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Atletas Cristãos Eles encaram a vida cristã com o mesmo empenho que se dedicam ao esporte ENTREVISTA Silas Malafaia, o mais conhecido e polêmico líder evangélico, fala sobre política, vida cristã, homofobia, protestos e preconceito. O pastor da Assembleia de Deus e apresentador do programa Vitória em Cristo defende a participação evangélica nas manifestações, com a ressalva de não se deixar ser manobrado por oportunistas. A igreja nas ruas Cristão X Dívidas Relacionar-se bem com as finanças demonstra maturidade espiritual Ministério com surdos Mãos que falam e transmitem a mensagem do Reino para milhões de brasileiros Cristão + Ano 01 – Nº03 | Ago / Set 2013 | R$6,90 NA ONDA DOS PROTESTOS QUE VARRERAM O PAÍS, SURGE A QUESTÃO: OS CRISTÃOS DEVEM PARTICIPAR DE MANIFESTAÇÕES? Ano 01 Nº 03 | Agosto / Setembro 2013 | www.facebook.com/revistamaiscristao | Editora Millibros

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Page 1: Revista +Cristão Edição03

Atletas CristãosEles encaram a vida cristã com o mesmo empenho que se dedicam ao esporte

ENTREVISTASilas Malafaia, o mais conhecido e polêmico líder evangélico, fala sobre política, vida cristã, homofobia, protestos e preconceito. O pastor da Assembleia de Deus e apresentador do programa Vitória em Cristo defende a participação evangélica nas manifestações, com a ressalva de não se deixar ser manobrado por oportunistas.

A igreja nas ruas

Cristão X DívidasRelacionar-se bem com as finanças demonstra maturidade espiritual

Ministério com surdosMãos que falam e transmitem a mensagem do Reino para milhões de brasileiros

Cristão+Ano

01

– Nº0

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R$

6,9

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NA ONDA DOS PROTESTOS QUE VARRERAM O PAÍS, SURGE A QUESTÃO: OS CRISTÃOS DEVEM PARTICIPAR DE MANIFESTAÇÕES?

Ano 01 – Nº 03 | Agosto / Setembro 2013 | www.facebook.com/revistamaiscristao | Editora Millibros

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Diretor-EditorJairo Cesar

Diretor ExecutivoJerry Gaspar

Diretor Comercial

David Malafaia

Diretor de ArteThimóteo Soares

JornalistaMércia Maciel

ColaboradoresFotografia: Maria Luiza e Elise Milani

RevisorEleazar Araújo (Zazo)

ArticulistasAna Celia Bomfim, Décio Gomes, Hosana Seiffert,

Jaime Kemp, Junior Sipaúba, Zazo, o nego.

FotografiaCristiano Carvalho e Thimóteo Soares

ImpressãoEstagraf

Distribuição / Periodicidade A Revista Mais Cristão é bimestral e é distribuida gratuitamente

em diversas igrejas do Distrito Federal e livrarias evangélicas.

Tiragem10.000 exemplares

Publicidade

Jireh Publicidade & Marketing

Contato: David Malafaia

61 9188-6948 / 61 9652-2321

e-mail: [email protected]

Os artigos publicados nas seções “Pastoral”, “Casamento

e família”, “Política”, “Direito e Cidadania”, “Dicas de

Saúde”, “Qualidade de vida” e “Contos e Crônicas” são

de inteira responsabilidade dos seus autores.

A Revista +Cristão é uma publicação da Millibros Editora “Eu e minha liberdade que não sei usar.” (Clarice Lispector)

Há alguns dias li uma notí-cia na web sobre um pastor americano e outra pessoa da igreja que foram presos por

lerem a Bíblia em voz alta, em um es-paço público em Murrieta Riverside, na Califórnia. O fato, ocorrido há pouco mais de um ano, só seria julgado no início de agosto de 2013. É estarrecedor perceber que, mesmo nos Estados Unidos, onde a Primei-ra Emenda à Constituição garante aos americanos o direi-to à livre manifestação, fatos como esse ocorrem. Não é de se desconsiderar a afirmação do Pastor Silas Malafaia, na entrevista concedida à MAIS CRISTÃO, de que existe uma espécie de “cristofobia” na sociedade atual. A exemplo, o fato de alguém que professa a fé cristã incomodar setores da sociedade, que mesmo assim querem ser respeitados em seus direitos de livre manifestação.

De qualquer forma, a lei brasileira ainda garante o livre exercício do culto, embora isso esteja sendo questionado em diversas propostas no Congresso Nacional. Como a igreja brasileira está usando a liberdade legal para mani-festar publicamente sua fé? O batismo de Jesus, o sermão do monte, a multiplicação dos pães e a maioria das cenas da vida de Cristo relatadas nos evangelhos mostra uma intensa atividade ao ar livre. As cruzadas, campanhas, marchas e cultos em praças públicas evocam lembranças de algo que era mais comum no passado. A Igreja da ge-ração atual está nos templos ou nas ruas? Como é perce-bida a movimentação dos cristãos contemporâneos?

A reportagem de capa desta edição investiga a participação evangélica nas manifestações que tomaram as ruas das prin-cipais cidades brasileiras, além de enfocar os grandes movi-mentos atuais em que a igreja mostra a cara, como a Marcha para Jesus e outras cruzadas que acontecem pelo país.

Por falar em “mostrar a cara”, em tempos de Copa das Confederações, que o Brasil sediou há pouco, e a chegada de dois grandes eventos esportivos que serão realizados em território nacional, resolvemos mostrar a presença dos cris-tãos em diversas modalidades esportivas. Ainda falamos de cristãos e as dívidas e do ministério com os surdos nas igre-jas, além de diversos artigos. Não dá pra perder, também, os ótimos artigos. Sente-se e aproveite a leitura.

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EDITORIAL por Jairo Cesar

Contatos61 9129-0990

[email protected]@revistamaiscristao.com

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+Agenda

A Conferência Se7e Montes 2013, organizada pela Comunidade das Nações, traz grandes nomes da cena cristã nacional como: Silas Malafaia, JB Carvalho, Marcos Borges (o Coty), William Douglas, Marcio Micheli e Lucinho Barreto, todos confirmados como preletores do evento. Os cantores: Dito Rodrigues, Gezi Monteiro e Junior Neguebe ministram o louvor.

Local: Comunidade das Nações no SIA

Entrada: Gratuita

Info.: www.comunidadedasnacoes.com.br/se7emontes

O cantor norte-americano Shawn McDonald estará em turnê no Brasil, entre os dias 13 e 14 de setembro, e é a atração principal do Desperta Brasília – um dos principais eventos musicais da cidade – e conta ainda com outras participações: Lex Skate Rock, Banda 3dois1, Living Praise e DJs.

Local: Teatro Arena no Guará 2 (ao lado da administração)

Entrada: a partir de R$15,00

Info.: www.despertabrasilia.com.br/

A tradicional Expomusic comemora trinta anos e é sem dúvida a feira mais esperada por milhares de profissionais do ramo musical. A Expomusic traz novidades em instrumentos musicais e os últimos lançamentos do mercado mundial; cria oportunidades para o público manter um contato mais próximo com diversos artistas e, ainda, abre espaço para jovens talentos e novas bandas se apresentarem nos palcos da feira.

Local: Expo Center Norte, São Paulo - SP

Entrada: Ingressos R$20,00

Info.: www.expomusic.com.br

A cidade de Águas Lindas De Goiás-GO, recebe a Festa das Nações. Um grande evento organizado pela Alfa Produções, que traz à cidade: Mariana Valadão, Disco Praise e Jotta A.

Local: Estacionamento do Águas Lindas Shopping

Entrada: Gratuita

Info.: 61 3613-7477 / 61 9635-7596

E você, o que está esperando para divulgar o seu evento na Revista +Cristão? Envie um e-mail para: [email protected]; coloque no campo assunto: Divulgação evento e nos encaminhe todos os dados e informações necessárias para a publicação

EXPOMUSIC - SPDIAS 18 A 22 DE SETEMBRO

FESTA DAS NAÇÕESDIAS 04 E 05 DE OUTUBRO - 18H

CONFERÊNCIA SE7E MONTESDIAS 18 A 22 DE SETEMBRO

SHAWN MCDONALD - EUADIA 14 DE SETEMBRO

por Thimóteo Soares

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SUMÁRIO

Pr. Décio GomesPalavra Pastoral

Hosana SeiffertPolítica

Jaime KempCasamento e família

Ana Celia BomfimDicas de Saúde

Zazo, o negoContos e Crônicas

Zazo, o negoDicas de músicas

Junior SipaubaQualidade de vida

AgendaEventos e congressos

EntrevistaSilas Malafaia, fala so-bre política, homofobia e preconceito

Atletas cristãosUsam o esporte para falar de Cristo

Ministério com SurdosMãos que falam e transmitem a mensagem do reino

Cristão X DívidasRelacione-se bem com as suas finanças

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por Mércia Maciel

A igreja nas ruasOs cristãos devem participar de manifestações?

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PASTORAL por Décio Gomes

J .R.R.Tolkien, em sua obra O Senhor dos Anéis, utiliza- se da ficção para criar uma literatura que prepara o coração humano para o evangelho. O núcleo da saga gira em torno do “Anel de poder”, materiali-

zação do mal. A “Sociedade do anel” constitui-se com a missão de destruir o anel que degrada a vida de quem o possui. Transforma um jovem hobbit (Smeegol) em assassino e depois numa figura grotesca, um energú-meno. E esse ser em desespero clama pelo anel: “my precious!” (meu precioso!). Tal personagem retrata a sociedade pós-moderna atual, que, possuída pela ob-sessão por poder, prazer e riquezas, já não consegue estabelecer relacionamentos duradouros – apenas virtuais –, despreza o humano como descartável, um lixo humano. Sem valores, sem templos, vive sob a do-minação absoluta do desejo delirante, balbuciando a todo o momento: “my precious!”.

Similar é o endemoninhado de Gadara, região de De-cápolis (Mc 5.1-20), um habitante de cemitérios, violen-to, desnudo, incontrolável, possuído por milhares de psiquismos, um lixo humano que se autodenominava “Legião”. Jesus o liberta dos demônios. O povo da loca-lidade, aparentemente são, celebrou o fato? Não! Sin-tomático! É do ser humano, ao ver alguém em situação deplorável, consolar-se, presumindo-se em melhor con-dição. Entretanto, quando Jesus permite aos demônios irem-se a uma manada de porcos, e esta se precipita ao mar, revela-se o código espiritual daquela comunidade. O povo pede a Jesus que vá embora. O prejuízo econô-mico fora grande demais e não aceitável aos padrões da-quele grupo social. O vil metal era mais importante do que a vida de um filho da terra. A propriedade tem prio-ridade em relação à vida; é o código. É o “my precious!” a determinar uma comunidade inteira! Razão da tristeza do Jovem Rico! Diagnóstico dos habitantes de Gadara: Possuídos por “Mamon”!

ONDE ESTÁ O TEU

TESOURO?O simples desconforto da Igreja ante a hostilidade atu-

al da sociedade para com os valores do Reino de Deus não permite ao “povo de Jesus” a presunção de estar bem ou no caminho certo. É preciso aprofundar. Muito comuns são as conversas entre “irmãos” que evidenciam inversão de valores. Exemplo: um pai afirma, cheio de orgulho, “o meu filho está estudando Mecatrônica!”; o outro: “Minha filha está na Medicina!”; um terceiro, triste, em tom de confissão, diz: “O meu filho foi estudar Teologia para ser missionário! Não sei o que fazer!”

D. Bonhoeffer diz: “A Cruz de Jesus não tem honra nes-te mundo”. É verdade! Mas a perplexidade está em que a Igreja de Jesus atual dá sinais de afastamento da Cruz. Tomar a cruz e seguir a Jesus parace não fazer mais sen-tido para o crente pós-moderno. Já ouvi liderança dizer: “A cruz é depressiva!”. Alerta: os filhos acabam seme-lhantes aos ídolos dos pais!

Eis um alento: um jovem, membro de uma Igreja de Brasília, propôs aos irmãos levarem pizzas a moradores de rua da L2 Sul, numa noite de domingo. Ele acabou descendo do carro sozinho para servir aos famintos. Afi-nal, ele fora o autor da proposta. Surpresa: o povo da rua o acolheu calorosamente. Antes de comer fizeram uma oração conjunta, em roda, de mãos dadas, até cantaram um hino tradicional! Aprendido, com certeza, pela longa e invisível estada nos estacionamentos das igrejas próxi-mas. Entretanto, o que balançou profundamente o nos-so jovem foi a pergunta que lhe fizeram na despedida: “Moço, você é Jesus de Nazaré?”. O garoto fora confundido com Jesus, o Cristo! Em tempos de sucesso de Steve Jobs, Bill Gates e grandes empresários midiáticos, saber que um jovem fora confundido com Jesus e ficou tocado por isso! Aleluias! Pois esse é o propósito inalterável de Deus para as vidas daqueles que recebem a Salvação pelo fitar a Cruz de Jesus, o ser imagem e semelhança de Jesus de Na-zaré (Rm 8.28-29). Onde está o teu tesouro, meu irmão?

+

“... porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mt 6.21)

Décio M. GomesPastor da Igreja Presbiteriana do Calvário no Lago Sul - DF

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Você inVeste mais nos pés dos seus filhos que na cabeça deles?

Leonardo da Vinci. a escoLa da sua Vida.

O mundo de hoje está caminhando sobre valores invertidos: pessoas que querem impressionar mais por sua aparência que por sua competência. Na cabeça de muitos, um caríssimo tênis de grife é status. Mas quando se trata de uma boa escola, o investimento já não é o mesmo. Educação é o maior patrimônio do ser humano. É o único bem que não se desgasta, não sai de moda. É para sempre. Do 1º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio, o Leonardo da Vinci oferece o que existe de melhor e mais completo em educação com uma proposta pedagógica eficiente e uma equipe de professores diferen-ciada para garantir a formação de jovens éticos, seguros, criativos e empreendedores, preparados para vencer desafios na escola e na vida.

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por Mércia Maciel

Carismático, polêmico, sem ”papas na língua”, assim é Silas Malafaia. O Líder da Assembleia de Deus Vitória

em Cristo, mesmo título do seu pro-grama de televisão, que o tornou co-nhecido em todo o Brasil e exterior, completou 55 anos em 20 de agosto de 2013. Presidente da Editora Cen-tral Gospel, Silas foi incluído na lista dos trinta brasileiros mais impor-tantes de todos os tempos, em uma votação pública do SBT, realizada em 2012, denominada O Maior Brasilei-ro de Todos os Tempos, além de ser citado pela revista americana Forbes como o terceiro pastor mais rico do

Brasil, com uma fortuna estimada em 150 milhões de dólares, fato contes-tado por ele mesmo, que apresentou sua declaração de Imposto de Renda em diversos programas de televisão.

Silas Malafaia, que é graduado em Teologia e Psicologia, tem sido frequen-temente chamado para debates na mí-dia como o líder do movimento contra o que ele chama de “ativismo gay”, abor-to e a favor da liberdade de expres-são. Ao falar com a revista Mais Cris-tão, o pastor afirmou que, apesar de legítima, a participação dos cristãos em passeatas deve ser cuidadosa, para não “endossar movimentos po-líticos oportunistas”.

“Nossos princípios são inegociáveis”

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ENTREVISTA

+Cristão: A que o senhor atribui o cresci-mento do número de evangélicos no Brasil?

Silas Malafaia: Em primeiro lugar, a Bíblia diz que quem dá o crescimento é Deus. Em segundo, acredito que o crescimento se dá porque a igreja só é igreja, na  essência, quando pratica o Evangelho. Nós queremos que o povo leia a Bíblia, pratique o Evangelho, no seu dia a dia. Aqui está uma das coisas mais importantes: o crente deve viver a Palavra onde mora, trabalha, estu-da e interage, e não apenas em duas horas de culto litúrgico. A prática do Evangelho é que vai fortalecer a igre-ja. Nela, você edifica a fé; no mundo, você manifesta essa fé. Então, acre-dito que, quando os crentes manifes-tam a fé e falam de Jesus para outros, aí está  o maior instrumento de evan-gelização. Não é a televisão, o rádio, o material impresso. A igreja primitiva não tinha televisão, tecnologia, inter-net, e evangelizou o mundo inteiro. Por quê? O maior instrumento de evangelismo é a pessoa humana, seu testemunho. Isso, sim, tem poder fe-nomenal para fazer a igreja crescer.  +C: A “Manifestação pela liberdade de expressão, liberdade religiosa e família tradicional”, convocada pelo senhor e re-alizada em junho passado, em Brasília, foi uma demonstração de unidade e de força do povo de Deus, que deu seu recado às autoridades?

SM: Foi a maior reunião de lideran-ças evangélicas da história da igreja brasileira. Tinha gente de todas as de-nominações, líderes e representantes de lideranças grandes de todo o país. Quando a Igreja de Jesus se une e ora, numa oração de concordância – e ali, havia 70 mil pessoas –, acredito que há um movimento no mundo espiri-tual, com toda a certeza.

+C: A sua atuação contra o projeto que cri-minaliza a homofobia, em debate no Con-gresso, o casamento homoafetivo e o aborto é sempre contundente. É preciso ter cora-gem para enfrentar temas tão polêmicos?

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SM: O apóstolo Paulo disse: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação de vosso entendimento”. Só haverá trans-formação com a mudança de mente. O Evangelho é uma contracultura à cul-tura imposta. Se a gente ficar quieto, dentro da igreja, o Evangelho está fracassado. A igreja é um treinamen-to. A igreja, o local do culto, é um lu-gar pra treinar e edificar a fé. A igreja só é igreja no mundo, questionando o modo de viver da sociedade. A luz incomoda as trevas. Se não incomo-darmos, estaremos em parceira com as trevas. O apóstolo Paulo disse ain-da que não há sociedade entre justiça e injustiça nem acordo entre Cristo e Belial. Então, a Igreja, como Corpo de Cristo, tem que confrontar. Estamos aqui para isso mesmo. O povo de Deus e as lideranças precisam saber que não estamos numa partida de futebol para ver quem vai ganhar ou perder. Se a nossa causa estiver estabelecida em vitórias, somos medíocres. A nos-sa causa está estabelecida pelos va-lores e princípios cristãos. Não se vai perder ou ganhar. Isso é outro depar-tamento. Não estou aqui pra dizer que quero ganhar de movimento gay, não. Estou aqui pra marcar minha posição como representante do reino de Deus no mundo. Esse é nosso papel.

+C: O país viveu uma espécie de “Prima-vera Árabe”, com o povo nas ruas para pedir justiça social, em junho passado. Na sua avaliação, a igreja precisa engrossar esse coro?

SM: Temos que tomar muito cuida-do. Vivemos num estado democráti-co de direito, e as manifestações são coisas normais de uma democracia. O meu temor é apenas com o povo nas ruas, sem liderança. Dessa for-ma, ele vira massa de manobra de grupos ideológicos. É o que eu es-tou vendo agora, e já tinha dito isso desde o início. É importante ir para as ruas e fazer manifestações pací-ficas. O problema não é esse, mas os interesses políticos e ideológi-

cos que usurpam os legítimos. Aí é que está o perigo. O povo nas ruas, seja evangélico ou não, é normal, tem que ir mesmo. E outra coisa: se todo o mundo que tem uma reivin-dicação, um grupo de cinquenta ou cem pessoas, parar a cidade, o país, vamos entrar em outro campo pe-rigoso, pois o estado democrático me garante a liberdade de ir e vir. Em qualquer nação democrática do mundo, manifestações que não

tação pela internet. Quem convocou? Quem está por trás disso? Quais in-teresses estão em jogo? Aproveitado-res, ideologias? Eu também não vou impedir o irmão, que é cidadão, de se manifestar. Isso seria uma vio-lência contra a cidadania dele. O que precisamos fazer é dar consciência ao nosso povo de cidadania celes-tial e de cidadania terrena. Jesus não anulou a cidadania terrena por causa do céu. O cristão tem direitos e obrigações. O que o povo de Deus tem que entender é que, no exercí-cio de minha cidadania terrena, não posso impedir o direito do outro e me tornar instrumento de baderna e de caos. Tirando essas coisas, a mani-festação da cidadania é livre. A gente tem que dar consciência ao povo, tem que ensinar esses padrões de que o crente, até em manifestações, tem que ser diferente. Por exemplo, na Marcha pra Jesus e na manifestação que fizemos em Brasília, não houve quebra-quebra, baderna, xingamen-tos. Então, esse é o modo de exercer a cidadania. Pedimos até cadeia para mensaleiros, de forma pacífica, or-deira, como um cristão tem que se manifestar. Mas ele não está impedi-do de exercer sua cidadania. +C: O senhor é pastor da Assembleia de Deus, mas, diferentemente de outros lí-deres evangélicos, é muito ouvido por pessoas de outras denominações. Como o senhor avalia a unidade do povo de Deus, principalmente, quando se trata do deba-te de temas polêmicos, mas que estão na pauta da sociedade?

SM: Somos o seguinte: quanto à es-trutura eclesiástica, à liturgia e a pontos não fundamentais, temos um monte de divergências. Isso é natu-ral, pois somos indivíduos. A própria graça não é uniforme, mas multifor-me. Entretanto, em relação aos pon-tos centrais de nossa fé, como ques-tões de aborto, casamento gay, união homoafetiva, temos quase o pensa-mento unânime e a unanimidade; não temos divergências nessas ques-

“Dialogar para abrir mão dos meus princípios, não tem negócio. Ou você é de Deus ou não é de Deus.” (Silas Malafaia)

tenham licença de autoridades, em que não é dito qual é o percurso da caminhada, não tem conversa. O estado democrático não é anár-quico. Não é porque é democrático que se poderá fazer bagunça, que-brar repartições, parar as ruas e avenidas. Isso é anarquia e “o coro come”. Aí, entra a força de seguran-ça para cumprir a ordem. Agora, as manifestações pacíficas, desde que estejam dentro de um escopo de respeito ao outro, são válidas para pressionar as autoridades.

+C: As lideranças evangélicas ainda estão silentes?

SM: Eu nunca vou mandar o povo sair para as ruas porque alguém convocou ou foi convocada manifes-

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ENTREVISTA

tões, porque elas são fundamentais para o Cristianismo e a prática de vida. Esses pontos são inegociáveis para nós. Nessas questões, a gente se junta, tranquilinho, tranquilinho.

+C: Então, não há espaço para dialogar com os grupos que pensam diferente?

SM: Dialogar para abrir mão dos meus princípios, não tem negócio. Ou você é de Deus ou não é de Deus. Não tem esse negócio de ser de Deus e ser do mundo. Ou é uma coisa, ou outra. Não tem negócio em princí-pios fundamentais do Evangelho. Não negociamos com ninguém, por-que são princípios fundamentais. Para outras coisas, não fundamen-tais, aí muda a história. Pecado na Bíblia está na ordem do absoluto, não do relativo. Quando a Palavra diz que alguma coisa é pecado, é pra qualquer lugar do planeta Terra. Nossos princípios são inegociáveis.

+C: Às vésperas de completar quinhentos anos da Reforma Protestante, em 2017, a igreja evangélica precisa de uma nova reforma, para consertar alguns descami-nhos, como o misticismo dentro da igreja e os recorrentes escândalos?

SM: Pecado sempre vai ter. A Bíblia diz que importa que haja escândalos para que os que são fiéis se manifes-tem. Eu acredito que não precisa-mos de reforma. O que precisamos é o que a Palavra diz: avivamento – “Aviva, ó Senhor, a Tua obra no meio dos anos”. O avivamento é a renova-ção, é o despertar, é aparar arestas, é consertar aquilo que está se es-cangalhando. Então, o que a gente precisa – eu preciso para a minha vida –, na caminhada da vida cris-tã, é de renovação para não ficar no lugar da acomodação. De achar que está satisfeito. Você sabe qual era o problema da Igreja de Laodicéia? “Oxalá, fosses frio ou quente! Mas

tu, que és morno, vou te vomitar”. Eu vou dizer o que é o morno: “Tu dizes que é rico, de nada tens falta”. Você sabe quem é esse cara? É aque-le que está satisfeito com seu padrão de vida cristã. É o cara que acha que já chegou ao ápice, que está tudo bem. A Bíblia diz, lá em Apocalipse, que esse é o morno, que o Senhor vai vomitar. Então, aqui é que está o perigo. Causa náuseas em Deus a acomodação espiritual; o indivíduo achar que chegou a um patamar de fé e de padrão cristão perfeito. O que eu, a igreja, nós precisamos é de renovação espiritual, de ir aparan-do as arestas de nossa própria natu-reza humana, pois somos carnais. Com o tempo, vamos abrindo bre-chas para a nossa natureza. Então, o processo de renovação tem que ser contínuo. O que precisamos é de dar prioridade à Palavra. Só exis-te um instrumento espiritual para blindar o cristão contra o pecado: “Escondi a Tua Palavra, no meu co-ração, para não pecar contra Ti”. Eu digo sempre, na minha igreja, que a coisa mais moderna que existe é a Palavra de Deus. Eu não preciso de modismo nenhum. Pastor, pregue a Palavra. Se cada pastor pregar a Pa-lavra, o povo estará fortalecido, vai se renovar e estar atento às coisas de Deus para ter discernimento espiri-tual e ser protegido contra o pecado. Então, aquilo que pensam ser ve-lho, na fé cristã e no Cristianismo, é a coisa mais moderna que tem – a Palavra. É disso que a gente preci-sa: dar vez à Palavra de Deus. E pa-rar de modismo, de baboseiras, de tentar metodologias modernas que fogem da Palavra. Qualquer coisa você pode fazer, desde que passe pela Palavra. A igreja vai caminhar, vamos andar dentro da vontade de Deus e assim ela será triunfante.

+C: Mesmo com todo o crescimento da co-munidade evangélica, o crente tem sofrido uma espécie de bullying? Há uma intole-rância aos valores cristãos?

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SM: Há uma tentativa de mudança de paradigma. Humanistas, ateís-tas, anarquistas querem mudar o modelo da cultura ocidental judai-co-cristão para o humanista-ateísta. Então tem que destruir todos os va-lores para fazer uma reconstrução de valores para essa bagunça que tem nome – o mito ideológico, mas que no fundo é pecado, quando você quebra todos os princípios que nor-teiam a sociedade. E hoje, no mun-do, não tem uma homofobia, não. Existe uma “cristofobia”. Só pra você ter uma ideia, 115 mil cristãos foram assassinados no ano passado, em todo o mundo. Isso não é pesquisa, mas dados reais. Existem milhões de cristãos sofrendo perseguições em seus países. Isso ninguém fala, a imprensa não noticia. Há uma tenta-tiva de ridicularizar nossos valores, e o jogo ideológico é esse: quando um pastor fala, ou alguém fala, usando

suas crenças e valores, isso é reli-gião. Então, quer dizer que o ateu, o comunista, o anarquista, o filósofo podem opinar. E todos opinam, se-gundo suas crenças e valores, mas quando vou dar uma opinião, é re-ligião? Esse é o jogo para nos ali-jar do processo democrático. Uma armadilha na qual a liderança e o povo de Deus não podem cair. Uns dizem: “Pastor, fica na igreja, não se mete aqui, não”. Pois eu me meto em qualquer assunto, porque o que tem na Bíblia é pra se meter. Eu me meto em assuntos de família, de política, de relacionamento, de economia, de finanças, porque estão na Bíblia. O que eu não posso é deixar de ser mi-nistro do evangelho para ser político. Agora, influenciar, em todos os ní-veis, a nação, Deus me levantou para isso. E o povo de Deus não pode cair nessa conversa fiada de um país sem Deus. Isso é um grande perigo.

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“Eu me meto em assuntos de família, de política, de relacionamento, de economia, de finanças, porque estão na Bíblia. O que eu não posso é deixar de ser ministro do evangelho para ser político.” (Silas Malafaia)

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POLÍTICA por Hosana Seiffert

Temos visto cenas bem inusitadas nos últimos meses, daquelas que não se viam há muitos anos: manifestações, protestos, o povo nas ruas, tirando o marasmo da vida e mexendo com a

inércia confortável das autoridades em seus gabinetes. Emocionei-me com algumas imagens; fiquei triste com outras. Mas um detalhe realmente me chamou a aten-ção. Cheguei a casa por volta das nove da noite e, como de costume, entrei pela porta da cozinha. A primeira reação foi de espanto. Por alguns minutos, fiquei ali parada ain-da com as chaves na mão e a bolsa no ombro só para ter certeza: sim, era verdade. Meu filho mais novo, dezoito anos recém-completados, naquela fase em que a cartei-ra de habilitação – símbolo moderno de autonomia – é o maior sonho de consumo, jantava em frente à televisão ligada na TV Câmara e, mais inusitado ainda: acompa-nhava com atenção a votação da Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011. Cada voto ou trecho dos discur-sos dos parlamentares era comentado com vigor nas re-des sociais com colegas da mesma idade.

Impressionante – concluí, ao seguir para o quarto, ainda meio pasma. Afinal, que poder é esse das ruas de conscientizar tão rapidamente uma geração que há me-nos de três semanas sequer sabia que o Ministério Públi-co corria risco?! Quantas vezes tentamos – sem sucesso – convencer os filhos da importância de acompanhar mais de perto os noticiários e se inteirar dos acontecimentos político-econômicos do país e do mundo?!

Será que, enfim, chegou a fase da consciência dessa ge-ração que dormia em berço esplêndido, embalada pelo sonho de um futuro melhor ou pelo torpor de um país

A voz das ruas e as fases da vida

em desenvolvimento? De repente esse gigante desperta, e o grito até então engasgado sai em forma de basta! Não é mais possível viver fingindo que está tudo bem.

Sim, o Brasil passa por um momento histórico, daqueles que quem vive não esquece e repassa a memória às futuras gerações. Mas confesso: foi estranho viver esse momento dentro de uma redação. Ver os “meninos” empolgados com as manifestações, preparando cartazes, pintando o rosto, indo para a Esplanada dos Ministérios, e sentir o frio na barriga que certamente nossos pais sentiram quando éra-mos nós que estávamos na mira de uma bala de borracha ou ao alcance de um incômodo gás de pimenta.

Como estudante, ouvi sobre a ditadura, lutei pelas diretas, vivi o badernaço e convivi com a superinfla-ção. Como jornalista, acompanhei a era Collor, cobri os caras-pintadas, noticiei planos econômicos, as derrotas de Lula, a sonhada vitória do PT, a estabilidade que che-gou, as decepções que se seguiram e continuo em uma redação. Lembro-me de tudo isso e... quer saber? Nada se compara com a intensidade de ver os filhos saírem às ruas de forma digna e ordeira.

São assim as fases da vida! Uma geração sucede outra. Na verdade, nada há de novo. Lembro-me de Eclesiastes 1.9 – “Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isso é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.”

Mesmo assim, Deus nos dá o privilégio de viver, sonhar e lutar por justiça e equidade em nosso país. Em qual-quer fase da vida, é preciso ser uma voz profética. Então, que os sonhadores saiam às ruas, que guerreiros bradem nas praças, que os intercessores dobrem os joelhos, que a Igreja esteja unida e a nação se renda ao Senhor!

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Hosana Seiffert é Jornalista, editora executiva do Jornal do SBT Brasília, professora de Telejornalismo, especialista em Educação a Distância, mestranda em Missiologia pelo CEAM – Centro de Estudos Avançados de Missões.

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por Mércia Maciel

O Brasil foi sacudido por uma onda de protestos que var-reu o país em junho passa-do. Palavras de ordem, pro-

nunciadas ou escritas em cartazes, pediam o fim da corrupção e melho-ria na qualidade de vida, continham críticas aos gastos para sediar a Copa do Mundo e exigiam mudanças,

A IGREJA NAS RUAS

muitas mudanças. A pauta inicial – redução na tarifa do transporte pau-lista – acordou um país acomodado. Governantes e políticos assistiram, perplexos, às manifestações popula-res, que resultaram – depois de mui-to atropelo – em algumas respostas dos Poderes Executivo e Legislativo às insatisfações da sociedade.

Duas semanas antes das primeiras manifestações, o povo de Deus havia deixado seu recado. Mais de 40 mil cristãos, segundo a Polícia Militar do Distrito Federal, vindos de todo o Brasil, atenderam à convocação do pastor assembleiano Silas Malafaia e tomaram o gramado do Congresso Nacional, num manifesto em defesa

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“A gente tem que lutar por nossos princípios e em defesa das gerações futuras. Não quero perder o direito de ensinar os meus filhos a obedecer ao que Deus quer para nossas vidas”, defende Gabriel. Já para o estudante de Direito Thiago Martins, o ativis-mo cristão é uma importante ferra-menta para que a igreja se posicione.

A IGREJA NAS RUAS

da família, da vida e das liberdades de expressão e religião. O pastor da Assembleia de Deus de Altamira (PA) José Caetano Ribeiro foi um deles. No comando de uma caravana de 45 pessoas, percorreu cerca de dois mil quilômetros para chegar a Brasília. “Precisamos mostrar ao país como pensamos e não podemos ser covar-

des. Os princípios bíblicos dão norte às nossas vidas e a sociedade deve conhecer a vontade de Deus para nosso sofrido país”, afirma.

Gabriel Campos, 17 anos, e Thiago Martins, 19 anos, ambos da Igreja Batista Filadélfia, no Guará, junta-ram-se a um grupo de amigos para participar da manifestação pacífica.

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“No ambiente acadêmico, muitos professores querem nos convencer de que é preciso separar valores morais de nossa Constituição, mas se esquecem de que ela própria foi edificada em valores cristãos.”(Thiago Martins - Igreja Batista Filadélfia)

“No ambiente acadêmico, muitos professores querem nos convencer de que é preciso separar valores mo-rais de nossa Constituição, mas se esquecem de que ela própria foi edi-ficada em valores cristãos. É um ab-surdo passar em cima de tudo isso. Não podemos nos calar diante da-quilo que o mundo quer nos impor”, argumenta Thiago.

Na zona oeste de São Paulo, em-balados por bandas e grupos gospel, a 21ª edição da Marcha para Jesus, o maior evento cristão e popular do mundo, reuniu cerca de 2 milhões de pessoas, em junho passado, se-gundo estimativa dos organizadores. O significativo contingente mostrou comunhão e expressou sua fé com louvores, cartazes e muita alegria. O tema do movimento evangélico, “Novo Tempo”, coincidiu com o cla-mor das ruas que tomou conta do país no mesmo mês. Segundo o Bis-po Gê – Geraldo Tenuta –, presidente da Igreja Renascer em Cristo, ide-alizadora da Marcha, o impacto da manifestação para a sociedade é ine-gável. “Ela traz, primeiro, um refe-rencial alegre, pacífico, de um povo bom que se orgulha de Jesus. Traz também uma ideia, para nós e para os outros, de como somos um gran-de e único povo. E, principalmente, o quesito espiritual e profético que

essa grande multidão demonstra para São Paulo e para o Brasil. O mais importante é que jovens se en-tregam a Jesus e nascem para uma nova e maravilhosa vida, nesse dia”, avalia animado.

A igreja deve mesmo sair das quatro paredes e se posicionar? O inconformismo deve ser uma ban-deira dos cristãos? Às vésperas de completar quinhentos anos da Re-forma Protestante, em outubro de 2017, o exemplo de Martinho Lutero, Calvino, João Knox, Ulrico Zuínglio e outros reformadores que disseram não aos desmandos e descaminhos da igreja, no século XVI, inspira muitos cristãos. Já a Bíblia conta a história de profetas do Antigo Tes-tamento que protestaram contra pecados e problemas sociais de seus dias. E, indignado, o próprio Jesus expulsou os vendilhões do templo em Jerusalém. Diante dessa percep-ção, muitos cristãos se engajaram e participaram pacificamente dos protestos. Outros, no entanto, ape-sar do mesmo descontentamento com os rumos do país, recearam em se levantar contra os governos es-tabelecidos, para não irem contra a determinação bíblica de reconhecer que toda a autoridade é instituída por Deus e, por isso, preferiram dis-tância das manifestações de rua.

Para a maioria dos pastores ouvi-dos, a resposta ao questionamento sobre a participação dos cristãos nos protestos é “sim e não”. Afirmati-vamente, se a sua conduta for ética, cordata e pacífica, afinal, o Brasil é um estado democrático de direi-to. Por outro lado, se a postura dos servos de Deus destoar desse prin-cípio, a resposta é um sonoro “não”. Na avaliação do pastor da Primeira Igreja Batista de Ribeirão Preto (SP), Genilson Vaz, os cristãos precisam engrossar o coro dos que pedem jus-tiça social, encarando os protestos das ruas com responsabilidade, co-ragem e ousadia para serem agentes de transformação. “A igreja precisa, na verdade, resgatar seu papel de sal da terra e luz do mundo, e isso passa, necessariamente, pela participação e envolvimento na sociedade orga-nizada. Vai longe o tempo em que éramos tidos como ETs, ou seres de outro mundo, o que de fato, jamais fomos. Os cristãos são de outra Pá-tria, sim, mas não de outro mundo. O bonde da história está em pleno movimento, e as gerações que virão jamais deverão se envergonhar desta geração”, defende Vaz.

Antenado com os movimentos so-ciais, o pastor da Igreja Nova Vida do Guará, Nilton Neto, considera que o povo evangélico está acomodado e sem sintonia com as necessidades so-ciais do país. E motivos para o “des-

Bispo Gê, presidente da Igreja Renascer em Cristo

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canso do justo” não faltam. Segundo Neto, enquanto igrejas pelo mundo afora lutam para permanecer de pé, aqui elas são beneficiadas pelo Esta-do, que lhes assegura liberdade de culto e benefícios de isenções fiscais. “Há muito tempo, a igreja evangélica brasileira perdeu-se da pauta da so-ciedade como um todo e tem vivido em função dos seus próprios interes-ses. Ela acomodou-se, num bela zona de conforto. Só faz barulho para fora, quando alguém tenta tirar seus direitos ou desafiar suas convicções. Quem está confortável não tem mo-tivo para protestar”, constata.

Para o presidente do colégio Epis-copal da Reina – Igreja do Futuro, no Engenho Novo (RJ), bispo Hermes C. Fernandes, há uma percepção equi-vocada de que Igreja não deve estar voltada para o mundo. “Em grego, igreja (Eclésia) quer dizer aqueles que são voltados pra fora. Mas ela está centrada em si mesma, como um gue-to, com uma cultura própria, indife-rente ao que está à sua volta. Quando Jesus disse que nossa vocação é de ser luz, é para que a igreja viva em função do mundo, a fim de torná-lo mais justo”. Ainda segundo Hermes C. Fernandes, uma igreja verdadeira-mente profética denuncia a injustiça

enquanto anuncia a boa nova do rei-no de Deus. “É uma igreja movida por compaixão, que sai às ruas clamando por justiça e paz”, explica.

Para o doutor em Escatologia e em Ciência da Religião e editor do blog “Cristianismo Subversivo”, o silêncio de muitas lideranças evangélicas é preocupante. “Vamos às ruas, sin-tonizados apenas com questões de cunho moral, mas falta engajamento em questões relevantes, como justi-ça social e cidadania plena. Isso não nos diz respeito. Quando os cristãos se levantam contra o homossexua-lismo, na verdade, não estão preo-cupados com o mundo, mas em im-permeabilizar a igreja, para que essa prática não entre nela. O mundo gira à nossa volta, quando deveria ser o inverso”, ressalta.

Ainda segundo o bispo Fernandes, muitos líderes cristãos consideram que a participação em movimentos só deverá ocorrer se a pauta for es-piritual. “O mundo precisa saber que nos importamos não apenas com o destino de suas almas, mas também com o que diz respeito ao bem co-mum. Mas não tenho dúvida de que por trás de todo esse movimento, o Espírito de Deus está soprando por mudanças”, conclui.

Mas para o palestrante evange-lístico e advogado Orlando Arraz Maz, da Igreja Casa de Oração Jar-dim Botucatu, na capital paulista, lugar de cristão não é nas ruas, e sim prostrado em oração pelos go-vernantes. Segundo o autor do blog cristão “Meditações para um viver feliz”, as instruções bíblicas não deixam dúvida de que a interces-são é o melhor caminho para uma nação em crise. Segundo Maz, que integra o UbeBlogs – União de Blo-gueiros Evangélicos –, o Novo Tes-tamento traz instruções específicas para a cristandade e para a igreja militante. “Os livros foram escri-tos num contexto bastante tumul-tuado, que vai dos anos de 48 a 68, aproximadamente, com imperado-res impiedosos, como Nero, que não pouparam esforços para apagar as marcas deixadas pelo cristianismo. O próprio apóstolo Paulo foi víti-ma de martírio, assim como João. As instruções deixadas por Deus e inspiradas pelo Espírito Santo apontam o caminho da intercessão em favor desses terríveis governan-tes”, argumenta. Ainda segundo ele, a exortação é de que se façam súplicas, orações e ações de graças por todos os homens, reis e aqueles Genilson Vaz, pastor da PIB de Riberão Preto - SP

Em São Paulo, a Marcha para Jesus traz as ruas mais de um milhão de pessoas

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que exercem autoridade, para que o povo tenha uma vida tranquila. “É um mandamento de Deus, que quer que levemos as autoridades em oração, a fim de que ele possa agir”, defende categoricamente.

O evangelista Orlando Arraz Maz vai além. Na sua avaliação, as pas-seatas e protestos, além de um ato de desobediência a Deus, excluem seu poder em agir. “As autoridades se sentem acuadas e mudam seus decretos, não por amor a Deus, mas por medo da ira do povo. O sábio Salomão, em seus provérbios, afir-ma que ‘como corrente de águas é o coração do rei na mão do Senhor, e ele o inclina para onde quer. O cla-mor do povo de Deus é maior do que qualquer passeata ou protesto e, cer-tamente, Ele moverá o coração dos governantes’”, reafirma.

Já o presidente da Igreja Renascer em Cristo, Bispo Gê, entende que os cristãos precisam, sim, posicionar-se quanto aos valores que estão ao redor, mas, sem se deixar levar pelos obje-tivos e tendências humanas que eles

representam. “Creio que a Igreja, por conhecer o mundo espiritual, deve se isentar desse tipo de manifestações por justiça social. A justiça humana, na prática, é injusta. A justiça de Deus e de seu povo é eficaz, pois ela vem de um processo de transformação de-finitiva, não de uma transformação provisória e forçada”, enfatiza. Ain-da segundo ele, nesse momento de ebulição social, a Marcha para Jesus desponta como um verdadeiro tes-temunho de pacifismo e ordem. “As outras demonstrações dão a impres-são de resultados, mas há somente manipulações e aparentes mudanças, pois os governantes apenas mudam o seu foco de ação para ainda extrair do povo o resultado da má gestão e da corrupção, então não há uma trans-formação verdadeira. A Marcha para Jesus representa a transformação de um povo na essência, nas bases, não uma simples mudança de hábitos”, ressalta o Bispo Gê.

Longe de pregar a rebeldia civil, o pastor Genilson Vaz defende que o cristão pode e deve, sim, ir a todos

os polos onde Jesus iria. “O Mestre foi agente de incômodo aos que deti-nham o poder político e religioso de sua época, sem deixar escapar nada. Ao mesmo tempo, chutou a imorali-dade e injustiça reinantes dentre os que deveriam promover paz e justiça social”, reitera. Na avaliação de Genil-son Vaz, que pastoreou as igrejas ba-tistas Betel do Guará e do Gama e pre-sidiu a Convenção Batista do Distrito Federal, a igreja precisa, na verdade, resgatar seu papel transformador.

A mesma percepção é compartilha-da pelo pastor Nilton Neto. “Não exis-te igreja sem esse clamor por justiça social. Deus sempre cobrou do seu povo o amparo ao fraco, ao órfão é à viúva. Qualquer organização na qual Ele não esteja presente pode ser cha-mada de tudo, menos de igreja. Hoje uma grande parte dos que se dizem igreja está voltada para a acumulação de riquezas e em estrutura que se sus-tenta nos poderes midiático e político e não querem repartir”. E completa: “Justiça social deve ser a pauta diária da igreja. Pouco adianta ela buscar a

Manifestação pela família tradicional reuniu mais de 40 mil evangélicos na Capital Federal

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visibilidade desses momentos de mo-bilização popular, quando não faz isso sistematicamente e da forma correta”.

A importância da presença dos cristãos nas fileiras dos que clamam por justiça social, na avaliação do jor-nalista e mestrando em Ciências Po-líticas pela Universidade de Brasília Carlos Oliveira, é inegável. “A ques-tão é saber como fazer isso. Se a gente pensar nas recentes manifestações ocorridas no Brasil, talvez não seja o melhor modelo de engajamento. Pri-meiro, não foi algo planejado, com objetivos claros. Ao contrário, a in-satisfação com o preço das passagens virou um mosaico de reivindicações, tudo num único bolo cujos ingre-dientes podem não coadunar com a nossa fé”, alerta. Oliveira cita como estratégia acertada a Marcha pela Liberdade de Expressão, realizada, em frente ao Congresso Nacional, em junho passado. “Diferentemente, precisamos ter foco, respeitar o es-paço do próximo e os bens públicos. O objetivo era claro, houve a mobili-zação, mas sem depredar, sem caos

no trânsito. Até o lixo produzido foi recolhido pelos manifestantes. Para mim, esse é um excelente caminho. Isso estaria, a meu ver, à luz da Bí-blia”, afirma Carlos Oliveira, que é membro da Assembleia de Deus.

Ainda segundo o cientista político, o país vive um momento histórico que não deve ser desprezado pela co-munidade cristã. Ele cita o exemplo de Jesus, que tinha conhecimento das Escrituras e da história social e política de Israel. “Tanto é que os fa-riseus não conseguiram acusá-lo de levante contra o Império Romano. Essa era uma das estratégias dos seus perseguidores. Sobre os impostos, muito sabiamente, Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César”. As-sim, temos uma grande oportunida-de para um posicionamento político das igrejas, o mais uníssono possí-vel. Não digo escolha de voto, parti-do, candidatos, mas políticas públi-cas capazes de refletir os anseios dos cristãos. Deve ser uma orientação sem tutela. É imprescindível desper-tar a necessidade de uma visão crí-

tica da realidade do país, histórica, de longo alcance, sempre tendo os ensinamentos bíblicos como base”, afirma o cientista político.

Carlos Oliveira defende, ainda, que os cristãos devem ter a clara noção das melhores ferramentas para pro-mover mudanças. “Elas deveriam preceder o protesto e as palavras de ordem. Imagine uma igreja, numa cidadezinha nos rincões do Brasil. O pastor de lá, juntamente com os membros, poderiam, por exemplo, solicitar regularmente à prefeitura informações sobre como estão sendo aplicados os recursos públicos. A Lei de Acesso à Informação garante esse direito. Quando cada um começar a fiscalizar mais de perto as auto-ridades e souber suas reais atribui-ções, haverá um freio na corrupção. Passada essa fase, aí sim, organizem protestos, usem palavras de ordem. A mobilização terá substância, con-teúdo digno de respeito. Esse con-junto de iniciativas deverá gerar, de fato, as mudanças desejadas”, con-clui esperançoso.

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CASAMENTO&FAMÍLIA por Jaime Kemp

Filhos bem ajustados são aqueles que crescem em um ambiente de aceitação total; você os ama in-dependentemente de sua atuação, atitude, idade, comportamento, erros etc. A aceitação diz o se-

guinte: “Amo você apesar de tudo. Não importa o que faça ou diga, você será sempre amado e aceito”. Isso é essencial para que tenha segurança. Filhos que constantemente precisam provar seu valor ou lutar para conseguir aceita-ção dos pais tornam-se pessoas inseguras e desanimadas.

Certo dia um adolescente veio conversar comigo. Per-cebi pelo seu semblante que estava muito triste e desani-mado. Ele compartilhou sua luta em relação a múltiplos e diferentes sentimentos de inferioridade. Após ouvi-lo perguntei: “Como é o relacionamento com seu pai?”. Ele abaixou a cabeça e percebi que estava para chorar. Ao fitar-me novamente, respondeu com lágrimas nos olhos: “Meu pai... ah, meu pai...! Se eu pudesse ter um relacio-namento com ele?! O fato é que nem ao menos consegui-mos dialogar decentemente. Nunca nos demos bem e simplesmente não somos amigos”.

“Que situação triste!”, pensei. Eu sabia que uma das causas daqueles sentimentos estava diretamente rela-cionada à falta de aceitação do pai.

Uma das maiores necessidades da criança e do adoles-cente é a segurança de uma relação de aceitação e amor por parte dos pais. É fundamental que estes reconheçam o anseio dos filhos por um total sentimento de aceitação. Quando não há essa relação saudável, o filho cresce com uma autoimagem (convicção pessoal de que somos úteis e temos valor) distorcida. A carência de afirmação, acei-tação, comunicação e amor por parte dos pais resulta em desequilíbrio emocional para o jovem, ocasionando-lhe consequências desastrosas no futuro.

Veja a triste história de Jefté, um dos juízes de Israel: “Era, então, Jefté, o gileadita, homem valente, porém filho de uma prostituta; Gileade gerara a Jefté. Tam-bém a mulher de Gileade lhe deu filhos, os quais, quan-do já grandes, expulsaram Jefté e lhe disseram: ‘Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho doutra mulher’. Então, Jefté fugiu da presença de seus irmãos e habitou na terra de Tobe; e homens levianos se ajun-taram com ele e com ele saíam” (Juízes 11.1-3).

É fácil notar que o jovem Jefté enfrentava uma crise de identidade. Quantos jovens carregam profundas marcas provocadas pela infidelidade dos pais?! Sua mãe fora uma prostituta, decerto uma situação constrangedora para

Aceitação incondicional

qualquer rapaz em qualquer época ou cultura. Ele nunca experimentara o sentimento de ser aceito, querido e ama-do. Vivia em um lar dominado pelo ressentimento, por isso tinha um coração amargurado. Um alerta aos pais: se seus filhos vivem em um ambiente de críticas, serão críticos; se em ambiente de ódio, terão o coração repleto de ódio. Jefté foi expulso de casa pelos próprios irmãos e, em busca de aceitação e identidade, deparou-se com um grupo de pessoas que o aceitou e com o qual passou a se relacionar, sentindo-se, então, importante. Porém, aquele grupo de homens era leviano.

Essa história se repete em milhares de lares. A necessidade de afirmação e aceitação do jovem é intensa. Se tal carência não for suprida em casa, por certo ele procurará satisfazê-la em outro lugar, por meio de qualquer outro grupo. Isso ocor-re independentemente de a família ser cristã ou não.

Por que uma filha torna-se lésbica? Ou um jovem criado na igreja desvia-se dos princípios de seus pais? Certamente as razões são inúmeras, mas creio que grande parte dos jovens jamais ouviu algo como: “Fi-lho, você sempre será amado e aceito por nós, indepen-dentemente de sua atitude ou comportamento. Nós o amamos e queremos o melhor para você”.

Todo filho necessita de carinho e atenção. Qual foi a última vez em que você disse para sua filha “Eu te amo”, ou “Você está linda!”?

Seja honesto! Lembre-se, você não é perfeito. Muitos pais colocam a máscara da perfeição. Parecem afirmar: “Sou perfeito, nunca falho. Seja como eu sou!”. Ao agirem assim, frustram a criança. Tal atitude contribui para que ela não tenha sentimento de aceitação. Filhos não espe-ram de nós perfeição, mas honestidade, transparência e disposição de dizer: “Filho, eu estou errado’”.

Os filhos precisam de tempo e espaço para suas pró-prias decisões e convicções. Convicções pessoais são muito mais duradouras do que as impostas pelos pais.

Lembre-se: aceitação é uma terapia curadora. Só quan-do a criança sente aceitação dos pais pode sentir-se aceita pelos outros e por Deus. Cada criança é única, singular, assim como suas impressões digitais.

Aceite seu filho e aprenda a apreciá-lo por ser a pes-soa especial que é. Há tanto a apreciar em uma criança! A hora de estimulá-lo, incentivá-lo, elogiá-lo, aceitá-lo é em meio às suas atitudes corriqueiras, e não depois de colocá-lo na cama ou quando ele já se tornou um adulto e não convive mais com você.

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Jaime Kemp é escritor, conferencista e conselheiro nas áreas conjugal e de família; fundador da Revista Lar cristão e autor de mais de cinquenta livros.

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Imagine uma partida de fute-bol em que os jogadores não falam palavrões, a mãe do juiz é poupada de xingamen-

tos da torcida e as expulsões são raras. Pois não precisa fazer esse exercício criativo. A resposta é a Copa Evangélica do Rio de Janeiro. Enquanto a bola rola, atletas ama-dores testemunham o que Deus fez em suas vidas. Criada em 2007, a competição reúne mais de 2,5 mil atletas cristãos, ligados a pelo menos trinta denominações evan-gélicas. Antes de cada partida, os jogadores oram, compartilham experiências de fé, leem a Bíblia, tudo embalado por músicas de louvor que se somam aos gritos de incentivo das torcidas. Indiscipli-na e mau testemunho são punidos com rigor, com a eliminação do

ATLETASCRISTÃOS

torneio. Esse ousado projeto, que já é desenvolvido em vários estados, como São Paulo, Paraná, Amapá e Minas Gerais, nasceu do coração do ex-jogador Bruno Brito, que atuou em diversos clubes no Bra-sil, como o Fluminense, e no ex-terior. Para o presidente da União das Copas Evangélicas do Brasil e presidente da Copa Evangélica do Rio de Janeiro, além de promover a comunhão do povo de Deus, o esporte é uma eficiente ferramen-ta de evangelismo. “Por meio do desporto, estamos propagando o Evangelho e trazendo almas para Cristo. A cada dia, mais jovens se interessam em jogar futebol. Nada mais acertado do que, no país da chuteira, aliar a maior paixão na-cional a oportunidades de semear a Palavra”, afirma animado.

Dono de um forte chute de longa distância, Brito enxerga além das quatro linhas e lamenta que a igreja ainda não tenha essa visão. Na sua avaliação, falta percepção do Reino de Deus quanto ao desporto. “Os líderes das igrejas veem o espor-te apenas como um departamento voltado para cuidar do bem-estar físico. Mas é preciso abraçá-lo como um ministério, um desafio espiritu-al de vidas que podem ser alcança-das pelas modalidades desportivas. Se você convidar um jovem para ir a um culto, provavelmente ele vai di-zer ‘não’. Mas convide-o para bater uma bola, no complexo esportivo da igreja, e ele não vai recusar. E entre uma jogada e outra, testemunhos e mesmo uma oração antes de come-çar a partida, podem fazer toda a di-ferença para essas vidas”, constata.

por Mércia Maciel

Eles encaram a vida cristã com o mesmo empenho que se dedicam à carreira esportiva. Usam o esp’orte para falar de Cristo, e a maior pregação que têm é o testemunho de vida

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ESPORTE

O Ministério Esportivo da Copa Evangélica do Rio de Janeiro desen-volve ainda o projeto “Missionários da Bola”. Atletas selecionados por seus bons testemunhos de vida cris-tã dentro e fora dos gramados são enviados a várias cidades brasileiras e também a países do exterior, como Senegal, Haiti e Honduras, para or-ganizar jogos de futebol e realizar cultos evangelísticos. Os atletas são preparados com treinamentos físico, técnico e aplicação bíblica, para que vidas sejam alcançadas nos eventos desportivos. “Centenas de pessoas têm abraçado a mensagem da salva-ção”, comemora Bruno Brito.

Tudo começou lá atrás, com um mo-vimento que cativou o país. No início da década de 80, dois jogadores de futebol – João Leite e Baltazar – fun-daram os Atletas de Cristo. A organi-zação, que não é filiada a nenhuma denominação evangélica, surgiu pela necessidade de suprir uma carência espiritual dos desportistas e de pro-clamar o reino de Deus nesse meio. Nos anos 80 e 90, a associação cres-ceu tanto que revistas evangélicas da época apontaram-na como o mais re-levante movimento cristão do país. À época, o livro “Forças Para Viver”, do ex-jogador da seleção brasileira e hoje técnico Silas, trazia o testemunho do atleta. Milhares de exemplares foram vendidos e mais de 600 mil pessoas encaminharam, pelos Correios, um encarte, anexado ao final do livro, afirmando que aceitaram Jesus como Senhor e Salvador de suas vidas.

Hoje, há Atletas de Cristo em ses-senta países, em várias modalida-des, principalmente no futebol. Se-gundo o presidente da organização, o pastor Marcos Grava, há três déca-das, as igrejas evangélicas não viam o esporte com bons olhos, graças a um conjunto de questões culturais. “Além de ser praticado aos domin-gos, dias de culto, muitos atletas não tinham uma vida coerente com os padrões e princípios bíblicos. Já no alto nível, o misticismo é muito forte e esses atletas tinham dificuldades

em suprir a carência espiritual. As-sim, mostramos que, no momento em que sua performance está limi-tada, é a Palavra de Deus que poderá orientá-lo, consolá-lo nos momentos difíceis de derrota, que todo atleta passa”, explica.

Fruto do trabalho da Associação, o pastor Marcos Grava, mestre em Teo-logia e ex-jogador de futebol, tem um grande desafio. Ele assumiu a presi-dência, em maio passado, com a mis-são de resgatar o esplendor dos anos 80. “A primeira geração dos Atletas de Cristo fez um ótimo trabalho, mas a segunda não conseguiu pegar o bastão e correr na mesma velocida-de ou mais rápido do que os primei-ros”, lamenta. Grava faz uma leitura desse fenômeno. Segundo ele, nos últimos anos, houve uma desvin-culação do ministério AC da igreja. “Nessas três décadas, servimos mui-to a ela, uma vez que os atletas que se convertem em nossas reuniões e nos

trabalhos dos próprios companhei-ros, nos clubes, são encaminhados para uma igreja, a fim de que que lá sejam discipulados, congreguem e se fortaleçam na fé cristã. Mas a con-trapartida não foi a mesma. Muitos fazem a ideia equivocada de que o movimento é sustentado por atletas milionários. Passamos por uma fase muito difícil, em razão da falta dessa parceria financeira e de apoio parae-clesiástico. É preciso que a igreja en-tenda que o nosso movimento gera frutos para ela mesma”, ressalta.

Sem deixar o bastão cair, o pastor Marcos Grava anunciou que o de-safio da organização é investir nas próximas gerações. “Estamos traba-lhando com jovens atletas de nove a dezesseis anos e no trabalho mis-sionário no exterior, em países como Espanha, Gales e do Oriente Médio. Os Atletinhas de Cristo estão sendo preparados para serem luz onde es-tiverem”, afirma.

Poster do goleiro João leite, co-fundador dos Atletas de Cristo, publicado pela Revista Placar em 1979

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“Combati o bom combate, termi-nei a carreira e guardei a fé”. A afir-mação do apóstolo Paulo se encaixa como uma luva na vida de um des-portista cristão que conciliou sua paixão pelo automobilismo com a primícia de sua vida: Deus. Ex-piloto de Fórmula 1, Alex Dias Ribeiro, com o pé lá embaixo, acelerou para mui-tas vitórias, na década de 70. Na F1, correu ao lado de Emerson Fittipal-di, Niki Lauda e Mario Andretti; foi campeão brasileiro da Fórmula Ford e vice-campeão inglês e europeu de F3 e número 1, no ranking dos pilotos brasileiros, em 1973. Alex Dias subiu ao pódio da fama, mas não abriu mão de sua fé. Reconhecido pelo talento e pela competitividade nas pistas, que lhe renderam o apelido de “Terror da Fórmula 3”, ele testemunhava a cada corrida. Nos países em que disputa-va, colocava em seu carro, capacete e macacão, na língua local, o slogan “Cristo Salva”. Logo ganhou notorie-dade, não apenas pelo talento nas pistas, mas por ter uma mensagem a transmitir. Hoje conferencista e missionário, o ex-piloto, que dirigiu por vários anos o grupo dos Atletas de Cristo, também lamenta o desen-trosamento do Corpo de Cristo na área do desporto. “Poderíamos ter realizado mais. Mas creio que o sal-do foi positivo e já escrevemos nosso nome na história, pelos méritos de Jesus. Dá pra dizer, com toda a con-vicção, que até aqui nos ajudou o Se-nhor”, sintetiza.

Quando atendeu à revista +Cristão, Alex Dias, que escreveu vários livros sobre vida cristã, estava fora do Brasil, em mais uma missão evangelística. Para os jovens atletas, deixou vários conselhos. “Primeiro, colocar Deus acima de sua paixão pelo esporte e encarar a vida cristã com o mesmo empenho que se dedica à carreira es-portiva. Obedecer à Palavra e anun-ciar as boas novas do Evangelho, vi-vendo o que prega”, ensina.

“A minha vitória tem sabor de mel”. A música da cantora gospel, Dama-res, que toca no celular do goleiro

titular do Botafogo e reserva da sele-ção brasileira, Jefferson, demonstra a fé desse atleta de Cristo e a quem ele atribui sua carreira vitoriosa. Em campo, fecha o gol e não facilita a vida dos atacantes adversários. Com a mesma determinação, caminha em sua vida cristã. Antes de cada partida, Jefferson ora e lê a Bíblia. Os trechos sagrados preferidos são o Salmo 91 e o versículo 31, do capítulo 21, de Provérbios: “O cavalo se prepa-ra para a batalha, mas a vitória vem do Senhor”. É com essa certeza que o atleta, que se converteu aos quinze anos, na Igreja Batista Lagoinha, em Belo Horizonte, quando era juvenil do Cruzeiro, treina para cada dis-putada partida. Ele sabe que não é uma luta fácil. Os atletas de alto ren-dimento, que jogam em grandes clu-

bes e estão na mídia, são assediados por fama, baladas, mulheres, poder. Mas Jefferson tem colhido os frutos de sua autêntica experiência de vida cristã. “Nossa maior pregação é o testemunho. As oportunidades para desviar do caminho são muitas, mas olho para o meu Redentor e peço sua misericórdia”, afirma. Ainda segun-do o goleiro do Botafogo, no meio do futebol, o evangélico é respeitado, mas apesar desse reconhecimento, muitos atletas resistem ao Evange-lho. “Eles não querem entregar suas vidas a Deus por acharem que vão deixar a fama, o dinheiro. Tem aque-la coisa de não renunciar ao mundo. Mesmo assim, nossos companheiros pedem oração, orientação espiritual e nós, como servos, estamos prontos para levar a Palavra”, afirma o go-leiro, que frequenta uma pequena igreja evangélica pentecostal, com a mulher e suas três filhas pequenas.

Em março passado, durante a se-mifinal do Campeonato Carioca, Jefferson envolveu-se numa polêmi-ca que tomou a mídia e as redes so-ciais. Conhecido por seus penteados estilosos e simbólicos, o atleta apre-sentou seu novo corte de cabelo – um peixe, em alto relevo, símbolo tradi-cionalmente ligado ao cristianismo

Alex Dias Ribeiro, ex-piloto de Fórmula 1

Jefferson, atual goleiro do Botafogo-RJ e da Seleção Brasileira, em treino para a Copa das Confederações

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ESPORTE

e também aos Atletas de Cristo, du-rante partida entre Botafogo e Fla-mengo. A manifestação de fé quase rendeu ao goleiro a punição de não participar da final do campeonato. “Não fiz para ter repercussão. Fiquei tranquilo, pois a Palavra diz que se-remos perseguidos pelo Seu nome. Estava levando a mensagem de Je-sus, da paz, do amor, não de religião. Os jogadores comemoram gols de várias formas, até com gestos polê-micos, como de armas, e ninguém fala nada. Eu engrandeço o nome do Senhor”, ressalta o convicto atleta.

E quando a prática de uma moda-lidade desportiva dá lugar a críticas por ser considerada, por alguns, vio-lenta ou contrária a princípios bíbli-cos? O servidor público Paulo Sérgio, o Mestre Marreta, é capoeirista desde a infância. Convertido há nove anos, o nome de batismo parece assustar, mas está longe de mostrar quem, verdadeiramente, é esse cristão de 35 anos, membro do Ministério Plenitu-de, de Planaltina. Dócil e de fala man-sa, Paulo Sérgio também usa o esporte para falar de Cristo. “A capoeira já foi identificada como coisa de marginal, macumbeiro, mas ela é um esporte. Não há relação de crença, que é indi-vidual, como a salvação”, defende. Ele tem razão. A resistência ao esporte começou desde que a prática teve iní-cio no Brasil, no século XVI, com os

escravos africanos do Brasil-Colônia. Submetidos a castigos corporais dos capatazes dos senhores de engenho e proibidos de praticar qualquer tipo de luta, para se proteger, os escravos utilizavam o ritmo e os movimentos da dança africana, adaptando-a a um tipo de luta. Surgia, assim, a capoei-ra, uma arte marcial disfarçada de coreografia e um instrumento de re-sistência. Considerada violenta e sub-versiva, a prática foi proibida até 1930, quando o lendário mestre Bimba apresentou a luta para o então presi-dente Getúlio Vargas. Encantado com o balé musicado e suas manobras, Vargas transformou-a em esporte na-cional brasileiro.

Entretanto, na avaliação do Mes-tre Paulo Sérgio Marreta, a capoeira ainda é estigmatizada e desprezada, no meio evangélico. “A gente fica entre pastores e capoeiristas. Mas, apesar de toda a resistência, ela tem sido reconhecida como instrumento de evangelismo. Muitos que tinham abandonado a fé voltaram à cami-nhada cristã, graças a esse trabalho. As barreiras são muitas, mas eu sou a prova viva de que, por meio do es-porte, é possível ganhar almas para Cristo”, testemunha. Paulo Sérgio sabe o que diz. Há cinco anos, ele dá aula para cerca de setenta alunos, entre crianças, adolescentes e adul-tos. Embalada pelo balé da capoei-

ra, a Palavra de Deus é levada aos praticantes. “Hoje, somos convida-dos pelas igrejas para desenvolver projetos. Dado por Deus, esse dom é usado por mim para ganhar almas; não é coisa do diabo”, finaliza.

A mesma resistência à capoeira ocorre com o Taekwondo, uma luta de contato que exige treinamento intenso e disciplina. A preocupação de muitos cristãos com as práticas orientais envolvidas em muitas mo-dalidades marciais e o temor de que elas sejam contrárias aos princípios bíblicos não se justifica, na avalia-ção do pastor presbiteriano Júnior Sipaúba, faixa-preta e coordenador do projeto social Agentes da Paz, uma parceria da equipe do Mestre Antônio Wagner e a Igreja Presbite-riana da Alvorada, em Brasília, que leva a modalidade a crianças caren-tes do Distrito Federal. “Precisamos acabar com essa mania de ‘demoni-zar’ tudo o que não é comum à nossa tribo religiosa. É um absurdo cate-gorizar como maligna toda a cultu-ra oriental e, ao mesmo tempo, san-tificar o nosso jeito ocidental de ser. Pratico artes marciais há mais de vinte anos e já vi coisas com as quais não concordo. Aí, eu me posiciono e não participo daquilo que fere meus valores como discípulo de Jesus. Essa postura adoto para a vida como um todo, e não somente para a prá-

Pesquisa inédita realizada pelo UOL Esportes e divulgada em maio

passado revelou o perfil religioso dos jogadores profissionais de

futebol no Brasil, na atualidade. Pelo levantamento, nos clubes do

Atlético-MG, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense,

Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco da Gama,

35% dos atletas são evangélicos.

Nomes famosos como o lateral-direito Leonardo Moura, do Flamengo;

o zagueiro Lúcio e o centroavante Luis Fabiano, ambos do São Paulo;

e o volante Souza, do Grêmio, falam abertamente sobre suas cren-

ças. Lá fora, outros jogadores também dão seu testemunho de fé,

como o volante Felipe Melo, do Galatasaray, o zagueiro David Luiz,

do Chelsea, e o meia Ricardo Kaká, agora de volta ao Milan.

Leo Moura Lúcio Luis Fabiano Souza Felipe Melo David Luiz Kaká

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tica de uma modalidade marcial”, reitera. Júnior Sipaúba ressalta que o Taekwondo é uma luta de contato, longe de ser considerada violenta. “Muitos leigos desconhecem todo o processo e acabam julgando uma luta como violenta por um olhar reducionista. Todo treinamento é alicerçado em técnicas milenares de alongamentos, aquecimento, de-fesa pessoal, respiração, etc. Uma pessoa pode praticar uma arte mar-cial e ter como interesse apenas a melhoria da qualidade de vida ou o aprendizado de técnicas de defesa e jamais se envolver em competições. A prática da modalidade marcial é multifacetada”, explica.

Outra modalidade que sofre com a desinformação de muitos cristãos é o Jiu-Jitsu – termo que significa “su-avidade na técnica” –, que permite a um lutador menor, com o movi-mento certo, vencer um oponente maior. A arte marcial, que utiliza imobilizações, estrangulamentos, torções e alavancas, também é vista com reserva nas igrejas. Mas não na Bola de Neve Church de Brasília, que abre suas portas, todas as terças e quintas, para a prática da modalida-de, ministrada pelo diácono Renato Penna. Ele divide suas responsabili-dades eclesiásticas com as aulas, com naturalidade e profissionalismo. A ideia surgiu em 2007, graças a um amigo que também treinava e que-ria levar a arte marcial aos irmãos. “Alguns pensam ser um esporte vio-lento, mas, logo na primeira aula, podem comprovar que é um esporte intenso, apaixonante e mais mental do que físico. Alguns o consideram um xadrez humano”, afirma.

Ainda segundo Penna, a modali-dade resgata a autoestima e condi-ciona o atleta a enfrentar as adversi-dades do tatame, preparando-o para lidar com as adversidades do jogo da vida com determinação e cora-gem. “A prática esportiva influencia diretamente no humor das pessoas. Quem pratica esporte é mais feliz, e só isso já seria o bastante para a

sua prática ser parte da vida de todo cristão. Além disso, mostra ao ‘mun-do’ que somos pessoas ‘normais’, que podemos nos alegrar nos esportes, até mesmo nos mais radicas, tiran-do, assim, um pouco daquela ima-gem de ‘crente chato, quadrado’, que não tem vida social”, observa.

E quando se fala em MMA - Mixed Martial Arts, ou, em bom português, Artes Marciais Mistas? Aí é que muitos torcem o nariz. O MMA é definido como uma modalidade de luta cujos praticantes não precisam seguir um estilo específico de arte marcial, mas podem aplicar quais-quer golpes de Boxe, Jiu-jitsu, Caratê ou Judô, por exemplo. O bom luta-dor é aquele que domina boa parte dos principais golpes de uma varie-dade de artes marciais e sabe aplicá--los no momento certo. De volta ao questionamento: um cristão deve se envolver numa luta de tanta “pe-gada”? O pastor e lutador de MMA, Ismael Souza, único faixa preta de Jiu-jitsu do mundo a vencer o extin-to Circuito Mundial de Vale-Tudo, o International Vale Tudo Championship (IVC), o mais difícil evento da his-tória da modalidade, não mede as palavras: “O MMA não é inocente; é radical, agressivo, truculento, mas as regras dão segurança, e o atleta conhece os riscos. Como qualquer outro esporte, você tem que ser leal. O lutador crente deve saber quando parar; ter sensibilidade para ver que seu golpe poderá lesionar o outro. O verdadeiro cristão é incomodado, em sua consciência, para não preju-dicar seu oponente”, analisa.

O pastor-lutador está se prepa-rando para voltar ao Octógono. Dono de técnica e habilidade reve-renciadas pelos lutadores, nos úl-timos anos, a sua história tem sido um desafio. Em 2000, ele sofreu um acidente que o afastou das compe-tições. Nesse tempo, foram muitas idas e vindas marcadas por cirur-gias para recuperação articular de uma das pernas. Em junho passa-do, Ismael surpreendeu ao retornar às competições. Motivado por uma fé inabalável, o atleta cristão retor-nou à categoria adulto, mesmo com idade para disputar a modalidade sênior. Aos quarenta anos, ele quer recuperar o que ficou para trás e conquistar os títulos que não pôde disputar. Em sua primeira compe-tição, já subiu ao pódio, tornando--se um dos grandes exemplos de superação no esporte.

Mas para o pastor Ismael, que vem da segunda maior família de Jiu-Jitsu do mundo, a Família Sou-za, a luta mais árdua do que ter sido consagrado, nos ringues, cam-peão na maioria de suas batalhas, é testemunhar a cada dia. Para ele, o esporte não deve ser usado como instrumento evangelístico, e sim como uma forma de oferecer mu-dança social, como um bem em si mesmo. “Ele não deve ser uma fer-ramenta para aumentar as fileiras das igrejas, mas deve ser ofertado, independentemente de o pratican-te querer andar na sua fé. O cora-ção do cristão é doador”, acrescenta o pastor dos jovens da Igreja Batis-ta Renovada, no Rio de Janeiro.

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Ismael Souza ensinando técnicas de jiu-jitsu em treinamento com seus alunosFo

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O HPV (papiloma vírus humano) tem reitera-damente aparecido em diversos noticiários, nos últimos meses, devido às campanhas de esclarecimento para vacinação de meninas.

Contudo, por mais bem intencionadas que tenham sido essas campanhas, tudo indica não terem atingido os propósitos principais, que consistem na compreensão e adesão das famílias e na consequente adequada co-bertura vacinal.

Bom, mas de fato o que precisamos saber? O HPV é a causa de 99% dos casos de câncer de colo do útero, além de estar relacionado a outras doenças. O cân-cer de colo do útero está listado como o segundo mais frequente câncer feminino, sendo a expectativa de 250 mil novos casos por ano em todo o mundo. Nos países em desenvolvimento, como o nosso, apresenta- se como o câncer mais frequente entre as mulheres. Assim, as vacinas comercializadas imunizam contra os dois subtipos de HPV mais oncogênicos, ou seja, os que têm maior potencial de desenvolver o câncer, que são os subtipos 16 e 18, de forma que a vacinação em nível populacional levaria à prevenção de 70% de no-vos casos desse câncer.

Então por que as famílias têm tido dúvidas diante da possibilidade de prevenir uma doença grave como essa? Ora, o HPV é sexualmente transmissível (DST) e uma das infecções virais mais comuns na humanidade. Assim, por se tratar de uma DST, observamos os preconceitos e as dificuldades em lidar com o tema delicado e as con-

CONVERSANDO SOBRE O HPV

clusões precipitadas que envolvem essas doenças. Vamos aos esclarecimentos: o HPV não é indicador de atividade sexual ou promiscuidade, porque ele pode se manter em infecção latente por muitos anos, sem causar sinais nem sintomas no indivíduo portador. A maior parte desses portadores desconhece sua situação e persiste transmi-tindo pelo período em que estiverem com o vírus.

Da mesma forma que a introdução de várias vaci-nas na história médica da humanidade trouxe consi-go questionamentos e inseguranças, não poderíamos esperar outra reação, a não ser a natural proteção fa-miliar em relação às suas meninas. Apesar de o gru-po prioritário de vacinação, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), consistir em adolescentes do sexo feminino entre nove e treze anos de idade sem vida sexual, os estudos científicos indicam a extensão da indicação para mulheres de 14 a 26 anos sem vida sexual. Sobre outros grupos em estudo como possí-veis beneficiários da vacina contra o HPV, tais como mulheres com mais idade, homens e indivíduos já sabidamente portadores do vírus, ainda não se apre-sentam conclusões definitivas, devendo esses grupos aguardar mais pela indicação precisa e segura.

E as meninas, o que dizer a elas? Vamos falar sobre a relação indiscutível entre o HPV e o câncer de colo do útero. Mostrar a toda sociedade a possibilidade de transformar essa doença grave e frequente em apenas um dado da história médica que acometeu e ceifou mu-lheres que não tiveram oportunidade de se vacinar.

+

Ana Celia Bomfim, é médica ginecologista e obstetra. Formada pela Universidade Federal do Piauí, pós-graduada em Cirurgia Ginecológica Minimamente Invasiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Atua nos hospitais Santa Luzia e Regional da Asa Norte, além de atender em consultório próprio

DICAS DE SAÚDE por Ana Celia Bomfim

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MINISTÉRIO COM SURDOS

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por Mércia Maciel

As mãos se apressam em fa-lar. Gestos rápidos e segu-ros passam a mensagem de quem não consegue expres-

sar em palavras o que pensa, sente e sonha. Nesse mundo silencioso vi-vem mais de 9,7 milhões de brasilei-ros surdos, segundo o Censo de 2010. Para comunicar-se, boa parte deles usa a Libras – Língua Brasileira de Sinais. Essa linguagem gestual é re-conhecida por lei. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, a Libras não é simplesmente mímica e gestos soltos. Ela tem estruturas gramaticais próprias, a exemplo de outras lingua-gens naturais, e compõe-se de níveis linguísticos, como fonologia, morfo-logia, sintaxe e semântica. E quem nunca utilizou ou usou algum gesto ou mímica para se comunicar? O que para a maioria das pessoas pode ser apenas mais uma forma de se fazer

se comunicar e a vontade que tinha de ajudá-lo. Quando a oportunidade bateu à sua porta, não pensou duas vezes em aprender a linguagem dos sinais e a dedicar-se a esse ministério. “Logo me lembrei daquele colegui-nha e de como tinha gente na mesma situação. Queria doar um pouco do meu tempo para essas pessoas e le-var a Palavra de Deus a elas”, afirma. Ester, que há cinco anos trabalha na Câmara dos Deputados e transmite em Libras as sessões do plenário e das comissões da Casa legislativa, ressal-ta que a tradução é um chamado vo-cacional. Segundo ela, é preciso estar em comunhão com Deus, com a igreja e em sintonia espiritual com o pastor. “Só com vida consagrada poderemos passar a mensagem que Deus quer para eles. Não tenho dúvida de que é um ministério que está no coração do nosso Senhor”, complementa.

MÃOSQUE FALAMe passam a mensagem de quem não consegue expressar em palavras o que pensa, sente e sonha

entender é, para os surdos, uma das maneiras mais eficazes de se inserir no contexto social, na escola, no tra-balho, na família, na igreja.

Do púlpito, a mensagem do pastor chega aos ouvidos de fiéis atentos à Pa-lavra. Mas, numa congregação de ou-vintes, onde se encaixa o irmão surdo? A Bíblia relata a preocupação de Jesus com aqueles que não ouvem. No Evan-gelho de Marcos, por exemplo, a pas-sagem da cura de um surdo demons-tra esse cuidado e amor. Um amor que move o coração de Ester Tominaga, da Terceira Igreja Batista de Brasília, onde os cultos são traduzidos simultanea-mente por intérpretes de Libras. Há quinze anos, ela consagrou suas mãos para levar a Palavra de Deus a quem vive no silêncio. A história de Ester começou ainda na infância, fruto de uma amizade com um amiguinho surdo. Ela recorda as dificuldades de

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MINISTÉRIO COM SURDOS

“Queria ajudar o próximo, pois recebi esse dom de Deus. Os surdos são pessoas maravilhosas, e temos muito a aprender com sua sensibilidade. Ajudá-los espiritualmente é uma responsabilidade recompensadora.” (Cintia Campos - Intérprete de Libras)

Domingo ensolarado. Igreja reple-ta de fiéis. Do lado direito do templo, um grupo de irmãos surdos acom-panha, com atenção redobrada, as rápidas manobras que Cíntia Cam-pos faz com suas mãos. A intérprete de Libras traduz as mensagens, os avisos, o louvor do coro e da con-gregação. Outros oito intérpretes se revezam, aos domingos, nos cultos da Igreja Memorial Batista de Bra-sília. Cíntia mergulhou no ministé-rio há quase duas décadas. Ela foi a primeira aluna do curso ministrado pela igreja. Mas sua história começa

lá atrás, na adolescência, no colégio, quando fez amizade com uma colega surda e acompanhou as dificuldades de quem tem uma deficiência audi-tiva. E, como Ester Tominaga, nesse novo mundo, teve a certeza de que esse era seu caminho. “Queria aju-dar o próximo, pois recebi esse dom de Deus. Os surdos são pessoas ma-ravilhosas, e temos muito a apren-der com sua sensibilidade. Ajudá-los espiritualmente é uma responsabili-dade recompensadora”, atesta.

A tarefa não é fácil. Como a tradu-ção simultânea é um ato cognitivo-

-linguístico, envolve atenção, percep-ção, raciocínio rápido e linguagem. Os binômios das linguagens oral-au-ditiva e sinal-visual são muito distin-tos, verdadeiros desafios. “Quando temos o domínio do assunto, do tema de uma pregação, fica mais fácil. Do contrário, o esforço é redobrado. O vocabulário da língua de sinais é me-nor que o da linguagem oral. Por isso, temos que adaptá-lo com rapidez e precisão. Além de todo esse esforço, é preciso atenção para o que Deus está falando para mim mesma”, afirma a intérprete Cíntia.

Para muitas igrejas, os irmãos surdos já não são mais invisíveis. É também o caso da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, onde as ministrações dominicais e todas as atividades da congregação têm tradução em Libras e uso de instrumentos tecnológicos, como powerpoint e slides. O trabalho co-meçou há 21 anos, por iniciativa de um pequeno grupo que abraçou a visão de lidar com surdos, trazida por uma missionária do ministério “Jovens com uma Missão” (JOCUM). Os obreiros aprenderam a Língua Brasileira de Sinais e, em pouco tempo, estavam interpretando os cultos. O Ministério Ephatá ainda oferece discipulado aos irmãos sur-dos, bem como aconselhamento, vigílias mensais, acampamentos e assistência social. “Eles se identi-ficam com  outras pessoas surdas e ainda conseguem compreender e apreender a respeito  de Deus”, in-

forma a pastora Núbia Césari Agui-la, que aprendeu a língua de sinais logo que se converteu, aos dezesseis anos, e hoje coordena o trabalho.

O nome do Ministério, Ephatá (ba-seado no texto de Marcos 7.31-37), é de origem aramaica e significa “sê aber-to” – transliterado para o grego, signi-

Rodrigo é surdo e atua no ministério de surdos na Terceira Igreja Batista do Plano Piloto

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fica “abre-te”. O grupo optou pela gra-fia, com ph. “Por isso, a escolha para o nome do nosso ministério. A Igreja do Senhor precisa ser aberta e aceitar as diferenças. É preciso entrar para a cultura deles, ouvir e entender seu silêncio, a sua língua, aceitá-los e fa-lar sua linguagem. Afinal, o próprio Deus ‘se fez carne e habitou entre nós’ para nos falar do seu amor”, ressalta.

Ainda segundo a pastora Núbia Aguila, a maioria dos surdos que frequentam a igreja regulamente – cerca de cem pessoas – vem de fa-mílias carentes, onde não há comu-nicação em casa, e muita vida fica perdida pelo caminho. “O diagnós-tico é tardio, as crianças e adoles-centes surdos deixam de adquirir conhecimento, porque falta esse veí- culo de comunicação na família. Na maioria das vezes, as barreiras que os surdos são obrigados a enfrentar não surgem por culpa deles, mas do próprio sistema, que os isola e não dá oportunidade para que aprendam e interajam”, lamenta. E é pensando numa estratégia para alcançá-los que o ministério da igreja batista investe em alternativas. “Como os surdos são muito visuais, usamos a dança e as artes para que possam entender mais facilmente as mensa-gens, os momentos de adoração, os estudos bíblicos e assim participem da comunhão social. É um grande desafio, mas, por meio das artes, es-tamos alcançando e integrando es-sas preciosas vidas à igreja”, afirma animada a pastora, que é bailarina e dona de um coração doador.

Para o diácono da Presbiteriana do Lago Norte, Johnnatan Albert Silva, na igreja não deve haver barreira de comunicação entre surdos e ouvintes. Ele tem razão. O próprio Jesus gastou tempo com os surdos e lhes dispen-sou especial amor, comunicando-se com eles e ministrando-lhes a cura. “Onde congrego, essa diferença cul-tural e social não tem vez. A relação é de respeito, união e acessibilidade”, relata. Johnnatan Albert é surdo e, para viabilizar a entrevista à revista

As imagens dessa matéria foram feitas pela fotógrafa Elise Milani. Surda desde seu primeiro ano de vida, Elise aprendeu a com-pensar sua perda de audição com a visão aguçada do mundo a sua volta. Seu talento chamou a atenção do fotógrafo Cristiano Carvalho, que ensinou os primeiros passos no controle do equipamento fotográfico. Membro fundadora do grupo SurdoFoto Clube, a fotógrafa coordenou em março deste ano o I Encontro de Fotógrafos Surdos, realizado em Brasília, com partici-pação de jovens de várias regiões do país.

Contatos: [email protected]

+Cristão, ele respondeu às pergun-tas, por e-mail. Vice-líder do mi-nistério de surdos, ele comemora o cuidado que sua igreja, pastoreada por Carlinhos Veiga, tem com os ir-mãos que não podem ouvir. “A mis-são de levar outros surdos à salvação é muito importante, e minha igreja

está abrindo a porta, com a Escola Bíblica Dominical para surdos. Isso é glória para o Senhor, e agradeço muito a sensibilidade de nosso pas-tor”, afirma o diácono, que, há qua-se quatro meses, ensina à classe de atentos alunos, que ouvem as mãos falarem do amor de Deus.

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Johnnatan Albert Silva, diácono da Presbiteriana do Lago Norte

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FINANÇAS

O cristão e as

dívidaspor Mércia Maciel

que se converte na vida de um cris-tão. Brincadeiras à parte, uma cer-teza: o caminho para enfrentar pro-blemas financeiros está na atitude.

O descontrole financeiro pode co-meçar pelos olhos desejosos em que-rer sempre mais. O apelo para o con-sumismo desenfreado vem de todos os lados – nas propagandas, que criam uma falsa necessidade de adquirir determinado produto; no convite ten-tador dos bancos e instituições finan-

ceiras, que acenam com juros baixos e facilidades; na grama verde do vizi-nho que tem o último modelo de celu-lar, modelo esse que não pode deixar de ser adquirido. Em pouco tempo, o orçamento é corroído por compro-missos desnecessários, enquanto as contas prioritárias, como água, luz e outras taxas vão ficando atrasadas.

Segundo o pastor Leonardo Mc-Cormick, o cristão vive num inesca-pável sistema de apelo consumista,

Por que o azeite parou? Qual é a razão de um crente vi-ver endividado? E se Deus nunca abandona o justo ou

jamais deixa um descendente de justo mendigando o pão, por que as contas não fecham? Esses e outros questionamentos são feitos, fre-quentemente, por aqueles que es-tão mergulhados em dívidas ou em dificuldades financeiras. Há quem diga que o bolso é a última parte

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com bombardeios de sugestões de produtos ou serviços que insistem em vincular a satisfação pessoal ou até mesmo a felicidade à aqui-sição. “Nem todos conseguem re-sistir a esse apelo esmagador e, em nome dessa pseudo realização pes-soal, enrolam-se financeiramente. E assim muitos de nossos irmãos atravessam problemas de crédito e comprometem até mesmo suas ne-cessidades familiares. A decisão de

contrair uma dívida requer certo conhecimento em finanças e do seu próprio poder aquisitivo real. Uma dívida que, aparentemente, pode não representar problemas de pa-gamento hoje pode, com o tempo, tornar-se um sério problema, com-prometendo o orçamento. Aí mora o perigo”, alerta McCormick.

Perigo esse que o morador de Águas Claras, o servidor público Artur Ribeiro, não viu quando caiu

na armadilha do crédito consignado descontado em folha de pagamento. Com o salário comprometido, as dí-vidas ameaçam o futuro da família. “O meu descontrole tem roubado a paz em casa. As contas estão acu-muladas e não sei o que fazer para conseguir honrar os compromissos. Sei que errei e preciso consertar minha vida financeira. Já nem con-sigo dormir direito, atormentado com as cobranças”, lamenta.

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FINANÇAS

Não é exagero de Arthur. As dívidas alimentam o desassossego, causam doenças e levam a atitudes como ira, ansiedade, ingratidão e negligência das responsabilidades espirituais. Segundo o pastor da Igreja Presbi-teriana do Guará I, Gustavo Villa, grande parte da infelicidade hoje origina-se da inabilidade de dominar os recursos financeiros. “O cristão precisa ser disciplinado. Acredito que todo recurso financeiro deve ser ad-ministrado para glorificar a Deus. As-sim, quando o dinheiro é usado para abençoar a família com alimentos, passeios e investimentos no desenvol-vimento familiar e no Reino de Deus, será motivo para o crente glorificar a Deus e viver em paz”, afirma Villa.

Ainda segundo o pastor presbite-riano, os cristãos não estão imunes a dívidas. Segundo ele, é preciso com-preender que existem compromissos financeiros assumidos com respon-sabilidade e outros carregados de uma boa dose de irresponsabilidade. E cita como exemplo uma família que se propõe a comprar um imóvel financiado em 15 anos, com parcelas que se enquadram no alcance finan-ceiro familiar. “Isso, sem dúvida, é uma dívida; entretanto, assumida

com responsabilidade e estudo fi-nanceiro. Obviamente, o contrário pode ser prejudicial se o preço do imóvel e suas parcelas não se ajusta-rem à realidade financeira familiar. Nesse caso, é necessário responder a algumas perguntas: “Tenho que provar algo para alguém? Meu cora-ção está cercado pelas farpas da ava-reza?”, alerta o pastor Gustavo Villa.

Vários textos bíblicos exortam o cris-tão a ser sóbrio. Mas, quando se fala na carteira do crente, essa exortação é desprezada por muitos que tratam suas finanças de forma fantasiosa, sempre imaginando que tudo dará certo, como num passe de mágica. E quando as atitudes equivocadas são cobradas, a crise financeira se instala, e não há desculpas para as contas que não foram pagas. Formado em Ma-rketing e analista da Caixa Econômica Federal, o pastor McCormick conhece de perto essa equação. “Trabalho em banco e já vi de tudo, entretanto des-culpas não são, de fato, o que as ins-tituições financeiras precisam. Nesse sistema não há perdão. Se você deve, vai ter que pagar. Muitos afirmam que existem outras prioridades e que dessa vez não poderão honrar seus compro-missos. Até com Deus já vi gente nego-ciando a falta com o dízimo, alegando que não poderia deixar de honrar as várias dívidas com terceiros – muitas supérfluas – e que Deus entenderia. Ou seja, acabamos devendo ao único que de fato pode nos ajudar a sair des-sa. Vá entender”, afirma.

Segundo o pastor Leonardo Mc-Cormick, a maneira como o crente se relaciona com sua vida financeira demonstra sua maturidade espiritu-al. “Tem muito cristão infeliz por aí, recorrendo até mesmo à armadilha dos agiotas para saldar seus compro-missos, trazendo com isso mais mal-dição para sua vida financeira. Somos provados na maneira como lidamos com os nossos recursos, e a sabedoria demonstrada com essa questão revela maturidade espiritual”, ressalta. Ain-da na sua avaliação, nem todo cristão entende o conceito de mordomia. “O

que é um mordomo senão aquele a quem é confiado o bem dos outros? Pois isso é gerado na convicção de que tudo pertence a Deus e que só ele pode nos retribuir segundo a nossa fidelidade”, ensina.

Para o pastor da Igreja Batista Me-morial Unida, em Contagem/MG, Jair Souza Leal, autor de vários li-vros, quando Jesus ensinou sobre os dois senhores – Deus e Mamom, nome dado ao deus pagão da riqueza –, deixou subentendido que dinheiro envolve algo espiritual. “Jesus falou muito sobre dinheiro. Na verdade, ele falou mais sobre dinheiro do que sobre quase todos os outros assun-tos. “Se o Senhor falou tanto sobre isso é porque deseja que conheçamos sua perspectiva a respeito dessa área crítica da vida. Como cristãos, cre-mos que o que possuímos pertence a Deus. Nós somos administradores, como está escrito na primeira carta aos coríntios. Um dia prestaremos contas ao Senhor em relação à ma-neira pela qual usamos tudo o que ele entregou aos nossos cuidados. E não é necessário muito esforço para enten-der que Deus não quer que gastemos o dinheiro da maneira que a nossa natureza carnal e egoística quer usá--lo”, enfatiza o pastor Jair Souza Leal.

Gustavo Villa, pastor da Igreja Presbiteriana do Guará I

Pastor Leonardo Mc Cormick

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Para o pastor Flávio Figueiredo Cardoso, da Igreja Nova Vida do Guará, é preciso entender que o fenômeno do endividamento não é exclusivo dos cristãos. Ele cita dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que mostram um contingente de 47% da população brasileira com a corda no pescoço. “Por que as pessoas estão gastando mais do que ganham? Considero que boa parte desse gasto é volup-tuária, incentivada pela propagan-da. As pessoas sem Deus querem preencher suas vidas trocando de carro, de celular, comprando roupa de grife, eletrodomésticos, comen-do em restaurantes caros. O cristão, adorador de Jesus Cristo, não pode entrar nesse frenesi idólatra. Antes de comprarmos algo, perguntemos a Deus: ‘Senhor, eu realmente pre-ciso disso? O que o Senhor acha des-sa compra?’ E, se tivermos paciên-cia para esperar a resposta divina, nossos gastos diminuirão”, garante.

Ainda segundo o pastor Flávio Fi-gueiredo Cardoso, o consumismo é a adoração às coisas, uma forma de idolatria. Na sua avaliação, as igrejas que enfatizam a prosperi-dade estão equivocadas, uma vez

que estimulam a cobiça e a vaida-de. “Quando se fala em riqueza e prosperidade, o crente precisa sa-ber onde está o seu coração. A Bíblia traz exemplos de servos de Deus muito ricos, como Abraão, Isaque, Jacó e Jó; e também de homens de Deus pobres, como Jesus e boa parte dos apóstolos. Portanto, precisamos fugir dos extremos. Não podemos abraçar apenas os versos que fa-lam de prosperidade, como fazem os teólogos que pregam a conquis-ta da riqueza; nem apenas os que exaltam a pobreza, como fizeram alguns católicos no passado. Na Bí-blia, ‘prosperidade’ tem muito mais a ver com necessidades supridas do que desejos atendidos”, defende.

“A ninguém devais coisa alguma,

a não ser o amor...” (Rm 13.8)

A exortação de Paulo para que não devamos nada além de amor acena para o desgosto de Deus a toda for-ma de débito não prontamente paga, seja uma obrigação monetária ou espiritual, como o perdão. Mas as dívidas foram contraídas, a paz rou-bada. E agora? O que fazer? Encarar os fatos e avaliar a situação finan-

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ceira, afinal a honestidade faz parte do caráter cristão. Esse também é o caminho apontado pelos especialis-tas em saúde financeira. Segundo o pastor Jair Souza Leal, que também é contabilista, nada mais acertado do que colocar tudo que se recebe e se gasta na ponta do lápis. “Visuali-zar sua situação para analisar e ver o que precisa ser feito e tomar as devidas providências. Eu mesmo já fui um devedor. Aprendi a me disci-plinar, fiz um orçamento doméstico, colocando na ponta do lápis quanto recebia e o que tinha de pagar. Visu-alizar ajuda a cortar daqui, espremer dali. E, como mesmo assim termina-va no vermelho, fiz alguns trabalhos extras, para ter mais uma renda, até conseguir chegar ao zero a zero. Dali para a frente, foi só manter para não gastar mais do que recebia e ainda tentar poupar”, ensina.

Na avaliação do pastor Leonardo McCormick, se as dívidas represen-tam uma dor de cabeça no orçamen-to e existe um alto risco de isso virar uma bola de neve, o melhor caminho é pedir logo ajuda de um especialista. “Todos estamos sujeitos a situações inesperadas. Assim, deve-se procurar um profissional, para tentar sanear a

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FINANÇAS

vida financeira, o que vai requerer alta disciplina, alguns cartões quebrados e, quem sabe, um refinanciamento em condições mais em conta. Isso leva tempo, mas vale a pena. Com certeza, é a melhor saída financeira, moral e até mesmo espiritual”, resume.

Autor do livro “Milagres - Como Al-cançá-los”, o pastor Jair lembra que é preciso ter força de vontade para ven-cer as dívidas, como narra o Segundo Livro de Reis. Segundo ele, a viúva, cujo marido profeta morrera deixan-do de herança para a família suas dívi-das, experimentou o milagre da mul-tiplicação. “Mas não foi isso que pagou os débitos. Ela teve de trabalhar ven-dendo o azeite e administrando bem o dinheiro recebido, de forma que, quando os credores vieram, a viúva pôde pagar o que lhes devia e ainda viver do que sobrou. Precisamos de milagres? Sim. Mas experimentar milagres sem aprender a ser discipli-nado e a viver pautado por princípios bíblicos, longe da caminhada simples de um Cristo que não vivia de luxo nem pregava riquezas nesta vida, será como azeite derramado ou vasilhas de menos que buscamos dos vizinhos para enchê-las”, conclui.

Mas como o crente deve admi-nistrar os seus 90% (se for um fiel dizimista) e ter uma vida financei-ra sadia? O casal Ricardo e Niura Lancellotti, da Igreja Assembleia de Deus do Plano Piloto, ministra o fa-moso curso internacional de finan-ças Crown, em Brasília, para casais que estão com a corda no pescoço ou apenas querem aprender a dominar suas finanças. O curso interdeno-minacional Crown Financial Ministries (Ministério de Finanças Coroa), uma referência à supremacia de Cristo nas finanças, foi criado em 1975, nos Estados Unidos, e já ajudou a mudar a vida financeira de mais de 40 mi-lhões de pessoas em todo o mundo, por meio de ensinamentos baseados em princípios bíblicos. Segundo Niu-ra, antes de qualquer providência, o cristão deve reconhecer o senhorio de Deus e ser fiel na administração

do dinheiro, posse e/ou riqueza que lhe tenham sido confiados. “Essa advertência está em 1 Coríntios 4.2: ‘Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel’. E isso implica a mais absoluta honestidade ao lidar com o dinheiro, tanto na forma de ganhar, gastar com sabedoria, con-tribuir com generosidade, trabalhar honestamente como para o Senhor, planejar e não fazer dívidas”, alerta.

Para , a questão do dinheiro não chega a ser um tabu nas igrejas, mas está longe de ter uma abordagem acertada, uma vez que, normal-mente, as ministrações não passam de ensinamentos sobre dízimos e ofertas. “Dinheiro não é bom ou ruim, mas apenas um instrumento de medida para Deus: quanto a sua relação com o dinheiro influencia o seu relacionamento com ele? O assunto não chega a ser um tabu, mas grande parte das igrejas o des-conhece e, por isso, aborda-o pouco ou de forma equivocada”, observa.

Na avaliação de Ricardo, como mor-domo, o cristão precisa ser disciplina-do e ter consciência de que é provado na maneira como administra seus recursos. Pesquisas demostram que,

em boa parte das vezes, o dinheiro é o motivo das brigas e discussões dos casais brasileiros. Nos casos de divórcio, ele representa até 50% das separações. Levantamento realizado pelo instituto de pesquisa H2R, de São Paulo, revela que 74% dos casais entrevistados já mentiram ou escon-deram do parceiro alguma despesa, enquanto outros 23% desconhecem a soma dos gastos das pessoas com quem dividem o mesmo teto.

Quando a saúde financeira do lar começa a dar sinais, a crise já bateu à porta. Alguns desses sinais podem ser facilmente percebidos – sensação de falta constante de dinheiro; uso de cheque especial, cartões de crédi-to e financiamentos para cobrir des-pesas básicas e cartas de cobranças. “Para encontrar a paz financeira é preciso acreditar que Deus tem algo a nos ensinar nessa área. É impor-tante administrar as posses de modo correto e honesto para poder receber a verdadeira riqueza, o descanso do Senhor. À medida que lidamos com o dinheiro do modo como Deus deseja, temos a oportunidade de entrarmos no gozo de um relacionamento mais íntimo com o próprio Deus”, afirma Ricardo Lancellotti.

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+CRISTÃO AGOSTO / SETEMBRO 2013 | 43

DICAS PARA TER UMA VIDA FINANCEIRA SAUDÁVEL

1) O primeiro passo é relacionar todos os seus gastos. É a melhor forma para

descobrir onde, quanto e como se gasta. Isso facilita a avaliação do que é ou

não supérfluo.

2) Em seguida faça uma lista de prioridades de consumo daquilo que é real-

mente importante e NECESSÁRIO.

3) Separe uma pequena soma para os gastos eventuais, não previstos.

4) Quando se sentir tentado a comprar algo, PARE e pense se você realmente

precisa daquilo. Isso evita as compras por impulso ou hábito.

5) Se a compra é imprescindível, evite fazer financiamento. Prepare-se com

antecedência para comprar à vista e peça desconto.

6) Se precisar usar o cartão de crédito, anote a despesa na sua planilha de

gastos e não financie. As taxas de juros de financiamento dos cartões são as

mais altas do mercado.

7) Reduza a quantidade de cartões de crédito; lembre-se de que eles facili-

tam a compra por impulso e ainda cobram anuidade.

8) Nunca entre no cheque especial.

9) Encare com BOM HUMOR o corte de despesas, abrindo mão de algo hoje,

com o objetivo de equilibrar suas finanças. Você terá mais liberdade para ad-

quirir mais e melhor no futuro.

10) Todo o dinheiro que sobrar (economizando, cortando os supérfluos ou

deixando de comprar), guarde para uma futura emergência (saúde, problemas

em casa, despesas não previstas).

Fonte: Crowns Ministries

1) Decida-se, de verdade, a planejar sua

vida financeira. Defina objetivos de curto,

médio e longo prazos para esse esforço.

Estabeleça prioridades e prazos realistas

para alcançar cada meta;

2) Estabeleça um orçamento;

3) Aliste tudo o que você possui.

4) Aliste tudo o que você deve;

5) Estabeleça um plano de

pagamento da dívida para

cada credor;

6) Considere ter uma renda

adicional;

7) Não faça dívidas novas,

compre à vista;

8) Contente-se com o que

você tem;

9) Considere uma mudança

radical no seu estilo de vida;

10) Gaste somente aquilo que

você ganha;

11) Passe longe dos shopping

centers;

12) Renegocie dívidas;

DICAS PARA SAIR DO VERMELHO

13) Ore e não desista.

Fonte: Crowns Ministries

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44 | +CRISTÃO AGOSTO / SETEMBRO 2013

CRÔNICAS E CONTOS por Zazo, o nego

– Deus te abençoe! Vai com Deus!! Deus te acompanhe!!! – dizia aos gritos a voz rouca e entusiasmada do baleiro.

Gritava com todas as forças, esticava as pregas vocais para desejar tudo de bom a desconhecidos, eventuais transeuntes de um pedaço de chão quase em frente à Ca-tedral Metropolitana de Brasília.

Do Parthenon Hotel até o Blue Tree, é necessário pas-sar pela Esplanada dos Ministérios. Assim fazia a van que buscava o Dr. Alberto Bittencourt, hospedado no Parthe-non, durante os três dias do congresso de cardiologia, realizado no luxuoso hotel Blue Tree. O médico vinha do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto com três colegas. O evento era em nível nacional, mas envolvia até profis-sionais de outros países.

A abertura acontecera no dia seguinte àquele em que o en-tão deputado Roberto Jefferson abrira o verbo diante do Con-selho de Ética da Câmara dos Deputados a respeito de um es-quema ao qual se deu mais tarde o nome de “mensalão”. Os colegas do Bittencourt comentavam a repercussão dos fatos enquanto o veículo passava em frente à Catedral. Foi aí que a voz do baleiro cortou o ar, atingindo a todos.– Deus te abençoe, Deus te acompanhe!!!

Aquilo impressionou Alberto, que nunca vira alguém tão satisfeito desejando algo bom a todos. Corria a quarta-feira, quinze de junho de 2005. No congresso, os cardiologistas participavam de palestras e videoconferências, trocavam experiências e números de telefones. Mas a voz do baleiro ficava ali, intacta no subconsciente de Alberto, a invadir--lhe o emocional, à semelhança de propagandas do tipo “compre batom, compre batom...”, que não saem da mente. Curioso, aquele sujeito com uma alegria tão espontânea, parece até que havia acertado na loteria. Mas nem dinheiro o coitado devia ter. Devia viver dos doces que vendia, se é que conseguia vendê-los.

Veio o dia seguinte. Mesmo percurso, mesma van, mes-mo motorista, e... o mesmo baleiro. Dessa vez, o sinal fecha-do permitiu que Alberto observasse melhor a figura. Vendia balinhas, bombons caseiros, pirulitos, docinhos. Homem simples, de cabelo desgrenhado, barba por fazer, rosto largo, olho vivo... alguns motoristas, nos primeiros carros da fila, compravam. O bom humor inalterável do vendedor se reve-lava num sorriso convincente que adornava o rosto de leste a oeste. Vez por outra, alguém não comprava, mas a reação era a mesma: “Deus te acompanhe!!”. Às vezes, de um carro do outro lado da pista vinha um som de buzina saudando-o, já que o indivíduo se tornara uma espécie de “patrimônio cultu-ral temporário” da Esplanada. Em resposta, o baleiro acenava

O cardiologistae o vendedor de doces

alegremente e enchia o peito para gritar a mesma frase, de tal forma que o buzinante ouvisse. Parecia querido o sujeito!

A organização do congresso programou um giro turístico pela cidade. Conheceriam a capital federal em seus princi-pais pontos. Alberto, porém, abriu mão do passeio. Verdade é que precisava colocar os pensamentos em ordem. Não es-tava bem emocionalmente, e a viagem ao Planalto Central não o fizera esquecer a crise pessoal que enfrentava. Embo-ra o lado profissional andasse de vento em popa, vivia em descompasso com a família: desentendimentos constantes com a esposa, insatisfação, ansiedade, incompatibilidade de gênios e propósitos, filhos entrando na adolescência, cheios de questionamentos, dúvidas, desafios e desafetos... Alberto perguntava a si mesmo se não estaria entrando num processo depressivo, resultado de cansaço e estresse. Precisava parar, parar, pelo amor de Deus!!!

E a voz do moço a bater-lhe em algum canto da memó-ria, dizendo “Deus te acompanhe...”.

Sexta-feira. O fórum terminaria ao meio-dia, com um gran-de almoço no Blue Tree. Os congressistas de Ribeirão Pre-to fariam o check out no hotel e já viriam com suas bagagens, pois, dali mesmo, o carro os levaria para o aeroporto, e eles voltariam à sua cidade logo depois das despedidas. Deu a louca no Alberto, e ele não quis almoçar. Em vez disso, implorou ao motorista da condução que o levasse até a Catedral Metropoli-tana. O motorista atendeu, ainda que sem entender.

Havia engarrafamento nos dois sentidos da Esplanada, por causa de uma manifestação que já era fruto das palavras de Roberto Jefferson. Pessoas se aglomeravam, trios elétricos retumbavam discursos em vozes e sons ininteligíveis. Me-tade da pista da Esplanada dos Ministérios era tomada por manifestantes. Nosso médico não queria desistir. Enfrentou o engarrafamento e o calor daqueles típicos dias de seca no Distrito Federal. Ignorou a fome. Guardou no coração o dese-jo de ver o vendedor ambulante pela última vez, atribuindo a ele o melhor que a Capital da República produzira, mesmo que ninguém o soubesse. As palavras daquele homem sim-ples haviam encontrado lugar no coração do cardiologista.

Não conseguiu mais vê-lo. Contentou-se, então, em guar-dar nas portinholas da alma que, após o congresso de pro-fissionais do coração, o seu começava a perceber que nem tudo estava perdido, talvez por conta de um simples “Deus te abençoe”. Voltou para casa sem ver pela última vez o dono da voz rouca que o deixara intrigado.

É que todo baleiro de verdade sabe que, em hora de al-moço, dificilmente alguém come doces. Talvez até por re-comendação médica...

+

Zazo é servidor público e pro-fessor de Gramática e Oficina de Textos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados.

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O CD Pérola, de Ilma Brescia, é um verdadeiro achado para os apre-ciadores de um viés da MPB infelizmente em extinção, reconhecido em trabalhos de músicos não evangélicos como Maysa, Dick Farney e Emílio Santiago; dentre os evangélicos, poder-se-ia pensar na dupla- casal carioca Edson e Tita. A cantora e compositora Ilma, de uma voz belíssima e à prova de desafinações, é de Belo Horizonte e assi-na pela autoria de todas as faixas do disco. Seu estilo diferencia-se de tudo o que se ouve em termos de música cristã, a qual dificil-mente opta pelo jazz de forma tão enraizada como acontece nessa produção. As composições, cada uma mais linda que a outra, falam de forma simples – mas não simplista – de uma relação baseada no alumbramento com a pessoa de Jesus Cristo. Sem clichês, Ilma apresenta Jesus como amigo e companheiro, expressões bastante recorrentes ao longo do CD, fala de sua relação com o Mestre envol-vendo amizade, submissão e alegria, e o faz de maneira autêntica e convincente. Melhor ainda: sem desacertos teológicos ou paixonites descabidas. Vale citar a faixa 06, Amor Maior, em que a compositora apresenta uma resposta aos questionamentos e inquietações descritos pela banda Jota Quest em música de mesmo nome. Só ouvindo...! Com produção musical e arranjos de Davi Werner e participações instrumentais de excelentes mú-sicos, o álbum Pérola não poderia ter outro nome. +

Interessados anotem: [email protected]; produçã[email protected].

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Uma pérola de música

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QUALIDADE DE VIDA por Júnior Sipaúba

Versículos que aparentemente ensinam verda-des contraditórias. Pois, no primeiro, o após-tolo Paulo nos estimula como irmãos a dividir-mos as cargas uns dos outros, como uma forma

do cumprimento da Lei de Cristo. No mesmo texto, em versículos imediatamente posteriores, Paulo afirma que “cada qual levará o seu próprio fardo”.

A contradição é só aparente, pois na língua original, no caso a língua grega, os termos traduzidos por “cargas” e “fardo” são diferentes. No primeiro caso, a ideia é de pe-sos excessivos, enquanto no segundo fala-se de um peso suportável. Como diferenciar peso excessivo de peso su-portável? E agora, será que um educador físico poderia nos socorrer? Chamem um personal trainer!!

Não podemos padronizar as pessoas, pois o que é suportável para alguém pode ser uma carga excessi-va para outra e vice-versa, mas é importante apontar um caminho terapêutico, pois, caso contrário, o texto cairia na vala da subjetividade. É interessante obser-var o seguinte: quando estamos com uma dor de dente ou com um ligamento muscular rompido, geralmente procuramos um profissional da área, principalmente quando a dor se torna insuportável. E a alma? O que fazer quando a dor da alma é insuportável?

Em geral, muita gente vai administrando aquilo que necessita de um suporte emergencial. Conheço pessoas religiosas que não reconhecem como legítimos senti-mentos como solidão, angústia, depressão, medo, apatia etc. Para essas pessoas, que representam correntes reli-giosas, o verdadeiro seguidor de Jesus nunca deve buscar ajuda para coisas que podem ser resolvidas diretamente com Deus. Já ouvi gente boa dizer que só pessoas “fres-cas” ou que ainda não estão firmes com Jesus precisam de algum tipo de ajuda para a alma.

Fiquei surpreso ao ler um adesivo de carro com os se-guintes dizeres: “Não estou em crise; estou em Cristo”. Que leitura da Bíblia o criador desse adesivo fez? Pois toda a Bíblia está repleta de textos que afirmam nossa

Dividindo as cargas

natureza fragmentada e extremamente necessitada de Deus. A Bíblia afirma: “Pois ele conhece a nossa estrutu-ra e sabe que somos pó” (Salmos 103.14).

A Bíblia nos estimula a uma prática maravilhosa e res-tauradora: “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Mui-to pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5.16). Que grande benção: a Bíblia nos convida para dividirmos a vida, para trilharmos uma jornada como companhei-ros espirituais. A palavra companheiros vem do latim, cum-panere, e significa algo mais ou menos como “aqueles que comem juntos o pão da vida”. Logo, o companheiro é aquele que divide sua vida com os outros, que de fato valoriza um viver com os outros. O salmista expressou essa verdade de forma belíssima: “Deus faz que o solitário more em família; tira os cativos para a prosperidade; só os rebeldes habitam em terra estéril” (Salmos 68.6).

Concluindo esta reflexão, é bom tomarmos cuidado com duas posturas: Primeira: “Halterofilismo espiritu-al exagerado” – Halterofilismo é a prática de ginástica por meio de halteres, e o seu exagero na caminhada es-piritual ocorre quando a pessoa não aceita dividir peso nenhum. Ela prefere correr riscos de lesões graves. Ge-ralmente quando chega à academia da vida, não costu-ma valorizar nenhuma orientação e prefere montar sua própria série de exercícios. Pedir ajuda significaria uma demonstração de fraqueza, e aí nem pensar. O apóstolo nos exorta: “Levai as cargas uns dos outros”. Segunda: “Escamação” – O termo é comum na vida militar e tam-bém nas artes marciais. Diz respeito à atitude de alguém que enrola na hora de cumprir suas responsabilidades. O apóstolo Paulo afirma que alguns pesos são suportá-veis e devem ser levados pela pessoa, pois isso é essencial para sua maturidade e crescimento na vida pessoal.

Que Deus nos abençoe ricamente e que possamos dis-cernir em nossas vidas o que precisamos dividir com outros e o que é nossa responsabilidade carregar para o nosso próprio bem.

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Junior Sipaúba é pastor presbiteriano, mestre em Aconselhamento, matemático, licenciado em Ciências e faixa-preta pela Conferedação Brasileira de Taekwondo.

“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a Lei de Cristo” (Gálatas 6.2). “Mas prove cada um a sua própria obra. E então terá motivo de glória somente em si mesmo, e não em ou-trem; porque cada qual levará o seu próprio fardo” (Gálatas 6.4-5).

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