu em 21 de abril de 1985.

    6 O primeiro de sete planos criados para estabilizar a inflao no Brasil, o Plano Cruzado foi um

    conjunto de medidas econmicas lanadas pelo governo. Entre elas estavam aes como o congelamento de preos de bens e servios, da taxa de cmbio e congelamento dos salrios.

  • 24

    leitores que passaram a acompanhar o noticirio econmico na imprensa. At hoje,

    esses temas so os mais requisitados pelo pblico no geral.

    Durante o governo Collor (1990 1992), o papel do jornalismo econmico

    como ponte entre o pblico e as mudanas que a estrutura econmica do pas sofria

    se reforou. Lene (2013) aponta outra mudana importante que mexeu com a

    cobertura foi o lanamento do Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor7 (Lei

    Federal n 8.078, de 11 de setembro de 1990). O cdigo foi, e , um instrumento que

    tornou as pessoas mais exigentes, constituindo-se em um enorme poder de presso

    para modernizao das empresas e produtos. Ele incentivou o aprofundamento do

    jornalismo voltado a economia popular. Lene (2013, p.325) explica:

    A discusso sobre os direitos do consumidor alimentou uma gama de matrias no noticirio e os jornais ampliaram seus espaos para a economia popular. O Globo por exemplo, mantm, desde meados dos anos 1980, pginas especficas na editoria de economia, como o espao Defesa do Consumidor, onde o leitor encontra informaes e servios de interesse popular, inclusive queixas contra produtos, empresas e denncias feitas ao Procon. Essa seo teve especial importncia na prestao de servios durante a implementao dos planos econmicos depois da redemocratizao. Muitas das denncias publicadas fizeram com que o Ministrio Pblico realizasse aes as quais resultaram em mudanas nos contratos de bancos, empresas de turismo e carto de crdito.

    O jornalismo cidado termo usado por alguns autores para definir esta

    cobertura econmica que tem no auxilio ao consumidor seu foco seguiu sendo

    uma constante nos anos seguintes ao governo Collor, especialmente durante a

    implementao do Plano Real8, em 1994, durante o mandato de Itamar Franco

    (1992-1994). Com a nova moeda, veio a reduo e estabilizao da inflao e, com

    isso, novas mudanas para o jornalismo econmico.

    7 Uma srie de normas que visa a proteo aos direitos do consumidor, bem como disciplinar as

    relaes e as responsabilidades entre o fornecedor (fabricante de produtos ou o prestador de servios) com o consumidor final, estabelecendo padres de conduta, prazos e penalidades. Embora tenha sido institudo em 11 de setembro de 1990, passou a vigorar apenas no final daquele ano, uma vez que teve a sua vigncia protelada para a adaptao das partes envolvidas.

    8O Plano Real foi o ltimo programa econmico brasileiro com o objetivo de estabilizar, iniciado em 27

    de fevereiro de 1994 com a publicao da Medida Provisria n 434. Tal medida instituiu a Unidade Real de Valor (URV), estabeleceu regras de converso e uso de valores monetrios, iniciou a desindexao da economia, e determinou o lanamento de uma nova moeda, o Real.

  • 25

    Entre a dcada de 1980 e meados dos anos 1995, o noticirio econmico,

    apesar de variado, tinha no seu cerne a luta de sucessivos governos contra a

    disparada dos preos. Sem esse fator, a cobertura precisou se ampliar para outros

    temas isso no quer dizer que o comportamento da inflao saiu da pauta dos

    veculos, pelo contrrio, os anos de crise deixaram de legado na imprensa uma

    dedicao forte em acompanhar, sistematicamente, a variao dos ndices de

    preos. Combate pobreza, natureza da desigualdade, desafios da desigualdade, o

    jornalismo de economia voltou-se a temas sociais na tentativa de cobrir mudanas

    em tempos de previsibilidade (LENE, 2013).

    Tambm se aprofundou a cobertura da rea de negcios e do mercado

    financeiro e, conforme afirma Puliti (2009, p. 99), intensificou-se um processo de

    financeirizao do noticirio econmico nos anos subsequentes.

    Os balanos das companhias passaram a ocupar primeiras pginas dos jornais, assim como notcias sobre fuses e aquisies. O jornalismo de negcios passou a se misturar com o acompanhamento do mercado financeiro, e foi nesse ambiente que surgiu no ano 2000 o Valor Econmico, dirio de economia e negcios resultante de parceria entre Folha e O Globo.

    Este processo de mudana no jornalismo econmico que ocorreu no incio do

    sculo XXI foi fortemente influenciado tanto por grandes veculos estrangeiros, como

    Financial Times e The Economist quanto pelas agncias de notcias em tempo real.

    Em sua maioria estrangeiras, inicialmente, essas agncias tinham e tm como

    foco acompanhar mais agilmente as mudanas nos mercados mundiais. No Brasil, o

    pioneirismo neste tipo de cobertura coube Broadcast, da Agncia Estado, empresa

    pertencente ao grupo Estado. Desde sua criao, a Agncia Estado a nica que

    domina o mercado de notcias tempo real em um pas. Em todos os outros pases,

    esse mercado detido por Reuters, Bloomberg ou Dow Jones (PULITI, 2009,

    p.101).

