responsabilidade objetiva do estado de indenizar acidentes de trÂnsito devido À mÁ conservaÇÃo...
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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE
INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ
CONSERVAÇÃO DA MALHA VIÁRIA DE SUA
RESPECTIVA JURISDIÇÃO
RENANN BRAGATTO GON
Orientador: Paulo José Santos Lindoso
Colatina, 27 de março de 2008
1
RENANN BRAGATTO GON
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE
INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ
CONSERVAÇÃO DA MALHA VIÁRIA DE SUA
RESPECTIVA JURISDIÇÃO
Monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Trânsito Gestão, Educação e Segurança –, como exigência para obtenção do grau de Pós-Graduado, sob a orientação do profº. Paulo José Santos Lindoso.
Colatina, 27 de março de 2008
2
Dedico este trabalho à Adma Bragatto Gon, a qual tenho o orgulho de dizer com todas as letras que é minha MÃE, pessoa esta que é a razão da minha vida.
3
À Deus, Aos meus pais, Antônio Gon e Adma Bragatto Gon, Ao meu avô Aldair Bragatto. Todos foram de suma importância durante esta etapa da minha vida. Ao professor Paulo José Santos Lindoso, que muito influiu na concretização deste trabalho.
4
“Bravo é o homem que enfrenta e teme as coisas certas, pelo motivo certo”.
Aristóteles
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 07
1 A RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................... 08
1.1 Evolução histórica ....................................................................... 08
1.2 Conceito de responsabilidade ................................................. 10
1.3 Conceito de responsabilidade civil ....................................... 11
1.4 Finalidade ........................................................................................ 12
1.5 Espécies de responsabilidade civil ....................................... 13
1.5.1 Responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa ........................... 14
1.5.2 Responsabilidade objetiva ou teoria do risco .............................. 16
1.6 Elementos da responsabilidade civil .................................... 16
1.6.1 Conduta ............................................................................................ 16
1.6.2 Dano ................................................................................................. 18
1.6.3 Nexo de causalidade ....................................................................... 19
1.6.4 Culpa ................................................................................................ 19
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............. 21
2.1 Evolução histórica da responsabilidade do estado ........ 21
2.2 Excludentes da responsabilidade do estado ..................... 24
6
2.3 Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do
estado ...................................................................................................... 25
3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE
DE CONDUTA OMISSIVA .......................................................... 26
3.1 A responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva
defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello ..................... 27
3.2 A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva
defendida pela doutrina e jurisprudência majoritárias .......... 29
3.3 Considerações sobre a natureza objetiva da responsabilidade
estatal por conduta omissiva ......................................................... 37
3.4 O princípio da legalidade e a conduta omissiva ............... 41
3.5 A falta do serviço e o código de defesa do consumidor ... 42
CONCLUSÃO .................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ................................................................................. 47
ANEXO
INTRODUÇÃO
7
A Doutrina e a Jurisprudência brasileiras ainda não se pacificaram acerca da
natureza da responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. A
divergência gira em torno do questionamento sobre a revogação tácita, do
artigo 15 do Código Civil de 1916 (sendo o artigo 43 do novo Código Civil),
frente ao artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988.
Sobre o assunto há duas posições, uma seguindo os argumentos de Celso
Antônio Bandeira de Mello, que defende que a responsabilidade do Estado por
conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base no artigo 15 do antigo
Código Civil, restando, portanto, como de natureza objetiva apenas as
condutas comissivas. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, este fundamento
está implícito na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de
regra expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as
pessoas, de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência das
regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o
dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio. A
outra posição defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a
conduta comissiva, como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma
do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Atualmente, essa divergência vem alcançando o Poder Judiciário, causando
um entrave no curso dos processos, em razão das discussões sobre qual a
natureza jurídica da responsabilidade do Estado por condutas omissivas que
geram danos ao cidadão pela má conservação da malha viária, seja ela
Municipal, Estadual ou Federal.
Para maior entendimento da responsabilidade do Estado por condutas
omissivas, devemos traçar preliminarmente algumas considerações sobre
responsabilidade civil privada e geral, pelo que as desenvolveremos nos itens
seguintes, posto que a responsabilidade do Estado é responsabilidade civil, à
qual são aplicados, todavia, princípios peculiares.
8
1 A RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 Evolução histórica
Nos primórdios da civilização humana, a responsabilidade civil fundava-se na
vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o
agressor, pela ofensa a um de seus componentes. Posteriormente ocorreu uma
evolução para uma reação individual, isto é, a vingança passou de coletiva
para privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, com
fundamento na Lei de Talião, ou seja, a reparação do mal pelo mal, que é
conhecida até hoje pela expressão “olho por olho, dente por dente”. Na
verdade, o princípio é da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal
injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade
primitiva reagia com violência. O poder público, neste caso, intervinha apenas
para ditar como e quando a vítima poderia ter o direito de retaliação,
produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou.
No Direito romano antigo prevaleceu a noção básica do delito, no qual a
vingança privada tornou-se o fator genético que pairava sob a idéia
predominante de responsabilidade.
Numa segunda etapa surgiu a idéia da composição voluntária, prevalecendo o
entendimento de que seria mais racional a reparação do dano por meio da
prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), do que cobrar a
pena de Talião. Após essa fase surgiu outra em que o Estado de modo muito
tímido, punia o ofensor como a fratura de ossos, bofetadas, golpes etc.
A evolução do tema, de qualquer forma só ocorreu com a Lex Aquilia,que é o
divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a
9princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio
jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito como uma figura
autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade
extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação
da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente
provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Funda-
se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão, denomina-
se também responsabilidade aquiliana essa modalidade. A Lex Aquilia foi um
plebiscito aprovado provavelmente no final do Século III ou início do Século II
a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento
de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus
bens. Os escravos, como eram considerados coisas, a lei também se aplicava
na hipótese de danos ou mortes deles. Punia-se por uma conduta que viesse a
ocasionar danos. A idéia de culpa é centralizada nesse intuito de reparação.
Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência,
imperícia ou pelo dolo.
A teoria da responsabilidade se concretizou por intermédio da doutrina,
principalmente a desenvolvida pelos juristas franceses Domat e Pothier,
responsáveis pelo Princípio da Responsabilidade Civil e que influenciou quase
todas as legislações que se fundaram na culpa.
Foram surgindo certos princípios gerais e a responsabilidade civil evoluiu sob o
prisma de seu fundamento, baseando-se o dever de reparar o dano não
somente quando houvesse culpa, esta denominada responsabilidade subjetiva,
com também Teoria do Risco, passando aquela a ser objetiva, sob a idéia de
que todo risco deve ser garantido, independente da existência de culpa ou dolo
do agente causador do dano.
A respeito, temos os comentários de Carlos Roberto Gonçalves:
10A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com a situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentm, ibi ônus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou risos)1.
