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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade Paulista de Direito
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
Roberto Carneiro Filho
Efetividade dos direitos fundamentais laborais:
abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência
(do positivismo ao pós-positivismo)
Tese de Doutoramento em Direito
Orientador: Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade Paulista de Direito
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
Roberto Carneiro Filho
Efetividade dos direitos fundamentais laborais:
abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência
(do positivismo ao pós-positivismo)
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de DOUTOR em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Rua de
Almeida
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
_________________________________________
1º Arguidor: Prof. Dr. Carlos Henrique Bezerra Leite
_________________________________________
2º Arguidor: Profa. Dra. Adriana Calvo
_________________________________________
3º Arguidor: Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho
_________________________________________
4º Arguidor: Profa. Dra. Christiane Marques Cunha
Agradecimentos
O fascínio pela vida acadêmica norteou a minha carreira profissional
desde os primeiros anos do bacharelado. Era como se o conhecimento destinado
àqueles preocupados em praticar o direito, mais palpável ao dia a dia forense, não
fosse satisfatório, pois eu sempre sofria com a angústia produzida pela necessidade
do saber, em especial o de essência jurídica, então, sentia-me como alguém quem
entendia ser inesgotável a fonte do saber, mas, ainda assim, era preciso buscar o
impossível e tentar esgotá-la, incessantemente, já que por meio desse exercício
mostrar-se-ia possível assimilar cada vez mais, mais e mais conhecimento,
ingressando em profunda atividade intelectiva, por meio do exercício de assimilação
sem fim, por não haver ponto de chegada à sagaz perseguição à cultura jurídica.
Concluído o bacharelado os obstáculos eram enormes, em que pese o
interesse pela vida acadêmica fosse contagiante, na realidade os acessos ao
mestrado e ao doutoramento mostravam-se, inicialmente, estarem à longa distância,
em dimensões quase invisíveis.
Mas, as luzes se acenderam e os caminhos se clarearam quando
encontrei no curso do meu caminho profissional os professores da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em especial o Professor Dr. Renato
Rua de Almeida, de quem sou aluno e discípulo há quase uma década, tendo-me
tornado seu orientando e assistente durante o doutoramento. Nunca me esqueço de
dizer que quase tudo o que sei sobre direito do trabalho é o que aprendi com os
ensinamentos do Prof. Dr. Renato Rua de Almeida.
O meu privilegiado acesso ao Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
aconteceu por gentil intermediação da Professora Dra. Adriana Calvo, a quem serei
eternamente grato, sendo quem me incentivou a prosseguir na carreira acadêmica,
por isso, tenho para com ela dívida de gratidão, inclusive porque boa parte do meu
humilde sucesso na carreira acadêmica se deve à fraternidade por ela gratuitamente
a mim dispensada nesses últimos anos.
Assim, essa tese de doutoramento é dedicada a todas as pessoas que
acreditaram e ainda acreditam no meu potencial acadêmico, entre as quais destaco
os meus genitores, Roberto e Eliane, bem como meus diletos familiares, e, em
especial, dedico essa tese aos Professores Drs. Renato Rua de Almeida e Adriana
Calvo, sem os quais o sonho do doutoramento não teria se tornado possível.
Agradeço ainda aos amigos da turma do doutoramento (Paulo Régis,
Davi Meirelles, Célio Neto, Leone Pereira, Jackson, Antonio Carlos Aguiar, Eduardo
Pragmácio, Claudimir Supioni, Claudio Couce, Príncipe), os quais acrescentaram
muito às minhas indagações acadêmicas com as intensas reflexões e os acalorados
debates por eles propiciados quando das aulas brilhantemente ministradas pelo
Prof. Dr. Renato Rua de Almeida.
Também deixo consignados meus agradecimentos aos examinadores,
membros da banca de minha defesa pública de tese de doutoramento, os quais me
servem de exemplo pela dedicação, devoção e doação à vida acadêmica, inclusive
pelo fato de terem encontrado espaço em suas disputadas agendas profissionais na
data da arguição final de tese. São eles: Profs. Drs. Carlos Henrique Bezerra Leite,
Adriana Calvo, Willis Santiago Guerra Filho e Christiane Marques Cunha.
Nessa reta final, depois de uma árdua caminhada percorrida, concluo
por absoluto que toda a experiência e todo o conhecimento adquirido ao longo do
doutoramento deixam-me seguro de que somente a formação acadêmica de
excelência permite a um profissional a qualificação necessária para a persecução
dos desafios impostos no cotidiano aos intelectuais do direito.
“One of the most widely shared values in the American political system is that principles governing society should be ‘rules of law and not merely the opinions of a small group of men who temporarily occupy high office’”. 1
1 Tradução: Um dos mais amplamente compartilhados valores do sistema político americano é que os
princípios que governam a sociedade deveriam constituir regras de direito e não meramente opiniões
de pequenos grupos de homens que temporariamente ocupam relevantes cargos no poder. (MALTZ,
Earl. “The nature of precedent”. North Carolina Law Review, vol. 66, jan. 1988, p. 371)
“Segundo a conhecida imagem de PELLEGRINO ROSSI, o homem caminha de acordo com a sua fantasia e a lei claudica; aquele reclama e esta é surda. É a jurisprudência que segue obrigatoriamente o homem, que o escuta sempre. O homem não exige arestos, mas, por sua livre vontade, obriga-a a pronunciar-se.” 2
2 BARROS MONTEIRO, Washington de. Da Jurisprudência, Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, v. 56, n. 2, p. 92, 1961.
“Menos leitura do código e mais ciências sociais”.3
3 Anônimo. Pichação no muro da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de
São Paulo.
Nome: Roberto Carneiro Filho Título da tese: Efetividade dos direitos fundamentais laborais: abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência (do positivismo ao pós-positivismo)
RESUMO O dinamismo e a hipercomplexidade como características inerentes às relações sociais moldadas à luz dos conceitos e dos valores reinantes no séc. XXI exigem do estudioso do direito do trabalho o permanente exercício da atividade intelectiva por meio de reflexões críticas e construtivas quanto ao sistema jurídico de regulamentação laboral. Nesse sentido, a presente tese de doutoramento, por meio de análises teóricas e jurisprudenciais, defende o aprimoramento nas técnicas hermenêuticas de aplicação do direito do trabalho, para a superação do positivismo jurídico e a construção de um direito laboral pós-positivista, com a finalidade de se buscar a aproximação do direito do trabalho à realidade social, principalmente por meio da máxima efetividade dos direitos fundamentais laborais, o que somente se mostra possível com a constitucionalização do direito privado e a partir da utilização de mecanismos de interpretação jurídica sustentados na teoria da argumentação jurídica, que sejam mais abertos e flexíveis do que a ideia de estrita legalidade. Então, a presente tese de doutoramento propõe que a Justiça do Trabalho no Brasil seja protagonista na concretização das normas e dos valores constitucionais, dando máxima efetividade aos direito fundamentais laborais, seja por meio da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, ou mesmo por meio da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, nesse último caso, quando se valerá das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados expressos no Código Civil como janelas abertas por meio das quais se mostra possível constitucionalizar o direito privado, observando-se sempre a ponderação entre os valores constitucionais explícitos e implícitos, essa a “ratio” a ser seguida na regulamentação laboral. Portanto, a jurisprudência como fonte do direito do trabalho, diante da inércia legislativa frente à necessidade de constitucionalização da legislação laboral, deve se valer do ativismo constitucional para a construção da norma jurídica a partir do caso concreto, como já fez o Colendo Tribunal Superior do Trabalho quando da edição de alguns enunciados sumulares: item III da S. 244, item III da S. 378, S. 440 e S. 443. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direitos Fundamentais. Interpretação Jurídica. Jurisprudência.
Name: Roberto Carneiro Filho Title of the tesis: Effectiveness of labor fundamental rights: openess of the legal system through judge-made law (from positivism for postpositivism)
ABSTRACT Dynamism and hypercomplexity as inherent characteristics of social relations molded to the concepts and values prevailing in the twenty-one century require of labor law scholar the permanent exercise of intellectual activity through critical reflections on the legal system currently existing labor regulations. In this sense, the present doctoral thesis, through theoretical and jurisprudential analysis, defends the transformation of labor law application method, to overcome the legal positivism and building a labor law post-positivist, for the purpose of seeking the application of labor law in order to bring it closer to the social reality, as well as it can give effect to labor fundamental rights with the constitutionalization of private law, which only shows possible since the use of legal interpretation mechanisms that are more open and flexible, supported the theory of legal argument. So this thesis PhD proposes that the labor courts in Brazil be the protagonist in the implementation of norms and constitutional values, giving effectiveness on labor fundamental rights, it may avail themselves of the general terms and undefined legal concepts like open windows through which it shows possible constitutionalising private law, observing always the balance between explicit and implicit constitutional values. Therefore, the case law as a source of labor law, against the legislative lethargy, it should take advantage of the constitutional activism to build the rule of law from case, as it did the Venerable Superior Labor Court when editing some statements of jurisprudence: item III of P. 244, item III of P. 378, P. 440 and P. 443. Keywords: Labor law. Effectiveness on fundamental rights. Legal interpretation. Jurisprudence.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADCT: Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
Art.: artigo
CC: Código Civil
CC/02: Código Civil de 2002
CF/88: Constituição Federal Brasileira de 1988
CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas
CRP/76: Constituição da República Portuguesa de 1976
C. TST: Colendo Tribunal Superior do Trabalho
Déc.: década
Dr.: doutor
DUDH: Declaração Universal de Direitos Humanos
Ed.: editora
Inc.: inciso
Novo CPC: Novo Código de Processo Civil
NCPC: Novo Código de Processo Civil
ONU: Organização das Nações Unidas
OJ: orientação jurisprudencial
Pág.: página
P.: precedente ou “precedent”
Prof.: professor
PUC-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Rev.: revolução
RT: Revista dos Tribunais
RR: recurso de revista
S.: súmula
Séc.: século
STF: Supremo Tribunal Federal
TST: Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ____________________________________________________ 13
CAPÍTULO I
NOVA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS, PÓS-POSITIVISMO
JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS _____________________ 17
CAPÍTULO II
BOA-FÉ OBJETIVA NO CONTRATO DE TRABALHO: EM BUSCA DA MÁXIMA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS _______________ 48
CAPÍTULO III
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO LABORAL: ATIVISMO CONSTITUCIONAL NA
JUSTIÇA DO TRABALHO E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA A PARTIR DO CASO
CONCRETO ______________________________________________________ 70
CAPÍTULO IV
FLEXIBILIDADE TRABALHISTA DE ADAPTAÇÃO PELA JURISPRUDÊNCIA:
ABERTURA DO SISTEMA JURÍDICO COMO MECANISMO DE ADAPTAÇÃO DA
REGULAMENTAÇÃO LABORAL À REALIDADE SOCIAL ___________________ 87
CAPÍTULO V
NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO: PÓS-POSITIVISMO E
TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS ______ 99
CAPÍTULO VI
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, CONTRIBUIÇÕES DO “COMMON
LAW” PARA O “CIVIL LAW” E SISTEMÁTICA DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
SÚMULAS E DE PRECEDENTES JUDICIAIS ___________________________ 111
CAPÍTULO VII
DIÁLOGO ENTRE O NOVO CPC E O PROCESSO LABORAL: A FORÇA
VINCULANTE DAS SÚMULAS E DOS PRECEDENTES COMO MECANISMO DE
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS ______________ 125
CAPÍTULO VIII
ESTUDO REFLEXIVO DA JURISPRUDÊNCIA DO COLENDO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO _________________________________________ 139
VIII.1. O item III da Súmula 244 do C. TST ______________________________ 145
VIII.2. O item III da Súmula 378 do C. TST ______________________________ 148
VIII.3. A Súmula 440 do C. TST ______________________________________ 151
VIII.4. A Súmula 443 do C. TST ______________________________________ 154
CONCLUSÕES ___________________________________________________ 158
REFERÊNCIAS __________________________________________________ 161
SÍTIOS DA INTERNET PESQUISADOS _______________________________ 175
13
INTRODUÇÃO
A busca pela adaptação da regulamentação jurídica trabalhista às
demandas e exigências da sociedade pós-moderna, dinâmica e hipercomplexa, tem
marcado a atual fase do direito do trabalho.
Ao contrário do que ocorre com o Código do Trabalho de Portugal em
vigor4, observando-se que o direito laboral pátrio positivado na legislação
infraconstitucional não acompanha as necessidades da sociedade pós-moderna,
seja porque não é uma legislação infraconstitucional constitucionalizada, pois
quando da sua elaboração a Constituição tinha apenas um significado de Carta
Política e não de instrumento de cidadania, seja porque não reproduz todos os
direitos fundamentais laborais, isso porque quando a CLT foi elaborada havia
pouquíssima ou nenhuma preocupação com os direitos laborais inespecíficos5, ou
mesmo porque não reflete os valores constitucionais implícitos ou explícitos do texto
constitucional de 1988, assim, sob essas premissas, chega-se ao entendimento pela
possibilidade de uma análise reflexiva do direito do trabalho com a finalidade de
argumentar em defesa da efetividade dos direitos fundamentais laborais, sendo isso
o que se fará na presente tese de doutoramento.
Então, questionar e refletir sobre o direito laboral brasileiro à luz da
teoria dos direitos fundamentais e com base na defesa de um direito jurisprudencial
normativo é a proposta da presente tese de doutoramento, que partirá de análises
teóricas e ao final enriquecerá a sua argumentação com a análise da jurisprudência.
A pesquisa estabeleceu as seguintes problemáticas como partidas para
o desenvolvimento da tese:
(1ª problemática de pesquisa) É possível a construção normativa no
âmbito da regulamentação laboral a partir de valores constitucionalizados?
4 Lei nº 7/2009, aprovada em 12 de fevereiro de 2009. Código do Trabalho de Portugal.
5 Os direitos laborais inespecíficos correspondem aos direitos extrapatrimoniais do trabalhador.
14
(2ª problemática de pesquisa) Pode o TST, por meio da hermenêutica,
vir a produzir conteúdos jurídicos de natureza normativa a partir de mecanismos de
interpretação jurídica?
(3ª problemática de pesquisa) Os conteúdos jurídicos de natureza
normativa que porventura sejam produzidos pelo TST, oriundos de mecanismos
hermenêuticos de interpretação jurídica, são ou não conteúdos artificiais?
(4ª problemática de pesquisa) As normas jurídicas laborais construídas
pela interpretação literal de textos legais são mais ou menos artificiais do que as
normas construídas por meio de interpretação jurídica a partir do caso concreto?
(5ª problemática de pesquisa) É possível a construção do direito laboral
a partir do caso concreto por meio de mecanismos de interpretações jurídicas?
No primeiro capítulo, “ab initio”, a presente tese de doutoramento em
direito abordará a evolução histórica do direito laboral e da ciência do direito em
geral, sob o ponto de vista da teoria do direito e da filosofia do direito, quando então
se mostrará que a sistemática e o raciocínio jurídico, ainda existentes, foram
moldados no período pós-revolução francesa, sustentados na teoria da absoluta
separação de poderes, o que com a evolução da ciência do direito e da sociedade
mostrou-se superado diante da constatação acerca da impossibilidade de
construção de um direito laboral realmente equitativo tão somente por meio da
obediência às regras legalistas gerais e abstratas, diante do dinamismo e da
hipercomplexidade das relações sociais que exigem a construção de normas
jurídicas a partir do caso concreto e da compreensão da realidade social,
denotando-se nos dias atuais a importância da negociação coletiva de trabalho e da
jurisprudência ativista na adaptação do direito do trabalho aos preceitos e valores
constitucionais.
Nesse diapasão, o primeiro capítulo defenderá a constitucionalização
do direito do trabalho, com o seu ingresso no universo do pós-positivismo.
Além disso, o primeiro capítulo mostrará a impertinência da
sustentação teórica de um sistema jurídico fechado, sendo que as cláusulas gerais e
os conceitos jurídicos indeterminados são permissivos da abertura do sistema
15
jurídico, a fim de se aproximar o direito laboral das necessidades econômicas e
sociais, o que somente se mostra possível com a redução do dogmatismo formalista
quando da aplicação do direito do trabalho e a valorização da interpretação jurídica e
da teoria da argumentação jurídica.
O segundo e o terceiro capítulos, em continuidade ao raciocínio teórico
desenvolvido no primeiro capítulo, buscará tratar sobre as cláusulas gerais da boa-fé
objetiva e da função social do contrato laboral, que são janelas abertas para a
aplicação das normas jurídicas prescritivas de direitos fundamentais laborais. Depois
de uma análise histórico-evolutiva do contrato de trabalho, abordar-se-á nos
segundo e terceiro capítulos o ativismo constitucional trabalhista e a necessidade de
que seja dada máxima efetividade aos direitos fundamentais laborais.
A presente tese de doutoramento defenderá o protagonismo do Poder
Judiciário na concretização dos preceitos e dos valores constitucionais, o que se
pautará na proposta para que seja repensado o princípio da separação absoluta dos
poderes, diante do dever de que todos os poderes estatais, bem como os poderes
privados, deem máxima efetividade aos direitos fundamentais.
No quarto capítulo, a presente tese de doutoramento abordará a
flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial, quando então se
estudará a abertura do sistema jurídico laboral por meio da jurisprudência frente ao
seu papel de reguladora da validade de cláusulas normativas de convenções e
acordos coletivos, partindo da ideia de que o ordenamento jurídico trabalhista deve
ser constituído por maior quantidade de normas jurídicas legisladas dispositivas e
menor número de normas legisladas impositivas e cogentes, cabendo ao Poder
Judiciário Trabalhista o papel de protagonista na fiscalização e interpretação das
normas coletivas frente aos limites impostos pelo texto constitucional e pelos
tratados internacionais, assim, deixando-se para a autonomia privada coletiva e para
a jurisprudência o papel de adaptar o direito laboral à realidade econômica e social,
em busca da efetividade dos direitos fundamentais laborais. Para tanto, é primordial
a aceitação da teoria da argumentação jurídica e das teorias da interpretação
quando da aplicação do direito do trabalho, mesmo diante das cláusulas de
convenção e acordos coletivos.
16
O quinto, o sexto e o sétimo capítulos, em continuidade ao raciocínio
desenvolvido nos capítulos anteriores, analisará o papel crucial do direito
jurisprudencial na proposta de crítica ao direito laboral ordenado em um sistema
jurídico fechado, isso porque a jurisprudência normativa como fonte do direito é
fenômeno irrecusável dentro do direito laboral pós-moderno e pós-positivista,
podendo-se inclusive falar em um ramo do direito autônomo chamado direito
jurisprudencial, já que a construção da norma jurídica a partir do caso concreto em
busca da efetividade dos direitos fundamentais laborais é “conditio sine qua non”
para a aproximação do direito do trabalho à realidade econômica e social, inclusive
já existindo na jurisprudência trabalhista atual alguns exemplos de Súmulas e de
Precedentes Judiciais de aplicação obrigatória que servem como fonte do direito
laboral por terem criado normas jurídicas constitucionalizadas a partir de casos
concretos, com vinculação para casos práticos análogos futuros.
Por fim, o oitavo capítulo estudará, empiricamente, os fundamentos
práticos e teóricos de algumas Súmulas de jurisprudência do Colendo Tribunal
Superior do Trabalho, as quais servem como amostras empíricas de aplicação do
todo teórico desenvolvido nos sete capítulos anteriores, sendo que a análise do item
III da S. 244, do item III da S. 378, da S. 440 e da S. 443, todas elas do C. TST,
somente virá a enriquecer o presente trabalho acadêmico para ilustração prática do
argumento principal defendido nessa tese, segundo o qual, é preciso refletir sobre o
direito laboral positivista em busca de uma modulação jurídico-laboral pós-positivista,
sendo que a valorização da jurisprudência e da negociação coletiva é fator
determinante na concretização das normas e dos valores constitucionais, com a
máxima efetividade dos direitos fundamentais laborais e a defesa da flexibilidade
trabalhista de adaptação que venha a dar efetividade aos direitos laborais
específicos e inespecíficos.
17
CAPÍTULO I
NOVA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS, PÓS-POSITIVISMO
JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS
Por certo, no atual estágio de evolução do direito privado não pode
mais ser aceita como se fosse verdadeira a afirmação de que as molduras legais
infraconstitucionais taxativas seriam perfeitamente suficientes, exaurientes e
completas na regulamentação das ações e omissões humanas, ou seja, está
ultrapassada a visão de que os corpos legislativos infraconstitucionais existentes
dentro do ordenamento jurídico são capazes de criar molduras inflexíveis e aptas a
antever com plenitude quaisquer atos e fatos sujeitos à regulamentação jurídica6,
esse argumento ainda mais se justifica diante da indiscutível inércia legislativa
arraigada na cultura política brasileira, logo, as leis não acompanham a evolução.
Assim como, também está superada a compreensão estrita do direito
contratual privado à luz de uma aplicação absoluta da “pacta sunt servanda”, da
autonomia da vontade dos contratantes7 e dos efeitos relativos do contrato. Essas
premissas devem ser pensadas à luz do dinamismo e da hipercomplexidade8 que
pautam a sociedade pós-moderna.
6 Esse argumento critica o pensamento de Hans Kelsen, para quem: “O sistema jurídico, para Kelsen,
é unitário, orgânico, fechado, completo e autossuficiente; nele, nada falta para seu aperfeiçoamento;
normas hierarquicamente inferiores buscam seu fundamento de validade em normas
hierarquicamente superiores. O ordenamento jurídico resume-se a esse complexo emaranhado de
relações normativas”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia
do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 400)
7 Renato Rua de Almeida, com base nas lições de Teresa Negreiros, critica a atualidade da
expressão autonomia da vontade dos contratantes, para ele o mais correto é denominar autonomia
privada, já que a vontade está limitada pela função social do contrato, conforme se verá no Capítulo 3
dessa tese.
8 São diversos os autores (Niklas Luhmann, Edgar Morin, Marcelo Neves, Zygmunt Bauman “et
cetera”) que tratam sobre o dinamismo e a hipercomplexidade das relações sociais no século XXI, em
18
Isso porque, tanto as normas jurídicas infraconstitucionais, quanto as
cláusulas contratuais privatistas, devem irradiar os direitos fundamentais de “status”
constitucional, sendo que as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos
indeterminados são as janelas abertas do sistema jurídico que permitem a máxima
constitucionalização do direito privado, inclusive do direito laboral.
Cabe ao magistrado dar eficácia aos direitos fundamentais laborais no
caso concreto, permitindo que os valores constitucionais prevaleçam nas relações
de direito privado, mesmo em detrimento da cláusula “pacta sunt servanda”,
cabendo inclusive a interpretação conforme a Constituição dos contratos e das leis.
Certamente, a constitucionalização do direito laboral depende do
protagonismo da Justiça do Trabalho, cabendo a ela a responsabilidade social e
política de dar eficácia aos direitos fundamentais laborais9.
que pese nem todos utilizem exatamente o termo hipercomplexidade, alguns adjetivando apenas
como complexidade ou usam outra terminologia. Partindo-se da premissa de que é natural a
existência de divergências entre os diversos autores quanto ao que se entende por sociedade
dinâmica e hipercomplexa, para Niklas Luhman dinamismo e hipercomplexidade significam:
ampliação das possibilidades e das alternativas frente às necessidades de escolhas, quantidades de
possibilidades e alternativas muito além do que pode ser realizável, pressão seletiva, riscos
permanentes, abertura para o futuro (cf.: LUHMAN, Niklas apud NEVES, Marcelo. Entre Têmis e
Leviatã: uma relação difícil. 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2008, pág. 15-18). Ainda, é
possível caracterizar o dinamismo e a hipercomplexidade das relações sociais pelos seguintes
atributos: mudanças sociais repentinas e permanentes, crises, incertezas, esperança, multiplicidades
de padrões comportamentais, crise de valores, mudanças de paradigmas e de expectativas,
hegemonia do capital globalizante, riscos de retrocesso social, necessidade de afirmação de
conquistas, retomada de discursos antes superados “et cetera”.
9 “Essa responsabilidade constitucional e política da Justiça do Trabalho na efetividade dos direitos
fundamentais nas relações de trabalho a enobrece, dando-lhe novo protagonismo na sociedade
brasileira, sobretudo em razão da inércia legislativa estruturalmente resultante de um sistema eleitoral
proporcional das eleições legislativas superado no tempo. O protagonismo do Poder Judiciário, como
um todo, na busca da eficácia dos direitos fundamentais, constitui o que Boaventura de Sousa Santos
denomina de judicialização da política, em sua obra ‘Para uma revolução democrática da justiça’,
editada pela Cortez Editora, constituindo um dos sinais dos tempos modernos na construção
democrática”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de
trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-06/647-650)
19
Judith Martins-Costa, ao tratar sobre o Código Civil em vigor, afirma
que a legislação infraconstitucional privatista pode ser considerada “uma estrutura
receptora dos direitos fundamentais, difundindo-os nas relações interprivadas e
contribuindo com a construção de uma nova noção de pessoa humana”10, o que se
aplica aos contratos de trabalho.
Então, não cabe mais nos dias atuais a visão estanque do direito
privado como conjunto de normas infraconstitucionais dissociadas da ordem jurídica
constitucional, assim como não cabe mais a aplicação absoluta da “pacta sunt
servanda” às relações contratuais, já que a função social do contrato e a boa-fé
objetiva acarretam na ingerência de normas constitucionais sobre a vontade dos
contratantes, dando origem à ideia de autonomia privada dos contratantes, e na
modulação dos efeitos do contrato de direito privado, conforme se verá nos capítulos
2 e 3 dessa tese de doutoramento.
O pós-positivismo jurídico é a escola de pensamento jusfilosófico que
orienta a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, sendo esse o
paradigma que será observado em todos os capítulos dessa tese.
Renato Rua de Almeida, em seus textos mencionados ao final da tese
nas referências bibliográficas, destaca que a irradiação dos direitos fundamentais
laborais sobre todo o ordenamento jurídico decorre da sua dimensão objetiva, o que
implica na constitucionalização do direito privado11. Essa irradiação poderá ocorrer
em algumas situações com a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais
ao caso concreto, o que chamamos de eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais, ou mesmo por meio das cláusulas gerais estudadas nos capítulos 2 e
10
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil,
Constituição, direitos fundamentais e direito privado, In: SARLET, Ingo. (Org.). Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, pág. 65.
11 “(...) a dimensão objetiva dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 implicou a sua
irradiação no ordenamento jurídico brasileiro, resultando o fenômeno da constitucionalização do
direito privado, com a aprovação no Brasil do Código Civil de 2002”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A
função social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item III, na
Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, do TST, Suplemento Trabalhista LTr, sob o nº
137/13, em 2013, ano 49, págs. 741-743)
20
3 dessa tese, sendo que essas cláusulas gerais permitem ao magistrado a aplicação
indireta e mediata das normas constitucionais por meio da interpretação da
legislação infraconstitucional a partir do CF/88.
O que pretendia a Escola da Exegese, assim como o Pandectismo12,
era que o pensamento jurídico pudesse ser reduzido ao simples raciocínio
silogístico, de tal maneira que as ações e omissões humanas fossem previsíveis,
cabendo ao magistrado apenas a aplicação de fórmulas legalistas aos casos
concretos, o que se mostra de certa maneira ultrapassado nos dias atuais.
Em matéria contratual, segundo a Escola da Exegese e o Pandectismo,
aquilo que não fosse proibido pela lei poderia ser amplamente e autonomamente
contratado entre os sujeitos e entes privados, mas, uma vez firmada a avença,
deveria ser obedecida com rigidez e de maneira inflexível a máxima da “pacta sunt
servanda”. Essa ideia se contrapõe ao direito do trabalho contratualista construído
ao longo do séc. XX, cuja construção primou pelo dirigismo estatal sobre a liberdade
contratual, dado o reconhecido elemento pessoalidade do trabalhador inerente à
avença laboral, o que não se afasta com o pós-positivismo.
Segundo Thomas da Rosa de Bustamante, de acordo com a Escola da
Exegese, surgida na França no séc. XIX, as molduras legais e contratuais serviriam
ao estilo “phrase unique”, utilizado pelos magistrados quando da busca da solução
jurídica para o caso concreto, sendo que a aplicação do direito nada mais seria do
que o resultado de raciocínios silogísticos formais com a incidência da norma legal e
das regras contratuais ao caso concreto, sem que qualquer indagação valorativa
12
“Na Alemanha, Bernhard Windscheid foi o autor do Tratado dos Pandectas, que deu origem ao
movimento que ficou conhecido como pandectismo, por dedicar-se à pesquisa dos Pandectas ou
Digesto de Justiniano. Esse movimento encarava a lei como um produto resultante da história de um
povo e da vontade racional do legislador. Ocupando uma posição intermediária entre a compreensão
do espírito de um povo, como manifestação da lei, e o mais puro apego ao texto da lei, o pandectismo
supera a Escola Histórica e influencia, de modo decisivo, o surgimento da codificação, na França,
pós-revolução. O movimento pela codificação, na França, tem como principal referência doutrinária a
Escola da Exegese. (...) A Escola da Exegese advoga o princípio da completude do ordenamento
jurídico, e não deixa espaço para o Direito natural. As lacunas da lei devem ser resolvidas pelo
próprio sistema jurídico”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de
Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 391-392)
21
fosse possível, ou mesmo principiológica, quanto ao que foi estabelecido pelo
legislador ou quanto ao que foi livremente e autonomamente contratado entre os
sujeitos privados13.
Então, à luz do sistema jurídico surgido no séc. XIX, tendo como
paradigma o Código Civil Francês Napoleônico de 1804, o direito seria produto da
vontade dos legisladores, enquanto legítimos representantes do povo, e não da
atividade jurisprudencial, negando-se a ela qualquer papel normativista, sendo que
aquilo que não fosse vedado pelas legislações poderia ser amplamente contratado
entre os sujeitos privados, cabendo aos magistrados o papel de meros aplicadores
da vontade legislativa ao caso concreto (“bouche de la loi”) e de concretizadores das
vontades contratuais. A norma jurídica deveria ser encontrada na literalidade do
texto da lei, havendo um único significado possível para o texto legal, e quanto às
regras contratuais elas deveriam observar estritamente as vontades dos sujeitos
privados contratantes (“pacta sunt servanda”).
Assim, para a Escola da Exegese interpretar a lei seria respeitar
estritamente o seu único significado normativo14, assim como criar obrigações e
13
Thomas da Rosa de Bustamante, remetendo à Chaïm Perelman (Lógica Jurídica, Trad. De
Vergínia K. Pupi, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pág. 31), menciona que o “estilo phrase unique” é
produto da cultura iluminista francesa do século XIX, vejamos: “O estilo phrase unique é uma
manifestação particular da influência que o Positivismo formalista do século XIX exerceu em França.
Durante o período compreendido entre a data da entrada em vigor do Código Napoleônico, em 1804,
e o lançamento da obra de François Gény intitulada Méthodes d’Interprétation et Sources em Droit
Privé Positif, em 1899, foi hegemônica em solo francês a denominada ‘Escola da Exegese’, que
pretendia, consoante as ideias fundamentais acerca do Direito dominantes na Revolução Francesa,
‘reduzir o Direito à lei’ e, de modo mais particular, ‘o direito civil ao Código de Napoleão’”
(BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação
das regras jurisprudenciais, São Paulo: Noeses Editora, 2012, pág. 20).
14 Thomas da Rosa de Bustamante, remetendo às lições de Benoît Frydman (“Exégèse et Philologie:
um cas d’hermenéutique comparée”, Revenue Interdisciplinarie d’Études Juridiques, 1994, pág.
74): “Em uma palavra, a premissa fundamental da denominada ‘Escola da Exegese’ é de que ‘o texto
(da lei) possui um e apenas um significado verdadeiro’, e, portanto, de que a interpretação
‘corresponde a um ato de conhecimento objetivo, que deve e pode ser purgado de todo juízo de valor
próprio do intérprete”. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial: a
justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais, São Paulo: Noeses Editora, 2012, pág. 21).
22
direitos com fonte contratual seria o mesmo que exercer amplamente e livremente a
autonomia da vontade, desde que respeitados os limites legais. Justamente, a
reflexão que será feita nos próximos capítulos dessa tese é quanto à inércia
legislativa que diante de razões circunstanciais com o tempo deixou de acompanhar
os paradigmas constitucionais.
Retomando as ideias já expostas no início do presente capítulo,
ensinam Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida que “o
Pandectismo (Alemanha), a Escola da Exegese (França) e a Escola Analítica
(Inglaterra) têm uma característica que unifica todas essas escolas: a compreensão
dos dispositivos legais, pela cuidadosa pesquisa da vontade do legislador”15.
Sob o ponto de vista do direito contratual privatista, o Código Civil
Napoleônico de 1804 sustentava a teoria geral dos contratos em 3 (três) pilares
clássicos, que são os seguintes: (1º) autonomia da vontade; (2º) intangibilidade do
conteúdo do contrato; (3º) relatividade dos efeitos do contrato.
Quando falamos em abertura do sistema jurídico estamos justamente a
falar sobre a ruptura com os padrões jurídico-hermenêuticos estabelecidos pela
Escola da Exegese, abertura para que o papel interpretativo da jurisprudência se
aproxime da realidade, bem como para que o direito se torne menos formal e se
abra, aproximando-se dos princípios e valores constitucionalizados.
O positivismo formalista16, nas suas mais variadas vertentes, reduz o
conhecimento jurídico ao estudo de normas jurídicas abstratas, como se as fontes
15
BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição,
São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 391.
16 “Reflexo do positivismo científico do século XIX, o positivismo jurídico, como movimento de
pensamento antagônico a qualquer teoria naturalista, metafísica, sociológica, histórica, antropológica
etc. adentrou de tal forma nos meandros jurídicos, que suas concepções se tornaram estudo
indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógico-sistemática do Direito. Sua
contribuição é notória no sentido de que fornece uma dimensão integrada e científica do Direito,
porém, a metodologia do positivismo jurídico identifica que o que não pode ser provado racionalmente
não pode ser conhecido, ao estilo da exatidão matemática da influência juvenil kelseniana; sem
dúvida nenhuma, retira os fundamentos e as finalidades, contentando-se com o que ictu oculi satisfaz
às exigências da observação e da experimentação, daí restringir-se ao posto (positum – ius
23
legislativas fossem capazes de construir um sistema jurídico fechado, acabado,
completo e capaz de alcançar a totalidade das situações concretas, sendo que a
liberdade contratual estaria inserida nos vazios das regulamentações legais.
Quando falamos em abertura do sistema jurídico estamos negando
essa completude e capacidade das fontes legislativas para alcançar todas as
situações da realidade prática, o que exige a existência dentro do ordenamento de
normas com conteúdo aberto para que possam ser adequadas caso a caso,
conforme a realidade prática, assim como estamos negando que os 3 (três) pilares
de sustentação da teoria clássica dos contratos privados (“pacta sunt servanda”,
autonomia da vontade e relatividade dos efeitos dos contratos) tenham caráter
absoluto, em razão do surgimento de 3 (três) novos pilares, (i) boa-fé objetiva, (ii)
equilíbrio econômico da relação contratual e (iii) intangibilidade dos efeitos dos
contratos.
Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida entendem
que o positivismo jurídico reduz o conhecimento jurídico à compreensão da norma e
do sistema jurídico no qual está ela inserida, desconsiderando-se quaisquer
questões éticas, morais, valorativas, políticas, filosóficas ou sociológicas17.
No plano do direito privado, a inserção de cláusulas gerais e de
conceitos jurídicos indeterminados em nosso sistema jurídico atual é uma das
principais caraterísticas permissivas da abertura do sistema, na medida em que tais
espécies normativas permitem ao magistrado, diante do caso concreto, aferir
positivum).” (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito,
10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 398)
17 Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, ao falarem sobre a jurisprudência dos
conceitos, que é por eles considerada “um dos avatares do Positivismo Jurídico”, dizem: “É a
colocação da realidade fática como único objeto merecedor de consideração por parte da Ciência
Jurídica que faz com que a razão de ser do positivismo jurídico reduza-se à compreensão da norma e
do sistema jurídico no qual ela está inserida. De fato, será o reducionismo uma característica
fundamental dos positivistas. (...) A redução do direito à norma, com a desconsideração das questões
éticas, políticas e sociológicas na esfera do Direito atinge o seu ápice com a Jurisprudência dos
Conceitos (...)”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do
Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 390-391)
24
aspectos éticos, morais e valorativos quando da busca da solução jurídica para o
caso concreto.
Uma das principais características da sistemática jurídica privatista
atual é a corporificação de janelas abertas, que permitem uma maior flexibilidade na
busca da solução justa para o caso concreto.
As janelas abertas, acima referidas, agregam-se aos 3 (três) novos
pilares da teoria geral dos contratos, já mencionados. São consideradas janelas
abertas, as cláusulas gerais de direito e os conceitos jurídicos indeterminados, e
também permitem a abertura do sistema jurídico os princípios constitucionais
explícitos e implícitos, bem como os valores intrínsecos ao texto constitucional.
