revista t&c amazônia - nº 1
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Ano I - Número I - Fevereiro de 2003 ISSN - 1678-3824 Tema: FUCAPI: 21 anos de Tecnologia na AmazôniaTRANSCRIPT
FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
EDITORIAL
21 ANOS DE FUCAPI.
Tecnologia na Amazônia.
Essa é uma mensagem que está associada à Fucapi desde a sua criação, há 21 anos.
Instituição nascida com o propósito de apoiar a atividade industrial em Manaus, fruto da inquietação de
dirigentes locais com o processo de desenvolvimento da Zona Franca, contabiliza aprendizados em uma
trajetória rica e surpreendente.
Rica na diversidade das experiências, inicialmente dedicadas à consolidação de uma engenharia local, com
ênfase na tropicalização de produtos, substituição de importações e desenvolvimento de fornecedores,
posteriormente avançando para áreas como qualidade, produtividade, gestão ambiental, formação e treinamento
de mão-de-obra especializada; na percepção da importância crescente do recurso humano qualificado para
a sustentabilidade das ações, que culminou com a sua atuação em educação formal, incluindo o ensino nos
níveis superior e de pós-graduação.
Surpreendente pelo fato de ter estruturado todo esse esforço a partir de uma base de profissionais idealistas,
localmente formada, sem ter seguido modelos referenciais externos, desenvolvendo um perfil de trabalho que
contempla as peculiaridades locais.
O imaginário popular em relação à Amazônia costuma ser povoado por elementos associados a florestas,
rios, animais, folclore e quase nunca por referências à modernidade, conhecimento, inovação, tecnologia.
Ao pioneirismo da Fucapi talvez possa ser creditado o mérito de servir como um exemplo para que outras
instituições de ensino e pesquisa, instaladas localmente, também se engajassem no desafio de gerar e
atender à demanda por educação e serviços tecnológicos especializados, ampliando a capacitação regional.
Mas a trajetória para um desenvolvimento sustentável do Amazonas e da Amazônia tem ainda diversos
desafios a enfrentar e muito espaço a ser conquistado. E uma opção consciente pelos caminhos mais
apropriados é uma tarefa de dimensão proporcional à imensidão do território, que não pode abdicar das
idéias e reflexões de todos aqueles que se proponham a contribuir.
T&C Amazônia tem o propósito de ser um espaço para discussões que se adeqüem a esse contexto. Um
ambiente no qual profissionais e organizações sintam-se estimulados a manifestar-se na discussão dos
caminhos do desenvolvimento regional sustentável e no estabelecimento de contornos mais nítidos para
possíveis contribuições da C&T&I.
Este primeiro número da T&C Amazônia, dedicado ao tema Desenvolvimento Regional, é adequado para,
simbolicamente, comemorar uma nova etapa de maturidade da Fucapi.
E, além de reafirmar o compromisso com a região, é mais uma vez a ratificação da sua mensagem original,
ainda atual: “Tecnologia na Amazônia”.
O que foi interpretado, em seu nascedouro, muito mais como um ideal a ser alcançado, hoje talvez já possa
ser categorizado como uma recompensadora realidade.
Os Editores
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
SUMÁRIO
FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na AmazôniaIsa Assef dos Santos ......................................................................................................................3
O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema EducacionalWaldimir Pirró e Longo ...................................................................................................................8
Tecnologia e Desenvolvimento RegionalJosé Seixas Lourenço ..................................................................................................................23
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável daAmazôniaImar César de Araújo ....................................................................................................................30
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da AmazôniaMaurício Elísio Martins Loureiro ....................................................................................................36
Pesquisa e Benefício Social – Uma Relação Possível?Entrevista com Marcus Luiz Barroso Barros ..............................................................................42
Tecnologia e Floresta – Um Exemplo de CooperaçãoEntrevista com Evandro Luiz Vieiralves e Luis Galvão ...............................................................47
A Tecnologia da Informação no Processo OrganizacionalGilbert Breves Martins, Rhandsaissem Tavares Leal, Fabíola Nazaré Borges e Valdir Sampaioda Silva .........................................................................................................................................52
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na RegiãoFrancisca Dantas Lima e Sônia Iracy Lima Tapajós ...................................................................60
A Gestão do Conhecimento no Universo dos IntangíveisCinthia da Cunha Mendes ............................................................................................................65
Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a AmazôniaRubem Cesar Rodrigues Souza..................................................................................................74
FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
FUCAPI: 21 ANOS DETECNOLOGIA NA AMAZÔNIA
Isa Assef dos Santos*
Após a implantação, na Zona Franca de
Manaus - ZFM, de várias indústrias das áreas
de eletrônica, eletromecânica, ótica, relojoaria
e de veículos que vieram atraídas pelos in-
centivos fiscais especiais aqui oferecidos, criou-
se um pólo industrial que rapidamente cresceu,
tornando-se necessária a criação de ins-
trumentos capazes de dar suporte técnico ao
seu desenvolvimento.
Em 1982, após a realização de estudos
e levantamentos sobre as necessidades do
parque industrial da ZFM, surgiu a FUCAPI,
então com o nome de Fundação Centro de
Análise de Produção Industrial, uma entidade
de direito privado, sem fins lucrativos, que vinha
com o objetivo de dotar o setor industrial e áreas
do Governo, de apoio técnico local e efetivo na
realização de pesquisas no setor eletrônico e
em outros setores de interesse do parque in-
dustrial, tais como o mecânico, ótico, relojoeiro
e de veículos. Criada pela Federação das In-
dústrias do Estado do Amazonas - FIEAM; Cen-
tro das Indústrias do Estado do Amazonas –
CIEAM e Fundação Universidade do Amazonas,
com o apoio técnico do Grupo Executivo
Interministerial de Componentes e Materiais –
GEICOM, ligado ao Ministério das Comu-
nicações e da SUFRAMA, iniciou suas ativida-
des, efetivamente, em novembro de 1983, com
a inauguração de suas primeiras instalações.
Atendendo ao objetivo de prestar apoio
técnico à SUFRAMA e às empresas da ZFM vi-
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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
sando ao desenvolvimento tecnológico e à
consolidação do modelo aqui implantado,
a FUCAPI logo ampliou seu raio de ação
e voltou-se também para a adequação do ensino
técnico-profissionalizante na região às
necessidades do parque industrial. Para isso,
elaborou, em 1987, o Plano Estratégico de
Educação, Ciência e Tecnologia – PEECT, que
se constituía num instrumento balizador das
ações da SUFRAMA, tendo em vista propor-
cionar suporte às suas atividades de
cooperação e fomento do desenvolvimento
sócio-econômico da Amazônia Ocidental. No
mesmo ano e em conseqüência dessa
ampliação, a FUCAPI incluiu em suas atividades
a pesquisa e a inovação tecnológica, passando
a denominar-se Fundação Centro de Análise,
Pesquisa e Inovação Tecnológica, considerando
que essa nova nomenclatura adequava-se
melhor ao seu novo perfil.
Uma das principais diretrizes estabe-
lecidas no Plano Estratégico de Educação,
Ciência e Tecnologia – PEECT era a criação do
Distrito de Alta Tecnologia – DIALTEC, uma
incubadora de empresas capaz de abrigar
pequenos e micro empreendimentos nas áreas
de Eletrônica, Eletroeletrônica, Sistemas de
Comunicações, Informática, Química de
Produtos Naturais, Biotecnologia, Mecânica de
Precisão e Materiais.
Caso essas ações tivessem sido
internalizadas pelas autoridades locais, à
época, poderíamos estar hoje diante do
desenvolvimento de “clusters” industriais
surgidos em torno desses pequenos
empreendimentos de base tecnológica. No
entanto, apesar do tempo decorrido, o Plano
ainda se constitui num documento da maior
importância, vez que o cenário regional ainda
está a exigir ações nessa direção.
Áreas como Biotecnologia, Sistemas
de Comunicações e Química de
Produtos Naturais são, ainda hoje, consideradas
estratégicas para a Região, o que comprova
que, há 16 anos, a FUCAPI já tinha uma visão
prospectiva clara das áreas e formas mais
adequadas de desenvolver o potencial da
Região, principal-mente através do uso
sustentável de suas riquezas naturais.
Ao longo do tempo, várias foram as
atividades desenvolvidas pela FUCAPI que
refletiram o extraordinário significado da ação
interativa com as demais instituições dedicadas
à análise, pesquisa e inovação tecnológica, no
âmbito local e nacional. Procuraremos
destacar, neste artigo, aquelas que marcaram
sobremaneira sua trajetória como uma entidade
comprometida com o desenvolvimento científico
e tecnológico da Região.
Na área educacional, a FUCAPI implan-
tou, ao longo dos anos, escolas profis-
sionalizantes, de segundo e terceiro graus, tais
como o Centro Estadual de Ensino Profis-
sionalizante em Informática – CEPI, a primeira
escola de informática do Amazonas; o Centro
Lindolfo Collor – Escola de Tecnologia da
Amazônia e, mais recentemente, o Centro
Educacional Lynaldo Cavalcante de Albuquer-
que – CEEF, que contempla o ensino médio e
cursos profissionalizantes nas áreas de
Informática e Telecomunicações, atendendo
hoje a cerca de 747 alunos. Atuando também
no ensino superior, através do Instituto de
Ensino Superior FUCAPI – CESF, possui
atualmente mais de 1000 alunos matriculados,
oferecendo cursos com ênfase tecnológica e
inovadora, tais como os de Engenharia de
Comunicações, Administração com ênfase em
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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Gestão da Inovação; Gestão de Serviços;
Gestão de Negócios; Análise de Sistemas;
Ciência da Computação; Engenharia de Pro-
dução Elétrica e Design de Interface Digital.
Ainda com a preocupação de promover
a educação e desenvolver os recursos huma-
nos da Região, também oferece cursos de pós-
graduação, de extensão, de curta duração e
treinamentos (abertos e “in company”), voltados
para atender a carência de qualificação de mão-
de-obra demandante do mercado local.
Na área de Informática, a FUCAPI dispõe
de infra-estrutura de tecnologia da informação
e suporte técnico para o desenvolvimento e
manutenção de sistemas demandados por
seus clientes. Constituindo uma experiência de
sucesso de 21 anos, que credencia e atesta
sua competência com relação aos processos
do Pólo Industrial de Manaus – PIM, a FUCAPI é
responsável pela informatização e opera-
cionalização dos sistemas que permitem à
SUFRAMA exercer sua ação desenvolvimentista
em toda a Amazônia Ocidental.
A competência da FUCAPI na prestação
de serviços na área de informática ultrapassou
as fronteiras estaduais, quando fez-se respon-
sável pela informatização de processos para o
Governo do Estado de Roraima e para a antiga
SUDAM – Superintendência do Desenvol-
vimento da Amazônia, hoje ADA – Agência do
Desenvolvimento da Amazônia, localizada no
Estado do Pará.
Desde 1987, a FUCAPI atua no desen-
volvimento de projetos de P&D, utilizando os
recursos da Lei de Informática, em parceria com
empresas da região, tais como, Siemens, Pro-
comp, Philips, Promom, Nokia, Xerox, Thom-
son, Rico, Trópico etc. Como resultados prin-
cipais dessa atividade destacam-se a interação
da instituição com o setor produtivo, a capaci-
tação da equipe técnica e o desenvolvimento
tecnológico. A SUFRAMA é um parceiro com o
qual a FUCAPI tem um contrato de prestação
de serviços nas áreas de informática e de aná-
lise e acompanhamento de projetos industriais.
O estabelecimento de parcerias com
empresas instaladas no Pólo Industrial de
Manaus e com entidades de desenvolvimento
regional demonstram a credibilidade obtida pela
FUCAPI ao longo de sua existência. Esse re-
sultado foi conseguido graças à adoção de uma
política agressiva de capacitação de seu pessoal
técnico, desenvolvida através da implantação
de programas de formação e titulação de re-
cursos humanos.
A FUCAPI possui laboratórios certifi-
cados pelas Normas ISO GUIDE 25 e creden-
ciados pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial – INME-
TRO, dotados de equipamentos capazes de
realizar ensaios e testes nas áreas de metrologia
dimensional, segurança de brinquedos, de is-
queiros e metrologia de grandezas elétricas.
Vale destacar que o Laboratório de Brinquedos
é um dos quatro existentes no País e o único
fora do Estado de São Paulo e o Laboratório de
Isqueiros é o único existente no país, cre-
denciado junto ao INMETRO.
As atividades em qualidade e produ-
tividade desenvolvidas pela FUCAPI, a partir de
1991, levaram-na a ser indicada para coordenar
o Comitê Regional da Qualidade e Produ-
tividade, quando, na ocasião, apoiou inte-
gralmente o Programa Brasileiro da Qualidade
e Produtividade – PBQP, desenvolvido pelo
Governo Federal, em ações junto às empresas
da Zona Franca de Manaus que a projetaram
em nível nacional, tornando-a um conhecido
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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Centro de Excelência na área, prestando serviço
através de seu Núcleo Pró-Qualidade – NPQ.
Em outubro de 1998, a FUCAPI recebeu
cinco certificações com a ISO 9001, incluindo-
se o Centro Educacional Lynaldo Cavalcante de
Albuquerque – CEEF e o Instituto de Ensino
Superior FUCAPI – CESF, numa clara demons-
tração de compromisso com os resultados de
seus parceiros, auxiliando-os a tornarem-se
mais competitivos, para ampliarem suas par-
ticipações no mercado. A recertificação do seu
Sistema de Gestão da Qualidade, agora pelas
normas NBR ISO 9001:2000, ocorrido em 2001,
de modo geral, veio contribuir para a melhoria
dos processos internos, além de evidenciar a
qualidade dos serviços por ela prestados.
Justamente pela busca da melhoria de
seus serviços, a FUCAPI vem participando do
Programa Excelência na Pesquisa Tecnológica,
uma iniciativa da Associação Brasileira dos
Institutos de Pesquisa – ABIPTI, do MCT e CNPq
e que tem por objetivo a promoção da melhoria
do desempenho dos institutos de pesquisa
tecnológica, visando torná-los mais compe-
titivos.
Em parceria com o CNPq, desde 1994
a FUCAPI edita o Prêmio FUCAPI/CNPq de
Tecnologia, que já se encontra em sua 8ª edição,
visando estimular e incentivar a geração e
transferência de tecnologias que possam
contribuir para o desenvolvimento da Região
Amazônica. O Prêmio tem âmbito nacional e
representa o estímulo à transformação de idéias
em valor econômico e social.
Pioneira na condução de novas formas
de pensar o desenvolvimento da Amazônia, a
FUCAPI está desenvolvendo também impor-
tantes projetos e atividades em áreas estra-
tégicas para a região: design, meio ambiente e
gestão do conhecimento. O projeto Design Trop-
ical da Amazônia é um projeto de amplitude
social, criado em 1999, que visa a incorporação
de tecnologias e conceitos mundiais nas
técnicas de produção de peças de artefatos de
madeira, produzidos a partir de resíduos da
floresta e com alto padrão de qualidade, manten-
do o modelo amazônico.
Sua preocupação com o desenvol-
vimento econômico da região aliado à preser-
vação do meio ambiente levou a FUCAPI a
implantar o Centro Tecnológico Ambiental – CE-
TAF, que foi criado com o objetivo de prestar
consultoria às empresas, visando a identi-
ficação, implantação e monitoramento de ações
que minimizem os mais diversos tipos de im-
pactos ambientais.
A Gestão do Conhecimento figura como
uma das mais recentes áreas de atuação da
FUCAPI, caracterizada pelo Núcleo de Gestão
do Conhecimento, criado com a missão de
melhorar a qualificação de seu quadro funcional;
disseminar as melhores práticas de desen-
volvimento do ciclo de conhecimento insti-
tucional, tácito e explícito; estudar as meto-
dologias de mensuração do capital intelectual;
utilizar ferramentas de Tecnologia da Informação
e auxiliar na tomada de decisão.
Ao longo desses 21 anos, a FUCAPI tem
assumido um papel desafiador, investindo na
capacitação do homem da região e dedicando-
se ao desenvolvimento tecnológico e empre-
sarial, através da prestação de serviços técnicos
especializados que contribuam para diminuir,
com suas ações, a distância entre o conhe-
cimento existente na Amazônia Ocidental e ou-
tros centros mais desenvolvidos do país.
O desenvolvimento dessas e de outras
iniciativas no sentido de estimular os esforços
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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
inovadores no campo tecnológico, principal-
mente projetos com impactos expressivos para
a região, rendeu-lhe o Prêmio FINEP de Ino-
vação Tecnológica, versão 2002, como ins-
tituição vencedora da Região Norte no segmento
da pesquisa tecnológica.
REFERÊNCIAS
FUCAPI. Relatório de Atividades desenvolvidas
pelo Departamento de Desenvolvimento
Tecnológico – DETEC, durante o exercício de
1995. Manaus: FUCAPI, 1996.
FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1999.
Manaus: FUCAPI, 2000.
FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1998.
Manaus: FUCAPI, 1999.
FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1997.
Manaus: FUCAPI, 1998.
FUCAPI. Relatório de Atividades – jun. 1990 a
mar. 1991. Manaus: FUCAPI, 1992.
FUCAPI. Relatório de Atividades – ago. 1987 a
maio 1990. Manaus: FUCAPI, 1991.
FUCAPI. FUCAPI: criação e desenvolvimento.
Manaus: FUCAPI, 1989.
* Isa Assef dos Santos é Advogada, Ad-
ministradora, Professora da UFAM, Especialista
em Administração Pública e em Marketing,
possuindo larga experiência na gestão de em-
presas públicas e privadas. Diretora Executiva
da FUCAPI.
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
O DESENVOLVIMENTOCIENTÍFICO E TECNOLÓGICO ESEUS REFLEXOS NO SISTEMAEDUCACIONAL
Waldimir Pirró e Longo*
O CENÁRIO CIENTÍFICO E
TECNOLÓGICO, PRODUÇÃO E
TRABALHO
Desde o seu surgimento na face da Ter-
ra, o homem tem procurado transformar a
ambiência e as disponibilidades naturais da
mesma no sentido de atender os seus desejos
mais profundos, quase nunca explicitados,
dentre os quais encontram-se: viver mais,
trabalhar menos e com menor esforço físico,
não sofrer (principalmente não sentir sede, fome
e dor), ter mais prazer (tempo disponível para o
lazer), preservar a espécie e ter poder para
impor a sua vontade (1). A partir do final do século
dezenove, as transformações produzidas pelo
homem foram extraordinariamente aceleradas
como resultado da organização e siste-
matização do trabalho voltado para a geração e
uso de conhecimentos científicos com o intuito
de produzir tecnologias que resultassem em
novos ou melhores produtos e serviços que
satisfizessem os seus desejos centrais e suas
necessidades imediatas. Assim, o conhe-
cimento científico deixou de ser um bem
puramente cultural, para tornar-se insumo
importante, senão o mais valioso, para a
geração de inovações tecnológicas. De fato,
atualmente, constata-se que as complexas
demandas das sociedades modernas são
atendidas por tecnologias crescentemente
resultantes da aplicação de conhecimentos
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
científicos (2).
Em decorrência da busca e apropriação
sistemática, e bem sucedida, de conhecimentos
científicos para a produção de tecnologias,
estima-se que os conhecimentos científicos e
tecnológicos têm duplicado a cada 10 a 15
anos” (3) . Em 2000, a Hart-Rudman Presiden-
tial Commission do Congresso dos EUA,
afirmou que “...os próximos dez anos trarão
mais mudanças tecnológicas que o século XX
todo, e os governos serão incapazes de
companhá-las” (4).
Quanto à previsão da citada Comissão
a respeito da incapacidade de acompanhamento
das mudanças, é preciso considerar que a
introdução de novas tecnologias, quase sempre,
é uma decisão do setor produtivo, não discutido
e não planejado pela sociedade. As alterações
ambientais e comportamentais resultantes são
de tal magnitude e, às vezes, tão inesperadas,
que as instituições sociais em geral, entre as
quais os governos nacionais, não têm
conseguido acompanhá-las e adaptar-se,
enfrentando, então, sérias crises de
gerenciamento. Estão, nesse caso, além dos
governos, instituições tais como partidos
políticos, religiões, forças armadas, empresas
e as escolas, ou melhor dizendo, a organização
e os métodos utilizados no processo ensino-
aprendizagem (5) . Assim, estabelece-se um
“hiato gerencial” entre a nova realidade social
resultante do avanço científico e tecnológico e
a capacidade de reação e de reorganização dos
grupos ou entidades sociais para o trato dessa
nova realidade (6) . É preciso ter presente que
novas tecnologias podem alterar hábitos,
valores, prioridades e a própria visão que o
homem tem de si mesmo e do mundo, exigindo,
em conseqüência, novas regras de convivência
social e, certamente, nova educação para os
jovens e atualização contínua para os adultos.
Do exposto, conclui-se que, hoje, os
grandes desafios enfrentados pelos países, nos
níveis local e global, estão intimamente rela-
cionados com as contínuas e profundas
transformações sociais ocasionadas pela velo-
cidade com que tem sido gerados novos
conhecimentos científicos e tecnológicos, sua
rápida difusão e uso pelo setor produtivo e pela
sociedade em geral. Pode-se afirmar que
vivemos num mundo cambiante, cuja única
certeza é a incerteza. No dizer de Paul Valery,
“o problema atual é que o futuro não é mais o
que deveria ser”.
Diante dessa dinâmica de um mundo
em constante mutação graças aos avanços da
ciência e tecnologia, a imagem que se formula
é que tudo se passa como se estivessem
indivíduos, empresas e nações subindo uma
escada rolante que se desloca, continuamente
acelerada, em sentido contrário ao movimento
de todos, sendo, portanto, necessário subir
cada vez rápido para permanecer na mesma
altura. Caso não acompanhem ou suplantem a
escada da evolução científica tecnológica, os
indivíduos tornam-se profissionalmente obsole-
tos, as empresas perdem competitividade e vão
à falência, os países amargam o subde-
senvolvimento e uma insuportável dependência
externa do insumo mais estratégico do mundo
moderno: o conhecimento.
Na evolução científica e tecnológica não
há patamar definitivo a ser atingido, pois a
escalada é contínua, ou seja, a escada não tem
fim.
Assim, avulta de importância, por parte
das nações, através das suas instituições,
principalmente as educacionais, o contínuo
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
monitoramento da evolução científica e
tecnológica, e das mudanças sociais decor-
rentes ou antevistas. O acesso às informações
e a gerência das mesmas, assim como
previsão e avaliação tecnológicas, passaram a
ser de importância vital nas políticas e
estratégias governamentais em todos os níveis,
objetivando minimizar “hiatos gerenciais”,
particularmente na área da educação.
O rápido desenvolvimento tecnológico da
microeletrônica, da informática e da automação,
assim como o exponencial crescimento das
suas aplicações, afetaram de tal maneira as
qualificações exigidas para o trabalho, o acesso
às informações, a organização e o funcio-
namento do setor produtivo, as relações sociais
e as políticas governamentais, que se admite
estarmos vivendo a Terceira Revolução
Tecnológica ou Industrial. Exemplo marcante é,
na área tecnológica, a engenharia industrial, que
sofreu, e que continua sofrendo, profundas
alterações, tanto na sua concepção e na sua
operação quanto no seu relacionamento com
os serviços correlatos. A possibilidade atual
proporcionada pelos meios eletrônicos,
permitindo o fluxo de informações fluir
instantaneamente do cliente para a fábrica e da
fábrica para os seus fornecedores, aliada à
automação, tornaram possível “produzir
competitivamente, diferentes produtos, em
quaisquer quantidades, melhor e mais barato”,
atendendo cada vez mais aos desejos do
usuário do bem produzido. Esta concepção vem
substituindo aquela, até então vigente, que se
propunha a “produzir cada vez mais, da mesma
coisa, melhor e mais barato”, sem muitas
opções para o comprador. Além disso,
acessando em tempo real o desejo dos clientes
e transmitindo, também em tempo real,
informações aos supridores das matérias
primas e componentes, tornou-se possível à
fábrica produzir aquilo que já está encomendado
(ou já vendido) “sob medida”. Com tal
procedimento, custos são eliminados com a
minimização de estoques a montante e a jusante
da produção propriamente dita. Tudo passa a
fluir “just in time”(7).
Adicionalmente, é preciso entender que
o progresso tecnológico, além de causar
profundas alterações no modo de produção de
bens e de serviços, modifica, em conseqüência,
a distribuição e a qualificação da força de
trabalho(8). Profissões surgem e desaparecem
em curto tempo; qualificações para postos de
trabalho são exigidas e, em seguida, des-
cartadas, ou seja, as trajetórias profissionais
são, em grande parte, imprevisíveis. Vivemos
hoje a era pós-industrial na qual, nos países
centrais, cerca de 70% da força de trabalho foi
deslocada para o setor terciário tecnologica-
mente cada vez mais sofisticado, entre 20 e
30% permanecem no secundário, e menos de
5% encontram-se em atividades agrícolas cada
vez mais intensivas em máquinas e técnicas
poupadoras de mão-de-obra não qualificada.
Embora os setores primários (agricultura,
pesca e exploração florestal) e secundário
(manufatura industrial, extrativismo, produção
e distribuição de eletricidade, gás e água, obras
de engenharia civil) da economia tenham
crescido, o número de empregados nos mes-
mos é, proporcionalmente, cada vez menor. Isto
se deve não somente à crescente mecanização
e automação desses setores, mas também à
“terceirização” de muitas das suas atividades
anteriormente verticalizadas, principalmente
aquelas classificadas como prestação de
serviços, inclusive tecnológicos. Há uma
tendência das indústrias em concentrarem-se
estritamente na fabricação daqueles com-
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
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ponentes ou produtos nos quais são cres-
centemente especializadas e competitivas. A
previsão norte-americana é que, na década
atual, dez por cento dos empregos na indústria
desaparecerão.
Devido à terceirização é cada vez maior
o número de pessoas que têm freqüentemente
trabalho, mas não necessariamente um
emprego, o que exige delas, como conse-
qüência, habilidades complementares e
diversas daquelas da sua bagagem profissional
específica.
Na medida que as empresas se esva-
ziam com a automação e com a terceirização,
vão restando dentro delas os “novos operários”.