Quanto à indenização, impera o princípio da responsabilidade patrimonial, ou
seja, o lesante responde com o seu patrimônio pelos prejuízos causados a
terceiros. Os direitos do lesado serão reparados até onde suportarem o
patrimônio do devedor, ensejando uma compensação pelo prejuízo sofrido.
No direito brasileiro existiram três fases distintas. Na primeira, as Ordenações
do Reino sustentavam-se no direito romano, aplicando-o como subsidiário do
direito pátrio, devido à chamada Lei da Boa Razão [Lei de 18 de Agosto de
1769]. A segunda fase encontrou-se no Código Criminal de 1830, que
preconizou a idéia de “satisfação”, ou seja, o ressarcimento do dano, o que é
usado até hoje. Já a terceira faze distinguiu a responsabilidade civil da penal,
concentrando a satisfação do prejuízo decorrente do delito na legislação civil.
1.2 Conceito de responsabilidade
A palavra “responsabilidade” originou-se do verbo latino respondere, que
consiste no fato de alguém se constituir garantidor de algo. Por sua vez, tal
verbo latino teve raízes na palavra spondeo, também de origem latina, que era
a fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos
verbais.
No seu conceito atual a palavra “responsabilidade” não nos auxilia, uma vez
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6.
11que seu significado original seria a “posição daquele que não executou o seu
dever”2. Juridicamente relevante seria a responsabilidade imposta àquele que,
com sua conduta comissiva ou omissiva, violou bem juridicamente protegido,
gerando para ele uma sanção.
De tal forma salientou Serpa Lopes:
A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada ou uma injúria pública, conforme natureza dos interesses afetados, se individuais ou coletivos3.
Desta forma, podemos afirmar que a responsabilidade pode se apresentar sob
vários aspectos, podendo ela ser de natureza civil, administrativa ou penal.
Ateremos, entretanto, somente à responsabilidade civil, que é o centro de
nosso estudo.
1.3 Conceito de responsabilidade civil
A responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo e em sentido
estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém se
encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente
dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas
e princípios que disciplinam o nascimento, o conteúdo e cumprimento de tal
obrigação. Em sentido estrito, designa o específico dever de indenizar nascido
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 12. ed. aum. Atual. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 7, p. 33.
12do fato lesivo imputável a determinada pessoal4.
A amplitude do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se ater
em uma só definição que seja, porque a doutrina tende a unir os conceitos
técnicos e a realidade concreta da obrigação de reparar os danos,
independentemente de serem identificadas à causalidade, à teoria subjetiva ou
à teoria objetiva. Há quem sustente, ainda, que a responsabilidade civil é parte
integrante do direito obrigacional, pois sempre visa a fazer com que o autor do
ato indenize a vítima pelos prejuízos a ela causados.
1.4 Finalidade
A responsabilidade civil tem por finalidade o restabelecimento do equilíbrio
violado pelo dano. Por isso, há em nosso ordenamento jurídico a
responsabilidade civil não só abrangida pela idéia do ato ilícito, mas também há
o ressarcimento de prejuízos em que não é cogitada a ilicitude da ação do
agente ou até da ocorrência do ato ilícito, o que se garante pela Teoria do
Risco, haja vista a idéia de reparação ser mais ampla do que meramente o ato
ilícito.
3 LOPES, Miguel de Serpa. Curso de direito civil. 8. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, v. 8, p. 550-551. 4 Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 531
131.5 Espécies de responsabilidade civil
A responsabilidade civil apresenta-se sob várias espécies. São elas:
1) Quanto ao seu fundamento:
a) Responsabilidade subjetiva: presente sempre o pressuposto culpa ou dolo.
Portanto, para sua caracterização devem estar presentes os seguintes
elementos: a conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta
e o dano;
b) Responsabilidade objetiva: nesta não há necessidade da prova da culpa,
bastando a existência do dano e do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a
ação do agente. A responsabilidade está inserida no risco assumido pelo
lesante, em razão de sua atividade.
A Responsabilidade objetiva, por ser a adotada para a responsabilização do
Estado, onde será exposta mais adiante detalhadamente.
2) Quanto ao seu fato gerador:
a) Responsabilidade contratual: é a responsabilidade proveniente de conduta
violadora de norma contratual;
b) Responsabilidade extracontratual ou aquiliana: é resultante da violação de
um dever geral de abstenção, de respeito aos direitos alheios legalmente
previstos.
3) Quanto ao agente:
a) Responsabilidade direta: é aquela proveniente de ato próprio responsável;
b) Responsabilidade indireta: provém de ato de terceiro, vinculando o agente
ou de fato animal ou coisa inanimada sob sua guarda.
141.5.1 Responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa
O fato é um pressuposto material da existência do direito, que resulta de uma
atividade humana ou da natureza, agindo sob o mundo exterior.
Os fatos podem se naturais ou jurídicos. Fato natural é um acontecimento
qualquer, abrangendo os fatos dependentes e não dependentes da conduta
humana, ou seja, que contam ou não com a participação do homem para sua
ocorrência. O fato jurídico é o acontecimento que marca o começo ou o término
de relações jurídicas, possibilitando a conservação, modificação ou extinção de
direitos.
Os fatos humanos, também chamados de atos jurídicos, são conceituados
como sendo todo comportamento apto a gerar efeitos jurídicos. Dentre eles, há
o ato jurídico lícito, ou, ato lícito, e os atos jurídicos ilícitos ou atos ilícitos.
O ato lícito é causa geradora de obrigação, como a declaração unilateral de
vontade e o contrato. O ato ilícito, a princípio, pressupõe culpa lato sensu do
agente, ou seja, a intenção do agente de prejudicar outrem, o prejuízo causado
por negligência, a violação de um direito, imprudência ou imperícia.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 159, assegurava que:
Art. 159. Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código (arts. 1.518 a 1532 e 1537 a 1553).
No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo, constante na
Parte Geral, Livro III, Título III [“Dos Atos Ilícitos”], e na Parte Especial, Livro I,
Título IX [“Da Responsabilidade Civil”]. Nesta nova redação, foram modificadas
e inseridas algumas palavras, com a finalidade de deixar mais clara a intenção
15do legislador, além de inserir o posicionamento jurisprudencial já pacífico de
que haverá responsabilidade por dano moral independente da existência
cumulativa de dano material [art. 186], bem como o abuso do direito como ato
ilícito [art. 187] e o conceito de responsabilidade objetiva [parágrafo único do
art. 927].
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete o ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obriga a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A imputabilidade da conduta do agente, em face do citado art. 159 do antigo
Código Civil e art. 186 c.c. 927, caput, do novo Código, sobressalta como
elemento subjetivo do ato ilícito. Da mesma forma, se o ato do agente não for
voluntário, seja por ação, seja por omissão, ou, ainda, se o evento danoso é
proveniente de caso fortuito, força maior ou de outra causa de exclusão de
responsabilidade, excluída está a responsabilidade5.
Desta forma, como podemos observar, no direito brasileiro a responsabilidade
civil comum não se desviou do princípio fundamental da culpa, pois o art. 159
do antigo Código Civil, bem como art. 186 c.c. 927, caput,do novo Código Civil,
disciplinam que a vítima que sofreu um dano tem direito a sua reparação, e,
portanto, o ofensor tem o dever de repará-lo. O dever de reparação só
prosperará se a culpa for extraída da conduta danosa.