Judith Martins-Costa ao dissertar sobre a técnica legislativa adotada
pelo Código Civil em vigor, o qual irradia regras e princípios normativos por todo o
direito privado, inclusive sobre o direito laboral (o que será abordado adiante nos
próximos capítulos), explica essa ideia aqui exposta, pois, segunda ela não
podemos mais entender o direito privado por meio de “modelos jurídicos fechados”
previstos na legislação infraconstitucional e nem mesmo conferir caráter absoluto à
autonomia da vontade contratual, sendo a CF/88 o maior paradigma de
regulamentação das relações jurídicas de direito privado, sendo que o texto
constitucional está farto de “modelos abertos” aptos a que sejam aplicados direta e
imediatamente aos casos concretos18, ou de forma indireta e mediata por meio das
cláusulas gerais, conforme se verá nos próximos capítulos.
18
“O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a estrutura que,
geometricamente desenhada como um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais
completa tradução na codificação oitocentista. Hoje a sua inspiração, mesmo do ponto de vista da
técnica legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. Sua linguagem, à
diferença do que ocorre com os códigos penais, não está cingida à rígida descrição de fattispecies
cerradas, à técnica da casuística. Um Código não-totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da
vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem
trilhadas, que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais. As cláusulas gerais,
mais do que um “caso” da teoria do direito – pois revolucionam a tradicional teoria das fontes –
constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio
legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios
valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos
25
Ora, conforme as lições acima expostas, mostra-se correto afirmar que
o direito privado brasileiro, categoria dentro da qual se inclui o direito laboral, vem
evoluindo, tornando-se cada vez menos ortodoxo, com o abandono de parte de sua
rigidez dogmática em razão da ampliação de sua importância pragmática.
No contexto aqui analisado, mostra-se correto afirmar que o
pensamento jurídico ortodoxo seria aquele ligado à Escola da Exegese, a qual
entende a atividade jurisdicional como mera “bouche de la loi”, cabendo ao juiz
obedecer estritamente aos ditames legais e aos contratantes curvarem-se ao
avençado de maneira absoluta.
Então, segundo as lições acima, a evolução do direito privado está
relacionada com a superação dos dogmas jurídicos firmados pela Escola da
Exegese na época do iluminismo e a construção de pensamentos jurídicos mais
flexíveis e próximos da realidade concreta dos fatos.
Ronald Dworkin, mundialmente um dos mais conhecidos críticos do
positivismo jurídico e de seus mentores Kelsen e Hart, propõe a análise do direito
por meio da interpretação construtiva, sob o argumento de que a interpretação
construtiva pode ser transformada “em um instrumento apropriado ao estudo do
direito enquanto prática social”19.
A ciência do direito está passando pelo momento do chamado pós-
positivismo, que seria uma etapa mais evoluída do positivismo formalista, sendo que
o propósito da presente tese de doutoramento é, justamente, desenvolver a
problemática envolvendo a efetividade dos direitos fundamentais laborais por meio
exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes,
nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada) de direitos e deveres configurados
segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim,
constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo”. (MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um
“sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro, Revista da
Faculdade de Direito da UFRGS, n. 15, Porto Alegre, UFRGS/Síntese, 1998, pág. 129-154.)
19 DWORKIN, Ronald. O império do direito, 3ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2014, pág. 81.
26
da sistemática de aplicação obrigatória de precedentes e súmulas, à luz dos
fundamentos teóricos trazidos pelo pós-positivismo.
A título de esclarecimento, entende-se por ortodoxo o pensamento
jurídico rígido, inflexível, apegado ao convencional, que não evolui. Palavra de
origem grega, “orthos” significa reto e “doxa” significa opinião.
Então, nesse sentido, a Escola da Exegese se pauta por dogmas que
propõe a aplicação inflexível das regras de direito, legislado ou contratual, pelo
magistrado, por meio de modelos jurídicos inflexíveis e de molduras fechadas
previstas na lei, sob a crença de que seria possível a construção de um
ordenamento jurídico sistematizado por meio de leis infraconstitucionais que
cobririam abstratamente todas as possibilidades de ação e omissão humanas dentro
da sociedade, existindo a liberdade contratual no vazio legislativo, sendo a “pacta
sunt servanda” um axioma absoluto.
Porém, estando a ciência do direito dentro de um natural processo
evolutivo, o pensamento jurídico heterodoxo é o que melhor se sintoniza às
necessidades sociais e humanas, por permitir permanentes discussões e revisões
dos padrões normativos estabelecidos por instituições oficiais, admitindo-se o
rompimento com o “status quo” inclusive no interior das próprias instituições.
Também de origem grega, “hetero” significa diferente e “doxa”, como acima visto,
significa opinião.
As cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados refletem
essa evolução em direção de uma sistemática jurídica aberta, menos dogmática e
mais próxima do caso concreto.
Por certo, o pós-positivismo jurídico expressa com coerência o
pensamento jurídico heterodoxo, ao propor a abertura do sistema jurídico por meio
do reconhecimento da existência de princípios constitucionais explícitos e implícitos
com força normativa e com aplicação direta e imediata ao caso concreto, bem como
ao defender a introdução no âmbito do ordenamento jurídico das cláusulas gerais e
dos conceitos jurídicos indeterminados também com força normativa, sendo que são
as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados algumas portas e
avenidas para a entrada dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
27
Na passagem acima transcrita, Judith Martins-Costa destaca a
mudança paradigmática ocorrida no âmbito da ciência do direito privado com a
construção de um sistema jurídico aberto, tornando-se a Constituição Federal a
“alma mater” do ordenamento jurídico privado, sendo certo que o texto constitucional
é farto em modelos jurídicos abertos e pouco dogmáticos, hábeis à busca de
soluções jurídicas justas frente ao caso concreto, sendo que a legislação
infraconstitucional reproduz as janelas abertas do texto constitucional com a criação
de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados.
Renato Rua de Almeida, em seu artigo científico denominado “A função
social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item
III, na Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, TST”, explica que a eficácia
dos direitos fundamentais nas relações privadas pode ser alcançada pelas cláusulas
gerais e pelos conceitos jurídicos indeterminados.
Segundo o referido doutrinador, os direitos fundamentais prescritos no
texto constitucional têm eficácia vertical em relação ao Estado e eficácia horizontal
em relação às entidades privadas, com isso surge a discussão acerca da eficácia
mediata e indireta ou imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações
privadas, assim, ainda que se entenda pela eficácia mediata e indireta, o que não
permitiria a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares, ainda assim caberia a aplicação dos direitos fundamentais por meio das
cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, que são janelas, portas e
avenidas de entrada dos direitos fundamentais nas relações privadas20.
20
“(...) Se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas deva ser imediata e direta ou
mediata e indireta, ela depende de uma análise tópico-sistemática, com soluções diferenciadas,
segundo a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (cf. A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do
Advogado Editora). Mas, mesmo que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas
seja mediata e indireta, deve-se buscar a sua máxima efetividade, em razão da dimensão objetiva
dos direitos fundamentais que se irradia por todo o ordenamento jurídico. Chega-se, nesse momento,
à necessidade de se fazer uma incursão no direito civil constitucionalizado, a partir do Código Civil de
2002. Assim, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 implicou
sua irradiação no ordenamento jurídico brasileiro, resultando o fenômeno da constitucionalização do
direito privado, com a aprovação no Brasil do Código Civil de 2002. Em decorrência, a eficácia dos
direitos fundamentais nas relações privadas passou também a ser alcançada com as cláusulas gerais
28
Teresa Negreiros, em sua obra “Teoria dos Contratos: novos
paradigmas”21, que é resultado de sua tese de doutoramento defendida na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro em fevereiro de 2002, propõe o estudo
constitucionalizado da teoria geral dos contratos de direito privado, superando-se a
dogmática clássica pautada estritamente nos 3 (três) pilares tradicionais (“pacta sunt
servanda”, autonomia da vontade e relatividade dos efeitos dos contratos),
inserindo-se novos pilares pós-modernos ao direito contratual, permitindo-se a
ressistematização do sistema jurídico privatista.
O liberalismo clássico implantado pelo iluminismo separou o
ordenamento jurídico em duas partes incomunicáveis, de um lado o direito público,
de outro o direito privado. De acordo com esse modelo, a Constituição seria
instrumento de regulamentação de relações jurídicas nas quais estivesse inserido o
Estado, sendo ela, a Magna Carta, um limitador na atuação do poder público. De
outro lado, teríamos o Código Civil como instrumento máximo de regulamentação
das relações jurídicas privadas. Seriam dois mundos paralelos e incomunicáveis, o
da boa-fé objetiva (artigos 187 e 422 do Código Civil), e seus deveres anexos, da função social do
contrato (artigos 421 e 187 do Código Civil) e do equilíbrio econômico dos contratantes (expressada
pelos institutos da resolução por onerosidade excessiva, artigo 478 do Código Civil, e da lesão, artigo
157 do Código Civil). As cláusulas gerais da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do
equilíbrio econômico dos contratantes constituem os grandes princípios do direito civil
constitucionalizado brasileiro, ao incorporar os princípios normativos dos direitos fundamentais,
prevalecendo prima facie sobre os princípios positivistas do Código Civil de 1916, traduzidos no
princípio da autonomia da vontade, que se subdivide no princípio da liberdade contratual lato sensu,
no princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais ou pacta sunt servanda e no princípio da
relatividade dos efeitos contratuais, vinculando as partes, não beneficiando nem prejudicando
terceiros ou res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest, conforme a lição de Teresa
Negreiros (cf. Teoria do contrato. Novos paradigmas, Renovar). Ademais, as cláusulas gerais são
preceitos de ordem pública (parágrafo único do artigo 2035 do Código Civil) dando liberdade ao juiz
de aplicá-las ao caso concreto, inclusive como exceção ao princípio da congruência, sem que a
decisão seja tida como extra ou ultra petita.” (ALMEIDA, Renato Rua de. A função social do contrato e
a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item III, na Súmula 378, e a edição das
Súmulas 440 e 443, do TST, Suplemento Trabalhista LTr, sob o nº 137/13, em 2013, ano 49, págs.
741-743).
21 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
29
que se justificaria pela posição de soberania do Estado nas relações jurídicas nas
quais ele estivesse inserido, o que não aconteceria nas relações entre sujeitos
privados, os quais estariam, ao menos a princípio, em posição jurídica de
igualdade22.
Por certo, esse mito da divisão do ordenamento jurídico em dois
mundos incomunicáveis começou a desmoronar com a questão social23, originária
da 2ª Rev. Industrial do séc. XIX, que fez nascer o Estado Social de Direito, quando
o Estado passou a interferir nas relações privadas para proteger os vulneráveis,
principalmente com a inserção de direitos sociais nos textos constitucionais, mas,
nesse primeiro momento, os direitos sociais foram inseridos observando as
premissas do positivismo formalista, ou seja, os direitos sociais ganharam espaço
nos textos constitucionais como programas e diretrizes a serem observadas pelo
poder público.
De qualquer maneira, ainda que nesse primeiro momento de
constitucionalização dos direitos sociais não tivéssemos a afirmação da eficácia
direta e imediata das normas constitucionais garantidoras dos direitos sociais nas
relações privadas, já que a concretização dos direitos sociais dependia da atuação
legislativa na regulamentação dos direitos, ou do executivo por meio de políticas
públicas, pelo menos se começava a superar o mito da divisão científica do
ordenamento jurídico em dois ramos incomunicáveis: público e privado.
Então, estamos falando em evolução do sistema jurídico construído
sob as bases estabelecidas inicialmente na modernidade, cujo estágio atual está
pautado em valores pós-modernos.
22
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, pág. 48-49.
23 “A expressão questão social não havia sido formulada antes do século XIX, quando os efeitos do
capitalismo e as condições da infraestrutura social se fizeram sentir com muita intensidade,
acentuando-se um amplo empobrecimento dos trabalhadores, inclusive dos artesãos, pela
insuficiência competitiva em relação à indústria que florescia”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro.
Curso de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 09)
30
Na verdade, a ruptura com as bases de sustentação do sistema jurídico
concebido no liberalismo vem ocorrendo lentamente por meio de constantes
transformações, de forma evolutiva.
A construção inicial do sistema jurídico que conhecemos ocorreu
durante o período pós-revolução francesa, com influência do iluminismo, quando
foram firmadas as ideias de Estado-Nação, sistema representativo, Constituição,
soberania, separação de poderes, legalidade, sistema jurídico, ordenamento jurídico,
codificação, separação entre público e privado, liberdades (política, econômica,
religiosa, de trabalho “et cetera”), propriedade privada, autonomia da vontade,
liberdade contratual, igualdade jurídica, não intervencionismo estatal na esfera
privada, meritocracia, lei da oferta e da procura, individualismo, racionalidade
jurídica, contrato como lei entre as partes, eficácia das regras contratuais apenas
entre as partes contratantes “et cetera”24.
É certo que essa construção liberal pós-revolucionária, acima
destacada, que, sob a influência clássica do iluminismo, fundou as bases de nosso
sistema jurídico atual, na perspectiva das relações de trabalho se notabilizou por
compreendê-las sob o ponto de vista contratual privatista, partindo da rudimentar
premissa de que seria possível alcançar harmonia e equilíbrio na relação contratual
entre empregado e empregador, pois, equivocadamente, acreditava-se na existência
de natural equilíbrio nas relações econômicas e laborais25.
24
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, pág. 23.
25 “Foi realmente muito expressiva a influência que a codificação do direito civil exerceu sobre a
disciplina inicial do contrato de trabalho. O papel desempenhado, ainda que remotamente, pelo
Código de Napoleão (1804), pelo Código tedesco (1896) e pelos Códigos italianos (1865 e 1942) não
pode ser desconhecido, principalmente porque traziam um cunho marcadamente comum,
consagrando a ideologia do contrato que viria a repercutir na forma pela qual as relações entre
empregado e empregador viriam a ser conhecidas. O contrato é o signo da liberdade. Acreditava-se
que o equilíbrio nas relações econômicas e trabalhistas pudesse ser atingido diretamente pelos
interessados segundo o princípio da autonomia da vontade. Assim, esses Códigos não revelam
nenhuma preocupação com o problema social”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito
do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 25-26)
31
Então, a ingênua visão liberal clássica que embasou a construção
inicial de nossos sistemas jurídicos modernos não destacou especial tratamento aos
contratos laborais, acreditando-se ingenuamente no natural equilíbrio da relação
capital e trabalho por meio da autonomia da vontade de empregado e empregador, e
também na liberdade contratual, com isso, tendo-se em vista que a Escola da
Exegese teve como paradigma o Código Civil Napoleônico de 1804 e serviu de
embrião para a formação do positivismo formalista, por certo o sistema jurídico
semeado a partir de molduras e modelos jurídicos taxativos, admitindo-se a
liberdade contratual nos vazios da lei, foi aplicado às relações laborais desde o
momento pós-revolucionário.
Com a constitucionalização dos direitos sociais26, no limiar do século
XX, em que pese a maior intervenção do Estado nas relações de trabalho, não se
notou o abandono do modelo jurídico positivista formalista, na verdade, o que se viu
foi a redução do espaço de liberdade contratual conferido às relações laborais. O
contrato de trabalho passou a ser objeto de um dirigismo estatal, restando mínimo o
espaço negocial nas relações de trabalho (que continuaram a ser relações de direito
privado, apesar de alguns afirmarem se tratar muito mais de um direito social,
existindo inclusive aqueles que passaram a entender como ramo do direito público).
No início do século XX o espaço negocial nos contratos laborais foi
reduzido e foi ampliada a regulamentação jurídica por meio de fontes legislativas,
então, as relações laborais passaram a suportar o forte dirigismo contratual por meio
da existência de molduras e modelos legais inflexíveis e rígidos, pertencentes a um
sistema jurídico fechado, no qual o magistrado é um mero “bouche de la loi”,
permanecendo o formalismo positivista mesmo com a passagem do Estado Liberal
para o Estado Social. Mantendo-se, em boa medida, mesmo no Estado Social, os
26
“Denomina-se constitucionalismo social o movimento que, considerando uma das principais
funções do Estado a realização da Justiça Social, propõe a inclusão de direitos trabalhistas e sociais
fundamentais nos textos das Constituições dos países. Inicia-se com a Constituição do México de
1917, à qual Trueba Urbina dedica o estudo La primera Constitución político-social del mundo,
publicado em 1971 no México, no qual conceitua Constituição Social como ‘um conjunto de
aspirações e necessidades dos grupos humanos que como tais integram a sociedade e traduzem o
sentimento da vida coletiva, distintos dos da vida política’”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso
de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 31)
32
pilares básicos de construção do sistema jurídico da modernidade. Mas, mesmo
nesse período, já encontramos por parte de estudiosos alguns questionamentos ao
modelo jurídico rígido e inflexível proposto pela Escola da Exegese, críticas que se
mantiveram ao longo do século XX e impulsionaram a ruptura com o positivismo
formalista, com a Escola da Exegese e com o Pandectismo, o que se verificou com o
início da pós-modernidade.
Hans Kelsen, sempre lembrado como um dos mais notáveis positivistas
que a história do direito já conheceu, ao contrário do que muitos pensam, já admitia
a possibilidade de alguma flexibilidade valorativa quando da aplicação da norma
jurídica, isso porque ele não apenas desenvolveu teoria do direito, também se voltou
ao problema da justiça. Tendo-se em vista que ele construiu a sua própria teoria do
direito e da justiça, e que muitos positivistas formalistas discordam radicalmente das
ideias do jurista austríaco, por tais razões alguns estudiosos passaram a mencionar
as ideias dele como escola do positivismo normativista27.
Kelsen, em seu positivismo normativista, já admitia alguma flexibilidade
valorativa quando da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, diante da
aceitação por ele da utilização de valores de justiça.
Na verdade, ao contrário do que foi defendido pela Escola da Exegese,
no período pós-revolucionário (século XIX), quando dos primórdios do positivismo
formalista, para a qual havia a crença de que molduras legais e contratuais serviriam
ao estilo “phrase unique” criando-se inflexíveis raciocínios silogísticos, em outra
vertente, o pensamento jurídico kelseniano, em momento posterior, já passou a
admitir alguma flexibilidade valorativa na construção do raciocínio jurídico, pois,
segundo Hans Kelsen, a construção da norma jurídica não decorre de mera vontade
27
Conforme as lições de Eduardo Carlos Bianca Bittar e de Guilherme Assis de Almeida: “Hans
Kelsen, como pensador do Direito, aqui computada a sua passagem pelo Tribunal Constitucional
Austríaco (1921), qualifica-se dentro do diversificado movimento a que se costuma chamar de
positivismo jurídico. A importância de situá-lo nesse movimento está em localizar seu pensamento,
suas principais fontes de influência e compreender suas pretensões teóricas. Nesse sentido, há
teóricos do positivismo que diferem em absoluto da postura kelseniana, o que se motivou a que se
mencionasse a teoria do filósofo vienense de positivismo normativista”. (BITTAR, Eduardo C. B.;
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas,
2012, pág. 397-398)
33
do legislador, por ser possível atribuir muitas vontades diversas ao legislador, isso
porque a norma jurídica se sujeita à interpretação, podendo o mecanismo de
interpretação jurídica atribuir diversos sentidos diferentes para uma mesma norma
jurídica.
Então, o positivismo normativista de Hans Kelsen já na primeira
metade do século XX mostrava ao mundo jurídico a possibilidade de que o sistema
jurídico tivesse um pouco de flexibilidade em negação aos preceitos da Escola da
Exegese, pois, ainda que ele defendesse o sistema jurídico como sendo um sistema
fechado, completo, orgânico e autossuficiente, ainda assim o jurista austríaco
aceitava a possibilidade de que dentro e internamente do sistema jurídico fossem
ofertadas diversas soluções jurídicas a um mesmo caso concreto, quando da
possibilidade de ofertar diversos significados a uma mesma norma jurídica, cabendo
ao intérprete escolher o significado mais justo frente ao caso concreto28.
Para o jurista austríaco, o intérprete não poderia fazer juízos de justiça,
poderia apenas realizar juízos de direito, mas, ao realizar juízos de direito caberia a
escolha da melhor solução jurídica por meio de valores de justiça29.
Um dos maiores estudiosos brasileiros da obra de Hans Kelsen, Fábio
Ulhoa Coelho, em seu trabalho denominado “Para entender Kelsen”30, expõe a
28
“(...) Para Kelsen, a teoria do Direito possui dois juízos de valor: (1) valores de direito, cujo
parâmetro objetivo é a norma jurídica (lícito/ilícito); (2) valores de justiça (justo/injusto), cujo parâmetro
subjetivo repousa em dados variáveis e indedutíveis (justiça democrática, autoritária, nacionalista,
demagógica etc.). Abordando-se os valores, pode-se dizer que a norma jurídica é a única segurança
para a teoria do direito; é ela o centro das investigações positivistas do Direito. Todavia, ela não é a
simples expressão da vontade do legislador, porque são muitas as possíveis vontades do legislador;
o que torna a pesquisa da norma um dado fluído. A norma está sempre sujeita à interpretação, e é
isto que permite que diversos sentidos jurídicos convivam em um só ordenamento.” (BITTAR,
Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São
Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 401)
29 “Kelsen termina por afirmar que a ‘ciência jurídica não tem espaço para os juízos de justiça’, mas
somente para os juízos de Direito”. (KELSEN, Hans. O que é justiça? A Justiça, o direito e a
política no espelho da ciência, 1998, pág. 203-224, In: BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA,
Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág.
401).
34
respeito da hermenêutica kelseniana, quando afirma que a indeterminação relativa
das normas jurídicas é inerente à positivação, então, não há como se vincular em
termos absolutos e completos o conteúdo da decisão judicial. Além disso, segundo o
estudioso, pela hermenêutica kelseniana não há como se afirmar que o órgão
jurisdicional ao aplicar o direito realiza mero ato de conhecimento, pois não há como
se negar o fato de que há manifestação de vontade no ato de julgar.
Fábio Ulhoa Coelho critica aqueles que relacionam o pensamento
kelseniano ao puro formalismo exegético, como se fosse possível atribuir um único
significado possível à norma jurídica, na verdade, segundo ele, a filosofia do direito
kelseniana admite até mesmo a possibilidade de que na prática o juiz atribua à
norma jurídica um determinado sentido normativo por razões de ordem psicológica,
ideológica, sociológica, moral, cultural “et cetera” (não há como se controlar essa
valoração judicial), ainda que esse tipo de valoração extrajurídica não seja
desejável, mas não se pode negar ser possível que ela exista. Isso porque para a
filosofia do direito kelseniana o papel do cientista do direito é identificar as diversas
significações possíveis a cada disposição normativa, cabendo ao aplicador do direito
escolher qual é a significação adequada a cada caso concreto31.
Cabe ainda ressaltar, quanto ao pensamento kelseniano, no que diz
respeito à teoria dos contratos de direito privado o positivismo normativista
idealizado pelo jurista austríaco não apresenta significativas diferenças frente à
construção jurídica firmada pela Escola da Exegese, então, permanecem intactos os
30
ULHOA COELHO, Fabio. Para entender Kelsen, 5ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág.
56-62.
31 “Em razão da necessária indeterminação relativa da norma jurídica, ela pode ser metaforicamente
referida como uma moldura, dentro da qual se acomodam muitos significados. A interpretação não
autêntica cognoscitiva, isto é, a realizada pela ciência do direito, fixa os limites da moldura de
significados, pertinentes à norma interpretanda. No entanto, o conhecimento científico do direito não
pode ir além. Ou seja, uma vez encontradas todas as múltiplas significações atribuíveis a dada
norma, fixada a respectiva moldura, cessa a tarefa da ciência jurídica. Nas hipóteses específicas em
que essa mesma norma for aplicada, evidentemente apenas um desses significados prevalecerá,
mas em decorrência de um ato de vontade da autoridade competente não de qualquer ato
cognoscitivo da ciência jurídica”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 5ª edição, São
Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág. 56-62)
35
3 (três) pilares de sustentação da teoria dos contratos: (i) “pacta sunt servanda”, (ii)
autonomia da vontade e (iii) relatividade dos efeitos dos contratos. A liberdade
contratual ainda se situa na inexistência de proibições legais.
Por sua vez, o jurista paulista, Miguel Reale, já na década de 70 do
séc. passado, destacava a importância da teoria da interpretação para a
hermenêutica jurídica, afastando por completo a ideia de que a atuação jurisdicional
seria uma “bouche de la loi”, admitindo-se ao magistrado, desde a aquela época,
que manifestasse vontade ao interpretar a lei, não sendo o ato de julgar mero ato de
conhecimento.
O acima referido jurista paulista, na segunda metade do século
passado, desenvolveu estudos nos quais se influenciou pelos ensinamentos do
mestre italiano, Tullio Ascarelli, para quem a teoria da interpretação jurídica não
ocupava lugar marginal, acessório ou complementar na teoria do direito, ao
contrário, “a interpretação faz parte integrante e essencial de seu pensamento”32.
É importante destacar que, conforme menciona Miguel Reale, os
estudos sobre teoria da interpretação jurídica do italiano tiveram como fonte
inspiradora o sistema da “common law”, principalmente através das obras de três
jusfilósofos: Wendell Holmes, Roscoe Pound e Benjamin Cardoso33.
32
“Para determinados jurisconsultos a teoria à interpretação pode constituir tema ou tese
complementar, marginal ou acessória. No caso de TULLIO ASCARELLI, ao contrário, a interpretação
faz parte integrante e essencial de seu pensamento. Se se tirar a hermenêutica da obra de
ASCARELLI, ela ficará profundamente mutilada. O seu amor por esse problema é proclamado por
múltiplos escritos, sendo a todo instante apontado como um de seus assuntos prediletos. Apesar do
grande amor dedicado à teoria da interpretação, e o valor das contribuições que nos legou, tal como
procurarei lembrar em largos traços, ASCARELLI não nos escreveu um tratado sistemático da
matéria, preferindo focalizá-la em diversos estudos, que, no entanto, guardam entre si uma unidade
substancial”. (REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 195-196, 1979)
33 “A terceira fonte inspiradora de sua doutrina deriva do estudo contínuo do ‘Common Law’,
sobretudo através da obra de três jusfilósofos do direito americano, que são WENDELL HOLMES,
ROSCOE POUND E BENJAMIN CARDOSO. Sem referência a estes três mestres bem pouco se
compreende do pensamento concreto de ASCARELLI, o qual viu, no confronto entre o Direito
romanístico e o Direito de formação anglo-americana, uma força motivadora de novas perspectivas”.
36
Segundo Reale, a teoria da interpretação jurídica de Tullio Ascarelli
estava além do que defendia Hans Kelsen, pois para o austríaco a interpretação
jurídica era uma atividade meramente intelectualística, enquanto que para o italiano,
além de atividade intelectualística, também era uma atividade filosófica, sociológica
e econômica, ou seja, o desprendimento do significado único da norma jurídica para
o mestre italiano era muito mais aberto do que o desprendimento defendido pelo
jurista austríaco34.
Ao tratar a teoria sobre a interpretação jurídica à luz das lições de Tullio
Ascarelli, o jurista brasileiro menciona o confronto feito pelo mestre italiano entre os
sistemas jurídicos “common law” e “civil law”, sendo que a “common law”, conforme
as próprias palavras de Reale, “leva a uma interpretação dinâmica ou operacional do
Direito, porque nele prevalece o momento da aplicação da norma, implicando a
fundamentação das novas decisões em função de um precedente jurisprudencial,
em contraste com a abstração normativa legal que domina o sistema romanístico”,
então, a teoria da interpretação jurídica na “common law” permite maior abertura ao
sistema jurídico do que na “civil law”, em razão da proeminência do direito
jurisprudencial sobre o direito legislado dentro do sistema anglo-saxão, algo que vem
sendo incorporado ao sistema jurídico continental nos dias atuais.
Além do que, conforme as palavras de Reale em reprodução aos
ensinamentos de Ascarelli, o sistema jurídico da “common law” é menos formalista
do que a “civil law”, em razão das influências exercidas sobre o direito continental
europeu pela Escola da Exegese e pelo Pandectismo alemão, sendo que mesmo
(REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 197, 1979)
34 “Fixados esses pressupostos de ordem geral, já estamos em condições de compreender as razões
pelas quais ASCARELLI repudia o entendimento tradicional da interpretação como uma atividade
puramente intelectualística, preferindo situá-la no contexto de uma experiência global, ao mesmo
tempo filosófica, sociológica e econômica. Poder-se-ia afirmar que a sua colocação do problema era
de natureza histórico-cultural, o que não é exagero afirmar-se, tão frequente é a sua aceitação das
teses de GUSTAV RADBRUCH”. (REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli,
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 197-198, 1979)
37
com a superação dessas escolas “ainda se conserva o ‘logicismo’ no cerne ou na
medula da Ciência Jurídica ordenada em torno do Código Civil de Napoleão”35.
É, justamente, essa a ideia fundamental que se procura argumentar na
presente tese de doutoramento!
Ora, a proposta da presente tese acadêmica de doutoramento é,
justamente, no sentido de demonstrar que o sistema jurídico da “civil law”,
especialmente o brasileiro, busca influências nos dias atuais, a cada dia cada vez
mais, junto ao sistema da “common law”, tendo-se em vista a dinâmica e a
operacionalidade que a aplicação obrigatória de precedentes judiciais oferece ao
sistema jurídico, tornando-o menos formalista e mais próximo da realidade social,
reconhecendo-se definitivamente ao ato judicial a natureza de ato de vontade
interpretativa e não atribuindo a ele a natureza de mero ato de conhecimento.
Por certo, o logicismo jurídico existente no cerne e na medula dos
ordenamentos jurídicos derivados do Código Civil Napoleônico de 1804 merece
relativização e adequação à realidade social, na medida em que a dinâmica do
direito jurisprudencial e a consistência oferecida pela aplicação obrigatória de
precedentes pode permitir a máxima efetividade dos direitos fundamentais, diante da
possibilidade de que a interpretação jurídica seja feita a partir do texto constitucional
(princípios e regras), criando-se normas infraconstitucionais constitucionalizadas.
O pós-positivismo jurídico, que é uma escola jusfilosófica situada em
momento posterior aos ensinamentos de Miguel Reale e de Tullio Ascarelli, bem
representa essa ideia fundamental argumentada na presente tese.
Conforme os ensinamentos de Renato Rua de Almeida, o pós-
positivismo jurídico é uma escola jusfilosófica ligada ao fenômeno da
“constitucionalização dos direitos humanos como direitos fundamentais”, garantindo-
se força normativa aos princípios constitucionais explícitos e aos implícitos, com
aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais laborais às relações privadas,
35
REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 198, 1979.
38
ou mesmo com aplicação indireta e mediata por meio das cláusulas gerais
positivadas no CC/0236.
Se estudarmos o pós-positivismo jurídico à luz do sistema jurídico de
aplicação obrigatória de precedentes e súmulas, podemos afirmar que a
uniformização de jurisprudência operacionalizada pelos precedentes e pelas
súmulas, além de permitir coerência, certeza e estabilidade quando da aplicação do
direito, também permite a efetivação dos direitos fundamentais de maneira mais
contundente, pois a criação de súmulas e de precedentes judiciais de aplicação
obrigatória, com força normativa, reconhecendo a efetividade dos direitos
fundamentais nas relações privadas, garante a sedimentação de entendimentos dos
tribunais em matéria de direitos fundamentais laborais.
Então, por certo, a aproximação da “civil law” ao sistema da “common
law” permite a melhor operacionalização e dinâmica do direito por meio da certeza,
estabilidade e coerência conferida ao ordenamento jurídico pela sistemática de
precedentes e súmulas obrigatórios nascidos com a uniformização de jurisprudência.
Além disso, sob o ponto de vista da teoria da interpretação jurídica, a aproximação
ao direito anglo-saxão permite melhor operacionalização e dinâmica na efetivação
dos direitos fundamentais laborais.
A jurista carioca, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, uma
garantista, em trabalho científico publicado na Revista do Tribunal Superior do
Trabalho, em 2011, menciona a importância do direito jurisprudencial na efetivação
dos direitos fundamentais laborais. Ela destaca que na primeira metade do século
XXI, em diversos países da América Latina, a jurisprudência agiu para reconstruir o
direito do trabalho que havia sido desregulado, negando aplicabilidade a leis de
desregulamentação e flexibilização de direitos por considerá-las inconstitucionais.
36
“(...) é preciso distinguir o fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais - interpretado como
princípio do positivismo jurídico -, do fenômeno da constitucionalização dos direitos humanos como
direitos fundamentais, cuja eficácia é assegurada, já no contexto do pós-positivismo jurídico, pela
força normativa das constituições e pelos princípios normativos, com aplicação direta e vinculante às
entidades públicas e privadas”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia dos direitos fundamentais
nas relações de trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-06/647-650)
39
Essa atuação da jurisprudência ocorreu por meio da aplicação de normas e
princípios constitucionais e internacionais37.
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, inspirada nos
ensinamentos de Luigi Ferrajoli, denomina de garantista o sistema fundado no
reconhecimento de direitos fundamentais. De acordo com as lições da jurista
carioca, denomina-se de garantismo social o conjunto de garantias jurídicas voltadas
à satisfação dos direitos sociais38. Mostra-se importante destacar que esse
garantismo social laboral não se assemelha ao pós-positivismo, estando mais
próximo de um positivismo jurídico legalista, encontrando nas leis a garantia dos
direitos laborais e não na afirmação dos valores constitucionais.
A jurista carioca, utilizando-se de exemplos citados por Antonio
Rodrigues de Freitas Júnior, menciona decisões judiciais concretas que deram
eficácia imediata e direta aos direitos fundamentais nas relações de trabalho,
destacando a limitação do poder diretivo e disciplinar patronal por meio da
jurisprudência, a proteção do trabalhador em face de despedidas arbitrárias, sem
37
“A reconstrução jurisprudencial de um direito do trabalho desregulado é fenômeno recente em
países latino-americanos. Trata-se de atividade decisória na qual, com a aplicação de princípios e de
normas constitucionais e internacionais, Cortes Supremas vêm negando aplicabilidade a leis de
desregulamentação e flexibilização de direitos por considerá-las inconstitucionais. Segundo se tem
notícia, indica movimento jurisprudencial ocorrido na primeira década dos anos 2000 em diversos
países do continente, que se contrapõe diretamente àquela conduta de desconstrução de direitos, em
verdadeiro ativismo judiciário negativo, típico dos anos 1990. É, em certa medida, uma reação à
flexibilidade jurisprudencial, que ocorre quando, pelas mãos de decisões judiciais, a normatividade do
trabalho é flexibilizada em prejuízo dos trabalhadores, como ocorreu em larga escala nos anos 1990.
Ambos os conceitos foram cunhados pelo jurista uruguaio Oscar Ermida Uriarte; o primeiro, com o
otimismo do jurista (2007) e o segundo, com o realismo do pesquisador do direito (2004) e, em certa
medida, expressam os giros paradigmáticos que as Cortes Trabalhistas são capazes de empreender
no tempo”. (SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Direitos fundamentais, garantismo e
direito do trabalho, Revista do TST, Brasília, vol. 77, nº 3, jul./set. 2011, pág. 274)
38 SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Direitos fundamentais, garantismo e direito do
trabalho, Revista do TST, Brasília, vol. 77, nº 3, jul./set. 2011, pág. 277.
40
justa causa ou abusivas, a proteção de minorias desprestigiadas em convenções
coletivas “et cetera”39.
O jurista português, Boaventura de Sousa Santos, em sua clássica
obra literária “Para uma revolução democrática da justiça”40, defende o argumento
de que nos dias atuais os tribunais têm a posição de protagonistas tanto no aspecto
social quanto no político, bem como para o primado do direito nas sociedades
contemporâneas41.
No momento atual de crise dos direitos sociais, quando ganham
supremacia argumentos ligados à ideia de austeridade e de desconstrução do direito
laboral, o protagonismo do Poder Judiciário adquire incomensurável importância, por
se apresentar como instrumento hábil à máxima efetivação dos direitos
fundamentais nas relações de trabalho, ainda mais se sabendo que também o
sistema representativo está em crise nos dias atuais e não há como se afirmar com
certeza que a atuação do legislativo atende aos anseios populares, principalmente
quando se verifica a inércia legislativa na elaboração das leis necessárias à
adequação da regulamentação juslaboral na realidade atual.
Isso para não dizer que, por vezes, a atuação do legislativo acarreta
em imenso retrocesso social, cabendo ao Poder Judiciário agir para coibir as
supressões e mutilações de direitos fundamentais laborais praticadas pelo próprio
legislador infraconstitucional42.
