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Resumo sobre Michel Foucault

RESUMO: A obra de M. Foucault aponta para um esgotamento dos valores que tiveramvigência ate o inicio do Século XX, ela é destruidora de convicções,problemastiza o passado e pergunta pela atualidade. A sua preocupação com "oagora" faz com que Foucault oferece um Curso no College de France tomando comotema um escrito de Kant "Was ist Aufklärung". Kant inaugura um novo tipo dequestão no campo da reflexão filosófica: "é a questão do presente, a questão daqualidade. Que é que se passa hoje? Que é que se passa agora? E que é este agoraaonde estamos todos, uns e outros, e que define o momento aonde eu escrevo? Oque é o presente que faz sentido atualmente a uma reflexão filosófica ?" (FOUCAULT, Dits et Ecrits, 1994, vol. IV, p. 680).

O pensamento de M. Foucault (1926-1984) se estrutura como um conjunto deproblematizacoes ( a do saber – a do poder – o da "moral") respeitando sempre um"quadro de referncias" ou mesmo a um "campo de pressuposto" que começa aaparecer em Folie et déraison. Histoire de la Folie à I'age classique (1961) eacompanha toda a sua trajetória intelectual 1. Foucault chama a atenção para aimportância de se Ter um pequeno numero de autores com os quais se trabalha mascom os quais nada se escreve, como pôr exemplo a importância de Heidegger para oseu pensamento e que nada escreveu sobre ela apesar de possuir "toneladas deanotações": "Todo o meu devir filosófico foi determinado por minha leitura deHeidegger" e mais "É provável que se não tivesse lido Heidegger não teriaNietzche e Heidgger provocaram nele um "choque filosófico". ( Cf. Foucault,1994, IV, p. 703).

É compreensível o fato de Foucault citar ato pouco aqueles que o influenciaram,exatamente porque ao torná-los como "ferramentas" para o seu pensamento, eletambém pensa o – anti – aquilo que contraria o discurso – "sou simplesmentenietzschiano e tento na medida do possível, num certo numero de pontos, ver, coma ajuda dos textos de Nietzsche – mas também com teses antinietzschianas ( quesão nietzschianas!) o que se pode fazer emtao tal ou tal domínio." (Foulcault,1994, IV, p.704)

Na sua passagem por Salvador (BA) 1976, o objetivo das suas problematizações eraa questão sobre o poder, apresentando uma perspectiva completamente inovadora,afastando-se das analises marxistas ou fenomenológicas.

O seu pensamento estava fortemente influenciado pelos princípios da FísicaQuântica. Foucault fala numa "microfísica do poder, em "poderes, ou melhor, umadiversificada forma de dominação: "Poderes, quer disser, formas de dominação,formas de sujeição, que funcionam localmente, por exemplo, na oficina, no

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exercito, numa propriedade do tipo escravista ou, numa propriedade onde hárelações servis. Tudo isso são formas regionais de poder, que tem seu própriomodo de funcionamento, procedimento e técnica. Todas essas formas de poder sãoheterogêneas" ( Cf. As malhas do poder ). Esta idéia de poder, de um poder, quenão esta "localizado", de um poder que não é propriedade de , "que não serestringe a uma concepção jurídica de poder, desta concepção do poder a partirda lei e do soberano, a partir da regra e da proibição" apresenta uma visão dopoder desligada das analises tradicionais, um poder que esta imbricado nasrelações sociais como os "nos" entrecruzados de uma malha. Foucault apresentaaos intelectuais baianos - marxistas e fenomenólogos – uma visão completamentediferente de todas as leituras realizadas ate então. O Foucault e As palavras eas coisas já tinha sido objeto de inúmeros mal-entendidos. As analise realizadaspor Foucault explicam a sua afirmação em O uso dos prazeres (1994) quando umaforma interrogativa e problematizadora pergunta: "De que valeria a obstinação dosaber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certamaneira, tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existemmomentos na vida onde a questão de saber se pode pensar diferente do que sepensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar aolhar ou a refletir". (...) O que é, pois, a filosofia – quero disser aatividade filosófica – se não e o trabalho critico do pensamento sobre si mesmo.E se ela não consiste, ao invés de legitimar o que já sabemos, sem tentar sabercomo e até que ponto seria possível pensar diferente". (Foulcault, 1984,p.13).

A obra de M. Foulcalt aponta para um esgotamento de valores que tiveram vigênciaate o inicio do século XX, ela e destruidoras de convicções, problematiza opassado e pergunta pela atualidade. A sua preocupação com o seu "agora" faz comque Foucault ofereça um curso no College de France (1983) tomando como tema umtexto de Kant Was ist Auklärung?, escrito em 1973> O texto de Kan faz aparecer,como comenta Foucault, um novo tipo de questão no campo da reflexão filosófica"é a questão sobre o presente, a questão da atualidade: Que e que se passaagora? E que é este `agora' aonde estamos todos, uns e outro, e que define omomento onde eu escrevo? (...) O que e o presente que faz sentido atualmentepara uma reflexão filosófica?" (Foucault, 1994,IV, p.680).Para Foucault, "serfilósofo é problematizar a sua própria atualidade discursiva; atualidade que elequestiona como acontecimento, como um acontecimento do qual pode se disser osentido, o valor, a singularidade filosófica e dentro da qual ela tem que seencontrar ao mesmo tempo sua própria razão de ser e o fundamento do que ela diz.E por ai mesmo se vê que para o filosofo colocar a questão de sua pertinência aeste presente, não será mais a questão de sua pertinência a uma doutrina ou auma tradição, mais será mais simplesmente a questão de sua pertinência a umcerto `nós', a um nós que se refere a um conjunto cultural característico de suaatualidade". ( Foucault, 1994, IV,p.680).

A contemporaneidade tem características próprias. "A época atual seria talvez,de sua preferencia, a época do espaço. Nos estamos na época da simultaneidade,na época da justaposição, na época do próximo e do longínquo , ao lado a lado,do disperso. Nós esta, os em um movimento onde o mundo se testa não como umavida que se desenvolve através do tempo, mas como uma malha que liga os pontos e

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que entrecruza sua meada" (Foulcault, 1994,IV,p.752). Com esta afirmaçãoFoucault se afasta da concepção da Historia, para ele "a grande preocupação quemarcou o século XIX".

Para pensar a atualidade e o pensamento de Foucault é preciso considerar asmarcas profundas deixadas por algumas teorias que tiveram suas vigências nocomeço deste século. Nas Ciências Humanas: a Teoria Marxista, o Estruturalismo,a Psicanálise, a Lingüística, a Etimologia, o movimento surrealista na arte. Nocampo das Ciências Naturais, a Teoria da Relatividade de Einstein, a FísicaQuântica, a idéia de "Força" que aparece na Física em meados do Século XIX.

Foram esta teorias e suas eficácias que possibilitaram G. Delouze em "Milplatôs" afirmar que "A sua própria realidade é múltipla e não supõe nenhumaunidade, não entra em nenhuma totalidade e tampouco remetem o sujeito. Assubjetivações, as totalizações, as unificações são, ao contrario, processos quese produzem e aparecem nas multiplicidade. Os princípios característicos dasmultiplicidade concernem a seus elemento, que são singularidades: as suasrelações que são devires; a seus acontecimentos, que são hecceidades ( querdisser individuais sem sujeito ) que são espaços e tempos livres ( Deleuse,1995,p.8 ) . Esta afirmação de Deleuse vem corroborar com as idéias envolvidaspor Foucault em Os outros espaços. Por isso é possível falar num esgotamento dosvalores da modernidade ( séculos XVII, XVIII, XIX); e afirmara que estamos numarealidade onde as convicções que foram formadas durante milênios precisam sercriticadas. A comtemporaneidade exige se pergunte. Que atualidade é essa queestamos vivendo?

Esta pergunta sobre a atualidade reflete a trajetória intelectual de Foucault,noa só a forma interrogativa de sua obra, como também a sua preocupação com o"agora", a sua preocupação com a contemporaneidade apontando para a razão quevai se descontraindo a partir do ilusionismo, ele apresenta trêsproblematizações, a do "saber" denominada de "Arqueologia" que começa com aHistoria da Loucura (1961), o NASCIMENTO DA CLINICA (1963), As palavras e ascoisa (1966) Arqueologia do saber (1969)," e A Ordem do Discurso (1971). A faseda "Genealogia" onde a sua preocupação é como a questão do poder e érepresentada por Vigiar e punir (1975), Historia da sexualidade I (1976) einúmeras palestras e cursos reunidos por Roberto Machado em forma de livrointitulado: microfísica do poder. A preocupação com a moral refletida emHistoria da Sexualidade II – o cuidado de si (1984) Historia da Sexualidade III-o uso dos prazeres (1984).