Diante do exposto, sobressaem os seguintes elementos da responsabilidade
civil subjetiva: a conduta; o dano; a culpa e; o nexo de causalidade entre a
conduta e o dano.
161.5.2 Responsabilidade objetiva ou teoria do risco
Esta responsabilidade, por sua vez, elimina de seu conceito o elemento culpa,
ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes a
conduta, o dano e o nexo de causalidade entre os mesmos.
A evolução que a teoria objetiva provocou se deu pelo fato da vítima obter uma
maior facilitação da ação em concreto na reparação do dano, gerando aos
infratores a obrigação de indenizar por acidentes provenientes de suas
atividades, quando que na teoria subjetiva, o agente precisa salientar a culpa
dentro da idéia de desvio de conduta.
A prova acaba sendo de difícil constatação, criando grandes óbices à vítima,
que quase sempre acabava arcando com todos os ônus da prova. Com a
técnica da presunção de culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, em
razão da condição menos favorável da vítima.
1.6 Elementos da responsabilidade civil
1.6.1 Conduta
Tanto objetiva com subjetiva, a responsabilidade civil, deverá sempre conter
como seu elemento essencial uma conduta.
5 Vide art. 188 do novo Código Civil
17Maria Helena Diniz assim a conceitua:
Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado6.
Sílvio Rodrigues, por outro lado, somente considera como pressuposto da
responsabilidade a ocorrência de um ato ilícito7, diferentemente de Maria
Helena Diniz que engloba em seu conceito também os atos lícitos. Para aquele
autor, seria pressuposto a ação ou omissão do agente, que “decorre sempre de
uma atitude, quer ativa, quer passiva, e que vai causar dano a terceiro. A
atitude ativa consiste em geral no ato doloso ou imprudente, enquanto a
passiva, via de regra, se retrata através da negligência. [...] A omissão só
ocorre quando o agente, tendo o dever de agir de determinada maneira, deixa
de faze-lo”8.
Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano,
comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma conduta humana
exclui os eventos da natureza; voluntário quer dizer no sentido de ser
controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí,
os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe
atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser
livre para determinar-se.
6 Op. Cit. nota 2, p.37 7 Op. Cit. nota 2, p.302
181.6.2 Dano
O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da
responsabilidade civil, presente em ambas as teorias anteriormente citadas.
Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de
valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa [moral ou
física] aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de
ressarcimento, mas sim o injusto.
Para o dano se passível de indenização há a necessidade de apuração de
alguns requisitos: atualidade, certeza e subsistência. O dano atual é aquele
que efetivamente já ocorreu. O certo é aquele fundado em um fato certo, e não
baseado em hipóteses. A subsistência consiste em dizer que não será
ressarcível o dano que já tenha sido reparado pelo responsável.
O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o
patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens
materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes [o que a
vítima efetivamente perdeu] e os lucros cessantes [o que a vítima efetivamente
deixou de ganhar], conforme normatizado no art. 1059 do antigo Código Civil,
sendo referenciado no art. 402 do novo Código Civil. Já o dano moral
corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade
[ex.: imagem, honra, etc.].
O dano também pode ser reflexo ou em ricochete, correspondendo ao fato de
uma pessoa sofrer, por reflexo, um dano, que primeiramente foi causado a
outrem, p. ex.: separanda que deixa de receber pensão alimentícia em razão
da superveniente incapacidade física do ex-marido, esta decorrente de
acidente de trânsito, por más condições da rodovia.
8 SAVATIER, René apud AMARAL, Francisco, op. cit. nota 5, p.525. No mesmo sentido RODRIGUES, Sílvio, op. cit. nota 3, p. 305; DINIZ, Maria Helena, op. cit. nota 2, p. 39.
191.6.3 Nexo de causalidade
O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta
praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir
várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando
as concausas são simultâneas ou concomitantes a questão resolve-se com a
regra do art.1518 do antigo Código Civil, regra também presente no novo
Código, em seu art. 942, que estipula a responsabilidade solidária de todos
aqueles que concorram para o resultado danoso.
Importante também salientar que a coincidência não implica em causalidade.
1.6.4 Culpa
Para a responsabilização civil, a culpa, é tomada pelo seu vocábulo lato sensu,
abrangendo, assim, também o dolo, ou seja, todas as espécies de
comportamentos contrários ao direito, sejam intencionais ou não, mas sempre
imputáveis ao causador do dano.
Apesar de o legislador não os definir, podemos dizer que a culpa strictu sensu
seria a violação de um dever, legal ou contratual, por imprudência, negligência
ou imperícia; e o dolo seria a violação de tais deveres intencionalmente,
buscando o resultado que aquele ato irá causar ou, ainda, assumindo o risco
de produzi-lo.
A culpa estaria presente somente nas responsabilizações civis decorrentes de
atos ilícitos, segundo a orientação adotada pelo Código Civil pátrio, uma vez
20que as responsabilidades provenientes de atos ilícitos não exigem tal
pressuposto.
Francisco Amaral, reportando-se a René Savatier, traz como pressupostos da
culpa:
a) um dever violado [elemento objetivo]; b) culpabilidade ou imputabilidade do agente [elemento subjetivo]. Acrescenta, ainda, que este último se desdobra em dois elementos: a) possibilidade, para o agente, de conhecer o dever [discernimento]; b) possibilidade de observá-lo [previsibilidade e evitabilidade do ato ilícito]9.
9 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530.
21
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
No ordenamento jurídico brasileiro já é pacífico o entendimento de que o
Estado possa causar prejuízos aos seus administrados, através de
comportamentos lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, resultando-lhe a
obrigação de reparar tais danos.
A responsabilidade do Estado obedece a um regime próprio, compatível com
sua situação jurídica, pois potencialmente tem o condão de proporcionar
prejuízos enormes. Ademais, os administrados não têm poderes para diminuir
a atuação do Estado, no âmbito de seus direitos individuais.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade do Estado está
implícita na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de regra
expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as pessoas,
sendo elas de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência
das regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o
dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio.
Já, Hely Lopes Meireles utiliza o termo “responsabilidade da administração”,
pois entende que o dever de indenizar se impõe à Fazenda Pública10.
2.1 Evolução histórica da responsabilidade do estado
Constituição Política do Império do Brasil de 1824:
Art. 179, 29 – Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos
abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não
22fazerem efetivamente responsáveis aos infratores.
Constituição Federal de 1891:
Art. 82 – Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.
Constituição Federal de 1934:
Art. 171 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. § 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público.
Constituição Federal de 1937:
Art. 158 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a
Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes
de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos.
Constituição Federal de 1946:
Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem
a terceiros.
Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários
causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
10 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530.
23Constituição Federal de 1967/1969:
Art. 105 – As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que
os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único – Caberá ação regressiva contra funcionário responsável, nos
casos de culpa ou dolo.