    Alm da factualidade, o jornalismo econmico praticado nessas agncias

    causou outra mudana de perfil na medida em que passou a valorizar fontes

    tcnicas, e no polticas. No entanto, nos jornais tradicionais, o crescimento do

    noticirio em tempo real causou uma deformao na cobertura da rea econmica,

    explicada por Puliti (2009, p. 106):

  • 26

    Em tese, enquanto as agncias em tempo real deveriam cumprir seu papel de intermediar o dilogo governo/mercado financeiro, os jornais gerais deveriam atender a um pblico no-especializado. Mas com a influncia do jornalismo em tempo real, as matrias dos jornais ganharam caractersticas mais descritivas e relatoriais, enquanto as fontes tornaram-se cada vez mais restritas ao governo, a ex-autoridades e a nomes ligados a instituies financeiras. Em consequncia, os jornais gerais passaram a preencher parte considervel de suas pginas com um noticirio muitas vezes sem sentido para o leitor comum, espelhando uma realidade econmica distante do cotidiano da grande maioria das pessoas.

    Apesar desta nova faceta, possvel afirmar que nesta primeira dcada e

    meia do sculo XXI, o jornalismo econmico manteve, em seu cerne, o perfil de

    cobertura consolidado aps o Plano Real, especialmente no que diz respeito a ser

    uma ponte entre a informao econmica bruta e o consumidor. A financeirizao do

    noticirio pregoada por Puliti (2009), embora tenha ajudado a desenvolver no Brasil

    a cobertura em tempo real dos mercados financeiros, no que tange a grande

    imprensa no geral, foi adaptada para o mesmo tipo de cobertura, embora com algum

    esforo.

    Nos anos seguintes crise financeira de 20089, intensificou-se na imprensa

    brasileira o noticirio financeiro pouco acessvel ao pblico comum. Superado o pior

    momento do abalo global, os veculos voltaram a focar na traduo dos fatos

    econmicos ao leitor. Temas que antes eram abordados superficialmente, apesar da

    importncia, como o PIB, passaram a ter um tratamento muito mais reducionista, no

    sentido de apresentar seu impacto no dia a dia do cidado.

    9 Desencadeada a partir de um estouro da bolha do mercado imobilirio americano, a crise financeira

    de 2008 atingiu o mercado em escala global, congelando o crdito, reduzindo investimentos,

    consumo e aumentando o desemprego, especialmente na Europa. No Brasil, os efeitos da crise

    foram atenuados, em parte, por causa da poltica econmica anticclica implementada pelo governo

    Lula.

  • 27

    3 CONCEITOS

    Apresentadas as caractersticas do jornalismo econmico brasileiro desde

    sua consolidao na dcada de 1960 at os dias de hoje , partimos, neste

    captulo, para a descrio de conceitos e teorias que sero necessrias para

    realizao da anlise proposta no presente estudo. Esta parte do trabalho, assim

    como no Captulo 2, ser subdividida em trs subcaptulos.

    No primeiro, abordamos os critrios de noticiabilidade no jornalismo como um

    todo. A partir das consideraes de autores como Wolf (2005) e Traquina (2004 e

    2008), buscamos explicar como acontecimentos se transformam em notcia e quais

    so os fatores dentro da organizao jornalstica e da redao que atuam na

    seleo dos temas considerados mais importantes. Na medida em que este estudo

    busca entender em que situaes o trabalhador personagem no noticirio

    econmico, indispensvel entender o que leva construo do noticirio em si.

    Neste aspecto, tambm abordamos a questo da fonte no espectro do jornalismo

    econmico, a conceituando em um panorama geral do jornalismo e a

    apresentado nesta rea de cobertura especfica.

    Na segunda parte, partimos para uma anlise dos conceitos de representao

    social e como eles se aplicam ao jornalismo. Aqui, nos apoiamos no trabalho de

    Moscovici (1978), que afirma que as representaes sociais se modificam ou se

    atualizam dentro de relaes de comunicao diferentes. Dessa forma, a imprensa

    no caso deste trabalho, especificamente a voltada rea econmica , integrada

    por um grupo de especialistas formadores e, sobretudo, difusores de representaes

    sociais, responsvel pela estruturao de sistemas de comunicao que visam

    comunicar, difundir ou propagar determinadas representaes. Nosso foco, de

    maneira a entender como ocorre a formao dessas representaes no jornalismo,

    ser nos conceitos de enquadramento e agendamento, que so abordados por

    Soares (2009). Essa conexo ser aprofundada neste segundo subcaptulo com a

    inteno de mostrar, mais adiante, de que maneira o trabalhador apresentado no

    noticirio econmico.

    Na parte final do captulo, buscamos conceituar e definir quem o

    trabalhador, personagem central da proposta de estudo. Inicialmente, apresentamos

  • 28

    definies da classe a partir da viso capitalista de mundo proposta por Marx (2013).

    Feito isso, tentamos estabelecer e apresentar um panorama, analisando o perfil do

    trabalhador brasileiro. Nesta etapa, vemos desde a constituio da fora de trabalho

    no Brasil at a sua relao com a populao, apresentando dados bsicos como o

    nmero de trabalhadores assalariados, sua diviso entre os setores da economia

    etc. Para tanto, ser indispensvel a consulta a matrias coletados pelo Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), referncia mundial na rea de

    levantamentos censitrios. Por ltimo, vemos como a classe trabalhadora se

    organiza coletivamente historicamente, atravs de sindicatos e associaes.