39
SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Direitos fundamentais, garantismo e direito do
trabalho, Revista do TST, Brasília, vol. 77, nº 3, jul./set. 2011, pág. 284-289.
40 SOUSA SANTOS, Boaventura. Para uma revolução democrática da justiça, 3ª edição, São
Paulo: Cortez, 2011.
41 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça, 3ª edição, São
Paulo: Cortez, 2011, pág. 19-32.
42 “1. O conceito de ‘norma’ de direitos fundamentais pressupõe uma argumentação jurídica própria.
Essa argumentação jurídica própria mostra-se instrumental na determinação dos chamados ‘direitos
não enumerados’ ou ‘direitos constitucionais em sentido material’, revelados pela sua aplicação pelo
poder judicial. 2. Dentro do sistema jurídico isso significa um crescimento do poder da justiça e um
alargamento do espaço de intervenção dos tribunais e, particularmente, dos tribunais de justiça
41
O desconforto gerado pelo excesso de formalismo jurídico existente
nos postulados teóricos basilares da Escola da Exegese fez com que muitos
estudiosos críticos, utilizando-se de uma retórica zetética, passassem a questionar o
dogma da segurança jurídica no que concerne a exclusividade da criação da norma
jurídica atribuída ao Poder Legislativo pela sistemática jurídica predominante no
período pós-revolucionário, em razão da aplicação do princípio da separação de
poderes de forma absoluta com influência no iluminismo.
Segundo as diretrizes da Escola da Exegese e do Pandectismo, a
segurança jurídica é um princípio constitucional assegurado pelo “caput” do art. 5º
da CF/88, elevado ao “status” de dogma jurídico sustentador do próprio Estado
Democrático de Direito, a ser observado de maneira rígida e quase inflexível na
construção e aplicação do direito.
Todavia, os críticos do “status quo” mantido pela Escola da Exegese ao
longo de mais de um século, esta que ainda está intrinsecamente no cerne e na
medula da “civil law”, passaram a questionar o princípio da segurança jurídica
quanto ao postulado de que a atribuição ao Poder Legislativo da exclusividade na
criação do direito seria necessária como forma de gerar previsibilidade nos padrões
de condutas sociais impostos de maneira soberana pelo Estado. Ao contrário, o que
a “common law” vem a mostrar é que o sistema de precedentes judiciais obrigatórios
e vinculantes é muito mais eficaz na garantia de previsibilidade, coerência,
estabilidade e segurança jurídica quanto às decisões judiciais futuras do que o
sistema jurídico puramente legislado típico do período pós-revolução francesa.
A criação do direito pelo Poder Judiciário, que por muitos anos já não é
uma novidade para os sistemas jurídicos ocidentais, passou a ser defendida por
correntes de pensamento jurídico que são críticas da Escola da Exegese, de tal
maneira que passou a se sustentar o argumento de que a absoluta separação de
poderes não é necessariamente uma garantia de segurança jurídica, bem como, por
constitucional. Este traduz-se na emergência de uma ‘nova’ concepção de direitos, uma concepção
que estabeleça uma ‘nova’ síntese entre os clássicos direitos de liberdade e os modernos direitos de
participação, incluindo os direitos prestacionais de participação nos bens da vida”. (QUEIROZ,
Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora,
2006, pág. 118)
42
outro lado, a criação do direito pela função jurisdicional não significa ultrajar o
princípio constitucional da segurança jurídica.
Na verdade, na própria França, onde o modelo jurídico que foi proposto
pela Escola da Exegese vem sendo respeitado com maior fidelidade ao longo dos
séculos, encontramos diversos exemplos de criação do direito pela jurisprudência, o
que somente vem a comprovar a veracidade das afirmações de que o princípio da
separação de poderes não é absoluto e de que o protagonismo do Poder Judiciário
na construção do sistema jurídico é algo de acordo com a realidade pós-moderna,
não havendo como se falar em monopólio legislativo na criação do direito43.
Assim, o item III da Súmula 244 do C. TST, o item III da S. 378 do C.
TST e também as S. 440 e 443, encontram fundamentos dogmático-normativos e
zetéticos por meio da aplicação das normas jurídicas positivadas com a outorga a
elas de interpretações consentâneas com o ideal de Justiça, tendo-se em vista a
abertura oferecida pelo sistema jurídico diante do reconhecimento da existência de
força normativa aos princípios constitucionais implícitos e explícitos e diante da
positivação de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, explica que o instituto jurídico
denominado zetética permite uma ampla análise do fenômeno jurídico que não se
43
“É nesse contexto – o qual, na verdade, constitui a expressão justeorética da ideologia do juiz
‘bouche de la loi’ – que foi considerada plausível a premissa fundamental do estilo ‘phrase unique’: a
ideia de que toda a atividade judicial não passa de um processo de dedução, da construção de um
simples silogismo. É claro, no entanto, que o jurista francês contemporâneo tem consciência de que
esse formalismo jurídico não tem mais condições de subsistir na prática jurídica geral – e a França
não é exceção a essa regra. A técnica do julgamento “phrase unique” persiste unicamente por força
da tradição. Já é de modo geral reconhecida, especialmente pela doutrina, mas também em
importante medida nos documentos internos da Cour de Cassation, a atividade de criação do Direito
desempenhada pelo juiz. Como explica Gérard Cornu, as grandes criações pretorianas da
jurisprudência civil francesa ‘entraram, conforme opinião unânime, no direito positivo’; algumas valem
até hoje por sua força própria (a teoria do enriquecimento sem causa, os inconvenientes de
vizinhança etc.); enquanto outras – a maior parte – foram posteriormente consagradas pela própria lei
(responsabilité générale du fait des choses, abus de droit etc.)”. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa
de. Teoria do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais, São
Paulo: Noeses Editora, 2012, pág. 22)
43
resume a compreender o direito do ponto de vista estritamente legalista, logo, trata-
se de uma negação aos postulados da Escola da Exegese, admitindo-se a expansão
do raciocínio jurídico e o fortalecimento da argumentação jurídica quando da solução
de um caso concreto44. Logo, a zetética aproxima o direito da realidade social.
É inquestionável que as S. 244 (item III), 378 (item III), 440 e 443 do C.
TST encontram fundamento jurídico que extrapola o raciocínio jurídico pandectista,
exegético e analítico, semeado no período pós-revolução francesa e que tem ainda
suas raízes nos sistemas jurídicos da “civil law”, não se restringindo a atividade
jurisprudencial nessas hipóteses a uma cuidadosa pesquisa da vontade do
legislador, pelo contrário, são enunciados de jurisprudência elaborados sob a
perspectiva pós-positivista, encontrando seus fundamentos jurídico-dogmáticos
acoplados à investigação zetética do fenômeno jurídico enunciado, como se verá no
decorrer da presente tese acadêmica.
Certamente, a atividade jurisdicional trabalhista desenvolvida pelo C.
TST por meio de enunciados sumulares, como aqueles que são objeto de pesquisa
nesta tese de doutoramento (as S. 244 em seu item III, 378 em seu item III, 440 e
443), supera a visão jurídica defendida pelo pandectismo e pela Escola da Exegese
quanto ao mito da completude do ordenamento jurídico, isso porque o ativismo
jurisdicional trabalhista, na linha pós-positivista, exercido pelo C. Tribunal Superior
do Tribunal do Trabalho serve justamente para preencher as lacunas normativas
diante do caso concreto.
Ora, o item III da S. 244 do C. TST enuncia que:
“Súmula 244 do C. TST: (...)
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no
art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo
determinado”.
44
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão e
dominação, 6ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 21.
44
Então, não há qualquer equívoco em se afirmar que não existe como
se argumentar com certeza que a vontade do legislador brasileiro, na literalidade do
prescrito no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, da CF/88, busca resguardar o
direito à estabilidade provisória no emprego à empregada gestante no curso de um
contrato laboral a termo.
O mesmo argumento pode ser utilizado quanto ao teor do item III da S.
378 do C. TST, o qual enuncia que:
“Súmula 378 do C. TST: (...)
III - O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado
goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho
prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91”.
Por certo, não há como se afirmar com certeza que a vontade do
legislador se pauta na garantia da aplicação do direito à estabilidade provisória no
emprego, prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, ao empregado acidentado, durante
o curso de um contrato laboral a termo.
O mesmo argumento pode ser utilizado para a justificação da S. 440 do
C. TST, abaixo transcrita:
“Súmula nº 440 do C. TST
AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO
DIREITO À MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA
MÉDICA - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de
assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, não obstante
suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou
de aposentadoria por invalidez”.
Ora, não existe regra normativa específica em nosso ordenamento
jurídico que garanta o direito à manutenção do plano de saúde ou de assistência
médica, oferecido pela empresa, ao empregado em gozo de auxílio-doença
acidentário ou de aposentadoria por invalidez. Logo, por certo, a dogmática jurídica
45
defendida pelos pandectistas e pela Escola da Exegese não foi observada em tal
enunciado sumular.
O mesmo pode-se afirmar quanto ao enunciado sumular emanado da
S. 443 do C. TST, abaixo transcrito:
“Súmula nº 443 do C. TST
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO
PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO.
DIREITO À REINTEGRAÇÃO
Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus
HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido
o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
Ou seja, não existe previsão legal para se afirmar que é presumida a
discriminação quando da despedida imotivada de portador do vírus HIV ou de outra
doença grave que suscite estigma ou preconceito. Na verdade, o C. TST por meio
do enunciado da S. 443 faz a inversão do ônus probatório nas ações judiciais nas
quais exista alegação de discriminação no ato de despedida de enfermo.
Os enunciados sumulares acima apontados contrariam os postulados
do positivismo jurídico formalista, sejam os postulados positivistas desenvolvidos
pela Escola da Exegese, ou mesmo os postulados positivistas desenvolvidos pelo
positivismo normativista de Hans Kelsen.
Ao analisar o positivismo jurídico discutindo os fundamentos do direito,
o jurista anglo-saxão, Ronaldo Dworkin, menciona as lições do advogado e
acadêmico britânico, John Austin, para quem o direito é criado de maneira válida
quando as proposições jurídicas emanarem de pessoas soberanas ou de grupos
soberanos que tenham o poder de impor as ordens dentro de uma sociedade política
sem que se submetam a ninguém45.
Sob os parâmetros do princípio constitucional da separação de poderes
e da Escola da Exegese, para o positivismo jurídico a pessoa soberana ou grupo
45
DWORKIN, Ronald. O império do direito, 2014, São Paulo: Editora Martins Fontes, pág. 41-42.
46
soberano apto a criar o direito é o Poder Legislativo, cabendo ao Poder Judiciário
apenas aplicar o direito previamente criado pela atividade legislativa.
A partir dessa compreensão embasada no pensamento jusfilosófico de
John Austin, cabe indagar se: tal atividade jurisdicional criadora de proposições
jurídicas fundamentadoras do direito caracteriza-se como atividade estritamente
técnico-jurisdicional ou trata-se de atividade política?
Segundo a teoria semântica do direito de John Austin, pode-se afirmar,
corretamente, que os enunciados sumulares emanados do C. TST em matéria de
função social do contrato laboral são proposições jurídicas criadoras do direito, que
extrapolam os limites da competência jurisdicional, imiscuindo-se no campo da
atividade política própria da função legislativa, então, a teoria desenvolvida pelo
jurista britânico acima se coaduna com o positivismo lógico-legalista e não com o
ideário pós-positivista.
De outra maneira, sob a ótica pós-positivista, a resposta à indagação
deve ser elaborada à luz das bases do Constitucionalismo Democrático sustentador
do Estado Democrático de Direito, isso porque, no século XXI, os limites da atividade
jurisdicional são estudados com base nas ideias de superação da soberania do
legislativo por meio da efetivação de novos instrumentos de representatividade da
vontade popular, o que exige uma releitura da teoria da separação de poderes,
tendo-se como objetivo a efetividade dos direitos fundamentais.
Então, sob o ponto de vista do positivismo jurídico estritamente
formalista, a refutação aos enunciados sumulares em matéria de função social do
contrato laboral seria óbvia, pois se os membros do Judiciário não são eleitos pelo
povo e, por isso, não exercem representatividade popular, por consequência,
segundo os ensinamentos de John Austin, não poderiam exercitar qualquer
atividade política quando do exercício da função jurisdicional por não serem
soberanos no ato de legislar.
Por certo, a presente tese de doutoramento pretende, justamente,
refutar os postulados sustentados pelo ponto de vista clássico e estritamente
formalista, com a defesa do ponto de vista pós-positivista, admitindo-se o exercício
da atividade política pela função jurisdicional de maneira subsidiária, pois deve ser
47
entendido o direito como uma ciência aberta e heterodoxa, fundada na racionalidade
e na argumentação jurídica.
Além do mais, cabe ainda dizer que o Poder Judiciário tem o papel de
concretizar os preceitos constitucionais, cabendo aos poderes estatais vinculação
aos ditames constitucionais, dessa maneira, diante da omissão legislativa na
concretização dos preceitos constitucionais, cabe ao Poder Judiciário promover a
guarda das regras e dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, inclusive
para que sejam protegidos os direitos fundamentais.
Dirley da Cunha Júnior, ao dissertar sobre o tema controle de
constitucionalidade, mostra com proficiência o pensamento pós-positivista acima, no
sentido de que a soberania do legislativo nos dias atuais foi substituída pela
soberania e pela supremacia da CF/88, logo, havendo omissão legislativa na
concretização dos preceitos constitucionais cabe ao Judiciário atuar politicamente
para dar efetividade às normas constitucionais diante do caso concreto46.
Argumenta ainda, o estudioso baiano, no sentido de que o princípio da
separação de poderes deve ser entendido à luz da ideia de prevalência dos direitos
fundamentais, não fazendo qualquer sentido a manutenção do princípio da
separação de poderes quando violados ou não concretizados os direitos
fundamentais no caso concreto47.
Portanto, a presente tese de doutoramento se sustenta na ideia de que
o princípio da separação de poderes deve ser relativizado em razão da prevalência
dos direitos fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário a função de protagonista na
concretização dos direitos fundamentais laborais, o que deve ser feito a partir do
caso concreto, sendo certo que a sistemática de aplicação obrigatória de súmulas e
de precedentes judiciais permite maior dinâmica, operacionalidade, coerência,
certeza e integridade quando da efetivação dos direitos fundamentais laborais.
46
CUNHA JR., Dirley. Curso de direito administrativo, 2014, Salvador: Editora Jus Podivm,14ª
edição, pág. 45.
47 CUNHA JR., Dirley da. Curso de direito administrativo, 2014, Salvador: Editora Jus Podivm,14ª
edição, p. 2014, pág. 45.
48
CAPÍTULO II
BOA-FÉ OBJETIVA NO CONTRATO DE TRABALHO: EM BUSCA DA MÁXIMA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS
Não há unanimidade entre os estudiosos acerca da natureza jurídica
da relação entre empregado e empregador48, sendo que, para os propósitos da
presente tese acadêmica, adota-se a concepção de que o pacto laboral tem
natureza jurídica de relação contratual privatista.
O contrato de trabalho subordinado tem contornos que o tornam um
contrato de direito privado com especiais peculiaridades que o diferenciam dos
contratos regulados pelo CC/02, especificidades que nesta tese são analisadas
dentro do contexto traçado pelo pós-positivismo jurídico.
Assim, tomado o prisma contratualista, pode-se afirmar que a noção de
contrato de trabalho subordinado que temos nos dias atuais foi construída,
evolutivamente, ao longo dos séculos XIX e XX, sendo que no séc. XXI a busca pela
efetividade dos direitos fundamentais trouxe novos contornos à relação contratual
laboral, conforme o contexto traçado pelo pós-positivismo jurídico.
Os estudiosos afirmam que as sementes do contrato de trabalho,
enquanto contrato com natureza de direito privado, podem ser localizadas no antigo
direito romano. Na antiga Roma a produção ocorria por meio da mão-de-obra
escrava, já que o trabalho livre, embora existente, era cercado de preconceito, pois
era considerada aviltante a locação da própria mão-de-obra por um homem livre a
outro homem livre.
48
“Discussão das mais interessantes é a da determinação da natureza jurídica do vínculo entre
empregado e empregador, consistente em situá-lo nas categorias jurídicas sob o prisma sistemático,
consideradas as suas notas predominantes. Não há unanimidade de propostas, e as duas teorias são
a contratualista, como o nome indica, reunindo ideias que afirmam a natureza contratual, e a
anticontratualista, que a nega”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 23ª
edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 583)
49
No direito romano o contrato de prestação de serviços encontrava
regulamentação jurídica através do instituto da “locatio conductio”, que tinha várias
espécies (“locatio conductio hominis”, “locatio conductio operarum”, “locatio
conductio rei”, “locatio conductio operis facendi”).
Para alguns estudiosos, na antiga Roma a prestação de serviços era
contratada pela denominada “locatio conductio hominis”, sendo que para outros
estudiosos a correta denominação seria “locatio conductio operarum”, havendo
alguma celeuma acerca das nomenclaturas e classificações utilizadas no antigo
direito romano quando do trato do tema49.
De qualquer maneira, o certo é que o sistema jurídico moderno, que foi
construído no período pós-revolução francesa, incorporou a noção romana de
“locatio conductio”, sendo que o contrato de trabalho moldado pelo ordenamento
jurídico integrado pelo Código Civil de 1804 resgatava a figura jurídica romana da
locação da força de trabalho (“locatio conductio”), como se o serviço a ser prestado
pelo sujeito contratado fosse um objeto do comércio.
Esse modelo privatista e contratual de regulamentação da relação de
prestação de serviço, naquela época tanto o autônomo quanto o subordinado, que
foi prescrito no Código Civil Napoleônico de 1804, difundiu-se por todo o globo
terrestre em razão da propagação das ideias políticas liberais e iluministas, tendo
inclusive influenciado a ordem jurídica brasileira, cabendo ressaltar que o Brasil
naquela época ainda se valia da mão-de-obra escrava.
49
“Roma foi uma sociedade cuja economia se baseava no trabalho escravo. A atividade produtiva
não se realizava por meio de relações entre homens livres, como acontece atualmente. O trabalhador
era propriedade viva de outro homem, sobre cujos ombros recaíam os encargos de produção da
riqueza. A adoção desse sistema de produção gerou inúmeros preconceitos sobre o trabalho. A
relação de trabalho revestia juridicamente o aspecto de autêntica relação real de domínio. As classes
dominantes consideravam-no atividade vil e desonrosa. Essas ideias levaram os romanos a cometer
um equívoco quando disciplinaram juridicamente o trabalho dos que não eram escravos. Com efeito,
o Direito Romano o regulou como fruto de um contrato denominado - locatio conductio. Em um
contrato que se realizava quando ‘se prometia, por certa paga, uma coisa para fruir, um serviço para
prestar, uma obra para fazer’. Este contrato podia apresentar-se sob três modalidades: a) locatio rei;
b) locatio operarum; c) locatio operis faciendi”. (GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de
Direito do Trabalho, 17ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, pág. 113)
50
Então, à luz do liberalismo jurídico influenciado pelo iluminismo dos
séculos XVIII e XIX, a ideia de trabalho livre foi adensada à noção de liberdade
contratual, sendo que a liberdade de locar a outrem a sua própria força de trabalho,
mediante pagamento de retribuição livremente pactuada, foi enquadrada
juridicamente na teoria geral dos contratos de direito privado, resgatando a “locatio
conductio” romana.
Essa ideia de livre pactuação da obrigação jurídica de prestar serviços
por meio da própria força de trabalho está associada à técnica jurídica de
codificação das regras de direito privado, o que em certa medida também serve ao
BGB alemão, como afirma a jurista portuguesa, Maria do Rosário Palma Ramalho50.
Mas, cabe ressaltar a existência de estudiosos, tal como Alain Supiot,
defensores da ideia de não ter sido acolhido de maneira plena pelo ordenamento
jurídico alemão no período pós-revolução francesa o modelo jurídico contratual
liberal para as relações de trabalho, pois, no século XIX, o contrato de trabalho no
sistema jurídico germânico teria preservado valores próprios da Idade Média,
guardando intrinsecamente uma concepção comunitarista própria da cultura
germânica, o que se acentuou ao longo do século XX com a concretização do
Estado Social de Direito (“Welfare State”).
Há quem defenda ter o direito alemão seguido caminho diverso da
“locatio conductio” romana no período pós-revolucionário, adotando-se no sistema
jurídico germânico o embrião da concepção institucionalista e comunitária da relação
capital e trabalho, com a garantia dos deveres de proteção, e não propriamente a
ideia de liberdade contratual privada; outros entendem que o sistema germânico
50
“Nos primórdios do desenvolvimento do Direito do Trabalho, o vínculo laboral começou por ser
enquadrado por uma das projecções modernas da figura romana da locatio conductio: a figura do
contrato de locação, de acordo com a tradição do Código de Napoleão, mas que encontramos
também no Código Civil italiano de 1865 (art. 1570º) e no Código Espanhol (art. 1583º); ou a figura do
contrato de prestação de serviço, aproveitada para o efeito pelo BGB (§ 611º) e pelo Código Civil
Português de 1867 (art. 1391º)”. (RAMALHO, Maria do Rosário Palma, Direito do Trabalho -
Dogmática Geral, Parte I, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2009, pág. 388)
51
incorporou a semente da “locatio conductio” romana de maneira híbrida por haver
preservado os valores comunitaristas medievais51.
Maria do Rosário Palma Ramalho, na primeira parte de sua obra
“Direito do Trabalho - Dogmática Geral”52, defende que a visão comunitarista da
relação de trabalho, também chamada institucionalista no segundo quarto do século
XX, decorre dos deveres de assistência/proteção do empregador ao trabalhador
previstos pela primeira vez nos §§617º e 618º do BGB, mas, tal concepção
germânica de assistência e proteção, firmada no período pós-revolução francesa,
não negava, a princípio, ainda no século XIX, a natureza contratual privada da
relação capital-trabalho, ou seja, segundo a jurista portuguesa, no sistema jurídico
germânico pós-revolução francesa o contrato de trabalho não ganhou autonomia
formal em razão da reconhecida posição de dependência do trabalhador, o que
impunha deveres de cuidado (deveres assistenciais) pelo empregador em favor do
trabalhador, o que no século XX levou o contrato de trabalho a se distanciar da
concepção civilista liberal, passando a ser considerado um contrato caracterizado,
51
“When Tocqueville recalled the founding moment in American Society, he helped us to understand
the value given to contracts in the United States. However, the historical perspective in France, and
more generally in Europe, is quite different. Contract is considered only as one moment in history and
as a form that has been improved on. Law historians offer key concepts that can help explain the
structure of the psichological contract in France and perhaps in Europe, as well. The different
legislations of employment relations in Europe have had to find a way to combine divergent legal
traditions (Supiot, 1994). The Romanist tradition, originating from Roman law, maintained that free
people could not accept subordination. However, for exceptional circumstances, the Romans
developed the concept of locatio hominis, in which the free man rents himself in the same way as the
master rents his slave. The Napoleonic Code incorporated a service rental concept of locatio hominis
that was copied from objects rental. In this conception, a labor contract did not differ from a
commercial contract. An opposing tradition, called Germanist, derives from feudal law and is founded
on the relation of vassality between persons. The employment relation is viewed as a reciprocal tie of
faithfulness, something similar to a family tie. This tradition dominated the guilds, where belonging to
the work community generated mutual obligations (based on duties and not the will of the members)”.
(ROUSSEAU, Denise M.; SCHALK, René. Does psychological contract theory work in France?,
Sage Publications, 2000, pág. 73)
52 RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho - Dogmática Geral, 2ª edição, Coimbra:
Editora Almedina, 2009, pág. 390-405.
52
principalmente, por sua índole de pessoalidade, deixando de ser enquadrado como
um comum contrato privado obrigacional próprio da concepção liberal53.
Inclusive, conforme menciona a jurista portuguesa, em razão da
desvinculação do contrato de trabalho de sua concepção jurídica liberal pós-
revolução, com o surgimento das ideias comunitaristas e institucionalistas na
primeira metade do século XX, que buscavam explicar os deveres de cuidado e de
proteção, alguns doutrinadores germânicos passaram a desenvolver estudos
relacionando o contrato de trabalho subordinado às figuras contratuais típicas da
Idade Média, por exemplo, em seus ensaios Von Gierke relaciona a origem histórica
do contrato de trabalho fruto da modernidade com o “contrato de serviço fiel” que
53
“Admitidos sem grande discussão pela necessidade de protecção do trabalhador, os deveres de
assistência suscitam, contudo, alguns problemas de fundo à construção dogmática do vínculo laboral
nos moldes civilistas tradicionais. Estes problemas deixam-se enunciar em moldes interrogativos:
como explicar que, num contrato de moldura obrigacional e patrimonial, cujo pressuposto é a
liberdade e a igualdade dos contraentes, uma das partes seja investida no dever de zelar pela pessoa
e pela saúde da outra? Ou, dito de outra forma, como explicar este relevante traço de pessoalidade
num vínculo patrimonial? E, por outro lado, como compatibilizar a afirmação da igualdade das partes
com a investidura de uma delas no dever de proteger a outra, mas também nos poderes laborais de
direcção e disciplina? Em suma, os deveres de assistência do empregador em relação ao trabalhador
e, genericamente, a feição proteccionista do Direito do Trabalho e a componente de pessoalidade
envolvida nessa protecção, põem à prova os alicerces eminentemente patrimoniais e igualitários da
construção civilista do vínculo laboral. (…) Ao contrário da concepção civilista, que tinha relevado no
vínculo laboral os traços que mais o aproximavam de outros vínculos obrigacionais (i.e., a
componente de troca patrimonial entre as prestações principais e a igualdade das partes), a nova
concepção valoriza os traços da relação de trabalho que mais a afastam daqueles vínculos e que, por
isso mesmo, vão viabilizar a sua emancipação dogmática. Estes elementos são, em primeiro lugar, o
elemento da pessoalidade e, uns anos mais tarde, o elemento comunitário. Por assentar nestes
traços, esta nova construção dogmática do vínculo laboral ficou conhecida como concepção
comunitário-pessoal da relação de trabalho (personenrechtliches Arbeitsverhältnis). (…) Nesta óptica,
autores como Pothoff, Jacobi, Molitor, Sinzheimer, Richter, Nikisch ou Melsbach propõem a
deslocação do cerne da relação de trabalho do binómio patrimonial a troca trabalho/salário
(valorizado pela concepção civilista) para um binómio pessoal, que valoriza outros deveres das
partes: do lado do trabalhador, o dever de lealdade (Treupflicht), e, do lado do empregador, o dever
de assistência (Fürsorgepflicht). Com esta deslocação, ficam assim justificados os deveres de
assistência consagrados no BGB e é enfatizada a dimensão pessoal do vínculo laboral”. (RAMALHO,
Maria do Rosário Palma, Direito do Trabalho - Dogmática Geral, Parte I, 2ª edição, Coimbra:
Almedina, 2009, pág. 390-393)
53
regulava as relações medievais de vassalagem, “em que o vassalo se obrigava a
deveres de lealdade pessoal para com o senhor, em troca da protecção deste”54.
Afinal, independentemente dos acertos e dos desacertos da concepção
jurídica comunitária-pessoal e institucionalista da relação capital e trabalho,
independentemente dessa concepção ter sido adotada pela ideologia nacional-
socialista, como a história nos mostra, independentemente de qualquer outro
argumento histórico nesse sentido, o certo é que a concepção jurídica puramente
liberal do contrato de trabalho que era fruto do período pós-revolucionário foi
perdendo espaço na medida em que o elemento pessoalidade, a ele agregada a
ideia de subordinação, ganhou espaço na ciência do direito laboral.
A história do direito nos mostra que conforme evoluíram os estudos
sobre o elemento pessoalidade do trabalhador, reconhecendo a ele a posição de
principal elemento da relação capital e trabalho, em detrimento do seu conteúdo
obrigacional, este considerado como elemento secundário da relação, assim como,
conforme o conceito de subordinação do trabalhador passou a ser considerado
como principal característica dessa relação, a partir de então o dirigismo estatal
sobre o contrato de trabalho tornou-se a alternativa considerada a mais viável para a
regulamentação jurídica dessa relação contratual.
Então, conforme ao longo do século XX o elemento pessoalidade e o
conceito de subordinação ganham destaque nos estudos sobre a relação capital e
trabalho, a ideia de que seria necessária a intervenção estatal nessa relação para a
busca da igualdade substancial entre empregado e empregador torna-se
preponderante.
54
“Para justificar esta nova configuração do vínculo de trabalho, alguns autores ensaiam mesmo
novos caminhos na justificação histórica deste vínculo, que apresentam como alternativas à filiação
romanista tradicional na figura da locatio conductio. É o que encontramos, por exemplo, no ensaio de
VON GIERKE sobre a origem histórica do Dienstvertrag, onde o autor sustenta a origem histórica
deste contrato (e, designadamente, da sua modalidade de serviço dependente, que corresponde ao
contrato de trabalho) num contrato de tradição medieval germânica, onde os traços de personalidade
são muito mais marcados: é o contrato de serviço fiel (Treudienstvertrag), vínculo de vassalagem em
que o vassalo se obrigava a deveres de lealdade pessoal para com o senhor, em troca da protecção
deste”. (RAMALHO, Maria do Rosário Palma, Direito do Trabalho - Dogmática Geral, Parte I, 2ª
edição, Coimbra: Almedina, 2009, pág. 393)
54
O dirigismo contratual se tornou a principal forma de regulamentação
jurídica da relação capital e trabalho no séc. XX.
Amauri Mascaro Nascimento, bem define: “Dirigismo contratual é a
política jurídica destinada a restringir a autonomia negocial na determinação dos
efeitos do contrato”.
Cabe ressaltar que, conforme as lições do professor paulista acima, o
dirigismo contratual não é fenômeno exclusivo do contrato de trabalho, mostrando-se
como uma tendência generalizada a todos os contratos de direito privado55.
Na verdade, o dirigismo contratual na relação laboral tem início com o
constitucionalismo social, fenômeno típico do séc. XIX e do limiar do séc. XX,
quando as Constituições passaram a positivar os direitos sociais56.
55
“A liberdade de contratar, com a amplitude que lhe foi dada pelos sistemas jurídicos, sofre, no
direito comum, limitações na medida em que as leis passam a dispor imperativamente sobre o
conteúdo de alguns contratos. Dirigismo contratual é a política jurídica destinada a restringir a
autonomia negocial na determinação dos efeitos do contrato. Na medida em que cresce, fala-se,
inversamente, em ‘decadência do voluntarismo jurídico’ e em ‘crise do contrato’, não faltando, mesmo
no direito comum, afirmações, obviamente exageradas, sobre a ‘publicização do contrato’, como nota
José H. Saraiva. Não só as limitações impostas pelo Estado, mas também as necessidades do
comércio jurídico provocam, como assinala Orlando Gomes, as novas figuras que surgem no direito
contratual, confirmando a tendência crescente dirigista. As mesmas transformações são afirmadas
por René Savatier, em Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui (Paris,
Dalloz, 1964), na qual mostra as alterações, mas não o desaparecimento do contrato, as
trnasformações resultantes do dinamismo econômico e social e as necessidades do homem em
produzir na proporção em que faz as suas conquistas”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de
Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 583)
56 Renato Rua de Almeida sustenta entendimento pioneiro no sentido de que a primeira Constituição
a positivar os direitos sociais é a Constituição da França de 1848, ao contrário do que comumente se
afirma quando se aponta a Constituição do México de 1917 como se fosse a primeira, vejamos: “A
partir da metade do século XIX, surgiu o fenômeno do constitucionalismo social, em que as
constituições contemplaram capítulo específico sobre os direitos trabalhistas, iniciando-se com a
Constituição francesa de 1848, sendo que no Brasil um pouco mais tarde, com a Constituição de
1934”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A função social do contrato e a nova redação do item III, da
Súmula 244, a inserção do item III, na Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, do TST,
Suplemento Trabalhista LTr, sob o nº 137/13, em 2013, ano 49, págs. 741-743).
55
Os direitos sociais, positivados nas Constituições e nas leis
infraconstitucionais na segunda metade do século XIX e na primeira metade do
século XX, correspondem aos chamados direitos fundamentais de segunda
dimensão (ou segunda geração de direitos fundamentais), sendo que a primeira
dimensão ou geração de direitos fundamentais corresponde aos direitos civis e
políticos.
Os direitos trabalhistas específicos57 positivados nas Constituições e
nos textos legais infraconstitucionais são direitos de segunda dimensão ou geração,
por serem direitos findados à garantia da igualdade substancial na relação capital e
trabalho, a dignidade humana do trabalhador e a justiça social58.
Os direitos fundamentais foram concebidos em um primeiro momento
como limites ao poder do Estado-Nação, surgiram como escudo de proteção do
cidadão frente aos abusos no exercício do poder estatal.
A primeira dimensão (ou geração) de direitos fundamentais surgiu
como expressão do liberalismo jurídico e do iluminismo no período pós-revolução
francesa, ela corresponde aos direitos civis e políticos que tutelam a liberdade, à
57
A doutrina chama de direitos laborais (ou trabalhistas) específicos os propriamente ditos, aqueles
que dizem respeito às obrigações contratuais patronais inerentes à esfera patrimonial do trabalhador.
Os direitos laborais (ou trabalhistas) inespecíficos são aqueles inerentes à esfera extrapatrimonial do
trabalhador, os direitos de cidadania.
58 “O optimismo de que a concepção liberal procede foi entretanto desmentido pelos factos e tal visão
mostra-se hoje completamente inadequada à realidade social. A igualdade liberal é uma igualdade
meramente formal, que se limita exclusivamente ao gozo dos direitos e não se estende às situações
concretas. Nas sociedades saídas das revoluções liberais, nada permite passar de uma à outra, uma
vez que cada uma tenta as suas oportunidades a partir de direitos formalmente iguais, sem que seja
prestada atenção às condições materiais em que eles são exercidos e que, à partida, tornam essa
igualdade largamente teórica. As relações que se geram no seio das sociedades contemporâneas
são relações desiguais. E é precisamente aí, no carácter desigual dessas relações, que radica a
necessidade de assegurar um efetivo exercício das liberdades nas próprias relações entre
particulares, sobretudo, mas não só, se tivermos em conta o cada vez maior poder dos grupos
sociais, os quais possuem um poder, senão superior, pelo menos igual ao do Estado, o que lhes
permite influenciar a esfera de autonomia dos indivíduos definida pelos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados”. (ABRANTES, José João. Contrato de Trabalho e Direitos
Fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pág. 23)
56
dignidade do cidadão e ao direito de propriedade privada contra os potenciais
abusos praticados pelo poder estatal. Dessa ideia surgiu o conceito de eficácia
vertical dos direitos fundamentais, frutos da teoria liberal dos direitos fundamentais59.
Com o surgimento da chamada questão social, que é consequência
das Revoluções Industriais e do liberalismo jurídico exacerbado, entra em cena o
constitucionalismo social, o qual propõe a positivação dos direitos sociais nos textos
das Constituições. Então, nesse segundo momento manifesta-se a segunda
dimensão ou geração de direitos fundamentais, que corresponde aos direitos
sociais, econômicos e culturais60.
Quando do início da positivação dos direitos sociais, nas Constituições
da França de 1848, do México de 1917, da Alemanha de 1919 e do Brasil de 1934, a
ideia básica era criar deveres de prestação positiva por parte do poder público, ou
seja, a ideia era criar programas a serem executados pelo poder público, logo, nesse
momento de surgimento e consolidação do constitucionalismo social não existia a
pretensão de vinculação dos próprios sujeitos privados aos direitos fundamentais, de
59
“(…) segundo a teoria liberal, os direitos fundamentais são preexistentes ao Estado sendo apenas
reconhecidos por este. De igual sorte, ressalta-se que têm natureza de direitos puramente individuais
e inerentes ao indivíduo, mostrando-se como direitos de autonomia e direitos de defesa,
flagrantemente limitadores da ação do Estado no âmbito da liberdade individual e social da pessoa.
(…) Quando se menciona a eficácia vertical dos direitos fundamentais se está a referir quanto à
vinculação dos poderes públicos a essa categoria de direitos. Ocorre, todavia, que não há muita
controvérsia acerca da sua incidência nas relações de natureza jurídico-públicas, tendo em vista que,
originariamente, segundo a concepção da doutrina liberal - conforme já abordado em capítulo anterior
-, os direitos fundamentais se mostram justamente como sendo meios de defesa do cidadão perante
o Estado, identificando este como o maior ameaçador dos direitos e liberdades dos indivíduos”.
(AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas,
São Paulo: Editora LTr, 2007, pág. 35, 36 e 52)
60 “(…) as características da ‘questão social’ foram (i) a origem em uma perturbação no corpo social;
(ii) o efeito danoso de tal perturbação para um ou mais grupos sociais identificáveis; (iii) o caráter
coletivo e prolongado (e não individual ou transitório) de irrealização do bem comum; (iv) o ideal de
identificação e superação das causas daquelas perturbações, com vista à realização do justo social
na totalidade da sociedade. Obviamente, porém, não se pode dissociar a ideia de ‘justo social’ da
ideia mesma de dignidade da pessoa humana, em todas as suas dimensões: individual, social e
intergeracional/atemporal”. (FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do
trabalho: Teoria geral do direito do trabalho, São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 66)
57
primeira, de segunda ou mesmo de terceira dimensão ou geração. A vinculação dos
sujeitos privados aos direitos fundamentais surgiu em contexto histórico posterior ao
constitucionalismo social, quando os direitos fundamentais já gozavam de plena
maturidade, pois, já se encontravam quase na sua plenitude positivados nos textos
constitucionais e nas leis infraconstitucionais61.
As doutrinas brasileira e estrangeira denominam de eficácia horizontal
dos direitos fundamentais o fenômeno da vinculação dos sujeitos privados aos
direitos fundamentais positivados62.
61
Adriana Calvo, citando as lições de Robert Alexy, explica o início histórico da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais: “A maioria dos constitucionalistas germanófilos considera que
o Caso Lüth foi o primeiro e o mais importante da história do constitucionalismo alemão no pós-guerra
e em 1948 revolucionou o Direito como um todo, não apenas o Direito Constitucional. De acordo com
Alexy, a decisão do Caso Lüth é importante por inovar em três pontos o Direito Constitucional Alemão
da época: A primeira ideia foi a de que a garantia constitucional de direitos individuais não é
simplesmente uma garantia dos clássicos direitos defensivos do cidadão contra o Estado. Os direitos
constitucionais incorporam, para citar a Corte Constitucional Federal, ‘ao mesmo tempo uma ordem
objetiva de valores’. Mais tarde a Corte fala simplesmente de ‘princípios que são expressos pelos
direitos constitucionais’. Assumindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que a primeira ideia básica
da decisão do caso Lüth era a afirmação de que os valores ou princípios dos direitos constitucionais
aplicam-se não somente à relação entre o cidadão e o Estado, muito além disso a ‘todas as áreas do
Direito’. É precisamente graças a essa aplicabilidade ampla que os direitos constitucionais exercem
um ‘efeito irradiante’ sobre todo o sistema jurídico. Os direitos constitucionais tornam-se onipresentes
(unbiquitous). A terceira ideia encontra-se implícita na estrutura mesma dos valores e princípios.
Valores e princípios tendem a colidir. Uma colisão de princípios somente pode ser resolvida pelo
balanceamento. A grande lição da decisão do caso Lüth, talvez a mais importante para o trabalho
jurídico cotidiano, afirma, portanto, que: ‘Um balanceamento de interesses torna-se necessário’. ”. (In:
ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). Aplicação da teoria do diálogo das fontes no direito do
trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2015, pág. 13)
62 “(…) em 1954, no caso da igualdade salarial entre mulheres e homens que exercessem a mesma
função, o Tribunal Federal do Trabalho alemão, tendo como relator o jus-laboralista Hans Carl
Nipperdey, adotou a Drittwirkung, isto é, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Em
1958, outro julgamento antológico agora do Tribunal Constitucional alemão, no famoso caso Lüth,
sobre liberdade de expressão, foi consagrada a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, isto é,
eles constituem valores a serem garantidos em todas as dimensões da vida social, irradiando-se por
todo o ordenamento jurídico. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia dos direitos fundamentais nas
relações de trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-06/647-650)
58
Ato contínuo, a principal indagação existente quando falamos sobre a
eficácia horizontal dos direitos fundamentais é quanto à forma como ela se
manifesta, se se trata de hipótese de eficácia direta e imediata sobre as relações
privadas, ou se trata de eficácia mediata e indireta.
Os defensores da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais
nas relações privadas, inclusive nas relações laborais, acreditam que é possível ao
magistrado aplicar diretamente as normas constitucionais nas relações entre sujeitos
privados, então, nesse caso, seria correto afirmar que as normas jurídicas
constitucionais (princípios e regras) criam direitos e obrigações para os sujeitos
privados, mesmo nas relações exclusivamente entre sujeitos privados das quais o
poder estatal está ausente.
Portanto, para os defensores da eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais nas relações entre sujeitos privados, as normas constitucionais criam
deveres para os particulares, alguns defendem que são criados apenas deveres de
prestações negativas (dever de respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores
e vice-versa), outros defendem a criação de deveres de prestações negativas e
positivas (além do dever de respeitar os direitos fundamentais, também os deveres
de praticar condutas positivas no sentido de estabelecer obrigações de assistência
do empregador para com o empregado).
Parece-me que a teoria da eficácia direta e imediata é a mais correta
quando pensamos na necessidade de máxima efetividade dos direitos fundamentais
laborais nas relações privadas por meio de súmulas e precedentes judiciais
obrigatórios, além do que, por certo, a teoria da eficácia direta e imediata é a mais
consentânea com a filosofia pós-positivista, porém, deve-se ressaltar que por
diversas vezes não se mostra possível a aplicação direta e imediata dos direitos
fundamentais nas relações privadas mostrando-se necessária a “interposio
legislatoris”, por exemplo, por meio de cláusulas gerais previstas na legislação
infraconstitucional que servem como janela e porta de entrada dos direitos
fundamentais laborais nas relações privadas, conforme será exposto adiante.
De outra maneira, aqueles que defendem a eficácia mediata e indireta
dos direitos fundamentais nas relações privadas acreditam que não é possível a
59
aplicação direta e imediata de normas constitucionais nos casos privados, pois, para
eles, as normas constitucionais criam obrigações para o legislador ordinário criar
normas infraconstitucionais refletindo os mandamentos constitucionais (os
chamados mandamentos de otimização63), assim, sob esse ponto de vista as
normas constitucionais não criam direitos e deveres para os sujeitos, apenas
mostram quais são os direitos e deveres que o legislador infraconstitucional deve
criar para os particulares.
As cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados, prescritos
no âmbito da legislação infraconstitucional, funcionam como janelas abertas
permissivas do ingresso dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas,
são as chamadas “interposio legislatoris” (a interposição do legislador
infraconstitucional entre as normas constitucionais de direitos fundamentais e o caso
concreto), portanto, servem tanto aos defensores da teoria da eficácia direta e
imediata, quanto aos defensores da teoria da eficácia mediata e indireta, em que
pese sejam próprias para as hipóteses nas quais as normas constitucionais não
encontram a possibilidade de aplicação direta e imediata.
A boa-fé objetiva é uma cláusula geral positivada expressamente no
CC/02, conforme o seu art. 422, a qual permite a abertura do sistema jurídico,
servindo de porta ou avenida de entrada dos direitos fundamentais nas relações
privadas, inclusive quanto à relação privada laboral.
63
Virgílio Afonso da Silva é quem melhor desenvolve os ensinamentos do jurista alemão Robert Alexy
no Brasil, de quem foi orientando em seu doutoramento na Universidade de Kiel (Alemanha). Segue a
definição de mandamento de otimização desenvolvida por Virgílio à luz da teoria de Alexy: “A principal
contribuição de Alexy à teoria forte sobre a distinção entre principios e regras foi o desenvolvimento
do conceito de mandamento de otimização. Segundo Alexy, princípios são normas que exigem que
algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
Definidos dessa forma, os princípios se distinguem das regras de forma clara, pois estas, se válidas,
devem sempre ser realizadas sempre por completo. O grau de realização dos princípios, ao contrário,
poderá sempre variar, especialmente diante da existência de outros princípios que imponham a
realização de outro direito ou dever que colida com aquele exigido pelo primeiro”. (SILVA, Virgílio
Afonso da. A Constitucionalização do Direito - os direitos fundamentais nas relações entre
particulares, 1ª edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2011, pág. 32)
60
Ainda que se defenda a eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais nas relações privadas não há como se negar a importância da
cláusula geral da boa-fé objetiva para a máxima efetividade dos direitos
fundamentais laborais nas relações entre sujeitos privados, na medida em que
muitas vezes a efetividade dos direitos fundamentais, mesmo gozando de eficácia
direta e imediata, pode ser operacionalizada se o enquadramento jurídico ocorrer
por meio da cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC).
Então, a cláusula geral da boa-fé objetiva permite maior
operacionalidade dentro do sistema jurídico na busca da máxima efetividade dos
direitos fundamentais nas relações privadas64, inclusive nas relações laborais.
64
É importante destacar que, segundo as lições de Nelson Nery Jr., a boa-fé objetiva pode ser uma
cláusula geral, um princípio geral de direito ou um conceito legal indeterminado, será uma cláusula
geral qualquer a legislador fizer previsão da boa-fé objetiva como dever de conduta, será um princípio
geral de direito quando a boa-fé objetiva for cabível e a legislação for omissa na sua positivação e
será um conceito legal indeterminado quando a lei preveja uma regra abstrata a ser preenchida pelo
magistrado no caso concreto, assim, a regra do art. 422 do Código Civil de 2002 seria uma cláusula
geral que permite a efetivação dos direitos fundamentais nas relações privadas dado o seu conteúdo
abstrato, vejamos: “Ao lado da função social do contrato, outra cláusula geral avulta em importância
em matéria contratual: a boa-fé objetiva. Falamos em cláusula geral porque essa é a natureza jurídica
do instituto previsto no CC, 422. Expliquemos. A mesma figura da boa-fé pode ser caracterizada de
várias maneiras, dependendo do contexto em que se encontre. Quando o CDC, 51, IV diz ser nula
(abusiva) a cláusula contratual que, na relação de consumo, contrariar a equidade ou a boa-fé, esta
última é, no contexto tratado pela norma consumerista, um conceito legal indeterminado, porque é
conceito de formulação abstrata (boa-fé), cujo conteúdo tem de ser preenchido pelo juiz, mas para o
qual a lei já estipula previamente a consequência: a nulidade da cláusula. Pode, ainda, ser princípio
geral de direito quando, por exemplo, não houver positivação da boa-fé em determinada situação. Na
Alemanha há previsão no § 242 do Código Civil (Bürgerliches Gesetzbuch - BGB) da boa-fé objetiva
como cláusula geral. No Brasil não havia no CC/1916 disposição semelhante. A boa-fé era tratada
como princípio geral de direito (não positivado) e, em algumas circunstâncias, como conceito legal
indeterminado (efeitos, quanto aos filhos, do casamento putativo, contraído de boa-fé; posse de boa-
fé para aquisição da propriedade por certo tipo de usucapião etc.). Frise-se que mesmo não existindo
no revogado sistema do CC/1916 um artigo semelhante ao § 242 do BGB, a doutrina brasileira
sustentava a existência do instituto, não como cláusula geral, mas como regra de conduta”. ( NERY
JR., Nelson. Contratos no Código Civil - apontamentos gerais, In: FRANCIULLI NETO, Domingos;
MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O Novo Código Civil -
homenagem ao Professor Miguel Reale, São Paulo: Editora LTr, 2ª edição, pág. 448)
61
A cláusula geral da boa-fé objetiva é um viável caminho jurídico para o
legítimo exercício do ativismo constitucional, pois, ainda que entendêssemos pela
necessidade de intervenção do legislador na criação de normas jurídicas de conduta
regulamentadoras das relações sociais (“interposio legislatoris”), ainda assim, o
ativismo judicial constitucional seria legítimo na medida em que a abertura oferecida
ao sistema jurídico pela cláusula geral da boa-fé objetiva permite ao julgador a
efetivação dos direitos fundamentais por meio dessa janela aberta65.
Na presente tese defende-se a teoria da eficácia direta e imediata dos
direitos fundamentais, o que se afirma com fundamento na CF/88, em seu art. 5º,
§1º, o qual prescreve expressamente que “as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”, sendo que, diante dessa afirmação,
a cláusula geral da boa-fé objetiva surge como um mecanismo de operacionalização
do sistema jurídico na busca da efetividade dos direitos fundamentais nas relações
privadas, inclusive para que seja dada efetividade aos direitos fundamentais nas
hipóteses em que as normas constitucionais de direitos fundamentais não admitirem
de maneira prática a eficácia direta e imediata e sim indireta e mediata.
Isso porque, por mais que se defenda a eficácia direta e imediata dos
direitos fundamentais em algumas situações práticas não será possível dar eficácia
direta e imediata e, então, nessas situações, as cláusulas gerais, tal como a da boa-
fé objetiva, surgem como instrumentos jurídicos hermenêuticos de interposição
legislativa adequados na busca da concretização dos direitos fundamentais.
65
“O principal elo de ligação entre os direitos fundamentais como sistema de valores e o direito
privado, segundo o modelo de efeitos indiretos, são as chamadas cláusulas gerais. Essas são
cláusulas que requerem um preenchimento valorativo na atribuição de sentido, pois são, para usar
uma expressão difundida na doutrina jurídica brasileira, conceitos abertos, cujo conteúdo será
definido por uma valoração do aplicador do direito. Essa valoração não pode ser, contudo, ao
contrário do que muitos ainda pensam, uma valoração baseada em valores morais extra e
supralegais. Essa valoração deve ser baseada, e aqui se revela o elo de ligação, no sistema de
valores consagrados pela constituição”. (SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do
Direito - os direitos fundamentais nas relações entre particulares, 1ª edição, São Paulo: Editora
Malheiros, 2011, pág. 78-79)
62
“A contrario sensu”, Virgílio Afonso da Silva faz crítica à afirmação de
que o disposto no art. 5º, §1º, da CF/1988, permite a eficácia direta e imediata nas
relações privadas. Segundo o jurista paulista, há certa confusão nessa afirmação por
serem conceitos diferentes: “eficácia dos direitos fundamentais”, “forma de produção
de efeitos” e “âmbito de aplicação”.
Virgílio entende que o “texto constitucional, que dispõe que os direitos
fundamentais terão aplicação imediata, faz menção a uma potencialidade, à
capacidade de produzir efeitos desde já”. Além do que, para o professor franciscano
a norma jurídica prescrita no art. 5º, §1º, da CF/1988, “não diz absolutamente nada
sobre quais relações jurídicas sofrerão seus efeitos, ou seja, não traz indícios sobre
o tipo de relação que deverá ser disciplinada pelos direitos fundamentais”.66 Essa
opinião acompanha o entendimento dominante no direito alemão.
Não é esse o sentido sustentado nessa tese acadêmica, pois acredita-
se que a ordem jurídica constitucional brasileira está de acordo com o que dispõe a
Constituição da República Portuguesa de 1976, para a qual “as relações jurídicas
entre particulares estão vinculadas aos direitos fundamentais, independentemente
66
“Há aqui, na minha opinião, uma confusão entre a eficácia dos direitos fundamentais, sua forma de
produção de efeitos e seu âmbito de aplicação. O texto constitucional, que dispõe que os direitos
fundamentais terão aplicação imediata, faz menção a uma potencialidade, à capacidade de produzir
efeitos desde já. Mas a simples prescrição constitucional de que as normas definidoras de direitos
fundamentais terão “aplicação imediata” não diz absolutamente nada sobre quais relações jurídicas
sofrerão os seus efeitos, ou seja, não traz indícios sobre o tipo de relação que deverá ser disciplinada
pelos direitos fundamentais. Prescrever que os direitos fundamentais têm ‘aplicação imediata’ não
significa que essa aplicação deverá ocorrer em todos os tipos de relação ou que todos os tipos de
relação jurídica sofrerão algum efeito das normas de direitos fundamentais. Somente se se pressupõe
que direitos fundamentais devem produzir efeitos - diretos - em todas as relações jurídicas possíveis
é que se poderá interpretar o §1º do art. 5º como aplicável - de imediato - às relações entre
particulares. Como se vê, a estratégia acima descrita é uma estratégia que peca pela circularidade,
pois pretende fundamentar a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais às relações entre
particulares por meio de um dispositivo constitucional que só produz efeitos nessas relações se se
propuser que essa aplicação deverá ocorrer”. (SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do
Direito - os direitos fundamentais nas relações entre particulares, 1ª edição, São Paulo: Editora
Malheiros, 2011, pág. 57-58)
63
de intervenção do legislador, gerando direitos subjetivos aos cidadãos, oponíveis
tanto em face do Estado como em face dos demais cidadãos”67.
Refutando os argumentos de Virgílio Afonso da Silva, acima, na
presente tese defende-se a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas
relações privadas, servindo a legislação infraconstitucional, as cláusulas gerais e os
conceitos jurídicos indeterminados apenas como mecanismos de operacionalização
do sistema de efetivação dos direitos fundamentais, pois, acredita-se que o §1º do
art. 5º da CF/1988 deve ser interpretado sob a perspectiva do princípio de tutela da
dignidade humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988), então, à luz do imperativo de
tutela da dignidade humana o §1º do art. 5º da CF/1988 autoriza a eficácia direta e
imediata dos direitos fundamentais nas relações laborais68.
A técnica jurídica de efetivação dos direitos fundamentais nas relações
laborais por meio da cláusula geral da boa-fé objetiva é expressão do pós-
positivismo jurídico, pois permite ao magistrado no caso concreto dar efetividade ao
direito fundamental laboral prescrito no texto constitucional mesmo que o direito
fundamental a ser efetivado não esteja reproduzido no âmbito infraconstitucional, já
que a abertura do sistema jurídico por meio da cláusula geral da boa-fé objetiva
permite ao magistrado valorar no caso concreto as condutas dos contratantes,
exigindo-se o respeito aos direitos e deveres fundamentais como se o dever de boa-
fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro) correspondesse aos deveres e direitos
constitucionalizados.
67
CALVO, Adriana. A busca da efetividade do direito fundamental à proteção do trabalhador no
ambiente penoso. In: ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). Aplicação da teoria do diálogo das fontes
no direito do trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2015, pág. 15-16.
68 “Os que defendem a eficácia imediata e direta ressaltam a necessidade da proteção do princípio da
dignidade da pessoa humana na base dos direitos fundamentais consagrado no texto constitucional
brasileiro no artigo 1º, inciso III, como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, mas,
reconhecendo, ao mesmo tempo, que não constituem princípios de aplicação absoluta, mas que
devem ser sopesados face à uma possível colisão com outros valores constitucionais pela aplicação
do princípio da proporcionalidade e de seus sub-princípios da necessidade, da adequação e da
proporcionalidade propriamente dita, ou da razoabilidade”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia
dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-
06/647-650)
64
A prática de qualquer conduta patronal em desrespeito aos direitos e
deveres fundamentais prescritos no texto constitucional acarreta naturalmente na
quebra da boa-fé objetiva, pois, a cláusula geral da boa-fé objetiva é um consectário
dos direitos e deveres fundamentais, logo, caracteriza a quebra da boa-fé objetiva a
prática de qualquer conduta patronal que viole os direitos e deveres fundamentais
dos trabalhadores.
Por exemplo, a prática de conduta patronal que viole a dignidade
humana do trabalhador caracteriza a violação da cláusula geral da boa-fé objetiva
(art. 422 do CC brasileiro), ou ainda, a prática de qualquer conduta por qualquer dos
contratantes que viole os deveres anexos à boa-fé objetiva (deveres de lealdade, de
transparência, de informação, de probidade, colaboração, de solidariedade “et
cetera”) acarreta também na violação do princípio da dignidade humana, ou mesmo
em violação aos direitos de personalidade.
Então, a cláusula geral de boa-fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro)
permite a operacionalização do sistema jurídico, que tem a tutela da dignidade
humana como valor máximo a ser protegido, na medida em que é uma janela aberta
para a aplicação dos direitos fundamentais no caso concreto, além de servir de
dever de conduta imposta aos contratantes buscando irradiar os direitos
fundamentais nas relações privadas.
O ativismo judicial constitucional na Justiça do Trabalho tem se
mostrado eficiente na efetivação direta e imediata dos direitos fundamentais nas
relações de trabalho, ainda que seja um ativismo tímido, sendo que por vezes utiliza-
se da porta de entrada oferecida pela cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do
CC) para a busca da efetividade dos direitos fundamentais nas relações laborais.
A cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro) é norma
jurídica infraconstitucional criadora de dever de conduta aos contratantes, que
permite a efetivação dos direitos fundamentais laborais por meio do exercício do
ativismo judicial constitucional laboral.
Então, o contrato de trabalho deve ser interpretado à luz do princípio da
dignidade humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988) e os direitos fundamentais laborais
são normas jurídicas com eficácia direta e imediata nos relações laborais, então,
65
criam direitos e deveres ao empregador e ao empregado, além do que, a cláusula
geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro) e os seus deveres anexos
(deveres de lealdade, de transparência, de informação, de probidade, colaboração,
de solidariedade “et cetera”) são deveres de conduta impostos aos contratantes que
permitem ao magistrado valorar no caso concreto o respeito ou desrespeito aos
direitos fundamentais laborais frente às condutas dos contratantes.
Ao atribuirmos sentido às cláusulas contratuais laborais devemos
verificar se o sentido escolhido é aquele que melhor atende à cláusula geral da boa-
fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro), se o sentido atribuído está em consonância
com a tutela da dignidade humana do trabalhador e se os direitos fundamentais
estão ou não respeitados. Cabe ao magistrado frente ao caso concreto avaliar todos
esses aspectos quando da resolução do conflito individual laboral, isso é o que
denominamos de ativismo judicial constitucional trabalhista.
É correto afirmar que as próprias normas jurídicas constitucionais
guardam um amplo grau de indeterminação a ponto de ser correta a afirmação de
que o texto constitucional brasileiro estatui uma ordem jurídica constitucional aberta,
por exemplo, o princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988) é
amplamente indeterminado na sua significação cabendo ao magistrado valorar a
conduta lesiva ou não à dignidade humana no caso concreto, ou mesmo o direito-
dever de informação (art. 5º, IV, da CF/1988) é amplamente indeterminado na sua
significação cabendo ao magistrado verificar no caso concreto quais informações
são ou não exigíveis.
Cabe ressaltar que os direitos fundamentais laborais não são apenas
os direitos trabalhistas específicos prescritos no art. 7º da CF/1988, próprios da 2ª
dimensão ou geração de direitos fundamentais, sendo que também assim são
considerados os direitos fundamentais laborais, esses chamados inespecíficos, de
1ª dimensão ou geração (civis e políticos) e de 3ª dimensão ou geração (difusos e
coletivos).
Os direitos fundamentais de 1ª dimensão ou geração (civis e políticos),
chamados de inespecíficos, são classificados pela doutrina como direitos de
66
cidadania do trabalhador69. Os direitos fundamentais de 3ª dimensão ou geração são
considerados direitos de solidariedade70.
O ativismo judicial constitucional na Justiça do Trabalho é hábil,
principalmente, para a busca da efetividade dos direitos fundamentais laborais
inespecíficos, de 1ª e de 3ª dimensão ou geração, pois os direitos fundamentais de
2ª dimensão ou geração já se encontram quase que totalmente efetivados no plano
69
“É atribuída a Palomeque Lopez a feliz expressão de que os direitos da cidadania são também
“direitos do cidadão-trabalhador, que os exerce como trabalhador-cidadão”. Portanto, os direitos da
cidadania são também direitos exercidos pelos trabalhadores nas relações de trabalho, diante do
conceito da “cidadania da empresa”, segundo as lições de José João Abrantes. Tendo em vista que,
entre os direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão, encontram-se os direitos
trabalhistas tradicionais, tidos como os direitos laborais específicos dos trabalhadores, os direitos da
cidadania são direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão, que, uma vez exercidos pelos
trabalhadores nas relações de trabalho, passam a ser conhecidos como direitos laborais inespecíficos
dos trabalhadores. A propósito, é novamente Palomeque Lopez quem, com autoridade, afirma que se
produz uma “impregnação laboral” de direitos de titularidade geral ou inespecífica pelo fato serem
exercidos pelos trabalhadores assalariados no âmbito de um contrato de trabalho. Portanto, são
direitos laborais inespecíficos em relação aos direitos laborais específicos dos trabalhadores. Esses
direitos laborais inespecíficos dos trabalhadores são, entre outros, os direitos da personalidade, o
direito à informação, o direito à presunção de inocência, o direito à ampla defesa e o direito ao
contraditório. Os direitos da personalidade, por exemplo, estão garantidos pelo artigo 26 da
Constituição da República Portuguesa e estão também regulamentados pelo Código do Trabalho
português de 2009 de maneira minuciosa, compreendendo a liberdade de expressão e de opiniões, a
integridade física e moral, a reserva da intimidade da vida privada, a proteção em relação aos meios
de vigilância à distância no local de trabalho, a confidencialidade de mensagens e de acesso à
informação. O direito brasileiro, embora não tenha ainda regulamentado pela legislação trabalhista os
direitos da personalidade no âmbito das relações de trabalho, como direitos laborais inespecíficos dos
trabalhadores, sua efetividade, no entanto, como direitos fundamentais, é garantida pela aplicação do
artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, em especial no que concerne a proteção à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas”. (ALMEIDA, Renato Rua de. Direitos
laborais inespecíficos dos trabalhadores, Revista LTr, Legislação do Trabalho, V. 76, pág. 295-
296, 2012)
70 Alguns doutrinadores enquadram o direito de greve como direito fundamental de terceira dimensão
ou geração (direito de solidariedade/coletivo). Nos Estados Unidos e no Canadá, países formados
dentro de uma cultura liberal, o direito de greve é, normalmente, enquadrado como direito de
liberdade dos trabalhadores, na 1ª dimensão ou geração de direitos fundamentais.
67
prático, em que pese a existência de árduo debate na doutrina e na jurisprudência
quanto a reforma da legislação trabalhista brasileira.
Na verdade, quando falamos em tutela da dignidade humana do
trabalhador estamos nos referindo, principalmente, à necessidade de tutela dos
direitos fundamentais de 1º primeira dimensão ou geração, os direitos laborais
inespecíficos, que são os chamados direitos de cidadania do trabalhador, pois os
direitos trabalhistas específicos já se encontram devidamente positivados no texto
constitucional como direitos sociais e existe uma densa legislação infraconstitucional
regulamentadora.
A cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro) é uma
norma jurídica que cria deveres de conduta que dão um sentido ético para a relação
contratual, sendo que esse sentido ético está diretamente relacionado com os
direitos de cidadania do trabalhador.
A presente tese de doutoramento tem por objetivo argumentar
juridicamente na defesa da ideia de que a sistemática processual de aplicação
obrigatória de precedentes e de súmulas na Justiça do Trabalho permite a
efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas.
Ora, o ativismo constitucional na Justiça do Trabalho, quando da
operacionalização da cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), permite que
o magistrado a partir do caso concreto crie precedentes judiciais afirmadores dos
direitos laborais inespecíficos, que se obrigatórios e vinculantes a todo o Poder
Judiciário permitem a máxima efetividade dos direitos fundamentais nas relações
laborais, de maneira progressiva e repetidamente em diversos casos análogos.
Quando do julgamento de um caso prático, cabe ao magistrado na
“ratio decidendi” do julgado fundamentar com base na violação da cláusula geral da
boa-fé objetiva (art. 422 do CC brasileiro), servindo ela como janela de entrada dos
direitos fundamentais nas relações laborais, quando então teremos um precedente
judicial dando efetividade aos direitos fundamentais laborais, que se se tratar de
precedente judicial tipificado no art. 927 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº
13.105/2015) terá caráter obrigatório e vinculante, o que permite a máxima
efetividade dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.
68
A “ratio decidendi” pode ser definida como a fundamentação da
decisão judicial, na qual estão prescritos os motivos que levaram à formação do
julgado, podendo-se ainda afirmar que é a parte do julgamento na qual se constrói
a(s) norma(s) jurídica(s) aplicada(s) no caso concreto, na qual se constrói a tese
jurídica fundamentadora do julgamento.
A “ratio decidendi” é composta por questões de direito e por questões
de fato, sendo que o precedente judicial é formado a partir das questões de direito
analisadas, sem ignorar totalmente as questões de fato. Segundo ensina a doutrina,
no direito norte-americano a “ratio decidendi” é muitas vezes denominada de
“holding”71.
A sistemática de precedentes e de súmulas obrigatórios, ordenada no
NCPC (Lei nº 13.105/2015), com aplicação ao processo do trabalho, por força dos
arts. 15 do Novo CPC e 769 da CLT, permite a efetividade dos direitos fundamentais
laborais por garantir maior certeza, estabilidade e integridade às decisões judiciais,
na medida em que uma decisão judicial paradigmática cria um precedente judicial
obrigatório e vinculante apto a reproduzir de maneira estável e segura a “ratio
decidendi” efetivadora de direitos fundamentais laborais a outros casos análogos.
Portanto, se nos dias atuais o contrato de trabalho, analisado sob a
ótica do pós-positivismo jurídico, é um contrato moldado à luz da tutela da dignidade
humana do trabalhador (art. 1º, inc. III, da CF/88), o que exige a máxima efetividade
dos direitos fundamentais laborais, por certo a sistemática processual de aplicação
obrigatória de súmulas e precedentes judiciais fortalece o protagonismo do Poder 71
“(…) o precedente (em sentido amplo) é a própria decisão judicial, responsável por dirimir o conflito
oriundo do caso concreto, que tem aptidão ou relevância para que a tese jurídica nela consagrada
seja aplicada em julgamentos futuros semelhantes. Essa tese jurídica ou regra universal que pode ser
extraída da decisão, servindo como diretriz (eficácia persuasiva) ou obrigatoriedade (eficácia
vinculante) para solucionar os casos posteriores, assentados sob as mesmas premissas, é
denominada ratio decidendi ou holding. A ratio decidendi é o núcleo do precedente, a sua norma
geral veiculada na fundamentação do pronunciamento judicial. Consiste nas suas razões de decidir,
revelando uma regra jurídica que pode ser utilizada como paradigma em situações análogas pelo
Judiciário. O precedente é composto, assim, do raciocínio jurídico, da regra de direito (ratio decidendi)
e das circunstâncias fáticas que sustentam o caso concreto”. (FACÓ, Juliane Dias. Recursos de
revista repetitivos, São Paulo: Editora LTr, 2016, pág. 32)
69
Judiciário, conforme as palavras de Boaventura de Sousa Santos72 e de Renato Rua
de Almeida73, já que diante da omissão legislativa na concretização dos direitos de
cidadania do trabalhador resta ao Poder Judiciário exercer o ativismo judicial
constitucional, o que é legítimo diante da abertura do sistema jurídico por meio das
cláusulas gerais, dos conceitos jurídicos indeterminados, dos princípios
constitucionais explícitos ou implícitos e através da concretização dos valores
constitucionais.
72
“(…) desde os finais da década de 1980, o sistema judicial adquiriu uma forte proeminência em
muitos países não só latino-americanos, mas também europeus, africanos e asiáticos. Este
protagonismo dos tribunais em tempos mais recentes não se dirige necessariamente ao
favorecimento de agendas ou forças políticas conservadoras ou progressistas, assentando-se antes
num entendimento mais amplo e mais profundo do controlo de legalidade, apostando, por vezes, na
constitucionalização do direito ordinário como estratégia hermenêutica de um garantismo mais
ousado dos direitos do cidadão”. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução
democrática da justiça, 3ª edição, São Paulo: Cortez, 2011, pág. 22)
73 “(…) como os direitos fundamentais, compreendendo não apenas os direitos trabalhistas
específicos, mas também os direitos dos trabalhadores inespecíficos, relacionados à sua cidadania,
como os direitos de personalidade, de informação, de participação na vida da empresa, expressados
constitucionalmente como princípios normativos, vivenciados no contexto da empresa, colidem muitas
vezes, na sua aplicação, com o chamado “interesse da empresa”, representado pelo “jus variandi” do
empregador, conforme denominação utilizada, dentre outros autores portugueses e europeus, por
Maria do Rosário Palma Ramalho, em sua obra Direito do Trabalho Parte I-Dogmática Geral, editada
pela Edições Almedina, expressando também os valores constitucionais da livre iniciativa e da livre
concorrência, será o método da ponderação que resolverá o conflito dos princípios normativos em
cada caso concreto, quando então valer-se-á do princípio da proporcionalidade e de seus
subprincípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, também
conhecido como princípio da razoabilidade. Pode-se aferir do acima exposto o protagonismo do
Poder Judiciário como um todo na consecução da eficácia dos direitos fundamentais, e, em especial
do Poder Judiciário trabalhista na consecução dos direitos fundamentais nas relações de trabalho,
sobretudo em razão da inércia crônica e estrutural do poder legislativo na regulamentação
infraconstitucional dos direitos fundamentais, em especial no que concerne à busca de sua eficácia
horizontal. É a configuração do que se convencionou chamar de “ativismo judicial” ou “judicialização
da política”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de
trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-06/647-650)
70
CAPÍTULO III
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO LABORAL: ATIVISMO CONSTITUCIONAL NA
JUSTIÇA DO TRABALHO E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA A PARTIR DO CASO
CONCRETO
O tema função social do contrato laboral insere-se como um dos mais
atuais e desafiadores no âmbito da ciência juslaboral pós-moderna, principalmente
por servir como mecanismo jurídico de ruptura com o primado do positivismo jurídico
e para o ingresso no pós-positivismo jurídico.
Segundo o pós-positivismo, as normas infraconstitucionais e as regras
contratuais devem ser interpretadas de tal maneira a se buscar o significado mais
próximo dos valores constitucionais74.
74
Adriana Calvo, pesquisadora dos direitos fundamentais laborais, bem ilustra de maneira resumida
as principais ideias que pautam o pós-positivismo jurídico, como segue: “O neoconstitucionalismo é
em essência uma nomenclatura utlizada para informar um novo Direito Constitucional estruturado sob
a perspectiva filosófica do pós-positivismo. Logo, para estudar o neoconstitucionalismo, é necessário
primeiro adentrar-se para o estudo breve do pós-positivismo. O termo pós-positivismo foi introduzido
pela primeira vez em 1995 na 5. Ed. do “Curso de Direito Constitucional” do constitucionalista Paulo
Bonavides. Em 1967, o norte-americano Ronald Dworkin foi o primeiro autor a criticar o pensamento
positivista. Em seu capítulo sobre a diferenciação entre regras e princípios, dexou claro a sua posição
antipositivista ao afirmar: “quero lançar um ataque geral contra o positivismo”. Em 1979, na
Alemanha, surge Robert Alexy, que formula sua teoria dos direitos fundamentais. Para o pensamento
positivista clássico, princípios não eram considerados normas; quando muito, fórmula integradora do
sistema ou critério de hermenêutica. A partir dos estudos de Dworkin e Alexy, os princípios, ao lado
das regras, são considerados normas e devem ser dotados da máxima eficácia. Segundo Fernandes
e Bicalho, as principais características desse novo posicionamento teórico podem ser identificadas,
em suma, como: a) a abertura valorativa do sistema jurídico e, sobretudo, da Constituição; b) tanto
princípios quanto regras são considerados normas jurídicas; c) a Constituição passa a ser o locus
principal dos princípios; e d) o aumento da força política do Judiciário em face da constatação de que
o intérprete cria norma jurídica”. (CALVO, Adriana. A busca da efetividade do direito fundamental
à proteção do trabalhador no ambiente penoso. In: ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). Aplicação
da teoria do diálogo das fontes no direito do trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2015, pág. 12)
71
Ora, o pós-positivismo jurídico propõe a abertura do sistema jurídico
para que as normas infraconstitucionais e as regras contratuais sejam interpretadas
de acordo com os valores constitucionais75.
O que busca o pós-positivismo jurídico é a efetivação das normas
jurídicas constitucionais, sejam elas regras ou princípios constitucionais, inclusive
para que os direitos fundamentais sejam concretizados no campo prático.
Para tanto, somente se mostra possível a efetivação das normas
jurídicas constitucionais por meio de uma intensa e ativa atuação do Poder
Judiciário, o que muitos chamam de politização da justiça, a quem caberá buscar a 75
“Normalmente, em sede de hermenêutica, costuma-se utilizar com certa facilidade do brocardo in
claris cessat interpretatio. Todavia, na prática jurídica constata-se que essa clareza é de difícil
alcance, e o consenso em torno do sentido de um texto jurídico afigura-se mais como uma utopia
hermenêutica. É da essência das construções jurídicas a diversidade de abordagens acerca de uma
única temática; diz-se frequentemente serem múltiplas as interpretações de um mesmo fenômeno.
Não é por outro motivo que a interpretação viabiliza a apresentação de argumentação com vista na
persuasão, e é essa a ferramenta para o convencimento. A prática judiciária, por exemplo, em
verdade, é o canal de discussão das questões jurídicas, e reconhece que as mudanças do sistema
jurídico estão em constante andamento. Dizer aqui que não há mutação não é simplesmente dizer
que as leis, decretos, regulamentos, portarias … São assolados por avalanches de alterações
normativo-textuais, mas que o sentido jurídico, já que não é algo pré-dado no texto-em-si, constrói-se
por meio de uma dialética intensa de argumentos destacados de uma fonte primígena de discussão:
a legislação positivada. Os debates doutrinários, as querelas jurisprudenciais e a multiplicidade de
argumentações em juízo, antes de indicarem que o sentido jurídico é unívoco, denunciam a
multivocidade dos textos jurídicos. No entanto, se essa multivocidade é candente para todas as
práticas textuais jurídicas, sejam normativas, sejam burocráticas, sejam decisórias, sejam científicas,
deve-se alertar, no entanto, que as cadeias de interpretação esbarram no problema da aplicação,
mais propriamente na necessidade de se apresentarem respostas definitivas a conflitos jurídicos.