Constituição Federal de 1988:
Art. 37, § 6° - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Verifica-se que a evolução foi tanta que antigamente (1824 e 1891), os
funcionários públicos eram direta e exclusivamente responsáveis por prejuízos
decorrentes de omissão ou abuso no exercício de seus cargos. A partir da
Constituição de 1967 houve um alargamento na responsabilização das
pessoas jurídicas de direito público por atos de seus servidores, devido a
supressão da palavra interno, passando a abranger tanto as entidades políticas
nacionais, como as estrangeiras. Esse alargamento acentuou-se na atual
Constituição de 1988, que passou a estender a responsabilidade civil objetiva
às pessoas de direito privado, prestadoras de serviços públicos. O que
submete essas empresas ao regime da responsabilidade objetiva, prevista no
Texto Magno, não é a natureza do capital, público, privado ou misto, mas, o
fato de executar o serviço público.
242.2 Excludentes da responsabilidade do estado
O Estado exclui-se da responsabilidade quando, este, não age com culpa ou
dolo; se o dano fosse inevitável em razão de força maior (RTJ, 78:243; RT,
375:319, 571:238, 572:66) ou estado de necessidade, se houvesse culpa da
vítima (RTJ, 91:377; RT, 434:94, 522:77) ou de terceiro.
Já se decidiu que a força maior (fato da natureza), em regra, é causa
excludente de responsabilidade, mas o mesmo não se poderá dizer do caso
fortuito. Para que a força maior seja excludente da responsabilidade civil do
Estado exige-se que seja comprovadamente irresistível, inevitável e
imprevisível para que fique bem caracterizada a inimputabilidade da entidade
pública. Igualmente o Estado não responderá quando, ao atuar por estado de
necessidade, causar danos, ante a preponderância, nesse caso, de interesses
gerais públicos sobre conveniências, bens ou direitos dos particulares. Não
haverá responsabilidade civil estatal se houver culpa da vítima concorrendo
unicamente para o dano contra si produzido, mas para tanto ao Estado
compete a prova da concorrência da ação culposa do lesado. Assim sendo, se
a culpa não for exclusiva da vítima devido ao fato do funcionário também ter
concorrido para o evento lesivo, o Estado responderá apenas pela metade dos
prejuízos havidos. O Estado ficará isento de responsabilidade se houver ação
direta de terceiro, interferindo danosamente na relação jurídica entre particular
e o poder público e se for comprovado que este último não concorreu para a
existência do dano.
252.3 Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do
estado
A responsabilidade civil do Estado poderá ser proveniente de duas situações
distintas, a saber: a) de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no
sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta
omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento
danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas
modalidades em que o serviço não funcionou, ou ainda, pela atividade que se
cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello há várias hipóteses de comportamento
estatal comissivo, que lesa juridicamente terceiros; são eles: a)
comportamentos lícitos: a.1) atos jurídicos; a.2) atos materiais; b)
comportamentos ilícitos: b.1) atos jurídicos, ex.: a decisão de apreender, fora
do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos
materiais, ex.: o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões
definitivas11.
Pelos arts. 43 do novo Código Civil; art. 90, parágrafo 1º, do Código Nacional
de Trânsito e art. 37 § 6º, da Constituição Federal, a responsabilidade civil do
Estado é objetiva por comportamentos comissivos ou omissivos de seus
funcionários que causem lesão ao administrado.
11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 623-624.
26
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA
O Estado poderá causar danos aos administrados por ação ou omissão.
Porém, nos casos de conduta omissiva, há entendimentos diversos no sentido
de que esta não constitui fato gerador da responsabilidade civil do Estado, visto
que nem toda conduta omissiva retrata uma falha do Estado em cumprir um
dever legal.
Seria o Estado responsável civilmente quando este somente se omitir diante do
dever legal de obstar a ocorrência do dano, ou seja, sempre quando o
comportamento do órgão estatal ficar abaixo do padrão normal que se costuma
exigir. Desta forma, pode-se afirmar que a responsabilidade estatal por ato
omissivo é sempre decorrente de ato ilícito, porque havia um dever de agir
imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado.
Para ser apurada a responsabilidade do Estado por conduta omissiva deve-se
indagar qual dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso, isto é, qual
fato gerou decisivamente o dano e quem estava obrigado a evitá-lo. Desta
forma, o Estado responderá não pelo fato que diretamente gerou o dano, ex.:
enchente, mas sim por ele não ter praticado conduta suficientemente adequada
para evitar o dano ou minimizar o seu resultado, quando o fato for notório ou
perfeitamente previsível.
Primeiramente, importante ressaltar que até a Constituição de 1946, para a
responsabilização do Estado era aplicada a regra do artigo 15 do Código Civil
de 1916, numa primeira fase, regida por princípios privatístico e, em outra, por
princípios publicísticos, fundados na “falta do serviço”.
A partir da Constituição Federal de 1946, adotou-se no nosso ordenamento
jurídico a Teoria da Responsabilidade Objetiva, para a responsabilização do
Estado.
27Não se têm dúvidas quanto ao cabimento da aplicação desta teoria objetiva na
responsabilidade decorrente de condutas comissivas, porém diferentemente
ocorre com relação às condutas omissivas, pois surgiu na doutrina e na
jurisprudência brasileira uma polêmica discussão a respeito de seu cabimento,
nos casos de responsabilização decorrente de conduta omissiva estatal.
A respeito, surgiram duas posições, uma que segue os argumentos de Celso
Antônio Bandeira de Mello, que defende a teoria da responsabilidade subjetiva,
cuja base legal era a aplicação do art. 15 do antigo Código Civil12; e outra,
sustentada pela maioria dos autores, que defende a teoria responsabilidade
objetiva, aplicando-se, o art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
3.1 A responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva
defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello
O doutrinador argumenta que a palavra “causarem” do art. 37, parágrafo 6º da
Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos,
afirmando que estes últimos somente “condicionam” o evento danoso. No caso
de dano causado por comportamento comissivo de “funcionário”, isto é,
concessionário, delegado de função pública, gestor de negócios públicos,
requisitado ou qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que eventual,
episódica ou transitoriamente, ou por fato da coisa administrativa ou que se
encontre sob custódia do Estado (p. ex.: semáforo defeituoso, que causa
colisão de veículos, sem que o serviço tenha funcionado mal, pois aquele
defeito se deu, p. ex.: por caso fortuito), a responsabilidade do Estado é
objetiva. Há, portanto, uma relação causal entre o dano e seu produtor, pois o
12 Artigo 15 do Código Civil: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a
28preceito constitucional fala em prejuízo causado pelo agente público.
Comentando o supracitado artigo constitucional, ensina:
De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado13.(grifo nosso)
Para a doutrinadora Maria Helena Diniz a teoria subjetiva deverá se aplicada
aos casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, haja vista ter-
se a necessidade de ser avaliada a culpa ou o dolo. Para Maria Helena Diniz, o
artigo 15 do antigo Código Civil foi modificado somente em parte pelo artigo 37,
parágrafo 6º, da Constituição Federal14.