    3.1 CRITRIOS DE NOTICIABILIDADE: SELEO E CONSTRUO DA NOTCIA

    Antes de partir para a conceituao e anlise dos critrios noticiabilidade

    especialmente dos valores-notcia, que so ponto central desta rea de estudo

    importante conceituar o que notcia. Cotidianamente, entendemos notcia como

    sendo um formato de divulgao de um acontecimento por meios jornalsticos,

    contudo, para este trabalho, nos apoiamos em um conceito que extrapola essa

    significao. Nesse aspecto, tomamos como base a definio de Moreira (2006,

    p.21), que considera notcias como construo social, isto , como resultado de

    uma srie de negociaes envolvendo agentes interessados, que atuam de acordo

    com estratgias especficas. O objetivo final dessas negociaes transformar um

    acontecimento, que podemos, em uma analogia, chamar de matria-prima, em um

    produto cultural, no caso, uma notcia.

    Essa concepo adotada por Moreira (2006), em sua tese de doutorado, tem

    como base o paradigma Construcionista desenvolvido por Traquina (2004). Na viso

    de Moreira, o jornalismo tem autonomia relativa em relao a outros campos, como

    poltica e economia. Portanto, na seleo das notcias, os profissionais atuam sob

    influncia de uma cultura e identidade prprias ora agem sob influncia de

    interesses externos ao campo e arbitrariedades de poder. Nesse processo, h vrias

    etapas de deciso que, muitas vezes, obedecem a padres viciados da rotina de

    produo. nesse meio que atuam os valores-notcia.

  • 29

    No que tange aos valores que definem o que notcia, importante ressaltar

    a diferena em relao aos valores do jornalismo. Para Traquina (2004), no perodo

    contemporneo, h duas vertentes no que diz respeito s formas de ver o

    jornalismo: o polo ideolgico e o polo econmico. O primeiro considera a atividade

    um servio pblico, o segundo, um negcio. Aprofundando este raciocnio, o autor

    pontua que quando valoriza as notcias de importncia social, o jornalismo de

    interesse pblico, oferecendo informaes que o leitor deveria saber. Quando

    prioriza notcias que o pblico est vido em saber, mesmo que no sejam

    essenciais para sua vida em sociedade, est atuando em nome do interesse do

    pblico.

    J os valores-notcia, que so o foco deste captulo, so aqueles

    estabelecidos conforme consensos profissionais e organizacionais dentro do meio

    jornalstico.que respondem seguinte pergunta: o que um acontecimento precisa

    conter para se transformar em notcia? Mais do que isso, o estudo dessa rea

    terica surge a partir de uma constatao prtica de que no h espao nos veculos

    para a publicao de uma infinidade de acontecimentos que ocorrem no dia a dia.

    Silva (2005) afirma que frente a volume to grande de matria-prima, preciso

    estratificar para escolher qual acontecimento mais merecedor de adquirir

    existncia pblica como notcia, e a que entram as definies de conceituaes

    dos valores-notcia e critrios de noticiabilidade.

    Embora tenha o trabalho mais voltado para o campo da comunicao como

    um todo, especialmente no que diz respeito sociologia da produo da notcia

    (sociologia dos emissores ou newsmaking), Mauro Wolf consolidou muitos dos

    conceitos que seriam a base para as obras de autores voltados especificamente

    para a rea jornalstica, como Sousa (2002) e Traquina (2008). O autor italiano

    (2005, p.195) nos d uma definio do que, envolve a noticiabilidade para o

    jornalismo:

    A noticiabilidade constituda pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos do ponto de vista da estrutura de trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas , para adquirir existncia pblica de notcia.

  • 30

    Logo, segundo ele, a noticiabilidade o conjunto de elementos por meio dos

    quais o aparato informativo controla e administra a quantidade e o tipo de

    acontecimento que serviro de base para a seleo das notcias. Dentro desses

    elementos, esto os valores-notcia.

    Em seguida, o autor faz uma observao que toca em uma das questes

    centrais deste estudo. Wolf (2005, p.195-196) avalia que esse processo, por

    depender, como ele mesmo diz, do ponto de vista da estrutura de trabalho nos

    aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas e estar

    atrelado a rotinas de produo definidas, tende, sim, a marginalizar certos

    acontecimentos.

    Tudo o que no responde a esses quesitos selecionado, uma vez que no se mostra adequado s rotinas de produo a aos cnones da cultura profissional: no conquistando o estatuto pblico de notcia, permanece simplesmente um evento que se perde na matria-prima que o aparato informativo no consegue transformar e que, portanto, no dever fazer parte dos conhecimentos do mundo adquiridos pelo pblico por meio da comunicao de massa.

    Wolf (2005) pontua que os valores-notcia esto presentes tanto no processo

    de seleo do fato quanto no de elaborao da notcia, e diferencia estas duas

    etapas. Portanto, o autor estabelece que existem os valores-notcia de seleo e os

    valores-notcia de construo. O primeiro se refere aos critrios utilizados na seleo

    do acontecimento que ir se transformar em notcia. Este ele divide em dois

    subgrupos: os critrios substantivos, que dizem respeito avaliao do evento em

    termos de importncia ou interesse como notcia, e os critrios contextuais,

    referindo-se ao contexto da produo. O segundo trata das qualidades da

    construo do fato como notcia, funcionando como diretrizes para a apresentao

    do material, sugerindo o que deve ser realado, omitido e priorizado no processo de

    transformao do acontecimento.