Entende-se aqui por “novo operariado” o
conjunto de trabalhadores que carrega consigo
o principal instrumento para a produção, qual
seja, o seu cérebro, que abriga os insumos
vitais: informações e conhecimentos sem os
quais nada funcionará.
A informática associada às telecomuni-
cações tornou possível transportar, econo-
micamente, enormes quantidades de informa-
ções, criando a possibilidade do fornecimento
à distância de várias necessidades da fábrica,
contribuindo para modificar, como já foi dito, as
relações entre a produção de bens e a prestação
de serviços. As distâncias e as fronteiras
nacionais deixaram de ser barreiras nestas
relações. Com a “globalização” dos mercados
e da produção, passou a ocorrer, instan-
taneamente, a busca universal dos consumi-
dores pelos mesmos bens e serviços. No caso
das indústrias, estas passaram a ter que
dominar as tecnologias que as colocassem
continuamente na competição global. Como
conseqüência dessa convergência sobre o
domínio e uso das mesmas tecnologias, os
produtos passaram a diferenciar-se na
competição não só pelo “design”, preço e pela
qualidade, mas pelos serviços complemen-
tarmente oferecidos (financiamento, troca,
manutenção, assistência etc.) Desta importante
constatação, deduzem-se novas exigências
educacionais: a força de trabalho nacional
precisa estar psicologicamente e culturalmente
preparada para atuar mundialmente, dotada de
novas habilitações gerenciais.
A realidade até agora descrita permite
afirmar-se que são cada vez maiores e mais
elevadas as qualificações exigidas para os
postos de trabalhos em qualquer dos setores
de produção, fato que coloca uma grande
pressão sobre as necessidades educacionais
das populações. É óbvio, e desnecessário
enfatizar, que a capacidade científica e
tecnológica nacional é absolutamente
dependente de nível educacional adequado da
população. Educação, ciência e tecnologia
estão intimamente relacionadas.
Ao longo do tempo, na medida em que
as tecnologias foram crescendo em conteúdo
científico, tornou-se, proporcionalmente, cada
vez menor o número de pessoas capazes de
posicionarem-se nas fronteiras dos conheci-
mentos nas várias áreas do saber e, portanto,
entendê-las, enquanto cresceu, e se nada for
feito em termos educacionais, continuará a
crescer a ignorância tecnológica da maioria.
É preciso ter presente que no mundo em
que vivemos hoje todos cidadãos necessitam
conhecimentos básicos de ciência, das tecnolo-
gias mais usadas, de matemática e informática,
continuamente atualizados. Esta é uma exi-
gência não só para o mercado de trabalho mas,
antes de tudo, para que o cidadão não seja um
alienado, um ignorante diante dos bens e
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
serviços utilizados no seu dia-a-dia. Em outras
palavras, o sistema educacional moderno deve,
em todos os níveis e para todas as profissões,
incluir competente e adequada educação em
ciência e tecnologia. Trata-se de uma questão
não só relacionada com a empregabilidade do
indivíduo, mas uma questão de cidadania.
A respeito dos conhecimentos científicos
e tecnológicos que todas as pessoas deveriam
ter, sugere-se, preliminarmente, a leitura dos
trabalhos “Science for All Americans” e “Tech-
nology” produzidos pela American Society for
the Advancement of Science (9 e 10) .
Evidentemente, para a geração e uso
das modernas tecnologias, a formação universi-
tária deve ser primorosa nos níveis de graduação
e pós-graduação, sendo esta exigência um item
central na política científica e tecnológica
integrante das estratégias nacionais ou
regionais de desenvolvimento.
Com as constantes mudanças tecno-
lógicas, os indivíduos que não as acom-
panharem ficarão prematuramente inabilitados
para o trabalho. Serão parte do que tem sido
chamado de desemprego estrutural. A
desqualificação para o mercado de trabalho,
seja através da obsolescência ou da má
formação escolar, dá origem ao que tem sido
chamado de “analfabetismo tecnológico”. Os
analfabetos tecnológicos não retornarão ou
ingressarão adequadamente no mercado de
trabalho nem que a economia cresça e expanda
as oportunidades de emprego e trabalho.
Evitar a obsolescência da força de traba-
lho através da chamada educação continuada
é hoje uma preocupação da maioria dos países.
Tendo em vista o custo elevado em trazer
periodicamente essa força para dentro das
salas de aula, a solução que está se ampliando
é levar os conhecimentos aos locais de trabalho
utilizando meios eletrônicos, de preferência
interativos.
EDUCAÇÃO ASSISTIDA POR MEIOS
INTERATIVOS. ENSINO À DISTÂNCIA -
EAD
Por ocasião da passagem do século XX
para o XXI, alguém vaticinou: “se errarmos de
escola, poderemos errar de século”.
É hoje consenso que é necessário que
o País seja dotado de um sistema de educação
de massa do primeiro ao terceiro grau, da
melhor qualidade, e capaz de fornecer ao
cidadão possibilidades de atualização conti-
nuada, ao longo de sua vida, para o trabalho e
para o lazer. Isto é, preparar o cidadão, no dizer
de Domenico de Masi (11), para “o ócio e o
negócio” ao longo de sua existência. Adicional-
mente, deve ter um quarto grau capaz de formar
pesquisadores, produzir avanços nas fronteiras
dos conhecimentos nas diversas áreas do sa-
ber e contribuir, efetivamente, para aumentar a
capacidade endógena do sistema nacional de
inovação tecnológica, em benefício do setor
produtivo e das necessidades públicas.
No que diz respeito ao ensino superior,
a situação brasileira é lamentável. Segundo
estatísticas que constam de Relatório da
Organização das Nações Unidas (12), o Brasil é
o país da América Latina com o menor índice
de atendimento, no ensino superior, aos jovens
na faixa etária de 18 a 24 anos: apenas 10%
daquela faixa etária, ou 1,3% da população total
do País, o que equivale a cerca de metade do
índice da Bolívia, de um terço da cobertura do
Chile. Significa, ainda, que o País apresenta uma
das piores taxas mundiais, sendo que, na
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
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América Latina e Caribe, somente está em pior
situação o Haiti. Tal fato é gravíssimo e, ao
mesmo tempo, um paradoxo, pois o País é uma
das maiores economias mundiais, dispondo de
um dos maiores sistemas educacionais do
planeta e um sistema de pós-graduação de
excelente qualidade.
Outros dados da nossa realidade tornam
a situação mais preocupante, a saber (13) :
a) No ano de 2000 foram oferecidas
apenas 1.216.287 vagas no ensino superior
para um total de 4.039.910 inscritos nos
vestibulares em todo o Brasil. Em que pese o
fato de que vários candidatos possam ter-se
inscrito em mais de um exame de acesso, a
média nacional de mais de três candidatos por
vaga é, certamente, alta, e ela atinge um índice
ainda mais alto – mais de nove candidatos por
vaga – no sistema das instituições federais de
ensino superior, naquele ano.
b) A demanda por ensino superior tende
a aumentar de forma dramática nos próximos
anos, em decorrência do grande crescimento
do número de concluintes do ensino médio, que
é fruto, por sua vez, das altas taxas de matrícula
de alunos no ensino fundamental, hoje na faixa
de 95% do público-alvo. Esse expressivo
crescimento do número de alunos que
concluem o ensino médio não tem encontrado,
entretanto, a devida contrapartida de vagas no
ensino superior, particularmente no setor
público. Em 1999, a relação entre o número de
concluintes do ensino médio e o número de alunos
que se inscreveram no ensino superior já havia
chegado a, aproximadamente, três para um.
c) A expansão da oferta de vagas vem
se dando principalmente no setor privado. De
fato, no ano de 2000, o setor público ofereceu
apenas 245.632 vagas, ou seja, cerca de 1/5
do total.
d) No ano 2000, embora o sistema de
ensino superior tivesse oferecido apenas
1.216.287 vagas para 4.039.910 inscritos,
318.730 daquelas vagas não foram ocupadas,
sendo, praticamente, todas elas oferecidas por
instituições privadas. A propósito, a existência
de vagas ociosas no setor privado não é
peculiaridade de anos recentes, indicando que
as necessidades da sociedade brasileira, no que
se refere ao ensino superior, não podem ser
solucionadas apenas com o aumento de vagas
no ensino privado. Tal constatação decorre de
diversas razões, entre as quais sobressaem o
descompasso geográfico entre a oferta (con-
centrada) e a demanda (dispersa) e o fato de
que um grande número de famílias não pode
arcar com os altos custos dos cursos supe-
riores nas IES privadas. Quem poderia pagar,
já está pagando.
e) A Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação nº 93941996 – a LDB - impõe, até 2006,
a qualificação, em nível superior, de todo o corpo
docente atuante em todos os níveis de ensino
no País, totalizando aproximadamente 1milhão
e 200 mil professores. Isso implica em ter que
qualificar, em tal prazo, cerca de 830.000
professores nas séries iniciais, 233.000 para 5ª
a 8ª séries e 51.000 para o ensino médio. Existe,
ainda, uma falta histórica de professores para
o ensino de matemática e ciências naturais
(física, química e biologia). Por fim, o Brasil
apenas iniciou a qualificação de docentes para
a educação tecnológica, tão crítica nos dias de
hoje, em que novas tecnologias, especialmente
aplicáveis ao ensino, estão revolucionando o
cotidiano dos povos e todos os padrões de
desenvolvimento dos países. Somados todos
os níveis de ensino, verifica-se que o Brasil
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
precisa qualificar, no ensino superior, um
contingente de mais de um milhão de profes-
sores nos próximos cinco anos.
Felizmente, o próprio avanço tecnológico
produziu os meios necessários para o atendi-
mento parcial de tais necessidades, a custos
suportáveis pela sociedade, inclusive no Brasil.
Trata-se dos meios de comunicação que podem
colocar conhecimentos ao alcance confortável
dos cidadãos onde quer que eles estejam, a
partir de bases logísticas onde estão
armazenados tais conhecimentos. Tem-se
assim, em mãos, a oportunidade de demo-
cratizar o acesso à educação em todos os
níveis. Os meios pedagogicamente mais
apropriados a serem utilizados são aqueles que
permitem maior e mais eficiente interação en-
tre os detentores do conhecimento e os seus
demandantes, ainda que afastados fisicamente.
Assim, são largamente utilizados o correio, o
telefone, o gravador, o fax, o rádio, a televisão,
o vídeo, o CD-ROM, o DVD e a INTERNET. Tais
meios, isoladamente ou associados, permitem
“empacotar” pedagogicamente e “despachar”
os conhecimentos. O acesso ao “produto”
conhecimento torna-se, assim, um problema
que envolve competência em logística (1) .
Convenientemente utilizados, tanto no
ensino presencial quanto à distância, os meios
citados constituem-se, ainda, num poderoso
instrumento no sentido de preparar o indivíduo
a “aprender a aprender”, metodologia absoluta-
mente apropriada a quem vive num mundo em
constante mutação. Eles facilitam a utilização
do processo educacional centrado no esforço
do aluno aprender e não, majoritariamente, no
esforço do professor em ensinar.
A busca universal do conhecimento
pelos cidadãos, seja através da formação es-
colar regular (education), seja para o trabalho
ou para o lazer (training), exacerbou a visão do
ensino como um grande negócio a ser
explorado. Só para se ter uma idéia de grandeza
dos volumes de recursos envolvidos, as
empresas norte-americanas espalhadas pelo
mundo, despenderam, em 1997, da ordem de
18 bilhões de dólares no treinamento de seus
empregados somente em tecnologias de
informação (14). Em conseqüência dessa
demanda, passou a proliferar o surgimento de
empresas especializadas em treinamento para
o setor produtivo e as escolas regulares,
principalmente as universidades e outras
instituições de ensino superior, ampliaram suas
ações na mesma direção. Tanto as empresas
quanto as escolas passaram a utilizar larga-
mente os meios interativos disponíveis,
ampliando o seu alcance via ensino à distân-
cia, no sentido de atingir o instruendo em casa
e/ou no local de trabalho (1) .
Apesar da complexidade envolvida na
montagem e execução do sistema necessário
à prática da modalidade ensino à distância, esta
apresenta um enorme potencial de demo-
cratização do acesso ao ensino superior de
qualidade, o que vem sendo comprovado pelas
diversas experiências bem sucedidas no exte-
rior e, mais recentemente, no Brasil. De fato,
estudos recentes (15) mostram que com o
acréscimo de apenas 15% dos recursos
usualmente aplicados no sistema de ensino
superior como um todo é possível, em princípio,
dobrar o número de alunos atendidos pelas
universidades públicas, atendendo a um público-
alvo que vive longe dos grandes centros urbanos
ou que não dispõe de tempo, nos turnos usuais
de oferta de cursos, por estar trabalhando.
Na Europa, são várias as universidades
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
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que hoje utilizam a EAD. A Open University,
fundada em 1971, atende atualmente a cerca
de 230.000 alunos; a UNED, surgida em 1972,
com aproximadamente 200.000 alunos; a Fern
Universität, da Alemanha, implantada em 1974,
com 58.000 alunos; a Universidade Aberta de
Portugal, criada em 1988 e o Centro Nacional
de Ensino a Distância da França, fundado em
1939, com cerca de 190.000, alunos são as
mais consolidadas. Vale lembrar também a
mega universidade Anadolu, da Turquia, que
iniciou suas atividades em 1982, com mais de
550.000 alunos (13) . No ano acadêmico de 1997-
98, os EUA tinham matriculados, em instituições
de nível superior, da ordem de 1.661.100
estudantes em disciplinas à distância, sendo
cerca de 1.363.670 no college-level em
disciplinas no sistema de crédito, a maioria dos
quais em nível de graduação (16).. Naquele ano
foram oferecidas, aproximadamente, 54.470
disciplinas à distância, sendo cobrado dos
alunos, em geral, o mesmo preço pago por
aqueles que freqüentavam fisicamente as au-
llas. As tecnologias mais usadas foram: Internet
assíncrono, vídeo interativo nas duas direções
e vídeo pré-gravado (6).
Exemplo digno de menção em educação
e treinamento na área tecnológica é a National
Technological University-NTU, situada em Fort
Collins, Colorado, EUA (17), que tem por objetivo
atender as necessidades educacionais
avançadas de engenheiros, técnicos e gerentes
e oferecer cursos de mestrado. Os programas
acadêmicos são compostos por disciplinas
regulares oferecidas pelas 53 universidades
associadas que participam do Satellite Network
da NTU. As aulas presenciais são transmitidas
ao vivo por TV, em tempo real, para os alunos
distantes que, em geral, estão nos seus locais
de trabalho. A mesma aula, em gravação,
é retransmitida em vários horários ao longo do
dia, buscando atender as disponibilidades dos
alunos. As aulas podem ser gravadas nos
pontos de recepção para posterior uso pelos
estudantes, utilizando, inclusive, “streaming”
vídeo. Para a interação aluno-professor são
empregados correio, fax, telefone e Internet.
O Brasil, apesar de sua dimensão con-
tinental e da enorme demanda dispersa de sua
população jovem por ensino superior, iniciou sua
experiência com educação superior à distância
apenas em 1998, com o curso da Universidade
Federal do Mato Grosso para a formação de
professores do ensino fundamental, visando a
cumprir a LDB. Esta iniciativa pioneira graduou
todos os professores do ensino fundamental que
não tinham o nível superior, em um estado que
se caracteriza pelas grandes distâncias
geográficas entre suas cidades e povoados e
pela diversidade cultural, demostrando, de for-
ma inequívoca, a viabilidade e a adequação da
utilização de EAD em nosso País (13).
Desde então, outros cursos à distância
para formação de professores do ensino fun-
damental vêm utilizando a metodologia de
educação à distância, destacando-se os cursos
superiores da UESC, UEMT, UFOP, UEC, en-
tre outros. Recentemente, um consórcio region-
al das Universidades Públicas do Estado do
Rio e Janeiro – CEDERJ iniciou a oferta de
cursos de licenciatura em matemática e em
biologia, devendo brevemente expandir a sua
oferta para cursos de física, química e
pedagogia. No momento, diversos pedidos de
credenciamento foram concedidos ou estão
em fase de julgamento no MEC, indicando um
grande crescimento da área para os próximos
anos (13).
15
O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
O PODER E O PAPEL DA EDUCAÇÃO
As tecnologias de base empírica são
facilmente entendidas e, portanto, sua cópia e
produção por empresas retardatárias são uma
questão de oportunidade e de disponibilidade
econômica. Por sua vez, por serem fruto da
aplicação de conhecimentos científicos, as
tecnologias modernas mais relevantes e seus
processos de produção não são facilmente
compreendidos e, conseqüentemente, são ex-
tremamente difíceis de serem copiados. Isto é,
são altamente discriminatórios: quem não tiver
competência científica e capacidade
tecnológica estará condenado à periferia,
mesmo que disponha dos demais fatores de
produção (capital, mão-de-obra e matérias-
primas).
Alguém já afirmou, sabiamente, que no
mundo atual “mais vale o que se tem entre as
orelhas do que debaixo dos pés”.
A geração de tecnologias de base
científica exige acúmulo de capital para
investimentos contínuos em pesquisa, desen-
volvimento experimental e engenharia,
mobilizando cérebros com competência em
amplo espectro de conhecimentos e capaci-
dade gerencial para produzir, competitivamente,
novos bens e serviços.
O resultado disso tem sido a concen-
tração do poder em todos os níveis. No nível
individual, o extraordinário valor e a importância
do “novo operariado”, que tem dado origem a
uma nova visão das relações capital/trabalho.
No setor empresarial observa-se a fusão de
empresas, a formação de grandes
conglomerados tecnológicos não confinados a
fronteiras nacionais. Neste caso, observa-se
que quanto mais impregnado de ciência for o
produto ou as tecnologias de produção de um
bem ou de um serviço, menor é o número de
empresas competindo nos mercados. Final-
mente, de uma certa maneira, a mesma coisa
está ocorrendo ao nível de países. Observa-se,
neste final de século, a tendência dos países a
aglomerarem-se em torno de fortes lideranças
tecnológicas para formarem blocos
econômicos e, por extensão, políticos e
militares (18).
Na realidade, os avanços científicos e
tecnológicos em geral e os avanços das comu-
nicações e dos transportes em particular, estão
provocando, no dizer de R. Dreifus (19), a “mundi-
alização da cultura, a “globalização” da
produção dos mercados e da economia, e a
“planetarização” dos países em torno de poucos
“sóis”. Ou seja, as mais fortes lideranças dos
países centrais estão impelindo os países
retardatários no desenvolvimento a gravitarem
em torno dos mesmos, os “sóis” de cada
sistema planetário, complementando e ampli-
ando assim o seu Poder Potencial, com reflexos
positivos no Poder Efetivo(20). São os chamados
“blocos econômicos (a - EUA com o NAFTA e
propondo o ALCA; b - UE com o Leste Europeu
e a África; c - Japão/China e a bacia do Pacífico).
Longo(20),observando o cenário estra-
tégico mundial no início dos anos 90 do século
XX, apresenta uma explicação para a racio-
nalidade embutida na formação de blocos de
poder a nível global ou regional. Da argu-
mentação utilizada, pode-se tornar clara a
interrelação educação - ciência e tecnologia –
poder.
O Poder Potencial (PP) de um país num
dado instante de sua história, comparativamente
a de outros países, representa a sua
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
disponibilidade de condições físicas capazes de
propiciar a geração de riqueza e poder. A sua
avaliação não leva em consideração análise
subjetiva: trata-se de uma fotografia do país.
Refere-se a uma condição estática, semelhante
à de uma caixa d’água: quanto mais volume e
maior a altura em que estiver colocada, maior a
energia disponível para ser transformada em
trabalho. Ele está associado, basicamente, ao
território nacional e à população existente sobre
o mesmo ou capaz dele vir a suportar. Exemplo
de análise do território seria: extensão total, for-
ma e relevo, localização geográfica, fronteiras
terrestres e marítimas, águas internas, extensão
de desertos e de geleiras, terras apropriadas à
agricultura e à pecuária, disponibilidade de
matérias-primas e de fontes de energia etc.
Quanto à população: número de habitantes, sua
distribuição e mobilidade espacial, etnias,
línguas, religiões etc. Dentre os parâmetros
listados, alguns valorizam (Ex: fronteiras bem
definidas e estabilizadas) e outros depreciam o
Poder Potencial (Ex: afastamento dos centros
dinâmicos da economia mundial).
O Poder Efetivo (PE) de um país, num
dado instante, está associado à sua capacidade
em transformar em riqueza e poder as
disponibilidades físicas, próprias ou de terceiros.
Uma caixa d’água grande e bem elevada (alto
PP), ligada a uma turbina eficiente, gera trabalho
útil (alto PE). Ele pode ser avaliado por
parâmetros econômicos (PNB, renda per capi-
ta, exportações e importações, consumo de
energia elétrica ou de aço/habitante, dispêndio
nacional em C&T, etc.), psico-sociais
(dispêndios com educação e saúde, expectativa
de vida da população, médicos e leitos
hospitalares/habitante, grau de escolaridade da
população, etc.), políticos (regime político,
estabilidade interna, presença internacional,
etc.) e militares (dispêndio nacional com defesa,
efetivo das Forças Armadas, capacidade de
produção autônoma de material de emprego
militar, grau de atualização tecnológica do
equipamento, etc.).
A exigência para que um país se torne
Polo de Poder Mundial (PPM) é que o seu PF
não seja vulnerável a fatores externos,
principalmente pouco susceptível a embargos
ao acesso às necessidades físicas. Ou seja,
exige PE dotado de PP próprio ou comple-
mentado de maneira confiável. Esta condição
pode ser alcançada por um país ou por um bloco
de países estrategicamente associados.
Os avanços da ciência e da tecnologia
causaram alterações na visão e no valor relativo
das vantagens comparativas tradicionais entre
países, ou seja, o domínio e o uso de C&T na
criação de inovações pode criar vantagens que
superam as disponibilidades físicas e até
financeiras. Assim, tem sido possível a alguns
países construírem, isoladamente, um elevado
PE, sem possuírem PP, desde que tenham alta
capacidade científica e tecnológica, que exige
alto nível educacional da sua população.
Exemplo dessa situação é o Japão que, hoje,
tem extraordinário PE, graças à sua com-
petência em C&T, mas que é totalmente
dependente de complementaridade externa
essencial no que diz respeito ao seu PP
(energia, matérias-primas industriais etc.).
Trata-se, portanto de PE extremamente
vulnerável, pois não resistiria a um bloqueio, a
um cerceamento comercial. Assim, isola-
damente, não é, e nem será, um PPM. Outros
exemplos poderiam ser dados em suporte à
afirmativa de que é possível estrategicamente
a um país mal dotado de PP, constituir um
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
elevado PE, desde que tenha um forte tripé
educação-ciência-tecnologia (E&C&T).
Ao contrário, a história não registra
nenhum país que, dispondo de alto PP, tenha
construído elevado PE sem que tivesse, ao
mesmo tempo, população altamente educada
e elevada capacidade em C&T para os padrões
da época. A história mostra, ainda, que esses
países acabam entregando seu PP para ser
explorado por outros países, ou seja, comple-
mentam o PP de terceiros. Os leitores certa-
mente serão capazes de deduzir um bom e-
xemplo dessa situação.
Pode-se agora responder à pergunta:
porque os EUA são, no momento, o mais
poderoso PPM? É obvio: tendo elevadíssimo PP,
população com elevado padrão educacional,
liderança inconteste em C&T, construíram um
PE que se pode considerar, nas condições
atuais, não vulnerável. No momento, procuram
reforçar o seu PP através do Acordo de Livre
Comércio das Américas (ALCA), após grande
avanço nessa direção com o Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA). Típico
exemplo de “planetarização”.
Quanto à União Européia, esta se
enquadra perfeitamente como mais um
exemplo em favor da argumentação exposta. A
considerável competência científica e tecno-
lógica européia achava-se espalhada em países
de baixo PP, tais como a Alemanha, a Inglaterra,
a França, a Itália, Holanda, Suíça, Bélgica e
Áustria, todos abrigando populações com
elevado grau de escolaridade. Ao unirem-se,
passaram a ter todas as condições para erigirem
um PPM. A tendência de “planetarização”, neste
caso, é na direção do Leste Europeu e da África.
Finalmente, a situação do Brasil é clara:
dotado de extraordinário PP, um dos maiores
do planeta, falta-lhe E&C&T para construção de
PE soberano, e determinação estratégica
visando ser um PPM.
O PERFIL GENÉRICO DO
PROFISSIONAL A SER PREPARADO E
SUGESTÕES PARA O ENSINO NAS
ÁREAS TECNOLÓGICAS (21)
Diante do cenário mundial exposto
anteriormente, procurou-se salientar os
enormes desafios a serem enfrentados pelo
nosso sistema educacional, particularmente no
tocante à educação científica e tecnológica de
toda a população e às exigências sobre as
áreas profissionais ditas tecnológicas. A
educação com um forte componente científico
e tecnológico, requisito fundamental para a cida-
dania e progresso da nação, começa no nível
de primeiro grau e estende-se até o preparo de
pesquisadores na pós-graduação, passando
pela indispensável formação de professores
competentes e motivados. Exige, portanto,
decidido comprometimento político dos
municípios, estados e União.
Especificamente quanto ao ensino
profissional tecnológico, há que se levar em
consideração que, embora os fundamentos
específicos de cada área, lastrados por sólido
embasamento científico e matemático, são e
continuarão a ser o núcleo central do preparo
intelectual dos profissionais, estes agora
trabalham num ambiente complexo, mutável
com grande rapidez, e no qual suas realizações
são às vezes limitadas mais por considerações
sociais do que pela capacidade técnica.
Tecnólogos atuam decisivamente sobre o
condicionamento do espaço físico apropriado
para a vida humana. Isto faz com que estes
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
sejam agora expostos a uma gama mais ampla
de atividades durante sua vida profissional.
Como conseqüência, sua educação deve levar
em consideração os contextos social, econô-
mico e político, envolvidos na prática profis-
sional.
Diante da “mundialização” das culturas,
anteriormente regionais, da “globalização” da
economia e de produção de bens e de serviços
e da “planetarização” dos países menos
desenvolvidos em torno de poucas e fortes
lideranças científicas e tecnológicas, não é mais
possível se pensar apenas localmente. Então,
o novo profissional deve ser preparado para
raciocinar e agir sem fronteiras, o que exige do
mesmo o entendimento de outras culturas,
principalmente idiomas e ambiências nas quais
poderá ocorrer a produção.