Ante esse imperativo, o sentido jurídico encaminha-se de forma peculiar, pois o non liquet está-lhe a
governar a prática discursiva aplicativa. É nesse sentido que surgem soluções jurídicas as mais
diversas para deter a impossibilidade de decisão, como é o caso dos pré-julgados, das decisões
sumuladas, da uniformização de jurisprudência … Tais práticas são necessárias tendo-se em vista a
resolução de questões concretas, e imperam no sentido da uniformização das tendências múltiplas de
sentido; o Direito não pode abrir-se em leques de sentidos infinitos, caso contrário essas vastas
amplitudes comprometem a sua finalidade primordial; causando-se insegurança jurídica e
inaplicabilidade das normas jurídicas, cunhadas que foram para a resolução de conflitos suscitados
no mundo fático, na esfera do ser”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso
de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 605-606)
72
melhor interpretação para o texto constitucional e a interpretação das normas
infraconstitucionais e das regras contratuais mais próximas do sentido constitucional,
isso é o que chamamos ativismo constitucional.
Então, o propagado ativismo constitucional, normalmente denominado
de ativismo judicial76, nada mais é do que uma manifestação do pós-positivismo
jurídico, que pretende a atuação ativa e politizada do Poder Judiciário na efetivação
das normas jurídicas constitucionais (princípios e regras), ainda que muitas vezes a
atuação jurisdicional substitua a atividade legislativa diante da necessidade de
criação de normas jurídicas que permitam a construção de soluções jurídicas justas
para o caso concreto, na busca da concretização dos valores constitucionais.
O denominado neoconstitucionalismo é uma manifestação do pós-
positivismo jurídico, que pode ser definido como o movimento jurídico-constitucional
defensor do protagonismo do Poder Judiciário na efetivação dos direitos
fundamentais, inclusive com aplicação direta e imediata das normas constitucionais
prescritivas de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre sujeitos privados.
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, explicam que
o neoconstitucionalismo é fruto do contexto histórico surgido no pós-segunda grande
guerra mundial77, havendo sido lentamente construído pela jurisprudência das
76
“O pressuposto de atuação do Poder Judiciário, portanto, é a de realização dos direitos
fundamentais, dentre os quais se encontra os sociais, através dos mecanismos processuais à sua
disposição. Não poderá, por consequência, manter uma postura meramente contemplativa, sujeita às
arbitrariedades dos demais poderes, de tal forma que, quando concitado, deverá, na apreciação do
direito social violado pela omissão do Estado, exercer conduta pró-ativa e corretiva, desde que
procedente o pedido. Assim, o Judiciário, frente a ineficácia dos poderes legislativo e executivo,
apresenta papel fundamental na efetivação da justiça distributiva, de forma a tornar menos vagos e
programáticos os direitos sociais presentes na Constituição.” (MORETTI, Deborah Aline Antonucci. A
importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados
pelo poder público, Revista Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 17, n. 1, pág. 111-134,
jan./jun. 2016)
77 “A evolução do constitucionalismo contemporâneo, sobretudo em função dos câmbios substanciais
(tanto na perspectiva do direito constitucional positivo, quanto da teoria constitucional) operados
desde a Segunda Guerra Mundial, tem servido de justificativa para que, já de há algum tempo, se
possa efetivamente falar da ocorrência de uma mudança no âmbito do próprio paradigma do Estado
73
Cortes Constitucionais, vindo a moldar as ordens jurídicas nacionais sob a ótica
constitucional, tendo-se em vista a necessidade de dar aplicação direta às normas
jurídicas constitucionais, especialmente por meio da aplicação dos princípios
constitucionais através do denominado ativismo judicial constitucional, que nada
mais é do que o protagonismo do Poder Judiciário na efetivação dos direitos
fundamentais78.
Constitucional, de tal sorte que, numa certa perspectiva, é possível falar, na acepção desenvolvida e
difundida especialmente por Miguel Carbonel, de um neoconstitucionalismo, ou mesmo – o que
parece ser mais apropriado - de um conjunto de neoconstitucionalismos, já que também o assim
designado Estado Neoconstitucional pode apresentar uma multiplicidade de dimensões. Sem que se
pretenda aqui aprofundar a questão do neoconstitucionalismo em si mesma, importa, no entanto,
enfatizar que um dos principais fenômenos operados no âmbito justamente dessa evolução
constitucional referida é o da constitucionalização, por conta, em especial, da afirmação da
supremacia da Constituição e da valorização da força normativa dos princípios e dos valores que lhes
são subjacentes, de toda a ordem Jurídica”. (SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e
influência dos direitos fundamentais no direito privado: algumas notas sobre a evolução brasileira.
Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 1, jul.-set./2012. Disponível em:
<http://civilistica.com/neoconstitucionalismo/>. Data de acesso: 11/07/2016)
78 “Após a 2ª Grande Guerra Mundial, um movimento vagaroso, detectado sobretudo na
jurisprudência das Cortes Constitucionais, foi dando um novo caráter às ordens jurídicas nacionais.
Por esse movimento, as Constituições outrora observadas como repositórios de divisão de
competências e de definição de programas genéricos a entes públicos foram sendo alçadas a um
novo patamar, qual seja, o de documentos vinculantes dos poderes públicos dotados de efetividade e
de aplicabilidade inclusive em relação a particulares. A Constituição, havida como um sistema de
princípios e regras abertos aos influxos da realidade, passa a uma situação de onipresença na ordem
jurídica, evocando um esforço constante dos tribunais para sua concretização. Nesse cenário, os
princípios assumem um valor extraordinário, granjeando densificação nas mais diversas situações
jurídicas. Dentre eles, ostenta peculiar importância o princípio da dignidade humana, tomado como
pedra angular de todo o sistema. (…) O neoconstitucionalismo nasce, assim, marcado por uma
primazia da aplicação direta da Constituição, orientada especialmente por princípios, e fundado em
uma forte atividade judicial, que faz da efetividade dos direitos fundamentais sua principal razão de
ser. (…) O neoconstitucionalismo adota, portanto, o caráter de mecanismo ou técnica de efetividade
do texto constitucional, especialmente dos direitos fundamentais, o que naturalmente destaca a
importância do Judiciário no contexto da relação com os demais poderes”. (ARAUJO, Luiz Alberto
David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 18ª edição, São Paulo:
Editora Verbatim, 2014, pág. 27-29)
74
Conforme já mencionado nos capítulos anteriores, as cláusulas gerais
e os conceitos jurídicos indeterminados são mecanismos de busca da efetividade
dos direitos fundamentais nas relações entre sujeitos privados, por permitirem a
abertura do sistema jurídico na medida em que dão margem de liberdade ao
magistrado diante do caso concreto.
Os princípios jurídicos constitucionais, explícitos ou implícitos, também
servem como mecanismo de abertura do sistema jurídico, na medida em que são
normas jurídicas com conteúdos bastante amplos, passíveis de interpretação jurídica
frente ao caso concreto, cabendo ao magistrado aplicar os princípios constitucionais
nos casos concretos sempre buscando dar o sentido mais próximo dos valores
constitucionais79.
Então, diante do protagonismo do Poder Judiciário na efetivação dos
direitos fundamentais laborais, por meio do exercício do chamado ativismo
constitucional, cabe à jurisprudência laboral buscar criar normas jurídicas frente aos
casos concretos a partir da hermenêutica constitucional, fazendo incidir os princípios
constitucionais nas situações práticas, a fim de que os valores constitucionais
prevaleçam dentro da relações sociais.
79
“Distinguem-se os princípios das demais normas jurídicas (as regras) em diversos aspectos. Já
pelo conteúdo (os princípios incorporando primeira e diretamente os valores ditos fundamentais,
enquanto as regras destes se ocupam mediatamente, num segundo momento), mas também pela
apresentação ou forma enunciativa (vaga, ampla, aberta, dos princípios, contra uma maior
especificidade das regras), pela aplicação ou maneira de incidir (o princípio incidindo sempre, porém
normalmente mediado por regras, sem excluir outros princípios concorrentes e sem desconsiderar
outros princípios divergentes, que podem conjugar-se ou ser afastados apenas para o caso concreto;
as regras incidindo direta e exclusivamente, constituindo aplicação integral - conquanto nunca
exaustiva - e estrita dos princípios, e eliminando outras conflitantes) e pela funcionalidade ou utilidade
(que é estruturante e de fundamentação nos princípios, enquanto as regras descem à regulação
específica). Traduzem ambos - princípios como regras - expressões distintas ou variedades de um
mesmo gênero: normas jurídicas. O reconhecimento da natureza normativa dos princípios implica
afastar definitivamente as tentativas de se os caracterizar como meras sugestões ou diretivas
(desideratos ou propostas vãs), a fim de que deles possa ser extraído todo o significado dos valores
que encerram, com o cuidado de impedir que sejam estes tornados inócuos por uma retórica
‘mitificadora’ e enganosa, frequentemente empregada para os princípios”. (ROTHENBURG, Walter
Claudius. Princípios Constitucionais, segunda tiragem, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora,
2003, pág. 81-82)
75
Entre os princípios constitucionais a serem concretizados por meio da
atividade jurisdicional, temos como destaque o princípio fundamental da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988).
O conceito de dignidade humana é demasiadamente aberto, admitindo-
se diversas interpretações jurídicas distintas na busca do seu significado, até mesmo
admitindo-se diversos significados diferentes por meio de interpretações jurídicas
diferentes para a busca da sua definição.
Ingo Wolfgang Sarlet afirma a necessidade de reconhecimento da
existência de um sistema de direitos fundamentais “aberto e flexível, receptivo a
novos conteúdo e desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem constitucional,
além de sujeito aos influxos do mundo circundante”, sendo certo que o princípio
fundamental da dignidade humana pode ser considerado a base de sustentação de
todo o sistema, logo, todas as normas constitucionais devem ser interpretadas à luz
do princípio fundamental da dignidade humana80.
A propósito, a justificativa para a eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais laborais é justamente a tutela da dignidade humana.
Então, de acordo com o pós-positivismo jurídico, as relações laborais
devem sofrer a incidência direta e imediata das normas constitucionais prescritivas
dos direitos fundamentais, observando-se que o princípio fundamental da dignidade
humana está no centro do sistema jurídico. Quando não for possível a incidência
direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas caberá a
“interpositio legislatoris” por meio das cláusulas gerais, as quais também podem ser
aplicadas nas hipóteses de eficácia direta e imediata como forma de
operacionalização do sistema jurídico.
O princípio fundamental da dignidade humana serve como parâmetro
para interpretação de todas as regras jurídicas existentes na ordem jurídica laboral,
inclusive podendo ser considerado como paradigma para a compreensão de todos
os direitos e deveres laborais.
80
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª edição, Porto Alegre: Livraria dos Advogados
Editora, 2012, pág. 72.
76
Trata-se de uma nova hermenêutica jurídico-laboral predominante
dentro do contexto pós-positivista.
O princípio fundamental da dignidade humana foi formulado por
Immanuel Kant, quem defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como fins em
si mesmas, e não como um meio ( ou seja, não como um objeto)81.
O primeiro documento histórico e normativo a positivar o princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana foi a Carta das Nações Unidas de
1945, em seu preâmbulo82.
Diversos outros diplomas legislativos positivaram o princípio
fundamental da dignidade humana: a Constituição da Itália de 194783, a Lei
Fundamental da Alemanha de 194984, o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos de 196685, a Constituição de Portugal de 197686, a Constituição da
Espanha de 197887 e a Constituição do Brasil de 1988 (Art. 1º, inciso III).
81
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos, trad.
Leopoldo Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004, pág. 58.
82 “Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da
guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e
a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na
igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a
estabelecer condições sob a quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de
outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e
melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla”.
83 “Art. 3º. Todos os cidadãos tem a mesma dignidade social e são iguais perante a lei sem distinção
de sexo, raça, língua, religião, opinião política e condições pessoais e sociais”.
84 “Art. 1.1. A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o Poder
Público”.
85 “Art. 6º.1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. (…) Art. 10. Toda pessoa privada de sua
liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”.
86 “Art. 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na
vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes”.
77
Inclusive, há previsão na Declaração Universal dos Direitos do Homem
de 194888, que não tem força normativa por não se tratar de um tratado internacional
e sim de uma “soft law” (a natureza jurídica da DUDH não é de tratado e sim de “soft
law”, mas a sua obrigatoriedade ainda assim é reconhecida), o que não lhe retira a
máxima importância na medida em que deve ser observada por todos os países
membros da ONU (Organização das Nações Unidas).
Também positivaram o princípio fundamental da dignidade humana: a
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que foi aprovada no Brasil
pelo Decreto Legislativo nº 27 de 1992 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº
678 de 1992; e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000.
Então, quando pensamos em princípio fundamental da dignidade
humana (art. 1º, inc. III, da CF/1988) sabemos que se trata de um vetor interpretativo
apto a conformar todo o ordenamento jurídico vigente em nosso país, base de
sustentação do Estado Social Constitucional Republicano Democrático de Direito e
de Direitos Fundamentais do Brasil, o qual mesmo adotando em alguma medida
princípios liberais (1ª dimensão ou geração de direitos fudamentais) tem forte
vocação para a construção de um Estado do Bem-Estar Social (“Welfare State”), na
busca da concretização dos direitos fundamentais de 2ª dimensão ou geração,
assim como buscando viabilizar os direitos fundamentais de terceira dimensão ou
geração89.
Na verdade, segundo a melhor doutrina, o Estado Social Constitucional
Republicano Democrático de Direito e de Direitos Fundamentais pode ser
87
“Art. 10.1. A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre
desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da
ordem política e da paz social”.
88 “Art. 1º. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
89 “A dignidade da pessoa humana é o princípio central do sistema jurídico, sendo significativo vetor
interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional
vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta,
entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional
positivo”. (STF - HC 85988-PA - Rel. Min. Celso de Mello - decisão monocrática - DJU 10.06.2005)
78
equacionado por meio de uma soma de valores e direitos liberais com valores e
direitos próprios do Estado do Bem-Estar Social (“Welfare State”), aos quais são
agregados valores e direitos de solidariedade e de fraternidade da 3ª dimensão ou
dimensão de direitos fundamentais.
Teresa Negreiros contextualiza o princípio fundamental da dignidade
humana com “a força vinculante dos contratos”, entendendo que a dignidade da
pessoa humana é um dos fins visados pelo vínculo contratual, o que se justifica por
se tratar de um fim visado pelo direito em geral90. Cabe ressaltar que esse raciocínio
deve ser aplicado, inclusive, aos contratos laborais.
Prossegue Negreiros, afirmando que se a lei é o fundamento da força
obrigatória dos contratos de direito privado e tal força obrigatória encontra razão de
ser, inclusive, na dignidade humana, por certo a função social do contrato é
resultado da sua força obrigatória. Ou seja, os contratos de direito privado devem ser
firmados observando a sua função social, melhor dizendo, a liberdade de contratar e
a liberdade contratual91 devem ser exercidas “em razão e nos limites da função
social do contrato” (art. 421 do CC brasileiro)92. Cabe ressaltar que isso também se
90
“Sendo a própria lei o fundamento da força obrigatória do contrato, tal força obrigatória encontra a
sua razão de ser nos fins visados pelo Direito em geral: justiça social, segurança, bem comum,
dignidade da pessoa humana …” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas,
2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pág. 231)
91 Conceitualmente, a liberdade de contratar é a liberdade de celebrar o contrato, de firmar o pacto
contratual, enquanto a liberdade contratual é a liberdade de estipular livremente o conteúdo das
cláusulas contratuais. Então, a liberdade de contratar é a liberdade de manifestar vontade no sentido
de aceitar ou não contratar. A liberdade contratual é a liberdade de amplamente firmar regras
contratuais.
92 “A afirmação da lei como fundamento da força obrigatória de todo e qualquer contrato implica
funcionalizá-lo aos valores para cuja realização ele passa a servir de instrumento. É nesta ótica que o
Novo Código Civil determina, como visto acima, que a liberdade de contratar seja exercida ‘em razão
e nos limites da função social do contrato’ (art. 421). O poder jurígeno reconhecido à vontade
individual não é, pois, originário e autônomo, mas derivado e funcionalizado a finalidades
heterônomas. (…) A função social do contrato é, nesse passo, resultado do novo fundamento da sua
força obrigatória, que se deslocou da vontade para a lei. A força vinculante do contrato, porque
fundada na lei, passa a estar funcionalizada à realização das finalidades traçadas pela ordem jurídica,
e não mais pode ser interpretada como apenas um instrumento de satisfação dos interesses dos
79
aplica aos contratos de trabalho, em que pese a liberdade contratual no âmbito
laboral esteja amplamente dirigida pela intervenção estatal.
Os juristas mineiros, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves
Delgado, afirmam que a “Constituição Federal de 1988 privilegiou, no plano teórico,
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, fundada na dignidade do ser
humano e no primado do trabalho e do emprego, subordinando a livre-iniciativa à
sua função social”93.
Então, à luz de nosso texto constitucional em vigor, o princípio da
dignidade humana deve ser aplicado às relações laborais para resguardar a
dignidade humana do trabalhador, em face do valor social do trabalho, porém, o
mesmo texto constitucional também resguarda o princípio fundamental de livre-
iniciativa, assim como protege o direito fundamental de propriedade privada do
empregador, logo, o princípio da função social do contrato laboral é o resultado
dessa equação, pois, limita ponderadamente os direitos fundamentais de livre-
iniciativa e de propriedade privada com a finalidade de tutelar juridicamente a
dignidade humana do trabalhador e o valor social do trabalho, cabendo aplicação do
contratantes individualmente considerados”. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos
paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pág. 231)
93 “A Constituição da República de 1988 privilegiou, no plano teórico, a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, fundada na dignidade do ser humano e no primado do trabalho e do emprego,
subordinando a livre-iniciativa à sua função social. Ou seja, a Constituição de 1988 claramente
demarcou, por meio de sua norma jurídica, a necessidade de se concretizar uma modalidade
sofisticada e bem-sucedida de organização socioeconômica. Também fica no Texto Constitucional
que essa modalidade sofisticada e bem-sucedida de organização socioeconômica se dá pela
afirmação do trabalho regulado, cujo suporte é a dignidade do ser humano. Ou seja, a Constituição
Federal de 1988 contribui para realçar o princípio da dignidade no trabalho, assegurando-lhe uma
perspectiva ética - critério essencial da vida humana. (…) a vinculação do trabalho e do emprego ao
princípio da dignidade deve se constituir como pilar teórico e prático para a concretização de qualquer
modelo de Estado social e democrático, inserido no contexto do sistema capitalista de produção”.
(DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. O princípio da dignidade da pessoa
humana e o direito do trabalho. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de;
FRAZÃO, Ana de Oliveira. Diálogos entre o direito do trabalho e o direito constitucional:
estudos em homenagem a Rosa Maria Weber, São Paulo: Editora Saraiva, 2014, pág. 215-216)
80
princípio da proporcionalidade94, implícito ao texto constitucional, nessas hipóteses
de colisões entre princípios constitucionais ou entre princípios e valores
constitucionais.
Os 3 (três) pilares de sustentação do contratualismo liberal clássico
são: “pacta sunt servanda”, autonomia da vontade dos contratantes e efeitos
relativos do contrato; os quais foram mitigados no âmbito laboral quando do
surgimento do dirigismo estatal sobre as relações de trabalho na primeira metade do
século XX, ainda sob a égide do positivismo jurídico. Sob o ponto de vista do pós-
positivismo jurídico mostra-se necessária uma releitura dos padrões interpretativos
da regulamentação da relação capital e trabalho, observando-se nessa releitura em
especial a função social do contrato laboral.
Quando falamos em ponderação de interesses nos reportamos aos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais encontram ampla e
exaustiva análise nas obras de Robert Alexy e Ronald Dworkin.
Então, quando falamos que a função social do contrato limita a
liberdade contratual, estamos falando que os direitos fundamentais do empregador
de livre-iniciativa e de propriedade privada são mitigados pelo princípio fundamental
da função social do contrato laboral, logo, no âmbito da relação contratual laboral a
94
Ricardo Pereira Guimarães defendeu tese de doutoramento na PUC-SP tratando sobre o tema
princípio da proporcionalidade, em determinada passagem explicou: “O princípio da
proporcionalidade, tal como hoje se apresenta no direito constitucional alemão, na concepção
desenvolvida por sua doutrina, em íntima colaboração com a jurisprudência constitucional, desdobra-
se em três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No
seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas disposições constitucionais a serem
interpretadas, fim esse que pode ser atingido por diversos meios, dentre os quais se haverá de optar.
O meio a ser escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado almejado,
revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do
meio quando este se mostra como ‘o mais suave’ dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos
agressivo, dos bens e valores constitucionalmente protegidos, que porventura colidem com aquele
consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporcionalidade em sentido
estrito quando o meio a ser empregado se mostre o mais vantajoso, no sentido da promoção de
certos valores com o mínimo de desrespeito de outros que a eles se contraponham.” (GUIMARÃES,
Ricardo Pereira de Freitas. Princípio da proporcionalidade no direto do trabalho: teoria e prática,
São Paulo: Ed. RT, 2015, pág. 83 e 84)
81
“pacta sunt servanda” é limitada pela função social do contrato laboral, assim como a
autonomia da vontade dos contratantes sofre restrições pela função social do
contrato laboral, o que também vale para os efeitos relativos do contrato laboral
perante terceiros.
A “pacta sunt servanda” entendida como a força obrigatória entre os
contratantes do conteúdo pactuado é mitigada pela função social do contrato laboral,
na medida em que o pactuado entre empregador e empregado somente terá força
vinculante se atender a função social do contrato laboral.
A autonomia da vontade dos contratantes nos dias atuais é substituída
pela autonomia privada dos contratantes, pois não é a vontade e sim a lei que
determinam o conteúdo do que pode ou não ser contratado, sempre em atenção ao
princípio da função social do contrato laboral.
Quanto aos efeitos relativos do contrato laboral, segundo os quais os
efeitos do contrato laboral somente vinculavam as partes contratantes, nos dias
atuais devem ser interpretados como vinculação também perante terceiros não-
contratantes, em razão da função social do contrato laboral.
São justamente os princípios constitucionais da proporcionalidade e da
razoabilidade que determinam a ponderação a ser observada quando da mitigação
da “pacta sunt servanda”, os limites da autonomia privada e a intensidade da
vinculação do contrato perante terceiros.
O princípio constitucional implícito da proporcionalidade pode ser
definido como a justa medida na ponderação de interesses jurídicos, devendo-se
buscar diante do caso concreto a justa solução jurídica quando do conflito entre dois
direitos fundamentais95.
95
“O princípio da proporcionalidade é aquele que orienta o intérprete na busca da justa medida de
cada instituto jurídico. Objetiva a ponderação entre os meios utilizados e os fins perseguidos,
indicando que a interpretação deve pautar o menor sacrifício ao cidadão ao escolher dentre os vários
possíveis significados da norma. (…) O princípio da proporcionalidade importa a aplicação razoável
da norma, adequando-se, como dito, os meios aos fins perseguidos. Por isso, afigura-se que o
princípio em pauta confunde-se com o da razoabilidade, podendo as expressões ser utilizadas em
82
Cabe ressaltar que Robert Alexy ao defender a sua teoria dos direitos
fundamentais destaca que a problemática envolvendo a colisão de princípios entre si
e entre princípios e regras é um dos problemas chaves para os estudos dos direitos
fundamentais. O jurista alemão reporta-se à jurisprudência do Tribunal
Constitucional Alemão quando menciona a colisão entre princípios fundamentais,
destacando entendimento da jurisprudência constitucional alemã no sentido de que
quando há colisão entre princípios fundamentais nenhum dos interesses por
qualquer princípio veiculados guarda precedência sobre o outro, sendo a única
exceção o princípio da dignidade humana, o qual veicula interesses que ostentam
precedência sobre todos e quaisquer outros interesses veiculados pelos demais
princípios fundamentais96.
Então, trazendo esse raciocínio para a aplicação da nova teoria geral
dos contratos privados aos contratos laborais, com certeza pode-se afirmar que a
função social do contrato laboral, como forma de mitigação da “pacta sunt servanda”,
de limitação da autonomia da vontade dos contratantes e de superação dos efeitos
relativos do contrato, encontra base de sustentação racional no argumento de
Robert Alexy de precedência do princípio fundamental da dignidade humana sobre o
princípio fundamental de livre-iniciativa. O que certamente atende à ideia de
ponderação de interesses à luz dos princípios fundamentais da proporcionalidade e
da razoabilidade.
Por certo, a livre-iniciativa e a propriedade privada, enquanto direitos
fundamentais do empregador, cedem à dignidade humana do trabalhador, sempre
que essa última se mostrar potencialmente ameaçada pelos poderes patronais
(diretivos, disciplinares, econômicos, jurídicos, potestativos “et cetera”), cabendo à
jurisprudência trabalhista o papel de construir no caso concreto a norma jurídica
protetiva da dignidade humana do trabalhador, ainda que ausente regra jurídica
específica para o caso prático, seja no texto constitucional, na legislação
infraconstitucional ou mesmo na seara contratual (individual ou coletiva), cabendo ao
sinonímia”. (ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional, 18ª edição, São Paulo: Editora Verbatim, 2014, pág. 130)
96 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da Silva, 2ª
edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2015, pág. 97.
83
Poder Judiciário o protagonismo na concretização do texto constitucional, o que
chamamos de ativismo constitucional.
Nesse diapasão, o alemão Robert Alexy menciona que a teoria dos
direitos fundamentais somente tem coerência pelo fato de estar sustentada em
intensa atividade jurisdicional, formadora de sólida jurisprudência sobre o tema.
Menciona o jurista alemão que em seus quase 50 (cinquenta) anos de atuação
desde a segunda grande guerra, a jurisprudência da Corte Constitucional Alemã
“nunca deixou de criar novas determinações dentro do amplo campo de
possibilidades aberto pelo texto constitucional”, por isso, segundo o jurista alemão,
quem dá os sentidos e os significados aos direitos fundamentais é a atividade
jurisprudencial, em atenção ao protagonismo do Poder Judiciário na efetivação das
normas constitucionais, como também defendem Boaventura de Sousa Santos e
Renato Rua de Almeida, conforme anteriormente já mencionado nessa tese97.
97
“Se a discussão sobre os direitos fundamentais não pudesse ter outra sustentação além do texto
constitucional e do vacilante solo de seu surgimento, seria de se esperar uma luta de idéias sem fim e
quase sem limites. Se não é isso o que ocorre, isso se deve, em grande medida, à jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal. Ao longo de sua práxis jurisprudencial de mais de cinqüenta anos,
ele nunca deixou de criar novas determinações dentro do amplo campo de possibilidades aberto pelo
texto constitucional. O significado atual dos direitos fundamentais é devido sobretudo à jurisprudência
desse tribunal. A ciência dos direitos fundamentais - a despeito das controvérsias em torno do efeito
vinculante das decisões do Tribunal Constitucional Federal tornou-se, em considerável medida, uma
ciência da jurisprudência constitucional. Mas, embora a rede de precedentes cada vez mais
densamente interligada tenha proporcionado alguns pontos fixos nas polêmicas sobre os direitos
fundamentais, ela não diminuiu a vitalidade dessas discussões. Isso não se deve somente ao grande
número de antigas questões ainda não resolvidas ou às novas que a elas continuamente se somam,
nem ao fato de que as decisões do Tribunal Constitucional Federal podem ser questionadas pela
ciência dos direitos fundamentais, mas sobretudo ao fato de que o Tribunal Constitucional Federal,
com suas manifestações gerais e freqüentemente ambíguas, acaba sempre por provocar novas
discussões de base sobre os direitos fundamentais. Alguns exemplos de discussões desse tipo
iniciadas pela jurisprudência constitucional são a tese de que o catálogo de direitos fundamentais
estabelece uma ordem objetiva de valores, a idéia de que os usos políticos das liberdades têm
preferência diante daqueles que servem apenas a interesses privados, sua interpretação das
disposições de direitos fundamentais como garantias de "liberdades institucionais", sua hipótese de
que normas de direitos fundamentais impõem ao Estado deveres de proteção, que podem se
estender até um dever de criminalizar certos atos, suas considerações sobre direitos a prestações,
que devem garantir os pressupostos fáticos para o exercício dos direitos de liberdade, e sua recente e
84
A Justiça do Trabalho do Brasil, ainda que de maneira tímida, vem
exercendo o seu papel de protagonista na efetivação dos direitos fundamentais
laborais, por meio da aplicação das cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função
social do contrato, inclusive por meio da edição de Súmulas que permitem a
uniformização da jurisprudência trabalhista nacional, permitindo a aplicação
obrigatória dos precedentes judiciais trabalhistas.
Temos como exemplo, a S. nº 244 do C. TST, em seu item III, que
garante a estabilidade provisória no emprego à empregada gestante, ainda que
admitida por meio de contrato de trabalho por prazo determinado, sendo que em
outro capítulo futuro será desenvolvido um estudo aprofundado dos fundamentos
jurídicos desse entendimento sumulado.
Também o item III da S. nº 378, do C. TST, busca a efetividade dos
direitos fundamentais, na medida em que garante ao empregado acidentado a
estabilidade provisória no emprego, ainda no curso de um contrato de trabalho por
prazo determinado, o que será objeto de capítulo futuro.
Outrossim, a S. nº 440 do C. TST garante o direito à manutenção do
plano de saúde ou de assistência médica ao trabalhador aposentado por invalidez, o
que será melhor estudado em capítulo futuro.
Ainda, a S. nº 443 do C. TST dá efetividade aos direitos fundamentais
laborais, na medida em que uniformiza a jurisprudência nacional trabalhista com o
entendimento de que há presunção de discriminação quando da dispensa imotivada
crescente ênfase no conteúdo jurídico-procedimental dos direitos fundamentais. Esses exemplos
demonstram que coisas as mais diversas estão presentes no quadro que o Tribunal Constitucional
Federal pinta sobre os direitos fundamentais. Quase qualquer tomada de posição na disputa sobre os
direitos fundamentais pode se utilizar de alguma decisão e/ou posicionamento do tribunal. Mesmo
que a discussão sobre os direitos fundamentais se limitasse somente à definição daquilo que é válido
com base nas decisões do Tribunal Constitucional Federal, ainda assim seria possível, em inúmeras
questões, sustentar opiniões diversas. À abertura das disposições de direitos fundamentais soma-se,
então, a abertura da jurisprudência sobre esses direitos. Nesse sentido, mesmo que essa
jurisprudência tenha em parte diminuído o problema da abertura, não se pode dizer que o tenha
resolvido por completo”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, tradução de Virgílio
Afonso da Silva, 2ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2015, pág. 27)
85
de empregado portador de doença grave, que suscite estigma ou preconceito,
acarretando inclusive no direito de reintegração ao emprego com a decretação de
invalidade da dispensa.
Certamente, as 4 (quatro) Súmulas acima mencionadas, editadas pelo
TST, dão efetividade aos direitos fundamentais, com sustentação argumentativa no
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, funcionalizado por meio das
cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função social do contrato laboral, em
observância aos ditames constitucionais do valor social do trabalho.
Nilton Correia, em artigo publicado na Revista do Advogado da
Associação dos Advogados de São Paulo - AASP (Ano XXXIII, novembro de 2013,
nº 121), inclusive remetendo aos trabalhos de Pablo Rentería, menciona que a
cláusula geral da função social do contrato laboral pode ser entendida com a chave-
mestra da hermenêutica jurídico-laboral atual diante da necessidade de
compreensão da tensão existente entre a autonomia privada e a ordem jurídica nas
sociedades contemporâneas, isso porque os valores constitucionais exigem a
limitação da autonomia da vontade no âmbito laboral98.
O paranaense Paulo Nalin, entende que o princípio da função social do
contrato é um superprincípio que engloba outros princípios e valores, pois, para ele,
não há função social do contrato se não houver igualdade, equidade e boa-fé
objetiva na relação contratual, isso porque, segundo ele, contrato justo é contrato
socialmente funcionalizado99.
98
“O direito atua nessa engrenagem tensionada e busca sempre opções de acomodação. (…) a
função social do contrato poderá ser ‘a chave de leitura para a compreensão da tensão entre
autonomia privada e ordem jurídica nas sociedades contemporâneas’. Diz ele que na nova teoria
contratual - assentada na solidariedade social - a função social apresenta nova tradução da
autonomia privada e revela ‘os limites dentro dos quais esta é chamada a atuar legitimamente”.
(CORREIA, Nilton. Dispensa discriminatória: portador de vírus HIV ou doença grave. In: Revista do
Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo - AASP (Ano XXXIII, novembro de 2013,
nº 121, pág. 218-227)
99 NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça
contratual, igualdade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovani Ettore (coord.). Teoria Geral dos
Contratos, São Paulo: Editora Atlas, 2011, pág.131.
86
É importante observar que com a despatrimonialização do Direito Civil,
com o novo Código Civil em vigor desde janeiro de 2003, podemos entender que
existe uma nova teoria geral dos contratos privados, a ser aplicada subsidiariamente
às relações contratuais laborais.
O C. Tribunal Superior do Trabalho por meio da edição do item III da S.
nº 244, do item III da S. nº 378, da S. nº 440 e da S. nº 443, buscou a aplicação dos
princípios e valores da nova teoria geral dos contratos privados aos contratos
laborais, em especial procurando concretizar a função social do contrato laboral.
Além do que, quando da edição das referidas Súmulas, o Colendo
Tribunal Superior do Trabalho concretizou os postulados da nova sistemática
processual, introduzida pelo Novo Código de Processo Civil de 2015, em vigor desde
18 de março de 2016, que já vinha se desenhando há quase uma década atrás,
mesmo antes do início da vigência do Novo CPC, no sentido de que a uniformização
da jurisprudência deve ser prestigiada pelo Poder Judiciário, inclusive com a criação
de Súmulas e de Precedentes de natureza obrigatória, para que seja possível dar
coerência, integridade, segurança e certeza ao funcionamento na aplicação do
direito material, também para que seja assegurada a igualdade de tratamento nas
decisões judiciais.
O argumento principal da presente tese de doutoramento é,
justamente, fundamentar no sentido de que a sistemática de aplicação obrigatória de
Súmulas e de Precedentes Judiciais, na Justiça do Trabalho, permite o
fortalecimento da teoria dos direitos fundamentais laborais, dando a eles máxima
efetividade, se a jurisdição tiver como parâmetro de atuação a constitucionalização
do direito laboral e o ativismo constitucional.
Por certo, a estabilização da relação capital e trabalho depende de uma
atuação ativista por parte da Justiça do Trabalho, pois, somente com o protagonismo
do Poder Judiciário alcançaremos a concretização dos direitos fundamentais
laborais, já que a inércia do Poder Legislativo quando do trato da matéria tem se
mostrado ofensiva inclusive ao princípio do não retrocesso social, conforme
defendem Boaventura de Sousa Santos e Renato Rua de Almeida, conforme já
mencionado em capítulo anterior.
87
CAPÍTULO IV
FLEXIBILIDADE TRABALHISTA DE ADAPTAÇÃO PELA JURISPRUDÊNCIA:
ABERTURA DO SISTEMA JURÍDICO COMO MECANISMO DE ADAPTAÇÃO DA
REGULAMENTAÇÃO LABORAL À REALIDADE SOCIAL
A palavra flexibilidade é um substantivo feminino que encontra origem
etimológica no latim, cuja raiz é a palavra latina “flexibilitas”. Ela é sinônimo de
elasticidade, agilidade, docilidade, maleabilidade “et cetera” e antônimo de
intransigência, intolerância, rigidez, inflexibilidade e imaleabilidade.
Nos dias atuais, muito se fala na chamada reforma trabalhista, a qual
propõe uma mudança estrutural no ordenamento jurídico laboral para torná-lo mais
flácido e flexível, para que as regras do contrato de trabalho sejam menos rígidas.
Esse é um dos mais importantes, complexos e controversos temas laborais na
atualidade, o qual está em pauta no Brasil e em diversos outros países do mundo,
podendo mudar os rumos do direito do trabalho.
Esse é um tema que debate a possibilidade de se dar flexibilidade à
legislação trabalhista, sendo certo que quando falamos em abertura do sistema
jurídico devemos nos reportar necessariamente a esse atual problema jurídico,
econômico, sociológico, político, empresarial “et cetera”.