    Por focar em sua obra do estudo das teorias da comunicao aplicadas ao

    jornalismo, Traquina (2008) se apropria dos conceitos elaborados por Wolf (2005) e

    os aplica com mais objetividade ao seu campo de estudo. Assim, ele define alguns

    valores-notcia de seleo que considera fundamentais. No que diz respeito aos

    critrios substantivos, ele cita morte, notoriedade, proximidade, relevncia

  • 31

    tempo, novidade, notabilidade, inesperado, controvrsia, infrao e

    escndalo. Estes critrios substantivos, como j explicado anteriormente, esto

    relacionados s qualidades do acontecimento. Por exemplo: notoriedade pode se

    referir popularidade do ator central do evento em questo. Para descrever este

    ponto, Traquina (2008, p.79) exemplifica:

    fcil visualizar este valor-notcia ao ver a cobertura de um congresso partidrio e a forma como os membros da tribo jornalstica andam atrs das estrelas polticas. Como no tempo das folhas volantes, a celebridade ou a importncia hierrquica dos indivduos envolvidos no acontecimento tem valor como notcia.

    No que diz respeito aos critrios contextuais, Traquina (2008) cita quatro:

    disponibilidade (facilidade de cobertura), equilbrio (o nmero de notcias j dadas

    sobre o assunto), visualidade (existncia e qualidade de imagens), concorrncia

    (ter o que os outros no tm e evitar ter o que os outros tm) e dia noticioso (se

    houve ou no outros acontecimentos importantes no dia). Estes estariam ligados,

    lembrando, ao contexto do processo de produo das notcias e no s

    caractersticas do prprio acontecimento.

    Sobre os valores-notcia de construo, ou seja, os critrios envolvidos na

    elaborao da notcia, Traquina (2008) pontua: simplificao, amplificao,

    relevncia, personalizao, dramatizao e consonncia.

    importante citar que, para chegar a essa lista, o autor se apoiou fortemente

    em trabalhos anteriores, especialmente na obra de Galtung e Ruge10, que concebeu

    vrios destes critrios. Coube a Traquina adapt-los s definies de Wolf (2005)

    sobre os diferentes tipos de valor-notcia.

    Por fim, Traquina avalia a relao entre os valores-notcia e a organizao

    jornalstica em si, tratando, inclusive, da influncia que a poltica editorial do veculo

    pode ter tanto no processo de seleo quanto elaborao do fato jornalstico, assim

    como das caractersticas do prprio meio do veculo. Essa anlise

    10

    Em The Structure of Foreign News (1993), Johan Galtung e Marie Holmboe Ruge estudaram os

    fatores que influenciavam o fluxo de notcias estrangeiras, levantando algumas hipteses e testando-

    as em dados relativos apresentao de trs crises estrangeiras em quatro jornais noruegueses.

    Eles defendem que, embora no seja regra absoluta, um acontecimento um tanto mais noticivel

    quanto maior nmero de valores notcia possuir.

  • 32

    fundamentalmente importante para a proposta deste trabalho, que tem como

    objetivo central estudar como certa temtica (o trabalhador) elaborada dentro de

    um tipo especfico de organizao (um jornal empresarial). Sobre esse aspecto, o

    autor (2008, p. 93) afirma:

    A poltica editorial influencia a disposio dos recursos da organizao e a prpria existncia de espaos especficos dentro do produto jornalstico atravs da sua poltica de suplementos e sobretudo rubricas. A criao de espaos regulares, como suplementos e rubricas/sees, tem consequncias diretas sobre o produto jornalstico de uma empresa porque a existncia de espaos especficos sobre certos assuntos ou temas estimula mais notcias sobre esses assuntos ou temas, por que tais espaos precisam ser preenchidos.

    Traquina (2008), citando Golding e Elliot (1979, p.99), refora o peso da

    segmentao nos processos de seleo e construo da notcia ao afirmar que a

    especializao temtica constitui um ndice significativo do modo como os valores-

    notcia se traduzem em prticas organizativas.

    Sobre a influncia das caractersticas fsicas do meio (veculo), podemos nos

    apoiar, tambm, em Wolf (2005, p.219). Ele faz uma anlise que, embora voltada a

    uma mdia que no objeto deste trabalho, a televisiva, pode ser adaptada para

    nossos propsitos.

    Na informao televisiva, a avaliao da noticiabilidade concerne tambm possibilidade de ele fornecer bom material visual, ou seja, imagens que no apenas correspondam aos padres tcnicos normais, mas que tambm sejam significativos, que ilustrem os pontos de destaque do evento noticiado.