Adicionalmente, eles devem ser empre-
endedores e estar preparados para trabalhar em
equipe, gerenciar complexos empreendimentos
que podem envolver muitos indivíduos, mas
também uma empresa de uma só pessoa: eles
mesmos. Em outras palavras, eles devem cul-
tivar a liderança, serem criativos, estarem
profissionalmente e mentalmente equipados
para, eventualmente, terem trabalho e não
necessariamente um emprego, e serem
prestadores autônomos de serviços.
Finalmente, devem ter a consciência de
que jamais estarão “formados”. Deve estar claro
que o futuro profissional, imediato e longínquo,
depende de sua capacidade de atualização
contínua de conhecimentos face ao vertiginoso
avanço das tecnologias, crescentemente
apoiadas em aplicações de descobertas
científicas. A partir da definição do perfil genérico
do profissional a ser produzido, com base na
compreensão do cenário científico e tecnológico
descrito, foram formuladas as sugestões para
o ensino. Tais sugestões são apresentadas
abaixo, agrupadas em três categorias:
a) Conteúdo
Enfatizam aspectos do embasamento
intelectual desejado, e que serão traduzidas, na
sua grande maioria, pelas ementas das
disciplinas:
• Forte embasamento em ciências e
matemática - Imprescindível que seja de
alta qualidade, tratando-se do ponto central
da formação intelectual do profissional. São
fundamentais para o desenvolvimento da
capacidade de abstração.
• Nem politécnica, nem especialista:
formação personalizada - Nem saber um
pouco de tudo, nem tudo de quase nada.
Deve-se oferecer uma formação multi-
disciplinar aprofundada obedecendo a
vocação de cada um, através de oferta de
amplo leque de disciplinas. Os modernos
recursos tecnológicos educacionais, muito
utilizados em EAD, permitem viabilizar uma
formação “sob medida”.
• Domínio das facilidades oferecidas pela
informática associada ou não às
comunicações eletrônicas - Ferramentas
fundamentais para a prática profissional de
todas as áreas tecnológicas, desde a busca
de informações, passando pelo cálculo,
desenho, arquitetura e projeto, até o
acionamento de sistemas complexos de
produção automatizada.
• Domínio de línguas mais usuais -
Obviamente, a proficiência em inglês é
mandatória.
• Visão humanística diante da profissão e
dos interesses da sociedade -
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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
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Capacidade de entender e de equilibrar
direitos e responsabilidades.
b) Pedagógicas
Práticas pedagógicas que deverão ser
utilizadas para o desenvolvimento do perfil
definido:
• Aprender a aprender - Trata-se da mudança
de enfoque pedagógico mais importante para
enfrentar a ameaça de obsolescência prematura
advinda da dinâmica atual da evolução científica
e tecnológica. Exige mudança radical no
processo ensino-aprendizagem. O futuro
profissional deverá “aprender a aprender
sozinho”. Como conseqüência, aquilo que o
aluno pode ler, entender e/ou deduzir, não deverá
ser exposto pelo professor. Além do uso de
material impresso, e o incentivo ao uso das
bibliotecas como fontes de informação,
recomenda-se o uso de meios eletrônicos
complementares de ensino, manuseados
individualmente pelo aluno na busca de
conhecimentos (vídeo, CD-ROM, INTER-NET
etc.).
• Avançar no desconhecido - É fundamental
que o futuro profissional seja bem fami-
liarizado com a metodologia racional
utilizada na pesquisa e no desenvolvimento
experimental, e com a ambiência científica
e tecnológica (seminários, revistas, redação
técnico-científica, ética, valores, tradições,
sistemas de informações, propriedade
intelectual etc.). Bolsas e estágios de
iniciação científica ou tecnológica são
valiosos instrumentos utilizados nesse
processo.
• Saber fazer (com criatividade e ousadia) -
Estudar, pesquisar, projetar, produzir. O
profissional deve ser preparado para “fazer”,
sempre que possível, inovando. Ele deve
ser desafiado a “fazer” na escola e/ou no
setor produtivo (estágio supervisionado).
• Evitar excessiva compartimentação do
conhecimento e de suas aplicações - A
natureza é complexa e, portanto, “multi-
disciplinar”. Nós é que compartimentamos
o conhecimento, e criamos departamentos
e disciplinas excessivamente estanques.
Deve-se ensaiar novas maneiras de
estudar, entender os fenômenos e suas
aplicações e implicações. Dotar o futuro
profissional de visão sistêmica.
• Capacidade gerencial e empreendedora -
O profissional a ser graduado deve ter a
capacidade de identificar oportunidades,
juntar meios de naturezas diversas
(humanos, materiais e financeiros), orga-
nizá-los e empregá-los eficientemente para
criar e produzir. Ele deve “fazer acontecer”.
Para tanto, deve ter liderança e familiaridade
com o trabalho em equipe.
c) Complementares
Diretrizes gerais que não se enquadram
nas categorias anteriores.
• Fim de “formatura” - Deve ficar claro que a
chamada “formatura” não tem o significado
expresso pela palavra. Deve ser encarada
como um acontecimento social que marca
a desvinculação do cidadão da escola e o
início do seu vôo solitário. Em áreas
tecnológicas não há mais formação termi-
nal. Defende-se, aqui, a proposição que os
“formandos” não deveriam ser “desligados”
das suas escolas. Ao contrário, deveriam
permanecer “matriculados” nelas para sem-
pre, e para a ela voltarem, periodicamente,
quando necessário.
20
O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
• O professor também é um estudante - O
professor é um estudante normalmente
mais velho e, necessariamente, mais
experiente que seus alunos. Ele também
deve ter presente que nunca estará
“formado”. Todos professores devem ser
estimulados a estudar, produzir intelectu-
almente e não perder contato com a prática
da sua especialidade. Oportunidades para
tal deverão ser oferecidas.
• Intransigência com a qualidade - Diretriz
geral para todas as atividades da escola e
que deve ser transmitida aos futuros
profissionais. Na competição local e glo-
bal, não basta ser bom, é preciso ser ótimo.
• “Legitimar” conhecimentos - O sistema
educacional formal não tem o monopólio do
conhecimento. Hoje, conhecimentos úteis
podem ser adquiridos fora do sistema for-
mal, graças aos veículos modernos de
circulação de informa-ções. A escola deverá
não só fomentar a busca de conhecimentos
onde eles estiverem disponíveis, mas,
também, aceitá-los oficialmente.
REFERÊNCIAS
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acesso ao conhecimento”, Revista Lugar
Comum/UFRJ 9-10, p. de 195 a 207, Rio de
Janeiro,Setembro 1999 a Abril 2000.
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evolução, inter-relação e perspectivas”. Anais
do 9º Encontro Nacional de Engenharia de
Produção, vol. 1, 42, Porto Alegre, 1989.
(3) PRICE, D.S., “Little science, big science”,
Columbia University Press, New York, 1963.
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(5) LONGO,W.P., “Ciência e Tecnologia e a
Expressão Militar do Poder Nacional”, TE-86
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(6) OLIVEIRA, J.M.A., “Origem e evolução do
pensamento estratégico”, Escola Superior de
Guerra, Rio de Janeiro, 1986.
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institutos de pesquisa”, Longo, W.P., Anais do
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volvimento humano”, Relatório, 2001.
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tucionalização da UniRede” , Rio de Janeiro,
2002.
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(15) Consórcio CEDERJ, “Planejamento
Orçamentário 2002”, Rio de Janeiro, 2002.
(16) “Distance education at postsecondary edu-
cation institutions: 1997-98”, National Center for
21
O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Education Statistics, Statistical Analysis
Report,U.S. D.O.E., Washington, E.U.A., De-
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neering Education, WFEO, FEBRAE, Rio de
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acesso à tecnologia”, Anais do IV Seminário
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de Janeiro, 1992.
(19) DREIFUSS, R. A., “A era da perplexidade”,
Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1997.
(20) LONGO, W.P., “Desenvolvimento científico
e tecnológico: conseqüências e perspectivas”,
Escola Superior de Guerra, CAESG TI-91, Rio
de Janeiro, 1991.
(21) LONGO, W.P., “Educação tecnológica no
mundo globalizado”, Revista Engenharia
Ciência e Tecnologia, UFES, ano 3 ed.14, p. 14a 20, Vitória/ES, 2000.
* Waldimir Pirró e Longo é Eng. Met., M.E.,
Ph.D., L.D, Professor Titular da UFF, Diretor do
Observatório Nacional e Conselheiro da
FUCAPI.
22
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
TECNOLOGIA EDESENVOLVIMENTO REGIONAL
José Seixas Lourenço*
INTRODUÇÃO
O encaminhamento de soluções para os
múltiplos desafios amazônicos depende da
capacidade política de escolher entre
alternativas, mobilizar os meios necessários,
articular as ações e conduzir o processo de
mudanças. Implica, em conseqüência, num
esforço de substituição de políticas setoriais
pulverizadas por uma Política Integrada em
suas dimensões econômica, socioambiental e
científico-tecnológica, enquanto instrumento de
regulação do processo de desenvolvimento
sustentável da região.
A economia amazônica envolve atual-
mente atividades diversificadas que vão do
extrativismo à indústria eletro-eletrônica. O
segmento mais dinâmico da sua estrutura
produtiva sustenta-se em um tripé espacial:
Projeto Carajás, Região de Belém-Barcarena e
a Zona Franca de Manaus. Também são
importantes os eixos agropecuários ou agro-
industriais do sudeste do Pará, do Tocantins,
do norte do Mato Grosso e Rondônia. Outras
áreas com grande potencial econômico são: o
núcleo de exploração de gás e petróleo de Urucu
e Juruá, no Amazonas, e o centro-oeste do Pará,
com a implantação da linha de transmissão de
energia elétrica de Tucuruí.
Os resultados desse processo em
termos de desenvolvimento regional são,
contudo, limitados. A internalização da renda e
do emprego mostrou-se insuficiente, excluindo
compulsoriamente dos benefícios gerados
23
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
parcela substancial dos amazônidas. Ao mesmo
tempo, a exportação dos seus recursos naturais
se fez desordenadamente, assumindo caráter
predatório em muitas áreas da região ocupadas
no período.
A reversão desse processo exige um
outro perfil de desenvolvimento socialmente
justo, ambientalmente equilibrado e economi-
camente eficaz, que corresponda às exigências
básicas de um Projeto Nacional. É necessário
colocar o país e, em especial, a região, em
sintonia com as profundas e velozes
transformações globais, decorrentes sobretudo
da revolução científico-tecnológica.
As novas tecnologias requerem o uso
dos elementos da natureza num outro patamar,
como é o caso da biodiversidade, enquanto fonte
de bioprodutos, pela via da biotecnologia.
O Brasil, e particularmente a Amazônia,
reúne as condições necessárias para avançar
numa ampla frente, que vai da pesquisa funda-
mental à aplicada, em especial sobre a
biodiversidade. A aceitação desse desafio, se
levada a bom termo, servirá de alicerce para a
construção de uma nova forma de civilização
moderna de biomassa baseada no uso
sustentável de recursos naturais.
Neste contexto, cabe reconhecer a
necessidade da aquisição do conhecimento
científico e das tecnologias de ponta, requeridos
para viabilizar o potencial contido, muito
especialmente, nos recursos genéticos da
Amazônia, por meio da cooperação interna-
cional, em conformidade com a Convenção
Mundial sobre Diversidade Biológica.
É inquestionável que o novo estilo de
desenvolvimento fortalece a importância
estratégica da Amazônica. Essa importância
decorre, sobretudo, das vantagens compa-
rativas face ao país e ao mundo: a sua
dimensão territorial, a sua posição geográfica e
a magnitude e diversidade da sua base de
recursos.
No que se refere aos desafios externos,
a consolidação do MERCOSUL e uma série de
acordos bilaterais ou de progressiva adesão ao
bloco regional sul-americano evidenciam que a
Amazônia brasileira não poderá isolar-se da
tendência mundial. As articulações de trans-
portes e comunicações, e de processos
produtivos entre os países membros da
Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica abre canais de acesso ao Pacífico
e ao Caribe e, portanto, a novos mercados
mundiais. A Amazônia, pela sua posição
privilegiada, tenderá a desempenhar um papel
fundamental para a integração da América do
Sul setentrional e para uma futura integração
continental.
Por outro lado, no âmbito da Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas, surgem excelentes oportunidades
para o Brasil, e, em especial, para a Amazônia,
de captação de recursos internacionais,
decorrentes do Mecanismo de Desenvolvi-
mento Limpo, proposto pelo governo brasileiro
e criado pelo Protocolo de Quioto, assinado em
dezembro e de 1997, visando a limitação das
emissões e o armazenamento seqüestro de
carbono. Por esse mecanismo são elegíveis
projetos de recuperação de áreas degradadas,
por meio de reflorestamento, para fins produti-
vos. Projetos florestais como alternativas às
mudanças no uso do solo, e portanto, con-
tribuindo para redução das taxas de desma-
tamento, são iniciativas importantes para o
desenvolvimento sustentável da Amazônia, bem
como para a fixação de mão de obra na zona
rural e geração de empregos. O volume do
mercado de carbono deve atingir até 2010,
24
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
segundo o Banco Mundial, valores entre 8 a 10
bilhões de dólares, distribuídos entre os
principais países onde os projetos deverão ser
implantados, principalmente China, Índia e
Brasil.
O pleno aproveitamento dessas vanta-
gens, entretanto, está condicionado por
desafios que precisam ser superados. Alguns
deles são inerentes às características da região
amazônica: as grandes distâncias e o isola-
mento decorrentes da descontinuidade e
concentração da ocupação e da produção,
dificultando o acesso ao trabalho, bens, serviços
e mercados; a vulnerabilidade intrínseca dos
seus ecossistemas. Por outro lado, as
universidades e os institutos de pesquisa da
região, apesar do muito que já foi alcançado,
não apresentam ainda as condições desejáveis
de produzirem o conhecimento sobre a
Amazônia que se faz necessário.
OBJETIVO DO PROGRAMA
Qualquer programa de atuação na
Amazônia deve considerar o fato de que as
políticas de desenvolvimento aplicadas à região
nas últimas décadas transformaram
radicalmente o cenário sócio–econômico da
Amazônia e redefiniram sua importância no
cenário nacional e internacional. Existe hoje no
país a consciência de que, nesse processo,
criaram-se problemas sociais e ambientais de
enorme envergadura.
A resolução desses problemas e a
implantação de formas de desenvolvimento
menos agressivas em relação ao meio ambiente
e menos injustas socialmente exige
recursos humanos altamente
qualificados tanto para a pesquisa científica que
permita um melhor conhecimento da realidade
sobre a qual se vai agir, como para suprir as
empresas, órgãos governamentais e
associações civis com os quadros necessários
para uma atuação responsável e competente.
Considerando que a capacitação de
recursos humanos altamente qualificados e o
desenvolvimento das pesquisas sobre a região
constituem elementos indispensáveis para a
solução dos problemas que afetam a
Amazônia, um projeto de capacitação científica
não pode seguir os mesmos moldes daqueles
que promoveram o desenvolvimento científico -
tecnológico no sudeste e sul do país, onde a
necessidade premente de pesquisas orientadas
para uma aplicação social não esteve presente.
São essas novas condições e essa premência
que estabelecem a necessidade de um esforço
muito mais concentrado e mais dirigido no
sentido de maximizar os resultados e acelerar
o processo de capacitação.
A formulação de linhas prioritárias de
pesquisa deve obedecer claramente a esta
orientação e há uma grande margem de
consenso, entre pesquisadores e instituições,
de dentro e de fora da região, sobre as linhas
gerais que devem ser priorizadas. O marco
mais geral de todas as colocações diz respeito
à utilização de recursos naturais, incluindo:
1. desenvolvimento do conhecimento sobre o
ecossistema amazônico e de sua influência
sobre as demais regiões, especialmente em
termos climáticos;
2. desenvolvimento de novas tecnologias que
permitam superar os padrões destrutivos de
exploração dos recursos naturais,
aumentando a produtividade da ação
econômica e contribuindo para a elevação
do nível de vida da população;
3. análise dos efeitos das diferentes formas de
25
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
ocupação humana e de exploração dos
recursos naturais, especialmente em
termos de sua capacidade de promover
danos irreversíveis ao ambiente e,
inversamente, da possibilidade de implan-
tação de sistemas auto-sustentados de
produção;
4. análise das condições de saúde da
população e das pesquisas sobre as prin-
cipais endemias em sua relação com as
condições sócio-econômicas e desen-
volvimento de formas de tratamento;
É importante levar em conta que o
desenvolvimento da pesquisa nas áreas
consideradas prioritárias deve privilegiar
projetos temáticos que dependam, em grande
parte, de colaboração interdisciplinar. Isto
significa que uma política de formação de
recursos humanos deve contemplar o conjunto
das disciplinas científicas que oferecem a
sustentação necessária para esse tipo de
trabalho coletivo de investigação. Nenhum
trabalho interdisciplinar pode prescindir da
colaboração de cientistas altamente com-
petentes em suas respectivas disciplinas, os
quais devem, além do mais, possuir uma
familiaridade geral com a direção do desenvol-
vimento do conhecimento em áreas afins.
A necessidade dessa ampla base de
pesquisadores competentes em disciplinas
muito diversas demonstra a impossibilidade de
se desenvolver o conhecimento sobre a
Amazônia sem a existência de uma estrutura
científico-tecnológica com pesquisadores
residentes. Não é possível desenvolver projetos
de grande envergadura contando apenas com
pesquisadores de outras regiões ou países.
Além disso, não se trata apenas de produzir
conhecimento sobre a Amazônia. Uma vez que
há um projeto de desenvolvimento econômico-
social envolvido, é preciso que haja, na região,
pessoal qualificado para utilizar o conhecimento
produzido em termos de sua aplicação na
solução dos problemas sócio-ambientais. E
essa aplicação só é plenamente possível quan-
do se domina o processo de produção desse
conhecimento.
Trata-se, portanto, de criar localmente,
com a colaboração externa, massa crítica de
cientistas em áreas afins que dê suporte não
só ao desenvolvimento das investigações mas
também à formação auto-sustentada de novos
pesquisadores. Para obter esse resultado, há
que se privilegiar uma ação institucional, voltada
prioritariamente para as universidades e
institutos de pesquisa que são as instituições
capazes de aliar a pesquisa à formação de
novos pesquisadores e de pessoal qualificado
para as empresas e órgãos governamentais.
PRINCIPAIS MEDIDAS
No âmbito da Política Integrada foram
formulados dois projetos inovadores e capazes
de gerar impactos positivos, os quais foram
incorporados ao Programa Brasil em Ação, em
1998:
Programa Brasileiro de Ecologia Mole-
cular para o Uso Sustentável da Biodiversidade
da Amazônia – PROBEM/Amazônia, que vem
sendo implementado pela Organização Social
BIOAMAZÔNIA, em parceria com os Ministérios
do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
e com o apoio da SUFRAMA e do BASA.
O PROBEM/Amazônia visa implantar
um Pólo de Bioindústrias na região e atuar na
geração de conhecimento e transferência de
tecnologia de ponta, mediante diversas
26
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
modalidades de parcerias com instituições de
pesquisas e o setor produtivo. Além disso, é
propósito do Programa contribuir para a
diversificação da estrutura produtiva da Zona
Franca de Manaus. Seu foco de atuação é a
geração de produtos industrializados de alto
valor agregado e com potencial de mercado.
Programa de Desenvolvimento do
Ecoturismo na Amazônia – PROECOTUR,
elaborado em parceria do Governo Federal com
os estados, municípios, sociedade organizada
e setor empresarial da região amazônica,
visando a implementação de Pólos de
Ecoturismo em cada Estado da região. O
PROECOTUR vem recebendo recursos de pré-
investimento do Banco Interamericano do
Desenvolvimento – BID e deverá incorporar
inovações tecnológicas em energias alter-
nativas, habitação, saneamento e outras áreas
de interesse para o turismo ecológico.
Concomitantemente, deve-se iniciar um
esforço de implementação dos novos segmen-
tos e ramos vinculados aos recursos naturais
renováveis e à biodiversidade, com base em
tecnologias avançadas e conhecimentos
regionais: agro-indústria de produtos naturais,
indústria de pesca, complexos agro-florestais
e madeireiros, afora a bio-indústria e o
ecoturismo. As potencialidades naturais
específicas da região, incluindo o seu rico e ori-
ginal banco de germoplasma, oferecem
condições, ainda não suficientemente utilizadas,
para multiplicação e diversificação de empre-
endimentos de variados tipos e dimensões.
Entre outras oportunidades de investimentos
destacam-se a agricultura de várzea, a pesca
e a piscicultura, os criatórios de animais
silvestres, a fruticultura e a produção de óleos
essenciais.
A implementação recente dos com-
plexos agro-industriais, na Amazônia, impõe a
necessidade de estabelecer medidas que
impeçam que a sua expansão se faça à custa
do desmatamento e da degradação dos
recursos hídricos e dos solos. Do mesmo modo,
práticas agrícolas inovadoras de manejo
sustentável dos recursos naturais devem ser
incentivadas, bem como a incorporação de
unidades de beneficiamento e armazenamento,
como procedimentos de agregação de valor aos
produtos regionais, sobretudo aqueles resul-
tantes do trabalho dos pequenos produtores. O
desafio da agricultura na Amazônia é intensificar
a produção e, ao mesmo tempo, manter a saúde
do solo, utilizando tecnologias apropriadas.
No setor madeireiro há boas perspec-
tivas do mercado internacional de madeiras
tropicais, com a condição de que sejam
oriundas de áreas sob regime de manejo
sustentável. A extração da madeira vem tendo
elevada participação na renda regional, mas as
madeireiras realizam uma exploração seletiva,
e em geral predatória, de espécies de alto valor
comercial. Tornam-se, portanto, necessários
incentivos ao manejo florestal, bem como
investimentos para a consolidação de toda a
cadeia produtiva, integrando vertical e
horizontalmente a atividade madeireira.
Nessa perspectiva, devem também ser
aproveitados os importantes avanços da frente
mínero-metalúrgica, verticalizando e reestru-
turando os complexos econômicos já criados,
para maior adequação aos sistemas ambiental
e social da região. Além disso, mecanismos
dever ser implantados para exigir dos
empreendimentos existentes níveis crescentes
de agregação de valor ao minério extraído,
mediante o seu processamento na região, a
27
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
exemplo da produção de ferro-gusa, silício
metálico e ferro ligas.
METAS E MEIOS
O Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) tem procurado construir e mobilizar
instrumentos que o habilitem a contribuir para a
superação dos desequilíbrios regionais. Esta
ação tem sido pautada pela visão de que ciência
e tecnologia (C&T) constituem, hoje, vetor
importante do desenvolvimento.
Várias ações do MCT com esta ênfase
podem ser citadas. Visando a desconcentração
regional da pesquisa, 30% dos recursos dos
Fundos Setoriais são destinados para as
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para
garantir a aderência de suas políticas e
instrumentos às demandas estaduais, o
Ministério criou uma assessoria especial
integralmente dedicada à questão regional.
Estabeleceu, como um dos temas prioritários
em seu Plano Plurianual, o desenvolvimento de
Arranjos Produtivos Locais. Ciente de que a
criação de novos instrumentos federais não
garante, por si só, a transformação de C&T em
vetor de desenvolvimento, o MCT tem buscado
também a interação com bancos e agências
de desenvolvimento regional, para promover a
complementaridade das ações de C&T federais
e locais. Foram firmados diversos Termos de
Cooperação com os estados, que contam com
seus respectivos Comitês de Gestão. A
cooperação entre o Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT), Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP), Banco da Amazônia (BASA), Agência
de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e
Superintendência da Zona Franca de Manaus
(SUFRAMA) insere-se neste quadro, forma-
lizado por meio de um Comitê Gestor de C&T
da região amazônica.
A possibilidade de complementaridade
entre a atuação do BASA, da ADA, da SUFRAMA
e do MCT e suas agências é clara. A capilaridade
da estrutura do Banco e das duas agências
regionais e sua grande experiência na identi-
ficação de cadeias produtivas setoriais a serem
apoiadas na região propiciam uma prospecção
de demanda por investimento em C&T detal-
hada, rica e adequada às marcantes
especificidades regionais. Em contrapartida, o
amplo rol de instrumentos, programas e políticas
disponíveis no sistema federal de C&T pode, a
partir destas informações, ser mobilizado e
melhor direcionado para viabilizar o desen-
volvimento científico e tecnológico esperado pela
região.
Contudo, mais que garantir a realização
de determinado conjunto de ações do MCT e
de suas agências na Amazônia brasileira,
pretende-se que a cooperação permita construir
uma efetiva sinergia entre os instrumentos a
serem mobilizados por cada um dos parceiros.
Neste sentido, o apoio ao Programa de
Competitividade e Inovação Tecnológica para as
Pequenas e Médias Empresas (PME) na
Amazônia Brasileira deverá ser um exemplo
deste novo formato de cooperação, tendo como
parceiros o Serviço Brasileiro de Apoio às Mi-
cro e Pequenas Empresas (SEBRAE), as
Federações de Indústria, as agências regionais
de desenvolvimento (BASA, ADA e SUFRAMA),
os Governos estaduais e o Banco Interameri-
cano de Desenvolvimento (BID).
No Programa, caberá ao MCT apoiar,
com recursos não reembolsáveis, ações nas
áreas científico-tecnológicas – incluindo
28
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Tecnologia e Desenvolvimento Regional
pesquisa, capacitação e desenvolvimento
tecnológico – e relativas à Tecnologia Industrial
Básica (TIB), para atender as demandas de mi-
cro e pequenas empresas da Amazônia. Estão
previstos investimentos de cerca de US$ 200
milhões, no período 2003-2006, voltados para
os segmentos econômicos e sociais estraté-
gicos definidos no Plano de Desenvolvimento
da Amazônia.
* José Seixas Lourenço é PhD em Geofísica.
Ex-Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi,
Ex-Reitor da Universidade Federal do Pará, Ex-
Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA). Presidente do Conselho de
Administração da BIOAMAZÔNIA, Membro do
Conselho de Administração do Instituto
Internacional para o Ensino Superior na América
Latina e Caribe (IESALC).