A ilustre doutrinadora Odília Ferreira da Luz, concordando com os
ensinamentos acima, entende que:
Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao administrado)15.
Entre estes juristas também estão Caio Tácito, Themístocles Brandão
Cavalcanti e Aguiar Dias. O próprio Aguiar Dias, embora manifeste sua
preferência pela responsabilidade objetiva, admite que predomina a teoria
terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”. 13 Op. cit. Nota 17, p.673. 14 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 31. 15 Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 298.
29subjetiva quando da falta de serviço16.
Neste sentido, os tribunais brasileiros concederam as seguintes decisões:
Responsabilidade civil do poder público – revolta da população – bomba – culpa – Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato (TJ RJ, Ap. 4545/90 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pestana de Aguiar – julg.19.3.91).
Prestação de serviço de saúde mantido em hospital municipal – Necessidade
da comprovação da ocorrência de comissão ou omissão decorrente de
imprudência, negligência ou imperícia quer por parte do médico, quer por parte
da pessoa jurídica de direito público (TJSP, RT 775/247).
3.2 A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva
defendida pela doutrina e jurisprudência majoritárias
A responsabilidade civil do Estado, por atos comissivos ou omissivos de seus
agentes, é de natureza objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa.
Neste particular, houve uma evolução da responsabilidade civilística, que não
prescinde da culpa subjetiva do agente, para a responsabilidade pública, isto é,
responsabilidade objetiva. Esta teoria é a única compatível com a posição do
Poder Público ante os seus administrados, pois, o Estado dispõe de uma força
infinitamente maior que o particular. Aquele, além de privilégios e prerrogativas
que o cidadão não possui, dispõe de toda uma infra-estrutura material e
pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam
16 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense,
30atuar na apuração da verdade processual. Se o cidadão fosse colocado em
posição de igualdade com o Estado, em uma relação jurídica processual,
evidentemente, haveria um desequilíbrio de tal ordem que comprometeria a
correta distribuição da justiça.
A doutrina da responsabilidade objetiva do Estado comporta exame sob o
ângulo de três teorias objetivas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do
risco administrativa e a teoria do risco integral, conforme preleciona Hely Lopes
Meirelles17.
Pela teoria da culpa administrativa a obrigação de o Estado indenizar decorre
ausência objetiva do serviço público em si. Não se trata de culpa do agente
público, mas de culpa especial do Poder Público, caracterizada pela falta de
serviço público. Cabe à vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau
funcionamento ou seu retardamento. Representa o estágio de transição entre a
doutrina da responsabilidade civilística e a tese objetiva do risco administrativo.
Pela teoria do risco administrativo basta tão só o ato lesivo e injusto imputável
à Administração Pública. Não se indaga da culpa do Poder Público mesmo
porque ela é inferida do ato lesivo da Administração. Basta a comprovação pela
vítima, do fato danoso e injusto decorrente de ação ou omissão do agente
público.
Essa teoria, como o próprio nome indica, é fundada no risco que o Estado gera
para os administrados no cumprimento de suas finalidades que, em última
análise, resume-se na obtenção do bem comum. Alguns membros da
sociedade atingidos pela Administração Pública, no desempenho regular de
suas funções, são ressarcidos pelo regime da despesa pública, isto é, a
sociedade como um todo concorre para realização daquela despesa,
representada pelo pagamento de tributos. Daí porque, pode-se afirmar, o risco
e a solidariedade fundamentam essa doutrina, que vem sendo prestigiada,
entre nós, desde a Carta Política de 1946. Ela se assenta exatamente na
1979, p. 664.
31substituição da responsabilidade individual do agente público pela
responsabilidade genérica da Administração Pública. Cumpre lembrar,
entretanto, que a dispensa de comprovação de culpa da Administração pelo
administrado não quer dizer que o Poder Público esteja proibido de provar a
culpa parcial ou total da vítima para excluir ou atenuar a indenização.
Pela teoria do risco integral a Administração responde invariavelmente pelo
dano suportado por terceiro, ainda que decorrente de culpa exclusiva deste, ou,
até mesmo dolo. É a exacerbação da teoria do risco administrativo que conduz
ao abuso e à iniqüidade social, como bem lembrado por Hely Lopes Meirelles
na obra retro citada.
Essa teoria jamais vincou na doutrina e na jurisprudência e por isso mesmo
nunca foi acolhida pelas diferentes Cartas Políticas de nosso país.
Odete Medauar entende que a responsabilidade do Estado, fundamentada na
Teoria do Risco Administrativo, apresenta-se, hoje, na maioria dos
ordenamentos jurídicos, regida pela Teoria da Responsabilidade Objetiva.
Entende, ainda, que a adoção da responsabilidade objetiva do Estado traz, por
conseguinte, o sentido de igualdade de todos ante os ônus e encargos deste e
o próprio sentido de justiça. Acrescenta que como nem sempre é possível
identificar o agente causador do dano , nem demonstrar o dolo ou culpa,
melhor se assegurarem direitos da vítima através da aplicação da
responsabilidade objetiva ao Estado.
Quanto ao preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos públicos,
também denominado “solidariedade”, ensina: “Se, em tese, todos se
beneficiam das atividades da Administração, todos [representados pelo Estado]
devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam
a alguém”18.
José de Aguiar Dias, também adepto da responsabilidade objetiva, ao expor o
17 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530. 18 Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 430.
32seu entendimento sobre o termo da causa, assim preceituou:
Só é causa aquele fato a que o dano se liga com força de necessidade. Se numa sucessão de fatos, mesmo culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que excluiu a polêmica sobre a mais apropriada adjetivação. Se ao contrário, todos ou alguns contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas19.
Desta forma, conclui Aguiar Dias que a inércia do Estado empenha
responsabilidade civil a este e a conseqüente obrigação de reparar
integralmente (grife nosso) o dano causado, na forma do artigo 37, parágrafo
6º, da Constituição Federal; portanto, a responsabilidade é objetiva.
Hely Lopes Meirelles, da mesma forma, defende a tese da responsabilidade
objetiva, dispondo que esta se fundamenta no risco proveniente de sua ação
ou omissão, que visam à consecução de seus fins20.
Yssef Said Cahali também é no sentido de que o artigo constitucional acolhe,
sob o manto da responsabilidade objetiva, tanto a conduta omissiva quanto a
comissiva21.
Weida Zancaner Brunini preleciona que a teoria objetiva é aplicada na
responsabilidade do Estado. Porém, a teoria subjetiva ainda permanece na
relação Estado-funcionário, quanto ao direito de regresso do Estado contra
seu agente pois condicionada está a culpabilidade deste.
A jurisprudência pátria é majoritária no sentido de que a responsabilidade do
Estado por conduta omissiva é objetiva. Com efeito, os julgados abaixo
denotam o exposto:
19 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 664. 20 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530. 21 Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 40.
33MUNICÍPIO – Responsabilidade civil do Estado. Acidente de trânsito. Culpa do
motorista de caminhão da prefeitura. Responsabilidade de caráter objetivo.