A sua trajetória intelectual vai mostrar claramente que os seus trabalhosprocuram responder a questão por ele mesmo colocada: "Qual é o campo atual dasexperiências possíveis?"(Foucalt, 1994,Ivp.687) "Esta questão não passa por umaanalítica da verdade, ela passa pôr uma ontologia de nós-mesmos, e isto meparece que a escolha filosófica aonde nos encontramos confrontados atualmente éaqui: onde se pode optar por uma filosofia critica que apresentara como umaanalítica filosófico da verdade em geral, onde se pode optar por um pensamentocritico que tornara a forma de uma ontologia de nós mesmos, de uma ontologia daatualidade; é esta forma de filosofia que, de Hegel à Escola de Frankfurt passamdo por Nietzche e Max Weberrr, foi fundada em uma forma de reflexão onde eutentei trabalhar"( Foucault, 1994, IV, p.688).

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Existe algo de mais contemporâneo do que a pergunta sobre a atualidade em queestamos descritos?

Didier Eribon aponta como "O surgimento de novos problemas políticos (movimentosfeministas, homossexuais, lutas no setor de psiquiatria, da saúde, etc. )permitiu a Foucalt abrir o questionamento teórico e critico para novos campos daexperiência. Compreende-se assim como a Histoire de la folie, com a condição desuprimir-se o prefacio de 1960, pôde ser reintegrada a esse duplo movimento, eser percebida não só como um livro político, no sentido definido por Foucault,mas descrita retrospectivamente como um livro anunciador desse novoquestionamento. Se o pensamento encarado como atividade histórica e critica-se opróprio gesto político consiste em uma `problematizacao daquilo que nos pareceevidente, a Histoire de la folie pode doravante ser relida como uma obraeminentemente subversiva: a dinamizadora das certezas".(Eribon,1996.p.125)

São muitas as questões colocadas por Foucault durante a sua trajetóriaintelectual, trajetória que se procurou refletir o presente em que este pensadorestava inserido, mostrando através de sua pratica aquilo que ele afirmavaenquanto discurso "ser filosofo é problematizar a sua própria atualidadediscursiva".

Didier Eribon (1990) na bibliografia sobre Foucault apresenta o ultimo capitulocom o titulo: "A vida como uma obra de arte" e transcreve uma citação de PierreNora numa entrevista publicada em setembro de 1986 e que nos reproduzimos aquiporque consideramos muito significativa do pensador que foi Michel Foucault.

Numa carta particular anterior a sua doença ele expressou o desejo de que nãohouvesse "publicação póstuma". Conhecendo seu amor a perfeição os herdeiros deMichel Foucault hesitaram muito. É uma questão de interpelação, A minha é muitoclara. Há três partes: os textos inacabados ou abandonados, como um manuscritosobre Manet ou a correspondência. Quanto a isso há duvida: não se coagita depublicar. Os cursos do Collège de France? É discutível, e ele próprio hesitava.Parece que ainda o ouço disser: Há muita coisa inútil, mas também há muitotrabalho e pistas de trabalho que poderiam servir para os meninos .Emcompensação parece-me que quanto e esse quarto volume não há erro. Faz parte daHistoire de la sexualité, é a chave da obra, o volume favorito de Foucault.Estou plenamente convencido de que ele o rescreveria na integra, e essareelaboracao, que lhe era habitual, o levaria mais longe do que previa: ele meprometeu (o livro) para dali a dois messes. Não obstante o manuscrito existe ereflete um estado de pensamento de Foucault, um estado perfeitamente coerente;(basta) um mínimo de maquilagem editorial ( como reincorporar citações, porexemplo). Nesse caso me parece que não o publicar é uma grande responsabilidade.Mas só me cabe respeita-la. (Eribon: 1990,p.303).

Foucault não tinha medo da morte: às vezes dizia isso aos amigos, quando falavamsobre o suicídio, e os fatos mostraram, embora de outra maneira, que não erabravata. Foucault incorporou ainda de outra sabedoria antiga: durante os últimosoito messes de sua vida a redação de seus dois livros teve um papel que o texto

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filosófico e o diário intimo desempenham na filosofia antiga: o de um trabalhode si sobre si, de uma autoesterilização. Aqui se situa um incidente que guardona lembrança como um ato heróico. Nesses oito meses, portanto, Foucault sededicava a escrever e rescrever esses dois livros, a liquidar essa longa dadivaconsigo mesmo; falava-me sem parar desses livros, às vezes me submetia uma desuas traduções, mas se queixava de uma tosse persistente e de uma febreincessante que lhe diminuía o ritmo; por cortesia me fazia pedir conselhos aminha mulher, que e medica e não podia fazer nada". "Seus médicos vão achar quevocê esta com AIDS", eu lhe disse um dia. Brincando ( as brincadeiras reciprocassobre a diferença de nossa preleções amorosas eram um dos ritmos da amizade). "Éexatamente o que eles acham, e eu bem o entendi com as perguntas que mefizeram". Os leitores de hoje terão dificuldade em acreditar que naquele mês defevereiro de 1994 uma febre e, uma tosse ainda não levantavam suspeitas: adoença ainda era um flagelo tão distante e ignorado que parecia legendaria e atetalvez imaginaria. Nenhum de seus familiares desconfiava de nada: só soubemosdepois. "Você devia descansar", continuei. Trabalhou demais com grego e latim,isto o esvaziou." "Sim, mas depois", respondeu. "Primeiro quero terminar comesse dois alfarrábios". "Essa AIDS existe mesmo ou é uma lenda moralizante?".Perguntei, por simples curiosidade ( pois a historia da medicina não é a minhaprincipal paixão). "Pois bem, escute". Ele respondeu tranqüilamente e depois deum instante de reflexão, "eu estudei o assunto de perto, li algumas coisas arespeito: sim, existe, não é lenda. Os americanos estudam bem de perto". E emduas ou três frases me deu detalhes metodológicos, que esqueci. Afinal ele erahistoriador da medicina e como filosofo, pensei, se interessa pela atualidade.Pois as noticias de fontes americanas sobre o " câncer dos homossexuais"( eraassim que se dizia) aparecem regularmente nos jornais. Hoje seu sangue friodiante de minha pergunta boba me tira o fôlego; ele deve Ter pensado que um diaseria assim, que eu meditaria sobre sua resposta e contaria com a minha memóriae teria pequenina e amarga consolação; dar exemplo vivo era outra tradição dafilosofia antiga ( Erbon: 1990,p.305)

Este trabalho é uma pequena homenagem ao pensador que foi Michel Foucault.Resgatamos as palavras que ficaram por aqui, em Salvador, 1976, dispersas emjornais. A conclusão ficara por conta do leitor. A obra de Foucault retrata aatualidades por ele vivida. Os inúmeros trabalhos já escritos sobre a sua obraou daqueles que utilizam op seu pensamento como "ferramenta" para pensar arealidade que nos aposenta hoje de um modo tão fragmentado, múltiplo e complexoapontam o revolucionário que foi Michal Foucault.

NOTAS

* Fazendo parte deste "Quadro de referencias " estão presentes asperspectivas de uma historia descontinua e de tipos diferentes detransformações. Em 1986, Foucault critica o modo como e pensado a mudança,segundo ele, pensar temporalidades diferentes substitui "a forma abstrata, gerale monótona, da `mudança', na qual, tantas vezes, se pensa a sucessão".(Foucault,1972,p.61)* Sobre esse assunto ver BARBOSA, Elyana, Espaço-tempo Poder-saber. Uma novaespistéme? (Foucault e Bachelard) in: Tempo Social, Revista de Sociologia da

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USP, v. 7, n º

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

Deleuse,g. et Guattari, F – MIL PLATOS – Capitalismo e esquizofrenia. Rio, Ed34,1995

Eribon, Dedier 1990 – Michael Foucault de 1996-1984 São Paulo, Companhia deLetras, 1990

__________ Michael Foucault e seus contemporâneos. Rio de Janeiro, Zahar, 1996

FOUCAULT, M. – Resposta a uma questão. In: Epistemologia 28 A, Rio TempoBrasileiro, Jan-Março. 1972

__________ Historia da sexualidade II (O uso dos prazeres). Rio, Edições Graal,1984

__________ Des Espaces Autres. In: Dits et Ecrits. Vol IV, Paris< Gallinard,1994

__________ Le retour de la morale. In: Dits et Ecrits. Vol. IV, Paris,Gallimard, 1994