29
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
CENTRO DE BIOTECNOLOGIADA AMAZÔNIA - CBA E ODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA
Imar César de Araújo*
Muito se tem falado sobre a biodiver-
sidade da Amazônia nos últimos tempos. Mais
recentemente, durante a construção do Centro
de Biotecnologia da Amazônia - CBA, esta
discussão foi intensificada nos meios políticos,
técnicos e empresariais, envolvendo autoridades
das três esferas do poder, em toda a região
amazônica. Em recente apresentação sobre o
Centro, para professores e alunos da
Universidade Estadual do Amazonas- UEA, foi-
nos perguntado por que as obras e a instituição
do Centro estavam atrasadas em um ano.
Respondi que a implementação do Centro
estava atrasada não em um ano, mas em pelo
menos 20 anos.
Hoje, depois de muitos problemas na
ocupação da Amazônia, como o modelo de
ocupação da região pela pecuária extensiva, o
estabelecimento de novas abordagens, como a
construção e implementação do CBA, nos leva
a crer que há um consenso em torno deste novo
modelo. O CBA, embora com atraso, devido a
problemas ocorridos em sua construção, deverá
iniciar as suas atividades em 2003 e, ao nosso
ver, acelerar sua atuação nos próximos anos
perseguindo os objetivos para os quais foi
criado.
Gostaríamos, ainda, de destacar, neste
artigo, as inquietações da sociedade, inclusive
as nossas, com o atraso na implementação do
Centro e com o futuro do programa em que se
30
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
encontra inserido - Programa Brasileiro de
Ecologia Molecular para Uso Sustentável da
Biodiversidade da Amazônia - PROBEM. (ver
nota explicativa PROBEM)
NOTA EXPLICATIVA
O PROBEM é uma iniciativa conjunta da comunidadecientífica, do setor privado, do governo federal, e dosgovernos estaduais da Região Amazônica. É consideradoum dos projetos estratégicos do governo federal tantopara o anterior quanto para o atual. O objetivo primor-dial deste programa é contribuir para o desenvolvimentoda bioindústria na Região Amazônica, atuando nageração de conhecimentos, na transferência detecnologias, na promoção de inovações tecnológicas nosetor de bioindústria, mediante diversas modalidades deparcerias com instituições de pesquisas e empresasprivadas, nacionais e internacionais.
Os objetivos e os princípios básicos
definidos pelo PROBEM para o Centro de
Biotecnologia da Amazônia – CBA representam
o interesse atual da sociedade. Espera-se que
se possa agregar valores aos produtos da
biodiversidade, via ciência, tecnologia e inovação
tecnológica, ou seja, conhecimento. Espera-se
evitar a utilização da região como simples
fornecedora de matéria-prima bruta, ficando a
maior parte do valor agregado no exterior ou
mesmo em outras regiões do território brasileiro.
Sabe-se que certos produtos da biodiversidade
amazônica são exportados para outros países,
em sua forma quase natural e depois, impor-
tados por centros produtores do centro-sul
brasileiro, como componentes de alta qualidade,
em que foram agregados, mais de 50 vezes o
valor original do produto. O CBA terá papel fun-
damental na tarefa de desenvolvimento da
bioindústria local de produção de componentes
e produtos finais.
Há que se organizar a sociedade como
um todo, de forma a poder alcançar esta meta.
Será preciso aumentar os investimentos na
formação de recursos humanos especializados
e atrair mais capital e empreendedores para a
Amazônia, além de melhorar a sua distribuição,
dado que os existentes, em sua grande maioria,
encontram-se concentrados em dois pólos –
Belém e Manaus. O desafio valerá a pena, vez
que com a intensificação da produção de
componentes e produtos acabados, de alta qua-
lidade, com base na biodiversidade amazônica,
poder-se-á ampliar, em longo prazo, o emprego
e a renda regional em valores consideráveis. Por
isso, a certeza de que estamos atrasados pelo
menos 20 anos para que seja posto em marcha
um programa desta natureza, tempo que
teremos que esperar para apresentar resultados
significativos para toda a população amazônica,
existente e futura.
A busca de soluções e os amplos
objetivos propostos para o Centro exigirão
estratégias minuciosas, decisões rápidas,
entendimentos no âmbito governamental e,
principalmente, mudanças de paradigmas
vigentes nas instituições do país, no sentido de
garantir o sucesso pretendido. Alguns focos
serão abordados.
Como primeiro aspecto, é necessário
assegurar uma legislação equilibrada que possa
permitir o acesso à biodiversidade pelas
empresas e instituições de pesquisa, de modo
flexível sem, no entanto, exagerar na permis-
sibilidade, que direcionaria os resultados para
as grandes empresas detentoras de capital, em
detrimento da população amazônica. Restringir
demais pode impedir o acesso à biodiversidade
por cientistas e entes “econômicos” brasileiros.
Pode, inclusive, estimular a naturalização do
patrimônio genético brasileiro, nos países
vizinhos amazônicos ou mesmo em outros
tropicais de todo o mundo – p.e. produtos “made
in Cingapura” com recursos naturais endêmicos
31
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
da Amazônia brasileira, adquiridos em outro país
amazônico. O conhecimento é a forma de evitar
este tipo de desvio e a biopirataria, resultados
que não serão nunca conseguidos via
fiscalização.
Como segundo aspecto, deve-se
permitir a integração dos países amazônicos no
acesso e uso da biodiversidade, que não é
somente brasileira, pois que a Amazônia
abrange sete países da América do Sul. É
importante focar a Amazônia continental (sete
milhões de km2) e não somente a brasileira
(cinco milhões de km2). Os acordos bilaterais
ou mesmo multilaterais, facilitarão a defesa
deste patrimônio, e poderão ampliar as
conquistas tecnológicas pretendidas. O Brasil
tem os ingredientes necessários para liderar
esta ação.
O Centro de Biotecnologia da Amazônia
– CBA deverá ser um usuário da biodiversidade
amazônica e será, com certeza, um braço forte
de apoio ao governo brasileiro no acesso e
defesa dessa biodiversidade. Complementar-
mente, a sinergia das ações integradas com o
conhecimento acumulado pelo INPA, Embrapa,
Museu Goeldi e Universidades da região, entre
outros, serão fator de diferenciação e com-
petitividade no desenvolvimento de novas apli-
cações, produtos e processos.
Outro ponto importante é como será
financiado o Centro de Biotecnologia da
Amazônia – CBA. A biodiversidade é tão ampla
que qualquer tentativa de estudá-la como um
todo é uma tarefa impossível, mesmo em longo
prazo. Para transformar a biodiversidade em um
negócio sustentável, é necessário investimentos
maciços no programa e principalmente no CBA,
para produção dos conhecimento necessários
que irão garantir o uso racional e competitivo
dos recursos naturais, com o propósito de criar
emprego e renda na região.
A garantia de se manterem estes recur-
sos, de fontes oriundas do governo brasileiro,
na quantidade e continuidade necessárias, não
será tarefa fácil. As estratégias para suprir esta
necessidade passam, necessariamente: pela
captação de recursos de fontes governamentais
e da iniciativa privada; pela diminuição da am-
plitude da biodiversidade a ser estudada em
cada período (eleição de prioridades); pela
gestão eficiente e contínua do Centro, que
necessariamente deverá ser exercida por um
modelo institucional flexível e que possa
relacionar-se e estar próximo das empresas
privadas; pela alocação complementar e uso
de recursos de uma rede integrada de
laboratórios associados (regional e nacional),
absorvendo uma massa crítica de conhecimento
científico, de pessoal e de conhecimentos
tradicionais existentes; e, finalmente, pela
geração de recursos financeiros para re-
investimento no Centro, advindos de
conhecimento, produtos e processos gerados
pelo próprio Centro e em parceria, na rede
integrada de laboratórios. O CBA deverá exercer
o importantíssimo papel de coordenar e gerir
este complexo.
Com acesso à biodiversidade, finan-
ciamento e geração dos conhecimentos neces-
sários advém, logicamente, uma reflexão: como
garantir a produção de componentes, com
qualidade e em quantidade suficiente para o
florescimento de um parque industrial dinâmico
baseado em insumos da biodiversidade
amazônica?
Paradoxalmente, a grande biodiver-
sidade da Amazônia é decorrente do baixo
número de indivíduos de uma mesma espécie
32
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
e uma grande quantidade de espécie por unidade
de área de floresta. Estudos realizados na região
mostram que demandas crescentes de um
produto oriundo do extrativismo ocasionam,
necessariamente, uma oferta reprimida (rigidez
de oferta desse produto), aumento dos preços
e o desencadeamento de processos de substi-
tuição por produtos similares, pelo cultivo e pela
síntese química, na expectativa de atender a
demanda e equilibrar os preços. É um processo
complexo em que a borracha natural é um
exemplo típico deste sistema de substituição,
onde todos os modelos foram usados para o
suprimento da matéria-prima, sendo,
atualmente, o extrativismo de importância mar-
ginal, mesmo para o mercado brasileiro. Alguns
setores econômicos são menos exigentes em
quantidade do produto, mas não o são quanto à
qualidade e preço. Processos de domesticação
ou síntese deverão ser disparados tão logo se
descubra um produto de alto potencial de
mercado, sob pena da região perder o domínio
de um mercado conquistado. Mais uma vez a
rede de laboratórios associados poderá ser
utilizada para suprir o conhecimento e ao CBA
caberá coordenar e disparar estas ações.
Um dos temas que suscitaram maior
discussão na implantação do CBA na região foi
referente a recursos humanos especializados
para sua operação. Muitos defendiam a criação
de um “centro virtual” em que os laboratórios
ficassem na região mais favorecida do País. Este
modelo criaria a denominada dominação
tecnológica, onde a Amazônia continuaria como
mera fornecedora de insumos brutos, também,
para a pesquisa. A região não abrigaria centros
de pesquisa e desenvolvimento eficientes por
não dispor de pessoal especializado na qualidade
e quantidade requeridas e não formaria nem
atrairia este pessoal por não ter centros de
pesquisas que pudessem absorvê-los. Como
concebido hoje, o CBA deverá quebrar a inércia
da demanda e estimulará a formação local e
atração de talentos. Ressalta-se, entretanto, que
a alocação de pessoal especializado é um dos
fatores preocupantes a ser resolvido em curto
espaço de tempo. Deve-se contar, além da rede,
com pessoal especializado da melhor qualidade
trabalhando na região, liderando pesquisa e
desenvolvimento e formando futuros líderes na
área de biotecnologia. A Superintendência da
Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, em função
do CBA, formulou convênios com a Univer-
sidade Federal do Amazonas – UFAM, em
conjunto de 7 (sete) Centros de Pesquisa e
Ensino, e com a Universidade do Estado do
Amazonas – UEA, para a criação e manutenção
de cursos de doutorado e mestrado em
biotecnologia, respectivamente. Os resultados
destas ações só serão sentidos no médio prazo.
No momento, a identificação de recursos
humanos especializados na região e em outros
locais deverá ser a ação prioritária para a
formação do Quadro do Centro de Biotecnologia
da Amazônia - CBA. Juntamente com o Ministério
de Ciência e Tecnologia - MCT e o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, deverão ser realizadas
ações de contratação de pessoal especializado,
inclusive bolsistas, envolvendo pesquisadores,
laboratoristas e técnicos especializados em toda
as áreas de ação do Centro. Está sendo
detalhado, também, um Plano de Negócios para
o CBA, que deverá ter início já em 2003, inserido
em uma visão de quatro anos (Plano Diretor),
onde serão definidas as reais necessidades de
pessoal para execução do Plano.
As informações aqui prestadas deixam
claro as principais preocupações com a
implementação do CBA e permitem inferir e
33
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
explicar, com mais propriedade, algumas
dúvidas mais comuns da sociedade. Algumas
mais freqüentes:
O Centro de Biotecnologia da Amazônia
- CBA não é um Centro de Pesquisa
convencional. Será um Centro Tecnológico,
entendido como uma Entidade Tecnológica
Setorial (trinômio: biotecnologia/biodiversidade/
bioindústria), atuando próximo das empresas,
acionado pela demanda empresarial e pela ação
proativa de identificar novas oportunidades
econômicas no desenvolvimento de novos
produtos. Deverá agir junto e com a participação
de pequenas, médias e grandes empresas, que
serão usuárias e co-financiadoras do Centro. Os
recursos de fontes governamentais deverão ter
predominância relativa nos primeiros anos,
devendo diminuir relativamente ao financiamento
pelas empresas, no médio e longo prazos.
Deverá ter um procedimento de garantir a
distribuição de benefícios às populações
tradicionais bem como a sua participação no
processo de desenvolvimento e na cadeia
produtiva destes bens, provendo as empresas
privadas de serviços e conhecimentos
necessários para exercerem plenamente sua
capacidade, na busca de atender os mercados
local, regional, nacional e internacional de
produtos naturais de qualidade. O Centro deverá
ter uma ação especial no fortalecimento de
pequenas empresas de base tecnológica na
região, não sendo, entretanto, este o seu público
exclusivo.
Não se deve ter uma expectativa
exagerada do tempo de resposta do CBA. A ação
do Centro deverá ser dividida em duas fases:
A primeira, denominada de “Implemen-
tação da Instalação do CBA”, compreenderá
duas etapas: ano de 2003, quando se con-
solidará, por um lado, o término das infra-
estruturas físicas básicas, incluindo a aquisição
de máquinas, equipamentos, acessórios e a
alocação do pessoal mínimo necessário para
iniciar a operação. Por outro, deverá ser definido
o modelo de gestão e implementado o
planejamento de médio prazo, e serão
assinados Contratos com o Governo Federal,
para quatro anos. A segunda etapa será a
implementação definitiva do Centro, no
quadriênio 2004-2007, com complementação de
obras e equipamentos para os laboratórios,
alocação de pessoal necessário e desenvol-
vimento de programa de acesso à bio-
diversidade, com todos os programas de
pesquisa, tecnologia e inovação em andamento
e o pleno funcionamento da rede de laboratórios
associados.
A segunda fase deverá compreender os
seis anos subsequentes e o Centro deverá estar
funcionando plenamente, com experiência e
competência capazes de atrair capitais de
origem estrangeira, em valores suficientes para
implantação e coordenação de programas
integrados de ciência, tecnologia e inovação para
a biodiversidade amazônica, no Brasil, e já
contando com participação significativa de capi-
tal próprio, decorrentes da venda de serviços e
da negociação de propriedade intelectual.
Estarão operando, plenamente, projetos de
toxicologia, em apoio às indústrias de
fitofármacos e cosméticos, bem como em
pesquisa avançada com plantas, insetos, répteis
e microorganismos.
O Centro não deverá concorrer com os
demais Institutos de Pesquisa e Tecnologia da
Região, como apregoado por alguns. Deverá,
sim, trabalhar complementarmente à ação
destes. A rede associada de laboratórios em
34
O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
nível Regional e Nacional deverá ser fortalecida,
ao tempo em que se agrega uma massa crítica
de técnicos e pesquisadores ao programa de
fortalecimento da bioindústria regional. Deverão
ser dinamizadas pelo Centro, em parceria com
a rede, em curto e médio prazos: a prestação
de serviços e a parceria com empresas parti-
culares; a formação de empreendedores
regionais; estímulo à formação de empresas de
base tecnológica; a formação de parcerias para
captação de recursos na área empresarial; o
levantamento de pesquisa e tecnologias
desenvolvidas no Brasil, principalmente na
região amazônica, viáveis de serem difundidas
para formação de bioindústrias, mesmo que
tenham necessidade de testes e desenvol-
vimento de processos complementares;
assessoria às empresas para o registro de
marcas e patentes (proteção de produção
intelectual), entre outros..
Finalmente, cabe-nos, por justiça, infor-
mar sobre a participação da SUFRAMA na
construção e operação do Centro de Bio-
tecnologia da Amazônia - CBA. Inicialmente, a
instituição entendeu a importância deste Centro
para o desenvolvimento regional e com-
prometeu-se a apoiar sua implantação. Custeou
os custos pré-operacionais envolvendo os
Projetos de Estrutura Organizacional e de
Engenharia e Arquitetura e doou o terreno para
localização das instalações. Posteriormente,
além disso, comprometeu-se com a partici-
pação de 20% dos custos da construção,
cabendo o restante ao Ministério do Meio
Ambiente – MMA.
Por diversos problemas de alocação e
contingenciamento de recursos do Governo
Federal, a participação relativa dos parceiros,
nos custos do projeto, se inverteu. Considerando
todos os custos citados anteriormente, e a
aquisição dos equipamentos mínimos neces-
sários para o funcionamento do Centro, já fo-
ram investidos na implantação do CBA,
aproximadamente, dezenove milhões de reais,
dos quais a SUFRAMA custeou cerca de quinze
milhões, que eqüivalem a 79% do total dos
recursos investidos, sendo os restantes 21%
financiados pelo MMA. A Superintendência da
Zona Franca de Manaus - SUFRAMA e o Mini-
stério de Ciência e Tecnologia - MCT alocaram
em seu orçamento, para o exercício de 2003,
recursos da ordem de 8,6 milhões e 9,0 milhões
de reais, respectivamente, destinados à imple-
mentação da primeira etapa do Centro de
Biotecnologia da Amazônia – CBA.
Espera-se que sejam garantidos os
recursos para aplicação neste ano e alocados
nos próximos anos, os recursos necessários
para o efetivo funcionamento do CBA que, com
certeza, será um dos projetos de maior retorno
para sociedade brasileira e para a humanidade.
* Imar César de Araújo é Engenheiro
Agrônomo, Pós-Graduado em Ecologia pelo
INPA e Diretor do Departamento de Promoção
de Investimentos - SUFRAMA
35
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
O PAPEL ESTRATÉGICO DAZONA FRANCA DE MANAUS NODESENVOLVIMENTO DAAMAZÔNIA
Maurício Elísio Martins Loureiro *
Com percepção de estadista, Getúlio
Vargas costumava dizer que o Brasil deveria
preocupar-se apenas com três assuntos: aço,
petróleo e Amazônia. Essa visão estratégica
serviu de inspiração a um grupo de oficiais do
exército cujos estudos em meados do século
passado levaram à criação da Suframa
(Superintendência da Zona Franca de Manaus).
A Amazônia ocidental, onde se localiza
a Zona Franca de Manaus (ZFM), é a parte cen-
tral da mais importante região natural terrestre.
Compartilhada por nove países, possui em seu
território imensos recursos naturais, espe-
cialmente água doce e biodiversidade. Na
condição de detentor da mais extensa parte
dessa área continental, o Brasil terá de enfrentar
seu maior desafio histórico: desenvolvê-la de
forma competente e sustentável, preservando
a natureza e os ecossistemas que nela
interagem. A qualidade da resposta dos
brasileiros a esse desafio condicionará o destino
da nação nas próximas décadas.
Resultante de firme decisão política, o
projeto ZFM, institucionalizado no primeiro
governo do ciclo militar, transformou-se em
excepcional pólo de crescimento econômico na
região, gerando renda, emprego, tributos e
exportações crescentes que já superam US$1
bilhão/ano, nas fábricas localizadas no parque
industrial de Manaus que continuamente
agregam valor a sua produção.
É importante ressaltar que a geração de
36
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
emprego e renda, representada pela criação de
cerca de 60.000 postos de trabalho diretos,
centenas de milhares de empregos indiretos e
um faturamento anual da ordem de US$ 10
bilhões, foi obtida com impecável preservação
da floresta. Nos últimos 36 anos permaneceram
intactos 98% da cobertura florestal original.
ANTECEDENTES
No dia 28.02.2003, a ZFM completará 36
anos, lapso de tempo que equivale a quase duas
gerações. De um modo geral, a sociedade tem
memória curta e fatos relativamente recentes
são esquecidos com rapidez. No caso da ZFM,
é surpreendente o desconhecimento dos
antecedentes que justificaram sua criação e sua
importância para a segurança nacional, tendo
em vista o conceito ímpar que a Amazônia
desfruta aos olhos de um mundo cada vez mais
preocupado com a saúde da Terra. Esta não é
uma boa constatação, uma vez que se trata do
modelo de crescimento regional responsável
pela mudança do paradigma da economia
tradicional (mercantil-extrativista), baseada na
coleta de recursos da flora e da fauna e da
cultura da juta para produção de fibras têxteis.
No momento em que se pretende
prorrogar o prazo constitucional de sua vigência,
é oportuno recordar os fatos que marcaram sua
origem. Para formar juízo correto de algo, é
imprescindível conhecê-lo em profundidade para
compreender o que se pretende avaliar. E este
preceito também vale para a ZFM. O enten-
dimento dos motivos que levaram à criação
desse modelo, o único bem-sucedido em toda
a experiência de planejamento governamental
na Região, pressupõe amplo conhecimento de
seus antecedentes históricos.
Inicialmente, a ZFM foi idealizada como
projeto geopolítico, no final da década dos anos
50 do século passado. Nessa época, o
ecúmeno regional situava-se em torno de
Belém, capital do Pará e única metrópole da
Amazônia. Abrigando maior população, mais
amplo mercado consumidor, melhor infra-
estrutura econômica, porto marítimo e ligação
terrestre com o resto do País (rodovia Belém-
Brasília), a capital paraense constituía um
irresistível centro de atração para os
investimentos regionais.
A força centrípeta exercida pela cidade
de Belém esvaziava velozmente o lado ocidental
da Região, onde Manaus ocupa o centro
geográfico. Com uma população inferior a
150.000 pessoas, a capital do Estado do
Amazonas definhava rapidamente em termos
urbanos, econômicos e sociais. Inexistência de
universidade, escassez de energia elétrica,
mercado reduzido e de baixo poder aquisitivo,
sistema de transporte e de comunicação
precário que a mantinha ainda mais isolada dos
centros do poder político, distante da costa
marítima, formavam o cenário que explicava sua
fragilidade econômica e a ausência de
perspectivas de mudança.
Para que se possa aquilatar o grau de
hegemonia que a economia do Pará detinha,
basta mencionar o fato de que em 1964, de
acordo com estatísticas da Sudam, 97,6% dos
investimentos incentivados na Região locali-
zaram-se nesse Estado. Ao Amazonas coube
a insignificante parcela de 2,4%. Enquanto
existissem incentivos iguais para a totalidade da
Amazônia, os projetos de investimento
naturalmente procurariam o Pará.
Manaus era mero entreposto comercial
que ligava a economia extrativa praticada no
37
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
interior do Estado ao resto do mundo, ávido
consumidor dos produtos exóticos coletados ou
extraídos da floresta (madeira em tora, borracha,
sorva, castanha, pau rosa, cumaru, breu,
resinas, sementes oleaginosas, essências
odoríferas) e da fauna (quelônios, peixes, couros
e peles de jacarés e de outros animais
silvestres).
Comerciantes da capital e mascates que
se deslocavam em embarcações (regatões)
supriam as necessidades das populações
dispersas nas terras ao longo dos rios, onde era
praticado o extrativismo. Forneciam alimentos,
tecidos, roupas, remédios e ferramentas, e
adquiriam os produtos coletados da floresta, em
uma típica operação de escambo, sem a
participação de moeda – relação de caráter feu-
dal, espoliativa, que mantinha o produtor do in-
terior atado ao nível de subsistência e
escravizado aos interesses dos intermediários
e dos donos de seringais (latifúndios com
seringueiras nativas produtoras de látex).
A Amazônia ocidental era um imenso
vazio demográfico e econômico. Sem a marca
da presença física dos brasileiros, abrigando
imensos e pouco conhecidos recursos naturais,
a Região poderia despertar a cobiça
internacional. Esta possibilidade foi reforçada
com o surgimento do movimento ambiental, que
cresceria de forma generalizada, agravando a
apreensão militar com a segurança nacional. Um
grupo de oficias idealistas do exército brasileiro
– conhecido pela competência de seus
integrantes – tinha cada vez mais presente em
seus estudos a importância da problemática
amazônica, mais grave no lado ocidental onde
se encontra o maior segmento da linha de
fronteira internacional. Tal preocupação os levaria
a elaborar um projeto de inspiração geopolítica
para mudar o quadro existente.
No início dos governos militares, em
1964, o projeto atinge maturação e eclode em
28.02.1967, no Decreto-lei 288/67, ao final do
governo de Castello Branco, inspirador e defen-
sor da idéia. Vale mencionar que as principais
ações que culminaram com a criação da
Suframa foram catalisadas por um amazonense
intelectualmente bem-preparado, pouco lembra-
do no Amazonas. Trata-se de Arthur Soares
Amorim, formado nos Estados Unidos em
engenharia aeronáutica, pelo MIT. Grande amigo
de Roberto Campos, a quem serviu como
chefe-de-gabinete no Ministério do Planejamento
na administração Castello Branco, o engenheiro
Arthur Amorim teve atuação destacada no
processo de criação da ZFM.
SITUAÇÃO ATUAL
A ZFM resultou de um pacto tripartite
celebrado entre o governo federal, o governo do
Amazonas e a prefeitura de Manaus, em que
cada participante ofereceu uma parcela de
contribuição ao conjunto de incentivos aos
projetos que lá se instalassem. Para atraí-los,
foram criados incentivos no âmbito dos impostos
indiretos que tinham impacto sobre os custos
(II, IPI, ICMS e ISS), sem concessão de nenhum
subsídio ao capital, da forma como ocorria na
Sudam/Sudene. Os novos incentivos fiscais
compensavam as desvantagens da localização
da ZFM em relação aos mercados, permitindo
produção industrial competitiva.
Englobando uma superfície de 10.000
km2, a ZFM definida em lei praticamente se
circunscreve à cidade de Manaus. Com o
advento da Suframa, viabilizou-se a instalação
de um moderno pólo industrial, vigoroso
38
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
e diversificado, gerador de renda, emprego e
tributos.
Potente motor de crescimento econô-
mico, amplia a demanda regional e nacional,
irradiando influência positiva a toda a Amazônia
e projetando reflexos favoráveis a outros
estados em decorrência do considerável valor
agregado que realiza em território brasileiro.
Importando anualmente cerca de US$ 2,5
bilhões de matérias-primas, o setor industrial da
ZFM fatura US$ 10 bilhões/ano, quatro vezes
mais o valor do que adquire no exterior. Sendo o
único gerador de crescimento no Amazonas, é
responsável – direta e indiretamente – pela quase
totalidade da economia estadual e da
arrecadação tributária.
A capital do Amazonas transforma-se
radicalmente. Seus habitantes multiplicam-se,
chegando a 1,6 milhão de pessoas ao final de
2002. Com o perfil de uma cidade-estado, nela
concentram-se 53% da população estadual.