Procedência.
Ementa oficial: Reexame necessário. Responsabilidade civil. Acidente
rodoviário. Culpa do funcionário. Responsabilidade objetiva do município.
Improvimento.
O município responde objetivamente pelos atos de seus agentes, que nessa
qualidade, causarem danos a terceiros (Constituição Federal, art. 37,§ 6º).
Trata-se de reexame necessário em face da sentença que julgou procedente a
ação de indenização proposta por A.S. contra o Município de Guairá.
Pediu-se, na inicial, a reparação dos danos materiais, inclusive lucros
cessantes, decorrentes da colisão envolvendo o veículo do autor e outro do
ente de direito público. Argumentou-se, a tanto, que o fato ocorreu na BR-163 e
que a culpa teria sido exclusiva de J. de A., motorista do caminhão do
município, que, ao forçar uma ultrapassagem, acabou por provocar o fato.
Na sentença o juiz deu parcial procedência à ação, reconhecendo a
responsabilidade objetiva do município. E condenou-o a reparar os danos
materiais, excluído o ressarcimento pelos lucros cessantes, à falta de
comprovação.
Dessa decisão não sobreveio recurso voluntário.
Neste Tribunal a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo improvimento da
remessa.
Da prova dos autos resultou induvidoso que a causa primária do notificado
evento foi imprudência do motorista do município. Invadiu ele a pista contrária,
colidindo com o veículo do autor. E é certo que seguia este em sua mão de
direção. Isso é o que se deduz do boletim de ocorrência elaborado pela Polícia
Rodoviária e do dito testemunhal.
34Assim, comprovada a culpa do preposto do município, incumbe a este o dever
de reparar os danos. Entanto, mesmo que assim não fosse, vale dizer, que se
a não comprovasse, a sorte da demanda não mudaria. È que a
responsabilidade do ente de direito público, em casos que tais, é objetiva. O
ressarcimento se impõe, uma vez demonstrado o dano sofrido pelo cidadão, a
atuação do agente público e o nexo causal entre ambos.
Nesse sentido é paradigmática a lição de Hely Lopes Meirelles. O saudoso
mestre deixou claro que “para obter a indenização basta que o lesado acione a
Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o ato lesivo (comissivo ou
omissivo) e o dano, bem como seu montante”. Comprovados esses dois
elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se da
obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com
culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade
da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a
culpa da vítima, ficará excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se
parcial, reparte-se o quantum da indenização (Direito Administrativo Brasileiro,
16ª ed., Revista dos Tribunais, 1991, pp. 555-556).
Ademais disso, como bem salientou o Procurador da Justiça, o demandado
não impugnou especificamente os fatos alegados pelo autor. A contestação
genérica, decorrente da negativa geral, não podia ser exercida nem lhe
beneficiar, por estar fora das hipóteses do art. 302, parágrafo único, da lei
processual.
Em assim sendo, a solução que a causa comportava outra não era que aquela
adotada em primeiro grau, impondo-se, destarte, da remessa o improvimento.
Pelo exposto, acordam os juízes integrantes da 7ª Câmara Cível do Tribunal de
Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento
à remessa necessária.
Curitiba, 16 de agosto de 1993 – J. Vidal Coelho, presidente e relator. (RNec
58.801-4, PJ 43/215).
35Responsabilidade civil do estado – má execução dos serviços públicos – risco
administrativo – dano e nexo de causalidade. A responsabilidade civil das
pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no
risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa particular, para o
fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em
síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa
(comissiva ou omissiva); c) do nexo de causalidade entre o dano e a ação
administrativa. O Município tem, por obrigação, manter em condições de
regular uso e sem oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à
comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiério –
apud COAD 75286).
Indenização – acidente de trânsito – sinistro ocasionado pela falta de serviço
na conservação de estrada. Ausência de prova de culpa do particular, bem
como de evento tipificador de força maior – Comprovação do nexo de
causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação
da teoria do risco administrativo, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição
Federal (TJMG, RT 777/365).
Responsabilidade civil do estado – Acidente de trânsito. Evento causado por
buraco na pista, não reparado e nem devidamente sinalizado pelo município.
Defeito que se tornou imperceptível com chuva e neblina. Indenizatória
procedente.
O M.M. Juiz considerou que a sinalização fora precária e falta de provas do
alegado excesso de velocidade, julgou procedente o pedido, condenando o
Município de Quedas do Iguaçu ao pagamento dos danos, das custas e
honorários advocatícios.
Presidiu o julgamento o Juiz Fernando Pupo e dele participaram os Juízes
Sena Rebouças (com vista) e Rodrigues de Carvalho.
São Paulo, 1º de abril de 1992.
RIBEIRO DE SOUZA, Relator.
36Responsabilidade civil do estado – Acidente de trânsito. Colisão em
cruzamento sinalizado. Defeito do semáforo, indicando sinal verde para ambas
as direções. Responsabilidade objetiva do Município, independente de culpa.
Risco administrativo. Prova testemunhal. Procedência. CF, art. 37, § 6º.
Incide, pois, a responsabilidade do município pelo mau funcionamento do
serviço, que tem o dever de indenizar determinado em dispositivo
constitucional, qual seja o art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Ainda, a título de reforço, transcrevo acórdão deste Tribunal lavrado pelo
eminente Juiz Trotta Telles, de nº 500, 1ª Câmara Cível:
Responsabilidade civil. Colisão de automóveis, em cruzamento urbano sinalizado. Semáforo defeituoso. Estando o sinal verde para ambas as vias do cruzamento, a causa da colisão de automóveis nele ocorrida é atribuível à deficiência de sinalização, respondendo, desarte, o Município, pelos danos respectivos...
Ante o exposto, acordam os juízes da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada
do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos
recursos necessários e voluntário, mantendo, na íntegra, a bem-lançada
sentença de primeiro grau.
Curitiba, 7 de dezembro de 1993 – Ivan Bortoleto, presidente e relator. (ApCv e
RNec 60.817-3, PJ 44/232).
Responsabilidade civil do poder público – buraco na rua – acidente –
inocorrência.
Sendo incumbência das prefeituras conservar as vias públicas, respondem
elas, em princípio, pelos prejuízos que terceiros tiverem em razão da
inobservância desse dever. Todavia, não se pode responsabilizar a edilidade
quando a culpa do acidente se deve a motorista desatento e imperito que não é
capaz de desviar de uma pequena depressão na via pública. (TA Civ.-RJ – Ac.
unân. da 1ª Câm. reg. Em 16/06/03 – Ap. 4.468 – Rel. Juiz Mauro Fonseca
37Pinto Nogueira – Município de Barra Mansa vs. José Garcia da Silva).
Acidente de trânsito – responsabilidade civil – estado.