Normalmente, quando esse tema é mencionado na doutrina, em artigos
científicos e em teses acadêmicas, muitos invocam a expressão flexibilização
trabalhista, essa que é um neologismo.
Na verdade, flexibilização trabalhista é uma expressão cuja criação é
atribuída aos teóricos do direito do trabalho, a qual não está de acordo com as
normas cultas da gramática da língua portuguesa, por isso, prefere-se a expressão
flexibilidade trabalhista, a qual será utilizada nessa tese de doutoramento.
Ora, em que pese a quase totalidade dos estudiosos do direito do
trabalho venha utilizando a expressão flexibilização trabalhista, de outro modo, na
88
presente tese acadêmica, com a intenção de se evitar o uso de indesejável
neologismo, inclusive com a ideia de manter fidelidade às normas cultas da língua
portuguesa, será preferencial a utilização da expressão flexibilidade trabalhista, em
detrimento da linguagem coloquial.
Na atualidade, seja no Brasil, ou ainda em boa parte dos países do
mundo ocidental, as relações de trabalho estão amarradas por um rígido sistema de
normas jurídicas de regulamentação do contrato de trabalho, justificado pelo
elemento pessoalidade do trabalhador inerente à relação jurídica laboral, sendo que
a principal forma de trabalho no Brasil é o emprego, isso porque o ordenamento de
regras jurídicas laborais quase não deixa espaço para outras modalidades de
contratação de trabalhadores.
Quando falamos em flexibilidade trabalhista estamos nos referindo ao
debate que propõe uma reforma na estrutura da sistemática jurídica de normas
laborais, para que seja retirada, ao menos parcialmente, a rigidez da
regulamentação legal das relações de trabalho, em especial, dando-se mais espaço
à negociação coletiva de trabalho.
Nei Frederico Cano Martins100 atribui aos reflexos da globalização as
causas para o surgimento do fenômeno da flexibilidade trabalhista.
Giseli Ângela Tartaro Ho, respaldada pelas lições de Luiz Carlos
Amorim Robortella, define a flexibilidade trabalhista como “o instrumento de política
social, caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade
econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e
empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o
desenvolvimento econômico e o progresso social”101.
100
In: SILVESTRE, Rita; NASCIMENTO, Amauri Mascaro (coord.). Os novos paradigmas do Direito
do Trabalho – Homenagem a Valentin Carrion, São Paulo: Editora Saraiva, 2001, pág. 165.
101 In: BRAMANTE, Ivani Contini; CALVO, Adriana (coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais do
Direito do Trabalho – Homenagem ao Professor Renato Rua de Almeida, São Paulo: Editora LTr,
2007, pág. 295.
89
Porém, é importante ressaltar que dentro do conceito de flexibilidade
trabalhista são encontradas diversas modalidades de reformas estruturais da
regulamentação laboral, algumas ultraliberais, propondo a completa
desregulamentação das relações de trabalho, e outras moderadas, defensoras da
reestruturação da sistemática de regras laborais para adequação à nova realidade
social, assim como existem diversas propostas intermediárias.
Amauri Mascaro Nascimento classifica a flexibilidade trabalhista em
dois tipos: a externa e a interna. A flexibilidade trabalhista externa é aquela que
reestrutura o sistema laboral em diversos tipos de contratos de trabalho, em vista da
“nova tecnologia, da economia de serviços, da sociedade de informação e do
desemprego”. Por sua vez, a flexibilidade trabalhista interna é aquela que reestrutura
a dinâmica interna do próprio contrato de emprego, inclusive quanto à garantia dos
direitos trabalhistas102.
Há ainda a flexibilidade trabalhista negociada, por meio da qual admite-
se a negociação coletiva de direitos e deveres trabalhistas previstos na legislação
infraconstitucional, podendo os entes coletivos (principalmente os entes sindicais)
firmar convenções ou acordos coletivos de trabalho (obs.: em alguns sistemas
jurídicos são chamados de contratos coletivos de trabalho, por exemplo, na França),
cujo conteúdo é a definição de regras contratuais e normativas sobre a
regulamentação jurídica das relações de trabalho103.
Na verdade, o estímulo à negociação coletiva de trabalho e o prestígio
da autonomia privada coletiva são pilares de sustentação do direito do trabalho pós-
moderno, inclusive, revelando-se como mecanismos de abertura do sistema jurídico
102
“Ainda quanto aos tipos de flexibilização, há autores que a classificam em externa e interna. A
primeira designa os tipos de contrato de trabalho diante da nova tecnologia, da economia de serviços,
da sociedade de informação e do desemprego; a segunda, dentro do contrato individual de trabalho,
isto é, inerente aos direitos do trabalhador (…)”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito
do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 166)
103 “A flexibilização negociada, resultante da autonomia coletiva para adaptação e re-regulamentação
do direito do trabalho, é mais consistente do que a impositiva, desregulamentadora, e, nesse ponto, é
necessária uma correção de rumos”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do
Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 166)
90
plenamente compatíveis com o pós-positivismo, desde que respeitados os direitos
fundamentais laborais (de primeira, segunda e terceira dimensão ou geração), não
podendo a flexibilidade trabalhista negociada lesar direitos de cidadania dos
trabalhadores (os direitos laborais inespecíficos).
Renato Rua de Almeida defende a abertura do sistema jurídico laboral
por meio da denominada flexibilidade trabalhista negociada de adaptação, segundo
a qual a autonomia privada coletiva tem papel preponderante na regulação laboral
atual diante da preponderância da empresa dentro da ordem econômica em
contexto, não se mostrando mais adequada a estrutura rígida de proteção laboral
construída no século passado, isso porque é também do interesse do trabalhador
que exista desenvolvimento econômico, o que somente mostra-se possível com a
retirada das travas existentes dentro da sistemática jurídica laboral104.
104
“Essa flexibilização de adaptação (Javillier, 1996) ou diferenciada (Costa, 1992), como se verá na
parte final deste trabalho, dá-se pelos instrumentos jurídicos resultantes da autonomia privada
coletiva também conhecida como autonomia da vontade coletiva dos particulares mais próximos da
vida da empresa (acordos coletivos de trabalho), contemplando os interesses coletivos dos
empregados, e também pelo renascimento da chamada individualização da vontade. (…) No entanto,
e é bom que se ressalte desde já, estes instrumentos jurídicos de adaptação subordinam-se aos
parâmetros dos paradigmas tradicionais da regulação do conteúdo da relação de emprego, em
especial a legislação trabalhista imperativa, cogente e de ordem pública, ao tutelar pela
indisponibilidade absoluta o interesse público, para a garantia do que classicamente é chamado
“patamar mínimo civilizatório” (Delgado, 2002, pág. 212), ou então, pelo fato de o paradigma estatal
passar a consagrar constitucionalmente os direitos sociais como direitos fundamentais, isto é, como
princípios que são normas, cuja eficácia é assegurada pela força normativa das Constituições
modernas, como ocorreu com a Constituição brasileira de 1988, na conformidade da interpretação
doutrinária pós-positivista (Alexy, 2002; Dworkin, 2002; Hesse, 1991). (…) a interpretação jurídica do
Direito do Trabalho deve ser mais realista e menos racionalista, tendo em vista o contexto da
empresa moderna sobretudo da pequena empresa, por ser fonte privilegiada do pleno emprego. (…)
tanto a legislação trabalhista, como as convenções coletivas de trabalho, devem ter regras
dispositivas e supletivas (Supiot, 1999) para a adaptação de suas normas imperativas e
protecionistas à realidade sobretudo das pequenas empresas, deixando à negociação coletiva os
interesses coletivos ou genéricos e abstratos, como na hipótese do art. 7º, incisos VI (redução do
salário com compensações) e XIV (jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento) da
CF/88, e, ao contrato individual, os interesses concretos (João, 1998), como na hipótese do art. 7º,
XIII da CF/88 (acordo de compensação), segundo a orientação jurisprudencial n. 182 da SDI-1 do
TST. (…) A autonomia da vontade individual, nesses hipóteses em que a legislação trabalhista
91
Jean-Claude Javillier defende a mudança no ordenamento jurídico
laboral para adaptá-lo à ordem econômica e social atual, então, ele classifica as
propostas de flexibilidade trabalhista em 3 (três) modalidades: (1) a “flexibilidade
trabalhista de proteção” (a qual visa uma combinação de normas trabalhistas
legisladas e negociadas sempre buscando-se o sentido mais favorável aos
trabalhadores); (2) a “flexibilidade trabalhista de adaptação” (a qual busca uma
adaptação da regulamentação laboral à realidade econômica e social, por meio de
normas jurídicas supletivas e dispositivas na legislação e nos instrumentos de
regulamentação coletiva, permitindo-se a permanente adaptação do sistema jurídico
laboral às condições sociais e econômicas); (3) a “flexibilidade trabalhista de
desregramento” (a qual busca a ampla desregulamentação das relações de
trabalho)105.
Quando falamos em abertura do sistema jurídico laboral estamos em
sintonia com a modalidade de regulamentação jurídica laboral defendida pelo jurista
francês Javillier e por ele denominada “flexibilidade trabalhista de adaptação”,
entendimento com o qual concorda Renato Rua de Almeida, isso porque o sistema
jurídico laboral deve ser ordenado a partir de várias fontes normativas (Constituição
Federal, legislação infraconstitucional, costumes, jurisprudência e autonomia privada
coletiva), inclusive observando-se o diálogo das fontes quando da aplicação do
direito do trabalho.
Conforme já mencionado no primeiro capítulo, a abertura do sistema
jurídico, com a superação dos postulados do positivismo jurídico, permite a
dispositiva coíbe com nulidade as fraudes perpetradas contra o processo de adaptação das
disposições legais protecionistas, sobretudo em relação às pequenas empresas, com vistas ao pleno
emprego, não constitui retrocesso ao passado liberal da relação de emprego, mas o exercício de
novo papel na construção da modernidade do Direito do Trabalho. (…)”. (ALMEIDA, Renato Rua de.
A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no contexto da empresa, Revista LTr.
69-05/573 a 580, vol. 69, nº 05, maio de 2005)
105 “(…) flexibilité de protection (l’ordre public social); flexibilité d’adaptation (les dérogations et
simplifications); flexibilité d’régulation (a supression des protections)”. (JAVILLIER, Jean-Claude.
Manuel de droit du travail, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1996, pág.
103.111)
92
concretização dos valores constitucionais, além de tornar o sistema jurídico mais
próximo da realidade prática.
A existência de um ordenamento jurídico fechado e intangível,
presumidamente completo, autossuficiente e unitário, como queria Hans Kelsen106,
composto por normas gerais e abstratas, prescritivas de juízos de dever-ser e
distantes da realidade prática, fazem com que as resoluções de conflitos coloquem-
se em plano fictício muito distante das diretrizes buscadas pelo poder constituinte
originário.
Ora, pergunta-se: para que existe o sistema jurídico se não for para
regulamentar as condutas e ações humanas adequando-as às exigências da
realidade prática e social?
Então, o ordenamento jurídico formado por uma pluralidade de fontes
normativas dentro de um sistema jurídico aberto tem aptidão para atender às
necessidades da realidade prática e social.
Ao lado da flexibilidade trabalhista negociada podemos apontar o
protagonismo do Poder Judiciário na adaptação das normas jurídicas de
regulamentação laboral à realidade social, inclusive para a busca da efetividade dos
direitos fundamentais trabalhistas, o que seria outra modalidade de “flexibilidade
trabalhista de adaptação”, essa pela via judicial e não pelo exercício da autonomia
privada coletiva.
Por certo, a relação de trabalho tem como característica o fato de ser
dinâmica não se compatibilizando com uma sistemática jurídica de regulamentação
laboral com regras rígidas, abstratas e estáticas, inclusive porque a realidade social
é diferente em cada região, em cada setor da atividade econômica e até mesmo
dentro de cada empresa. Assim, é preciso que a regulamentação jurídica laboral
seja adequada a cada realidade prática e social, o que somente se mostra possível
na prática pelo exercício da autonomia privada coletiva ou por meio da atividade
jurisprudencial.
106
COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 5ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág.
37-40.
93
O protagonismo do Poder Judiciário na efetividade dos direitos
fundamentais trabalhistas deve observar também a realidade social da empresa,
desde que respeitado o princípio da dignidade humana do trabalhador, inclusive
porque é também interesse dos trabalhadores o desenvolvimento econômico por
meio da livre-iniciativa e do estímulo à atividade empresarial, sendo que somente há
desenvolvimento social se houver desenvolvimento econômico, já que o direito do
trabalho é também política pública de inclusão social por meio da plena
empregabilidade.
Então, o protagonismo do Poder Judiciário na concretização dos
direitos fundamentais trabalhistas não serve apenas para a concretização dos
direitos dos trabalhadores, mostrando-se necessário o ativismo constitucional para
que se permita a retirada de algumas as travas existentes atualmente na
regulamentação jurídica legal, para que se possa estimular a empregabilidade,
desde que isso não acarrete em retrocesso social com a diminuição das condições
sociais do trabalhador.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 coloca no mesmo patamar o
valor constitucional da livre-iniciativa e o valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV, da
CF/1988), logo, a atividade jurisprudencial no caso concreto deve observar a
ponderação de ambos os valores, procurando sempre harmonizá-los e não colocá-
los em conflito.
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, ao exporem
sobre os princípios a serem utilizados na interpretação constitucional, o que se
insere dentro da hermenêutica jurídica de interpretação das normas
infraconstitucionais (autônomas ou heterônomas), elencam ao menos 3 (três)
princípios jurídicos a serem observados pelo intérprete, os quais exigem a justa
ponderação entre os valores constitucionais quando do exercício da atividade
hermenêutica, são eles: (1) princípio da unidade da Constituição107; (2) princípio do
107
“O princípio da unidade indica que a Constituição é um sistema integrado por diversas normas,
reciprocamente implicadas, que, dessa feita, devem ser compreendida na sua harmoniosa
globalidade. (…) por sobre o caráter jurídico da Constituição, paira um caráter político, expresso nas
contradições das forças sociais que fizeram promulgar o texto original. Desse contexto,
evidentemente, emerge um documento inaugural do sistema marcado pelos reflexos dessas
94
efeito integrador108; (3) princípio da concordância prática, da harmonização ou da
cedência recíproca109. Cabe ao Poder Judiciário trabalhista, na função de
protagonista na concretização dos direitos fundamentais laborais, observar os 3
(três) princípios acima elencados, sopesando o valor social do trabalho e o valor
constitucional da livre-iniciativa (art. 1º, inciso IV, da CF/1988) quando da construção
da norma jurídica a partir do caso concreto.
Um interessante exemplo de abertura do sistema jurídico laboral por
meio de flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial é o
reconhecimento da inexistência de natureza jurídica salarial à “stock option”110.
contradições, espelhando divergência e não raro ostentando institutos em aparente assincronia”.
(ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 18ª
edição, São Paulo: Editora Verbatim, 2014, pág. 125)
108 “Desdobramento do princípio da unidade, o princípio do efeito integrador sublima a aplicação de
critérios que desincumbam a tarefa de efetivação da integração política e social e o reforço da
unidade política”. (ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional, 18ª edição, São Paulo: Editora Verbatim, 2014, pág. 126)
109 “O princípio da concordância prática é aquele que, diante das situações de conflito ou
concorrência, preconiza que o intérprete deve buscar uma função útil a cada um dos direitos em
confronto, sem que a aplicação de um imprima a supressão de outro. Diz-se, no caso, que deve haver
cedência recíproca, de parte a parte, para que se encontre um ponto de convivência entre esses
direitos. Cogitando-se de ponderação de valores em conflito, é evidente que a eventual interpretação
não ficará livre de uma carga política, fato que, como observa J. J. Gomes Canotilho, fez com que
alguns autores criassem um subprincípio de aplicação, preconizando o in dubio pro libertate”.
(ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 18ª
edição, São Paulo: Editora Verbatim, 2014, pág. 127)
110 Ainda não há entendimento pacífico na jurisprudência trabalhista nacional acerca da natureza
jurídica da “stock option”, mas, por certo, o entendimento amplamente majoritário é no sentido de que
a natureza é não salarial. A Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP), Dra. Carla Teresa Martins Romar, remetendo às lições de Sergio Pinto Martins, tem
entendimento no sentido de que a “stock option” não tem natureza salarial, vejamos: “Discute-se
sobre a natureza do ganho obtido pelo empregado decorrente da diferença do preço das ações na
data da opção e na data em que a opção for exercida. Não há, na legislação trabalhista brasileira,
regulamentação da stock option, não havendo, portanto, definição sobre a natureza do valor
correspondente ao ganho do empregado, se salarial ou não. O direito de opção de ações não se
enquadra nas hipóteses previstas no §1º do art. 457 da CLT, não guardando qualquer relação com
95
Ora, por certo, o entendimento jurisprudencial de que a “stock option”
não tem natureza jurídica salarial pondera adequadamente os valores
constitucionais em jogo, permitindo ao direito do trabalho chegar às suas finalidades
pós-modernas, que não são tão somente restritas à proteção jurídica do trabalhador,
sendo também vocacionado o direito do trabalho a permitir a inclusão social por
meio da ampla empregabilidade e a semear o desenvolvimento econômico e social,
inclusive por meio da produtividade.
Se no contexto jurídico-constitucional pós-positivista cabe ao
magistrado frente ao caso concreto construir a norma jurídica por meio de
interpretação jurídica que melhor reproduza o significado dos valores e das normas
constitucionais (regras e princípios)111, por certo, o entendimento jurisprudencial de
que a “stock option” não tem natureza salarial conjuga o valor social do trabalho com
a livre-iniciativa (art. 1º, inciso IV, da CF/1988), assim como efetiva o direito
constitucional fundamental de participação dos trabalhadores nos lucros da empresa
(art. 7º, inc. XI, da CF/1988).
O texto constitucional, em que pese tenha por finalidade a construção
de um Estado Social Republicano Democrático de Direito e de Direitos
Fundamentais, conforme se verifica pela positivação dos direitos fundamentais de
primeira, segunda e terceira dimensões ou gerações, ao mesmo tempo prestigiou a
economia de mercado e a construção de uma ordem econômica sustentada pela
mínima intervenção estatal reguladora e com suporte jurídico no direito fundamental
de livre-iniciativa.
comissão, percentagem, gratificação ajustada, diárias para viagem, abono, nem prêmio. Assim, a
doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando no sentido de não ter a stock option natureza
salarial, já que o momento do acréscimo patrimonial vai depender da opção do empregado, e não da
determinação do empregador. Trata-se de uma expectativa de direito que só se concretizará depois
do término do prazo de carência (que em geral é de três ou de cinco anos), não tendo o empregado
qualquer garantia de que haverá lucro na operação”. (ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do
trabalho esquematizado, São Paulo: Editora Saraiva, 2013, pág. 348)
111 “O direito do trabalho deve ser interpretado segundo a jurisprudência axiológica ou de valores”.
(NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, pág. 332)
96
Então, é dever do Poder Judiciário trabalhista observar as diretrizes
constitucionais por meio da ponderação de todos os interesses existentes na relação
capital e trabalho, moldando a proteção trabalhista à luz dos valores capitalistas e
resguardando ao trabalhador o direito à busca do pleno emprego, caso contrário não
estará sendo observado o princípio fundamental da dignidade do trabalhador (art. 1º,
inciso III, da CF/1988).
É importante ressaltar que o almejado bem-estar social não significa o
antagonismo entre os interesses de trabalhadores e patrões, pelo contrário, a
construção do Estado Social Republicano Democrático de Direito e de Direitos
Fundamentais pressupõe a harmonização das relações sociais com a conjugação
dos interesses de todos os atores sociais, protegendo-se a dignidade humana do
trabalhador dentro de uma economia de mercado capitalista, cujo centro da ordem
econômica é a empresa, sendo certo que a garantia do pleno emprego é premissa
essencial para a efetividade dos direitos fundamentais laborais de primeira, segunda
e terceira dimensão ou geração112.
Então, a flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial
encontra ótimo exemplo no reconhecimento de inexistência de natureza jurídica
112
Muito mais importante do que a proteção trabalhista rígida como forma de conter a exploração é a
funcionalização do direito do trabalho como política pública de inclusão social das grandes massas,
por isso, a abertura do sistema jurídico laboral por meio da “flexibilidade trabalhista por adaptação”,
seja pela via negociada ou pela via jurisprudencial, é uma maneira de se dar concretude aos
propósitos do direito do trabalho. Mauricio Godinho Delgado, elucida bem a importância da inclusão
social de pessoas por meio do direito do trabalho na busca da efetividade dos direitos fundamentais
laborais e do princípio fundamental da dignidade humana do trabalhador, sendo que, por certo, a
inflexibilidade do sistema jurídico laboral afasta o direito do trabalho de seus propósitos e o coloca em
uma abstração normativa fictícia longe da realidade social. Seguem algumas palavras de Mauricio
Godinho Delgado acerca da referida problemática: “De fato, tomados dois parâmetros muito
ilustrativos (Alemanha e França), com dados aplicáveis à década de 1990 (portanto, bastante
pertinentes ainda), vê-se que o Direito do Trabalho tem sido, no desenrolar do sistema econômico-
social contemporâneo, notável instrumento de inclusão social das grandes massas populacionais dos
países capitalistas desenvolvidos. Enfocadas as situações de Alemanha e França, percebe-se que
mais de 80% da população economicamente ativa daqueles países, já excluído o percentual de
desempregados, insere-se no mercado laborativo capitalista com as proteções inerentes ao Direito do
Trabalho”. (DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da
destruição e os caminhos de reconstrução, São Paulo: Editora LTr, 2007, pág. 127)
97
salarial à “stock option”, o que dá efetividade aos direitos fundamentais laborais na
medida em que insere o valor constitucional social do trabalho na ordem jurídica
capitalista, que foi prevista pelo poder constituinte originário, com isso, harmoniza-se
a interpretação jurídica constitucional na medida em que esse entendimento
jurisprudencial estimula o empregado a fazer coincidir os seus interesses com os do
empregador, inclusive com a assunção de forma compartilhada pelo trabalhador do
risco da atividade empresarial, o que permite o aumento da empregabilidade e o
bem-estar social.
Cabe ainda ressaltar que o texto constitucional de 1988, por meio de
reforma constitucional instituída pela Emenda Constitucional nº 06/1995, prevê
expressamente norma jurídica constitucional principiológica prescritiva do dever
estatal de conceder tratamento jurídico diferenciado à micro e pequena empresa (art.
170, inc. IX, da CF/88)113, o que deve ser observado pela jurisprudência quando da
construção da norma jurídica a partir do caso concreto, sem que seja violada a
necessária harmonia com o princípio fundamental da dignidade humana do
trabalhador (art. 1º, inc. III, da CF/88), pois os estímulos à micro e pequena empresa
permitem a inclusão social por meio do pleno emprego (art. 170, inc. VIII, da CF/88).
Então, cabe ao Poder Judiciário trabalhista o protagonismo na
concretização dos ditames constitucionais, inclusive para permitir a busca do pleno
emprego (art. 170, inc. VIII, da CF/1988)114.
Ora, o protagonismo do Poder Judiciário e o ativismo constitucional não
implicam necessariamente apenas e tão somente na efetividade dos direitos
fundamentais dos trabalhadores de maneira desvinculada das demais normas
constitucionais. Na verdade, a constitucionalização do direito laboral implica na
observância da harmonia constitucional, inclusive com a flexibilidade trabalhista de
113
“Art. 170 da CF/1988. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (…) IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.
114 “Art. 170 da CF/1988. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (…) VIII - busca do pleno emprego”.
98
adaptação pela via jurisprudencial, para a busca do pleno emprego e também para o
incentivo do desenvolvimento econômico e social115.
Portanto, tendo-se em vista que a empresa está no centro da ordem
econômica e que o desenvolvimento social somente é possível com o concomitante
desenvolvimento econômico, por certo, o ativismo constitucional para a efetividade
dos direitos fundamentais laborais deve prezar pela ponderação dos valores
constitucionais (valor social do trabalho e da livre-iniciativa), o que exige o
protagonismo do Poder Judiciário trabalhista na abertura do sistema jurídico,
fenômeno dentro do qual se insere a flexibilidade trabalhista de adaptação, esta que
além de se manifestar por meio da autonomia privada coletiva deve ocorrer pela via
jurisprudencial.
115
“Para tanto, o Direito do Trabalho deverá valer-se de instrumentos jurídicos modernos e
democráticos, adaptáveis do protecionismo jurídico paradigmático, assegurados os direitos sociais e
fundamentais, de interesse público, pela força normativa da Constituição, sobretudo tendo em vista a
pequena empresa, na promoção da melhoria da condição social do trabalhador, hoje representada
especialmente pelo pleno emprego, como combate à informalidade, e também pela participação do
trabalhador na gestão da empresa, quando então obterá a condição de cidadania no ambiente de
trabalho”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego
no contexto da empresa, Revista LTr. 69-05/573 a 580, vol. 69, nº 05, maio de 2005)
99
CAPÍTULO V
NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO: PÓS-POSITIVISMO E
TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS
A efetividade dos direitos fundamentais laborais, na busca da
concretização dos direitos de cidadania dos trabalhadores, exige a atuação
jurisprudencial de maneira uniforme e coerente, assim como exige do juiz um papel
mais ativo e menos formalista, então, a teoria dos direitos fundamentais não se
completa sem uma análise da função a ser exercida pelo direito jurisprudencial
dentro da própria teoria dos direitos fundamentais.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que muitos já advogam o surgimento
de um ramo da ciência do direito denominado direito jurisprudencial, que adquire
funcionamento próprio, cuja teorização se autonomiza em parte das análises
teóricas formuladas dentro do direito processual.
O neoprocessualismo, uma escola de pensamento jusfilosófico
emergente no início do século XXI a partir de construções pós-positivistas, abrange
dentro da sua sistematização a concepção do direito jurisprudencial como o mais
novo ramo de estudo da ciência do direito.
A doutrina vem apontando que o direito processual entra em uma nova
fase, que é chamada de fase neoprocessualista.
Sob um ponto de vista histórico-evolutivo, o direito processual vem se
desenvolvendo por meio de sucessivas fases metodológicas, sendo que com a
superação das ideias de uma fase ela passa a ser sucedida por outra, sempre em
busca do seu aperfeiçoamento.
O neoprocessualismo vem sendo considerado pela doutrina a quarta
fase de evolução do direito processual.
100
Haroldo Lourenço116 aponta a existência de 4 (quatro) fases histórico-
evolutivas do direito processual, são elas: (1ª fase) denominada de praxismo ou
sincretismo, que alguns autores denominam de imanentista117; (2ª fase) denominada
de processualismo ou autonomismo, que alguns autores denominam de científica118;
(3ª fase) denominada de instrumentalismo119; (4º fase) denominada de
neoprocessualismo, alguns também usam a denominação de formalismo valorativo
ou formalismo ético.
Por sua vez, o neoprocessualismo é uma nova fase de
desenvolvimento histórico-evolutivo do direito processual, que está filiada ao
neoconstitucionalismo, a partir de ideias trazidas pelo pós-positivismo, sendo certo
que essa nova forma de pensar o direito processual não abandona as ideias que
116
LOURENÇO, Haroldo. “O Neoprocessualismo, o formalismo valorativo e suas influências no
Novo CPC”, Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, pág. 74-107, out.-dez. 2011.
117 “A primeira fase, chamada de imanentista, é anterior à afirmação da autonomia científica do Direito
Processual. Durante esta fase do desenvolvimento do Direito Processual (na verdade, nesta fase não
se pode falar propriamente em Direito Processual, o que se faz por mera comodidade), o processo
era mero apêndice do direito material”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual
civil - vol. 1, 20ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 08)
118 “Em 1868, ano da publicação da obra do jurista alemão Oskar von Büllow, denominada Die Lehre
von den Processeireden und die Processvoraussetzungen (A Teoria das Exceções Processuais e os
Pressupostos Processuais), com a qual se inicia o desenvolvimento da teoria do processo como
relação jurídica, o Direito Processual passa a ser considerado como ramo autônomo do Direito,
passando a integrar, como já afirmado, o direito público. Inicia-se, com a publicação do referido livro
do jurista alemão, a fase científica do Direito Processual, assim denominada por ter sido uma fase em
que predominaram os estudos voltados para a fixação dos conceitos essenciais que compõem a
ciência processual, tais como os de ação, processo e coisa julgada”. (CÂMARA, Alexandre Freitas.
Lições de direito processual civil - vol. 1, 20ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 09)
119 “O processo, embora autônomo, passa a ser encarado como instrumento de realização do direito
material, a serviço da paz social. Como a primeira fase metodológica não visualizava o processo
como instituição autônoma, a segunda fase acabou enfatizando, demasiadamente, a técnica, o
formalismo. Nesse sentido, surgiu a instrumentalidade, negando o caráter puramente técnico do
processo, demonstrando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio para se atingir um
fim, dentro de uma ideologia de acesso à justiça”. (LOURENÇO, Haroldo. “O Neoprocessualismo, o
formalismo valorativo e suas influências no Novo CPC”, Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n.
56, pág. 74-107, out.-dez. 2011)
101
haviam sido propostas pela terceira fase histórico-evolutiva, assim sendo, o
instrumentalismo foi recepcionado pela fase neoprocessualista, mas isso ocorre
dentro de uma concepção constitucionalizada do direito.
O neoprocessualismo tem várias características que o definem, mas,
certamente, a principal delas é a filiação dessa escola de pensamento jurídico ao
chamado neoconstitucionalismo, tendo como suas premissas básicas as
construções jurídico-filosóficas firmadas pelo pós-positivismo.
Então, trata-se de uma escola de pensamento jurídico-filosófico que
propõe constituir a efetividade dos direitos fundamentais a principal finalidade do
processo, eis por qual razão a teoria dos direitos fundamentais necessita, para a sua
completude, do estudo do direito jurisprudencial, o qual tem papel de destaque
dentro dos estudos do neoprocessualismo120.
120
“(…) o processo é um importante mecanismo de afirmação dos direitos reconhecidos na
Constituição. A expressão “neo” (novo) chama a atenção do operador para mudanças
paradigmáticas, pois o Direito não pode ficar engessado aos métodos arcaicos, engendrados pelo
pensamento iluminista do século XVIII, devendo ser focado, em sua concretização, em pensamentos
contemporâneos, não se dissociando da realidade e das múltiplas relações sociais, políticas e
econômicas. Esse é o desafio dos estudiosos ao combater o imobilismo conceitual, buscando práticas
mais adequadas àquilo que a Constituição põe como objetivo fundamental, que é a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I da CF/88). (…) Nesse contexto, gradualmente, a lei
deixou de ser o centro do ordenamento jurídico. Algumas mudanças fundamentais podem ser
apontadas: princípios ao invés de regras (ou mais princípios do que regras); ponderação no lugar de
subsunção (ou mais ponderação do que subsunção); justiça particular em vez de justiça geral (ou
mais análise individual e concreta do que geral e abstrata); Poder Judiciário em vez de Poder
Executivo ou Legislativo (ou mais Poder Judiciário e menos Poder Legislativo ou Executivo);
Constituição em substituição à lei (ou maior, ou direta, aplicação da constituição em vez da lei). (…) A
Constituição, portanto, é o ponto de partida para a interpretação e a argumentação jurídica,
assumindo um caráter fundamental na construção do neoprocessualismo. A partir do momento em
que se contemplaram amplos direitos e garantias, tornaram-se constitucionais os mais importantes
fundamentos dos direitos material e processual, surgindo a denominada constitucionalização do
direito infraconstitucional. Deste modo, alterou-se, radicalmente, o modo de construção (exegese) da
norma jurídica.(…)”. (LOURENÇO, Haroldo. “O Neoprocessualismo, o formalismo valorativo e
suas influências no Novo CPC”, Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, pág. 74-107, out.-dez.
2011)
102
É importante destacar que Humberto Ávila defende o convincente
entendimento de que o neoconstitucionalismo, dentro do qual se insere o
neoprocessualismo, é “um dos fenômenos mais visíveis da teorização e aplicação do
Direito Constitucional nos últimos 20 anos no Brasil”121.
O direito processual do trabalho, segundo os estudiosos, nasceu no
Brasil no mesmo momento em que surgiu a Justiça do Trabalho, momento no qual o
direito processual comum já se encontrava em sua segunda fase histórico-evolutiva,
a chamada fase científica e formalista.
A doutrina aponta a existência de três etapas de desenvolvimento do
direito processual do trabalho no Brasil, a primeira quando se tratava de um
processo administrativista e não jurisdicional, o segundo momento quando há a
constitucionalização do processo laboral e a terceira etapa quando há a
consolidação da Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário adquirindo o
processo laboral um caráter jurisdicional122. Ou seja, quando o direito processual
comum se desenvolvia por meio do cientificismo e do tecnicismo jurídico-processual,
surgiu o processo laboral, o qual incorporou com o tempo boa parte do tecnicismo
jurídico-processual e do cientificismo, próprios do direito processual comum daquela
época, mas, de outra maneira, os estudiosos apontam que o direito processual
laboral desde o seu surgimento foi pioneiro no exercício da sua função instrumental,
já que desde o início a ciência processual laboral prezou pela simplicidade e pela
busca de resultados práticos e efetivos.
121
“Embora possa haver muita discussão a respeito de quais foram as teorias, métodos, ideologias
ou movimentos jurídicos mais marcantes no período de vigência da Constituição de 1988, dúvida
alguma existirá com relação ao fato de que o fortalecimento do que se convencionou chamar de
‘neoconstitucionalismo’ foi um dos fenômenos mais visíveis da teorização e aplicação do Direito
Constitucional nos últimos 20 anos no Brasil”. (ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a
“ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE),
Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março de 2009. Disponível na
internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 18 de julho de 2016.
122 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho, 7ª edição, São Paulo:
Editora LTr, 2009, pág. 112-114.
103
Por certo, nos dias atuais, quando falamos em pós-modernidade, pós-
positivismo jurídico, neoconstitucionalismo, neoprocessualismo “et cetera”, sem
qualquer dúvida há a inserção do direito processual laboral nesse contexto, o que
deve ser feito por meio de um diálogo com o direito processual comum, inclusive
sendo essa a razão para a aplicação subsidiária e supletiva do Novo Código de
Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015) ao processo do trabalho, conforme
prescrevem o art. 15 do Novo CPC123 e o art. 769 da CLT124, assim como, conforme
as diretrizes da teoria do diálogo das fontes trazida ao Brasil pela jurista gaúcha,
Cláudia Lima Marques, com inspiração nas lições do jurista alemão da Universidade
Heidelberg (Alemanha), Prof. Dr. H. C. Multi Erick Jayme125.
123
“Art. 15 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015). Na ausência de normas que regulem processos
eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva
e subsidiariamente”.
124 ”Art. 769 da CLT (Decreto-lei nº 5.452/1943). Nos casos omissos, o direito processual comum será
fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as
normas deste Título”.
125 “Erick Jayme, ao analisar o reflexo da cultura da comunicação no direito, afirma que o fenômeno
mais importante, nesta sua nova teoria dos reflexos da pós-modernidade no direito internacional
privado, é que ‘a solução dos conflitos de leis emerge agora de um diálogo entre as fontes as mais
heterogêneas’. Os direitos humanos, os direitos fundamentais e constitucionais, os tratados, as leis e
códigos, ‘estas fontes todas não mais se excluem, ou não mais se revogam mutuamente; ao
contrário, elas ‘falam’ uma às outras e os juízes são levados a coordenar estas fontes ‘escutando’ o
que as fontes ‘dizem’. Reconstruir a coerência do sistema de direito ou de uma ordem jurídica
nacional, em tempos pós-modernos, de fragmentação, internacionalização e flexibilização de valores
e hierarquias, em tempos de necessária convivência de paradigmas e métodos, de extrema
complexidade e pluralismo de fontes, não é tarefa fácil e exige muita ciência e sensibilidade dos
juristas. Como afirma Erick Jayme, no que tange à teoria, ‘o sistema jurídico pressupõe uma certa
coerência - o direito deve evitar a contradição. O juiz, na presença de duas fontes … Com valores
contrastantes, deve buscar coordenar as fontes, num diálogo das fontes (Dialog der Quellen). Diálogo
das fontes, que, no direito brasileiro, significa a aplicação simultânea, coerente e coordenada de
plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o Código de Defesa do Consumidor e a lei de planos
de saúde) e leis gerais (como o Código Civil de 2002), de origem internacional (como a Convenção de
Varsóvia e Montreal) e nacional (como o Código Aeronáutico e as mudanças do Código de Defesa do
Consumidor), que, como afirma o mestre de Heidelberg, tem campos de aplicação convergente, mas
não mais totalmente coincidentes ou iguais”. (MARQUES, Claudia Lima (coord.). Diálogo das fontes
104
O direito processual do trabalho, imperativamente, deve dialogar com o
direito processual comum, ainda mais pelo fato de que a legislação processual
laboral positivada está obsoleta e quando elaborada não foi produzida pelo
legislador à luz da teoria dos direitos fundamentais, e nem mesmo sob os auspícios
dos valores constitucionais próprios da Constituição Federal de 1988, por outro lado,
se em outros tempos o direito processual comum olhou à longa distância o
pioneirismo do processo laboral quanto à busca da efetividade da justiça, nos dias
atuais a legislação processual civil (Novo CPC – Lei Federal nº 13.105/2015),
chamada de comum, está muito mais adequada à realidade do século XXI, o que faz
dela fonte normativa, subsidiária e supletiva, do ordenamento processual laboral.