Produzindo mais de 90% da economia e da
arrecadação, a renda per capita dos manauaras
eleva-se aos patamares mais altos entre as
capitais brasileiras. A economia cresce e os
serviços urbanos ampliam-se, mas a migração
de pessoas do Nordeste e do Pará pressiona
os serviços urbanos e desorganiza a ocupação
do espaço, promovendo invasões de áreas
desocupadas, sem saneamento básico e infra-
estrutura, criando imensos bolsões de pobreza
onde a exclusão social é a regra.
Há enorme passivo social acumulado.
Forma-se em Manaus uma sociedade dualista
cujos integrantes convivem lado a lado –
exclusão sócio-econômica e riqueza ostensiva.
Eliminar ou reduzir tais diferenças e as distor-
ções delas resultantes – que também existem
em outras capitais – é o maior desafio a ser
enfrentado nos próximos anos. Convém deixar
claro que a ZFM vem atuando como único e
eficiente motor de crescimento econômico no
Amazonas e cumpre esta missão com invulgar
competência. A alocação dos recursos obtidos
na substancial base tributária criada é de inteira
responsabilidade do governo, que se expressa
nas políticas públicas adotadas.
Alguns setores menos sensíveis aos
fretes, como o eletroeletrônico, logo se fixaram
em Manaus. Em seguida, vieram os fabricantes
de relógios, componentes plásticos, lentes
oftálmicas, brinquedos, barbeadores, canetas e
isqueiros descartáveis, e de material de
embalagem. O segmento eletroeletrônico, com
alta produtividade e significativo domínio de
tecnologias de processo, produz metade do
faturamento industrial.
Outro segmento importante é o que
monta veículos de duas rodas. Caracteriza-se
por apresentar notável adensamento da cadeia
produtiva graças à instalação em Manaus de
fornecedores mundiais de partes e peças para
atender aos fabricantes locais de bens finais,
notadamente a indústria de motocicletas.
Adotando grande verticalização, algumas
dessas fábricas iniciam seus processos
industriais usando lingotes de alumínio regional,
que são fundidos em ligas especiais para
fabricar bens intermediários e em etapa poste-
rior usinados e tratados termicamente para
produzir uma série de componentes de padrão
de qualidade internacional. Parte dessa
produção é vendida no exterior, contribuindo de
forma crescente para elevar e diversificar as
exportações da ZFM, cujo valor em 2002 superou
US$1 bilhão.
A balança comercial da ZFM deverá
equilibrar-se até 2005, tornando-se geradora
39
O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
de divisas (superavitária) a partir desse ano e
transformando Manaus em um importante centro
exportador. Tendo em vista que a ALCA deverá
estar em operação em futuro próximo, esta
informação tem significado especial.
É oportuno salientar que os riscos
inerentes aos projetos de investimento sediados
na ZFM correm exclusivamente por conta dos
empresários, não havendo nenhum subsídio do
setor público ao capital das empresas. Por esta
razão, é um modelo de desenvolvimento regional
sui generis, perfeitamente ajustado aos cânones
da economia de mercado, fato que talvez
explique o seu inusitado sucesso.
No lado fiscal, a ZFM criou em Manaus
uma base de tributação de apreciável dimensão,
responsável pela arrecadação de tributos e
contribuições previdenciárias, nos três níveis de
governo, que atingiu em 2001 um montante da
ordem de US$ 2 bilhões, à taxa cambial média
vigente na época. O Estado do Amazonas em
2003 contribuiu com 61% da arrecadação fe-
deral na Região Norte.
De acordo com dados relativos a 2000,
o Amazonas é um dos três estados das regiões
Norte e Nordeste que geram excedentes de
arrecadação de tributos federais e contribuições
previdenciárias em relação aos recursos que
recebem do governo federal. O Amazonas
ocupa o primeiro lugar entre os estados dessas
duas regiões que mais transferem recursos
líquidos para a União, seguido da Bahia e de
Pernambuco.
CENÁRIO PROSPECTIVO: FUNÇÃO
ESTRATÉGICA DO MODELO ZFM
A função estratégica do modelo ZFM é
produzir e acumular recursos econômicos,
humanos e institucionais para promover o
desenvolvimento regional sem comprometer a
natureza e o meio ambiente, preservando os
complexos ecossistemas da Amazônia. É um
centro experimental onde são identificadas
linhas de menor resistência para promover o
desenvolvimento com absoluto respeito às
normas ambientais. Progressivamente, o
modelo diversificará sua atual base industrial,
adensando a cadeia produtiva, criando novos
clusters de negócios e implementando atividades
voltadas ao aproveitamento dos recursos
naturais e da biodiversidade regional. Nesse
cenário, além do aproveitamento da biomassa,
dos minérios e combustíveis fósseis recém-
descobertos (petróleo e gás natural), poderá ser
agregado valor às matérias-primas regionais
para produzir cosméticos, fitoterápicos,
fármacos, insumos e produtos alimentares,
usando como estratégia de marketing o fascínio
que o mistério e o exotismo da marca
“Amazônia” provoca nos consumidores mais
ricos do planeta.
A médio e longo prazo, em plena Socie-
dade do Conhecimento, quando concluído o
processo de formação de recursos humanos
em nível de excelência mundial, permitindo a
aquisição de competências em C&T e P&D,
será então factível desenvolver a biotecnologia
moderna, um estado técnico-científico mais
avançado que irá possibilitar a manipulação e o
processamento do material genético arma-
zenado pela natureza no Bioma da Amazônia
em centenas de milhões de anos de evolução.
A engenharia genética dessa fantástica matéria-
prima poderá produzir uma série de
surpreendentes medicamentos, produtos
alimentícios, nutrientes e insumos sofisticados
que poderão revolucionar a vida do ser humano.
Os cientistas costumam dizer que o século
passado pertenceu à Física e que o século 21
40
Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
será o século da Biologia. Se houver firme e
decidida vontade política do novo governo, nas
esferas federal e estadual, poderemos
acrescentar que este também será o tão
esperado Século da Amazônia.
* Maurício Loureiro é empresário e presidente do
Centro da Indústria do Estado do Amazonas - Cieam
41
Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
QUEM É MARCUS BARROS
Amazonense de Eirunepé, Marcus Barros
formou-se em Medicina pela Universidade Fed-
eral do Amazonas (UFAM), em 1972, e fez pós-
graduação na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e no Instituto de Medicina Trop-
ical de Nagasaki, no Japão. Pesquisadorreconhecido internacionalmente, tem 42trabalhos acadêmicos publicados nas áreas de
Saúde e Ambiente e atua como professor visita-
nte das Universidades de Granada e Barcelona,
na Espanha. No Amazonas, além de ter dirigido
o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA), foi reitor da UFAM. Foi o responsável,
ainda, pela instalação e direção, no Amazonas,
do escritório técnico regional da Fundação
Oswaldo Cruz, vinculado ao Ministério da
Saúde.
PESQUISA E BENEFÍCIO SOCIAL– UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?
A relação entre o conhecimento científico
e tecnológico desenvolvido na região Amazônica
e os povos que a habitam é uma via de mão
dupla, na opinião do cientista amazonense
Marcus Barros, recém-empossado presidente
nacional do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para
ele, os índios, caboclos e ribeirinhos que vivem
na imensidão da Amazônia, serão sempre
grandes aliados da Ciência e Tecnologia,
indicando, por meio do conhecimento tradicional,
os caminhos para a preservação da região. Mas,
ao mesmo tempo, devem contar com a parceria
da sociedade organizada na aplicação dos
recursos tecnológicos existentes, que possam
ajudá-los no manejo sustentável da floresta.
Com passagem pela direção do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e
como ex-reitor da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), duas das principais
instituições de ensino e pesquisa do Estado,
Marcus Barros diz que a Ciência tende a sair
cada vez mais do “claustro”, para ouvir as
demandas da sociedade. Ele avalia como
positivos, com aplicação direta na qualidade de
vida do homem da região, os resultados obtidos
em 50 anos de pesquisa na – e sobre a –
Amazônia. Nesta entrevista, Marcus Barros
analisa a relação existente entre a pesquisa
científica realizada pelos institutos regionais e
sua aplicabilidade no desenvolvimento econô-
mico e social da Amazônia. Aborda temas
polêmicos, como biopirataria e desenvolvimento
sustentável, aponta os caminhos a serem
seguidos por quem produz Ciência e Tecnologia
na região e revela as estratégias que pretende
42
Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
adotar para administrar o meio ambiente de um
país com dimensões continentais, como o
Brasil.
T&C AMAZÔNIA – Já conhecemos a
Amazônia o suficiente para apontarmos
alternativas para seu desenvolvimento
sustentável?
Marcus Barros – Sem dúvida nenhuma.
Três institutos de pesquisa da região – o Museu
Emílio Goeldi, com 136 anos, no Pará, a UFAM
(Universidade Federal do Amazonas), com 94
anos, e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia), com 50 anos – estão contri-
buindo de maneira decisiva para o estudo do
homem e da natureza amazônica. Essas
instituições já têm uma amostra de toda a
Amazônia, o que podemos considerar como
suficiente, apesar da diversidade e da grande
extensão territorial, pois representamos 2/3 do
Brasil. Costumo dizer que Roraima não é igual
ao Apuí e Tabatinga também não é igual ao
Golfão Marajoara, pois são parte das 23
ecorregiões que compõem a Amazônia, com
paisagem, flora e fauna distintas. O conhe-
cimento existente é tão importante que a
primeira iniciativa que tomei ao assumir a
direção do INPA, foi criar os núcleos de
Negócios e de Ciências Humanas e Sociais,
para que fosse possível utilizá-lo. O estudo dos
ecossistemas amazônicos é suficiente, mas o
estudo do homem e sua interação com a
natureza, apesar dos grandes avanços do
Goeldi, UFAM e INPA, ainda precisa de apro-
fundamento. Buscamos transformar o conhe-
cimento existente em ferramentas para o
desenvolvimento regional. O INPA, durante
minha gestão, abriu as gavetas, desvendando
a Amazônia àqueles que desejam realizar
projetos de desenvolvimento auto-sustentáveis.
O grande trunfo do homem amazônico está no
manejo da floresta, pois o conhecimento
existente sobre o meio ambiente pode
transformar para melhor suas atividades na
Amazônia.
T&C – O que determina quais serão
as linhas de pesquisa a serem adotadas nes-
tas instituições?
MB – No início, os pesquisadores
determinavam o objeto de suas pesquisas a
partir de seus próprios interesses e também das
linhas de financiamento disponíveis. Atualmente,
no planejamento estratégico do INPA, por
exemplo, é fundamental que haja uma consulta
à sociedade para determinar como a pesquisa
vai desenvolver-se. Por outro lado, não podemos
abrir mão da pesquisa pura, pois gera
conhecimento, que vai ser a base da tecnologia
no futuro. No INPA, 30% das pesquisas
desenvolvidas contemplam este segmento e
70% são escolhidas por ter alguma aplica-
bilidade tecnológica imediata. A sociedade, ao
tomar conhecimento destes fatos, entende que
este balanceamento é o caminho para melhorar
a qualidade de vida da população de um modo
geral. Cito, como exemplo de pesquisas que
visam ganhos sociais imediatos, os estudos do
INPA na área de nutrição e tecnologia de
alimentos, que permitiram o desenvolvimento
de um tipo de macarrão preparado com
pupunha e piracuí, rico em carboidratos,
proteínas e vitaminas do grupo A. Os estudos
para o preparo do macarrão foram coordenados
pela cientista Lúcia Yuyama e têm aplicabilidade
garantida.
43
Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
“Derrubar a floresta não leva a nada,somente à desertificação. Cabe àsociedade organizada educar ohomem amazônico para manejarbem os recursos naturais existentesna região”
T&C – Quais são os principais
resultados das pesquisas científicas já
desenvolvidas para a região amazônica?
MB – Creio que é o conjunto de trabalhos
científicos realizados pelos institutos de
pesquisa amazônicos nos últimos 50 anos e que
pode ser comparado a um zoneamento
econômico e ecológico. Quem estiver à frente
de políticas públicas tem, necessariamente, de
conversar com quem produz Ciência e
Tecnologia na Amazônia, pois as pesquisas
científicas determinam, por exemplo, quais as
áreas que precisam permanecer intocadas, por
causa da extrema fragilidade de sua biodi-
versidade, onde só cabem atividades como o
turismo com sustentabilidade, e as áreas
públicas que podem ser habitadas com manejo
adequado. Ao mesmo tempo em que as
pesquisas já realizadas direcionam o apro-
veitamento dos recursos existentes, preci-
samos interagir com a população local para
deixar claro que devem exercer suas atividades
com determinados cuidados e também aprender
como algumas áreas estão sendo conservadas
pelo conhecimento tradicional das comunidades
amazônicas. Os resultados das pesquisas
científicas existentes apontam a Amazônia
como uma região distinta e diferente das demais
em todo o planeta e que tem uma população
que precisa de desenvolvimento auto-
sustentável. Costumo exagerar para ser claro:
derrubar a floresta não leva a nada, somente à
desertificação. Cabe a nós, sociedade
organizada, educar o homem amazônico para
manejar bem os recursos naturais existentes
na região. Temos como exemplos de pesquisas
científicas desen-volvidas na Amazônia, com
resultados extremamente práticos, o
beneficiamento de couro de peixe, que tem a
possibilidade de criação de uma indústria com
desdobramentos internacionais. Na apicultura,
é exemplar o trabalho desenvolvido pelo INPA,
tendo como coordenador o cientista Warwick
Kerr, em que as abelhas agem como
preservadoras da biodiversidade, pois, além de
produzir mel e garantir renda familiar ao homem
amazônico, mantém a floresta viva através da
polinização. Cito também, entre outras
iniciativas, a crescente aplicação do óleo de
babaçu na indústria automobilística, a
industrialização da cestaria de arumã,
impulsionada pelo Projeto Design Tropical da
FUCAPI, fato que tem um significado enorme
para as populações indígenas do Alto Rio Ne-
gro, e o desen-volvimento de estratégias de
reflorestamento em áreas degradadas,
utilizando-se o pau-de-balsa, que cresce um
metro por mês.
“Os institutos de pesquisa daregião não devem continuar
sendo, como foram por algumtempo, claustros que afastavam os
produtores da ciência do seuobjetivo, que é o homem e seu
padrão de vida”
T&C – Os pesquisadores têm
demonstrado compromisso social ao
escolher seus projetos?
MB – O cientista tem o direito de fazer
elucubrações, de tentar entender profun-
44
Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
damente qualquer assunto, o que faz parte da
própria ciência, mas posso afirmar que há
comprometimento social, sim, pois cada vez
mais passamos a nos preocupar com a questão
tecnológica, o que significa dizer que buscamos
resultados práticos. Os institutos de pesquisa
da região não devem continuar sendo, como
foram por algum tempo, claustros que afasta-
vam os produtores da ciência do seu objetivo,
que é o homem e seu padrão de vida. À medida
que a ciência sai dos seus claustros e ouve as
demandas da sociedade, ganha cada vez mais
valor e passa a ser mais respeitada. Neste
contexto, o Centro de Biotecnologia da Amazônia
(CBA) é um projeto que, na minha opinião, deve
ser redirecionado com a perspectiva de
integração entre a produção de conhecimento
e sua aplicabilidade e contemplando a interme-
diação de empresários interessados em
expandir o conhecimento acumulado a partir,
principalmente, da biodiversidade existente na
Amazônia. Se não nos assenhorearmos
dessas riquezas – principalmente agora, na era
dos estudos biotecnológicos das espécies -,
interagindo com instituições de todo o mundo
com as quais possamos fazer parcerias sem,
no entanto, perdermos a liderança destes
processos, e se não nos aprofundarmos nesta
direção, biopiratas de todo o planeta vão cada
vez mais entrar em nosso território e levar
exemplares de nossa biodiversidade.
Precisamos criar a “Calha Norte do Saber”, com
mais educação, ciência e tecnologia, pois
defendemos muito mais a nossa soberania com
autonomia tecnológica do que com qualquer
outro tipo de iniciativa. Precisamos, também,
ser mais agressivos em relação ao
patenteamento daquilo que produzimos. A
FUCAPI tem muito a ver com esse processo,
pois tem patrocinado possibilidades de evoluir,
premiando pesquisadores, inclusive os do INPA,
que têm participado regularmente do Prêmio
FUCAPI/CNPq de Tecnologia. Neste sentido,
vejo a iniciativa da FUCAPI com muita alegria,
pois está entrando em uma área em que estava
um pouco distante, as Ciências Humanas, o que
a fará cada vez mais representativa do pensa-
mento e da tecnologia regionais.
T&C – Qual a sua visão sobre a
biopirataria, considerando-se que grupos
empresariais estrangeiros estão utilizando
a biodiversidade da floresta Amazônica,
levando riquezas que poderiam gerar
benefícios sociais para as populações
locais?
MB – Posso dizer que a biopirataria
existe e está cada vez mais sofisticada. Uma
das minhas estratégias como presidente do
IBAMA será o de melhorar a fiscalização,
utilizando métodos mais modernos, com a
perspectiva de coibir cada vez mais o roubo de
nossas riquezas. Porém, por mais que se
aumentem o número de fiscais do IBAMA, será
sempre pouco. A minha estratégia no combate
à biopirataria será sensibilizar as comunidades
amazônicas para que haja uma participação
popular nesta luta. Só existe uma maneira
efetiva de combate, que é por meio do
crescimento do conhecimento existente nos
institutos de pesquisas regionais, pois somente
a fiscalização é insuficiente para controlar o
problema.
T&C – Qual o espaço que a Amazônia
ocupará no novo governo brasileiro?
MB – O tamanho dela: dois terços.
Estava assistindo à comemoração da vitória do
presidente Lula na Avenida Paulista e, num
discurso de improviso, ele citou sua preo-
45
Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
cupação com a Amazônia e sua biodiversidade.
Com esta atitude, creio que começou o
processo de olhar para a Amazônia. Fiquei
muito contente quando ele disse que a região é
uma prioridade. A ligação do presidente com a
Amazônia vem desde o início da década de 80,
com os movimentos pela proteção da floresta
liderados pelo sindicalista Chico Mendes. Por
causa desse envolvimento, Lula foi julgado em
Manaus. Não é sem razão que a ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, e eu, como
presidente do Ibama, somos oriundos da região,
numa demonstração inequívoca de que o
comprometimento do Governo Lula com a
Amazônia será cada vez maior. Nas campanhas
políticas realizadas na região e das quais
participei, Lula demonstrou sua preocupação
pessoal com a Amazônia, tanto do ponto de vista
social e econômico quanto estratégico, por ser
objeto da cobiça internacional. O presidente
sabe que somos, de todos os brasileiros, os
mais ricos e, paradoxalmente, os mais frágeis.
Cuidar do bem-estar da população amazônida
significa, para Lula, cumprir sua missão social
e tenho certeza que ele vai fazer isso com raça
e determinação.
46
Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
TECNOLOGIA E FLORESTA – UMEXEMPLO DE COOPERAÇÃO
Os totens lembram a silhueta de uma
palmeira de cerca de um metro de altura. Feitos
de piaçaba, tipo de fibra com que se fabrica
vassouras, são pintados com pigmentos
naturais e de frutos extraídos da floresta (crajiru,
mangarataia, goiaba-de-anta e ingá-xixica) e se
adequam como peça de decoração aos mais
sofisticados ambientes. Onde são produzidas,
no interior da Amazônia, a peças são conhe-
cidas como “piraíba de piaçaba”.
A fabricação desses produtos é o único
meio de vida de Fortunato Rabelo Castro,
artesão de descendência indígena que vive no
município de Barcelos, às margens do rio Ne-
gro, distante 505 quilômetros de Manaus.
Há um ano, ele, a mulher e o filho dedi-
cam-se a essa arte, que pode ser traduzida
como resultado de um movimento silencioso
que vem ocorrendo no meio da selva amazônica
desde 1999, gerando emprego, renda e melhor
qualidade de vida ao homem da região.
A experiência, inédita no País, está sendo
desenvolvida pela FUCAPI – Fundação Centro
de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica,
por meio do Projeto Design Tropical da Ama-
zônia. Com o projeto, a FUCAPI, instituição que
há 21 anos atua pelo desenvolvimento da região,
mostra que é possível agregar inovação
tecnológica ao conhecimento tradicional, dando
novas perspectivas de vida a índios e caboclos
amazonenses. Uma iniciativa que está levando
a nichos de mercado de alto poder aquisitivo ao
redor do mundo os artefatos produzidos pelo
homem amazônico, despertando talentos,
preservando o meio ambiente e integrando
47
Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
a gente da região aos produtores de tecnologia.
O ambicioso projeto pretende contribuir
para a preservação da floresta amazônica por
meio da arte indígena, com o apoio da Ciência e
Tecnologia, lançando para as sociedades de
consumo urbanas produtos de origem regional,
estimulando a fantasia que acompanha a grife
“Amazônia”.
Fortunato aprendeu o ofício com os
índios da etnia baniwa, mesmo antes de fazer
parte do projeto, seguindo um ritual que
preconiza semanas de caminhadas solitárias
pela floresta, consumindo uma quantidade
mínima de alimentação.
Ele já dominava algumas técnicas de
produção de artigos como peneiras, leques e
balaios de fibras de palmeiras típicas da região,
como arumã e piaçaba, mas passou a ter
contato com os mais modernos conceitos de
design. Cresceu como profissional, ganhou
conhecimentos e, principalmente, conta que seu
maior prêmio foi ter adquirido maior auto-estima
e dignidade. “Agora sempre ando com um
dinheirinho no bolso e posso ajudar as pessoas
que estão próximas a mim”, afirma.
A BUSCA PELA MATÉRIA-PRIMA
A aventura do coordenador da Marcenaria
da FUCAPI, Francisco das Chagas do Nasci-
mento, para extrair da floresta amazônica restos
de madeira nobre para a montagem de uma
peça – o busto de Jesus Cristo – para compor o
Projeto Design Tropical, começou no porto
flutuante de Manaus. Dali, ele e artesãos ligados
ao projeto seguiram de barco em direção ao
município de Maués, a 260 quilômetros de
Manaus.
Francisco precisava da espécie
conhecida como amarelinho. O barco seguiu
pelo rio Maués-Mirim até encontrar uma pequena
propriedade rural, a 36 quilômetros em linha reta
da sede municipal. O grupo juntou-se ao dono
das terras e se embrenhou na mata para buscar
a matéria-prima. Sem qualquer agressão ao
meio ambiente, localizaram dois troncos de
árvores já derrubados, como resultado de
pastos, roças ou mesmo deixados na floresta
pelos caboclos.
“O tronco precisa ter sido derrubado há
mais de cinco anos. A madeira tem que estar
envelhecida para que seja considerada apta
para a marcenaria, pois, mesmo depois de
abatida, sofre expansão e encolhimento, o que
dificulta sua utilização em trabalhos que exigem
perfeição nos detalhes, como a escultura e a
marchetaria”, explica Francisco.
Os troncos foram cortados em oito toras
de 2,5 metros, pesando, cada uma, cerca de
250 quilos. O esforço seguinte feito pelos quatro
homens foi transportá-las por uma trilha de cerca
de 800 metros na floresta até o barco ancorado
em um porto improvisado no rio Maués-Mirim.
A madeira retirada não teria nenhuma
utilização para os moradores locais e seu
destino seria apodrecer na floresta ou ser
queimada quando o local fosse aproveitado para
algum empreendimento agrícola.
TRANSITORIEDADE DA CULTURA
Manter as técnicas e os conhecimentos
tradicionais com que os indígenas e caboclos
desenvolvem o processo produtivo das peças
é um dos principais cuidados do Projeto Design
Tropical da Amazônia. A partir daí, são agregados
valores aos produtos, o que permite torná-los
competitivos em qualquer mercado, no Brasil
ou no exterior.
A tecnologia gerada nos centros de
48
Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
pesquisa da região vem sendo utilizada para
aperfeiçoar os produtos que os participantes do
Projeto já faziam tradicionalmente, tornando-os
perenes – de um modo geral, as culturas
indígena e cabocla não têm interesse em
produzir artigos duráveis.
Um bom exemplo da transformação do
uso e da qualidade destes produtos é o estojo
de palha de urucuri, usado tradicionalmente
pelos membros da etnia baniwa para guardar
pequenos objetos pessoais, como pulseiras e
colares. Foi necessário pesquisar a melhor
forma de tratar quimicamente o estojo de palha
para torná-lo durável sob o efeito da umidade e
do ataque de insetos e fungos.
Os estojos de palha de urucuri são
adaptados para embalar produtos de consumo
da sociedade ocidental, mantendo, no entanto,
a pureza e a magia que caracteriza o modo de
vida dos povos da Amazônia.
“É a transitoriedade, marca acentuada
da cultura indígena, que os faz extremamente
ricos e criativos e nosso desafio é justamente
transformar objetos desta cultura em produtos
duráveis, mas que mantenham a essência
amazônica”, revela o Diretor do Departamento
de Desenvolvimento Tecnológico da FUCAPI,
Evandro Vieiralves.
O Diretor destaca que o Projeto trabalha
no sentido de preservar as atividades tradi-
cionais de produção de artesanato, de modo
que o indígena e o caboclo mantenham suas
famílias satisfatoriamente, sem precisar
abandonar suas moradias nem migrar para as
cidades. Nesse sentido, a intenção não é formar
o artesão de maneira convencional, levando-o
a adquirir um novo conhecimento, mas
aproveitar e valorizar o conhecimento e as
habilidades já existentes para transformar sua
capacidade de trabalho em algo rentável, além
do que poderia conseguir, em termos
financeiros, em outras atividades.
Esta linha de ação, no entanto, não im-
pede que o artífice aprenda novos métodos de
acabamento em madeira, desenho técnico,
noções de design e qualidade do produto. “Não
se pode desprezar a vocação e a habilidade
manual dos povos da floresta. Valorizando este
conhecimento não há agressão ao modo de vida
tradicional que, ao longo dos séculos, mostrou-
se auto-sustentável”, analisa Evandro.
Para o Diretor, a qualidade de vida das
populações indígena e ribeirinha está intima-
mente associada à riqueza da biodiversidade
que os cerca, pois a influência da fauna e da
flora sobre o homem amazônico é direta,
tornando-o tão rico quanto a própria natureza
da região. A FUCAPI, com a implantação do
Projeto Design Tropical, disponibiliza, assim, a
oportunidade que o amazônida precisa para
expressar-se através da arte, agregando valor
à madeira e a outros insumos retirados
diretamente da floresta, de forma sustentável,
numa atividade heróica que começa a ter
resultados práticos. “O Projeto pretende
transformar, ao longo dos anos, os artífices em
designers, conduzindo-os a formar cooperativas
que possam torná-los independentes do ponto
de vista econômico e social”, explica Evandro
Vieiralves.
ARTE INDÍGENA E ARTE CABOCLA
A discussão em torno do tema “arte
amazônica” entre os profissionais integrados ao
Projeto Design Tropical recai imediatamente
sobre a origem indígena da maioria dos
habitantes da região, herdeiros de uma cultura
milenar material e simbólica riquíssima,
49
Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
representada em obras de valor inestimável
resgatadas ao longo dos séculos de conquista
da Amazônia por aventureiros e cientistas do
Velho Continente e que se encontram, atual-
mente, nos museus europeus e americanos. Ao
fazer a distinção entre a arte indígena
consolidada através dos séculos e a arte cabocla
amazônica, o arquiteto e designer Luís Galvão,
coordenador do Projeto Design Tropical, afirma
tratar-se, esta última, de uma falácia. “O que
existe é uma arte popular cabocla, caracterizada
principalmente pelo Festival Folclórico de
Parintins pois, quando nos referimos à arte
amazônica, estamos falando essencialmente
em arte indígena, produzida com as
características próprias de cada etnia”, avalia.
As populações indígenas há muito
produzem peças em cerâmica, madeira, couro,
fibras vegetais e plumas que, indiscutivelmente,
são arte em qualquer lugar do mundo. Para Luís
Galvão, não se pode falar de uma arte cabocla
quando o homem da região ainda está em
processo de construção da sua identidade cul-
tural, sendo recente demais sua existência
como sociedade, para que seus membros
possam expressar-se através da arte.
Luís Galvão considera que o caboclo,
entendido como um índio destribalizado que
perdeu sua cultura original e começa a absorver
a cultura ocidental, não pode ser um indivíduo
sólido interiormente, pois está fragilizado diante
do mundo que o cerca e que não compreende
em sua totalidade. “Jamais a arte vai ser feita
por indivíduos frágeis culturalmente, pois não
existe, em nenhum momento da história, casos
que possam provar o contrário. Por ser uma
cultura em formação, podemos até encontrar
na população cabocla um ótimo artesão, mas
nunca um grande artista”, ressalva.
Para a designer Karla Mazarello, da
FUCAPI, conceituar a arte amazônica é uma
tarefa subjetiva, mas que recai necessariamente
sobre as atividades do elemento indígena, pois,
segundo sua visão, o índio já nasce com o dom
de perceber todas as manifestações da
natureza e, a partir daí, tirar inspiração para a
sua produção material. Para reforçar sua tese,
Karla afirma que o grafismo corporal, consi-
derado como uma autêntica manifestação
artística e que é usado por diversas etnias da
Amazônia, é uma das maneiras mais originais
do ser humano para expressar suas emoções,
através da utilização de formas estilizadas dos
elementos naturais.
Ela conta que, por exemplo, se o índio
está triste, expressa esse sentimento através
da pintura estilizada de uma tartaruga, sendo a
mensagem compreendida pelos demais
membros da aldeia. “Considero que todas as
pessoas, não importando suas origens étnicas
e culturais, são criativas. O que precisamos é
construir, tendo como base de inspiração a arte
indígena, nossa própria identidade amazônica,
não deixando de lado, porém, tudo o que há de
melhor em nossa região, independentemente de
sua origem”, analisa.
Karla acredita que a arte que vem sendo
feita no Amazonas tem uma característica toda
própria, fruto da junção da matriz indígena e do
modo de vida que os caboclos desenvolveram
ao longo dos últimos séculos para suprir as
necessidades básicas cotidianas. “O índio não
necessita freqüentar uma sala de aula para
aprender os conceitos básicos do design de
forma, equilíbrio, ritmo, harmonia, contraste, cor
e textura, pois passa toda a sua vida envolvido
em práticas que privilegiam este tipo de
aprendizado”, analisa.
50
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
PRODUÇÃO DO HOMEM AMAZÔNICO
O Projeto Design Tropical da Amazônia
envolve um contingente de pelo menos 75
famílias de índios e igual número de caboclos,
somando-se a um total de aproximadamente
600 pessoas que vivem nos municípios
amazonenses de Iranduba, Novo Airão,
Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel
da Cachoeira, Santo Antônio do Içá, Tabatinga,
Maués, Presidente Figueiredo e Manaus.
Durante os três anos de implantação do
Projeto, completados em novembro de 2002, 12
núcleos produziram 34 itens de marchetaria,
movelaria e tapeçaria que vão desde mesas-
de-jantar, no valor de R$ 10 mil, até tábuas para
frios, de R$ 70, passando por biombos, cadeiras,
castiçais, fruteiras, luminárias, porta-copos e
vasos, entre outros. Os artesãos e designers
também criaram jóias exclusivas, como colares,
pulseiras e anéis, feitos com sementes e fibras
regionais, combinadas com ouro e prata.
De novembro de 1999 a dezembro de
2001, a produção das peças, confeccionadas
exclusivamente de forma artesanal pelos
artesãos, foi sendo acumulada. Durante este
período, praticamente não houve vendas ao
público. Para manter a exclusividade na
produção, foi disponibilizado um fundo para a
compra das peças produzidas. Um estoque de
peças foi montado para satisfazer a demanda
quando começassem as vendas, o que
aconteceu a partir de 11 de dezembro de 2001,
em exposição realizada na embaixada da
França, em Brasília.
MADEIRA E ECOLOGIA COMOMATÉRIA-PRIMA
Ao mesmo tempo em que busca a
valorização das culturas indígena e cabocla em
formação, o Projeto Design Tropical estimula o
estudo científico de um grupo de 42 espécies
de madeiras usadas como a principal matéria-
prima, proporcionando uma aproximação entre
a FUCAPI e instituições como o Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA). Com a iniciativa, passou-
se a conhecer melhor as propriedades físicas
das madeiras, permitindo um aproveitamento
mais adequado para cada tipo pesquisado. O
projeto também recebe o apoio do Banco da
Amazônia (BASA) e das embaixadas da Itália e
da Alemanha no Brasil.
As 150 famílias indígenas e caboclas que
trabalham no Projeto usam madeiras totalmente
desconhecidas do mercado consumidor urbano,
como muirapiranga, pau-rainha, tucumã,
piquiarana, tauari, marupá, preciosa e coração-
de-negro, evitando, assim, a pressão sobre as
espécies nobres. As indústrias madeireira e
moveleira da região trabalham com pouquís-
simas variedades, dando preferência ao mogno,
angelim e cerejeira, todas com alto valor
econômico e ameaçadas de extinção. Ao evitar
o uso das madeiras comerciais, os artesãos
podem mostrar toda a beleza da biodiversidade
amazônica, o que faz do viés ecológico a marca
registrada do projeto.
51
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
A TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO NO PROCESSOORGANIZACIONAL
Gilbert Breves Martins1
Rhandsaissem Tavares Leal2
Fabíola Nazaré Borges3
Valdir Sampaio da Silva4
INTRODUÇÃO
Atualmente vivemos em um mercado
altamente globalizado, caracterizado por
constantes transformações, e inundado
regularmente por novos produtos, serviços e
descobertas. Isto tem feito com que as
organizações se preocupem cada vez mais em
identificar a melhor forma de empregar seus
recursos de forma a obter um diferencial
competitivo para a manutenção de clientes e
conquista de novos nichos de mercado. Na
chamada “Era da informação”, a base da
riqueza das organizações não provém mais do
ativo contábil ou da massificação da produção,
mas sim do capital intelectual, do uso
sistemático do conhecimento de mercados,
domínios de processos e tecnologias e
relacionamento com organizações, como
geradores de vantagens competitivas
Neste contexto, a Tecnologia da Infor-
mação (TI), que durante muito tempo foi
considerada apenas um item de suporte aos
processos internos, uma fonte de despesas,
sem influência direta nos objetivos e metas das
organizações, deve ser repensada sob a
perspectiva de BOAR (2002): a de ser um fator
crítico para a obtenção, combinação e susten-
tabilidade de vantagens competitivas, resultando
em crescimento dos lucros e redução de cus-
tos operacionais.
52
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
Estágio da Euforia Tecnológica –
após a introdução do computador, em pontos
isolados da organização, esta percebe os
ganhos potenciais da informatização em seus
demais processos. Neste momento, cons-
cientes do grande volume de trabalho que será
requerido, as organizações optam pela criação
de um Centro de Processamento de Dados (o
famoso CPD), que concentra os profissionais
dedicados a esta atividade.
Estágio do Caos - Certos de que a
simples utilização das novas técnicas e
ferramentas de TI resolvem todos os pro-
blemas, as organizações se deparam com
resultados abaixo do esperado, além de
elevados custos associados aos profissionais
e infra-estrutura alocados no CPD. Tem-se a
impressão de que os profissionais do CPD não
são capazes de entender as reais necessidades
da organização. Começam a surgir conflitos de
relacionamento entre o CPD e as outras
unidades. Com a intenção de resolver estes
problemas e ter um controle mais direto do
processo de informatização, as unidades da
organização partem para o uso de soluções
próprias, independentes do CPD. Em muitos
casos, após um processo de análise crítica,
descobre-se que a real causa dos baixos
resultados é a falta de um planejamento
adequado para a introdução das técnicas e
ferramentas de TI.
Estágio da Retomada do Controle –
Retomada do controle ocorre quando se põe
ordem na casa para evitar maiores prejuízos
pela falta de uso da tecnologia já adquirida e
por gastos adicionais com a proliferação de
soluções isoladas. O CPD, com respaldo da
bases de dados destes sistemas apresentam
normalmente um conjunto de informações
Para se adaptarem a esta visão, os
profissionais que trabalham com TI devem estar
aptos a responder à seguinte pergunta: “Em que
nível de maturidade se encontra a TI em minha
organização?”. A clara consciência deste estado
de amadurecimento é de vital importância para
a elaboração de estratégias, a fim de adequar a
TI da organização ao novo cenário mundial.
PROCESSO DE MATURIDADE DA TI
NAS ORGANIZAÇÕES
Sob uma abordagem histórica REZENDE
(2001) e FOINA (2001) propõem classificações
quanto o nível de utilização da TI nas organizações.
Os Níveis de maturidade propostos dão uma
base teórica para identificar o estágio em que se
encontra a utilização e integração da TI dentro
dos processos organizacionais.
Estágio Pré-informático –
Característico de uma organização de pequeno
porte, devido ao baixo volume de dados
necessários à sua gestão. Este estágio
necessita de poucos ou nenhum recurso de TI,
uma vez que o fluxo de informações é
totalmente informal. A sobrevivência competitiva
advém do esforço pessoal dos envolvidos e, de
forma paradoxal, da agilidade proporcionada
pela falta de fluxos de informações formais.
Estágio de Introdução da
informática – O elemento de TI mais marcante
neste estágio – o computador, é introduzido
como resposta às necessidades de se
processar de forma rápida e eficiente um vol-
ume cada vez maior de informações presentes
em determinados processos organizacionais.
Nesta etapa, as primeiras aplicações
desenvolvidas são tipicamente utilizadas para
controle básico, como folha de pagamento,
contabilidade e estoque.
53
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
redundantes. Inicia-se então um processo de
integração das diversas bases de dados
existentes, como uma tentativa de se garantir
que as bases de dados possuam informações
compatíveis entre si. Como resultado deste
processo de integração, novas informações que
sintetizem as principais características da
empresa podem ser geradas, fornecendo uma
visão no nível adequado para auxiliar à tomada
de decisões estratégicas. A partir deste ponto,
a empresa passa a perceber que sua estrutura
de TI pode realmente funcionar como um
diferencial competitivo.
Estágio da Gestão da Informação – É
consolidado o processo de eliminação de
redundâncias de ferramentas e estabelecida a
unificação das bases de dados. Através desta
unificação, quaisquer modificações que os
dados sofrerem, seja pela alteração ou mesmo
a inserção de novos valores, estará
imediatamente disponível para qualquer setor
da empresa, aumentando ainda mais a
capacidade de adaptação da empresa como um
todo. Neste cenário, é de fundamental
importância a existência de uma figura chamada
de Gestor de Informações, que é o responsável
pela manutenção da integridade de todas as
informações que constituem a base de dados
unificada.
Estágio da Maturidade da TI – Todos
os setores da empresa são atendidos por
aplicações que fazem uso de uma base de
dados unificada sob uma infra-estrutura sólida
de TI de alta disponibilidade. A organização tem
políticas formais para segurança da informa-
ção, padronização de ferramentas de TI e pla-
nos estratégicos para TI. A Unidade de
Tecnologia da Informação passa a existir
virtualmente, mas suas ações são distribuídas
em toda a empresa, atuando de forma com-
petente e como um instrumento indispensável
nos processos de tomada de decisões
estratégicas e operacionais.
TI COMO UMA FERRAMENTA DO DIA A
DIA
A TI pode ser def in ida como a
“Preparação, coleta, transmissão, recepção,
recuperação, armazenamento, acesso,
apresentação e transformação de informações
em todas as suas formas (texto, gráficos, voz,
vídeo e imagem) para suprir os processos de
negócios das organizações”.
Empresas que tomam decisões envo-
lvendo TI como se fossem despesas, tendem
a concentrar-se no custo e não nas
necessidades e benefícios pretendidos. Estas
empresas não enxergam o potencial estratégico
da utilização da TI e avaliam apenas os ganhos
operacionais que a tecnologia é capaz de
oferecer.
Identifica-se uma empresa que trata TI
como despesa quando:
• gerente de TI tem dificuldade deacesso aos processos de decisão daempresa;
• Os projetos são sempre discutidos
com base nos custos envolvidos e
as decisões de financiamento
estendem-se por longo tempo;
• orçamento de TI está sempre sujeito
a cortes e paralisações; a TI é tratada
como recurso operacional e não
como ativo estratégico.
Empresas que tomam decisões
envolvendo TI como se fossem investimentos
procuram utilizar a tecnologia para implementar
54
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
processos que vinculem as atividades de TI aos
objetivos e metas estratégicas da empresa. A
alta administração e o CIO (Diretor de
Informações) se relacionam de modo que o
setor de TI esteja integrado à missão e visão
estratégicas da empresa, e assim possa auxiliar
no estabelecimento de estratégias da
administração. Entretanto, nem todos os gastos
com TI devem ser tratados como investimentos.
Existem gastos contínuos de manutenção da
infra-estrutura e reposição de itens de consumo.
Para BIO (1985), grande parte das
empresas não utiliza o planejamento de
informática. Apesar de ser possível atender à
necessidade, pode levar a conseqüências
como:
• Mudanças constantes de priori-
dades. Projetos são iniciados e
descontinuados, substituídos, diante
das emergências ou do ponto de vis-
ta isolado de um gerente;
• Sub ou superdimensionamento dos
recursos de informática, provocando
custosas conversões ou ociosidade
do equipamento;
• Dimensionamento inadequado dos
recursos humanos na área de
sistemas;
• Implantações mal sucedidas tra-
zendo mais problemas, em vez de
chegar às soluções pretendidas
originalmente;
• Desgaste e desmotivação dos
profissionais da área, levando a um
exagerado “turnover” da equipe;
• Impossibilidade de avaliar benefícios
e controlar o desenvolvimento dos
sistemas.
TI COMO UM FATOR ESTRATÉGICO
Mesmo com os recursos tecnológicos
atualmente disponíveis, capazes de elevar
consideravelmente os níveis de eficiência e
confiabilidade dos processos, fornecer a
informação certa, na hora certa, às pessoas
certas não tem sido uma tarefa fácil. Segundo
Peter Drucker (apud, GATES 1999), “A
tecnologia da informação tem sido até agora
uma produtora de dados, em vez de informação,
e muito menos uma produtora de novas e
diferentes questões e estratégias. Os altos
executivos não têm usado a nova tecnologia
porque ela não tem oferecido as informações
que eles precisam para suas próprias tarefas.”
Os desafios enfrentados pela TI nos
anos 80 e 90 foram parcialmente superados. A
convergência das tecnologias de computadores
e telecomunicações tornou possível a
concepção de Sistemas de Informação funda-
mentados em metodologias de gestão capazes
de mudar o cenário descrito por Drucker. No
final do século XX, a disseminação de Sistemas
ERP (Enterprise Ressource Pla-ning), CIM
(Computer Manufacturig Management, MES
(Manufacturing Execution Systems), SDCD
(Sistemas Digitais de Controle Distribuído), DM
(Document Management ), Workflow etc., é uma
realidade de fato. Conceitos de teóricos da
gestão tais como: Edwards Deming, Tom Pe-
ters, Michael Hammer, Peter Senge, Michel
Porter, Masaaki Imai, Kaouuru Ishikawa, Eliyahu
Goldratt, Jim Collins, Gary Hamel e Prahalad
bombardearam de idéias, as cabeças de
empresários e executivos ávidos por sucesso
diante de questões cada vez mais complexas.
Como conseqüência da necessidade de ser
competitiva e enfrentar os desafios impostos por
um mercado globalizado, as mudanças nas
55
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
estruturas organizacionais passaram a ser
constantes, à luz dos pensamentos dos gurus
e seus discípulos.
Neste contexto, os desafios atuais da TI
são guiados por três fatores: enormes volumes
de informações da “Era das Redes”, transfor-
mações contínuas do local de trabalho e
necessidades de codificação do conhecimento.
O primeiro fator é intrínseco a TI, sob um ponto
de vista de suporte às necessidades de infra-
estrutura básica das organizações. Já os
demais fatores definem a dinâmica que a TI
deve incorporar para absorver necessidades de
flexibilidade de processos e integrar apren-
dizagem, conhecimento e competências em
ambientes colaborativo sem fronteiras
geográficas.
Assim, muitas empresas têm repensado
a TI como um valioso recurso estratégico no
auxílio ao melhor aproveitamento de seus
recursos e na conquista de vantagens
competitivas, e não somente como um centro
de custo. STAIR (1998) afirma que “empresas
que permanecem competitivas são aquelas que
reconhecem o valor das informações e
estruturam suas atividades e sistemas de
informação de forma a maximizar esses
recursos”.
Segundo DAVENPORT (2000), as
empresas têm alguns bons motivos para
pensar estrategicamente sobre a informação.
Estes motivos são:
Os ambientes informacionais nas
empresas são desastrosos;
Os recursos informacionais sempre
podem ser mais bem alocados;
As estratégias da informação ajudam as
empresas a se adaptar às mudanças;
As estratégias informacionais tornam a
informação mais significativa.
Para GRAEML (2000) é difícil estimar
qual o aumento de participação de mercado que
novos investimentos de TI podem trazer. Mas é
possível prever se um sistema vai melhorar a
capacidade da empresa perceber, de forma
mais ágil, o que seus clientes querem, aumentar
a confiabilidade dos produtos e reduzir custos,
por exemplo. Sendo assim, a empresa
melhorará sua posição no mercado ou, pelo
menos, neutralizará o avanço da concorrência.
O autor afirma que empresas que transformam
a tecnologia em diferencial competitivo sus-
tentável tornam-se bem sucedidas, enquanto
outras que não tiverem o mesmo zelo ou
competência na escolha dos investimentos
mais adequados, alinhados às estratégias e
cultura da empresa fracassarão. No entanto, a
competência gerencial continua a ser a chave
para o sucesso dos investimentos em TI. A
tecnologia pode atuar apenas como catalisadora
dos bons ou maus esforços de gestão.
METODOLOGIA PARA ELABORAÇÃO
DE UM PLANO ESTRATÉGICO DE TI
Uma vez identificado o atual estágio dos
processos de informação de uma organização,
a elaboração de um planejamento para
mudança de estágio deve ser pensada de for-
ma cuidadosa. Contudo, independente do porte,
ou da área de atuação, um plano estratégico de
TI deve ser capaz de responder às seguintes
perguntas:
• O que existe hoje em minha organiza-
ção?
• Quem usa o que e com que finalidade?
• Atende às nossas necessidades?
56
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
• Qual a visão da organização para o fu-
turo?
Tendo em mente estas perguntas, um
planejamento estratégico pode ser estruturado
da forma a seguir, caracterizado por contribuir
para um maior grau de efetividade nas fases de
execução. Segundo REZENDE (2001), os
seguintes estágios de planejamento poderiam
ser utilizados:
Organização do projeto – Etapa fun-
damental, refere-se à definição das atividades
chaves a serem executadas, seus objetivos e
metas, as equipes de trabalho, bem como os
prazos para conclusão de cada atividade. A
participação de profissionais com um bom
conhecimento da organização, e dos conceitos
de Tecnologia da Informação, é de grande auxílio
para se obter a estruturação mais eficaz.
Capacitação da equipe de trabalho –
Nesta etapa do processo é feita a familiarização
das equipes envolvidas no planejamento e
execução das atividades do projeto com as
ferramentas que serão utilizadas na sua
execução. Como planejamento futuro, esta
ação deveria se tornar um processo contínuo
em toda a organização, não sendo apenas uma
atividade associada a um ou outro projeto
específico.
Identificar objetivos e as informações
organizacionais – Este é um processo muito
delicado e vital, pois visa a identificação clara e
objetiva das principais atividades desenvolvidas
pela organização. É fundamental a modelagem
dos processos de negócios, identificando
subprocessos, responsabilidades,
regras, como os setores interagem e colaboram
entre si para a execução de atividades, e todas
as informações envolvidas no processo. Neste
momento deve-se identificar as reais neces-
sidades de informação, para que poste-
riormente sejam avaliadas as eventuais
deficiências na geração e processamento das
mesmas.
Identificar e avaliar os Sistemas de
Informação – O atual sistema de TI implantado
na organização deve ser avaliado com relação
às possíveis necessidades de melhorias de
hardware, software, infra-estrutura de rede,
processos de negócios e capacitação de
recursos humanos. Devem ser identificadas
adaptações ou mesmo reformulações dos
sistemas de TI atualmente implantados bem
como a avaliação de potenciais sistemas
disponíveis no mercado.
Planejar e propor Sistemas de
Informação – Com base nas deficiências
identificadas na fase anterior, são propostas
alternativas detalhadas para melhoria dos
sistemas de informação já em uso, incluindo o
planejamento para implantação de novos
sistemas com desenvolvimento próprio ou a
aquisição de software de terceiros. Também
devem ser propostas formas de otimização dos
processos de negócios, definição de exigências
de alta disponibilidade e a integração das
diversas bases de dados disponíveis
(DATAWAREHOUSE).
Planejar infra-estrutura paralela –
Com base nos resultados obtidos na etapa an-
terior, nesta etapa deve ser definido o
planejamento necessário para revisão,
manutenção e/ou implantação de elementos
redundantes, assim como estruturas de back-
up, necessárias para dar suporte às exigências
de alta disponibilidade, identificadas.
Planejar recursos humanos – Como
um dos resultados do trabalho executado na
etapa anterior, serão definidos processos de
56
A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
ajuste dentro dos quadros da organização, tan-
to para suprir deficiências como para definir o
melhor aproveitamento das potencialidades de
seus colaboradores.
Organizar a Unidade de Tecnologia
da Informação – Como forma de garantir a
continuidade da gestão da Tecnologia da
Informação, a organização deve pensar no
estabelecimento de uma unidade exclu-
sivamente dedicada a Tecnologia da Informação,
abrigando profissionais com o perfil adequado
e com claras atribuições e responsabilidades.
Estabelecer prioridades – Nesta etapa
é definida a ordem em que serão implantados
os sistemas, programas, normas, políticas,
entre outros, definidos durante as diversas fases
de planejamento. Esta é uma atividade que deve
ser revista periodicamente, tanto para controle
dos prazos como para avaliação ou redefinição
de prioridades.
Analisar impactos – Antes da efetiva
implantação das atividades planejadas, um
processo de análise crítica dos efeitos
decorrentes da execução destas ações deverá
ser realizado. Isto ajudará a determinar a
viabilidade de execução dos projetos, definição
de prioridades e estabelecimento de estratégias
que orientarão a definição de ajustes
necessários.
Elaborar plano econômico-financeiro
– Todos os planejamentos que necessitem de
investimentos financeiros devem sofrer
avaliação de disponibilidade de recursos para a
sua viabilização. Este processo ajudará a definir
a ordem de execução das atividades. Como
objetivo futuro, este processo deverá evoluir
para a definição de um orçamento anual para
investimentos na área de TI.
Elaborar planos de ação – Uma vez
definidas prioridades e orçamentos, a equipe de
execução deverá elaborar os respectivos planos
de ação operacionais.
Gerir, documentar e aprovar o
projeto – Implementação de fato dos planos de
ação operacionais.
CONCLUSÃO
Da pré-informática ao conhecimento
estratégico, a integração da Tecnologia da
Informação ao processo organizacional é um
fator crítico para a execução das estratégias de
uma organização. O gerenciamento das infor-
mações proporciona um melhor cenário para a
concepção de idéias inovadoras e suporte à
tomada de decisões, facilitando a seleção,
distribuição, operação, manutenção e evolução
dos bens da organização de forma coerente com
suas metas e seus objetivos.
Em muitos casos, as organizações
possuem dentro de si o material humano e
tecnológico necessário para ajustar-se ao novo
cenário da “Era do Conhecimento”, faltando
apenas o estabelecimento de uma política sólida
para a gestão da TI.
Para que a TI seja um elemento
diferencial competitivo para a organização, a
mesma deve ser encarada como um
investimento, e não como um “centro de custo”.
REFERÊNCIASBOAR, Bernard H., Tecnologia da informação:A arte do planejamento estratégico, BerkeyBrasil, 2002.
REZENDE, Denis A, Tecnologia da informaçãoaplicada a sistemas de informação empresariais,Atlas, 2001.
FOINA, Paulo R., Tecnologia de informação:Planejamento e Gestão, Atlas, 2001.
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A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
DAVENPORT, Thomas H. Ecologia dainformação: por que só a tecnologia não bastapara o sucesso na era da informação. São Paulo:Futura, 1998.
GATES, Bill. A empresa na velocidade dopensamento: com um sistema nervoso digital. SãoPaulo: Companhia das letras, 1999.