Ocorrido o acidente por falta exclusiva do serviço público, que mantinha pista
defeituosa e sem sinalização adequada, responde a autarquia desse mister
administrativo pelos prejuízos causados. (Ap. 350.912, 27/12/85, 7ª C 1º
TACSP, Rel. Juiz MARCUS ANDRADE, in RT 606-133)
Por esses entendimentos, podemos concluir que o comportamento omissivo do
Estado deve ser considerado como causa do dano, e não simples condição
deste. Portanto, o artigo 37, § 6º da Constituição Federal contempla, além da
responsabilidade por atos comissivos, aquela decorrente da conduta omissiva.
Desta forma, o Estado responde, objetivamente, sempre que demonstrado o
nexo de causalidade entre o dano e a atividade funcional do agente estatal, só
podendo haver discussão sobre culpa ou dolo na ação regressiva do Estado
contra o agente causador do dano, acrescentando mais uma vez que não é
somente a ação, mas também a omissão, que pode causar dano suscetível de
reparação por parte do Estado.
3.3 Considerações sobre a natureza objetiva da
responsabilidade estatal por conduta omissiva
A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, não diferenciou a conduta
comissiva da conduta omissiva, quando perfeitamente poderia fazê-lo. Assim o
vocábulo “causarem”, do aludido dispositivo, deve ser lido como “causarem por
ação ou omissão”.
A responsabilidade objetiva já vinha consagrada no direito brasileiro desde a
38Constituição Federal de 1946, em seu artigo 19422. Por que, então o legislador
constitucional, ao invés de avançar, preferiu recuar, distinguindo as duas
condutas? Qual o fundamento, legal e político, para a distinção?
É possível notar que no que concerne ao agente estatal causador do dano o
constituinte avançou substituindo a palavra funcionário por agente, que se
tornou muito mais abrangente. A responsabilidade também foi estendida para
os particulares prestadores de serviço público. Ora, por que, então, no que
tange à conduta do agente, aquele teria recuado quase um século, para, a par
da responsabilidade objetiva, fixada para a conduta comissiva, instituir a
responsabilidade subjetiva em caso de conduta omissiva?
O que se pretendeu com toda a evolução da responsabilidade do Estado foi
exatamente evitar que o lesado tivesse de provar a culpa do agente, que nem
sempre e quase nunca foi um exercício fácil. Por que o legislador, cônscio
dessa evolução, teria voltada à traz? Especialmente quando ele mesmo,
legislador constitucional, previu a responsabilidade objetiva, com o mesmo
desiderato, para questões relacionadas ao meio ambiente e com os direitos do
consumidor? Implica, tal conclusão, num contra senso. Até porque, na
omissão, em regra, é muito mais difícil a prova da culpa.
Em qualquer caso de responsabilidade do Estado, seja por conduta omissiva,
seja por conduta comissiva, há vários elementos que devem ocupar o cenário:
o dano; a conduta estatal e o nexo de causalidade. Outros, ainda, poderão ter
lugar na discussão: a presença de circunstâncias excludentes; o fato de o dano
não ser especial ou normal; a inexistência de agir etc.
Assim, não se pode falar que na responsabilidade decorrente de conduta
comissiva analisa-se a questão pelo lado do lesado, quando, em se tratando da
conduta omissiva, essa análise estaria centrada no lado da Administração. Em
ambos os casos, vários fatores entram em linha de conta, sem preponderância
22 MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit. nota 14, p. 534; e CRETEA JUNIOR, José. Direoto administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 684, entendem que o art. 194 da Constituição Federal de 1946 revogou o art. 15 do antigo Código Civil, já que com ele incompatível.
39de qualquer deles. Em ambos, será de fundamental importância, por exemplo,
a imputação do dano à conduta estatal [comissiva ou omissiva] e sua
qualificação [especial e anormal], bem como o fato de que o sujeito lesado não
está obrigado a suportá-lo.
Ocorre que em todos os casos em que o Estado é chamado a ressarcir
prejuízos decorrentes de conduta omissiva, bem assim nas comissivas, poderá
ele defender-se demonstrando a presença de quaisquer circunstâncias
excludentes de responsabilidade. Poderá, ainda, demonstrar que o dano não é
especial nem anormal ou que não tinha dever de agir. Este largo espectro de
defesas leva à conclusão de que mesmo que se aplique, em todos os caso a
teoria do risco administrativo e, portanto, a responsabilidade objetiva, o Estado
não estará sendo erigido à condição de segurador universal. Ademais, se o
Estado se omite no seu dever de agir conforme os padrões médios de
exigência da população, assim causando lesões ao patrimônio das pessoas,
melhor seria mesmo que fosse exigido tal condição. Não é este, conduto, o
caso.
Em percuciente voto, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Celso de
Mello já teve o ensejo de aclarar a situação23.
Odete Medauar é quem está com a razão, argumentando, em preciosa síntese:
23 “A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indeniza-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do dano, b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo [ação] ou negativo [omissão] do agente público, c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional [RTJ 140/636] e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal [RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417]. O princípio da responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima” [RDA 137/233 – RTJ 55/50 – STF – RE 109.615 – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 02.08.1996]
40Informa pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração [...] Deixe-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento de licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir24.
A evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação, fica
ainda mais evidente quando se constata a redação, como segue, do artigo 43
do novo Código Civil, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003:
Art.: 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Fica claro que o legislador mais uma vez contemplou, a responsabilidade
objetiva do Estado, permitindo a perquirição sobre a presença do elemento
subjetivo [culpa ou dolo] tão somente na ação regressiva do Estado em face do
agente causador do dano.
Concluindo, pode-se afirmar que o legislador brasileiro, bem como a doutrina e
a jurisprudência, sempre tiveram clara a evolução da responsabilidade do
Estado, sempre no sentido de sua objetivação, afastando-se da culpa e
aproximando-se do risco, até assumi-lo, sendo razoável que se falasse em
algum tipo de responsabilidade subjetiva apenas no período que vai do início
de vigência do antigo Código Civil de 1916, até a promulgação da Constituição
Federal de 1946, quando, promulgada esta, a responsabilidade do Estado
passou a ser objetiva, ficando revogado o Código Civil.
24 Op. cit. nota 25, p. 430.
413.4 O princípio da legalidade e a conduta omissiva
Este princípio exige que a administração pública somente poderá fazer ou
deixar de fazer algo, desde que prescrito por lei. É considerado como o
princípio que maior rege os atos administrativos, praticados pelo Estado.
Ocorre, porém, que em sua grande maioria os atos administrativos são
vinculados. Mesmo nos atos discricionários também pesa tal princípio, visto
que a margem de liberdade de decisão que a norma autoriza ao agente possui,
sempre, um limite, posto pela própria norma.
Na responsabilidade do Estado por conduta omissiva, o agente tem o dever de
agir, estabelecido em lei, mas, desobedecendo à lei, não age. Por não ter
agido, causou um dano no particular. Portanto, trata-se de uma conduta ilícita,
isto é, contrária à lei. Logo, feriu-se o princípio da legalidade.