    Essenciais para a cobertura televisiva, as imagens tambm ganham fora

    como um valor-notcia nos jornais impressos. A partir de uma anlise das capas de

    trs jornais de grande circulao (Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Globo),

    Moreira (2006) afirma que a presena de fotos visualmente interessantes pode ser

    um fator determinante no aumento da noticiabilidade do fato, e refora ao concluir

    que as capas so construdas de forma que esses elementos disputem entre si o

    primeiro olhar do leitor. Portanto, importante levar em conta que, para o objeto de

  • 33

    estudo deste trabalho o Jornal do Comrcio de Porto Alegre, um veculo impresso

    a seleo do noticirio tambm leva em conta este fator.

    3.2 FONTES DO JORNALISMO E SUA INFLUNCIA NO NOTICIRIO

    Assim como os valores-notcia e outros critrios de noticiabilidade, as fontes

    so fator determinante tanto na elaborao das notcias quanto na seleo delas.

    Aqui, referimo-nos, especificamente, s fontes de notcias, e no s fontes de

    informao, tento em vista que h uma diferenciao de funes entre ambas.

    Schmitz (2011) esclarece essa diferena quando explica que, quando falamos em

    fonte de informao, preciso entender que qualquer informao est disponvel a

    algum, j a fonte de notcia necessita de um meio de transmisso, de um

    mediador, que faa circular seu conhecimento ou saber (2011, p.9).

    O socilogo alemo naturalizado americano Herbert Gans (2004) define fonte

    de notcias como as pessoas que o jornalista observa ou entrevista e quem fornece

    informao ou sugestes de pauta, enquanto membros ou representantes de um ou

    mais grupos (organizados ou no) de utilidade pblica ou de outros setores da

    sociedade.

    No que diz respeito a esse tema, h diversas especificaes e diversidade de

    fontes de notcias, algumas que so importantes para a anlise proposta neste

    trabalho. Primeiramente, para esclarecer a importncia de aprofundar esse assunto,

    nos apoiamos em uma explicao de Wolf (2005, p. 235) sobre a relao existente

    entre os veculos de comunicao, que ele chama de aparatos de informao, e as

    fontes:

    A rede de fontes que os aparatos de informao estabilizam como instrumento essencial para o seu funcionamento reflete, de um lado, a estrutura social e de poder existente e, de outro, organiza-se na base das exigncias colocadas pelos procedimentos de produo. As fontes que se encontram s margens dessas duas determinaes muito dificilmente podem influir de maneira eficaz na cobertura informativa.

  • 34

    A viso de Gans (2004) sobre isso semelhante a de Wolf. Em anlise, ele

    ainda mais direto do que o autor italiano (2004, p.81):

    Aqueles que possuem o poder econmico ou poltico podem facilmente obter acesso aos jornalistas e so acessveis a eles; enquanto aos que no tm poder, mais difcil que se tornem fontes e sejam procurados pelos jornalistas enquanto suas aes no produzirem acontecimentos noticiveis, por serem moram ou socialmente negativos.

    A partir do momento em que constatam que indivduos e organizaes com

    mais influncia poltica e econmica tendem a se tornar fontes mais frequentes,

    ambos os autores entendem que o reflexo desses perfis ser visto no noticirio

    jornalstico, e esse raciocnio corroborado pelo fato desses personagens serem

    indispensveis na rotina de produo de notcias. Na concluso de sua obra,

    Schmitz (2011, p.77) afirma que as fontes de notcias pautam em vez de serem

    pautadas.

    Sigal (1979) vai alm e atribui tamanha importncia s fontes que alega que a

    notcia to somente a reproduo do que elas dizem. Ela afirma que o que

    notcia depende das fontes de notcia que, por sua vez, dependem da forma como o

    jornalista procura as fontes. Embora autores como Santos (2003) defendam que,

    neste cenrio, o poder est nas mos do jornalista j que ele quem define

    quando a informao deve virar notcia , entendemos que, pressionado pela rotina

    e tempo escasso, o profissional da imprensa muitas vezes se v na necessidade de

    publicar certas informaes mesmo quando estas no so dotadas de valores-

    notcia relevantes.

    Tendo estabelecido a influncia das fontes sobre o noticirio, fruto de sua

    relao com a imprensa e da prpria rotina de produo dos veculos, nos

    apoiaremos em classificaes de Schmitz (2011) sobre os diversos tipos de fontes.

    Em sua obra, o autor as qualifica de acordo com o grupo social/econmico a que

    pertencem, com a forma como agem, com sua qualificao e com o fato de

    permitirem o crdito da informao na hora da publicao da notcia. Aqui, veremos

    apenas algumas das classificaes propostas, j buscando nos direcionar para a

    rea de cobertura que objeto deste estudo, o jornalismo econmico.

  • 35

    Em relao ao grupo, Schmitz (2011) cita quatro tipos que, na nossa viso,

    so recorrentes na cobertura econmica. Os primeiros so as fontes oficiais. Trata-

    se de algum em funo ou cargo pblico que se pronuncia por rgos mantidos

    pelo Estado e preservam poderes constitudos, bem como organizaes agregadas

    (2011, p.25). Na opinio do autor, essas so as mais presentes e preferidas da

    mdia, pois emitem informao ao cidado e tratam essencialmente do interesse

    pblico, embora possam falsear a realidade, para preservar seus interesses ou do

    grupo poltico (2011, p.25).