GRAEML, Alexandre. R. Sistemas de informação:o alinhamento da estratégia de TI com aestratégia corporativa. São Paulo: Atlas, 2000.136 p. ISBN 85-224-2467-5.
STAIR, Ralph. M. Princípios de sistemas deinformação: uma abordagem gerencial. 2.ed.,Rio de Janeiro: LTC - Livros Técnicos e Científicos,1998. 452 p. ISBN 85-216-1132-3.
BIO, Sérgio R. Sistemas de informação - umenfoque gerencial. São Paulo: Atlas, 1985. 184 p.ISBN 85-224-0009-1.
1Gilbert Breves Martins é Analista de
Sistemas – Mestre em Ciência da Computação
(UFMG) – Núcleo de Tecnologia da Informação
(FUCAPI) e Coordenador dos cursos de Análise
de Sistemas e Ciência da Computação do
CESF – Instituto de Ensino Superior Fucapi
2 Rhandsaissem Tavares Leal é Engenheiro
Eletricista – Mestrando em Telecomunicações
(UFRJ/ UFAM) – Núcleo de Tecnologia da
Informação (FUCAPI) e Professor no curso de
Engenharia de comunicações do CESF
3 Fabíola Nazaré Borges é Bacharel em
Economia – Especialista em desenvolvimento
de sistemas (UFAM) – Núcleo de Tecnologia da
Informação (FUCAPI)
4 Valdir Sampaio da Silva é Engenheiro
Eletricista – Mestre em Sistemas de controle
(UFRJ) – Coordenador de Projetos - Núcleo de
Tecnologia da Informação (FUCAPI) e Profes-
sor do Departamento de Eletricidade da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
59
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
O PAPEL DA FUCAPI NADISSEMINAÇÃO DO SISTEMADE PROPRIEDADEINTELECTUAL NA REGIÃO
Francisca Dantas Lima1
Sônia Iracy Lima Tapajós 2
INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho é tornar públi-
ca a experiência da FUCAPI – Fundação Centro
de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica na
disseminação da cultura da propriedade inte-
lectual na região, ampliando seu papel na
promoção e disponibilização de novas tecno-
logias para a sociedade, levando em con-
sideração a importância das criações inte-
lectuais para o desenvolvimento econômico re-
gional e nacional.
Como um centro de pesquisa e ensino,
a FUCAPI possui uma importância singular para
a região, com seu corpo docente altamente
qualificado na produção da inovação tecno-
lógica. Dentre o seu patrimônio o de maior valor
é a capacidade intelectual do corpo docente e
técnico, cujo potencial é o insumo na geração
do conhecimento.
A Propriedade Intelectual é definida como
criação decorrente do exercício da mente
humana, que pode ser expressa em forma de
produtos, processos e idéias materializadas e
que pode ser objeto de propriedade.
Por volta de 1986, foi criado na FUCAPI
um setor responsável pelas atividades ligadas
à informação tecnológica, incluídas aí as marcas
e as patentes. A Seção Centro de Informação –
SECIN, como foi denominada, tinha por objetivo
o fornecimento de informações de cunho
tecnológico, tanto ao público interno (diretores,
60
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
gerentes e técnicos) quanto ao público externo
(empresas e instituições locais). Em 1988, fo-
ram iniciados os primeiros contatos com o
Instituto Nacional da Propriedade Industrial –
INPI, órgão responsável pela propriedade indus-
trial no Brasil, mas, somente no ano seguinte a
FUCAPI efetivamente depositou seus primeiros
três pedidos de patente, dos quais, um já possui
a carta-patente.
AÇÕES LEGAIS PARA A PROTEÇÃO DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL/
INDUSTRIAL NO BRASIL
A questão relativa a propriedade intele-
ctual e mais especificamente a propriedade
iindustrial não é nova no Brasil, pois, já em 28
de fevereiro de 1809, o Príncipe Regente,
através de um Alvará, concedeu a todos os
“introdutores de alguma nova máquina e
invenção nas artes, um privilégio temporário,
desde que apresentasse o plano de seu invento
à real Junta do Comércio”. Com este ato foi
dado o primeiro passo em nosso país rumo à
proteção dos privilégios de invenção, ainda que
de forma primária e sem indicar requisitos
necessários à proteção desejada.
Com a medida, o Brasil se tornou o
quinto país no mundo a possuir alguma
regulamentação específica para proteção dos
direitos advindos da criação intelectual, ficando
atrás somente de Veneza, com sua Lei de 1474;
Inglaterra, com o Estatuto dos Monopólios, de
1623; a Lei Americana que data de 1790 e a
Francesa, de 1791.
As duas primeiras leis específicas do
Brasil sobre o assunto somente foram estabe-
lecidas pelo então Imperador D. Pedro I, em
1830 e 1882, respectivamente.
Daí em diante, outras ações foram
tomadas pelo Governo Federal a fim de proteger
os direitos da propriedade intelectual no Brasil.
Para tanto, em 1970, foi criado o Instituto
Nacional da Propriedade Industrial – INPI e no
ano seguinte, o Código da Propriedade Indus-
trial – CPI, antiga lei que regulava os direitos da
Propriedade Industrial.
Com a globalização e atendendo a
pressões internacionais, o Governo brasileiro
editou a Lei nº 9.279/97 (Lei da Propriedade
Industrial), ainda em vigor, que regula os direitos
e obrigações relativos à Propriedade Industrial,
visando a concessão de patentes de invenção
e modelo de utilidade; de registro de desenho
industrial e de marca; de repressão às falsas
indicações geográficas; e de repressão a con-
corrência desleal. Como principais novidades,
a nova lei inclui a proteção para as substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meios ou
processos químicos e as substâncias, matérias,
misturas ou produtos alimentícios, químico-
farmacêuticos e medicamentos de qualquer
espécie, bem como os respectivos processos
de obtenção ou modificação. (SOARES, 1997).
A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUAIMPORTÂNCIA NO MUNDO
GLOBALIZADO
Segundo palavras do empresário e
senador Fernando Bezerra, o novo cenário
internacional tornou a competitividade elemento
inquestionável de sobrevivência das empresas.
A mudança de comportamento mundial vem
exigindo a adoção de ações que auxiliem no
acompanhamento da evolução acelerada por
que vêm passando os países. Nesse contexto,
a Propriedade Industrial representa o instru-
mento estratégico competitivo, atuando de forma
decisiva junto à comunidade industrial e
61
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
científica.
Analisando tal afirmação, entendemos
que a propriedade industrial constitui-se em uma
das estratégias básicas para impulsionar o cres-
cimento e o desenvolvimento das empresas.
O empresário brasileiro, principalmente
o micro e pequeno, possui pouco ou quase
nenhum conhecimento sobre propriedade in-
dustrial, motivo pelo qual se perdem inúmeras
oportunidades de negócios. Quem possui esse
conhecimento fica mais atento no monito-
ramento do mercado, observando os produtos
inovadores e que podem melhorar sua
competitividade. Por esta ótica, a propriedade
industrial pode tornar-se um meio capaz de
atribuir títulos de propriedade sobre marcas e
patentes, impedindo que os concorrentes os
utilizem de maneira indevida. Quando esses
processos são bem planejados e administrados,
geram valor e negócios adicionais para a
empresa.
A proteção legal adquirida pela empresa
constitui-se, antes de mais nada, em um bem
econômico, em forma de títulos, que podem ser
negociados, licenciados, vendidos ou cedidos
como ativos da empresa e ainda melhora a
qualidade dos produtos e serviços, contribuindo
para a modernização do parque tecnológico
brasileiro.
A CONTRIBUIÇÃO DA FUCAPI NADISSEMINAÇÃO DA CULTURA DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL
NA REGIÃO
Por volta de 1988, quando o tema Propri-
edade Intelectual ainda era pouco difundido en-
tre a comunidade técnico-científica e
empresarial local, a FUCAPI, através de seu
Centro de Informação, fez os primeiros contatos
com o Instituto Nacional da Propriedade Indus-
trial – INPI a fim de dar entrada em alguns
pedidos de registro de patentes de sua
propriedade.
No ano seguinte, técnicos da FUCAPI
fizeram uma visita à sede do INPI, no Rio de
Janeiro, onde foram mantidos contatos visando
o acesso ao Programa de Fornecimento
Automático de Cópias de Documentos de
Patente – PROFINT, desenvolvido pelo INPI.
Através da assinatura desse convênio, o Centro
de Informação da FUCAPI passou a receber
cópias das folhas de rosto das patentes nas
áreas de eletrônica e eletricidade, culminando
com a criação de um Mini-Banco de Patentes,
que foi disponibilizado também para consulta
da comunidade empresarial.
O objetivo da FUCAPI em montar o mini-
banco era despertar o interesse do empresa-
riado local para a importância significativa da
consulta de documentos de patentes para o
acesso ao conhecimento tecnológico, já que
menos de 30% dessas informações são
divulgadas por outros meios.
Em 1989, foram depositados, na sede
do INPI, no Rio de Janeiro, três processos com
pedidos de patente de titularidade da FUCAPI,
referente a projetos desenvolvidos por técnicos
do então Departamento Técnico – DETEC, hoje
denominado Departamento de Desenvolvimento
Tecnológico.
Aproveitando a experiência adquirida e
objetivando despertar na comunidade técnico-
científica local a importância já então visível da
proteção das criações intelectuais para o
crescimento econômico e tecnológico, no final
de 1991 a FUCAPI deu início à prestação de
serviços nessa área, também ao público
externo. Inicialmente, a assessoria limitava-se
62
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
para assessoria em propriedade
intelectual;
• Realização de busca on line em banco
de dados de patentes;
• Assessoria na busca de anterioridade de
marcas e pedido de registro de marca
no exterior.
O quadro a seguir, mostra o número de
processos de registro de marcas e patentes
depositados pela FUCAPI, para terceiros, no
período de 8 anos, onde pode ser observado
um aumento significativo no número de
depósitos de pedidos.
Quadro 1 – Pedido de Registro deMarcas e Patentes depositados pelaFUCAPI, para terceiros.Fonte: Relatórios de Atividades daFUCAPI.
CONCLUSÕES
A análise dos quase doze anos de
atuação da FUCAPI na prestação de serviços
na área de Informação Tecnológica e
Propriedade Intelectual, aponta para a constante
preocupação com o seu compromisso de
contribuir com o desenvolvimento da Região,
principalmente no que se refere à ciência e
tecnologia.
O crescimento do número de pedidos de
registro de marcas e patentes observado nos
últimos anos no Estado nos fornece indicadores
somente ao preenchimento de formulários e
protocolo do pedido junto à representação do
INPI no Estado. Nessa época, o maior volume
de serviço era representado pelos pedidos de
registro de marca, que até então eram acom-
panhados pelos próprios clientes, já que a
FUCAPI ainda não oferecia o serviço de
acompanhamento desses processos. Logo
depois vieram os primeiros processos de
pedidos de patente de terceiros.
Atualmente, a FUCAPI oferece vários
serviços na área de propriedade intelectual,
incluindo registro de direitos autorais, tais como,
músicas, artes plásticas, fotografias, literatura,
poesias e, principalmente, softwares, além do
registro e acompanhamento de processos de
marcas, patentes, desenhos industriais, trans-
ferências de tecnologia e indicação geográfica.
Possui uma equipe de profissionais com ampla
experiência na área, capacitada através de
treinamentos realizados pelo INPI, FIOCRUZ,
Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro etc.
Em parceria com outras entidades, a
FUCAPI, ao longo dos anos, promoveu diversos
eventos e cursos, no intuito de disseminar a
cultura da propriedade industrial, mostrando as
vantagens da proteção e facilitando as parcerias
tecnológicas.
A evolução dessa atividade pode ser
destacada através das ações desenvolvidas e
das parcerias firmadas:
• Acordo de Convênio de Cooperação
Técnica firmado com o INPI, assinado
em 23/05/2001;
• Consolidação do Núcleo de Propri-
edadeIntelectual da FUCAPI, através de
financiamento do CNPq/FVA;
• Parceria com o Instituto Genius de
Tecnologia, entidade ligada à Gradiente,
63
O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
de que, gradativamente, a utilização do sistema
de propriedade industrial pela comunidade lo-
cal passa a ser um diferencial competitivo no
mundo dos negócios, refletindo na qualidade de
produtos e serviços oriundos do parque indus-
trial amazonense, tendo a FUCAPI
desempenhado papel fundamental nesse
processo de inovação tecnológica,
considerando-se ter sido a entidade pioneira no
Estado a prestar assessoria em Propriedade
Intelectual, quando o assunto era pouco
conhecido até mesmo entre a comunidade
científica local.
Ao longo dos anos, a FUCAPI buscou
promover a disseminação de informações sobre
propriedade intelectual também através da
realização de palestras, cursos, seminários,
inclusive sendo a única a oferecer uma disciplina
específica sobre Propriedade Intelectual e
Transferência de Tecnologia, em seu curso de
graduação de Administração em Gestão da
Inovação.
______________________________________
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1Francisca Dantas Lima é Assessora da
FUCAPI, Bibliotecária, Agente de Propriedade
Industrial e Mestranda em Gestão e Auditoria
Ambiental
2Sônia Iracy Lima Tapajós é Analista de Nível
Superior, Bibliotecária, Especialista em
Informação Tecnológica e Inteligência
Competitiva
64
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
A GESTÃO DO CONHECIMENTONO UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS
Cinthia da Cunha Mendes*
INTRODUÇÃO
A relevância do conhecimento como ativo
que agrega valor às atividades organizacionais
ressalta o papel da gestão que, conforme
Teixeira Filho (2000), vem da necessidade de
aperfeiçoamento contínuo dos processos de
negócio. As organizações atravessam um
momento de renovação no que se refere aos
efeitos da globalização e da crescente competi-
tividade. Neste novo cenário, a organização só
estará estrategicamente ajustada às mudanças
caso seu enfoque esteja centrado na cadeia de
valor da qual participa, isto é, na compreensão
de que os resultados só poderão ser alcançados
diante de uma visão sistêmica do ambiente de
negócio. Segundo Gallucci (1997):
“(...) é preciso mudar porque o ambiente
geral está sempre mudando (...) não permitindo
que qualquer tipo de organização – ou indivíduo
- se considere estabilizado, realizado, completo
e pare de se desenvolver, de se antecipar às
exigências de um mercado crescente e
competitivo” (p.79).
Para Somerville e Mroz (1997), enfrentar
as mudanças requer, sobretudo, o uso do
conhecimento acumulado e a disseminação de
experiências entre as pessoas, aplicadas às
atividades rotineiras. Assim, as organizações,
como tendência, devem considerar o ser
humano integralmente, no estabelecimento de
suas estratégias. Contudo, é preciso abandonar
velhos termômetros e definir novas formas de
avaliar um novo recurso produtivo, o conhe-
65
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
cimento. Nesse contexto, o papel da gestão do
conhecimento será contribuir para que o
conhecimento individual agregue valor ao
conhecimento organizacional.
A gestão do conhecimento atuará na
identificação dos elementos que, sob condições
de concorrência, elevam a percepção dos
agentes econômicos quanto à sua importância
como inovação organizacional e fonte de
vantagem competitiva. Assim, segundo Mendes
(2002, p.13), na era do conhecimento, as
experiências individuais, as habilidades para
aprendizagem individual e em grupo, o talento
pessoal e o uso de inúmeros recursos tecno-
lógicos, indispensáveis ao processo de tomada
de decisão, convergem para uma nova e revolu-
cionária definição dos ativos organizacionais. O
desafio é identificar esses ativos intangíveis,
que agregam valor à atividade produtiva, mas
que não são facilmente reconhecidos na
estrutura organizacional.
A “NOVA ECONOMIA” DO
CONHECIMENTO
A curva crescente de criação do conhe-
cimento, na nova economia, demonstra que uma
verdadeira revolução inicia-se no ambiente
organizacional. Nas organizações competitivas,
o conhecimento será gerado em um fluxo
contínuo e dinâmico. O ciclo de vida cada vez
mais curto do conhecimento deve-se, sobretudo,
ao crescente avanço da tecnologia da infor-
mação e comunicações (TI&C). Modificam-se
também, as estruturas, principalmente as
internas, em direção a uma nova arquitetura. A
estrutura baseada em funções e cargos
transforma-se em organização por projetos ou
processos. Estas ações evidenciam uma
gestão mais participativa, centrada na respon-
sabilidade e na orientação aos resultados, com
elevada concentração no negócio da empresa
e eliminação de atividades que não agreguem
valor.
As organizações tornar-se-ão verdadei-
ros ambientes de aprendizagem permanente. A
capacidade de uso do ativo conhecimento,
incorporado aos negócios, será o elemento
diferenciador no ambiente corporativo. Desse
modo, o caráter inovativo da Gestão do
Conhecimento (GC), para Davenport e Prusak
(1998), não está em reconhecer o
conhecimento como algo novo, mas em tratá-
lo como um ativo corporativo, o que requer o
desenvolvimento de mecanismos de gestão e
avaliação. À luz do trabalho de Sveiby (1998),
Rodriguez (2001, p.132-133) relaciona alguns
exemplos de ativos invisíveis, cujo fluxo, pela
organização, é essencialmente não-financeiro:
competência dos empregados; capacidade de
inovar; imagem da organização empresa junto
à sociedade; visão estratégica; rede de rela-
cionamentos etc.
Nesse sentido, Sveiby (1998) menciona
que a GC é uma arte capaz de agregar valor
aos ativos da organização. Nonaka e Takeuchi
(1997) consideram a GC como um processo
interativo de criação do conhecimento organiza-
cional e sua disseminação por toda a estrutura
corporativa, incorporando-o a produtos e
serviços. Enquanto Silveira (2000, p.37) afirma
que “as novas organizações de aprendizagem
estão focando suas estratégias à identificação,
captura e alavancagem de seus ativos de
conhecimento”.
A inexistência, portanto, de uma definição
consensual em relação ao tema Gestão do
Conhecimento, identifica a necessidade de se
inferir alguns elementos que possam caracte-
66
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
rizar a GC neste estudo. Assim, depreende-se
como elementos inerentes à gestão do
conhecimento, as estratégias que vão trans-
formar o conhecimento em ação, inserindo-o
em processos, produtos e/ou serviços, com vis-
tas a elevar o desempenho organizacional,
assegurando a competitividade do negócio.
Em síntese, na sociedade baseada no
conhecimento, o diferencial competitivo das
organizações refere-se ao tratamento dispen-
sado aos valores intangíveis e aos trabalhadores
intelectuais alinhados ao negócio.
A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
E O PROFISSIONAL INTELECTUAL –
AMBIENTE DE APRENDIZAGEM
A organização não gera conhecimento
por si só, mas através das pessoas e da
interação entre elas. Na nova economia, um
importante meio para a criação e disseminação
do conhecimento diz respeito ao mapeamento
das competências, ou seja, guia dos estoques
de conhecimentos existentes na organização
que sejam relevantes ao negócio. Segundo
Davenport e Prusak (1998), os mapas do
conhecimento apontam para pessoas,
documentos e banco de dados que forma a
organização.
Trata-se, portanto, de identificar perfis
profissionais e, ao mesmo tempo, permite não
só registrar os elementos responsáveis pelos
fluxos de conhecimento, quanto focar
necessidades de desenvolvimento pessoal. Os
mapas, independente da forma que se apre-
sentem, buscam relacionar perfis disponíveis
e/ou oportunidades para a geração de
conhecimento novo. Em particular, cumpre
assinalar que a gestão do conhecimento aborda
o valor dos ativos intangíveis nas organizações
competitivas. E ainda, a GC enfrenta a dificul-
dade de como dispor do conhecimento
relevante ao negócio, durante a tomada de
decisão. Assim, qual o perfil do profissional
intelectual nesse novo ambiente?
O profissional intelectual será aquele que
associar seu conhecimento tácito (experiência
individual, percepções, sensações) ao fluxo de
conhecimento necessário à realização de suas
atividades. É comum utilizar a expressão
‘trabalhadores do conhecimento’ às pessoas,
normalmente, altamente qualificadas e com
elevado grau de escolaridade que dispõem de
suas competências para converter informações
em conhecimento e, dessa forma, alavancar o
desempenho da organização.
Nem todo o conhecimento relevante à
GC poderá ser explicitado. Entretanto, todo o
esforço de aprendizagem e de compar-
tilhamento deverá ser estimulado pela
organização. Na visão de Krogh et al (2001),
uma estrutura com excesso de controle inibe,
por vezes, o contínuo fluxo de conhecimento e
inovações. Nas organizações onde o negócio é
o conhecimento, as expertises funcionais
devem ser combinadas aos processos e
sistemas objetivando o reforço à criação de
conhecimento organizacional. Este acervo,
também denominado de memória organiza-
cional, será o suporte da interação entre os
elementos humano e tecnológico, no
desenvolvimento de um projeto de gestão do
conhecimento que privilegie os ativos
intangíveis.
Desse modo, as habilidades gerenciais
somadas às competências individuais, em
ambientes que estimulem a inovação, devem
ser envolvidas em programas de aprendizagem
67
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
permanente nas organizações. O conheci-
mento, que pode ser disseminado através da
interação entre as pessoas e equipes, é a base
do processo de aprendizagem organizacional.
Complementando, pode-se dizer que existe uma
lacuna quanto à alocação do conhecimento aos
propósitos da organização. Dentre as aborda-
gens conceituais sob o tema aprendizagem
organizacional destaca-se a capa-cidade das
organizações em aprender mais rápido que a
concorrência (DE GEUS, 1998). Assim, o
aprendizado organizacional reside em uma
contínua autotransformação no plano individual
e coletivo.
Para Ruas (2001, p.253), alguns
exemplos de práticas organizacionais que
permitem a ocorrência de processos de
aprendizagem: planejamento estratégico;
metodologia de solução de problemas;
benchmarking; implantação de estratégias de
gestão e desenvolvimento de novos produtos.
Como resultado, a partir dessas orientações, o
efetivo processo de aprendizagem requer
condições de apropriação e internalização de
conhecimentos e habilidades, ampliando o
repertório de respostas e modos de agir,
associados às práticas de gestão (RUAS,
2001). Nesse sentido, os atores do processo,
quer na condição de mestres ou aprendizes,
têm papel fundamental em vincular compor-
tamentos à ação.
Sveiby (1998) afirma que as pessoas
são o único agente de mudanças e todos os
demais ativos são resultado da ação humana.
Assim, conforme Mendes (2002, p.121) “o
subjetivo e o informal adquirem um novo status
na organização”. A constatação de que a
sobrevivência, sob condições de concorrência,
remete ao conhecimento acumulado e
compartilhado, transforma as organizações em
aprendizes permanentes. Portanto, de acordo
com Terra (2000), na nova economia, o objetivo
em comum das mudanças é demonstrar o
impacto dos ativos de conhecimento, enquanto
recursos competitivos, na adoção de novas
práticas gerenciais.
GESTÃO DOS ATIVOS DE
CONHECIMENTO
A gestão de ativos intangíveis, também
denominados ativos de conhecimento, traduz-
se no esforço das organizações em identificar
e avaliar esse novo elemento que, em grande
quantidade, circula pela organização. Ao longo
dos anos 90, muitos foram os estudos desen-
volvidos no intuito de gerenciar e avaliar a
dimensão intangível das organizações que
agrega valor ao negócio. Entre as metodologias
disponíveis, em relação ao tema gestão do
conhecimento, destacam-se os trabalhos de
Karl Erik Sveiby (1998) e Leif Edvinsson e Micha-
el Malone (1998) em apresentar um novo
formato para o gerenciamento dos ativos
invisíveis das empresas. Contudo, apesar de
não existir consenso, as metodologias abor-
dadas estão orientadas para a avaliação dos
relacionamentos externo e interno, estruturas e
para as pessoas.
A contribuição de Sveiby (1998) reside
na introdução do conceito de conhecimento
organizacional como um ativo intangível e na
defesa de uma ‘nova contabilidade’ voltada ao
registro dos ativos invisíveis da empresa. Esses
ativos, também chamados de ativos de
conhecimento, são complexos e de difícil
avaliação. Para Sveiby (1998), a ausência de
um padrão formal e genericamente aceito
dificulta a gestão e a mensuração dos ativos
de conhecimento. Portanto, faz-se mister
68
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
identificá-los e classificá-los, pois geram valor
para a organização.
A proposta de Sveiby (1998), denominada
‘monitor de ativos intangíveis’, é uma represen-
tação gráfica simplificada, e ao mesmo tempo,
abrangente, de uma série de indicadores
relevantes que podem ser utilizados pela
organização de acordo com suas conveniên-
cias. O monitor foi concebido com base em três
áreas âncoras: crescimento e renovação;
eficiência e estabilidade. As pessoas são únicas
e, juntamente com as estruturas interna e
externa à organização, ilustram a classificação
de ativos intangíveis apresentadas por Sveiby
(1998), classificadas em:
Estrutura Externa: contempla os
relacionamentos dos membros da organização
com seus clientes e fornecedores, como
marcas registradas e a imagem da organização
no mercado.
Estrutura Interna: juntamente com as
pessoas, constitui-se na organização propria-
mente dita. Além de conceitos, patentes,
modelos, sistemas administrativos e compu-
tacionais e a cultura organizacional. Sveiby
(1998) concebe a estrutura interna como
responsável pelo fluxo de conhecimento
existente na organização, ou seja, o suporte
para as ações dos indivíduos. Por sua vez, é a
combinação harmoniosa dos elementos desses
dois grupos que constitui a tarefa da gerência
organizacional.
Competência pessoal: consiste, basica-
mente, na capacidade de agir das pessoas em
situações diferentes, para criar tanto ativos
tangíveis quanto intangíveis. Acerca das
discussões sobre a propriedade dessa
competência e sua inclusão no balanço patri-
monial, Sveiby (1998, p.11) diz que “é impossível
conceber uma organização sem pessoas”.
Ademais, uma organização do conhecimento
tem na competência de seus profissionais o seu
ativo mais valioso.
O estabelecimento de indicadores, para
a mensuração dos ativos de conhecimento de
uma organização, foram utilizados por Sveiby
(1998) para a definição do valor de mercado de
uma empresa, constituído pela soma do seu
patrimônio visível e seus ativos intangíveis,
como apresentado na Figura 1:
Figura 1 – Valor de mercado de uma empresa
Fonte: Sveiby (1998, p.188).