A doutrina majoritária entende ser objetiva a responsabilidade decorrente do
dano provocado por ato lícito do Estado. Se ato lícito é o ato que está em
conformidade com o direito, ou seja, aquilo que é entendido como adequado,
correto, bem visto pela sociedade, e, para esse, a responsabilidade é objetiva,
porque para o ato ilícito omissivo não haveria também essa maior proteção ao
administrado, sendo que este último é indiscutivelmente mais grave?
A proteção ao administrado é imperiosa contra condutas mais graves,
ampliando o seu campo de amparo pela adoção da responsabilidade objetiva.
Como o interesse social tem por objetivo a manutenção da ordem pública no
sentido de viabilizar a harmonia social, importante ressaltar a gravidade de uma
conduta ilícita e omissiva. O ato ilícito corresponde ao que a sociedade repudia
como comportamento, isto é, não é aceito no grupo social. Por isso, é o mesmo
que estar violando os valores deste grupo. Da mesma forma, o risco social que
apresenta a conduta omissiva é de gravidade muito mais elevada.
423.5 A falta do serviço e o código de defesa do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, combinado com o artigo
3º, atribui ao Estado, enquanto fornecedor de serviço público, a
responsabilidade objetiva por danos decorrentes da “falta do serviço público”,
incluindo, assim a responsabilidade por conduta omissiva.
Assim, o Estado é considerado fornecedor de serviço público, devendo,
portanto, obedecer a todos os princípios e regras protetores do consumidor,
inclusive ao princípio contido no inciso X do artigo 6º do CDC, que
expressamente determina ser direito do consumidor “a adequada e eficaz
prestação dos serviços públicos em geral”, esta falta de serviço público esta
demonstrada, de uma forma realmente precária na BR-259, que liga o
município de Colatina-ES ao município de Baixo Guandu-ES (ANEXO).
O Artigo 22 do mesmo diploma legal dispõe que a responsabilidade pelo
fornecimento inadequado ou ineficaz do serviço público será regida pelas
regras deste código. Portanto, responsabilidade objetiva25.
O doutrinador Zelmo Denari, com propriedade, explica que:
As pessoas jurídicas de direito público – centralizadas ou descentralizadas – podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedor de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão a ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabilidade26.
25 Art. 22, CDC: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados, na forma prevista neste Código”. 26 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 190.
43De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, são responsáveis
objetivamente a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Também
o são as autarquias, as fundações públicas, as sociedades de economia mista,
as empresas públicas e concessionárias e permissionárias de serviço público.
Importante salientar que o Estado somente será considerado fornecedor e,
portanto, estará sujeito às regras do Código de Defesa do Consumidor
[responsabilidade objetiva] quando for produtor de bens ou prestador de
serviços, remunerados por “tarifas” ou “preços públicos”. Por outro lado, não
serão aplicadas as normas do Código de Defesa do Consumidor aos casos em
aquele for remunerado mediante atividade tributária em geral [impostos, taxas
e contribuições de melhoria].
Portanto, a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a
responsabilidade do Estado, pelo serviço público remunerado por tarifa ou
preço público, é de natureza objetiva, tanto para as condutas comissivas como
para as omissivas.
Lista exemplificativa de possíveis ações por responsabilidade civil objetiva do
Estado:
1. Acidente ou dano em veículo ocasionado pelas más condições de
conservação da via;
2. Acidente ocasionado por falta ou má iluminação das vias;
3. Acidente de trânsito ocasionado pela má conservação das vias;
4. Acidente que cause morte a filho menor que contribuía para sustento da
família, ocasionado pelas más condições da rodovia;
5. Acidente de trânsito ocasionado pela falta de sinalização nas rodovias;
6. Morte de passageiro ocasionado por acidente decorrente da má
conservação da rodovia;
447. Morte de passageiro ocasionado por acidente decorrente da falta de
sinalização da rodovia.
45
CONCLUSÃO
Como conclusão referente aos aspectos legais decorrentes da
responsabilidade objetiva do Estado, pode-se afirmar que a posição mais
defensável é a de que ocorra uma técnica efetiva de melhoria na segurança do
trânsito, tendo como único efeito a instauração de maior exigência de
segurança viária em uma situação na qual não se altere o grau de
responsabilidade do gestor do sistema viário. A aplicação dos gestores do
sistema viário assume, de acordo com doutrina e a jurisprudência vigente, a
modalidade objetiva, e isto tem uma clara implicação em estabelecer um
regime mais rigoroso na apuração da obrigação de indenizar por danos
causados aos usuários do sistema viário.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º não fez qualquer distinção entre
condutas omissivas e comissivas. Desta forma o dispositivo legal deve ser
interpretado como causarem por ação ou omissão, pois de forma contrária o
legislador brasileiro teria recuado no tempo, estabelecendo a responsabilidade
objetiva para os casos de conduta comissiva, o que é inadimissível, diante dos
avanços de outras matérias constitucionais, e a extensão da responsabilidade
também para os particulares prestadores de serviço público.
A responsabilidade do Estado será sempre objetiva, qualquer que seja a
natureza da conduta (comissiva ou omissiva), de seus agentes, no sentido
amplo do termo, bastando ao particular somente fazer prova do dano, da
conduta danosa e do nexo de causalidade para se ver ressarcido dos prejuízos
suportados.
O Estado, para elidir tal responsabilidade, deverá fazer prova de que o dano foi
ocasionado por força maior, caso fortuito, estado de necessidade ou culpa
exclusiva da vítima ou de terceiro.
A responsabilidade civil do Estado não se reduz só a reparação do dano
46material. No atual estágio da civilização, a ordem pública também abrange e
protege juridicamente os valores morais, tão determinantes na vida em
sociedade. A lesão a esses valores morais do cidadão é, indiscutivelmente, um
prejuízo onde o Direito Administrativo não pode ficar indiferente. A Honra, a
Reputação, a Dignidade, o conceito social ou profissional, a convivência
familiar, entre outros valores, são caros e essenciais ao homem como os bens
materiais, por mais valiosos que sejam. Poder-se-ia dizer que tais valores
integram o grande patrimônio da pessoa.
Ante todos os argumentos expostos, meu posicionamento é no sentido da
aplicabilidade da Teoria do Risco Administrativo, ou seja, da responsabilidade
de natureza objetiva ao Estado, pelas condutas omissivas que causarem a
terceiros, haja vista a necessidade de proteger o lesado ante a dificuldade
deste em demonstrar a culpa ou dolo de algum agente ou que o serviço não
funcionou como deveria. Ademais, o artigo 37, § 6º da Constituição Federal é
claro ao discorrer que o Estado responde, independente de culpa, pelas
condutas comissivas ou omissivas que causarem a terceiros. Todos os
argumentos utilizados pelos doutrinadores a fim de sustentar a tese de que se
aplica a Teoria Subjetiva na responsabilização das condutas omissivas estatais
são contraditórias e frágeis. O novo |Código Civil, ao trazer tal regra no art. 43,
corroborou a norma constitucional, no sentido de que será verificada a culpa ou
dolo somente em ação regressiva do Estado em face do agente causador do
dano.
47
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49ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v.2.
50
ANEXO
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53
54