    A segunda classificao, no que diz respeito aos grupos, a das fontes

    empresariais. Representa uma corporao empresarial da indstria, comrcio,

    servios ou do agronegcio, descreve Schmitz (2011, p.25). Ele ainda pontua que

    comumente suas aes tm interesse comercial ou institucional e estabelecem

    relaes com a mdia visando preservar sua imagem e reputao (2011, p.25). s

    vezes, essas fontes podem, aos olhos do pblico e at dos jornalistas , ser

    criticadas, uma vez que as empresas so, ao mesmo tempo, anunciantes e as

    notcias fornecidas por elas se confundiriam com propaganda.

    Em seguida, o autor cita as fontes institucionais, que, de acordo com ele,

    quem representa uma organizao sem fins lucrativos ou grupo social. Schmitz

    (2011, p.25) completa:

    Normalmente busca a mdia para sensibilizar e mobilizar seu grupo social ou a sociedade como um todo e o poder pblico, para defender uma causa social ou poltica, tendo os meios de comunicao como parceiros.

    A quarta classificao que citaremos aqui a das fontes especializadas. Para

    Schmitz (2011, p.26), trata-se de pessoa com notrio saber especfico ou

    organizao detentora de conhecimento reconhecido. Ele afirma que, normalmente,

    est relacionada a uma profisso, especialidade ou rea de atuao e tem a

    capacidade de analisar as possveis consequncias de determinadas aes ou

    acontecimentos (2011, p.26).

    Estas quatro classificaes so, a nosso ver, as mais importantes para o

    estudo, por tratarem dos tipos de fontes mais presentes na cobertura de economia e,

  • 36

    mais especificamente, na rotina de um veculo mais voltado ao pblico empresarial.

    Schmitz (2011) ainda cita outro tipo de fonte que consideramos importante

    apresentar, justamente por sua ausncia do noticirio econmico, que a fonte

    popular. Para o autor, trata-se de quem manifesta-se por si mesmo, geralmente,

    uma pessoa comum que no fala por uma organizao ou grupo social (2011,

    p.25). Enquanto cidado, busca visibilidade para reivindicar os seus direitos (2011,

    p.25).

    3.3 ENQUADRAMENTO, AGENDAMENTO E REPRESENTAES NA IMPRENSA

    O termo representao social e os estudos dessa rea nasceram a partir

    dos estudos do psiclogo social romeno e radicado na Frana Serge Moscovici

    (1978) e de sua releitura crtica feita sobre as noes de representao coletiva da

    teoria funcional de mile Durkheim. Na definio dele, a representao social se

    refere ao posicionamento e localizao da conscincia subjetiva nos espaos

    sociais, com o sentido de construir percepes por parte dos indivduos. Nesse

    contexto, conforme explica Alexandre (2001, p.112), as representaes de um

    objeto social passam por um processo de formao entendido como um

    encadeamento de fenmenos interativos, fruto dos processos sociais no cotidiano do

    mundo moderno.

    Dentro dessa temtica, Moscovici (1978) analisou processos por meio dos

    quais os indivduos elaboram explicaes sobre questes sociais e como isso, de

    alguma forma, relaciona-se com a difuso de mensagens pelos veculos de

    comunicao, dos comportamentos e organizao social. Segundo sua linha de

    raciocnio, o processo de comunicao11 no somente reflexo do tipo de relaes

    sociais que imperam em uma sociedade, sim um fenmeno bsico e universal de

    influncia recproca. A reciprocidade desse processo, inclusive, instvel, j que na

    medida em que os meios de comunicao de massa aprimoram seus canais de

    11

    Ao falar em comunicao e meios de comunicao, Moscovici se refere tanto imprensa quanto

    publicidade e outros tipos de canais difusores de produtos culturais. No entanto, para a proposta do

    trabalho, consideraremos apenas a imprensa e os veculos jornalsticos.

  • 37

    transmisso de informaes vide as redes sociais , fazem-se mais presentes na

    vida de seus pblicos, eventualmente, desequilibrando a balana.

    A influncia dos meios de comunicao ganha mais fora ainda a partir da

    concluso de Moscovici (1978) de que a formao das representaes sociais

    depende da qualidade e do tipo de informaes sobre o objeto social que o indivduo

    dispe. Logo, conforme afirmado anteriormente, a imprensa, integrada por um grupo

    de especialistas formadores que atribuem qualidade informao e,

    sobretudo, difusores de representaes sociais, responsvel pela estruturao de

    sistemas de comunicao que visam comunicar, difundir ou propagar determinadas

    representaes.

    O debate das representaes no jornalismo, embora amplo, apresenta

    controvrsia. Como Soares (2009, p.23) afirma, aceita-se com certa naturalidade a

    ideia de que um comercial de TV ou filme de fico contenha representaes

    construdas e tendenciais, contudo, seria mais complicado admitir essa inclinao

    quando se trata de uma reportagem, devido, segundo ele, suposio de um

    compromisso tico e profissional desse gnero em estabelecer uma relao

    referencial com a realidade (2009, p.23).

    Para analisar como informaes no mbito de uma notcia/reportagem ,

    pontualmente corretas e verificveis, podem ser selecionadas, valorizadas,

    destacadas, omitidas ou atenuadas, em relao a outras, de modo a produzirem

    representaes diferentes de uma mesma situao, diversos autores tm aplicado o

    conceito de enquadramento.