O direito processual do trabalho e o direito material do trabalho não se
reduzem a conjuntos de regras ditadas pelo legislador infraconstitucional a serem
aplicadas de maneira puramente formal aos casos práticos, pelo contrário, a ciência
laboral, tanto em seu aspecto material, quanto no seu aspecto processual, deve
observar a realidade social, os valores constitucionais e a justiça do caso concreto.
Sabendo-se que os valores constitucionais fundamentais, livre iniciativa
e o valor social do trabalho, pilares do ordenamento jurídico-trabalhista, estão em
posição de equilíbrio, de proporcionalidade, não havendo sobreposição de um ao
outro, por certo, a hermenêutica jurídico-laboral deverá observar tal equilíbrio, a fim
de que a construção da interpretação das normas jurídicas laborais seja sempre
pautada na ponderação entre a livre iniciativa e o valor social do trabalho.
Isso porque, historicamente, o contrato de trabalho, considerado um
entre os mais relevantes e significativos instrumentos de transferência de patrimônio
e renda dentro das sociedades globais ao longo da história, ganhou maior atenção e
tratamento especial quando passou a ser considerado não apenas como
instrumento econômico-financeiro-patrimonial, em razão do elemento pessoalidade
nele existente, o que o faz afetar diretamente a dignidade humana do trabalhador.
Nesse diapasão, a propagada lição emanada dos juristas, Orlando
Gomes e Elson Gottschalk, enriquece o argumento acima exposto, ao diferenciar o
- do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2012, pág.19-20)
105
contrato laboral dos demais contratos de direito privado pela sua essência, como
segue: “enquanto os contratos de direito comum giram em torno de coisas, de bens,
de patrimônio, o contrato de trabalho apanha a própria pessoa, envolvendo-a na sua
essência humana”126.
Ora, por certo, dentro da utópica ordem jurídica liberal clássica, nascida
e vigente nos séculos XVII, XVIII e XIX, os contratos de direito privado se colocavam
como instrumentos que dinamizavam a vida econômica na sociedade civil,
permitindo aos cidadãos criarem direitos e obrigações entre eles quase sem
qualquer ingerência estatal, firmando-se a autonomia da vontade como o valor
máximo na circulação econômica de riquezas, inclusive na contratação da prestação
pessoal de serviços.
Por outro lado, historicamente, os contratos laborais, por sua vez,
surgem no século XIX a partir da reação aos problemas sociais gerados pelo utópico
liberalismo clássico, quando passou a existir forte intervenção estatal na relação de
trabalho, surgindo o Estado do Bem-Estar Social, por ter sido detectado que a
relação de troca existente no contrato de prestação pessoal de serviços subordinado
não podia ser uma troca justa.
Mesmo diante do dirigismo estatal sobre as relações laborais, existente
ainda nos dias atuais, sempre se reconheceu ao longo da história o instituto jurídico
conhecido como contrato de trabalho como sendo ele um instrumento regulador
jurídico da relação de trabalho, não tendo ele deixado de existir em razão da
intromissão estatal, sendo que, conforme se verifica na mais respeitada literatura
sobre o tema, o contrato laboral ganhou diversos contornos com a evolução da
sociedade civil, tendo confiado outras circunstâncias e características à regulação
jurídico-laboral.
Ou seja, desde a sua acepção originária, a intervenção estatal na
relação de trabalho vêm sofrendo abalos e questionamentos ao longo dos tempos,
em razão das modificações ocorridas dentro da própria sociedade civil, ou ainda, em
126
GOMES, Orlando & GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2005, pág. 11.
106
razão das mudanças valorativas e estruturais ocorridas nas relações econômicas e
sociais inerentes à sociedade civil.
O contrato de trabalho, desde o seu surgimento até os dias atuais,
nunca deixou de apanhar na sua essência a pessoa humana, mantendo-se vivas
ainda hoje as lições de Orlando Gomes e Elson Gottschalk, acima mencionadas,
mas, por certo, com as mudanças na sociedade civil e nos valores condutores das
relações econômicas e sociais a avença laboral adquire contornos diferentes
daqueles verificados na origem histórica da regulação jurídica contratual laboral.
Isso se comprova por meio de uma interpretação teleológica da norma
prescrita no inciso IV do art. 1º da Constituição de 1988, sendo que a referida norma
jurídica constitucional determina sejam observados ambos os valores constitucionais
básicos, a livre iniciativa e o valor social do trabalho, quando da construção
normativa das demais regras jurídico-laborais.
Dessa maneira, com base no entendimento ora exposto, a presente
tese de doutoramento busca defender o argumento de que o contrato de trabalho
com origem paternalista (o que não se confunde com protecionismo, pois nem todo
protecionismo é paternalista) deve adquirir nova roupagem nos dias atuais,
tornando-se um instrumento de segurança jurídica garantidor da dignidade humana
do trabalhador.
Então, sob essa premissa, o instituto jurídico conhecido como função
social do contrato laboral deve ser reinterpretado à luz dos paradigmas do
liberalismo econômico e conforme a dinâmica da ordem econômica atual, para que
seja efetivamente um instrumento de proteção aos direitos fundamentais e não se
mantenha como um instrumento do ultrapassado paternalismo jurídico-laboral, pois,
conforme já dito, nem todo protecionismo é paternalismo, assim, o protecionismo
não é paternalista quando identifica as proteções necessárias e afasta os excessos
que somente travam a dinâmica relacional.
Diante do desacerto causado pela morosidade na realização de uma
eficaz reforma trabalhista no Brasil, que venha a criar uma legislação trabalhista
infraconstitucional adequada aos valores da pós-modernidade, que seja preenchida
pelo maior número possível de regras com conteúdo dispositivo e supletivo, e que
107
efetivamente proteja os direitos de cidadania dos trabalhadores, resta ao Poder
Judiciário ser o protagonista na função de conferir justeza à regulamentação jurídica
das relações de trabalho, com a formação de uma jurisprudência ativista, uniforme e
coerente, que venha a preencher os espaços deixados pelo Poder Legislativo.
O jurista paranaense, Eduardo Cambi, em importante trabalho jurídico-
literário sobre o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo, identifica a existência
de um momento histórico atual que supera teoricamente as bases do positivismo
jurídico, então, dentro dessa concepção, ele aponta as seguintes características
desse momento histórico atual, por ele denominado neopositivista127 (preferimos a
denominação pós-positivismo), como segue: (i) superação do legalismo; (ii)
predomínio de premissas nascidas da Constituição, da normatividade, de valores e
de um sistema jurídico ideal; (iii) diferenças entre a normatividade de regras e
princípios; (iv) principiologia dos direitos fundamentais; (v) método concretista da
norma jurídica; (vi) superação do formalismo jurídico (e processual); (vii) rejeição do
império do silogismo judicial; (viii) interpretação e argumentação jurídica; (ix)
normatividade e solução de casos concretos; (x) fim da rígida separação entre o
direito e a moral; (xi) preocupação com o conteúdo da norma como condição de sua
própria validade jurídica; (xii) o problema da racionalidade da jurisprudência e dos
precedentes; e, (xiii) a uniformização judicial do direito128.
Analisando as características acima apontadas, a partir das lições de
Cambi, verifica-se que a atividade judicial tem papel essencial dentro desse novo
momento histórico de superação das ideias positivistas, logo, com certeza, o pós-
positivismo, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo concebem um sistema
jurídico aberto apto a atender as necessidades próprias da realidade social pós-
127
“O neopositivismo, como consequência filosófica do neoconstitucionalismo, apresenta-se como
uma nova forma de interpretação e de aplicação do direito. Parte das bases do positivismo jurídico,
procurando mostrar uma outra forma de compreensão do fenômeno jurídico. As características do
positivismo jurídico (…) procuram ser superadas pelo neopositivismo, ao trazer uma nova
compreensão do direito, calcada na Constituição (…)”. (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e
Neoprocessualismo, Coimbra: Editora Almedina, 2006, pág. 106)
128 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo, Coimbra: Editora Almedina,
2006, pág. 106-2202.
108
moderna, o que se sustenta a partir da interpretação jurídica129 e da
argumentação130 que devem compor as fundamentações das decisões judiciais, sob
as premissas das normas e dos valores constitucionais.
Não há qualquer margem de dúvida de que na sistemática jurídica
aberta pós-positivista e neoconstitucionalista, aqui proposta, a jurisprudência tem
papel de destaque como fonte do direito, e mais, na verdade, a jurisprudência não
apenas é mais uma fonte do direito, ela é uma fonte do direito que cria a norma
jurídica a partir do caso concreto131.
Com o intuito de justificar o argumento jurídico de que a jurisprudência
é fonte do direito, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
sustentam que a função jurisdicional ganha novas dimensões no constitucionalismo
contemporâneo, sendo que a velha premissa de que “o juiz somente pode proferir a
129
“(…) a aplicação supõe interpretação”. (MALLET, Estevão. Breves notas sobre a interpretação das
decisões judiciais, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 102,
jan./dez. 2007, pág. 161)
130 “Ninguém duvida que a prática do Direito consista, fundamentalmente, em argumentar, e todos
costumamos convir em que a qualidade que melhor define o que se entende por um bom jurista
talvez seja a sua capacidade de construir argumentos e manejá-los com habilidade”. (ATIENZA,
Manuel. As razões do direito - teorias da argumentação jurídica - Perelman, Toulmin,
MacCormick, Alexy e outros, 2ª edição, São Paulo: Editora Landy, 2002, pág. 17)
131 “Quando se insiste na necessidade de o juiz atribuir sentido ao caso levado à sua análise, deseja-
se, antes de tudo, dizer que ele não pode se afastar da realidade em que vive. Se a percepção das
novas situações, derivadas do avanço cultural e tecnológico da sociedade, é fundamental para a
atribuição de sentido aos casos que não estão na cartilha do judiciário, a apreensão dos novos fatos
sociais, que atingem a família, a empresa, o trabalho etc., é igualmente imprescindível para a
atribuição de um sentido contemporâneo aos velhos modelos capazes de ser estratificados em casos.
Embora essas duas atitudes também importem para desvendar a necessidade de uma nova
elaboração legislativa, o seu peso maior recai sobre o juiz, uma vez que é evidente que o legislador
não pode andar na mesma velocidade da evolução social - o que, aliás, já constitui ditado
vulgarizado. Por isso, o surgimento de novos fatos sociais dá ao juiz legitimidade para construir novos
casos e para reconstruir o significado dos casos já existentes ou simplesmente para atribuir sentido
aos casos concretos”. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.
Novo Curso de Processo Civil - teoria do processo civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2016, pág. 103)
109
sentença com base em uma norma geral criada pelo legislador” se compatibiliza
apenas com as teorias clássicas da jurisdição132.
Os juristas acima mencionados, Marinoni, Arenhart e Mitidiero, a fim de
sustentar a existência de novas dimensões constitucionais para a definição de
função jurisdicional, o que dá suporte à compreensão da jurisprudência como fonte
criadora do direito a partir do caso concreto, argumentam que o princípio da
legalidade na sistemática jurídica aberta pós-positivista e neoconstitucionalista torna-
se um princípio da legalidade substancial em superação à legalidade formal
positivista133.
Eles afirmam que esse argumento da existência de uma legalidade
substancial se convalida sob o fundamento de que a ideia de lei genérica, abstrata e
universal para todos é utópica e se funda na pressuposição da existência de uma
sociedade de pessoas efetivamente iguais, por isso, não há como se conceber a
132
“Considerando-se as teorias clássicas da jurisdição - atuação da vontade da lei e criação da norma
individual -, não há dúvida de que o juiz somente pode proferir a sentença com base em uma norma
geral criada pelo legislador. Embora, em princípio, a ausência de norma geral sequer pudesse ser
cogitada em relação a essas, não há motivo para não se indagar o que poderia ser feito pelo juiz de
tais teorias se admitida fosse a ausência da lei. Nessa situação não restaria ao juiz qualquer
alternativa senão criar a norma geral, sob pena de infirmada a própria ideia de que o sistema jurídico
é dotado de completude. Atualmente, entretanto, com a transformação do conceito de direito e com a
nova dimensão da função jurisdicional, o que realmente interessa saber é como o juiz opera a
reconstrução interpretativa de uma norma jurídica para o caso concreto quando a norma geral não
existe ou é incompatível com os princípios constitucionais de justiça e com os direitos fundamentais”.
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil - teoria do processo civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, pág. 112)
133 “(…) o princípio da legalidade obviamente não pode mais ser visto como à época do positivismo
clássico. Recorde-se que o princípio da legalidade, no Estado Legislativo, implicou a redução do
direito à lei, cuja legitimidade dependia apenas da autoridade que a emanava (formalismo,
estatalismo e legalismo jurídico). Atualmente, como se reconhece que a lei é o resultado da colizão
das forças dos vários grupos sociais, e que por isso frequentemente adquire contornos não só
nebulosos, mas também egoísticos, torna-se evidente a necessidade de submeter a produção
normativa a um controle que tome em consideração os princípios de justiça”. (MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil - teoria
do processo civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 56)
110
redução do direito à legalidade formal, então, se vivemos em uma sociedade
pluralista é preciso “resgatar a substância da lei”, nas palavras dos próprios juristas,
o que significa dizer que as leis infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz
das normas e dos valores constitucionais, devendo ser aplicadas conforme os
direitos fundamentais134.
Na seara trabalhista temos diversos exemplos de questões práticas
cujas normas foram construídas pela jurisprudência à luz das normas e dos valores
constitucionais, na busca da concretização dos direitos fundamentais, diante da
ausência ou insuficiência de lei infraconstitucional apta a dar a solução adequada
para o caso concreto.
Por exemplo: nossa jurisprudência criou norma jurídica entendendo
pela necessidade de negociação coletiva prévia para a validade da despedida
coletiva de trabalhadores; em outra situação prática nossa jurisprudência (ainda que
dividida) vem entendendo pela existência do direito ao acréscimo remuneratório
como compensação pelo labor com acúmulo de funções; em outra questão prática,
lacunosa na legislação infraconstitucional, a jurisprudência vem firmando
entendimento no sentido de que o abuso de direito na despedida imotivada gera o
dever de indenizar; ou mesmo, o direito de greve do servidor público foi
regulamentado, ainda que provisoriamente, por força do ativismo constitucional.
Portanto, por certo, o direito jurisprudencial vem ganhando espaço e
importância na ciência do direito brasileiro, pois, a abertura do sistema jurídico
laboral depende do ativismo constitucional, o que tem sentido em razão da
legislação infraconstitucional laboral obsoleta em vigor no Brasil.
134 “Ao se dizer que a lei encontra limite e contorno nos princípios constitucionais, admite-se que ela
deixa de ter apenas uma legitimação formal, ficando amarrada substancialmente aos direitos
positivados na Constituição. A lei não vale mais por si, porém depende da sua adequação aos direitos
fundamentais. Se antes era possível dizer que os direitos fundamentais eram circunscritos à lei, torna-
se exato afirmar que as leis devem estar em conformidade com os direitos fundamentais”.
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil - teoria do processo civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, pág. 57)
111
CAPÍTULO VI
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, CONTRIBUIÇÕES DO “COMMON
LAW” PARA O “CIVIL LAW” E SISTEMÁTICA DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA
DE SÚMULAS E DE PRECEDENTES JUDICIAIS
Muito se fala nos dias atuais de que há uma aproximação entre os
sistemas jurídicos do “civil law” e do “common law”.
No direito brasileiro, isso se tornou um pouco evidente com as últimas
inovações legislativas, por exemplo: a Lei nº 13.015/2014, que alterou a parte
processual da CLT e introduziu no ordenamento jurídico processual trabalhista
limitações ao direito de recorrer, pois, ampliou as hipóteses impeditivas da
admissibilidade de recursos interpostos contra decisões judiciais quando a decisão
recorrida estiver fundamentada em Súmula, Orientação Jurisprudencial ou iterativa,
notória e atual jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho; ou mesmo, a Lei
nº 13.105/2015, que trouxe o Novo Código de Processo Civil brasileiro, com vigor a
partir do dia 18 de março de 2016, no qual se encontra uma nova sistemática de
Súmulas e Precedentes Judiciais vinculantes (arts. 926-928 do NCPC, com
aplicação subsidiária e supletiva ao processo laboral por força do diálogo das
fontes).
Essas inovações legislativas encontram alguma inspiração no instituto
jurídico anglo-saxão denominado “stare decisis”135.
135 “Stare decisis is the doctrine of precedent. Courts cite to stare decisis when an issue has been
previously brought to the court and a ruling already issued. Generally, courts will adhere to the
previous ruling, though this is not universally true. See, e.g. Planned Parenthood of Southeastern
Pennsylvania v. Casey, 505 US 833. Stare decisis is Latin for “to stand by things decided.” The
doctrine operates both horizontally and vertically. Horizontal stare decisis refers to a court adhering to
its own precedent. A court engages in vertical stare decisis when it applies precedent from a higher
court. Consequently, stare decisis discourages litigating established precedents, and thus, reduces
spending. According to the Supreme Court, stare decisis “promotes the evenhanded, predictable, and
112
O sistema jurídico “common law” é baseado, principalmente, nas
doutrinas dos “precedents” e do “stare decisis”.
Os “precedents”136 são casos (“cases”) decididos previamente, aos
quais é reconhecida a autoridade para vincular casos futuros. No “common law”, os
“precedents” são considerados a mais importante fonte do direito. Eles podem
envolver uma nova questão do “common law” ou podem envolver a interpretação de
uma lei (“statute”).
Dentro do sistema jurídico do “common law”, a doutrina dos
“precedents” é aplicada em sintonia com a doutrina do “stare decisis”137, segundo
consistent development of legal principles, fosters reliance on judicial decisions, and contributes to the
actual and perceived integrity of the judicial process.” In practice, the Supreme Court will usually defer
to its previous decisions even if the soundness of the decision is in doubt. A benefit of this rigidity is
that a court need not continuously reevaluate the legal underpinnings of past decisions and accepted
doctrines. Moreover, proponents argue that the predictability afforded by the doctrine helps clarify
constitutional rights for the public. Other commentators point out that courts and society only realize
these benefits when decisions are published and made available. Thus, some scholars assert
that stare decisis is harder to justify in cases involving secret opinions. Despite the legal stability
afforded by stare decisis, it is not without negative externalities. Critics argue that the doctrine
occasionally permits erroneous decisions to continue influencing the law and encumbers the legal
system’s ability to quickly adapt to change. Although courts seldom overrule precedent, Justice
Rehnquist explained that stare decisis is not an “inexorable command.” On occasion, the Court will
decide not to apply the doctrine if a prior decision is deemed unworkable. In addition, significant
societal changes may also prompt the Court to overrule precedent; however, any decision to overrule
precedent is exercised cautiously”. (página consultada em 24 de julho de 2016
<https://www.law.cornell.edu/wex/stare_decisis>)
136 “PRECEDENT a previously decided case wich is recognized as authority for the disposition of
future cases. At common law, precedents were regarded as the major source of law. A precedent
may involve a novel question of common law or it may involve an interpretation of a statute. In either
event, to the extent that future cases rely upon it or distinguish it from themselves without disapproving
of it, the case will serve as a precedent for future cases under the doctrine of stare decisis”. (GIFIS,
Steven H. Law Dictionary, 6ª edition, New York: Barron’s, 2010, pág. 408)
137 “STARE DECISIS (stä-rã dë-si-sïs) - Lat.: to satnd by that wich was decided; rule by wich common
law courts ‘are slow to interferewith principles announced in the former decisions and often uphold
them even though they would decide otherwise were the question a new one.’ (…) ‘Although (stare
decisis) is not inviolable, our judicial system demands that it be overturned only on a showing of good
113
essa última, quando um juiz, um tribunal ou uma corte for julgar um caso (“case”),
que já foi decidido em julgamento de processo anterior, deverá respeitar aquilo que
já está decidido (“stare decisis” = já ficou decidido).
A vinculação aos “precedents” pode ser horizontal (quando juízes e
tribunais de uma instância estão vinculados aos “precedents” veiculados
anteriormente nessa mesma instância) ou pode ser vertical (quando juízes e
tribunais se vinculam aos “precedents” de instância superior)138.
As justificativas apresentadas para as inovações introduzidas no direito
brasileiro a partir de influências do “common law” são sustentadas pelo argumento
de que as técnicas utilizadas pelo direito jurisprudencial do “common law” permitem
segurança jurídica e estabilidade139 na aplicação do direito.
cause. Where such a good cause is not shown, it will not be repudiated.’ The doctrine is of particularly
limited application in the field of constitutional law.” (GIFIS, Steven H. Law Dictionary, 6ª edition, New
York: Barron’s, 2010, pág. 513)
138 “Os precedentes com força obrigatória naturalmente incidem sobre os tribunais e sobre os juízos
que lhe são inferiores. Alude-se, neste sentido, àeficácia vertical dos precedentes. Nesta dimensão,
porém, o problema está em admitir a vinculação dos órgãos do próprio tribunal de que provém o
precedente, ou seja, a chamada eficácia horizontal dos precedentes. No common law, a lógica da
eficácia horizontal dos precedentes, isto é, do autorrespeito, sempre esteve presente na House of
Lords e na Suprema Corte dos Estados Unidos. A diferença é de que, nos Estados Unidos, a
Suprema Corte sempre teve o poder de revogar os seus precedentes diante de circunstâncias
especiais, o que não foi possível à House of Lords até 1966. Ou seja, a House of Lords, ao contrário
da Suprema Corte estadunidense, submteu-se a um sistema de autovinculação absoluta até 1966,
quando assumiu o poder de overruling. Note-se, porém, que este poder de revogar os próprios
precedentes, presente na Suprema Corte dos Estados Unidos e agora na House of Lords, não nega o
sistema de precedentes exatamente por restringir o poder de overruling a hipóteses especiais. Na
verdade, a mesma lógica que impõe o respeito aos precedentes obrigatórios pelos órgãos judiciais
inferiores exige que os órgãos de um mesmo tribunal respeitem as suas decisões. Ora, seria
impossível pensar em coerência da ordem jurídica, em igualdade perante o Judiciário, em segurança
jurídica e em previsibilidade caso os órgãos do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, pudessem
negar, livremente, as suas próprias decisões.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
Obrigatórios, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 201, pág. 116-117)
139 “(…) É preciso que a ordem jurídica, e assim a lei e as decisões judiciais, tenha estabilidade. Ela
deve ter um mínimo de continuidade, até mesmo para que o Estado de Direito não seja Estado
114
As doutrinas dos “precedents” e do “stare decisis”, típicos do sistema
do “common law”, permitem maior racionalidade ao sistema jurídico porque fazem
com que exista unidade e coerência nas decisões judiciais, evitando-se que um
mesmo caso (“case”) encontre diversas soluções jurídicas diferentes em cada
julgamento realizado por juízes ou tribunais diferentes, então, a ideia da doutrina dos
“precedents” é garantir a uniformização da jurisprudência, de tal maneira que
quando um caso (“case”) for julgado sejam observados os julgamentos realizados
em outros processos anteriores que trataram da mesma “ratio decidendi”
(fundamentos e razões da decisão judicial).
Além do que, cabe dizer que as doutrinas dos “precedents” e do “stare
decisis” permitem a garantia da segurança jurídica, pois, a uniformização de
jurisprudência por meio dos “precedents” garante previsibilidade para as decisões
judiciais, impedindo que o Judiciário seja considerado uma loteria.
Também é possível dizer que as doutrinas dos “precedents” e do “stare
decisis” conferem maior razoabilidade às decisões judiciais, pois, permitem ao
provisório, incapaz de se impor enquanto ordem jurídica dotada de eficácia e potencialidade diante
dos cidadãos. Mas o que importa, no presente contexto, é demonstrar que a estabilidade não se
traduz apenas na continuidade do direito legislado, exigindo, também, a continuidade e o respeito às
decisões judiciais, isto é, aos precedentes. Pouco adiantaria ter decisão estável e, ao mesmo tempo,
frenética alternância das decisões judiciais. Para dizer o mínimo, as decisões judiciais devem ter
estabilidade porque constituem atos de poder. Ora, os atos de poder geram responsabilidade àquele
que os instituiu. Assim, as decisões não podem ser completamente desconsideradas pelo próprio
Poder Judiciário. O ponto tem relevância insuspeita. Não apenas o juiz e o órgão judicial devem
respeito ao que já fizeram, ou seja, às decisões dos tribunais que lhe são superiores, claramente
quando estes decidem conferindo interpretação a uma lei ou atribuindo qualificação jurídica a
determinada situação. Trata-se de algo que, além de advir da mera visualização da tarefa atribuída
aos tribunais superiores, decorre da percepção da lógica do sistema de distribuição de justiça e da
coerência que se impõe ao discurso do Poder Judiciário. Não há como ter estabilidade quando os
juízes e tribunais ordinários não se veem como peças de um sistema, mas se enxergam como entes
dotados de autonomia para decidir o que bem quiserem. A estabilidade das decisões, portanto,
pressupõe uma visão e uma compreensão da globalidade do sistema de produção de decisões, o
que, lamentavelmente, não ocorre no Brasil, onde ainda se pensa que o juiz tem poder para realizar a
sua ‘justiça’ e não para colaborar com o exercício do dever estatal, de prestar a adequada tutela
jurisdicional, para o que é imprescindível a estabilidade das decisões”. (MARINONI, Luiz Guilherme.
Precedentes Obrigatórios, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 201, pág. 127-128)
115
magistrado ou tribunal buscar a construção da norma jurídica a partir do caso
concreto, ou seja, quando da apreciação do caso (“case”) cabe ao magistrado ou
tribunal verificar se existe algum “precedent” e se a “ratio decidendi”140 desse
“precedent” se enquadra no caso em análise, podendo o magistrado ou tribunal
construir a norma jurídica a partir do caso concreto se não houver anterior decisão
judicial formadora de precedente judicial para o caso.
Então, existe maior garantia de razoabilidade nas decisões judiciais
proferidas dentro da sistemática do “common law”, pois esse sistema é mais aberto
e permite ao magistrado ou tribunal buscar a solução mais justa a partir do caso
concreto, sem necessidade de vinculação ao legalismo formal141.
Alguns festejam as inovações trazidas pela Lei nº 13.015/2014, que
alterou a parte processual da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e pela Lei nº
140
“(…) as razões de decidir ou os fundamentos da decisão importam, no common law, porque a
decisão não diz respeito apenas às partes. A decisão, vista como precedente, interessa aos juízes - a
quem incumbe dar coerência à aplicação do direito - e aos jurisdicionados - que necessitam de
segurança jurídica e previsibilidade para desenvolverem suas vidas e atividades. O juiz e o
jurisdicionado, nessa dimensão, têm necessidade de conhecer o significado dos precedentes. (…) A
razão de decidir, numa primeira perspectiva, é a tese jurídica ou a interpretação da norma
consagrada na decisão. De modo que a razão de decidir certamente não se confunde com a
fundamentação, mas nela se encontra. Ademais, a fundamentação não só pode conter conter várias
teses jurídicas, como também considerá-las de modo diferenciado, sem dar igual atenção a todas.
Além disso, a decisão, como é óbvio, não possui em seu conteúdo apenas teses jurídicas, mas
igualmente abordagens periféricas, irrelevantes enquanto vistas como necessárias à decisão do caso.
(…) Não há como esquecer que a busca da definição de razões de decidir ou de ratio decidendi parte
da necessidade de se evidenciar a porção do precedente que tem efeito vinculante, obrigando os
juízes a respeitá-lo nos julgamentos posteriores. No common law, há acordo em que a única parte do
precedente que possui tal efeito é a ratio decidendi.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
Obrigatórios, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 201, pág. 219-220)
141 “(…) não há mais qualquer legitimidade na velha ideia de jurisdição voltada à atuação da lei; não é
possível esquecer que o Judiciário deve compreendê-la e interpretá-la a partir dos princípios
constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. (…) Se nas teorias clássicas o juiz apenas
declarava a lei ou criava a norma individual a partir da norma geral, agora ele reconstrói a norma
jurídica a partir da interpretação de acordo com a Constituição (…)”. (MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil - teoria do processo
civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, págs. 57 e 110)
116
13.105/2015, que trouxe o Novo Código de Processo Civil brasileiro, com vigor a
partir do dia 18 de março de 2016, chamando-as de “common law brasileira”, ou de
“common law à brasileira”, mas, por outro lado, também existem aqueles que
criticam as inovações, sendo que outros as elogiam ao mesmo tempo que negam a
introdução de qualquer elemento de estraneidade vindo do sistema anglo-saxão ao
direito brasileiro142.
Historicamente, a região da Grã-Bretanha sempre se distanciou das
influências culturais arraigadas e expandidas dentro da Europa continental. Seja
pelo fato de estar localizada em uma ilha separada dos países da Europa
continental, ou pelo fato de que os povos que colonizaram a região da Grã-Bretanha
não são da mesma origem daqueles que se espalharam pelo continente, de
qualquer maneira, o certo é que o desenvolvimento histórico, político, econômico,
social, cultural “et cetera” do povo britânico, e de outros povos por ele colonizados,
foi muito diferente do que ocorreu no continente143.
Os povos britânicos, ao contrário dos países europeus do continente,
não assimilaram a cultura latino-romana144, procuraram preservar as suas próprias
tradições, por isso, em um primeiro momento, construíram um direito jurisprudencial
declaratório dos costumes do povo britânico, o que se fazia sob a perspectiva
142 “Nada que o novo CPC traz a respeito do assunto, contudo, autoriza afirmativas genéricas, que
vêm se mostrando comuns, no sentido de que o direito brasileiro migra em direção ao common law ou
algo do gênero”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado, 1ª edição,
São Paulo: Editora Saraiva, 2015, pág. 567)
143 “Do século I ao V a Inglaterra fez parte do Império Romano, mas não houve muita romanização
em suas instituições. A partir do século VI, com as invasões dos povos Anglos, Saxões e
Dinamarqueses, desenvolveram-se reinados germânicos e redigiam-se leis bárbaras em latim. No
século XII os costumes eram a principal fonte do direito”. (CARRILHO, Cristiano. Manual de história
dos sistemas jurídicos, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pág.103)
144 “In another western province Latin was clearly never sufficiently established. England and Wales
(but not Scotland) were conquered by the Romans after the time of Augustus during the first century
CE. It remained as the Roman province of Britannia for about three hundred years, but it seems that
the Roman way of life was never completely accepted, and the inhabitants kept their Celtic languages
until the Germanic invasion in the fifth century.” (JANSON, Tore. A natural history of latin, Oxford:
Oxford University Press, 2004, pág. 47)
117
positivista de que cabe ao juiz declarar o direito. A criação do direito pelas Cortes
inglesas começou a ser admitida a partir do início do século XIX, com a teoria
positivista de Jeremy Bentham145.
Cristiano Carrilho explica que o “sistema jurídico de caso, de origem
britânica”, começou a se desenvolver na Inglaterra a partir do século XII, por meio do
direito jurisprudencial emanado das jurisdições reais inglesas, havendo se infiltrado
na maioria dos países de colonização inglesa (Austrália, Estados Unidos, Canadá,
Nova Zelândia, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte e República da Irlanda),
tendo permanecido até os dias atuais, sendo que, inicialmente, tratava-se de um
direito de casos cujas decisões judiciais buscavam reproduzir os costumes do povo
inglês, depois, com o tempo, passou a ser um direito criado, principalmente, a partir
de precedentes judiciais.
O “common law” apareceu no século XIII, havendo surgido para
designar o direito comum da Inglaterra, pois, em razão do feudalismo, durante a
Idade Média era possível a criação de direitos regionais e locais, então, a expressão
“common law” (direito comum) referia-se às “rules of law” que imperavam sobre as
regras regionais e locais.
Vale ressaltar que, nos dias atuais, por força da separação dos
sistemas jurídicos ocidentais em direito romano-germânico e anglo-saxão, a
145 “(…) A concepção tradicionalista do common law - que pode ser detectada nos escritos de Hale e
Blackstone e que predominou no discurso do Judiciário pelo menos até o início do século XIX - foi a
da denominada natureza ‘declaratória’ do precedente judicial: ‘o direito (costumeiro) existe agora e
tem a sua autoridade, a sua ‘força obrigatória’, em virtude do uso geral e da aceitação’ (Postema
1987:16). Os juízes, de acordo com esse paradigma tradicional, seriam os ‘oráculos’ de um direito
estático, de modo que suas decisões seriam ‘a principal e mais confiável evidência’ da existência de
um costume que faça parte do common law. No contexto da afirmação desse caráter estático do
direito positivo predominava a ficção de que o Judiciário teria autoridade não para ‘pronunciar um
novo Direito, mas apenas ‘manter e explicar (expound)’ o antigo’ (Wesley-Smith 1987:73-74), que
estaria fundado basicamente na tradição e na razão”. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria
do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais, São Paulo:
Noeses Editora, 2012, pág. 48-49)
118
expressão “common law” adquire diversos significados criados pelos estudiosos
muitas vezes sem relação com a construção histórica do direito inglês.146
Um dos mais proeminentes estudiosos do direito comparado, o francês,
René David, expõe que o direito inglês, aplicado na Inglaterra e no País de Gales,
não é o mesmo direito aplicado aos demais países de língua inglesa, havendo
substancial diferença entre os direitos internos aplicados em cada país da
“Commonwealth”, mas, em que pese as diferenças, “o direito inglês está na origem
da maioria dos países de língua inglesa, tendo exercido uma influência considerável
sobre o direito de vários países que sofreram, numa época de sua história, a
dominação britânica”.
Assim, os direitos desses países de língua inglesa fazem parte da
família da “common law”147.
146 “A expressão common law é utilizada desde o século XIII para designar o direito comum da
Inglaterra, por oposição aos costumes locais próprios de cada região, podendo ainda possuir vários
significados: a) o direito anglo-americano em sua totalidade, como distinto do direito positivo de
origem romana, chamado civil law; b) o elemento casuístico do direito anglo-americano, constituído
pelos precedentes judiciais, para distingui-los das leis propriamente ditas; c) o direito das decisões e
dos precedentes aplicados pelos clássicos tribunais ingleses, as Common Law Courts, e pelos
modernos tribunais de igual categoria da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, em contraposição ao
direito formado pela jurisprudência dos tribunais da equity (almirantado, direito marítimo, direito
canônico, etc.); d) o direito antigo em contraste com o mais moderno, resultante da lei ou da
jurisprudência. Na ‘common law’, os costumes observados desde tempos imemoriais podem ter
caráter geral (sendo aplicados em todas as juridições), ou caráter especial (quando imperam tão-
somente em certas regiões).” (CARRILHO, Cristiano. Manual de história dos sistemas jurídicos,
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pág. 105)
147 “O direito inglês é o direito aplicado na Inglaterra e no País de Gales. Não é o direito dos países de
língua inglesa ou de Commonwealth nem o do Reino Unido ou da Grã-Bretanha. Os direitos de
Commonwealth às vezes são próximos do direito inglês, mas, em outros casos, podem ser bastante
diferentes. O direito da Irlanda do Norte e o da Ilha de Man são bastante próximos do direito inglês,
mas o da Escócia é muito diverso, como também o é o das ilhas anglo-normandas. (…) o direito
inglês está na origem da maioria dos direitos dos países de língua inglesa, tendo exercido uma
influência considerável sobre o direito de vários países que sofreram, numa época de sua história, a
dominação britânica. Esses países podem ter se emancipado da Inglaterra e seu direito pode ter
adquirido ou conservado características próprias. Mas a marca inglesa muitas vezes permanece
119
Explica, ainda, o jurista francês que o direito desenvolvido na Europa
continental, o qual depois foi transportado para a América Latina, inclusive para o
Brasil, é um direito desenvolvido historicamente a partir de estudos do direito
romano, por isso, compõe a família romano-germânica (nome composto em razão
das influências germânicas exercidas sobre esse estudo do direito romano), isso
porque, “do início do século XIII ao fim do século XVIII, o ensino do direito foi
realizado nas Universidades, na França, com base no direito romano; os costumes
não eram ensinados, ou só o eram tardiamente e de maneira muito acessória”. O
estudo do direito romano sempre existiu nas escolas de direito inglesas, mas
manteve-se no campo acadêmico, tendo quase insignificante importância prática. A
partir desse raciocínio, surgiu a dicotomia “civil law” e “common law” no mundo
jurídico ocidental148.
profunda nesses países, afetando a maneira de conceber o direito, os conceitos jurídicos utilizados,
os métodos e o espírito dos juristas. Assim, o direito inglês, superando amplamente o domínio estrito
de sua aplicação territorial, constitui o protótipo em que numerosos direitos se inspiram; é por seu
estudo que convém começar todo e qualquer estudo dos direitos pertencentes à ‘família de common
law’”. (DAVID, René. O direito inglês, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006)
148 “No início do século XIX, o legislador interveio com a finalidade de completar a obra da
jurisprudência. Pela promulgação de códigos, ele unificou e reformou os costumes e tornou aplicável
na França o sistema racional que as Universidades haviam elaborado, partindo da base do direito
romano. Abriu-se, assim, uma nova era na França, mediante a substituição das antigas compilações
romanas, de um lado, e dos costumes, de outro, por um corpo de direito moderno, promulgado pelo
legislador e fundado na razão. A ruptura com a tradição, todavia, foi mais aparente que real. Nossa
concepção do direito permanece bastante marcada pela ciência dos romanistas. O direito por
excelência continua a ser, para nós, o direito privado, que rege as relações entre os particulares; o
direito público, pelo qual os juristas romanos não se interessaram, só se afirma com certa dificuldade
quando modelado à imagem do direito privado. Nossos conceitos e nossas categorias jurídicas
permanecem essencialmente os conceitos e as categorias ensinados nas Universidades, tendo por
base o direito romano. O direito continua a ser visto, antes de mais nada, como um modelo de
organização, uma espécie de moral social; nossa regra de direito visa ensinar aos indivíduos como
devem se comportar; ela não é concebida sob o prisma do processosua meta essencial não é dizer
como determinado litígio deve ser resolvido. Os códigos são vistos como como um ponto de partida,
uma base a partir da qual se desenvolve o raciocínio dos juristas, para descobrirem a solução a
aplicar. De todos esses pontos de vista, o direito inglês se opõe ao direito francês. O renascimento
dos estudos do direito romano, esse fenômeno europeu, permaneceu acadêmico na Inglaterra. As
Universidades inglesas também ensinaram, é verdade, apenas o direito romano, mas sua influência
120
O jurista do “common law” raciocina a partir do caso concreto,
enquanto que o jurista do “civil law” raciocina a partir das normas jurídicas gerais e
abstratas.