A proposta de Edvinsson e Malone (1998)
surge da busca de uma nova posição contábil
frente aos desafios da nova economia. Trata-
se na utilização de uma ferramenta de suporte
à tomada de decisão, que permite captar o va-
lor existente na empresa, denominada ‘nave-
gador de capital intelectual’. O navegador vem
ressaltar o uso do intangível, aplicado ao
trabalho, para gerar valor agregado e evidenciar
um novo método de avaliação do desempenho
organizacional, por meio de indicadores não-
financeiros. Nesse sentido, evidenciam que a
avaliação de ativos intangíveis requer além do
retrato presente, o estabelecimento de proje-
ções e a observação do passado que, por sua
vez, permitem determinar qual o caminho a ser
percorrido e quais as lições aprendidas.
O navegador é composto por cinco
áreas foco, para as quais foram identificados
indicadores variados de avaliação do desem-
penho organizacional.
69
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
1. Foco financeiro – é composto pelos
indicadores tradicionais que dizem respeito
às medidas tangíveis de valor: despesas,
receitas, investimentos, resultados opera-
cionais etc.
2. Foco na renovação e desenvolvimento –
representam o alicerce do instrumento de
navegação. Evidencia as ações que estão
sendo tomadas no presente, para captar
oportunidades de negócio no futuro.
Histórico de relacionamento com clientes;
parcerias estratégicas; corpo funcional etc.
3. Foco no cliente – indicadores que demons-
tram o fluxo de relacionamento com clientes
potenciais, indexados por categorias; tem-
po de duração do relacionamento; atividades
de suporte; sucesso do cliente etc. Objetiva
fornecer indicadores de atração e
manutenção do portfólio de clientes.
4. Foco no processo – refere-se à infra-
estrutura tecnológica, sistemas e processos
como meio de suporte à geração de
riquezas na organização. Meta corporativa;
custos de equipamentos de TI; capacidade
de TI/empregado etc.
5. Foco humano – traduz-se no ativo mais
dinâmico, presente na composição dos
demais indicadores. É também o mais difícil
de ser avaliado, considerando-se a suasubjetividade. Motivação para o trabalho;regime de trabalho; formação técnico-
acadêmica; horas de capacitação etc.
Em síntese, o navegador contribui como
um importante instrumento de divulgação e
melhor visualização do capital intelectual
existente na empresa, por meio de uma nova
proposta de avaliação dos intangíveis. O
navegador não substitui o modelo contábil
tradicional de avaliação financeira, apenas o
complementa no suporte à tomada de decisão.
Assim, no universo dos intangíveis, o
desafio não reside somente em identificar os
fluxos de conhecimento que oscilam e
influenciam na competitividade do negócio, mas
na formação de um histórico dos indicadores
adotados para monitoramento dos ativos de
conhecimento. Trata-se, portanto, de tornar
evidente, ao mercado, o potencial do capital
intelectual existente na organização, divulgando
seus diferenciais competitivos baseados em
competências e conhecimento coletivo.
A EXPERIÊNCIA DA FUCAPI NO
UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS
O compromisso social da FUCAPI em
promover o desenvolvimento regional, baseado
em uma atuação pioneira, exige uma forte
preocupação com a qualidade e o desempenho
eventos, a realização de visitas técnicas e ao
suporte da tecnologia da informação às
atividades de gestão. Preocupa-se também,
com o resgate do que foi produzido pela FUCAPI
(memória institucional) ao longo dos seus mais
de vinte anos de atividades.
Dentre as suas primeiras ações, a
comissão elaborou um plano anual de ativi-
dades que incluía, entre outras, a capacitação
dos técnicos que compõem a Comissão, a
realização de benchmarking e visitas técnicas
como forma de aprendizagem vivencial e, ainda,
o levantamento dos programas, políticas e
sistemas existentes na FUCAPI, que constituem
instrumentos de gerenciamento do
conhecimento (GC). Para surpresa do grupo,
muitos foram os programas e ferramentas já
implementados que, por sua vez, serviriam de
base às atividades de GC na FUCAPI.
As ações da comissão relacionavam-se
70
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
também à promoção de eventos como forma
de disseminar conceitos de gestão do conhe-
cimento e inteligência competitiva (IC), o
compartilhamento de experiências, técnicas,
ferramentas e ações inovadoras, bem como ao
uso da informação estratégica para a tomada
de decisão. Nesse sentido, realizou os seguin-
tes eventos internos: ‘Seminário de GC e IC:
Panorama e Aplicações’ e a ‘1ª Jornada de GC’.
Dentre as suas iniciativas destaca-se a criação
de um fórum virtual (lista de discussão),
elemento relevante à consolidação de um pólo
local da Sociedade Brasileira de Gestão do
Conhecimento/SBGC. O fórum, em funciona-
mento desde março/2002, possui 33 membros
(dez./2002) entre profissionais liberais,
pesquisadores e acadêmicos e está disponível
no endereço <http://www.nossogrupo.com.br/
grupo.asp?grupo=12779>.
A FUCAPI desperta, então, para a
percepção de que, segundo Sveiby “se avali-
armos o novo com as ferramentas do antigo,
não teremos como perceber o novo” (1998,
p.186). Nesse contexto, a avaliação da
eficiência operacional não reside em criar
indicadores com base em ativos intangíveis,
mas em interpretar os resultados obtidos a partir
dos fluxos de conhecimento que circulam na
organização, influenciando seu valor de
mercado. A gestão de serviços prospera em
meio à criação de conhecimento, por isso a
necessidade de focar os ativos de conhecimento
em sua gestão estratégica.
Uma estratégia orientada para o
conhecimento está voltada à geração de
receitas a partir da alavancagem dos ativos
intangíveis, ou seja, focalizam a potencialidade
dos profissionais em aumentar as receitas. De
difícil assimilação pela concorrência, as
estratégias orientadas para os ativos de
conhecimento envolvem aspectos peculiares da
cultura organizacional. Assim, em ambientes de
mudanças, as estratégias preservam a equili-
brada combinação entre os conhecimentos
tácitos individuais e a rede de relacionamentos
que conferem vantagem competitiva à organi-
zação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contribuição deste trabalho está na
tentativa de explicitar o intangível. Trazê-lo à tona
para que seja discutido e repensado. O valor
agregado de sua contribuição à competitividade
organizacional vai muito além das destacadas
‘cifras’ constantes dos balanços tradicionais.
Está implícito na eficácia das ações rotineiras.
Embora seja relevante contribuição da TI & C
em organizar, armazenar e disseminar,
conectando pessoas e tornando o
conhecimento disponível, é desafiador lidar com
variadas interações humanas, ainda
indisponíveis em meios físicos.
A dinâmica do fluxo de conhecimento
tácito, proveniente das interações entre as
pessoas que compõem a organização, é o
objeto de estudo da gestão do conhecimento
no universo dos intangíveis. O ambiente a ser
explorado configura-se em uma oportunidade
de aprendizado. Segundo Silveira, “as novas
organizações de aprendizagem estão focando
suas estratégias à identificação, captura e
alavancagem de seus ativos de conhecimento”
(2000, p.37). Principalmente, porque o
conhecimento é um assunto de destacada
importância e representa a maior inovação a ser
introduzida na gestão organizacional contem-
porânea. No entanto, verifica-se a necessidade
de criar estruturas que possibilitem gerenciar o
71
A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
conhecimento, tornando disponível o capital
intelectual da organização. A lição do kaizen, ou
seja, a melhoria contínua, deve ser prática
sistemática na nova organização, bem como o
aprendizado para dar novas aplicações aos
ativos da empresa.
Contudo, as sementes das mudanças
desenvolvem-se dentro das empresas e,
apesar do descompasso, uma nova organi-
zação parece estar nascendo. Uma das lições
mais básicas do ato de conhecer o aprendizado
contínuo vem representar uma longa jornada,
rumo ao universo intangível, em uma incessante
corrida para o ponto de partida.
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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
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* Cinthia da Cunha Mendes é Coordenadora
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Professora da Pós-Graduação CESF e Mestre
em Administração pela UFSC. Pesquisadora do
tema Gestão do Conhecimento no ambiente
acadêmico e ativos intangíveis, membro
fundador da Sociedade Brasileira de Gestão do
Conhecimento/SBGC e da Comissão de
Gestão do Conhecimento da FUCAPI.
73
Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
ENERGIAS ALTERNATIVAS:DESAFIOS E POSSIBILIDADESPARA A AMAZÔNIA
Rubem Cesar Rodrigues Souza*
INTRODUÇÃO
É inconteste a existência de recursos
energéticos na região Amazônia em magnitude
capaz de atender as necessidades internas e
ainda de outras regiões, como já se verifica no
caso da hidrelétrica de Tucuruí no Estado do
Pará. No entanto, contraditoriamente, as
menores taxas de eletrificação rural do país
encontram-se nos estados do Pará (15%), Acre
(17%), Amapá (21%) e Roraima (23%), enquanto
o índice nacional é de 70,7%. Além do mais, os
centros atualmente atendidos apresentam baixa
confiabilidade no suprimento. É, portanto, nesse
contexto, de contraste entre potencialidade
existente e demanda não ou mal atendida, que
procurar-se-á evidenciar as oportunidades e
desafios no contexto das energias alternativas.
É oportuno antes de tudo que se
esclareça à distinção entre energia alternativa,
objeto deste trabalho, e energia renovável,
denominações muitas vezes usadas equivo-
cadamente. A energia alternativa é toda e
qualquer nova opção energética que se
apresenta como uma possibilidade de uso não
guardando nenhuma relação com a questão da
renovação, podendo-se citar o caso do gás
natural na região, que se apresenta como uma
nova opção energética não sendo, no entanto,
uma fonte renovável. Por outro lado, energia
renovável é aquela na qual verifica-se uma taxa
de reposição compatível com a taxa de
consumo, o que não se aplica, portanto, aos
combustíveis fósseis.
74
Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
O MERCADO DE ELETRICIDADE
NA AMAZÔNIA
A discussão quanto ao atendimento dasdemandas energéticas das populações
amazônicas impõe uma leitura mais adequada
dos mercados a serem atendidos sob pena da
reprodução de ações e políticas inapropriadas.
Portanto, apresentamos a seguir uma breve
leitura dos mercados de eletricidade na
Amazônia.
O mercado de energia elétrica na RA
pode ser subdividido em três tipos com
características bem distintas. O primeiro deles
é o mercado de energia das capitais dos
estados, atendidos em sua maioria por parques
hidrotérmicos (hidroelétricas e termelétricas), de
propriedade das concessionárias federais, que
denominaremos de Mercado das Capitais. O
segundo mercado é representado pelas áreas
urbanas dos municípios do interior dos estados
e pequenas localidades, atendidos por unidades
termelétricas a óleo Diesel, de médio porte com
redes locais, de responsabilidade da conces-
sionária estadual ou por empresas terceirizadas,
que daqui por diante será denominado de
Mercado Elétrico Concentrado. E o terceiro
mercado aqui denominado Mercado Elétrico
Disperso, os quais estão por se desenvolverem,
representados por parte da população que não
tem acesso à eletricidade ou possuem
pequenos geradores a Diesel de propriedade
das prefeituras municipais, gerando eletricidade
para alguns usos específicos.
Os dois primeiros mercados caracte-
rizam-se pela baixa qualidade no suprimento,
elevado índice de déficit, altos custos de
geração, elevado índice de desperdício e pela
utilização, em grande parte, de insumos
energéticos não renováveis. Já os mercados
dispersos não recebem os estímulos ade-
quados para evoluírem e se consolidarem,
servindo unicamente como instrumento de
ações políticas que privilegia somente interes-
ses pessoais, fato esse também comum nos
mercados urbanos do interior.
Cada um desses três mercados deve
receber tratamento diferenciado para que seu
desenvolvimento aconteça de maneira satisfa-
tória, ou seja, garantindo a quantidade e a
qualidade necessária da energia, com preços
compatíveis com a realidade econômica dentro
das condições sócio-ambientais adequadas
para as próximas gerações.
Mercado elétrico das capitais e o
mercado concentrado
Os mercados das capitais e os concen-
trados já possuem um agente responsável pelo
suprimento de eletricidade e a população,
mesmo precariamente, já é atendida. Portanto,
o desafio consiste em garantir a melhoria da
qualidade e expansão dos serviços de energia,
a preços compatíveis com a situação
econômica da população, procurando privilegiar
as potencialidades energéticas locais e, ainda,
minimizar os impactos ambientais e sociais.
Mercado elétrico disperso
O desafio apresentado para os
mercados dispersos é maior que o apresentado
aos mercados concentrados. Inúmeros são os
aspectos desses mercados que o diferenciam
dos demais, e que tornam nada trivial o desafio
do planejamento e suprimento elétrico destes.
É possível identificar nesses mercados
situações bastante distintas e que exigem ações
diferenciadas. De modo a enxergar melhor a
75
Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
problemática, pode-se subdividir esse mercado
em cinco grupos que apresentam caracte-
rísticas determinantes para o estabelecimento
de estratégias que visem o desenvolvimento
sócio-econômico, quais sejam:
Grupo I: Populações tradicionais, tais
como, seringueiros, pescadores etc.
Grupo II: Populações tradicionais, tais
como, seringueiros, ribeirinhos, extrativistas
etc., que habitam áreas de Reserva Extrativista,
Reserva de Fauna e Reserva de Desenvo-
lvimento Sustentável, incluídas nas unidades de
uso sustentável.
Grupo III: Populações alocadas em área
de reforma agrária.
Grupo IV: Populações de reservas
indígenas.
Grupo V: Populações que não se
enquadram nos grupos anteriores.
As populações inseridas nos Grupos I e
II possuem em comum o desenvolvimento de
atividade econômica que lhes é suficiente para
manter a sobrevivência, necessitando de apoio
para aprimorar as técnicas adotadas nas
atividades econômicas e assim, criar condições
para garantir a produção de excedentes, bem
como a infra-estrutura para suprir mercados
vizinhos. Há instrumentos regulatórios ambien-
tais, válidos somente para o Grupo II, que
estabelecem regras para o modelo de
desenvolvimento dessas comunidades.
As populações enquadradas no Grupo
III distinguem-se das demais por serem
contempladas por instrumentos legais que
estabelecem incentivos para o desenvolvimento
das condições necessárias para o crescimento
econômico. Esses grupos também são enqua-
drados em legislação ambiental, porém estes
instrumentos não contemplam regras para o
desenvolvimento econômico de maneira tão
enfática como para as populações do Grupo II.
Para as populações do Grupo IV existe
legislação específica que estabelece regras para
atividades econômicas e de características da
infra-estrutura necessária para o desenvol-
vimento destas. Cabe salientar, por exemplo,
que existe legislação que proíbe a cobrança por
serviços de eletrificação para essas populações.
No Grupo V tem-se àquelas populações
que desenvolvem atividade de subsistência não
tradicional, as quais não são contempladas por
instrumentos regulatórios de natureza ambiental
específicos, e também não se enquadram em
políticas de incentivos para o desenvolvimento
sócio-econômico.
Esses grupos, apesar das diferenças
mencionadas, apresentam em comum a carên-
cia não só de eletricidade, mais também de
educação, saúde, infra-estrutura e capacitação
para produção, transporte, etc. Sendo assim, o
atendimento não deve ser focado somente nas
demandas energéticas, de modo a possibilitar
o desenvolvimento efetivo da comunidade
dentro de um modelo social, ambiental, cultural
e economicamente satisfatório.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
ENERGÉTICAS PARA A AMAZÔNIA
A seguir discorre-se sobre algumas
oportunidades e desafios existentes para o
atendimento das demandas energéticas na RA.
A universalização do serviço de energia
elétrica
A universalização do serviço de energia
elétrica estabelecida através da Lei 10.438 de
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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
26 de abril de 20021 apresenta-se como uma
excelente oportunidade para atendimento das
demandas energéticas da região, no entanto a
sua materialização é tarefa nada trivial, impondo
diversos desafios. Tais desafios ficam patentes
ao observarmos a baixa densidade demo-
gráfica, a dificuldade associada aos meios de
transporte e o baixo poder aquisitivo da
população que caracterizam a RA. Nesse
contexto é impossível imaginar, sem a existência
de fortes subsídios, a viabilidade econômico-
financeira da produção de eletricidade à base
de óleo Diesel, como tradicionalmente se
verifica na RA e que fere a lógica atual do
mercado de eletricidade no país. Vale salientar,
no entanto, que atualmente, embora haja um
forte subsídio para geração de eletricidade a
partir de combustível fóssil a situação do
suprimento elétrico no interior é bastante
precária e preocupante. Surge então, de
imediato, as fontes renováveis de energia como
solução para o problema e com elas os desafios
a serem superados, dentre os quais destaca-
se:
a) Falta de conhecimento das potencia-
lidades e demandas energéticas. A RA padece
de um mal comum no Brasil, porém de maneira
mais acentuada, que é a falta de sistematização
de dados necessários para o planejamento
adequado de ações no curto, médio e longo
prazo. No âmbito federal tem-se o Balanço
Energético Nacional elaborado anualmente sob
a responsabilidade do Ministério de Minas e
Energia no qual não consta várias informações
referentes aos Estados da região Norte, muito
embora este disponha de recursos financeiros
para os estados realizarem seus Balanços.
Tem-se ainda a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio - PNAD de responsabilidade do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE que não contempla o interior dos estados
da região Norte. No âmbito estadual, tem-se o
exemplo do Zoneamento Econômico-Ecológico
do Estado do Amazonas, que apresenta dados
energéticos insuficientes.
c) Falta de tecnologias adequadas no
mercado nacional e internacional. Olhando-se
o conjunto de tecnologias que fazem uso de
fontes renováveis de energia verifica-se que:
Sistemas fotovoltaicos: apresentam custo
elevado para processos produtivos. Turbinas
hidráulicas: as disponíveis não são adequadas
as características locais (baixa queda e pequena
vazão) havendo a necessidade de inventário de
aproveitamentos para a tecnologia disponível.
Gerador hidrocinético2: só disponível no mer-
cado internacional para velocidades acima de
4,5 m/s, necessitando de identificação das
potencialidades na região. Gasogênio: inexiste
tecnologia nacional para produção de pequenas
quantidades de eletricidade, sendo poucos os
fornecedores no mercado internacional,
havendo grande dificuldade para aquisição de
equipamentos, peças de reposição e manu-
tenção. Motor de combustão interna para usar
óleo vegetal: inexiste tecnologia nacional para
usar somente óleo vegetal e no contexto
internacional ou motores Esbelt (mult-
icombustíveis) deixaram de ser produzidos. As
experiências estão sendo feitas modificando-se
os motores de ciclo Diesel e misturando-se o
óleo vegetal ao Diesel, ou então, fazendo-se a
transisterificação do óleo vegetal para produzir
o biodiesel, tecnologia essa que ainda conduz
a custos não competitivos frente ao óleo diesel.
Célula a combustível: apesar do grande apelo
ambiental e de comodidade associado à célula
a combustível, esta ainda não é uma tecnologia
77
Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
considerada madura.
A barreira tecnológica pode se
transformar numa oportunidade ao pensarmos
na criação de um Pólo Industrial de desen-
volvimento de equipamentos que façam uso de
recursos energéticos renováveis, valendo-se
dos incentivos da Zona Franca de Manaus, de
interesse tanto nacional, face ao PROINFA3 e a
compulsoriedade da universalização do serviço
de energia elétrica, quanto internacional, uma
vez que em nível mundial caminha-se a passos
largos para ampliação do uso de fontes
renováveis de energia.
Baixa disponibilidade de recursos
humanos capacitados na região. Estudo recen-
temente realizado pela Rede Norte de Energia -
RNEN4 sob encomenda do Centro de Gestão
de Estudos Estratégicos - CGEE5, aponta a
formação de recursos humanos como funda-
mental para região Norte fazer frente aos
desafios de P, D&I de interesse do setor elétrico
regional.
Extinção do subsídio da Conta de
Consumo de Combustível - CCC
A CCC é um subsídio do Governo Fed-
eral para as empresas que geram eletricidade
a partir de combustíveis fósseis (óleo Diesel,
óleo combustível, gás natural e carvão miner-
al). A Lei 10.438 estabeleceu o término da CCC
no ano de 2022. Considerando-se que a CCC
subsidia em média 70% o custo de geração de
eletricidade na RA, é possível verificar
rapidamente, os efeitos danosos de sua
extinção, mantido o cenário energético atual e
o prospectivo da região. Fica evidente que, ou
se inicia um profundo trabalho de modificação
da matriz energética regional ou então, teremos
que continuar brigando pela manutenção dos
subsídios, a exemplo do que já vem ocorrendo
no estado do Amazonas com respeito aos
incentivos destinados a Zona Franca de Manaus.
O Gás natural
Embora vários aspectos associados à
entrada do gás natural na matriz energética re-
gional sejam merecedores de comentários,
neste artigo nos restringiremos a somente dois
aspectos: tarifas de longo prazo e preço do gás
natural.
- Tarifas de longo prazo: o subsídio da
CCC como já mencionado, aplica-se também
ao gás natural. Segundo o planejamento da
expansão da Eletronorte, em 2022, Manaus
estará com mais de 80% de sua geração a base
de gás natural, além dos municípios de
Itacoatiara, Iranduba e Manacapuru que estarão
interligados a capital do Estado. As cidades de
Rio Branco/AC e Porto Velho/RO, também
estarão dependentes do gás natural. A extinção
da CCC, portanto, comprometerá de maneira
significativa o desenvolvimento econômico re-
gional, através da elevação excessiva das
tarifas, caso a Lei 10.438 seja efetivamente
cumprida no cenário prospectivo estabelecido
pela Eletronorte.
- Preço do gás natural: a discussão do
preço do gás natural é de suma importância,
face aos reflexos na viabilidade de seus
múltiplos usos. Atualmente não existe uma
política nacional clara de longo prazo para o
preço do gás natural nacional e o importado, o
que vem comprometendo a competitividade
deste insumo perante outros energéticos como
o óleo combustível e a lenha. Atualmente o preço
do gás natural nacional e o importado, segue a
cotação desse produto no mercado interna-
cional, sendo, portanto, influenciado pela política
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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
econômica brasileira, a qual está associada
grandes incertezas. É importante lembrar que
a possível redução do custo de geração de
eletricidade nos mercados a serem atendidos
com gás natural e da possibilidade do uso deste
para outros fins, tais como o automotivo, será
função do preço.
Recursos hídricos
O planejamento da expansão do setor
elétrico nacional deixa claro que o potencial
hídrico da RA deverá ser explorado para garantir
o atendimento da demanda. Surge então a
oportunidade para pleitear mudanças na
sistemática de exploração dos recursos
energéticos da RA que beneficiam outras
regiões. Atualmente a maior parte da energia
elétrica gerada na região é destinada para
atender outras regiões, o que se dá através da
hidrelétrica de Tucuruí. No entanto, os benefícios
sociais que poderiam ser auferidos localmente
decorrentes dos impostos da comercialização
da energia elétrica, não o são devido à
legislação tributária que estabelece que o
recolhimento dos impostos deve ocorrer no
destino e não na fonte.
Disponibilidade de recursos financeiros
Sistematicamente reputa-se a falta de
recursos financeiros para não levar adiante
políticas de interesse da região. Assim sendo,
apresenta-se duas fontes de recurso financeiro
que podem apoiar ações que levem a
superação das dificuldades energéticas regional,
quais sejam: os fundos setoriais e os créditos
de carbono.
a) Fundos setoriais
Os Fundos Setoriais foram criados em
1999, na perspectiva de garantir investimentos
sólidos e permanentes na pesquisa científica e
tecnológica no Brasil. Os recursos são prove-
nientes de empresas públicas e/ou privadas. A
legislação garante destinação compulsória dos
recursos dos Fundos para as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, em percentuais que
variam de 30% a 40% do recurso total anual de
cada fundo. Ocorre que os recursos destinados
as três regiões mencionadas não estão sendo
utilizados em sua totalidade em face de poucos
projetos. Entende-se que uma ação articulada
entre governos estaduais, instituições de ensino
e pesquisa, setor produtivo e Ministério de
Ciência e Tecnologia (responsável pela gestão
dos fundos) possa garantir a utilização
adequada desses recursos.
b) Créditos de carbono
Muito embora equivocadamente alguns
acreditem que a comercialização de créditos
de carbono seja uma utopia, este comércio já é
realidade no contexto internacional, inclusive
com a participação de empresas brasileiras. Os
créditos de carbono estão sendo comer-
cializados atualmente a um valor de US$ 3 ton/
CO2 havendo casos, de empreendimentos que
conseguiram comercializar a US$ 8 ton/CO2.
Considerando-se que a geração de eletricidade
para atendimento da demanda de eletricidade
interna é feita principalmente por fonte não
renovável os créditos de carbono apresentam-
se como uma excelente oportunidade para
captação de recursos adicionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das reflexões apresentadas fica evidente
que as oportunidades existem e que os desafios
são inúmeros e de grande complexidade no
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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia
T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003
contexto do setor energético regional. O maior
desafio, no entanto, reputa-se ao comprome-
timento político para estabelecer e implementar
uma política energética regional, estadual e
municipal, de modo a aproveitar as
oportunidades e viabilizar o desenvolvimento
sustentável tão almejado pelas populações
amazônicas.NOTA S EXPLICATIVAS
1 As metas e critérios de universalização ainda estãosendo estabelecidas pela Agência Nacional deEnergia Elétrica - ANEEL.2 Utiliza-se somente a velocidade do curso d’água.3 Programa de Incentivo as Fontes Alternativas deEnergia criado pelo Governo Federal em 2002.4 RNEN: Consiste em uma estrutura facilitadora dointercâmbio de instituições e pesquisadores visandoo desenvolvimento do setor energético na Amazônia.A RNEN está constituída pelos estados do Amazonas,Pará, Acre, Roraima, Amapá e Rondônia; tendo maisde 64 instituições filiadas.5 CGEE: Organização Social criada para desenvolverestudos que auxiliem a tomada de decisão quantoaos recursos dos Fundos Setoriais.
* Rubem Cesar Rodrigues Souza é ngenheiro
Eletricista, Mestre em Conversão de Energia
(UNIFEI), Doutor em Planejamento de Sistemas
Energéticos, Coordenador Geral da Rede Norte
de Energia, Consultor do Ministério de Minas e
Energia. ANEEL, MCT, PNUD e Professor da
UFAM.
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