    Segundo Entman (1991), citado em Soares (2009), ao fornecerem, repetirem

    e, portanto, reforarem palavras e imagens que referenciam algumas ideias, mas

    no outras, os enquadramentos tornam certas ideias mais salientes no texto, outras

    menos e outras invisveis. As orientaes dos enquadramentos so difceis de

    detectar12, porque muitos artifcios podem parecer naturais, simples escolhas de

    palavras ou imagens.

    12

    Consideramos vlido, aqui, fazer uma ressalva. O autor, poca do estudo, no poderia prever a

    dinamizao que a internet e as redes sociais iriam trazer ao ambiente da comunicao. A

    reproduo massiva e repetitiva de informaes veiculadas pela imprensa nas mdias sociais facilitou

    a deteco dos enquadramentos sugeridos pelo autor. Hoje em dia, com a possibilidade ler e analisar

    as capas do mesmo dia de diversos jornais em poucos minutos na internet, por exemplo, permite,

  • 38

    A comparao com outros textos, no entanto, mostra que essas escolhas no

    so inevitveis, sendo, pelo contrrio, modos de definir e interpretar os eventos.

    Para o autor, por meio da repetio, focalizao e associaes reforadoras,

    palavras e imagens, o enquadramento torna uma interpretao bsica mais

    rapidamente discernvel e memorvel do que outras. Os fatores essenciais do

    enquadramento so a seleo dos aspectos de uma realidade percebida e a

    salincia dada a eles, promovendo, assim, uma definio da situao, uma

    interpretao causal, uma avaliao moral.

    Carragee & Roefs (2004), citados em Soares (2009), defendem que os

    enquadramentos expressam a distribuio do poder social e poltico, conectando-se

    dessa forma hegemonia ideolgica. Eles dominam o discurso a ponto de serem

    tidos como senso comum ou descries transparentes dos fatos, em vez de

    interpretaes. De acordo com eles, os enquadramentos so patrocinados por

    mltiplos atores sociais, incluindo polticos, organizaes e movimentos sociais, e as

    reportagens seriam como fruns para disputas entre enquadramentos concorrentes,

    nos quais atores polticos competiriam pela construo social da realidade, por meio

    de suas definies dos assuntos. No entanto, eles argumentam que os

    enquadramentos das elites so geralmente favorecidos, devido a seus recursos

    econmicos, centralizao da coleta de notcias em instituies e tendncia dos

    reprteres a atribuir maior credibilidade a fontes oficiais do que aos seus

    desafiadores.

    Outro conceito chave que vem sendo aplicado por autores para entender de

    que maneira a mdia, no caso o jornalismo, constri certas representaes o de

    agendamento, tambm chamado de agenda setting. Aqui, nos apoiaremos na

    definio de Barros Filho (2001, p.169) sobre agendamento, que considera se tratar

    de um tipo de efeito social da mdia. a hiptese segundo a qual a mdia, pela

    seleo, disposio e incidncia de suas notcias, vem determinar os temas sobre os

    quais o pblico falar e discutir. Shaw (1979, p.96), citado em Wolf (2005. p. 112),

    detalha o processo:

    inclusive ao pblico comum e no s estudiosos da comunicao , identificar-se artifcio para

    sobre ou subvalorizao de um acontecimento esto sendo empregados.

  • 39

    Em consequncia da ao dos jornais, da televiso e dos outros meios de informao, o pblico ciente ou ignora, d ateno ou descuida, enfatiza ou negligencia elementos especficos dos cenrios pblicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos prprios conhecimentos o que a mdia inclui ou exclui do prprio contedo. Alm disso, o pblico tende a conferir ao que ele inclui uma importncia que reflete de perto a nfase atribuda pelos meios de comunicao de massa aos acontecimentos, aos problemas, s pessoas.

    Em termos mais simples, podemos afirmar que, segundo esse conceito, a

    mdia diz sociedade sobre o que pensar e debater. Importante ressaltar que no

    estamos afirmando aqui que os meios de comunicao, segundo essa hiptese,

    orientam ao pblico como se posicionar e qual partido tomar em relao a um tema,

    mas apenas pautam os assuntos que compem a agenda de discusso.

    De acordo com Maxwell McCombs (2009), um dos pioneiros no estudo do

    agendamento, a influncia da mdia na formao de uma pauta de discusses

    provm, inclusive, de uma necessidade de orientao da sociedade contempornea,

    que pode ser definida em termos de duas variveis: relevncia e incerteza.

    Relevncia significa o sentimento de que um determinado assunto tem alguma

    importncia pessoal ou para o conjunto da sociedade. O nvel de incerteza exprime

    o desconhecimento de aspectos relacionados a um tpico e ocorre quando os

    leitores deparam com situaes novas.

    A necessidade de orientao, afirma o autor, ser baixa quando tanto a

    relevncia quanto o nvel de incerteza forem baixos. Quando a relevncia alta e a

    incerteza baixa, a necessidade de orientao ser moderada. Quando se

    combinam a alta relevncia do assunto e um alto grau de incerteza, tem-se uma alta

    necessidade de orientao. justamente nessas situaes de maior necessidade de

    orientao que se encontram os valores mais altos de correlao entre as agendas

    de leitores e dos jornais, ou seja, quando ocorre com mais intensidade o processo

    de agendamento.