Por outras palavras, o direito do “common law”, como regra, é
construído a partir do caso prático, por meio da sua principal fonte jurídica que é a
jurisprudência, buscando-se a solução jurídica mais justa para o caso concreto, ou
seja, o direito da “common law” não é um direito formado por normas jurídicas de
dever-ser, pois, utiliza um raciocínio pragmático.
O direito da “civil law” é construído dogmaticamente, por meio de
normas jurídicas gerais e abstratas a serem aplicadas indistintamente e igualmente a
todas e quaisquer situações jurídicas, então, o caso prático é resolvido por meio de
normas jurídicas pré-concebidas.149
foi desprezível, pois nunca se exigiu, na Inglaterra, que juízes ou advogados tivessem título
universitário. Ao contrário do que aconteceu na França, onde as jurisdições que aplicavam os
costumes locais caíram em desuso. As Cortes Reais que as substituíram não foram, em teoria,
durante muito tempo, mais que jurisdições de exceção e, por esse motivo, não puderam escolher o
“sistema” que o direito romano constituía; elas elaboraram um novo direito, a common law, para cuja
formação o direito romano desempenhou um papel muito limitado. Não há, na Inglaterra, códigos
como encontramos na França, e apenas em matérias especiais foi feito um esforço para apresentar o
direito de forma sistemática. Não é isso um acaso. A concepção do direito que os ingleses sustentam
é, de fato, ao contrário da que prevalece no continente europeu, essencialmente jurisprudencial,
ligada ao contencioso. O direito inglês, que foi elaborada pelas Cortes Reais, apresenta-se aos
ingleses como o conjunto das regras processuais e materiais que essas Cortes consolidaram e
aplicaram tendo em vista a solução dos litígios. A regra de direito inglesa (legal rule), condicionada
historicamente, de modo estrito, pelo processo, não possui o caráter de generalidade que tem na
França uma regra de direito formulada pela doutrina ou pelo legislador. As categorias e conceitos, no
direito inglês, derivam de regras processuais formalistas que as Cortes Reais foram obrigadas a
observar até uma época recente; a distinção entre direito público e direito privado, em particular, por
esse motivo, é desconhecida na Inglaterra”. (DAVID, René. O direito inglês, São Paulo: Editora
Martins Fontes, 2006, pág. 2 e 3)
149 “O sistema jurídico romanista (Civil Law), desde as lutas entre patrícios e plebeus que culminaram
na Lei das XII Tábuas, que convolou o direito consuetudinário romano em direito escrito, é
tradicionalmente baseado em preceitos expressos (leis, consideradas ratio scripta).” (FABRE, Luiz
Carlos Michele. Fontes do direito do trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2009, pág. 111)
121
A dicotomia existente no mundo jurídico ocidental, “civil law” e
“common law”, é tão complexa (talvez a melhor palavra a ser utilizada seja
hipercomplexa), sabendo-se que esses dois sistemas jurídicos (ou famílias jurídicas)
são teoricamente e operacionalmente tão diferentes, que mesmo em um mundo
cada vez mais homogêneo culturalmente, ideologicamente e valorativamente (o que
inclusive vem gerando o surgimento de uma onda de reações extremistas e
ultranacionalistas em diversos países do globo, diante dos contrastes ocasionados
por essa homogeneização cultural, ideológica e valorativa pós-moderna), ainda
assim, mostra-se quase utópico qualquer argumento no sentido de unificação ou
aproximação entre “civil law” e “common law”. Na verdade, “civil law” e “common
law” são dois mundos muito distantes150.
150
“Ainda assim, apesar de enorme boa vontade da parte dos acadêmicos da civil law, muito pouco
dos nossos processos de raciocínio ingressa nas discussões civilistas. Alunos de LL.M. de países da
civil law em geral deleitam-se com o ano que passam nos Estados Unidos, mas eles, quase
universalmente, retornam para casa com a visão de que seus próprios sistemas jurídicos são
superiores ao nosso. Até na medida em que ocorrem empréstimos, são as nossas regras que são
tomadas por empréstimo, e não o modo pelo qual falamos sobre elas. Eu nunca encontrei um
advogado ou um professor de Direito da civil law que acreditassem que alguma coisa pudesse ser
aprendida a partir do pensamento jurídico americano. É lógico que existe um constante discurso
sobre unificação e sobre a necessidade de acomodar ideias e conceitos jurídicos estrangeiros, mas
os operadores do Direito na civil law não aprovam o aparente caos que nosso sistema apresenta.
Essa falta de compreensão e de intercâmbio é particularmente estranha dada a ingente
interpenetração cultural em ambas as direções durante o último meio século. A fascinação americana
com coisas estrangeiras, especialmente com tudo que é europeu, remonta até antes do nascimento
de nossa nação. Mesmo hoje, o NEW YORK TIMES nunca critica nada do que acontece em Paris –
nunca, não importam as circunstâncias –, assim como nunca elogia nada do que acontece no Estado
de Nova Jersey. Novaiorquinos sentem uma relação privilegiada com Paris, como se nada no mundo
se assemelhasse tanto a uma grande metrópole quanto outra grande metrópole. Em toda a América
instalamos máquinas de cappuccino em nossos balcões e toldos de cafés em nossas calçadas.
Colecionamos vinhos da Europa e do Chile, apreciamos a culinária da França e da Tailândia, ouvimos
o que agora se chama world music, apropriamo-nos da moda, mobiliário e religião de cada país que
visitamos. Tais empréstimos têm um alcance muito maior na outra direção – o interesse estrangeiro
na cultura americana é amplo demais para exigir documentação –, desde os jeans, o skate e a Coca-
Cola até os blockbusters americanos que podem ser apreciados em cinemas de cada grande cidade
do planeta, traduções da ficção americana empilhada em livrarias, a MTV, o basquete profissional, o
computador e a internet. Nossas culturas hoje dependem de importações estrangeiras, e é nesse
contexto um mistério que o jurista da civil law e o da common law tenham tão pouco a dizer um ao
122
Na verdade, mesmo quando falamos nos dias atuais em aproximação
entre “civil law” e “common law” estamos nos referindo apenas a alguns pequenos
aspectos do sistema “common law” que estão sendo introduzidos no “civil law”,
inclusive no Brasil.
Estamos nos referindo ao aumento da importância da jurisprudência
como fonte do direito, assim como, estamos vislumbrando a possibilidade de que o
direito romano-germânico tenha como alicerce a aplicação obrigatória de
precedentes judiciais e a aceitação em nossa estrutura política da criação de normas
jurídicas pelo Poder Judiciário.
Então, são três sutis aspectos do “common law”, em que pese sejam
aspectos relevantes e fundamentais dentro desse sistema jurídico anglo-saxão, que
estão sendo introduzidos de maneira tímida e adaptada ao nosso sistema jurídico
formado sob bases romanísticas, sendo certo que não há qualquer pretensão em se
mudar as bases dogmáticas do nosso sistema jurídico, apenas o que se quer é
importar certos institutos jurídicos, ou mesmo raciocínios jurídicos, que possam
aproximar o nosso direito da realidade social e que possam torná-lo mais dinâmico.
Por isso, merecem razão aqueles críticos que argumentam inexistir um
“common law brasileiro” ou “common law à brasileira”, pois, o que as inovações
legislativas em matéria processual vêm realizando é a introdução de mecanismos
jurídicos de uniformização de jurisprudência e de precedentes judiciais vinculantes,
com inspiração no modelo anglo-saxão, apenas isso.151
outro.” (HYLAND, Richard. Vamos dançar? Trad. Eduardo Nunes de Souza. Civilistica.com. Rio de
Janeiro: a. 3, n. 2, 2014. Disponível em: <http://civilistica.com/vamos-dancar/>. Data de acesso: 27 de
julho de 2016)
151 Por exemplo, Cassio Scarpinella Bueno, mesmo tecendo elogios ao Novo Código de Processo
Civil (Lei nº13.105/2015), descarta qualquer argumento de que existiria na nova legislação processual
comum a adoção de um sistema jurídico “common law à brasileira”, vejamos: “Os arts. 926 a 928
correspondem ao Capítulo I do referido Título, que veicula as ‘disposições gerais’ relativas à ordem
dos processos e aos processos de competência originária dos Tribunais. Neles estão veiculadas as
normas básicas do que, de forma tímida propôs o Anteprojeto, menos tímida o Projeto do Senado,
nada tímida o Projeto da Câmara, e, por fim, mixadas pelo novo CPC, merece ser chamado de
‘precedentes à brasileira’. E a proposta, é pertinente afirmar, vem para substituir o mal aplicado e
123
Se observarmos as Súmulas 244, em seu item III, 378, em seu item III,
440 e 443, do C. Tribunal Superior do Trabalho, teremos a certeza de que a
jurisprudência trabalhista cria mecanismos jurídicos inspirados no sistema jurídico do
“common law”, mas que não nos permitem argumentar que estaríamos criando no
Brasil um sistema jurídico híbrido (como se houvesse a mistura de “civil law” e
“common law”), nem mesma introduzem qualquer significativa alteração no sistema
jurídico que nos permita dizer que teríamos um “common law à brasileira”, inclusive
por que o mecanismo jurídico de Súmulas formadas a partir de Precedentes é algo
já criado no Brasil há mais de meio século, não sendo algo recente152.
As Súmulas acima destacadas (244, em seu item III, 378, em seu item
III, 440 e 443 do C. TST) têm especial importância por terem sido criadas com
suporte teórico e dogmático extraído do pós-positivismo jurídico, já que refletem a
constitucionalização do direito laboral, com a criação de normas jurídicas por meio
da aplicação de princípios constitucionais e de cláusulas gerais e de conceitos
jurídicos indeterminados, assim como, permitem a uniformização de jurisprudência e
bem servem à doutrina de jurisprudência como fonte do direito e com caráter
vinculante, conforme as diretrizes da Lei nº 13.015/2014, que alterou a parte
processual da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e conforme a Lei nº
13.105/2015, que trouxe o Novo Código de Processo Civil brasileiro, com vigor a
partir do dia 18 de março de 2016.
desconhecido, verdadeiramente ignorado, ‘incidente de uniformização de jurisprudência’ dos arts. 476
a 479 do CPC atual, o que justifica, ainda que como forma de homenagem póstuma, sua colação na
tabela acima. Nada que o novo CPC traz a respeito do assunto, contudo, autoriza afirmativas
genéricas, que vêm se mostrando comuns, no sentido de que o direito brasileiro migra em direção ao
common law ou algo do gênero”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil
anotado, 1ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2015, pág. 567)
152 “No Brasil, em 1963, temos a inserção no Regimento Interno do STF do sistema de edição de
súmulas de jurisprudência predominante do STF, por iniciativa do Ministro Victor Nunes Leal.
Posteriormente, o CPC de 1973 passa a prever o incidente de uniformização de jurisprudência,
procedimento este que pode culminar na edição de Súmula, na hipótese de decisão uniformizadora a
ser tomada pela maioria absoluta dos membros do Pleno ou do Órgão Especial e que vem
pormenorizado nos Regimentos Internos dos Tribunais”. (FABRE, Luiz Carlos Michele. Fontes do
direito do trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2009, pág. 113)
124
Portanto, é correto afirmar que a defesa de um sistema jurídico laboral
aberto, que tenha a jurisprudência criativa como fonte de criação de normas
jurídicas, não nos permite afirmar que o “common law” e o “civil law” passam a
formar um sistema híbrido e nem mesmo que busca-se modelar uma “common law à
brasileira”, na verdade, o que se busca é aproximar o direito romano-germânico
brasileiro à realidade social e, para tanto, a jurisprudência tem papel fundamental na
construção da norma jurídica e na uniformização do direito, tendo-se o texto
constitucional como paradigma essencial.
125
CAPÍTULO VII
DIÁLOGO ENTRE O NOVO CPC E O PROCESSO LABORAL: A FORÇA
VINCULANTE DAS SÚMULAS E DOS PRECEDENTES COMO MECANISMO DE
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS
Quando falamos em pós-modernidade estamos falando sobre um
determinado contexto histórico-cultural, inclusive jurídico, no qual as antinomias e as
diferenças estão latentes, mostrando-se necessário o estabelecimento de um
diálogo entre os vetores, as regras, os valores, os princípios, as definições e os
conceitos contrapostos na busca da harmonização e da uniformização.
Essa filosofia pós-moderna está refletida dentro da ciência do direito
pós-positivista153, inclusive porque o pós-positivismo, o neoconstitucionalismo e o
neoprocessualismo são produtos jurídicos da pós-modernidade154.
153
Eduardo Cambi prefere a denominação neopositivismo ao uso da expressão pós-positivismo,
sendo que, segundo o jurista paranaense, o neopositivismo é uma das consequências filosóficas do
neoconstitucionalismo, como forma de superação do jusnaturalismo e do positivismo jurídico.
(CAMBI, Eduardo. “Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário”, Coimbra: Almedina, 2016, Coimbra: Editora
Almedina, 2006, pág. 100)
154 Antonio Carlos Aguiar acerca da pós-modernidade, expõe como segue: “A pós-modernidade vive
de antonomias, de pares contrapostos. O princípio heurístico da pós-modernidade é a procura por
diferenças. O direito pós-moderno exige, por isso mesmo, soluções advindas de uma pluralidade de
formas. O diálogo das fontes reflete exatamente esse novo. Dá ao intérprete a possibilidade de
utilização de fontes plúrimas, dos mais diversos campos de aplicação, com o fim específico de
aplicação a um caso concreto. Essa nova hermenêutica não se limita às antigas soluções de conflito
pela exclusão: abrogação, derrogação, revogação (uma espécie de monólogo). O diálogo se dá em
razão das influências recíprocas; pela aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e para o
mesmo caso, de modo complementar ou subsidiário, permitindo a prevalência de uma fonte pela
outra, em especial, no campo do Direito do Trabalho, quando mais benéfica ao empregado. Além
disso, pelo diálogo permite-se uma efetivação das normas (ou valores) constitucionais irradiando
efeitos aos particulares: efeitos horizontais aos direitos fundamentais. (…)”. (AGUIAR, Antonio Carlos.
126
O direito processual civil e o direito processual laboral fazem parte de
ramos jurídicos diferentes e autônomos, com princípios, regras e valores próprios a
cada um deles, mas não há como se negar a importância de que sejam mantidos
diálogos permanentes entre eles, isso porque as fontes do processo civil servem
para a operacionalização prática do processo do trabalho.
Cabe à jurisprudência trabalhista, enquanto fonte jurídica do processo
judicial laboral, valer-se das fontes jurídicas próprias do processo civil para a melhor
instrumentalização do direito material trabalhista.
As legislações trabalhistas atuais, de direito material e processual, são
produtos jurídicos da modernidade, então, nesse contexto histórico atual, incumbe à
jurisprudência trabalhista o papel de adaptar o sistema jurídico laboral, seja material
ou processual, aos paradigmas da pós-modernidade.
A jurisprudência, enquanto fonte do direito do trabalho, como se a
concebe nos dias atuais, é o instrumento pós-moderno de resposta e superação ao
ordenamento jurídico laboral construído sob os paradigmas da modernidade.
Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida remetem
aos ensinamentos de Zygmunt Bauman155, quando afirmam categoricamente que é
discutível qualquer consideração a respeito de quanto tempo de duração teve a
modernidade, não havendo qualquer consenso quanto a datas sobre início e fim da
modernidade e da pós-modernidade.
Ainda, os acima mencionados revelam que estamos em um momento
de transição no qual os paradigmas da modernidade estão sendo superados “por
uma nova constelação de valores”, momento no qual “novos termos invadem o
nosso cotidiano”, dessa maneira, a pós-modernidade, sob o prisma jurídico, significa
Texto da orelha do livro. In: ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). Aplicação da teoria do diálogo das
fontes no direito do trabalho, São Paulo: Editora LTr, 2015)
155 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, 1999, p. 11 apud BITTAR, Eduardo Carlos
Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo:
Editora Atlas, 2012, pág. 686-693.
127
a perda da “universalidade das leis” e a desmistificação do argumento da imunização
do direito às influências políticas156.
Então, reflete os paradigmas jurídicos da pós-modernidade o diálogo
entre o direito processual civil e o direito processual laboral, na busca da construção
de um modelo de ordenamento jurídico da disciplina jurisdicional laboral que sirva
como mecanismo de efetividade dos direitos fundamentais laborais, assim como,
que permita a adaptação das normas jurídicas trabalhistas à realidade social, o que
chamamos de flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial, pois,
por certo, a abertura do sistema jurídico laboral antes de ser manifestação da
jurisprudência na concretização das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos
indeterminados, antes de ser método de concretização dos valores e das normas
constitucionais, significa a abertura do ordenamento processual laboral para a
construção de uma sistemática de aplicação obrigatória de Precedentes Judiciais e
de Súmulas sob o fundamento jurídico da inserção da jurisprudência como fonte do
direito157.
Por certo, dentro da sistemática jurídica laboral pós-moderna a
jurisprudência é fonte do direito158, por ser ela, ao lado da negociação coletiva de
trabalho, uma via de transição da modernidade para a pós-modernidade, seja para a
efetividade dos direitos fundamentais laborais, ou mesmo para a flexibilidade
trabalhista de adaptação pela via jurisdicional.
Na pós-modernidade, a jurisprudência aplica o direito ao caso e ao
aplicá-lo constrói a norma jurídica laboral a partir do caso concreto, que forma um
156
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito,
10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 686-693.
157 “(...) alguns tribunais, ao decidirem um caso concreto, criam jurisprudência, o que significa que a
regra em que baseiam a sua decisão - e que se expressa na ratio decidendi da sentença tem um
caráter geral e abstrato, e consequentemente vale para os casos futuros”. (ATIENZA, Manuel. As
razões do direito - teorias da argumentação jurídica - Perelman, Toulmin, MacCormick, Alexy e
outros, 2ª edição, São Paulo: Landy Editora, 2002, pág. 21)
158 Essa é uma compreensão pós-positivista, sendo que para o positivismo jurídico a jurisprudência é
fonte interpretativa da lei e não fonte do direito.
128
precedente judicial para casos futuros, trata-se de um raciocínio autopoiético159,
pois, era próprio da modernidade a compreensão da atividade jurisprudencial como
um mero e formal procedimento mecânico de incidência de regras jurídicas gerais e
abstratas construídas exclusivamente pelo legislador, ou, de outra maneira, como se
fosse apenas um procedimento lógico-racional de subsunção dos fatos à regra
legislada, geral e abstrata.
Na verdade, à luz dos paradigmas da pós-modernidade, a atividade
jurisprudencial é fonte do direito laboral, cabendo a ela construir a norma jurídica a
partir do caso prático, tendo como substrato dessa construção normativa os valores
e os enunciados prescritivos constitucionais e também, mas, a partir deles, a
legislação infraconstitucional, sendo que a criação normativa a partir de um
determinado caso concreto faz nascer algum precedente judicial a ser aplicado,
159 “Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto “próprio”, poiesis “criação”) é um termo criado na
década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para
designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria um ser vivo é
um sistema autopoiético, carcaterizado como uma rede fechada de produções moleculares
(processos) em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de
moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio
são condições sistêmicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema autônomo está
constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio,
onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não
por um agente externo. De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas por Steven
Rose na neurobiologia, por Niklas Luhmann na sociologia, por Gilles Deleuze e Antonio Negri na
filosofia e por Patrick Schumacher na arquitetura. (...) Essa construção conceitual foi rapidamente
difundida e começou a ser empregada em outras áreas do conhecimento até ser introduzida na seara
das ciências sociais. O responsável pela colocação da autopoiese no meio social foi Niklas Luhmann.
Foi ele que na década de 1980 transformou a teoria autopoiética em um método de observação
social. Note-se que o postulado luhmanniano pode ser dividido em duas fases: uma estritamente
sistêmica e outra com a aplicação da autopoiese sobre os marcos já existentes na teoria dos
sistemas. (...) A proposta da teoria autopoiética, diferentemente da postura analítica, parte da
observação de determinado objeto pela interação de seus elementos, possibilitando, assim, a
construção de um arcabouço científico embasado nas relações entre os elementos e as funções
exercidas no todo comunicativo dos sistemas. A autopoiese vem sendo utilizada como marco teórico
dos Direitos Fundamentais”. (<https://pt.wikipedia.org/wiki/Autopoiese>, acesso em 03 de agosto de
2016)
129
obrigatoriamente, a outros casos análogos futuros, podendo, inclusive, dar origem a
uma Súmula de jurisprudência, na tentativa de estabilização do sistema jurídico.
A teoria do diálogo das fontes, encampada no Brasil pela obra de
Claudia Lima Marques, permite o necessário diálogo entre o texto constitucional, o
direito processual civil, o direito processual do trabalho, os direitos fundamentais e o
direito material privado laboral.
Então, mostra-se possível por meio do diálogo das fontes se falar na
possibilidade de adaptação do sistema jurídico laboral, construído na modernidade,
aos paradigmas da pós-modernidade, pois, a legislação laboral atualmente em vigor
no Brasil, que foi produzida na modernidade, seja quanto ao âmbito do direito
material ou do direito processual, encontra a teoria do diálogo das fontes como
resposta pós-moderna à situação de incerteza, insegurança e incoerência jurídica,
frente aos problemas da realidade social, superando-se o direito do trabalho
construído na modernidade.
O NCPC introduz no sistema jurídico brasileiro normas jurídicas
processuais (regras e princípios) adequadas aos valores e preceitos normativos
constitucionais. Trata-se de uma codificação que busca a constitucionalização do
direito processual comum em atenção aos paradigmas da pós-modernidade.
Por tal razão, o necessário diálogo entre o texto constitucional, o direito
processual civil e o direito processual laboral é uma resposta hermenêutica pós-
moderna aos postulados jurídicos da modernidade.
Logo em seu artigo 1º, o NCPC prescreve regra hermenêutica, pós-
moderna e pós-positivista, que estabelece como paradigmas de interpretação,
ordenação e disciplina do direito processual civil a observância dos valores e das
normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do
Brasil160.
160
“Art. 1º do Novo CPC. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil,
observando-se as disposições deste Código.”
130
Posteriormente, o art. 15 do NCPC prescreve outra importante regra
jurídica de hermenêutica que determina a aplicação subsidiária e supletiva da novel
codificação processual civil comum ao processo laboral, sendo que tal preceito
normativo autoriza o diálogo das fontes entre o processo civil e o processo laboral,
em contexto com o paradigma pós-moderno da constitucionalização do direito161.
Nesse diapasão, por certo, a adaptação do processo trabalhista aos
paradigmas da pós-modernidade em superação às incertezas, incoerências e
inseguranças sustentados pela chamada modernidade exige a aplicação subsidiária
e supletiva do Novo CPC ao processo do trabalho, sob a perspectiva das diretrizes
constitucionais.
Ora, a efetividade dos direitos fundamentais laborais, assim como a
flexibilidade trabalhista de adaptação, são fios condutores de construção do direito
laboral pós-moderno, cabendo ao Judiciário Trabalhista o papel de protagonista na
nessa elaboração.
O NCPC é pioneiro dentro da evolução histórica da ciência jurídica no
que concerne à ordenação de normas jurídicas prescritivas de uma sistemática
jurídica de aplicação obrigatória de Precedentes Judiciais e Súmulas162.
161
“Art. 15 do Novo CPC. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
162 “A distinção que interessa é a de jurisprudência e precedente. Embora o Novo Código utilize essas
expressões indistintamente, essas obviamente não se confundem. Tradicionalmente, o termo
jurisprudência era utilizado para designar um conjunto de reiterado de decisões no mesmo sentido de
quaisquer Tribunais. Esse significado foi forjado a partir de uma compreensão cognitivista do ato
interpretativo, que pressupunha que a atividade interpretativa era meramente declaratória e descritiva
e que o seu resultado era sempre unívoco. A jurisprudência pressupunha a univocidade interpretativa.
Essa maneira de entendê-lo obviamente cedeu quando se percebeu que a interpretação não era um
ato meramente cognitivista e que o seu resultado admitia mais de uma resposta possível. A partir daí
começou a ser necessário falar em jurisprudência dominante. A jurisprudência em um sistema de
precedentes tem um papel da mais alta relevância. Ela evidencia as possíveis interpretações a partir
do julgamento de casos concretos e com isso contribui para a unidade do Direito, permitindo que os
precedentes possam trabalhar contando com esse rico manancial. A jurisprudência revela as
tendências interpretativas”. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO,
131
Diante desse pioneirismo, cabe a aplicação subsidiária e supletiva do
Novo CPC ao processo do trabalho.
Então, a efetividade dos direitos fundamentais laborais encontra na
aplicação do Novo Código de Processual Civil ao processo do trabalho um
mecanismo de seu fortalecimento, em razão da possibilidade de se dar coerência,
segurança e certeza ao sistema jurídico laboral, quando da construção do direito do
trabalho a partir do caso concreto, isso porque a aplicação dos arts. 926-928 do
Novo CPC ao direito processual laboral, por meio do diálogo das fontes, serve para
a construção de um direito jurisprudencial que aproxime o direito do trabalho às
necessidades sociais e aos paradigmas da pós-modernidade163.
Daniel. Novo Curso de Processo Civil - teoria do processo civil, vol. 1, 2ª edição, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016, págs. 149 e 150)
163 “Art. 926 do Novo CPC. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento
interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos
precedentes que motivaram sua criação.”
“Art. 927 do Novo CPC. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III -
os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e
em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do
Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem
com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou
em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de
alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou
daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração
no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de
jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a
necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus
precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na
rede mundial de computadores.”
132
Certamente, o NCPC conferiu papel de relevância à teoria dos
precedentes judiciais, sob influência164 do sistema jurídico do “common law”165.
Mas, esse argumento fático não nos permite falarmos em hibridismo
entre “civil law” e “common law” e nem mesmo mostra como correta a afirmação de
intersecção entre “civil law” e “common law”, isso porque a mais respeitada doutrina
britânica afirma que a teoria dos “precedents”, a doutrina do “stare decisis” (dever de
observância ao que já foi decidido em casos anteriores análogos) e a teoria do
“binding efects” (efeitos vinculantes), segundo os estudiosos do “common law”, são
teorias e doutrinas relativamente recentes na família jurídica anglo-saxônica e, por
tal razão, não podem ser identificados como elementos de identificação essencial
desse sistema jurídico166.
“Art. 928 do Novo CPC. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a
decisão proferida em: I - incidente de resolução de demandas repetitivas; II - recursos especial e
extraordinário repetitivos. Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão
de direito material ou processual.”
164 Cabe esclarecer que alguns estudiosos falam em intersecção entre “civil law” e “common law”,
havendo até mesmo quem fale em hibridismo entre os dois sistemas jurídicos, mas esses não são
entendimentos defendidos nessa tese acadêmica, pois, a posição aqui adotada é no sentido de que o
“civil law” apenas sofre influências do “common law”, tendo-se em vista que a adoção de alguns
institutos jurídicos do “civil law” pelo “common law”, tais como, a teoria dos precedentes, o controle
difuso de constitucionalidade, os recursos repetitivos, as súmulas vinculantes “et cetera”, não mostra-
se suficiente para falar-se em unificação de ambos os sistemas jurídicos, que ainda possuem
peculiaridades estruturais e funcionais sensíveis. O “common law” também sofre influências do “civil
law”, por exemplo, a ampliação da normatividade legislativa (“statute law”), o que não retira a sua
originalidade e nem mesmo isso em nada o torna híbrido com o direito romanístico. Na verdade, a
“família romano-germânica” desenvolveu a ciência do direito de maneira mais dogmática do que a
“família anglo-saxônica”, essa que construiu o direito de maneira mais prática.
165 Eduardo Cambi, a partir das ideias de Michele Taruffo, fala em “circulação dos modelos jurídicos
de civil law e de common law”. (TARUFFO, Michele apud CAMBI, Eduardo Cambi.
“Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicos e
protagonismo judiciário”, Coimbra: Almedina, 2016, pág. 181)
166 “To a historian at least any identification between the common law system and the doctrine of
precedente, any attempt to explain the nature of the common law in terms of stare decisis, is bound to
seem unsatisfactory, for the elaboration of rules and principles governing the use of precedents and
133
O conceito de precedente judicial é muito controverso na doutrina,
sendo certo que há algum consenso quando da diferenciação entre Precedente,
Súmula e jurisprudência.
Élisson Miessa, fala na existência de duas conceituações doutrinárias
para o instituto jurídico dos precedentes judiciais, a primeira classificação remete aos
ensinamentos dos processualistas, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael de
Oliveira, segundo os quais, “lato sensu” (em sentido amplo), o precedente judicial “é
a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode
servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”167.
A segunda classificação, em sentido mais amplo ainda, remete aos
ensinamentos do britânico, Neil Duxbury, para quem “o precedente é um evento
passado que serve como um guia para a ação presente”168.
Eduardo Cambi, por sua vez, conceitua os precedentes como “as
melhores razões (razões determinantes ou ratio decidendi) necessárias para
servirem de orientação para os juízes e tribunais ordinários, bem como para a
sociedade”, entende o jurista que os Precedentes permitem a universalização de
soluções jurídicas para “evitar decisões distintas para casos iguais”169.
their status as authorities is relatively modern, and the idea that there could be binding precedents
more recent still. The common law had been in existence for centuries before anybody was very
excited about these matters, and yet it functioned as a system of law without such props as the
concept of the ratio decidendi, and functioned well enough” (SIMPSON, A. W. B. The common law
and legal theory apud HORDER, Jeremy (ed.), Oxford essays in jurisprudence, Oxford: Clarendon
Press, 1973, pág. 77)
167 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de apud MIESSA,
Élisson. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST, Salvador:
Editora Jus Podivm, 2006, pág. 21 E 22.
168 DUXBURY, Neil apud MIESSA, Élisson. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações
Jurisprudenciais do TST, Salvador: Editora JusPodivm, 2006, pág. 22.
169 “Os precedentes não são um mero conjunto de decisões dos Tribunais para determinadas
questões jurídicas, mas definem o sentido do direito mediante as melhores razões (razões
determinantes ou ratio decidendi) necessárias para servirem de orientação para os juízes e tribunais
134
Luiz Guilherme Marinoni, inspirado nas lições do britânico Peter
Wesley-Smith, ensina que no “common law” a teoria dos precedentes judiciais
confunde-se com a própria teoria da jurisdição, pois, ao longo da história, ao discutir-
se intensamente o significado de decisão judicial ou de função jurisdicional “intuiu-se
que se estava discutindo uma teoria da jurisdição”170.
As Súmulas, por sua vez, são entendimentos dominantes nos tribunais
que sedimentam uma interpretação normativa consolidada pela jurisprudência.
Já o instituto jurídico da jurisprudência pode ser entendido como a
sequência reiterada, estável e uniforme de decisões judiciais com um mesmo
entendimento interpretativo normativo.
O Novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105, de 16-3-2015)
consagrou a teoria dos precedentes judiciais no direito processual brasileiro, a ser
aplicada, por meio do diálogo das fontes, ao processo do trabalho, conforme os
artigos 926-928 da novel legislação processual, sendo que se interpretada à luz do
pós-positivismo, a aplicação da teoria dos Precedentes Judiciais ao processo do
trabalho permite a busca da máxima efetividade dos direitos fundamentais nas
relações de trabalho171.
ordinários, bem como para a sociedade. Os precedentes possuem caráter universalizante, isto é,
capacidade de servir à generalidade dos casos similares para evitar decisões distintas para casos
iguais. Também, possuem caráter eminentemente prospectivo (isto é, não retrospectivo, de corrigir a
interpretação dos tribunais ordinários), por estarem voltados para o futuro, com a função de assegurar
a igualdade e a segurança no tratamento de uma mesma questão jurídica, para orientar os
jurisdicionados e servir de standards para as decisões judiciais vindouras”. (CAMBI, Eduardo Cambi.
“Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicos e
protagonismo judiciário”, Coimbra: Almedina, 2016, pág. 181)
170 “No common law, discutiu-se intensamente sobre o significado da decisão judicial ou, mais
propriamente, sobre o significado da função jurisdicional. Desejava-se esclarecer se a decisão judicial
criava o direito ou somente o declarava e, bem por isto, intuiu-se que se estava discutindo uma teoria
da jurisdição.” (WESLEY-SMITH, Peter apud MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
Obrigatórios, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 22)
171 “Pela fidelidade ao precedente judicial a ordem jurídica ganha coerência, torna-se mais segura e
capaz de promover o respeito à igualdade de todos perante o Direito, predicados sem os quais
135
Ora, a abertura do sistema jurídico por meio das teorias interpretativas
permite a concretização das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos
indeterminados, dando eficácia indireta e mediata aos direitos fundamentais nas
relações de trabalho, sendo que se tal propagada abertura do sistema jurídico
laboral for realizada em conformidade com a teoria dos precedentes judiciais, terá
maior intensidade a máxima efetividade dos direitos fundamentais laborais em razão
da possibilidade de petrificação de normas jurídicas de efetividade dos direitos
fundamentais reconhecidas por precedentes e por Súmulas.
O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 927, elenca um rol de
hipóteses de decisões judiciais vinculantes, consideradas como precedentes ou
Súmulas com aplicação obrigatória em todos os graus de jurisdição172.
Cabe dizer que a Lei Federal 13.105/2014, que alterou a parte
processual da CLT, já havia invocado a teoria dos Precedentes Judiciais quanto ao
processo do trabalho, já contando inclusive com considerações por parte da
jurisprudência trabalhista a seu respeito, conforme o acórdão relatado pelo Ministro
José Roberto Freire Pimenta, segundo o qual: “a ratio decidendi é entendida como
os fundamentos determinantes da decisão, ou seja, a proposição jurídica, explícita
ou implícita, considerada necessária para a decisão” (TST - EEDRR 160100-
88.2009.5.03.0038, Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 14.04.2015, julgamento
em 24.03.2015 - decisão por maioria)173.
nenhum sistema jurídico pode ser reconhecido como legítimo”. (CAMBI, Eduardo.
“Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicos e
protagonismo judiciário”, Coimbra: Almedina, 2016, pág. 197)
172 A aplicação obrigatória de Precedentes Judiciais e de Súmulas corresponde no direito norte-
americano ao instituto chamado “binding efects”, esse que se vale da teoria norte-americana do “stare
decisis”, ou seja, aquilo que já foi decidido pelas cortes tem aplicação obrigatória. O “binding efects” é
horizontal quando vincula os magistrados da própria corte que editou o precedente, por sua vez, o
“binding efects” é vertical quando o precedente de um tribunal hierarquicamente superior vincula
magistrados de instâncias inferiores.
173 MIESSA, