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Editorial - Petrobras: a transgressão ameaçada

•Pág. 4

Defender a Petrobrás é defender o Brasil

•Pág. 6

“Há interesses geopoliíticos contra a Petrobras”

•Pág. 9

Matar, picar e salgar a Petrobras

•Pág. 12

Os 10 estragos de FHC na Petrobras

•Pág. 16

A Campanha do Petróleo e a Mobilização Popular em favor da Petrobrás •Pág. 20

O petróleo, a Petrobras e a geopolítica: Entrevista com Paulo Metri •Pág 25

ÍNDICE

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A Petrobrás é do povo brasileiro: não se aceita nem corrupção, nem entreguismo.

•Pág. 29

O caso Mattei: um filme a ser revisto •Pág. 31

Acionistas americanos processam a Petrobras: entenda o que isso significa •Pág. 35

Tarso Genro: PT deve deixar de ser um mero ‘apoiador-expectador’ •Pág 38

Petrobras: sob a lei dos Estados Unidos? •Pág 41

Destruir a Petrobras e preparar um impeachment •Pág 43

A Petrobras precisa de um claro sinal de que estamos a seu lado

•Pág 48

Entrevista: A Petrobrás, bem maior do que diz a mídia •Pág 50

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A importância da Petrobrás hoje talvez seja até maior do que nos anos 50, quando foi criada por Getúlio Vargas.

Seu emblema deixou de significar apenas petróleo nacional.

Tornou-se o espelho de uma transgressão poderosa aos interditos ao desenvolvimento num tempo de mobilidade paralisante dos capitais na vida das nações.

A alavanca que lhe deu o poder de acionar esse derradeiro impulso desenvolvimentista e in-dustrializante no século XXI chama-se pré-sal.

Seu outro nome é soberania com justiça so-cial.Ou estorvo, visto do ângulo de quem defende que o melhor para o país é entregar o seu destino, seu povo e suas riquezas ao comando dos mer-cados.

A velha disputa em torno do petróleo nacio-nal vive assim um capitulo que ameaça dilacerar a estatal nascida das ruas e cuja sorte nelas tal-vez tenha que ser decidida novamente.

Nenhuma dúvida: a corrupção nesse aparato singular deve ser extirpada.

O cupim aqui corrói não apenas recursos.Ele ofusca a centralidade de um confronto

estratégico, cujo desenlace marcará a vida da nação, a sorte de sua gente e do seu desenvolvi-mento em nosso tempo.

O problema não é o jovem juiz urdido em naftalina reacionária.

Ele é uma gota no oceano de interesses que acossam o petróleo brasileiro.

A estatura do seu conceito de isenção não lhe permite enxergar o núcleo duro da disputa.

A quem devem servir as maiores reservas de óleo descobertas no planeta nos últimos trinta anos?

Claro que não aos corruptos, cuja ação re-monta a 1997, na confissão de um deles.

Mas a disjuntiva histórica que descarta os corruptos é mais ampla, embora influenciada pela seletividade no combate ao cupinzeiro.

À nação ou aos mercados?Ou dito de outra forma, para significar a mes-

ma coisa: o Brasil deve se construir como uma na-ção ou um anexo da lógica financeira?

Uma democracia dotada de vontade própria sobre a riqueza ou um piquete de engorda do di-nheiro sem pátria?

A crise atual ressuscitou a pendência que parecia resolvida em 2010 quando o governo Lula regulamentou a exploração soberana das novas reservas.

O que se assiste agora sugere que a sobera-nia não é um estoque, mas um fluxo.

Se não for reafirmada a cada dia, regride.A crise atual é um pouco a sirene que cobra

a lição de casa não feita.Pelo PT, em primeiro lugar, que virou ‘um

partido de gabinetes, dissociado da base’, como

Petrobras: a transgressão ameaçada

Joaquim Palhares - Diretor da Carta Maior

A quem devem servir as maiores reservas de óleo desco-bertas no planeta nos últimos trinta anos? À nação ou aos mercados?

EDITORIAL

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diagnosticou Lula, no evento dos 35 anos do par-tido.

Mas um pouco por toda a esquerda tam-bém. Seu pecado capital é o divisionismo suicida, que elogia o Syriza, uma frente de esquerda, ao mesmo tempo em que se imagina o único syriza digno de figurar na história do país.

O sectarismo é o atalho mais curto para ir-relevância.

A disputa em curso passa ao largo dele.Fortemente ancorada nas encomendas ca-

tivas de máquinas e equipamentos de toda a ca-deia da extração, refino e usos sofisticados da petroquímica, a regulação do pré-sal faculta ao Brasil uma vereda histórica de valor inestimável.

Ela dá ao país um novo berçário industriali-zante e agiganta seu peso na geopolítica mundial, onde o ‘ouro negro’ ainda move interesses bru-tais, como se pode constatar, mais uma vez, pela guerra de preços atual.

Não há fetiche economicista nisso, mas sim o discernimento de que o pré-sal é o chão firme capaz de irradiar um salto tecnológico na produ-tividade da industria brasileira, ademais de reter as rendas de refino no país , gerar excedentes exportáveis, blindar as contas externas, produ-zir empregos de qualidade, prover recursos para uma educação pública e um sistema de saúde de qualidade, multiplicar o contingente de traba-

lhadores dotados de organização, força e discer-nimento histórico para prosseguir.

Não é uma panaceia.É uma possibilidade histórica guardada num

bilhete premiado, que encerra uma poupança de 50 bilhões de barris de petróleo.

O que fazer com ela é o objeto da luta de classe dissimulada na atual crise.

A trava do conteúdo nacional na exploração desse tesouro, por exemplo, é uma espécie de controle de capitais via encomendas à indústria local.

Um drible nos livres mercados num tempo em que todos os trunfos da luta pelo desenvol-vimento foram postos de joelhos pelo poder de chantagem dos capitais em órbita global.

É uma das dimensões do ponto de mutação que está em jogo hoje.

Ser uma nação ou um mercado?O jogo bruto dissimulado na Lava Jato con-

siste em reunir cirurgiões de sabida especialidade para purgar a banda podre da política brasileira.

Sugestivamente, eles isolaram os dois gens malignos do DNA nacional, como alardeia insis-tentemente a emissão conservadora.

Quais?Ora quais.O PT (leia-se, a esquerda).E a Petrobras -- essa transgressão que o pré-

-sal empoderou para ser a parteira de um novo Brasil, acima e à frente frente dos interesses dos endinheirados.

O combate à corrupção nunca foi uma agenda solteira entre nós.

Vargas, Juscelino, Jango sabiam disso.

O cerco atual à Petrobras transpira a mesma dualidade ende-reçada a um alvo mais amplo: extir-par uma transgressão de soberania

antes que ela gere frutos e contami-ne todo processo político do país, em

prejuízo dos paladinos da moralidade em seu intercurso histórico com o gol-

pismo. A ameaça devolve sentido popular aque-

le que talvez seja o mais brasileiro de todos os emblemas da nossa história:

‘O petróleo é nosso.’Resta saber se haverá esquerda capaz de

dar a esse imperativo a atualização econômica, social e mobilizatória que a história cobra nesta hora grave da vida brasileira

Agência Petrobras

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Defender a Petrobrás é defender o BrasilFederação Única dos Petroleiros

As denúncias de corrupção devem ser apuradas, mas não podemos ser ingênuos: há poderosos interesses contrariados pelo crescimento da Petrobrás.

Há quase um ano o País acompanha uma operação policial contra evasão de divisas que detectou evidências de outros crimes,

pelos quais são investigadas pessoas que parti-ciparam da gestão da Petrobrás e de empresas fornecedoras. A ação institucional contra a cor-rupção tem firme apoio da sociedade, na expec-tativa de esclarecimento cabal dos fatos e rigoro-sa punição dos culpados.

É urgente denunciar, no entanto, que esta ação tem servido a uma campanha visando à desmoralização da Petrobrás, com reflexos dire-tos sobre o setor de Óleo e Gás, responsável por investimentos e geração de empregos em todo o País; campanha que já prejudicou a empresa e o setor em escala muito superior à dos desvios in-vestigados.

A Petrobrás tem sido alvo de um bombardeio de notícias sem adequada verificação, muitas ve-zes falsas, com impacto sobre seus negócios, sua

credibilidade e sua cotação em bolsa. É um ata-que sistemático que, ao invés de esclarecer, lança indiscriminadamente a suspeita sobre a empresa, seus contratos e seus 86 mil trabalhadores dedi-cados e honestos.

Assistimos à repetição do pré-julgamento midiático que dispensa a prova, suprime o con-traditório, tortura a jurisprudência e busca cons-tranger os tribunais. Esse método essencialmente antidemocrático ameaça, hoje, a Petrobrás e suas fornecedoras, penalizadas na prática, enquanto empresas produtivas, por desvios atribuídos a pessoas físicas.

Ao mesmo tempo, o devido processo legal vem dando lugar ao tráfico seletivo de denúncias, ofensivo à consciência jurídica brasileira, num ambiente de obscuridade processual que propi-cia a coação e até o comércio de testemunhos com recompensa financeira. Na aparente bus-ca por eficácia, empregam-se métodos que po-

Agência Brasil

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dem – isto, sim – levar à nulidade processual e ao triunfo da impunidade.

E tudo isso ocorre em meio a tremendas os-cilações no mercado global de energia, num con-texto geopolítico que afeta as economias emer-gentes, o Brasil, o Pré-Sal e a nossa Petrobrás.

Não vamos abrir mão de esclarecer todas as denúncias, de exigir o julgamento e a punição dos responsáveis; mas não temos o direito de ser in-gênuos nessa hora: há poderosos interesses con-trariados pelo crescimento da Petrobrás, ávidos por se apossar da empresa, de seu mercado, suas encomendas e das imensas jazidas de petróleo e gás do Brasil.

Historicamente, tais interesses encontram porta-vozes influentes na mídia e nas instituições. A Petrobrás já nasceu sob o ataque de “inimigos externos e predadores internos”, como destacou a presidenta Dilma Rousseff. Contra a criação da empresa, em 1953, chegaram a afirmar que não havia petróleo no Brasil. São os mesmos que sa-botaram a Petrobrás para tentar privatizá-la, no governo do PSDB, e que combateram a legisla-ção do Pré-Sal.

Os objetivos desses setores são bem claros: - Imobilizar a Petrobrás e depreciar a empresa para facilitar sua captura por interesses privados, nacionais e estrangeiros; - Fragilizar o setor brasileiro de Óleo e Gás e a política de conteúdo local; favorecendo fornece-dores estrangeiros; - Revogar a nova Lei do Petróleo, o sistema de partilha e a soberania brasileira sobre as imensas jazidas do Pré-Sal.

Para alcançar seu intento, os predadores apresentam a Petrobrás como uma empresa ar-ruinada, o que está longe da verdade, e escon-dem do público os êxitos operacionais. Por isso é essencial divulgar o que de fato aconteceu na Petrobrás em 2014: - A produção de petróleo e gás alcançou a marca histórica de 2,670 milhões de barris equivalentes/dia (no Brasil e exterior); - O Pré-Sal produziu em média 666 mil barris de petróleo/dia; - A produção de gás natural alcançou 84,5 mi-

lhões de metros cúbicos/dia; - A capacidade de processamento de óleo au-mentou em 500 mil barris/dia, com a operação de quatro novas unidades;- A produção de etanol pela Petrobrás Biocom-bustíveis cresceu 17%, para 1,3 bilhão de litros.

E, para coroar esses recordes, em setembro de 2014 a Petrobrás tornou-se a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital aberto, superando a ExxonMobil (Esso).

O crescente sucesso operacional da Petro-brás traduz a realidade de uma empresa capaz de enfrentar e superar seus problemas, e que conti-nua sendo motivo de orgulho dos brasileiros.

Os inimigos da Petrobrás também omitem o fato que está na raiz da atual vulnerabilidade da empresa à especulação de mercado: a venda, a preço vil, de 108 milhões de ações da estatal na Bolsa de Nova Iorque, em agosto de 2000, pelo governo do PSDB.

Aquela operação de lesa-pátria reduziu de 62% para 32% a participação da União no ca-pital social da Petrobrás e submeteu a empresa aos interesses de investidores estrangeiros sem compromisso com os objetivos nacionais. Mais grave ainda: abriu mão da soberania nacional so-bre nossa empresa estratégica, que ficou subor-dinada a agências reguladoras estrangeiras.

Os últimos 12 anos foram de recuperação e fortalecimento da empresa. O País voltou a

“Para alcançar seu intento, os predadores apresentam a Petrobrás como uma

empresa arruinada, o que está longe da verdade, e escondem do público os êxitos operacionais. O crescente sucesso operacional da Petrobrás traduz a realidade de uma empresa capaz de enfrentar e superar seus problemas, e que con-tinua sendo motivo de orgulho dos brasileiros.”

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investir em pesquisa e a construir gasodutos e refinarias. Alcançamos a autossuficiência, des-cobrimos e exploramos o Pré-Sal, recuperamos para 49% o controle público sobre o capital social da Petrobrás.

O valor de mercado da Petrobrás, que era de 15 bilhões de dólares em 2002, é hoje de 110 bilhões de dólares, apesar dos ataques especula-tivos. É a maior empresa da América Latina.

A participação do setor de Óleo e Gás no PIB do País, que era de apenas 2% em 2000, hoje é de 13%. A indústria naval brasileira, que havia sido sucateada, emprega hoje 80 mil trabalhadores. Além dos trabalhadores da Petrobrás, o setor de Óleo e Gás emprega mais de 1 milhão de pessoas no Brasil.

É nos laboratórios da Petrobrás que se pro-duz nosso mais avançado conhecimento cientí-fico e tecnológico. Os royalties do petróleo e o Fundo Social do Pré-Sal proporcionam aumento significativo do investimento em Educação e Saú-de. Este é o papel insubstituível de uma empresa estratégica para o País.

Por tudo isso, o esclarecimento dos fatos in-teressa, mais do que a ninguém, aos trabalhado-res da Petrobrás e à população brasileira, espe-cialmente à parcela que vem conquistando uma vida mais digna.

Os que sempre tentaram alienar o maior pa-trimônio nacional não têm autoridade política, ad-ministrativa, ética ou moral para falar em nome da Petrobrás.

Cabe ao governo rechaçar com firmeza as investidas políticas e midiáticas desses setores, para preservar uma empresa e um setor que tan-to contribuíram para a atração de investimentos e a geração de empregos nos últimos anos.

A direção da Petrobrás não pode, nesse gra-ve momento, vacilar diante de pressões indevi-das, sujeitar-se à lógica dos interesses privados nem agir como refém de uma auditoria que repre-senta objetivos conflitantes com os da empresa e do País.

A investigação, o julgamento e a punição de corruptos e corruptores, doa a quem doer, não pode significar a paralisia da Petrobrás e do setor mais dinâmico da economia brasileira.

É o povo brasileiro, mais uma vez, que de-fenderá a empresa construída por gerações, que tem a alma do Brasil e simboliza nossa capacida-de de construir um projeto autônomo de Nação.

Pela investigação transparente dos fatos, no Estado de Direito, sem dar trégua à impunidade;

Pela garantia do acesso aos dados e escla-recimentos da Petrobrás nos meios de comunica-ção, isentos de manipulações;

Pela garantia do sistema de partilha, do Fun-do Social e do papel estratégico da Petrobrás na exploração do Pré-Sal;

Pela preservação do setor nacional de Óleo e Gás e da Engenharia brasileira.

Defender a Petrobrás é defender o Brasil – nosso passado de lutas, nosso presente e nosso futuro.

PAC

/ Fl

ickr

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“Há vários interesses geopolíticos in-terferindo na crise da Petrobras”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo,

ao lembrar que as petroleiras norte-americanas ficaram de fora da exploração de uma enorme reserva da área do pré-sal onde estão presentes companhias chinesas, associadas à estatal brasi-leira.

O professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e eventual assessor da presidenta Dilma Rousseff analisa o escândalo em torno da operação Lava Jato a partir de um ângulo geopolítico e econômico, evitando o alar-mismo da velha imprensa, que parece interessa-

da em “modificar o regime da partilha e voltar ao de concessão”, segundo afirmou em entrevista à Carta Maior.

Mar de fundo “Claro que tudo isto que acontece na Pe-

trobras tem importância geopolítica. Acredito que os Estados Unidos não se conformem em te-rem ficado de fora da exploração do campo de Libra, no leilão do ano passado, vencido por um consórcio de petroleiras chinesas, e todo o mun-do sabe que a China quer disputar novos leilões na área do pré-sal, fortalecendo sua presença”.

“Há interesses geopolíticos contra a Petrobras’’Dario Pignotti

Temos de analisar a crise da Petrobras à luz do problema global do petróleo, mas o alarmismo da imprensa parece interessado em modificar o regime de partilha do pré-sal

Agência Senado / Flickr

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“A crise da Petrobras tem que ser compre-

endida em meio a um quadro maior, que é o pro-blema global do petróleo, envolvendo a Rússia e as pressões feitas recentemente contra a Rússia, tentando encurralar o governo de Putin. Me pa-rece difícil que as potências ocidentais consigam fazer a alma russa ceder”.

Dilma “É absurdo vincular de algum modo a pre-

sidenta Dilma com a corrupção. É inaceitável que setores da oposição, setores da sociedade bra-sileira digam essas coisas que na verdade são conseqüência de não aceitarem que foram der-rotados nas eleições. Isso é desconhecer o voto popular, isso é golpismo”.

Petróleo, Rússia e Brics “Eu não sei se este escândalo é em repre-

sália pela participação brasileira nos Brics, o que sei é que a posição do Brasil nos Brics é algo que os Estados Unidos e a Europa olham atentamen-te. Quando alguém fala com funcionários interna-cionais, contam as pressões que o Brasil sofreu relacionadas ao banco de fomento e ao acordo do fundo de contingências dos Brics, que é uma espécie de novo FMI (acordos assinados neste ano na cúpula dos Brics de Fortaleza).

Se este fundo já estivesse em funciona-mento hoje, talvez pudessem mitigar as pressões cambiais que a Rússia sofre e que estão afetando o Brasil também. As pressões de certos grupos são fortíssimas para que o Brasil se separe dos Brics e também do Mercosul, que estará reunido nesses dias na Argentina. E querem empurrar o Brasil para fazer um acordo com a União Euro-peia, que eu chamo de ‘volume morto da econo-mia mundial’. Eu não digo que é preciso se sepa-

rar dos Estados Unidos e da União Europeia”. Petrobras e empreiteiras “O peso da Petrobras e das empreiteiras

na formação de capital fixo é fundamental no Brasil, então o que eu tenho manifestado é o te-mor de uma paralisia maior na economia. Existe o risco de que seja introduzido um fator depressivo em uma economia que se está comprometendo o corte de gastos e a austeridade com o novo go-verno.

É preciso saber discernir entre os even-

tuais crimes que tenham ocorrido e permitir que as empresas empreiteiras continuem operando porque não é possível substituí-las. Elas têm uma memória técnica muito importante, participaram em todas as grandes obras de infraestrutura des-de o regime militar”.

“É preciso evitar um problema sistêmico, se a Petrobras continuar neste impasse, isto vai prejudicar as empresas provedoras da Petrobras, que já estão estranguladas e não estão cobran-do”.

Hipocrisia “Há muita hipocrisia no modo como a mí-

dia trata a crise no Brasil. Fala-se com muito alar-mismo da Petrobras e não se diz como agiram os norte-americanos diante da crise do subprime, foi um problema muito maior que o da Petrobras. Al-guns bancos receberam multas pesadas, alguns executivos foram sancionados penalmente, fo-ram menos do que aqui, mas ao final, os america-nos preservaram as estruturas.

O Congresso introduziu mudanças nas leis financeiras para proteger os bancos e os de-pósitos. Foi um projeto redigido pelo Citigroup. E, frente a tudo isto, ninguém se escandaliza e nin-guém fala de corrupção”.

Abutres “Quando a justiça dos Estados Unidos in-

tervém na crise da Petrobras diante das deman-das dos advogados que patrocinam os acionistas, estamos vendo um procedimento estranho, pare-cido com o que aconteceu com os fundos abutres e a Argentina.

Claro que há acionistas da Petrobras na Bolsa de Nova York, os ADR são emitidos em

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porque as reservas já estão descobertas, seus re-cursos já estão estimados. E tudo isto é para tirar o controle da exploração da Petrobras e passar para as empresas petroleiras estrangeiras. Acre-dito que também querem trazer as construtoras estrangeiras, em especial as construtoras norte--americanas.

Esses grupos de imprensa sempre ataca-ram a Petrobras, desde a sua criação (1953).

Toda a imprensa brasileira, salvo o jornal Última Hora, esteve visceralmente contra a Pe-trobras e atacou a campanha “O Petróleo é Nos-so”.

(As palavras de Belluzzo sobre o lobby da Globo a favor das empreiteiras norte-americanas ficaram em evidência em uma coluna de Carlos Alberto Sardenberg, que propôs a formação de um programa similar ao PROER dos anos 90, para socorrer e depurar as empreiteiras e ao mesmo tempo permitir que estas se associem a empre-sas estrangeiras).

Maria das Graças Foster “Acredito que não possamos subestimar o

problema da corrupção na Petrobras, que mos-traque houve falta de controle de suas autori-dades. Essa corrupção enfraquece a empresa. Tenho a melhor impressão de Maria das Graças Foster, acredito que ela não esteja envolvida em nada, mas me parece que a direção da Petrobras deveria sair para conter a crise. Acredito que ela deveria ser substituída por um empresário ou por um militar.

Vou lembrar algo que parece meio desa-gradável, mas a verdade é que o Exército sempre teve um compromisso com o petróleo, por isso eu designaria uma militar democrata sério para ad-ministrar a Petrobras, isso daria credibilidade.

Há muitos militares democráticos?, per-

guntou Carta Maior. “Sim, há. É preciso lembrar que o processo

de criação da Petrobras contou com o apoio do exército. O golpe de 64 fez com que esses mili-tares nacionalistas perdessem peso. Não se pode generalizar quando se fala dos militares. Depois do golpe, houve um grupo comprometido com a tortura, mas houve outro grupo que não estava. Por isso acredito que haja militares nacionalistas que agora podem dar uma contribuição com a Petrobras”.

Nova York, mas acredito que tudo isto seja um pretexto para poder levar o caso à justiça.

Capitalização estatal “O governo teria que capitalizar a empre-

sa, que está muito desvalorizada, seu valor de mercado está muito longe de seu valor patrimo-nial. O preço das ações da Petrobras está dimi-nuindo aceleradamente porque as bolsas se mo-vem seguindo as expectativas de curto prazo, e eu acredito que se enxergassem em longo prazo, o prelo das ações não teria uma queda tão signi-ficativa”.

Polícia “As estruturas encarregadas de “vigiar e

punir”, como dizia Foucault, como é a polícia fe-deral, agem sem cuidar das estruturas empresa-riais fundamentais.

Isso é inevitável no Brasil. Aqui, a Polícia Federal e as polícias estaduais estiveram sempre sintonizadas com certos grupos políticos, com a imprensa e com setores do Poder Judiciário. É as-sim que o sistema funciona, e os membros da po-lícia atuam individualmente seguindo esta lógica. Não é pela maldade ou pela vontade deste ou da-quele delegado, é o mecanismo existente que faz com que a investigação seja feita sem que se leve em conta as consequências que isso terá para o conjunto da sociedade”.

Globo “O que se lê na cobertura do Globo é que

eles querem transformar o regime de partilha que está em vigor pelo de concessão que se aplicava antes. Mas não se justifica um regime de conces-são porque agora não há riscos para os privados

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Matar, picar e salgar a PetrobrasSaul Leblon

Não se mira a lisura na gestão pública. Fosse isso o clamor da faxina viria associado à defesa da reforma política e do pré-sal. O alvo é outro.

A emoção da Presidenta Dilma na ce-rimônia de entrega do Relatório da Comissão da Verdade, nesta 4ª feira,

condensa camadas de angústia de quem conhe-ceu de perto o horror de ser mastigada por forças incontroláveis.

O chão tinto de sangue do banheiro onde foi jogada após as sessões de tortura ficou impreg-nado na memória da jovem ativista de 19 anos.

Presa em 1970, ela foi manuseada por quase três anos na máquina de sadismo que matou 434 pessoas no Brasil, perseguiu milhares de outras, submeteu a sociedade a um regime de arrocho, terror, censura e medo.

As lágrimas incontidas desta 4ª feira, mira-vam o passado dos que foram supliciados como ela; o eterno presente dos familiares dos desapa-recidos, ‘que sofrem como se eles morressem de

novo, e sempre, a cada dia’; mas também, é muito provável, carregavam a angústia da chefe da na-ção diante da encruzilhada brasileira atual.

O sonho dos vivos e dos mortos desafia a mulher madura que hoje se prepara para assumir o segundo mandato presidencial e sabe o quanto é imperativo manter uma nação a salvo de forças incontroláveis.

Sabe, sobretudo, que elas não se manifes-tam mais apenas na forma do totalitarismo poli-cial. A supremacia do poder financeiro no sécu-lo XXI pode sequestrar o destino de uma nação através de fluxos financeiros à paisana.

E impor a sua vontade, interditos históricos, e os mesmos custos sociais de um Estado dita-torial.

O passado, o presente e o futuro se entre-cruzam nesse momento a evidenciar que o Brasil

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vive um divisor nessa história.Um ciclo de expansão se esgotou, um outro

pede para ser construído.Pendências novas e antigas se misturam em

meio a um cenário mundial adverso.A variável determinante passa pela velocida-

de imprevista da transição chinesa.A sensação de que tudo está despencando

não é fora de propósito.É como se o mastro que ancorava a lona da

economia global de repente afundasse.O motor asiático investia, em média, cerca

de 45% do PIB e importava outros 10% em maté-rias-primas para saciar sua fornalha.

O velocímetro do seu crescimento recuou de 11% para perto de 7% ao ano.

O ritmo da freada sugere que poderá recu-ar ainda mais.

O tranco derruba as cotações das com-modities nos cinco continentes.

As agrícolas estão em média 15% abaixo do piso declinante de 2013. O custo barril de petróleo ficou 40% mais barato des-de junho.

Caiu mais um pouco nesta 4ª feira.

O freio de arruma-ção vai desativar poços ineficientes que flutua-vam sobre uma deman-da a US$ 120/barril.

O canal externo da economia nos países exporta-dores de óleo, metais e alimentos foi comprimido.

Em muitos deles, estreitou-se a margem de manobra de políticas associadas a um projeto de desenvolvimento com repartição de renda.

A descrição se encaixa nas características do modelo em curso na América Latina, pilotado por um colar de governos progressistas que mu-dou a geopolítica regional.

Em 2014, pela primeira vez em dez anos, se-gundo a OCDE, o PIB médio da região terá um crescimento inferior à expansão, já medíocre, prevista para as economias ricas: poderá situar--se abaixo de 1,5%.

O Brasil será atingido pela queda nas cota-ções e no volume dos embarques de minérios e grãos. Mas também de produtos manufaturados vendidos a parceiros latino-americanos em idên-tico apuro.

O raciocínio não vale para o caso da Petro-brás.

Sobretudo, não vale para o pré-sal, que ope-ra com tecnologia de ponta e risco zero em cada poço, sendo viável a partir de um barril em torno de U$45/50.

A escala gigantesca das reservas é outro di-ferencial quando cálculos de amortização de cus-tos tem que ser refeitos.

O número mais comedido estima em 45 bi-lhões de barris o total recuperável das reservas descobertas a seis mil metros da superfície, no fundo do oceano. Estimativas não descabidas fa-lam em algo como o dobro disso.

O fato é que o pré-sal oferece o melhor ho-rizonte de desenvolvimento para a in-

dústria de petróleo no mundo.

“O número mais comedido estima em 45 bilhões de barris o total recuperá-

vel das reservas descobertas a seis mil metros da superfície, no fundo do oceano. Estimativas não descabidas falam em algo como o dobro disso.O fato é que o pré-sal oferece o melhor horizonte de desenvolvimen-to para a indústria de petróleo no mundo.

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A taxa que mede isso mostra que ele ga-rante 88% de óleo recuperável sobre o total exis-tente, contra 75% na Arábia Saudita, 65% na Rússia e 55% nos EUA.

O avanço do xisto norte-americano mexe com a demanda mundial, mas não altera o trunfo das vantagens comparativas, que inclui o domínio brasileiro da tecnologia de ponta em águas pro-fundas.

O conjunto compõe o chão firme sobre o qual se desenvolve o maior projeto de investi-mento empresarial do planeta na atualidade.

Repita-se: o maior plano de investimento em curso no século XXI, feito por uma única corpora-ção, é o da Petrobras.

Algo em torno de U$ 200 bilhões de dólares serão aplicados pela estatal em exploração e pro-dução, entre 2014 e 2018.

Cerca de US$ 12 bilhões de dólares terão que ser financiados no mercado internacional.

Caso o mergulho das commodities ganhe a parceria de uma elevação nas taxas de juros nos EUA, o custo desse financiamento poderá impor algum freio no ritmo da exploração.

Mas não a ponto de inviabilizar as suas refe-rências estratégicas de longo prazo.

Entre elas inclua-se a insubstituível necessi-dade de uma oferta estável de petróleo para que a humanidade possa realizar a transição rumo a energias renováveis, sem atropelos de abasteci-mento ou explosão de custos.

O pré-sal e o seu modelo de regulação sobe-rana, acoplado à exigência de conteúdo nacional, continuam a figurar como o bilhete premiado do desenvolvimento brasileiro.

Mais que isso.Talvez representem o derradeiro impulso in-

dustrializante capaz de rejuvenescer a sua base competitiva, garantindo o excedente necessário

à finalidade social do crescimento.O tesouro não contradiz, antes explica a

angústia que talvez tenha contribuído para a de-monstração incomum de emotividade da Presi-denta da República na cerimônia da Comissão da Verdade.

A exploração conservadora dos casos de corrupção dentro da empresa pode inviabilizar esse trunfo contracíclico no momento em que a China desacelera, a Europa deflaciona e a recu-peração norte-americana se faz com elevada de-sigualdade social.

Fomentar uma crise de confiança no país

para atingir o governo Dilma é a estratégia do terceiro turno em marcha.

Desqualificar a Petrobrás, e o projeto de de-senvolvimento que ela pilota, é a pedra basilar do mutirão graúdo.

Não se mira a lisura na gestão do dinheiro público.

Fosse isso o clamor da faxina viria associado à defesa da reforma política, do pré-sal e do que ele significa para o crescimento, a educação e a saúde.

O alvo é outro.Trata-se de usar o pé-de-cabra da corrup-

“Trata-se de usar o pé-de--cabra da corrupção para derrubar um governo, e

escancarar portas que permitam ao capital estrangeiro servir-se do pré--sal como um banco de sangue na transfusão requerida pela riqueza papeleira.”

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ção para derrubar um governo, e escancarar por-tas que permitam ao capital estrangeiro servir-se do pré-sal como um banco de sangue na transfu-são requerida pela riqueza papeleira.

A angústia estampada no rosto crispado da Presidenta da República nesta quarta-feira refle-tia o desfile dos vivos e dos mortos; mas também do sonho brasileiro que os mobilizou.

O risco de vê-lo escapar é real.A curetagem conservadora pode anular a

alma de uma nação se conseguir convencê-la a rastejar por debaixo de suas possibilidades his-tóricas.

A Petrobras sozinha representa mais de 10% de todo o investimento brasileiro em 2014, esti-mado em insuficientes 18,5% do PIB.

As empreiteiras associadas ao esquema de corrupção da estatal, segundo cálculos rápidos do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, estariam ligadas a um conjunto de obras em diferentes se-tores que somariam quase a metade da taxa de investimento prevista para o ano.

‘É importante o rigor com os envolvidos na corrupção; mas as empresas, a exemplo da Pe-trobras, e assim como se faz nos EUA, não podem ser inviabilizadas. Há um risco real de paralisar o

país’, diz Belluzzo que discorda da orientação mi-nisterial de sua amiga, ex-aluna e Presidenta da República.

Um aperto fiscal e monetário agora, pondera o economista, reforça a ameaçadora dinâmica do estrangulamento recessivo: ‘Tínhamos que reagir com um forte investimento público, mas cedemos ao senso comum’, diz com desacordo: ‘É como se coisas movessem os humanos e não o contrário. A hierarquia só será recomposta quando o de-semprego bater nas ruas’.

O conservadorismo opera diuturnamente para reforçar essa coisificação da economia e as-sim sepultar qualquer disposição para enfrentar dogmas e interditos.

O matadouro é visível até a um bife a Ca-mões.

Trata-se de espremer Dilma e tanger o PT, obrigando-os a pensar pequeno.

Pensar um futuro menor que o país.Uma segunda gestão de Dilma menor que as

possibilidades e urgências da Nação.Com um programa menor que a ponte ne-

cessária para saltar da prostração ao discerni-mento de um pacto feito de prazos, salvaguardas, reformas e metas críveis de crescimento.

Se pensar pequeno, o Brasil corre o risco de caber no projeto conservador.

E emergir do outro lado na lista dos desapa-recidos da Comissão da Verdade, com um aden-do:

‘O sonho da democracia social brasileira’.Não é impossível que a Presidenta Dilma te-

nha vislumbrado esse risco na cerimônia de hoje. A ver.

“As empreiteiras associadas ao esquema de corrup-ção da estatal, segundo

cálculos rápidos do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, estariam ligadas a um conjunto de obras em diferentes setores que somariam quase a meta-de da taxa de investimento prevista para o ano.”

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Os dez estragos de FHC na PetrobrasFernando Leite Siqueira

1993 - Como ministro da Fazenda, Fernando Hen-rique Cardoso fez um corte de 52% no orçamento da Petrobrás previsto para o ano de 1994, sem nenhuma fundamentação ou justificativa técnica. Ele teria invia-bilizado a empresa se não tivesse estourado o escân-dalo do orçamento, envolvendo vários parlamentares apelidados de `anões do orçamento`, no Congresso Nacional, assunto que desviou a atenção do País, fa-zendo com que se esquecessem da Petrobrás. Toda-via, isto causou um atraso de cerca de 6 meses na pro-gramação da empresa, que teve de mobilizar as suas melhores equipes para rever e repriorizar os projetos integrantes daquele orçamento;

1994 - Ainda como ministro da Fazenda, com a ajuda do diretor do Departamento Nacional dos Combustíveis, manipulou a estrutura de preços dos de-rivados do petróleo, de forma que, nos 6 últimos meses que antecederam o Plano Real, a Petrobrás teve aumentos mensais na sua parcela dos combustíveis em valores 8% abaixo da inflação. Por outro lado, o cartel internacional das distribuidoras derivados teve aumentos de 32%, acima da inflação, nas suas par-celas.

Isto significou uma transferência anual, permanente, de cerca de US$ 3 bilhões do faturamento da Petrobrás, para o cartel dessas distribuidoras.

A forma de fazer isto foi através dos 2 aumentos mensais que eram concedidos aos derivados, pelo fato de a Petrobrás comprar o petróleo em dólares, no exterior, e vender no mercado em moeda nacional. Havia uma inflação alta e uma desvalorização diária da nossa moeda. Os dois aumentos repunham parte das perdas que a Petrobrás sofria devido a essa desvalorização.

Mais incrível: a Petrobrás vendia os derivados para o cartel e este, além de pagá-la só 30 a 50 dias de-pois, ainda aplicava esses valores e o valor dos tributos retidos para posterior repasse ao tesouro no mercado financeiro, obtendo daí vultosos ganhos financeiros em face da inflação galopante então presente. Quando o pla-no Real começou a ser implantado com o objetivo de acabar com a inflação, o cartel reivindicou uma parcela maior nos aumentos porque iria perder aquele duplo e absurdo lucro.

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1995 - Em fevereiro, já como presidente, FHC proibiu a ida de funcionários de estatais ao Congresso Nacional para prestar informações aos parlamentares e ajudá-los a exercer seus mandatos com respaldo de informações corretas. Assim, os parlamentares ficaram reféns das ma-nipulações da imprensa comprometida. As infor-mações dadas aos parlamentares no governo de Itamar Franco, como dito acima, tinham impedido a revisão com um claro viés neoliberal da Consti-tuição Federal.

Emitiu um decreto, 1403/95 que instituía um órgão de inteligência, o SIAL, Serviço de In-formação e apoio Legislativo, com o objetivo de espionar os funcionários de estatais que fossem a Brasília falar com parlamentares. Se descobertos, seriam demitidos.

Assim, tendo tempo para me aposentar, soli-citei a aposentadoria e fui para Brasília por conta da Associação. Tendo recursos bem menores que a Petrobrás (que, no governo Itamar Franco en-viava 15 empregados semanalmente ao Congres-so), eu só podia levar mais um aposentado para ajudar no contato com os parlamentares. Um dos nossos dirigentes, Argemiro Pertence, mudou-se para Brasília, às suas expensas, para ajudar nesse trabalho;

Também em 1995, FHC deflagrou o contrato e a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que foi o pior contrato que a Petrobrás assinou em sua história. FHC, como ministro da Fazenda do

governo Itamar Franco, funcionou como lobista em favor do gasoduto. Como presidente, suspen-deu 15 projetos de hidrelétricas em diversas fa-ses, para tornar o gasoduto irreversível. Este fato, mais tarde, acarretaria o `apagão` no setor elétri-co brasileiro.

As empresas estrangeiras, comandadas pela Enron e Repsol, donas das reservas de gás na-quele país só tinham como mercado o Brasil. Mas a construção do gasoduto era economicamente inviável. A taxa de retorno era de 10% ao ano, en-quanto o custo financeiro era de 12% ao ano. Por isto pressionaram o Governo a determinar que Petrobrás assumisse a construção. A empresa foi obrigada a destinar recursos da Bacia de Cam-pos, onde a Taxa de Retorno era de 80%, para in-vestir nesse empreendimento. O contrato foi ruim para o Brasil pelas seguintes razões: mudança da matriz energética para pior, mais suja, ficar de-pendente de insumo externo dominado por cor-porações internacionais, com o preço atrelado ao do petróleo e valorada em moeda forte; foi ruim para a Bolívia que só recebia 18% pela entrega de uma de suas últimas riquezas, a mais significativa. Evo Morales elevou essa participação para 80% (a média mundial de participação dos países ex-portadores é de 84%) e todas as empresas acei-taram de bom grado. E foi péssimo para a Petro-brás que, além de tudo, foi obrigada a assinar uma cláusula de `Take or Pay`, ou seja, comprando ou não a quantidade contratada, ela pagaria por ela. Assim, por mais de 10 anos, pagou por cerca de 10 milhões de metros cúbicos sem conseguir vender o gás no mercado nacional.

Em 1995, o governo, faltando com o compro-misso assinado com a categoria, levou os petro-leiros à greve, com o firme propósito de fragilizar o sindicalismo brasileiro e a sua resistência às pri-vatizações que pretendia fazer. Havia sido assina-do um acordo de aumento de salário de 13%, que foi cancelado sob a alegação de que o presidente da Petrobrás não o havia assinado. Mas o acor-do foi assinado pelo então Ministro das Minas e Energia, Delcídio Amaral, pelo representante do presidente da Petrobrás e pelo Ministro da Fazen-da, Ciro Gomes.

Além disto, o acordo foi assinado a partir de uma proposta apresentada pelo presidente da Petrobrás. Enfim, foi deflagrada a greve, após muita provocação, inclusive do Ministro do TST, Almir Pazzianoto, que disse que os petroleiros estavam sendo feitos de palhaços. FHC reprimiu a greve fortemente, com tropas do exercito nas

“Em 1995, o governo, faltan-do com o compromisso assinado com a categoria,

levou os petroleiros à greve, com o firme propósito de fragilizar o sindi-calismo brasileiro e a sua resistência às privatizações que pretendia fazer. Havia sido assinado um acordo de aumento de salário de 13%, que foi cancelado sob a alegação de que o presidente da Petrobrás não o havia assinado.”

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refinarias, para acirrar os ânimos. Mas deixou as distribuidoras multinacionais de gás e combus-tíveis sonegarem os produtos, pondo a culpa da escassez deles nos petroleiros. No fim, elas leva-ram 28% de aumento, enquanto os petroleiros perderam até o aumento de 13% já pactuado e assinado.

Durante a greve, uma viatura da Rede Glo-bo de Televisão foi apreendida nas proximidades de uma refinaria, com explosivos. Provavelmente, pretendendo uma ação sabotagem que objetiva-va incriminar os petroleiros. No balanço final da greve, que durou mais de 30 dias, o TST estabele-ceu uma multa pesada que inviabilizou a luta dos sindicatos. Por ser o segundo maior e mais forte sindicato de trabalhadores brasileiros, esse des-fecho arrasador inibiu todos os demais sindicatos do país a lutar por seus direitos. E muito menos por qualquer causa em defesa da Soberania Na-cional. Era a estratégia de Fernando Henrique para obter caminho livre e sangrar gravemente o patrimônio brasileiro.

1995 – O mesmo Fernando Henrique co-mandou o processo de mudança constitucio-nal para efetivar cinco alterações profundas na Constituição Federal de 1988, na sua Ordem Econômica, incluindo a quebra do monopólio Estatal do Petróleo, através de pressões, libera-ção de emendas dos parlamentares, barganhas e chantagens com os parlamentares (o começo do `mensalão` – compra de votos de parlamentares com dinheiro desviado do erário público). Mante-ve o presidente da Petrobrás, Joel Rennó que, no governo Itamar Franco, chegou a fazer carta ao Congresso Nacional defendendo a manutenção do monopólio estatal do petróleo, mas que, no governo FHC, passou a defensor empedernido da sua quebra.

1996 - Fernando Henrique enviou o Projeto de Lei que, sob as mesmas manobras citadas, se transformou na Lei 9478/97. Esta Lei contem ar-tigos conflitantes entre si e com a Constituição Brasileira. Os artigos 3º, 4º e 21, seguindo a Cons-tituição, estabelecem que as jazidas de petróleo e o produto da sua lavra, em todo o território Na-cional (parte terrestre e marítima, incluído o mar territorial de 200 milhas e a zona economicamen-te exclusiva) pertencem à União Federal. Ocorre que, pelo seu artigo 26 -- fruto da atuação do lobbysobre uma brecha deixada pelo Projeto de Lei de FHC -- efetivou a quebra do Monopólio, fe-rindo os artigos acima citados, além do artigo 177 da Constituição Federal que, embora alterada, manteve o monopólio da União sobre o petróleo. Esse artigo 26 confere a propriedade do petróleo a quem o produzir.

“FHC comandou o processo de mudança constitucional para efetivar cinco altera-

ções profundas na Constituição, na sua Ordem Econômica, incluindo a quebra do monopólio Estatal do Petróleo, através de pressões, libera-ção de emendas dos parlamentares, barganhas e chantagens com os parlamentares.”

Petroleiros em Cubatão durante greve de 1995 (foto: Averaldo Menezes Almeida)

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1- Mudou o conceito de empresa nacional. A Constituição de 1988 havia estabelecido uma distinção entre empresa brasileira de

capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro. As empresas de capital estrangeiro só poderiam explorar o subsolo brasileiro (miné-rios) com até 49% das ações das companhias mi-neradoras. A mudança enquadrou todas as em-presas como brasileiras. A partir dessa mudança, as estrangeiras passaram a poder possuir 100% das ações. Ou seja, foi es-cancarado o subsolo bra-sileiro para as multinacio-nais, muito mais poderosas financeiramente do que as empresas nacionais. A Companhia Brasileira de Recursos Minerais havia estimado o patrimônio de minérios estratégicos bra-sileiros em US$ 13 trilhões. Apenas a companhia Vale do Rio Doce detinha direi-tos minerários de US$ 3 trilhões. FHC vendeu essa companhia por um valor inferior a que um milésimo do valor real estimado.

2- Quebrou o mo-nopólio da na-vegação de ca-

botagem, permitindo que navios estrangeiros na-vegassem pelos rios bra-sileiros, transportando os minérios sem qualquer controle;

3- Quebrou o mono-pólio das telecomunicações, para priva-tizar a Telebrás porum preço abaixo da

metade do que havia gastado na sua melhoria nos últimos 3 anos, ao prepará-la para ser desnacio-nalizada. Recebeu pagamento em títulos podres e privatizou um sistema estratégico de transmis-são de informações. Desmontou o Centro de Pes-quisas da empresa e abortou vários projetos es-

tratégicos em andamento como capacitor ótico, fibra ótica e TV digital;

4- Quebrou o monopólio do gás canaliza-do e entregou a distribuição a empresas estrangeiras. Um exemplo é a estratégi-

ca Companhia de Gás de São Paulo, a COMGÁS, que foi vendida a preço vil para a British Gas e para a Shell. Não deixou a Petrobrás participar do leilão através da sua empresa distribuidora.

Mais tarde, abriu parte do gasoduto Bolívia-Bra-sil para essa empresa e para a Enron, com ambas pagando menos da me-tade da tarifa paga pela Petrobrás, uma tarifa ba-seada na construção do Gasoduto, enquanto que as outras pagam uma ta-rifa baseada na taxa de ampliação.

5- Quebrou o Mo-nopólio Estatal do Petróleo,

através de uma emenda à Constituição de 1988, retirando o parágrafo primeiro, elaborado pelo diretor da AEPET, Gua-racy Correa Porto, que estudava direito e con-tou com a ajuda de seus professores na elabora-ção. O parágrafo extinto era um salvaguarda que impedia que o gover-no cedesse o petróleo como garantia da dívida

externa do Brasil. FHC substituiu esse parágrafo por outro, permitindo que as atividades de explo-ração, produção, transporte, refino e importação fossem feitas por empresas estatais ou privadas. Ou seja, o monopólio poderia ser executado por várias empresas, mormente pelo cartel interna-cional.

AS CINCO MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS PROMOVIDAS POR FHC:

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A Campanha do Petróleo e a Mobilização Popular em favor da PetrobrásGilberto Bercovici*

Conheça a história da Petrobrás, que desde a sua criação, foi mais que uma empresa pública. Surgiu como emblema da nacionalidade e da soberania brasileira.

No Brasil da década de 1930, sob a Pre-sidência de Getúlio Vargas, embora não houvesse propriamente um plano

de desenvolvimento, a instituição de uma série de novos órgãos realça a mudança nas relações entre o Estado e o sistema econômico, buscando o aprofundamento da industrialização de base, o redirecionamento do centro dinâmico da econo-mia para o mercado interno e a redução da de-pendência do país em relação aos mercados in-ternacionais de produtos primários.

O peso do petróleo e derivados sobre a pauta de importações brasileira, em tempos tumultua-dos que antecediam a eclosão de mais uma guer-ra mundial, adquire grande importância. Tratar de petróleo não dizia respeito apenas ao equilíbrio da balança comercial, mas também à dependên-cia nacional em relação ao suprimento de produ-tos básicos para o processo de industrialização, para o sistema de transportes e comunicações e para a própria defesa do país. É neste contexto que os militares passam, também, a se preocupar com a questão petrolífera.

No campo militar, o nome que se destacaria na proposição e implementação de uma política petrolífera foi o do General Júlio Caetano Horta Barbosa, primeiro presidente do Conselho Nacio-nal do Petróleo, órgão criado por meio do Decre-to-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938. Foi sob a di-reção do General Horta Barbosa que o Conselho Nacional do Petróleo descobriu as primeiras jazi-das de petróleo do Brasil, na região do Município de Lobato, na Bahia, em 1939.

No entanto, a partir de 1943, com a saída do General Horta Barbosa do Conselho Nacional do Petróleo, há uma mudança significativa na linha de atuação da política nacional do petróleo. As iniciativas nacionalistas são cada vez de menor intensidade, ampliando-se as tentativas de alte-ração da legislação no sentido de permitir a par-ticipação do capital estrangeiro e diminuir a atua-ção direta do Estado na indústria petrolífera.

A equipe do Presidente Dutra, em 1947, ela-borou um anteprojeto de lei sobre o petróleo em que buscava revogar a orientação nacionalis-ta seguida desde 1938. A proposta do Governo

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Dutra, denominada de “Estatuto do Petróleo”, ti-nha como ideia-chave a abertura do setor para o capital privado, nacional ou estrangeiro. Para os autores do projeto, a participação do capital estrangeiro era a única forma de assegurar a ex-ploração de petróleo no país, pois o Estado não teria recursos para investir no setor, o que pode-ria comprometer as futuras gerações.

O debate sobre o controle do Estado so-bre os recursos estratégicos, especialmente o petróleo, começou a ganhar espaço em alguns órgãos de imprensa e vários setores da socieda-de, como o próprio Clube Militar. O Clube Militar convidou o General Juarez Távora, ex-Ministro da Agricultura do Governo Provisório e um dos responsáveis pela elaboração do Código de Mi-nas de 1934, que consagrou a nacionalização dos recursos minerais do subsolo, a pronunciar uma série de conferências sobre o tema do petróleo em 1947. Revendo suas ideias, o General Juarez Távora, embora ainda se afirmasse defensor da soberania nacional sobre os recursos minerais, advogava a colaboração do capital estrangeiro para a exploração das reservas petrolíferas bra-sileiras. Como o Brasil dispunha de reservas, mas não de recursos técnicos, humanos e econômicos suficientes para explorá-las, o capital estrangeiro seria necessário para este empreendimento. Não bastasse isto, a condição brasileira de aliado dos Estados Unidos também favoreceria a permissão de colaboração do capital estrangeiro, especial-mente norte-americano, ainda mais levando-se em conta a necessidade de exploração de um re-curso tão estratégico como o petróleo. O mono-pólio do Estado, para Juarez Távora, seria a solu-ção ideal, mas as condições objetivas brasileiras impediriam sua adoção naquele momento.

Além do General Juarez Távora, o Clube Mi-litar convidou o ex-Presidente do Conselho Na-cional do Petróleo, General Horta Barbosa, para se manifestar sobre o assunto, em duas confe-rências, também em 1947. A posição de Horta Barbosa foi contraposta à de Juarez Távora. Para ele, seria impossível conciliar os interesses na-cionais da política do petróleo com os interesses privados das grandes empresas internacionais. A única alternativa viável para a preservação da so-berania nacional sobre os recursos minerais seria a exploração do petróleo em regime de monopó-lio estatal. Para Horta Barbosa, se o petróleo não fosse monopólio estatal, se tornaria um monopó-lio internacional.

A tramitação do “Estatuto do Petróleo” não

foi tranquila. A falta de convicção da própria maioria parlamentar que sustentava o Governo Dutra contribuiu para a abertura às contestações. O crescimento da oposição à aprovação do “Es-tatuto do Petróleo”, apesar do boicote da grande imprensa, vai ser perceptível nos meios políticos e empresariais. A organização de vários setores da sociedade em defesa da nacionalização dos recursos minerais, particularmente do petróleo, vai conseguir pressionar o Executivo e o Legislati-vo a não aprovarem o “Estatuto do Petróleo”, cuja discussão foi sendo abandonada até a aprovação da legislação que instituiria o monopólio estatal do petróleo em 1953.

Estudantes, sindicalistas, intelectuais, milita-res, técnicos e integrantes de praticamente todas as camadas sociais vão conseguir, em um mo-mento raro da história política brasileira, mobilizar a opinião pública a favor da tese do monopólio estatal do petróleo. A “Campanha do Petróleo”, cujo lema, “O Petróleo é Nosso”, ganhou as ruas de todo o país, foi articulada, a partir de abril de 1948, em torno do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), que tinha entre seus presidentes de honra o General Horta Barbosa e o ex-Presidente Arthur Bernar-des. A “Campanha do Petróleo” enfrentou uma série de obstáculos, como o boicote da grande imprensa, a repressão policial (justificada pela sua suposta vinculação ao Partido Comunista, na ilegalidade desde 1947), a hostilidade do em-presariado, entre outros. Apesar das dificuldades, serão realizadas palestras e conferências sobre o tema do petróleo por todo o país, com a publi-cação de inúmeros textos e panfletos, visando esclarecer a população. Ao conseguir mobilizar a opinião pública nacional, a “Campanha do Petró-leo” tornou o tema uma questão obrigatória nos debates das eleições gerais de 1950, ampliando ainda mais o seu impacto.

“Estudantes, sindicalistas, intelectuais, militares, téc-nicos e integrantes de pra-

ticamente todas as camadas sociais vão conseguir, em um momento raro da história política brasileira, mobili-zar a opinião pública a favor da tese do monopólio estatal do petróleo.”

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A eleição de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 3 de outubro de 1950, fortaleceu a alternativa nacionalista para a questão do pe-tróleo. A Assessoria Econômica da Presidência da República, chefiada por Rômulo de Almeida e Jesus Soares Pereira, iniciou, em julho de 1951, a elaboração da proposta que Getúlio Vargas apre-sentaria como política nacional do petróleo. O ponto de partida seria a criação de uma socieda-de de economia mista, a Petróleo Brasileiro S.A., com participação acionária da União, Estados e Municípios, para executar essa política (Projeto de Lei nº 1.516, de 1951). A proposta já anunciava que a União deteria, no mínimo, 51% das ações com direito a voto na sociedade a ser constituída e de suas subsidiárias, enfatizando a imprescindi-bilidade do controle nacional do setor de petró-leo.

O projeto de criação da Petrobrás buscava se contrapor ao “Estatuto do Petróleo”, tentando incorporar as críticas nacionalistas e antecipan-do-se a eventuais contestações mais nacionalis-tas. No entanto, a solução proposta de criação de uma sociedade de economia mista, em que há participação do capital privado, será criticada por permitir que o capital estrangeiro pudesse ser in-corporado no setor de petróleo, por meio de em-presas vinculadas a seus interesses organizadas no país. Outra crítica nacionalista feita ao projeto foi a ausência de qualquer menção ao monopólio estatal.

Defendendo a proposta de criação da Petro-brás, a Assessoria Econômica da Presidência da República afirmava que a União já exerceria um monopólio de fato sobre a exploração do petró-

leo brasileiro. Como as jazidas de petróleo

e gás natural já eram integrantes do patrimônio da

União, a proposta de legislação sobre o petróleo apenas estaria buscando regular a utilização de bens da União por ela mesma, portanto, não seria preciso justificar a sua exclusividade.

Com o conhecimento e o apoio do Presiden-te Vargas, o deputado Euzébio Rocha (PTB-SP) apresentou um substitutivo, o Projeto de Lei nº 1.595, em 28 de janeiro de 1952, no qual reforçava o controle estatal sobre a empresa a ser criada. A inovação mais importante do substitutivo de Eu-zébio Rocha foi a previsão de um dispositivo que proibia a instituição de novas organizações e de novas autorizações e concessões com objetivos idênticos, correlatos ou afins aos da Petrobrás e suas subsidiárias. O monopólio estatal estava previsto, assim, de forma implícita.

A oposição ao Governo Vargas, encabeçada pela União Democrática Nacional, até então fa-vorável ao capital estrangeiro na exploração do petróleo e demais recursos minerais, apresentou, em 6 de junho de 1952, uma proposta mais na-cionalista do que a que estava em discussão. A proposta da UDN, assinada pelo deputado Bilac Pinto (UDN-MG), defendia a instituição do mono-pólio estatal para a pesquisa, lavra, refinação e o transporte de petróleo e, ao invés de uma socie-dade de economia mista, a constituição de uma empresa pública, denominada Empresa Nacional de Petróleo (ENAPE), com capital integralmente público. A ENAPE, ainda, atuaria em todos os se-tores diretamente, sem constituir subsidiárias. O substitutivo recebeu o apoio de vários parlamen-tares integrantes da base de sustentação parla-

mentar do governo, que, durante a trami-tação do Projeto nº 1.516/1951, tentaram deixar explícito aquilo que entendiam que estaria apenas implícito no projeto.

A “Campanha do Petróleo” conti-nuou ativa durante todo o período de tramitação do Projeto nº 1.516/1951, de-fendendo a tese do monopólio estatal do petróleo e combatendo os pontos que julgava contrários ao interesse nacional no projeto do governo. Os obstáculos enfrentados para a mobilização conti-nuavam gigantescos, como a repressão policial, a perseguição de alguns gover-nadores, o boicote da mídia, etc. No en-tanto, a pressão a favor do monopólio estatal foi constante. Apesar das críticas nacionalistas, a mudança no rumo da

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política nacional do petróleo se tornou evidente, apesar das falhas e omissões, propositais ou não, do projeto de lei. A mudança de política era tão clara, além da pressão da opinião pública, ainda mobilizada pela “Campanha do Petróleo”, que não surgiu nenhuma proposta na Câmara dos Deputados com uma posição politica e ideológica contrária à do Governo Vargas.

O debate público e parlamentar irá transcor-rer a partir do pressuposto do controle nacional sobre os recursos petrolíferos e das alternativas mais adequadas para assegurar este controle. Após um acordo com as principais lideranças partidárias, em que o Governo aceitava expres-samente a inclusão do monopólio estatal na pes-quisa, lavra, transporte e refinação do petróleo, mas exigia a manutenção da estrutura jurídica de sociedade de economia mista, o Projeto nº 1.516/1951 conseguiu ter sua votação acelerada na Câmara dos Deputados.

O debate no Senado Federal em torno da criação da Petrobrás foi muito mais difícil. A pres-são dos setores econômicos contrários ao mo-nopólio estatal, inclusive a grande imprensa, foi mais intensa, e parte dos senadores, liderados por Othon Mäder (UDN-PR), Plínio Pompeu de Sabóia Magalhães (UDN-CE) e Assis Chateau-briand (PSD-PB), se declaravam expressamen-te contrários ao projeto aprovado na Câmara. A defesa do monopólio estatal do petróleo foi feita por Landulfo Alves (PTB-BA), Alberto Pasqualini (PTB-RS), Domingos Velasco (PSB-GO) e Kergi-naldo Cavalcanti (PSP-RN). Ao final do proces-

so de votação, o Senado aprovou trinta e duas emendas ao projeto da Câmara, muitas delas alterando radicalmente o sentido da proposta, ao permitir, inclusive, meios para a participação e o controle do capital estrangeiro sobre o setor de petróleo.

Em 15 de julho de 1953, a Câmara dos De-putados buscou restaurar a estrutura e inten-ção originais do projeto de lei, com a rejeição de onze das emendas aprovadas pelo Senado que desfiguravam o projeto, mantendo-se as de-mais. A votação do Projeto nº 1.516/1951 foi en-cerrada em 15 de setembro de 1953, e a redação final foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados em 21 de setembro de 1953, sendo remetido o texto aprovado para a sanção pre-

“A pressão dos setores eco-nômicos contrários ao monopólio estatal, inclu-

sive a grande imprensa, foi mais intensa, e parte dos senadores, liderados por Othon Mäder (UD-N-PR), Plínio Pompeu de Sabóia Magalhães (UDN-CE) e Assis Cha-teaubriand (PSD-PB), se declara-vam expressamente contrários ao projeto aprovado na Câmara.”

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sidencial. Finalmente, em 3 de outubro de 1953, Getúlio Vargas sancionou, sem nenhum veto, a Lei nº 2.004, que instituiu a política nacional do petróleo, explicitou o monopólio estatal do petró-leo no Brasil e autorizou a criação da Petrobrás.

Nas principais regiões produtoras de petró-leo, a indústria petrolífera é estatal ou foi naciona-lizada. Cerca de 90% das reservas petrolíferas do mundo pertencem ao Estado, sendo exploradas por empresas estatais, que controlam aproxima-damente 73% da produção, atuando em regime de monopólio ou quase-monopólio sobre os re-cursos de seus países. O papel do Estado é cen-tral para a política energética em geral e, em par-ticular, no setor de petróleo, servindo para coibir o poder econômico dos grandes oligopólios, ga-rantir a exploração não-predatória das jazidas e defender o interesse da coletividade, além de atuar de forma estratégica, militar e economica-mente, controlando o suprimento de petróleo e derivados.

O contexto histórico da luta dos países em desenvolvimento por independência política e emancipação econômica tornou as empresas petrolíferas estatais entidades que personificam o controle soberano sobre os recursos naturais. As empresas estatais são instrumentos da políti-ca econômica nacional dos seus Estados, atuan-do de acordo com os objetivos estratégicos e de bem-estar social do Estado, indo muito além da mera busca de rentabilidade.

A “Campanha do Petróleo” foi, nas palavras de Carlos Lessa, a “maior mobilização popular e social da história do Brasil em defesa de algum projeto de desenvolvimento”. Não haveria nada similar antes, nem depois. A campanha abriu es-

paço para a manifestação política popular, cuja mobilização era uma novidade na história do país. Um projeto nacional de desenvolvimento precisa estar presente no imaginário coletivo da socieda-de, sob pena de não sair do papel. Afinal, não é um simples plano de governo, mas uma constru-ção coletiva que busca essencialmente os obje-tivos de uma sociedade melhor, mais igualitária e mais democrática no futuro. A “Campanha do Petróleo” conseguiu realizar isto, ao defender a soberania nacional. A aprovação do monopólio estatal do petróleo não teve como causa única a “Campanha do Petróleo”, mas, certamente, a campanha contribuiu de modo decisivo para in-fluenciar as lideranças políticas e foi crucial para o Presidente Getúlio Vargas se posicionar diante das pressões provenientes do governo norte-a-mericano.

A Petrobrás, como bem afirmou Barbosa Lima Sobrinho, é uma conquista do povo brasilei-ro, cujo irresistível movimento de opinião superou todos os obstáculos para fazer prevalecer a von-tade nacional. O que a “Campanha do Petróleo” revelou foi uma dimensão política não esperada para um projeto nacional de desenvolvimento. Afinal, o que se estava decidindo não era ape-nas a forma de exploração de um recurso mineral estratégico, mas a própria soberania econômica nacional. A causa do petróleo foi identificada à afirmação da soberania nacional. Há a tentativa deliberada de criar em torno do tema do petró-leo a identidade com a soberania nacional e a perspectiva de fundação de um novo país, um país soberano e industrializado. A “Campanha do Petróleo”, ao defender a soberania econômica do Brasil, propunha que se completasse a superação da economia colonial e se fizesse efetiva a Nação. Neste sentido, da Petrobrás como símbolo de afirmação nacional, são significativas as palavras de Barbosa Lima Sobrinho: “A Petrobrás, desde a sua criação, foi mais que uma empresa públi-ca. Surgiu como emblema da nacionalidade, a si-gla mística que podia abranger e reunir o maior número possível de brasileiros fiéis à sua pátria. Petrobrás era um símbolo que, por si só, desper-tava emoções, como se a sua missão fosse a de acender estrelas, para iluminar o céu do futuro do Brasil”.

(*)Professor Titular de Direito Econômico

e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

“A ‘Campanha do Petróleo’ foi, nas palavras de Carlos Lessa, a ‘maior mobiliza-

ção popular e social da história do Brasil em defesa de algum projeto de desenvolvimento’. Não have-ria nada similar antes, nem depois. A campanha abriu espaço para a manifestação política popular, cuja mobilização era uma novidade na história do país.”

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O petróleo, a Petrobras e a geopolítica: Entrevista com Paulo MetriRennan Martins - Blog dos Desenvolvimentistas

Atento a toda a movimentação nacional e internacional do setor, Metri enxerga uma estratégia geopolítica em torno da baixa no preço do barril.

O ano de 2014 foi marcado por dois acontecimentos que afetam frontal-mente a Petrobras, maior e mais im-

portante estatal brasileira. Foram estes a enorme queda no preço do petróleo e a vinda à tona do já antigo cartel e propinoduto que azeitava executi-vos de empreiteiras, altos funcionários e partidos políticos.

Chamado de “petrolão” por razões pura-mente propagandísticas, o que vimos foi o uso indiscriminado deste esquema para explicar todo e qualquer fato negativo que envolvesse a Petro-bras. Bastante clara também foi a tentativa de emplacar no atual governo federal toda a culpa por esse esquema atuante desde no mínimo a dé-cada de 90.

A fim de trazer uma informação contextua-lizada e menos influenciada por interesses escu-

sos, entrevistei o conselheiro do Clube de Enge-nharia e colunista do Correio da Cidadania, Paulo Metri. Atento a toda a movimentação nacional e internacional do setor, Metri enxerga uma estra-tégia geopolítica em torno da baixa no preço do barril, considera que o risco de sanções judiciais influencia nas ações da estatal e diz ainda que os últimos governos – tanto tucanos quanto petis-tas – erraram em fazer tantos leilões de áreas de reservas petrolíferas e de gás natural.

Confira: Este ano ocorreu uma queda substancial

no preço do barril de petróleo. Como explicar este fato?

Metri: Trata-se de uma manobra de países

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grandes exportadores de petróleo para forçar uma baixa no preço do barril. A pergunta que to-dos fazem no momento é: “Por que os grandes exportadores estão inundando o mercado mun-dial de petróleo?”

Não se trata da entrada de um novo país ex-portador querendo colocar seu produto e, assim, induzindo a baixa. Também, petróleo não é um produto com alto grau de elasticidade que, com o barateamento do preço do barril, seu consu-mo passa a ser maior e, desta forma, os países exportadores não sofrem grande perda nas suas receitas.

Por outro lado, a OPEP existe desde os anos 1960 e é um cartel dos grandes exportadores atuando às claras. Ela sabe atuar para segurar o preço do barril a um nível escolhido. Fizeram isto muito bem em 1973 e 1979.

Então, restam, como explicações plausíveis para o aumento da oferta mundial de petróleo, que resultou na queda do preço do barril, duas hipóteses: (1) “dumping” promovido para matar a concorrência do óleo e gás de xisto e (2) jogada estratégica para criar grande dificuldade econô-mica a países com forte concentração da receita do petróleo no total das exportações.

Que países sentem os efeitos dessa bai-

xa? Metri: Sentem, como efeito positivo, todos

os grandes importadores de petróleo do mundo. Por exemplo: Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, Índia e França. Inclusive, esta queda no preço do barril deverá ajudar a recuperação da economia mundial.

Sentem, como efeito negativo, como já foi dito no item anterior, os exportadores nos quais a

receita do petróleo é preponderante no total das exportações. Como exemplo, creio que todos que compõem a OPEP: Angola, Argélia, Líbia, Nigéria, Venezuela, Equador, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait e Catar. Além destes, a Rússia, que não é membro da OPEP.

A variação de preços do petróleo cru de 14 de janeiro à 14 de novembro. Market Realist

Porque a OPEP está mantendo a super-produção? Que países a bancam? Quem são os beneficiados dessa medida?

Metri: Houve uma reunião recente da OPEP,

na qual foi decidido, por maioria, que os países continuariam com as cotas de exportação que levaram à queda do preço do barril. Existia, nesta reunião, uma proposta da Venezuela para reduzir estas cotas de forma a segurar o preço do barril em torno de US$ 100. Ela foi derrotada.

A informação de quais países da OPEP ban-caram esta decisão não é conhecida. Mas, fala-se que foram principalmente os países do Oriente Médio, sob a liderança da Arábia Saudita.

Quanto aos beneficiários desta medida, já foi respondido na pergunta anterior.

Uma pergunta que pode ser feita é: “Se os países-membros da OPEP, do Oriente Médio, saem prejudicados também, com menores recei-tas de exportação, porque eles forçaram a queda do preço do barril?” A única resposta plausível é que se trata de uma jogada geopolítica, envolven-do potências mundiais para aumentar seus pode-rios a nível internacional. E os países do Oriente Médio teriam compensações. Eventualmente, as compensações seriam dadas somente às oligar-quias dominantes destes países.

“Uma pergunta que pode ser feita é: ‘Se os países--membros da OPEP, do

Oriente Médio, saem prejudicados também, com menores receitas de exportação, porque eles forçaram a queda do preço do barril?’ A única resposta plausível é que se trata de uma jogada geopolítica, envolvendo potências mundiais.”

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Assim, os países alvo, que sairão muito pre-judicados desta possível articulação, são Rússia, Irã e Venezuela, “casualmente” países desafetos dos Estados Unidos.

Em relação ao fracking. O petróleo de xis-to tem potencial de fazer frente ao tradicional? Que efeitos geopolíticos são esperados com a massificação dessa prática?

Metri: No artigo de André Garcez Ghirardi,

intitulado “Petróleo: a virada nos mercados glo-bais e o pré-sal”, é dito que, tomando um preço médio do barril de US$ 85 nos próximos quatro anos, “estima-se que ainda permanecem clara-mente viáveis os melhores empreendimentos petroleiros fora da OPEP – a exemplo do Gol-fo do Texas nos EUA – assim como a produção brasileira na Bacia de Campos e no pré-sal de Santos, e ainda as áreas não convencionais (xis-to) mais produtivas dos EUA, a exemplo da bacia de Bakken”. Ele continua dizendo: “Mas o preço de 85 dólares seria insuficiente para viabilizar a produção de petróleos mais caros como o não convencional (xisto) de áreas menos produtivas dos EUA (Woodford no Oklahoma) ou o pré-sal de Angola, ou as areias betuminosas canadenses, ou mesmo o petróleo ultra-pesado da Faixa do Orinoco na Venezuela.”

Uma das conclusões destas afirmações é que cada reserva é um caso específico, que deve ser analisada isoladamente. Grandes generaliza-ções não são recomendáveis.

Como ficam a Petrobras e o Pré-Sal neste

quadro? A exploração do Pré-Sal permanecerá viável?

Metri: É preciso fazer análises também para

valores menores que US$ 85/barril. Fala-se até que o barril pode se estabilizar em US$ 60.

A Petrobras, por razões empresariais, não divulga o custo do barril do Pré-Sal. Entretanto, conhece-se como custo médio o valor de US$ 45. Além das condições de cada reservatório, os tributos (royalties, participação especial, contri-buição para o Fundo Social e outros), dependem se a área foi concedida, cedida onerosamente ou entregue através de contratos de partilha. Então, estes US$ 45 podem variar muito. Mas, mesmo para o pior caso, o barril não deve ultrapassar US$ 60.

Quanto aos campos da bacia de Campos, o custo médio do barril está em US$ 15 e, assim, não há a mínima preocupação.

Como e em que medida os escândalos da Lava-Jato contribuem com a desvalorização da Petrobras?

Metri: A desvalorização das ações da Petro-

bras é, no meu entendimento, relacionada com a possibilidade dela ter que pagar altas indeniza-ções da Justiça, a dúvida se o governo brasileiro conseguirá sustar a avalanche de roubos (que a nova diretoria de Governança não vai sustar) e, também, a manipulação de grandes investido-res. Um destes investidores, quando compra uma ação da Petrobras, é porque a perspectiva de lu-cros futuros e de crescimento do patrimônio jus-tificará a permanência do dinheiro nela aplicado. E ela, ainda hoje, se sai muito bem nesta avalia-ção. Os grandes investidores sabem que, quando

“A desvalorização das ações da Petrobras é, no meu entendimento, relaciona-

da com a possibilidade dela ter que pagar altas indenizações da Justi-ça, a dúvida se o governo brasileiro conseguirá sustar a avalanche de roubos (que a nova diretoria de Go-vernança não vai sustar) e, também, a manipulação de grandes investidores.”

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as massas, sem fazer esta análise, em movimen-to emocional, passam a vender, é o momento de comprar.

Quanto ao caixa da empresa. É verdade

que a Petrobras está numa situação financeira dificultosa?

Metri: Está, sim, em uma situação financeira

apertada porque os governos FHC, Lula e Dilma já colocaram mais de 1.000 áreas do território nacional, propícias a terem reservas de petróleo e gás, em leilão através de 12 rodadas da ANP, e graças a um esforço gigantesco da Petrobras, para não deixar nosso petróleo ser usufruído por petrolíferas estrangeiras, ela arrematou muitas destas áreas. A Petrobras, com as reservas co-nhecidas até 2007 (ano da descoberta do Pré--Sal), abastece o Brasil durante 17 anos. Com as reservas do Pré-Sal pertencentes à Petrobras, o país estará abastecido por mais de 50 anos. En-

tão, não havia necessidade de tantos leilões.O país poderia, através da Petrobras, produ-

zir petróleo para exportação. Mas, a exportação só deveria acontecer se o fluxo de caixa da em-presa gerasse os recursos necessários para a im-plantação dos novos campos de exportação. Ou seja, a velocidade de leilões e da implantação de campos requerida pela ANP devia se adequar à disponibilidade financeira da Petrobras. Implíci-to está que fazer leilão para entregar o petróleo para empresas estrangeiras que irão exportá-lo é o pior dos mundos.

Finalmente, registre-se, por tudo que foi ex-plicado, que a corrupção não é a causa principal para a Petrobras estar com dificuldade financeira de curto prazo.

Porque a retórica da crise na nossa mais

importante estatal é tão explorada? A que in-teresses ela serve?

Metri: Ao capital internacional, principal-

mente às petrolíferas estrangeiras, e aos seus aliados no país, verdadeiros traidores do povo brasileiro. Serve, também, para a direita conse-guir ludibriar incautos para, eventualmente, pas-sar a deter o poder político do país.

A grande mídia reverbera a propaganda

privatista? Porque? Metri: A grande mídia é parte integrante do

grande capital, principalmente daquele interna-cional.

O setor privado é menos corrupto que o

público? Metri: O corruptor, em todas as denúncias

que nos chegam, é sempre um ente privado. Nun-ca vi um corruptor estatal. O corruptor (o agen-te ativo da corrupção) é tão corrupto quanto o agente passivo da corrupção, que é um funcioná-rio do Estado.

No entanto, há roubos também dentro de empresas privadas. Quantas vezes ouve-se dizer que um sócio roubou o outro sócio? E o conta-dor que rouba a empresa? O caso mais didático de roubo dentro de empresas privadas, que co-nheço, foi o dos CEO de empresas americanas, durante a crise de 2008, que deixaram suas em-presas à beira da falência, mas eles tiveram exce-lentes remunerações.

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O ato em defesa da Petrobrás, organizado pela Federação Única dos Petroleiros (ter-ça, 25), demarcou o terreno progressista

da disputa que se faz sobre a narrativa e o desen-lace do escândalo que abala a empresa.

Realizado sob o abrigo da emblemática As-sociação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, o ato pode ser resumido em uma bandei-ra: a Petrobrás é do povo brasileiro.

Foi um momento fundamental para deixar clara a posição do campo progressista em rela-ção à crise que ameaça a credibilidade da Petro-

brás e o papel da empresa para o futuro do País.A palavra de ordem é: em defesa da Petro-

brás, nem corrupção, nem entreguismo.Foi bom ver os petroleiros à frente do ato.

Ninguém tem maior autoridade moral para defen-der a empresa do que os petroleiros. Eles são a vanguarda desse processo e devem ser reconhe-cidos enquanto tal por todos os que lutam por um desfecho que permita que a Petrobrás saia muito mais forte desse episódio.

Eles são agora nossa força e nossa voz para defendê-la, mais do que a direção da própria em-

A Petrobrás é do povo brasileiro: não se aceita nem corrupção, nem entreguismo.Antonio Lassance

Os petroleiros são a liderança incontestável da tarefa de dar a linha para tirar a Petrobrás do atoleiro e defender a empresa dos ataques especulativos.

Fernando Frazão / ABr

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presa se mostrou capaz de fazê-lo. Seus rostos, suas falas, suas propostas e principalmente sua disposição de luta devem se tornar conhecidos de cada um de nós, cada vez mais.

Os petroleiros são a liderança incontestável da tarefa de dar a linha para tirar a Petrobrás do atoleiro e defender a empresa dos ataques espe-culativos que pretendem destroçá-la.

O mais incrível é que, diante de um escânda-lo que afetou a principal empresa do País, o cartel midiático tenha imposto um cala-boca a quem nela trabalha - os petroleiros -. Tem sido assim o tempo todo, inclusive ontem.

Mesmo com todo o peso político do ato, a mídia tradicional preferiu dar destaque a uma bri-ga de rua. Óbvio. Faz parte de sua profissão de fé desqualificar o debate e priorizar o espetáculo da ignorância.

Foi bom ouvir os petroleiros e sua denúncia de que interessa ao povo brasileiro moralizar, e não desmoralizar a empresa.

Foi bom ver a blogosfera e a imprensa alter-nativa mobilizadas, repercutindo o ato e reprodu-zindo as falas de intelectuais, artistas, jornalistas, ativistas sociais e do ex-presidente Lula.

Foi bom relembrar a história da Petrobrás,

seu papel estratégico e o que ela significa para o futuro do país, como fez Luis Nassif logo no início do ato.

Foi bom ter Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Con-selho Federal da OAB, exigindo das autoridades cumprir o dever de respeitar o Estado democrá-tico de Direito.

Não se pode contemporizar com uma inves-tigação de meia tigela, que investiga uns e pre-serva outros, indecorosa e inexplicavelmente. Uma investigação parcial que coloca na cadeira só os malvados favoritos, e não todos os que rou-baram a Petrobrás e guardaram seu dinheiro na Suíça, desde os anos 1990. Para uns, o inquérito e as grades; para outros, um processo na gaveta e um cofre cheio nos Alpes.

Foi bom ouvir Lula deixar claro que não se admite que se ouse pensar em transformar o es-cândalo em uma crise institucional, ou vai ter tro-co.

O pior erro que se pode cometer na atual conjuntura é o de se deixar intimidar.

Não se pode abaixar a cabeça diante de uma legião de hipócritas e canalhas, cada qual com sua conta na Suíça, desde os anos 1990. Os pi-lantras que se arvoram campeões da moral e da ética, durante o dia, à noite conferem seu saldo em Genebra com a sensação de alívio e êxtase.

Queremos a Petrobrás. Não abrimos mão da Petrobrás. Nem para corruptos, nem para entre-guistas - sejam eles políticos, donos de meios de comunicação, policiais, delegados, juízes, espe-culadores, enfim, para nenhum pilantra, não inte-ressa a que espécie da fauna do país pertença.

“O mais incrível é que, dian-te de um escândalo que afetou a principal empre-

sa do País, o cartel midiático tenha imposto um cala-boca a quem nela trabalha - os petroleiros -. Tem sido assim o tempo todo”

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“A única maneira de impedirque tudo seja reviradoé considerar o terceiro mundo como [um mundo]de seres humanos, não de seres inferiores”.

Enrico Mattei.

O Financial Times publicou recentemente um artigo onde se afirma que, dentre as companhias petrolíferas do mundo, a Pe-

trobrás arrisca tornar-se uma “pária”, diante das acusações de corrupção interna e externa. Pro-

cessada por um fundo abutre nos Estados Unidos, a Petrobrás passa por um momento em que, além das investigações (adequadas), enfrenta ataques demolidores no plano nacional e internacional.

O artigo do FT, além de noticiar as inves-tigações, ressoa também o desejo (“wishful thinking”) de que a estatal brasileira venha a ser isolada, quebrando-lhe a espinha, e de quebra a espinha do governo brasileiro e do próprio Brasil, incômodo besouro que não deveria voar segun-do as leis da ortodoxia econômica, mas que no entanto avoa, passando, apesar das dificuldades, por uma fase melhor do que a maioria dos países europeus, envoltos em crises de identidade, de empobrecimento galopante, de ascensão da ex-trema-direita e de perda de prestígio. Os ataques vão continuar e recrudescer, sobretudo desde que a ortodoxia europeia entrou em indisfarçável pânico diante da possibilidade de que o Syriza ganhe as próximas eleições nacionais na Grécia e arranque o país dos grilhões da “austeridade”. Se tiver sucesso, vai ser uma “catástrofe”...

Quanto à Petrobrás, há um filme para ser visto ou revisto. Chama-se “O caso Mattei”, é di-rigido por Francesco Rosi (“O bandido Giuliano”, dentre outros), foi lançado em 1972 e tem Gian Maria Volonté no papel-título, o do engenheiro italiano Enrico Mattei, assassinado (hoje isto está judicialmente aceito, embora sem apontar os cul-pados) em 1962, num atentado contra o avião em que ia da Sicília para Milão e que matou também o piloto e um jornalista que o acompanhava.

Enrico Mattei (1906 – 1962) foi o engenheiro nomeado presidente da companhia Agip (Azien-da Generale Italiana Petrolio), fundada por Benito Mussolini, para fechá-la. Ao invés disto, Mattei,

O caso Mattei: um filme a ser revistoFlávio Aguiar

Quanto a Petrobras, há um filme para ser visto. Chama-se ‘O caso Mattei’, de 1972. É dirigido por Francesco Rosi, e tem Gian Maria Volonté no papel título.

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convocando técnicos demitidos no pós-guerra, reativou-a, dinamizou-a e refundou-a sob o nome de Ente Nazionale Idrocarburi (ENI), empresa es-tatal que existe até hoje, sendo uma das mais di-nâmicas da hoje combalida economia do país e uma das responsáveis pelo “renascimento italia-no” dos escombros do fascismo na década de 50.

O motivo desta decisão surpreendente e que contrariou inúmeros interesses naquele momen-to, dentro e fora da Itália, foi a descoberta de um memorando em que um dos técnicos demitidos registrara a descoberta de jazidas de petróleo e gás no vale do rio Pó, perto de Milão, em terras pertencentes ao Estado. Em 1947 as prospecções confirmaram o memorando, encontrando não muito petróleo, mas muito gás, o suficiente para fornecer energia para a nova industrialização do norte do país.

Mas o esforço de Mattei não se limitou a isto. Ele projetou a ENI no cenário internacional, e aí seus maiores problemas começaram. Já havia problemas internos, que o filme de Rosi debate intensamente, centrando-se, entre outros temas, na discussão sobre o papel do Estado na recupe-ração econômica da Itália.

Jornalistas ortodoxos (parece um outro país que conhecemos...) criticaram violentamente o “estatismo” de Mattei, que não cedeu as reservas descobertas à exploração pela iniciativa privada,

ressalvando que as empresas particulares eram benvindas – para fazer suas próprias prospec-ções em outras terras, vizinhas ou não, reguar-dando a propriedade estatal para a ENI.

Mas foi no plano externo que os problemas de avolumaram desmesuradamente. Tratava-se de um momento (década de 50) em que o car-tel das “Sete Irmãs” (uma expressão cunhada por Mattei) dominava completamente o mercado pe-trolífero mundial, fazendo acordos lupinos e vora-zes com governos corruptos e colonialistas dos países produtores no Oriente Médio e no norte da África, com condições abjetas, e simplesmente depondo governos que a eles e elas não se sujei-tavam, como no caso da Pérsia, futuro Irã, em que o governo nacionalista de Mossadegh foi derru-bado em 1953 sob a desculpa de “salvar o país do comunismo”.

As Sete Irmãs eram: a Anglo-Persian Oil Company (hoje British Petroleum, BP*), a Stan-dard Oil of California (SOCAL), a Texaco-Che-vron*, a Royal Dutch Shell*, a St. Oil of New Jer-sey (Esso), a St. Oil of New York (SOCONI) (hoje Exxon Mobil*) e a Gulf Oil. As assinaladas com o (*) existem até hoje e estão ativas no plano inter-nacional.

Mattei tomou várias iniciativas que contra-riaram o interesse do cartel e de quem a ele esta-va ligado, dentre elas:

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1) Começou a percorrer os países do Orien-te Médio e do norte da África oferecendo melho-res condições contratuais. Alvos: Argélia (então ainda um “protetorado” francês), Tunísia (idem), Marrocos, Pérsia (hoje irã) e Egito. Objetivo: assi-nar acordos na base de 50%/50% na repartição dos lucros.

2) Realizou um acordo de compra de pe-tróleo da então União Soviética, contrariando e enfurecendo a OTAN. Um memorando então se-creto do National Security Council dos Estados Unidos considerava Mattei alguém “irritante” e um “obstáculo”.

3) Apoiou o movimento de independência da Argélia, atraindo a ira da organização terroris-ta francesa Organisation Armée Secrète (OAS), a mesma que tentou matar o General De Gau-le, dentre outros atentados. Com isto contrariou também o próprio serviço secreto francês, o Ser-vice de Documentation Exterieure et de Contre--Espionage (SDECE).

Mattei criou uma espécie de fábula, no estilo de La Fontaine e Esopo, para explicar o que esta-va acontecendo:

“Um pequeno gato chega onde alguns ca-chorrões estão comendo num pote. Os cachor-rões o atacam e o expulsam. Nós, italianos, somos como este pequeno gato. No pote há petróleo para todos, mas alguém não quer deixar que che-guemos perto dele”.

Mattei era uma figura pública, no centro da captação financeira do momento. De fato, tor-nou-se “irritante” e um “obstáculo”. E num mo-mento em que, na Itália do pós-guerra, as várias versões da Máfia tinham se tornado investidoras no mercado financeiro. Não só lá: nos EUA tam-bém.

O desfecho deu-se num vôo da Sicília para Milão. Hoje se admite oficialmente que houve um atentado, provavelmente por uma bomba coloca-da no avião, acionada por algo como o acender de um isqueiro na cabine (sempre fui contra fu-mar em vôos). O avião caiu, e sabe-se que vários indícios e evidências foram “lavados” no local, ou não tomados em consideração, como o de que o corpo de Mattei tinha cravados vários fragmentos de metal – o que só uma explosão podia explicar.

O assassinato – hoje oficialmente admitido – aconteceu num momento em que isto era comum como “aggiornamento” ao mundo da Guerra Fria: recordemos o de Patrice Lumumba, no Congo, e a morte suspeita do Secretário Geral do ONU, Dag Hamarskjold, também numa queda de avião, no

mesmo Congo, hoje objeto de nova investigação. Sem falar nos inúmeros golpes de direita na Amé-rica Latina.

Além de focar uma tragédia, o filme de Rosi teve a sua própria. Durante a preparação do ro-teiro o diretor pediu ao jornalista Mauro de Mau-ro que fizesse uma investigação sobre Mattei. De Mauro tinha uma biografia interessante e compli-cada. Apoiara os fascistas de Mussolini e depois, quando os ventos mudaram, tornou-se membro da Resistência. Isto lhe garantiu inúmeros conta-tos, mas também lhe trouxe o hábito de falar de-mais, com todo mundo.

De Mauro foi à Sicília, e de lá, num dos últi-mos contatos com amigos, disse que tinha desco-berto “a história de sua vida”. “Algo que iria abalar a Itália”.

Aparentemente, segundo um destes ami-gos, “falou a coisa errada para a pessoa certa e a coisa certa para a pessoa errada”. Foi sequestra-do e morto pela Máfia siciliana. Seu corpo nunca foi encontrado. Dois dos investigadores de sua morte – o Coronel Alberto Della Chiesa e o Capi-tão Giuseppe Russo – foram mortos também pela Máfia. O episódio é evocado no filme.

Em 1997 o “Caso Mattei” foi reaberto, à luz das declarações do “capo” Tomaso Buscetta, duas vezes preso no Brasil e duas vezes extradi-tado para a Itália. Buscetta foi o primeiro a ad-mitir que Mattei fora morto por ordem da Máfia Siciliana. A versão hoje predominante é a de que esta o matara a pedido da “Cosa Nostra”norte-a-mericana que, como o NSC, considerava Mattei um “obstáculo irritante”, por atrapalhar seus in-vestimentos petrolíferos junto a algumas empre-sas das Sete Irmãs. O envolvimento destas nunca foi comprovado, sequer investigado – exceto pela sugestão do filme de Rosi.

O caso de De Mauro foi a julgamento em 2011, no de Salvatore Rine, o único mafioso so-brevivente que teria um envolvimento com seu

“Mattei era uma figura pú-blica, no centro da cap-tação financeira do mo-

mento. De fato, tornou-se “irritante” e um “obstáculo”. E num momento em que, na Itália do pós-guerra, as várias versões da Máfia tinham se tornado investidoras no mercado financeiro.”

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desaparecimento e morte. Rine foi absolvido por falta de provas, e o veredito apontou “assassinato com autores desconhecidos”, um final melancóli-co para a justiça italiana.

Embora com pontos análogos, a situação da Petrobrás hoje é diferente. Ela não é mais “um pequeno gato”. Virou um cachorrão. O próprio FT publicou não faz muito uma lista do que consde-ra hoje “as Sete Irmãs”: a Saudi Aramco, a China NP Corporation, a Gazprom, a National Iranian Oil Co., a PDVSA venezuelana, a Petronas da Ma-lásia, e a Petrobrás. Há diferenças gritantes em relação às antigas “Sete Irmãs”: elas não formam um cartel. Tanto quanto se sabe, não patrocinam

golpes de estado. E algumas das antigas “Sete” continuam em operação, com seus métodos nada ortodoxos.

Quanto à Petrobrás, o seu problema é que hoje ela descobriu o novo “grande pote”. Ou seja, o Pré-Sal. Isto pode desequilibrar (reequilibrar?) o mundo petrolífero em vários sentidos. O Brasil pode se tornar membro da OPEP. Pode trazer autonomia em matéria de petróleo não só para si mas para a América do Sul como um todo. E o petróleo ainda tem vida longa como fonte de energia.

A cachorrada ao redor está alçada. A exter-na, para por os dentes na reserva, impedindo que seus dividendos sejam usados para beneficiar a educação e a saúde dos brasileiros, favorecendo ao invés a “saúde” e o “bem estar” dos mercados internacionais. A interna, para lucrar com a entre-ga à voracidade internacional deste patrimônio nacional.

O filme de Rosi repartiu a Palma de Ouro do Festival de Cannes com “A classe operária vai ao Paraíso”, de Elio Petri. Está no youtube. No anún-cio, diz que o filme tem legendas em português. Na versão que vi, não tem. Mas é compreensível para um falante de português ou espanhol.

Não perca.

“Quanto à Petrobrás, o seu problema é que hoje ela descobriu o novo “gran-

de pote”. Ou seja, o Pré-Sal. Isto pode desequilibrar (reequilibrar?) o mundo petrolífero em vários sentidos. O Bra-sil pode se tornar membro da OPEP. Pode trazer autonomia em matéria de petróleo não só para si mas para a América do Sul como um todo.”

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Há algumas semanas, jornais impressos e programas de TV têm dado especial des-taque ao ajuizamento de ações coletivas

contra a Petrobras nos EUA. Ainda em dezembro, mereceu longa cober-

tura o processo que tem como autora a cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island.

Depois, ganharam espaço notícias envol-vendo a propositura de ações por escritórios de Nova Iorque.

Na última semana, até a agência pública de notícias EBC chegou a divulgar matéria anuncian-do o “término do prazo” para a “adesão à ação coletiva” movida pelo escritório Wolf Popper, que constituiu como parceiro, no Brasil, o escritório do advogado André Almeida.

Assim despejadas sobre o cotidiano de lei-tores e telespectadores, tais notícias foram como combustível para o fogo dos debates políticos em que ardem o passado e, se não tomarmos cuida-do, o futuro da companhia.

Se investidores americanos pedem ressar-cimentos milionários por quedas no valor das ações em função dos fatos revelados na Lava

Jato, dizem alguns, é sinal de que a crise da em-presa ainda terá longa duração, com mais prejuí-zos podendo ser vislumbrados adiante.

É o atestado de que, como há alguns dias proclamava Ives Gandra, a Petrobras foi levada à “destruição”. E – além de motivo para perquirir sobre a “culpa” de Graça e Dilma – é um chamado a alterar as linhas gerais de condução da estatal adotadas nos governos Lula e Dilma, com a redu-ção de sua carteira de investimentos, de sua par-ticipação na exploração das reservas do pré-sal e de sua política de conteúdo nacional, assegura-vam outros.

Enquanto o fogo queimava e a empresa se-guia ardendo em brasa, ninguém se preocupou em entender melhor do que se tratavam as tais ações.

Se assim o tivesse feito, constataria que elas são objeto de duas grandes polêmicas nas Cortes americanas.

A primeira envolve a consistência da própria tese jurídica em que as ações se fundamentam: a da “fraude no mercado” ou FOTM.

Acionistas americanos processam a Petrobras: entenda o que isso significaFabio de Sá e Silva

Parte da opinião pública bra-sileira interpretou as ações coletivas contra a Petrobras nos EUA como atestado da ‘destruição’ da estatal: estavam errados.

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Seguindo padrão largamente difundido nos EUA, os processos contra a Petrobras alegam ter havido a ocultação de informações negativas por parte da companhia quando da oferta de ações em bolsa, com vistas a inflar artificialmente o pre-ço de tais ações.

“Quando a verdade aparece,” prossegue a tese, o mercado volta a precificar as ações se-gundo o que elas realmente valem.

A diferença entre o valor “inflado” e o valor “real” é a expressão do dano “intencionalmente” causado pela empresa aos seus acionistas que, enquanto tal, deve ser indenizado.

A “intuição” de fundo, como disse o Juiz Bla-ckmun, na decisão da Suprema Corte de 1988 que afirmou esta doutrina e deu margem à propo-situra e à disseminação das ações que agora vi-timam a Petrobras, é que quaisquer declarações divulgadas por empresas e seus dirigentes rapi-damente se incorporam ao preço de suas ações (Basic, Inc. v Levinson).

Passadas algumas décadas desde que essa decisão foi proferida, porém, o que parece ter se tornado intuitiva é a fragilidade da “intuição” do Juiz Blackmun. Diversos estudos subsequentes

colocaram sob suspeita a hipótese de eficiência do mercado de capitais (EMCH), segundo a qual as decisões individuais de compra e venda de ações se baseiam direta e inequivocamente nas informações oficiais providas pelas companhias.

A ponto de que, em texto de 2011, os pro-fessores William Bratton e Michael Watcher, da Faculdade de Direito da Universidade da Pensil-vânia, tenham afirmado que a tese da FOTM não é apenas “frágil, sub-ótima, confusa, ou que precise ser melhorada, mas simplesmente sem sentido, estúpida e irracional”.

“Seguindo padrão largamen-te difundido nos EUA, os processos contra a Petro-

bras alegam ter havido a ocultação de informações negativas por parte da companhia quando da oferta de ações em bolsa, com vistas a inflar artificialmente o preço de tais ações.”

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Aliás, no final de 2014, a Suprema Corte fle-xibilizou a tese da FOTM, entendendo que a com-panhia processada deve ter, no mínimo, a chance de provar que eventual fraude como a ocultação, imprecisão ou erro em declarações ao mercado não foi o que determinou o preço.

Solução que, embora represente apenas uma mudança modesta na jurisprudência da Cor-te, pode ser o suficiente para salvar a Petrobras, que poderá alegar, por exemplo, que fatores como os sucessivos recordes de produção da empresa, a descoberta do pré-sal e o advento do regime de partilha eram os reais responsáveis pela valoriza-ção dos papeis da companhia.

Nesse ínterim – e isso conduz à segunda controvérsia –, tornou-se evidente que tais ações coletivas são mecanismo totalmente ineficiente, quando não contraproducente para garantir os fins pretendidos (ou ao menos anunciados) pelo mercado de capitais.

Encurtando pilhas de evidências e estudos, cabe referir a artigo em que John Coffee Jr., pro-fessor da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, demostra que essas ações apresen-tam efeito “circular” e perverso no mercado.

De um lado porque elas penalizam as com-panhias e seus acionistas atuais pelas condutas passadas de diretores, muitos dos quais, no caso americano, atuam amparados por contratos de “seguro” contra indenizações judiciais e não so-freram qualquer ação de regresso.

Pune-se, assim, quem está investindo para manter e alavancar os negócios de empresas que, não obstante a necessidade de melhoria nas práticas de governança, ainda atuam e têm valor de mercado.

De outro lado porque essa penalização se reverte apenas em favor dos grandes fundos, que são mais propensos a comprar ações em cir-

cunstâncias que se enquadram na hipótese dos processos por FOTM (a doutrina de FOTM exige que a compra tenha ocorrido dentro de um perí-odo específico de tempo). Médios investidores se enquadram algumas vezes e outras não – e seus ganhos com os processos e perdas com stocks se compensam –, enquanto pequenos quase nunca se enquadram e, por conseguinte, quase nada fa-turam com esses casos.

E há, obviamente, os advogados. Entre 1995 e 2012, os Tribunais americanos receberam 3.988 ações coletivas de acionistas com base na tese de FOTM. Apenas 14 destes foram a julgamento pelo júri. Em todos os demais, foram negociados acordos que totalizam cerca de 73 bilhões de dó-lares – 20% dos quais, estima-se, foram para a mão das firmas jurídicas.

Claro está, portanto, que a propositura des-sas ações – medida predatória, oportunista e que ataca um dos maiores patrimônios brasileiros, sem qualquer sinal de beneficiar o país e seus acionistas – deveria ser objeto de maior crítica por parte da nossa opinião pública.

Para que se fizesse isso, não faltariam boas razões jurídicas.

Embora, para que isto não tenha sido feito, devem sobrar razões políticas e interesses eco-nômicos.

(*) FABIO DE SA E SILVA é graduado e mes-

tre em direito (USP e UnB) e PhD em direito, po-lítica e sociedade (Northeastern University, EUA).

Em tempo: Pode interessar ao leitor o fato de que a ação

de Providence aponta como réus, além da Petro-bras e seus dirigentes, diversas instituições finan-ceiras como o Santander, o Citibank, o Merril Lyn-ch, o HSBC, o Bradesco e o próprio Itaú.

Segundo a ação, tais instituições eram subs-critoras e joint bookrunners das ofertas de ações em que se alega a ocorrência de FOTM. Nessa condição, diz a peça, deveriam ter apurado a ve-racidade das informações prestadas naquelas operações.

Teriam falhado, assim, imprensa e mercado financeiro ao negligenciarem essas informações ou deixarem de punir essas instituições por sua alegada falta de diligência nos negócios que ago-ra embasam as noticiadas ações coletivas nos EUA?

“Claro está, portanto, que a propositura dessas ações – medida predató-

ria, oportunista e que ataca um dos maiores patrimônios brasileiros, sem qualquer sinal de beneficiar o país e seus acionistas – deveria ser objeto de maior crítica por parte da nossa opinião pública.”

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“O PT deve deixar de ser mero apoia-dor-expectador, excessivamente pre-ocupado com cargos e espaços na

máquina pública, para se tonar um partido apoia-dor-proponente, disputando os rumos do Gover-no”. A afirmação é do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, ao avaliar a conjuntura po-lítica pós-eleitoral e os cenários colocados para 2015. Em entrevista à Carta Maior, Tarso Genro fala das investigações da Polícia Federal envol-vendo a Petrobras e dos desafios políticos que o atual cenário coloca para o PT e o governo Dilma.

Na opinião do governador gaúcho, o PT deve ter iniciativa política e não pode mais “tolerar qualquer comportamento que beire à corrupção ou ao aproveitamento das funções públicas para benefícios pessoais”. No plano político, defende

que o partido construa “uma forte articulação, na sociedade e no Parlamento, com a esquerda e com a centro-esquerda, com pontos programá-ticos que possam ir forjando algo para o futuro e, ao mesmo tempo, seja no presente o núcleo de sustentação mais coerente das medidas pro-gressistas e democráticas do segundo governo Dilma”.

Em relação ao governo federal, manifesta confiança que a presidenta Dilma Rousseff com-porá “um grupo dirigente que fale à sociedade, com respaldo nas ações da Presidenta e que faça política 24 horas por dia, no sentido mais elevado do termo”.

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre os últimos episódios da investigação da Polícia Fe-deral envolvendo a Petrobras?

Tarso Genro: PT deve deixar de ser um mero ‘apoiador-expectador’Marco Aurélio Weissheimer

Tarso Genro fala das investigações da Polícia Federal envolvendo a Petrobras e dos desafios que o atual cenário coloca para o PT e o governo Dilma.

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Tarso Genro: Este novo processo que en-volve a Petrobrás tem, como no chamado “men-salão”, dois componentes bem claros: de um lado, atos evidentes de corrupção na estatal, que de-vem ser apurados em profundidade para produzi-rem punições exemplares a quaisquer envolvidos, de quaisquer partidos, tenham eles , ou não, en-volvimento com financiamentos de campanhas, ou tenham eles se aproveitado das propinas para enriquecimento próprio. De outra parte, também há um evidente cunho político, que aproveita a questão da corrupção, para disputar os destinos desta empresa, que é um patrimônio fundamen-tal da nação.

Carta Maior: De que forma esses dois com-ponentes se relacionam e como isso pode afetar os rumos da própria investigação?

Tarso Genro: Para que vença o primeiro componente, que neutralize a tentativa de esva-ziamento e liquidação da empresa como empresa do Estado, se faz necessária uma ação imediata do Governo, promovendo a normatização de me-canismos de transparência total para as empre-sas públicas e estatais, em geral, propondo tam-bém - no mínimo e imediatamente -, ao Poder Legislativo, Projeto de Lei que regule o financia-mento das campanhas eleitorais, em regime de urgência, para proibir doação de empresas aos partidos, dentro e fora dos prazos de eleição.

O Governo deveria propor, igualmente, medidas que simplifiquem os procedimentos de natureza penal, para dar maior rapidez aos julga-mentos (sem prejudicar o direito à ampla defesa); e, ainda, propor normas legais rigorosas, que per-mitam expulsar do serviço público, com a devida punição criminal, aqueles servidores, seja do Mi-nistério Público, seja dos órgãos policiais, que va-zam informações para o público e que, com isso, não só prejudicam o aprofundamento das inves-tigações, porque previnem os delinquentes, mas também porque formam uma opinião pública ma-nipulada, a partir de dados que são selecionados para tirar “proveito político”, seja para que lado for. Esta deformação dos procedimentos, aqui no Brasil, pelos vazamentos direcionados, tem sido também um instrumento de acobertamento se-letivo da corrupção, bem como tem judicializado o processo político, o que é um desserviço à de-mocracia.

Carta Maior: Quais são os obstáculos para que essas propostas se tornem realidade?

Tarso Genro: Estas reformas iniciais, agora impulsionadas pela contingência política, já estão

maduras e estão sendo debatidas há muitos anos. Trata-se de colocar, na verdade, o Congresso no dever de responder a um anseio nacional majori-tário, pois o país poderá paralisar, com graves da-nos à economia e a democracia, se não tivermos, neste momento, pelo menos algumas respostas das instituições forjadas na democracia para uma situação que é, ao mesmo tempo, trágica e rica. É trágica, porque sabe-se que grupos como estes atuam há muito tempo, em situações tão graves como a atual - como é caso da compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique -, e é também uma situação rica, porque sem dúvida é um momento de prestigiar e salvar a Petrobrás de um desgaste ainda maior, que poderá levar, no futuro, à privatização, como quer uma boa parte do tucanato.

Tenho convicção que a Presidenta sinalizará, com a devida rapidez, uma forma clara de reagir ao bloqueio que o país poderá sofrer com esta crise, com um Ministério da Justiça fortalecido, um Chefe da Casa Civil forte e adequado à com-plexidade da situação e um Ministro da Fazenda coerente com as propostas programáticas que defendeu no segundo turno. Trata-se também de compor um grupo dirigente que fale à sociedade, com respaldo nas ações da Presidenta, e que faça política 24 horas por dia, no sentido mais elevado do termo.

Carta Maior: Na sua opinião, qual o papel que o PT pode e deve desempenhar neste pro-cesso? O partido está preparado politicamente para enfrentar os desafios postos para 2015?

Tarso Genro: O PT não pode mais tolerar qualquer comportamento que beire à corrupção ou ao aproveitamento das funções públicas para benefícios pessoais. Assim como ele não pode

“O Governo deveria propor, igualmente, medidas que simplifiquem os procedi-

mentos de natureza penal, para dar maior rapidez aos julgamentos (sem prejudicar o direito à ampla defesa); e, ainda, propor normas legais rigoro-sas, que permitam expulsar do servi-ço público, com a devida punição cri-minal, aqueles servidores que vazam informações para o público

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se pautar pela mídia, que quer, na verdade, esva-ziar a sua originária capacidade transformadora, que ele pode recuperar plenamente pelo que já fez pelo Brasil. O Partido não pode deixar mais dúvidas a respeito da sua intolerância com a cor-rupção.

Neste caso, por exemplo, sem qualquer pré--julgamento, quando os processos judiciais esti-verem abertos, ou mesmo, antes, através de ad-vogados que tenham acesso aos autos, o Partido deve verificar responsabilidades de filiados seus e, confirmada sua vinculação direta ou indireta com atos ilegais de qualquer espécie, deve expul-sá-los imediatamente ou aceitar seu afastamento voluntário, sem vacilar.

Quanto ao comportamento no Legislativo e nas relações com o Governo, nosso Partido, sem deixar de apoiar de maneira incondicional um Governo que é nosso, deve deixar de ser mero apoiador-expectador, excessivamente preocu-pado com cargos e espaços na máquina pública, para se tonar um partido apoiador-proponente, disputando os rumos do Governo. Este será um novo período de Governo, com base parlamentar mais frágil e dotada de grandes tentações fisio-lógicas. Para buscar estes rumos, entendo que o Partido deva formar uma forte articulação, na so-ciedade e no Parlamento, com a esquerda e com a centro-esquerda, com pontos programáticos que possam ir forjando algo para o futuro e, ao mes-mo tempo, seja no presente o núcleo de susten-tação mais coerente das medidas progressistas e democráticas do segundo do governo Dilma.

Carta Maior: Quais pontos programáticos poderiam forjar uma frente desse tipo? Poderia citar alguns exemplos?

Tarso Genro: Creio que um programa míni-mo de unidade de uma esquerda plural, para um certo período em que o crescimento do país es-tará bloqueado pela captura do Estado pelo capi-tal financeiro especulativo, poderia se basear nos seguintes pontos, principalmente: uma reforma

política que dê coerência nacional aos partidos e que acabe com a força do dinheiro como força dominante nos processos eleitorais; uma refor-ma tributária que reduza as taxações sobre as classes médias e sobre os trabalhadores, e um impostos progressivo sobre as grandes fortunas, abrindo novas perspectivas para o financiamento do Estado e reduzindo o endividamento público; um sistema de participação popular dentro das regras da constituição de 88, para produzir po-líticas públicas de largo alcance; uma reforma completa no sistema de concessões na área das comunicações para democratizar o acesso à in-formação e o direito equitativo à circulação da opinião; a renovação do programa de reforma de agrária para buscar, à médio prazo, uma total so-berania alimentar.

Carta Maior: E qual seria o caminho para se chegar a um acordo desse tipo? Historicamente, a esquerda tem manifestado dificuldades para construir unidades em torno de programas míni-mos. O mais usual é a prevalência das diferenças e da divisão.

Tarso Genro: O ideal seria travar uma dis-cussão ampla, em rede, sem centro dirigente, mas com pontos de apoio na sociedade civil, nos movimentos sociais, nos partidos e frações de partidos, na academia, na intelectualidade progressista, para que cheguemos, daqui a dois anos, a um programa mínimo comum. O objetivo concreto, na minha opinião, seria apresentar aos partidos do campo da esquerda e às frações de partidos que possam ser progressistas, à socie-dade e aos movimentos, uma espécie de nova carta aos brasileiros, desta feita propondo um compromisso com mudanças ousadas no Brasil, para melhoria dos serviços públicos, para acordar novas políticas públicas de combate às desigual-dades sociais e regionais e para retirar o Estado brasileiro da lógica perversa ensejada pelo domí-nio do capital financeiro.

Qual a força que esta proposta terá e como vai se reproduzir na sociedade em geral e, espe-cialmente junto ao campo popular e democrático, que quer continuar mudando o Brasil para melhor, com mais igualdade, mais oportunidades com-partilhadas, com uma sociedade de paz e sem a disseminação doentia da violência, como está acontecendo hoje, dependerá do tipo de Ministé-rio que a Presidenta apresentará brevemente, de como ele será recebido pela sociedade, especial-mente, pelos setores mais dinâmicos e progres-sistas da sociedade brasileira.

“O objetivo concreto seria apresentar aos partidos do campo da esquerda,

à sociedade e aos movimentos, uma espécie de nova carta aos brasileiros, desta feita propondo um compromis-so com mudanças ousadas no Brasil.

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Somos um país que se contenta com aparên-cias. Quando o Governo Fernando Henrique decidiu colocar a Petrobrás sob a ordem

jurídica americana, nos anos 90, não nos demos conta de que era irrelevante mudar o nome de Petrobrás para Petrobrax, ou para Petrobras sem o acento no a, como acabou prevalecendo. O que muitos não perceberam é que, por trás da troca de nomes para “facilitar” a internacionalização da empresa via lançamento de ações na Bolsa de

Nova Iorque, havia a inevitável consequência de mudança de soberania sob a qual a empresa pas-saria a atuar.

Não me atrevo a dizer que havia um propó-sito deliberado de colocar a Petrobras, a maior empresa da América Latina, sob a ordem jurídica norte-americana. Havia, sim, o propósito econô-mico de internacionalizar a empresa. A questão jurídica seria mera consequência, aparentemente sem maiores problemas na visão dos economis-

Petrobras: sob a lei dos Estados Unidos?J. Carlos de Assis (*) - Outras Palavras

Quando o Governo FHC decidiu colocar a Petrobras sob a ordem jurídica dos EUA, nos anos 90, não nos demos conta do real problema que estava presente.

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tas neoliberais da época. Dado que nos anos 90 se tinha como consumado o processo de globa-lização sob a doutrina neoliberal, os ideólogos econômicos do Governo FHC acharam natural aproveitar a onda da internacionalização sem medir as consequências jurídicas disso. Aliás, há muito se sabe nesse círculo que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil!

Agora essas consequências estão aí. A Pe-trobras, uma empresa de economia mista sob controle do Estado brasileiro, está sob investiga-ção do Departamento de Justiça dos Estados Uni-dos por conta do escândalo Paulo Roberto. Se os economistas que internacionalizaram a Petrobras acham que também isso é irrelevante, atentem--se para o que aconteceu com o pagamento pela Argentina dos credores de sua dívida externa re-negociada. O acordo foi questionado porque os títulos haviam sido registrados em Nova Iorque. Os juízes norte-americanos se acham donos do mundo. Não há ordem superior à deles. Fazem o que querem, sem medir consequências sociais e econômicas, ou com relação a soberania.

Se o Departamento de Justiça norte-ameri-cano identificar como irregularidades de merca-do, reais ou inventadas, certos procedimentos da diretoria da Petrobras, poderá propor multas da ordem de bilhões de dólares, abalando a situação econômico-financeira da empresa. Para se ter uma ideia, Citigroup e Bank America se submete-ram, cada um, a multas de 20 bilhões de dólares por conta de fraudes no mercado de títulos imo-biliários no contexto da crise financeira. No caso da Petrobras, acionistas individuais que se sintam lesados também terão cobertura da SEC, a agên-cia de regulação, para propor ações judiciais, en-tupindo a capacidade de resposta da empresa que terá de manter um batalhão de advogados em Nova Iorque.

Nacionalistas, como eu, se sentirão ultraja-dos. Mas o que poderemos fazer diante de uma situação criada pelos economistas de FHC quan-do tinham a liberdade de não fazer a internacio-nalização da empresa? De fato, as vantagens trazidas pela internacionalização da Petrobrás – venda na Bolsa de Nova Iorque de mais de 30% de suas ações – eram ínfimas em relação aos ris-cos incorridos. Note-se que a indústria automo-bilística americana tem ganhado bilhões aqui e nunca abriu seu capital para brasileiros. Só quem acredita que a ordem jurídica do país hegemôni-co deve ser a ordem universal, sem contestação, pode encarar como normais, e suportáveis, as

consequências jurídicas da internacionalização da Petrobrás.

Se antes havia dúvida quanto aos riscos, a situação atual, que qualquer advogado razoável poderia prever, revela friamente que a interna-cionalização da Petrobras foi um crime de lesa--pátria. Não se diga que era imprevisível. Houve muitos protestos, interpretados na época como estatizantes e anacrônicos. O resultado agora é que a “causa” da Petrobras está nas mãos de uma Justiça discricionária, privatista, anti-setor públi-co, regulada pelo princípio do Direito consuetu-dinário, não do Direito positivo, e que se arvora, não raro, prerrogativas de extraterritorialidade. Uma Justiça desse tipo pode tentar quebrar a Petrobras em nome dos interesses do acionista minoritário americano, e da ideologia neoliberal anti-Estado.

Objetivamente, temos como fato concreto, ainda a ser definitivamente apurado, fraudes bi-lionárias articuladas por um diretor bandido em favor de si mesmo e de alguns partidos políticos por ele mencionados, mas por enquanto sem pro-vas. Consideremos que todas as acusações sejam verdadeiras. A Petrobrás é vítima, não autora do crime. Ela seria implicitamente conivente, como foi o caso do Bank of America e do Citigroup, se decidisse acobertá-lo com o pagamento de multa para se livrar do processo criminal. Não é o caso da Petrobras, que não fez nenhum movimento para acobertar do crime seu ex-diretor. Contudo, uma Justiça privatista pode torcer os fatos. Se-ria melhor não estar subordinado a ela. Para isso, talvez teremos que comprar as ações da interna-cionalização de volta ao custo de um valor subs-tancial de nossas reservas internacionais.

(*) Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

“Nacionalistas, como eu, se sentirão ultrajados. Mas o que poderemos fazer

diante de uma situação criada pelos economistas de FHC quando tinham a liberdade de não fazer a internacio-nalização da empresa?”

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(*) As duas medidas assinaladas no título aci-ma são as manobras de uma direita sem programa que, como o eterno udenismo, só tem uma saída, entreguista e golpista. Em dezembro publiquei o texto abaixo que mantém sua atualidade.

O clima político atual se parece muito mais com o de 1954 do que com aquele de 1964. Getulio fora eleito em 1950, depois de uma

campanha memorável, com 48,73% dos votos váli-dos, pouco menos da metade. Não tendo alcançado, por pouco, a maioria absoluta, Aliomar Baleeiro, da banda de música da UDN, pediu a anulação das eleições. Ecoavam as diatribes raivosas de Carlos Lacerda, lançadas já antes do pleito: “O senador Ge-túlio Vargas não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse”.

Agora temos um tom mais aveludado com FHC, que indica “a legalidade da vitória (de Dil-ma), mas sua discutível legitimidade”. E insinua, em palestra na Academia Brasileira de Letras: “dada a situação política e o constrangimento para mudar essa situação, não é de estranhar-se que no Brasil a solução para o imbróglio político não venha a partir do sistema político mas do sistema judicial”. A saída seria uma “judicialização das decisões”. Não um im-peachment vindo pelo legislativo, mas uma decisão

de fato golpista pelo poder judiciário. Juarez Gui-marães, em artigo instigante, desoculta um possível caminho tucano na direção de uma tentativa de gol-pe. Antes de mais nada, temos que ser claros: não podemos aceitar a ideia de estarmos num terceiro turno. Dilma é a presidenta eleita por mais quatro anos e o candidato que perdeu não passa de um se-nador da oposição, em que pese um tom azedo e revanchista de quem não digeriu a derrota.

Os três mandatos anteriores, Lula-Dilma, tive-ram como resultado uma série de impressionantes programas de inclusão, quando 50 milhões de bra-sileiros ascenderam na escala social e saíram dos níveis da pobreza. Temos também uma situação de, praticamente, pleno emprego. Isso foi, em parte, um dos fatores da vitória de Dilma e ainda hoje, apesar

Destruir a Petrobras e preparar um impeachmentLuiz Alberto Gómez de Sousa

Quando o Governo FHC decidiu colocar a Petrobras sob a ordem jurídica dos EUA, nos anos 90, não nos demos conta do real pro-blema que estava presente.

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do torpedeamento implacável da mídia, 50% da po-pulação indica a expectativa de que ela terá um de-sempenho entre ótimo e bom no próximo mandato. Mas falta muito a fazer em áreas como educação, saúde, segurança, etc. Sem falar na necessidade de uma reforma política, uma efetiva reforma agrária e novas demarcações de terras indígenas. Além dis-so, seria necessário passar da simples inclusão, para reduzir as desigualdades sociais que ainda são enor-mes.

O recente livro de Thomas Piketty, indepen-dentemente de críticas à sua análise, aponta, com dados concretos, o crescimento das desigualdades, que seguirá se não se tomarem medidas concretas, tais como impostos sobre a riqueza. Obama não conseguiu dobrar um congresso conservador, na tributação das grandes fortunas. E aí está o centro do problema: a necessidade de uma reforma fiscal drástica. É difícil pensar isso, num legislativo que terá o continuísmo no Senado de Renan Calheiros e a ameaça de uma presidência da Câmara nas mãos de um Eduardo Cunha, distribuidor de benesses de origem duvidosa. Tarso Genro, em artigo recente, com a lucidez que lhe é própria, fala de criar um novo ponto de equilíbrio, até agora nas mãos do PMDB centrista. E propõe para a frente, uma alian-

ça democrática de esquerda, que atravessaria par-tidos da atual aliança, incluindo setores de partido como o PSOL, movimentos como o MST, persona-lidades progressistas como Bresser Pereira, Maria Rita Khell, Pedro Dallari e a própria Marina Silva.

A entrada no governo de Joaquim Levy levanta preocupantes interrogações. Talvez represente ago-ra, o que foi a “Carta ao povo brasileiro” no primeiro governo Lula. Num momento de dificuldades eco-nômicas no país e na conjuntura internacional, sua presença poderia apaziguar um mercado nervoso e volátil, figura de retórica que esconde as jogadas do grande capital e dos especuladores. O importante é que, pela mão firme de Dilma, os avanços sociais não sejam travados por medidas de ortodoxia ne-oliberal.

Mas quero referir-me a outro elemento, que me parece no momento imediato o mais fundamen-tal. E aqui reencontramos novamente 1954. Venho de uma geração que lutou pelo “o petróleo é nosso”. Num primeiro tempo, estava a afirmação dos seto-res da direita, de que o Brasil não tinha petróleo em seu solo e teríamos então que depender das grandes empresas internacionais para alimentar o mercado interno. Mas apesar de fortes repressões, em 1936, começou a surgir petróleo em Lobato, no recônca-

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vo baiano. Num belo acaso, fazia lembrar o escri-tor Monteiro Lobato, que insistia com denodo, na existência de petróleo no país. Na literatura infantil, escreveu o precioso “O poço do visconde”, petróleo jorrando no Sítio do Picapau Amarelo, que líamos na infância e juventude, descobrindo dali a luta na-cionalista. Mas com a comprovação de que havia petróleo no Brassil, os então chamados “entreguis-tas”, tiveram de mudar o discurso e passaram a dizer que não tínhamos competência técnica e seriam as grandes empresas, Esso, Shell, as que poderiam fa-zer a prospecção e a extração do petróleo.

Em sentido contrário, cresceu uma luta de muitos setores da sociedade, da juventude a seto-res nacionalistas no Clube Militar. Essa mobilização patriota levou à lei 2004 de 1953, que criou o mo-nopólio estatal de exploração, refino e transporte. E a Petrobras transformou-se, com o correr dos anos, numa das empresas mais importantes e exitosas a nível mundial. É a nona entre as empresas petrolei-ras. Na lista Forbes das grandes empresas interna-cionais, aparecia em 10º lugar em 2012 ( caiu para o 30º posto neste ano, em virtude da crise atual, à qual voltarei adiante). O país tornou-se autosuficiente e exportador. Porém esse monopólio foi quebrado no governo FHC, com a Lei do Petróleo 9.478, em 1997, em que o setor privado passou a participar na pesquisa, exploração, extração, refino e distribuição, no regime de concessões. Está integrada, no que Amaury Ribeiro Jr. chamou, “a privataria tucana”.

Mas veio então a tremenda descoberta do pré--sal, abrindo nova dimensão na produção petrolei-ra. Aí, no governo Lula, para esse enorme pré-sal, começou um novo regime de partilha, em que a Petrobras passou a ser a operadora única do pré--sal, num regime no qual o petróleo extraído será do governo, dividindo com empresas que vencerem leilões, parte do óleo obtido nos campos.

E estamos novamente numa luta com seme-lhanças à do passado. Agora, vem o mote, “o pré-sal tem que ser nosso”. É quando chega uma pressão enorme para mudar a regra da sua exploração. O Globo, de 16 de dezembro, proclama em editorial: “Monopólio de fato do pré-sal não faz sentido”. E um articulista, nesse diário, na véspera, propõe refundar a Petrobras. Não pode deixar de admitir que “a Petrobras tem um quadro técnico altamente qualificado, é detentora de tecnologia de explorar petróleo no mar e possui a quarta reserva de petró-leo do mundo”. Só isso já credenciaria o país para manter o monopólio. Porém o autor do texto citado chega a uma conclusão oposta, saída do receituá-rio neoliberal, de crença quase religiosa nas leis do

mercado: a Petrobras estaria então preparada para atuar num mercado competitivo, com políticas que incentivariam a concorrência. Mas podemos racio-cinar em sentido contrário. Por ter quadros técnicos competentes e tecnologia de exploração em áreas profundas do oceano, pode operar em base estatal, num regime de partilha, que irá permitir que resul-tados enormes do pré-sal venham para o país e irri-guem seus programas sociais. Por trás da proposta de querer acabar com o regime de partilha e voltar para o de concessão, há o apetite visível do gran-de capital para entrar em cheio nesse programa tão suculento. Os privatistas argumentam que o regime de partilha afugentaria capitais e empresas. Mas já se sabe que a Shell, por exemplo, não pretende redu-zir planos de investimentos, dentro do atual regime.

Que falta fazem Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, com um profundo sentido do nacional! Felizmente Lula sempre se colocou nessa direção. E Dilma vem da tradição de um primeiro PDT nacionalista, para um PT das conquistas populares e da luta pela so-berania nacional.

Entretanto, a campanha contra a Petrobras é feroz. Dia após dia, vem a manchete repetitiva de um dos matutinos: “Escândalos em série”. Tenta-se predizer que “a Petrobras derrete” (O Dia, 16/12). E através das informações da Operação Lava-Jato, que vão transpirando curiosamente em conta-gotas, se quer dessangrar a Petrobras e mostrá-la como uma empresa tendencialmente inviável. Mas atenção. Em primeiro lugar, os escândalos e a gatunagem na Petrobras são antigos. Indica o engenheiro He-lio Amorim, conhecedor do problema: “Ao longo de seus sessenta anos não foram poucos os deslizes marcados por propinas e desvios de dinheiro nos mais altos escalões de gestores da empresa”. Fala en-tão de assaltos bilionários. Cita Ancelmo Gois, que listou uma série de casos escabrosos, como quando Jango demitiu, em 1964, às vésperas do golpe, toda a diretoria da Petrobrás, pela negociação de contratos ruinosos. No período FHC, lembra Amorim, foi de-nunciado e frustrado um contrato de exclusividade com uma das empresas do cartel na petroquímica.

“E estamos novamente numa luta com semelhanças à do passado. Agora, vem

o mote, “o pré-sal tem que ser nosso”. É quando chega uma pressão enorme para mudar a regra da sua exploração.”

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Já no governo Lula, a operação Águas Profundas apurou desvios de mais de 200 milhões. Tudo isso não evitou a Petrobras de estar entre as principais empresas a nível internacional.

O importante, nos governos Lula-Dilma, é que temos agora uma enorme liberdade para investigar, denunciar e punir. Nunca se viu antes a prisão de diretores das grandes empreiteiras, a denúncia e en-carceramento de dirigentes corruptos da empresa e, logo, começa a vazar uma ainda discutível lista de parlamentares e políticos, surgidos na delação premiada, sujeita ainda a séria comprovação. O go-verno cria condições, pelo Ministério da Justiça, de ampla liberdade para os promotores, a polícia fede-ral e juízes. O Procurador Geral da República, Ro-drigo Janot, nomeado pela presidência do país, mas com independência funcional, como chefe do Mi-nistério Público, está pedindo a punição de todos os implicados na corrupção e exige rigor e transpa-rência, sugerindo inclusive a demissão de diretores da Petrobras. O abscesso está sendo, em boa hora, lancetado.

Causou espécie o primeiro texto do relator da Comissão Mixta do Congresso, o deputado Marco Maia (PT-RS), extremamente vago e que teve de ser refeito, com constrangimento, à luz de denúncias que iam surgindo. Mas a presidenta Dilma decla-rou que os resultados da apuração da corrupção só podem beneficiar o governo e a Petrobras. Essa profilaxia, longe de enfraquecer a empresa, vai for-talecê-la, livrando-a de quadros corruptos e de liga-ções criminosas. Faça-se justiça, doa a quem doer. Desse processo sairá uma Petrobras mais robusta, para recuperar sua posição no ranking mundial. O dirigente histórico do PT, Olívio Dutra, como já fizera no tempo do chamado mensalão, pede a ex-pulsão imediata no seu partido, dos implicados na corrupção.

Volta sempre a sombra de 1954. E vale lem-

brar trechos significativos da carta testamento de Getúlio: “A campanha subterrânea dos grupos in-ternacionais aliou-se a dos grupos nacionais... (Eu) quis criar a liberdade nacional na potencialização de nossas riquezas através da Petrobras, e mal co-meçou a funcionar, a onda de agitação se avolu-ma.... Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.” Aqui estão, lado a lado, as duas lutas: pelo povo e pela soberania nacional. Não foi a toa que FHC proclamou apres-sadamente o fim da era Vargas.

Causa espécie ver como se fala pouco da cons-trução da nação e de sua defesa. O governo, a Pe-trobras e a base de apoio parlamentar estão calados, na defensiva, reagindo a posteriori diante de cada fato que vai aos poucos aparecendo. Essa posição reativa vai sendo intolerável. Lembrei antes, a mé-dio prazo, a criação de uma aliança democrática de esquerda. Mas há uma aliança mais imediata, tendo a Petrobras como referência: uma grande aliança em torno ao tema da defesa da nação. Ivo Lesbau-pin escreveu, faz anos, durante o reinado tucano, sobre o desmonte e o sucateamento do país. Ele está sendo reproposto agora, pelo mesmo PSDB. Seu lí-der no Senado, Aloysio Nunes, protocolou em 19 de dezembro, um projeto para extinguir o regime de

“Causa espécie ver como se fala pouco da construção da nação e de sua defe-

sa. O governo, a Petrobras e a base de apoio parlamentar estão calados, na defensiva, reagindo a posteriori diante de cada fato que vai aos poucos aparecendo.”

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partilha no pré-sal, e retornar assim ao regime de concessão de 1997, criado durante o governo de seu partido. Para ele, “ao introduzir o regime de parti-lha da produção o governo matou nossa galinha de ovos de ouro que é o petróleo do pré-sal”. Ovos de ouro para quem, cara pálida? Ele ameaça com uma fuga de investidores. É para eles que se dirige seu projeto. Não interessaria à nação, mas ao apetite dos capitais internacionais.

É urgente, pois, a criação de uma frente am-pla nacionalista, como aquela do começo dos anos sessenta. Para encabeçar com legitimidade essa aliança, seria necessário que o PT fosse refundado, superando um desenho aparelhista, concebido por dirigentes no começo dos anos 2000, com o propó-sito de apoderar-se do governo. Numa outra dire-ção, sob o comando da presidenta Dilma e com a presença e apoio de Lula, o partido, redescobrindo sua orientação original, além de colocar-se a serviço das grandes causas das políticas sociais como vem fazendo, teria agora que sustentar fortemente a cau-sa nacional. Pode-se ter uma aliança nacionalista ainda mais ampla do que a proposta atrás. Aque-la militância que saiu às ruas nas últimas semanas do segundo turno e que foi fator determinante da vitória de Dilma, deveria voltar, numa campanha

pela defesa do pré-sal, num grande espectro de alianças. Como mobilizar os estudantes, que teriam que perceber que os ganhos do pré-sal irão para a educação? Infelizmente, os movimentos estudantis não tem aquela legitimidade da UNE no pré-golpe; hoje estão aprisionados e aparelhados dentro de um partido. E como conseguir convocar a juventude em geral, que saiu às ruas em julho do ano passado? Onde está o dinamismo do movimento sindical, em parte cooptado pelo aparelho do estado, como muitos movimentos sociais? Ainda bem que temos um MST sempre vigilante e implacável. Ele poderia estar na base de um grande movimento de defesa da nação ameaçada.

Às vezes, na esquerda, a dimensão nacional não desperta a mesma atenção do que a causa das classes subalternas. Mas na grande história, esta úl-tima, depende de termos uma nação independente e livre. O pré-sal poderá dar bases materiais para políticas sociais ainda mais ousadas. E, quem sabe, iniciar medidas para enfrentar as fortes desigualda-des que ainda permanecem, num país, infelizmente, com elites atrasadas e tacanhas. A pressão popular e de movimentos sociais e sindicais renovados, pa-receria ser, a partir da sociedade, o caminho para vencer as tentativas golpistas e entreguistas.

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No delicado momento político que atraves-sa a Petrobras penso que se torna funda-mental relembrar o que ela significa para a

economia, a sociedade e a democracia no Brasil. Precisamos, cidadãs e cidadãos brasileiros, nos por em alerta e estar prontos a defender um dos maiores patrimônios por nós criados ao longo de gerações. Isto não significa defender os envolvi-dos pegos com a “mão na massa” pela operação “Lava Jato” da Polícia Federal.

Aliás, tanto eles como os seus cúmplices, executivos de grandes empresas, e todos que de algum modo se beneficiaram do esquema de corrupção merecem o repúdio da cidadania, que

exige justiça acima de tudo, dentro de critérios republicanos e de justiça democrática, sem privi-légios de classe ou de poder.

O fato da última semana, a destituição da presidenta Foster e a renúncia de sua diretoria, com a nomeação de um novo presidente, é, sem dúvida, um sinal de que a Petrobras navega em meio à tempestade. Hoje, porém, a Petrobras de-senvolveu tecnologia para explorar petróleo em águas profundas, bravias, e tem um corpo téc-nico de milhares de pessoas, tanto diretamente assalariados como prestadores de serviços, que sabem dar conta do recado.

Mais, eles se sentem e agem como os ver-

A Petrobras precisa de um claro sinal de que estamos a seu ladoCândido Grzybowski

“A corrupção na Petrobras merece repúdio, mas, como pa-trimônio da sociedade, a empresa precisa saber que esta-mos a seu lado”

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dadeiros representantes da cidadania lá, garantia para que a Petrobras dê conta do mandato que lhe damos. O que a Petrobras precisa é de um claro sinal de que estamos a seu lado, faça chu-va, faça sol. Estamos aí, como cidadãos e como democratas, a defender o que é um dos bens comuns maiores que criamos e essencial para a nossa democracia. Não é a primeira vez que a Pe-trobras passa por dificuldades assim, e nem será a última. E não será desta vez que a cidadania do Brasil perderá a Petrobras.

Há muito tempo o Brasil luta por autonomia, talvez por altivez. Nunca demonstramos vontade de dominar outros povos, mas também não acei-tamos que nos dominem, nem queremos ser sim-plesmente subalternos, subordinados que acei-tam servir à hegemonia de quem quer que seja. Alguém vai lembrar e dizer que o capitalismo é assim mesmo, com um império e seus asseclas para dominar o resto. E quem disse que a cidada-nia do Brasil pensa e almeja isto?

O interesse nacional, se é que existe, é um pacto entre a diversidade do que somos. Não nos venham impingir como interesse nacional o inte-resse de uma certa fração de classe dominante, que acha seus interesses contemplados numa dependência submissa ao imperialismo capita-lista de turno. Sim, eles também mudam, pois o capitalismo é, por definição, para poucos, os mais fortes e competitivos nos mercados selvagens, com arsenais e exércitos se necessário. Só que existe cidadania e isto faz uma enorme diferença, como a pequena Grécia acaba de demonstrar.

A Petrobras existe enquanto tal porque a ci-dadania quis ter a questão energética ligada ao petróleo sob controle estatal. Luta árdua lá no começo, nos anos 50 do século passado, e luta árdua ao longo da história da Petrobras. Ela so-breviveu à “privataria” dos anos 90 e, depois da

descoberta do pré-sal, voltou ao protagonismo de sempre. Mas os interesses privados derrota-dos não esmorecem, estão de plantão na menor oportunidade. Hoje a maior ameaça para a nossa Petrobras são as forças pró-privatização. A cor-rupção veio a calhar e reanimou a sanha priva-tista. Logo sobre um grande bem comum, como a energia que todos precisamos de algum modo.

É bom, nesta hora de dificuldades, compa-rar a situação da Petrobras com o resto do setor energético brasileiro. A geração e distribuição da vital energia elétrica para o modo que vivemos hoje foram irresponsavelmente desestruturados pela privatização e estão no centro de uma enor-me crise sistêmica, mais de contradição entre interesses públicos e interesses privados do que clima e gestão. O mesmo não pode acontecer com o petróleo.

Aqui cabe lembrar a difícil equação entre petróleo e sustentabilidade. A energia fóssil é o grande vilão da mudança climática. Não dá para ignorar isto ao falar da Petrobras. Mas a questão é que não existe, no imediato, uma saída para a grande dependência civilizatória, por assim dizer, do que a energia fóssil oferece como possibilida-de e sua presença absoluta no nosso cotidiano. Pior, existe uma geopolítica mundial atrelada à questão da energia fóssil, no centro da própria disputa imperialista, como neste momento a questão da Ucrânia e as contradições do Oriente Médio e Afeganistão revelam, com guerras e fun-damentalismos inaceitáveis.

Voltando à nossa Petrobras, é fundamental que se afirme a hegemonia pública sobre ela e seu caráter de bem público do Brasil. Resguarde-mos para a cidadania a possibilidade do que fazer e como fazer a melhor gestão das grandes reser-vas de petróleo e gás do território do planeta que nos cabe cuidar, bem como de nosso reconheci-do saber e capacidade de lidar com isto.

Deixemos para depois a questão sobre como usar as reservas e a garantia de deixar para gerações futuras o que nós, por enquanto, utiliza-mos como energia a ser queimada. Firmemos um compromisso básico entre nós: a Esta é a base a preservar inteira, como algo único e indispen-sável. Depois discutiremos o resto. Mas discutire-mos, sem dúvida!

________

Cândido Grzybowski é sociólogo. Diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econô-micas (Ibase).

“A Petrobras existe enquanto tal porque a cidadania quis ter a questão energética

ligada ao petróleo sob controle es-tatal. Luta árdua lá no começo, nos anos 50 do século passado, e luta árdua ao longo da história da Petrobras.”

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A velha mídia brasileira execra a Petrobrás, já se sabe. E, portanto, omite que a empresa rece-beu o Oscar da indústria de petróleo, o Offshore Tecnology Conference 2015 (OTC) e que o pré--sal já produz mais de 700 mil barris por dia - o suficiente para abastecer países como Uruguai, Paraguai, Bolívia e Peru, juntos. Mas para o baia-no de 34 anos da cidade de Feira de Santana, onde mora, Deyvid Bacelar, “a Petrobras é maior do que tudo que está aí na mídia”. Bacelar é re-presentante da CUT, do CNPQ e da Federação

Única de Petroleiros (FUP) na Comissão Nacional Permanente do Benzeno, e recém eleito repre-sentante dos funcionários da Companhia no seu Conselho de Administração com cerca 58% dos votos válidos.

O coordenador geral do Sindipetro da Bahia pertence à “geração Lula”, como ele mesmo diz. Os funcionários que entraram a partir de 2003, quando os concursos foram retomados. Deyvid prestou cinco concursos. Um deles, de nível su-perior. É graduado em Administração com espe-

Entrevista: A Petrobrás, bem maior do que diz a mídiaLéa Maria Aarão Reis

‘Os ataques diários da mídia golpista e a falta de defesa da Petrobrás atingiram a moral e o orgulho do petroleiro, te-mos de resgatar este orgulho’

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cializações em SMS (Saúde, Meio Ambiente e Se-gurança) e Gestão de Pessoas. Mas preferiu ficar em cargo técnico. Seu ingresso no CA representa um sopro de oxigênio e de energia, e uma renova-ção na administração da Petrobrás.

Na pauta da entrevista exclusiva de Bacelar à Carta Maior ele defende, com veemência, o pa-trimônio nacional que a empresa representa, pede a punição de corruptos e corruptores, e ressalva: “Este processo não pode significar a paralisia do setor mais dinâmico da economia brasileira”. In-voca também maior transparência e participação do estado no lugar do “Deus mercado”.

A entrevista: Sua trajetória na empresa? Quando co-

meçou? Sou Técnico de Segurança na RLAM - Refi-

naria Landulpho Alves, Mataripe -, onde ingressei por concurso em 2006. Sou graduado em Admi-nistração pela UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), com especializações em SMS no IFBA (Instituto Federal da Bahia) e em Gestão de Pessoas na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Em Feira de Santana, sou Presidente da Associação de Moradores Morada das Árvores, onde empresto essa experiência de forma volun-tária nas ações comunitárias da entidade.

Você vê como “excessiva” a influência do

governo na Petrobrás, como dizem os críticos e a oposição ao governo progressista?

Não vejo excessos porque o Governo Fede-

ral é o acionista majoritário e deve dar o tom nas decisões que afetam o Brasil e a sua economia. A Petrobrás é uma empresa que não visa o Lucro pelo Lucro. Ela tem o seu papel social que deve ser muito bem cumprido. Por sinal, o Governo, através do CA da Petrobrás, deveria aproveitar essa baixa no valor das ações dela para ampliar ainda mais a presença do Estado e adquirir ações de forma que a torne novamente 100% pública e estatal.

Percebe-se a necessidade urgente de a Pe-trobrás voltar a se comunicar com a sociedade informando seus feitos e seu significado para o país. Quais canais podem ser usados nesta co-municação? Você vai brigar por aperfeiçoá-los e dinamizá-los, no Conselho? Critica-se, por exem-plo, a Companhia não responder à (velha) mídia e às acusações de delatores premiados que ela

publica indiscriminadamente e com vontade. Com certeza. Iremos utilizar essa represen-

tação que teremos no CA para cobrar da Petro-brás junto com os trabalhadores e movimento sin-dical as melhorias no processo de comunicação da Companhia com seu público interno e com a sociedade como um todo. Hoje, uma das maiores queixas dos trabalhadores dessa grande empresa é justamente a falta de respostas para os ataques diários da mídia golpista tanto para dentro como para fora. Há alguns anos atrás, ainda na gestão de Sérgio Gabrielli, o blog Fatos e Dados funcio-nava de uma maneira mais dinâmica e eficaz e os petroleiros e as petroleiras conseguiam obter da própria empresa informações para construir ar-gumentos para defendê-la em outros grupos de relacionamentos como os familiares, de amigos, associações etc. A Comunicação Institucional da Petrobrás poderia, também, utilizar as novas ferramentas de comunicação (facebook, twiter, whatsapp, instagran) e as mídias alternativas da internet, em vez de alimentar o PIG com o pa-gamento de propagandas caríssimas e matérias pagas em revistas que sempre atacaram a Petro-brás e a soberania nacional.

Como você vê o vazamento de informa-ções dos depoimentos das investigações da operação Lava Jato e as acusações feitas por delatores premiados?

A mídia golpista publica esses vazamentos,

diariamente, sem a menor decência e responsa-bilidade. A Comunicação e o Jurídico da Petrobrás deveriam brigar para conseguir vários direitos de resposta que os detentores de uma concessão pública não dão com o objetivo escuso de criar no imaginário da população a imagem de uma em-presa que precisa ser trocada por multinacionais estrangeiras da indústria do petróleo. Com cer-teza, vamos pressionar a Petrobrás para mudar a sua forma de se comunicar com a sociedade bem como utilizar os espaços que temos e que nos forem dados para demonstrar os fatos e os reais interesses que estão por detrás das palavras do PIG.

Qual é a sua pauta, as prioridades, para discutir no Conselho de Administração?

Eu me sinto muito honrado ao ser eleito pe-

los trabalhadores para o CA. Com isso, assumo mais um desafio em minha vida pessoal e profis-

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sional. Assumo compromissos com esta catego-ria que produz a riqueza do país e coloca a em-presa como uma das mais importantes do mundo no setor petrolífero. Reafirmo aqui compromissos da transparência, da ética, da fiscalização rigoro-sa dos atos do CA e um canal direto de comu-nicação com os trabalhadores e trabalhadoras, em todas as unidades. No CA serei o porta-voz dos anseios da categoria sobre o trabalho e os problemas enfrentados pelo seu corpo funcional, maior patrimônio da empresa. No CA, repudia-remos essa prática dos corruptos e corruptores, continuaremos a exigir investigações e punições, doa a quem doer como bem o disse a presidenta Dilma em sua campanha eleitoral. No CA serei o porta-voz dos anseios da categoria sobre o tra-balho e os problemas enfrentados pelo seu corpo funcional, maior patrimônio da empresa. Com-bateremos a política da rotina de acidentes que tantos males causam aos trabalhadores e seus familiares, em especial nas plataformas, sondas e refinarias. É preciso coragem também para avan-çar no Código de Ética e impedir os assédios e as perseguições.

E sobre a trava nos investimentos?

Continuam os problemas com o desinvesti-mento e suas consequências – a Bahia, Nordeste e Espírito Santo pagam um alto preço por essa política – e isso diz, sim, respeito a cada um dos empregados e das empregadas da Petrobrás. Continuaremos vigilantes ao desenvolvimento do pré-sal, dos campos maduros, Refino e Gás & Energia, bem como o uso de sondas próprias e combate ao afretamento de plataformas pela Pe-trobrás.

A importância do papel social da Petro-brás?

A Petrobrás é, com certeza, a alavanca mes-

tra da economia do país. Representa 13% do PIB nacional e gera emprego em renda em todas as regiões do país com as suas atividades que vão desde a exploração, produção, refino, petroquí-mica, bicombustíveis, distribuição à venda direta para o consumidor; hoje, indo além “do poço ao posto”. Empresa com inúmeros projetos sociais e culturais espalhados por todo país e com um corpo técnico de empregados elogiado e cobi-çado por muitas concorrentes. Diferente do que a mídia golpista propala, a Petrobrás, que vinha

sendo sucateada em toda década de 90 com os governos neoliberais, após a conquista de um governo popular e democrático que o povo aju-dou a construir, melhorou significativamente em quase todos os seus resultados. E, hoje, mesmo com toda essa crise da indústria petrolífera, com a queda do valor do barril do petróleo, ainda pos-sui um dos melhores números do setor. Aumen-tou seu Lucro Líquido, Valor de Mercado, Valor Patrimonial, Faturamento e tem um dos melhores resultados operacionais do mundo que geram inveja e cobiça das multinacionais petrolíferas. Ao ponto de hoje ser a maior empresa de capital aberto produtora de petróleo do mundo, batendo a americana Exxon-Mobil.

Os seus avanços beneficiaram os petrolei-ros?

Com todos esses avanços, desde 2003, os trabalhadores também foram beneficiados, sim, com o aumento do número de empregados de 36 mil para em torno de 86 mil e a conquista de inú-meros direitos com as mais de 40 novas cláusulas do Acordo Coletivo de Trabalho dos petroleiros, uma referência para inúmeras outras categorias. Infelizmente, o que ainda não conseguimos me-lhorar na Petrobrás foi a política e gestão de SMS - Saúde, Meio Ambiente e Segurança - com seus péssimos resultados diante das 15 mortes ocorri-das em acidentes fatais e inúmeras doenças ocu-pacionais em 2014 e do trágico acidente ocorrido no dia 11 último, na Plataforma Cidade de São Ma-teus, no ES, que ceifou a vida de nove trabalhado-res, até o momento. Esperamos que no comitê de SMS ligado ao CA da Petrobrás possamos ajudar a mudar essa triste realidade dando mais auto-nomia aos profissionais de SMS e fazendo com que a alta administração da empresa abra para os trabalhadores e movimento sindical a sua gestão para que seja mais participativa e democrática recebendo as contribuições de quem, realmente, conhece o chão da fábrica e seus riscos.

Há uma atmosfera, hoje, de apreensão en-tre os trabalhadores.

Infelizmente, os ataques diários da mídia golpista e a falta de defesa da Petrobrás atingi-ram a moral e o orgulho do petroleiro! Hoje, todos trabalhadores e trabalhadoras da empresa são colocados sob suspeição pela mídia irrespon-sável que controla os meios de comunicação de

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massa. Nossa representação no CA terá um pa-pel fundamental para resgatar a moral e orgulho de trabalharmos na maior empresa da América Latina, bem como para dar elementos e argu-mentos para os petroleiros e petroleiras também defenderem a Empresa como patrimônio do povo brasileiro nos espaços que cada um e cada uma ocupa formando opiniões junto à sociedade.

Há uma sensação forte de ressentimento originado no orgulho ferido por parte dos pe-troleiros.

Precisamos resgatar o orgulho que sempre

tivemos de trabalhar na Petrobrás, hoje confun-dido pelas fraudes praticadas por um punhado de corruptos e corruptores, mas que a mídia conser-vadora e interesses nocivos ao nosso país tentam igualar a todos. Somos diferentes, somos traba-lhadores e trabalhadoras e honramos o que faze-mos. Nada temos a temer, pois a nossa categoria não tem as mãos sujas; nunca as tivemos.

Uma manchete do jornal Globo, recente, omitia e mentia. Dizia que ‘em quase’ dez anos a Petrobrás contratou 60% das suas obras por convite, sistema criado no governo FHC, em 98, com a justificativa de proporcionar agilidade aos trabalhos. Mas houve brechas, aproveitadas para fortalecer o cartel. Você, como representante dos seus companheiros, acha que esse sistema deve permanecer?

Sabe-se que o escândalo da Petrobrás en-volvendo corruptos e corruptores foi gestado e cultivado no governo do PSDB com a Lei 9.478/97 idealizada pelo ex-presidente da Petrobras, Da-vid Zylbersztajn, e o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Lei regulamentada pelo Decreto 2.745, de 1998, do então Presidente FHC, que flexibilizou e escancarou as formas de contratação de bens e serviços na Companhia a qual seguia, antes, a rigorosa Lei 8.666, Lei de Li-citações Públicas. Com certeza, além de cobrar a punição dos corruptos e corruptores, vamos tra-balhar junto com os trabalhadores e o movimento sindical a fim de pressionar o Congresso Nacional para revogar a chamada Lei do Petróleo e con-dicionar todas as contratações da Petrobrás, por exemplo, ao Regime Diferenciado de Contrata-ções Públicas (RDC), instituído pela Lei 12.462, de 2011, conforme já indicou o Deputado Federal Zé Geraldo (PT-PA).

E sobre a necessidade urgente de paga-

mento de Lucros e Resultados (PRL). Ele será possível?

A FUP e sindicatos filiados, quando cons-truíram o regramento da PLR, assinaram o ACT prevendo o pagamento em quaisquer das situa-ções adversas, a exemplo de agora. A FUP inclu-sive já cobrou uma reunião com a Petrobrás para o cumprimento desse acordo. Com a divulgação do balanço financeiro do 3° trimestre – ele foi menor do que o trimestre anterior, sendo que os três primeiros trimestres de 2014 também foram menores do que os de 2013 – nós sabemos que isso dará um adiantamento da PLR menor do que o último recebido. Mas, o que importa é que pelo acordo assinado o pagamento do adiantamento da PLR está assegurado e dele não abriremos mão. Com relação à possibilidade da empresa, no seu balanço final, não obter lucros, apesar de al-cançar todos os demais resultados previstos no regramento em 2014 – e isto saberemos entre maio e junho – os trabalhadores têm, no acordo de regramento da PLR, assinado entre a FUP e a Petrobrás, a garantia de recebimento de um piso ou valor mínimo.

Você considera, Bacelar, que poderia ter havido maior participação na votação que o elegeu?

A baixa participação na votação deste ano se deu, eu acho, principalmente, pelo péssimo serviço prestado pelo atual representante dos empregados no CA, com a sua falta de transpa-rência, não prestação de contas do mandato e a omissão em defender a Petrobrás e os seus tra-balhadores perante a mídia golpista que ele muito ajudou e com a qual fez coro em suas mais de 40 entrevistas. Com certeza, faremos diferente e es-peramos que na próxima eleição as petroleiras e os petroleiros compreendam a importância desse espaço conquistado, após muita luta, em 2010.

Mesmo antes da oficialização da sua elei-ção, em março, você pode votar e participar ativamente do CA?

Infelizmente, não poderei votar antes de ser empossado na Assembléia Geral dos Acionistas. Mas, com certeza, já estarei demonstrando aos petroleiros, às petroleiras e à sociedade brasilei-ra quais as minhas intenções e forma de atuar no Conselho de Administração da Petrobrás.

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EXPEDIENTE

Carta Maior Publicações,

Promoções e Produções Ltda.

DIRETOR GERAL

Joaquim Ernesto Palhares

REDAÇÃO

Editor Chefe

Joaquim Ernesto Palhares

Sub-editores:

Saul Leblon,

Roberto Campos Brilhante

Andre Roschel;

Assistente de Direção:

Claudio Cerri;

Repórteres Especiais:

Maria Inês Nassif

Dario Pignotti;

Repórteres:

Najla Passos,

Léa Maria Aarão Reis,

Daniella Fernandes Cambaúva;

Najar Tubino;

Marcel Gomes;

Correspondentes Internacionais:

Flavio Wolf Aguiar (Berlim);

Martin Granovsky (Buenos Aires);

Marcelo Justo (Londres);

Luis Hernandez Navarro (México);

Estagiários:

Isabela Palhares.

COLABORADORES

Antonio Lassance

Doutor em Ciência Política - UNB/BR

Boaventura de Souza Santos

Doutor em Direito - YALE/USA

Emir Sader

Doutor em Sociologia - USP/SP),

Eric Nepomuceno

Escritor, Jornalista e Cineasta

Ermínia Maricato

Doutora em Arquitetura

- USP/SP

Fabiano Santos

Doutor em Ciência Política

- UFRJ/RJ

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Fábio de Sá e Silva

Doutor em Direito - UNB/BR

Francisco Carlos Teixeira da Silva

Doutor em História - UFRJ/RJ

Francisco Fonseca

Doutor em Ciência Política - FGV/SP

Gilberto Maringoni

Doutor em História - USP/SP

Ignacio Ramonet

Doutor em Comunicação - Universidade de

Paris

José Luís Fiori

Doutor em Ciência Política - UFRJ/RJ),

José Roberto Torero

USP/SP

Juarez Guimarães

Doutor em Ciência Política - UFMG/MG

Ladislau Dowbor

Doutor em Economia - Universidade de

Lausanne - Suiça

Larissa Ramina

Doutora em Relações Internacionais

- UNILA

Laurindo Leal Filho

Doutor em Comunicação - USP/SP

Leda Paulani

Doutora em Economia - USP/SP

Leonardo Boff

Doutor em Filosofia e Teologia -

Universidade de Munique/AL

Lincoln Secco

Doutor em História - USP/SP

Luiz Gonzaga Belluzzo

Doutor em Direito - USP/SP

Márcio Pochmann

Doutor em Economia - UNICAMP/SP),

Raquel Rolnik

Doutora em Arquitetura - New York

University

Reginaldo Nasser

Doutor em Ciências Sociais - PUC/SP

Rodrigo Alves Teixeira

Doutor em Economia - PUC/ SP

Rosa Maria Marques

Doutora em Economia - PUC/SP

Samuel Pinheiro Guimarães

Embaixador

Sebastião Velasco Cruz

Doutor em Ciência Política - UFRJ/RJ

Theotonio dos Santos Júnior

Pós-doutor em Teoria Antropológica - UFRJ/

RJ)

Venício Lima

Doutor em Sociologia

EDIÇÃO DA REVISTA

Roberto Brilhante

ENDEREÇO

Av. Paulista, nº 726, 15º andar, Bela vista

CEP 01310-100 - São Paulo/SP

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