    Vale aqui ressaltar que a agenda dos veculos de comunicao, que, segundo

    esse conceito, reflete-se na agenda de discusses do pblico, pautada, entre

    outros fatores, pelos critrios de noticiabilidade. Soares (2009, p.69), sobre isso,

    pondera que no caso do Brasil, em que se observa um carter conservador dos

    meios, pode-se conjeturar que o noticirio sobre determinados acontecimentos

  • 40

    possa ser expandido ou minimizado deliberadamente para atender a posies

    polticas ou interesses de grupos.

    justamente na unio dos processos de agendamento e enquadramento por

    parte dos meios de comunicao que est a formao das representaes que o

    pblico tem sobre certos temas, argumenta Soares (2009). As representaes dos

    meios noticiosos configuram-se, especialmente, como agendamento e

    enquadramento, ele resume (2009, p. 68). Em seguida, o autor conclui (2009, p. 69-

    70):

    Na combinao de agenda meditica e enquadramento, poderamos cogitar que os meios noticiosos formam um painel parcial da sociedade, geralmente super-representando temas de interesse de classe mdia, de onde provm os leitores e consumidores dos produtos anunciados nos meios, apresentando esses temas segundo certos enquadramentos. Temas de interesse das maiorias podem aparecer no noticirio, mas com menor frequncia, sendo geralmente motivados por acontecimentos pontuais (calamidades, acidentes, crise educacional ou sanitria) ou ento sob a forma de ameaas, como o crime, ocupaes de terras ou de instalaes, greves e outras aes. Por sua vez, estas ltimas podem ter sido planejadas exatamente com a finalidade de serem agendadas, revelando estratgias dos movimentos sociais para alcanarem visibilidade meditica.

    Em suma, o que buscamos apresentar nesta segunda parte do Captulo 3

    como a mdia forma as representaes. A influncia dos veculos jornalsticos se d

    a partir da constatao de as sociedades tornaram-se largamente dependentes

    desses meios para construrem sua imagem do mundo, para se posicionarem

    perante questes, para se orientarem.

    3.4 CONCEITUAO DO TRABALHADOR: DEFINIO E CENRIO

    Como j explicado na introduo do Captulo 3, a proposta desta parte do

    trabalho identificar quem o personagem do estudo aqui proposto, no caso, o

    trabalhador. De incio, vale apoiar-se na definio do Dicionrio Priberam da Lngua

    Portuguesa (PRIBERAM, 2008-2013), que considera trabalhador como todo aquele

    que realiza tarefas baseadas em contratos, com salrio acordado e direitos previstos

  • 41

    em lei. No caso, a conceituao refere-se ao trabalhador formal, excluindo, por

    exemplo, voluntrios, que atuam em instituies sem fins lucrativos, no sendo,

    portanto, assalariados. Neste estudo, no entanto, tambm consideramos ocupaes

    no remuneradas como parte do espectro de trabalhador.

    Feita essa definio, buscamos entender qual o papel do trabalhador no

    processo de produo capitalista13. Para tanto, nos apoiaremos em nomes do

    pensamento econmico clssico, desde Smith (1985) chegando at Marx (2013).

    Ambos os autores, assim como outros do mesmo perodo, buscavam

    entender como se dava a atribuio de valor a um produto e encontrar um fator

    comum que permitisse comprara esses valores. Embora a teorizao dessa questo

    tenha iniciado com Adam Smith, em a Riqueza das Naes (1985) obra que

    marca o incio do pensamento econmico como conhecemos hoje , no trabalho

    de Karl Marx que ele ganha mais profundidade.

    O autor alemo, em O Capital (2013), mostra que, dentro do processo de

    produo capitalista ampliada aquele que tem na essncia a busca do lucro por

    parte do capitalista, base do pensamento marxista , do trabalhador a

    contribuio mais fundamental. Para explicar como se d essa participao, Marx

    criou o conceito de sobreproduto social, que o resultado da atividade dos

    trabalhadores que apropriada pela classe capitalista. Trata-se do valor

    proporcionado pelo trabalho e que no recebe contra-valor, ou seja, que fornecido

    pelo proletrio para a classe burguesa e excede o capital adiantado na forma de

    salrio (2013).

    A partir do sobreproduto social, surge outro conceito fundamental para o

    pensamento terico de Marx, a mais-valia. Esta nada mais do que a forma

    monetria do sobreproduto social. A realizao da mais-valia que ocorrer

    quando o produto feito pelo trabalhador for vendido condio necessria para a

    acumulao do capital.

    13

    Definir a relevncia do trabalhador essencial, ao nosso ver, na medida em que no ltimo captulo

    deste trabalho procuraremos avaliar, entre outras coisas, qual o protagonismo do trabalhador nas

    matrias de jornalismo econmico rea que trata justamente das relaes e estruturas que tangem

    o processo de produo do capital.

  • 42

    Embora complexos, essas definies aprofundadas por Marx ajudam a

    responder questo sobre a existncia de um fator comum que permitisse comparar

    o valor entre diferentes produtos. Conforme a Teoria do Valor proposta pelo autor

    alemo, portanto, o nico elemento comum a todas as mercadorias e diretamente

    comparvel em termos quantitativos o trabalho necessrio para a sua produo

    (2013). O valor de troca de uma mercadoria, lo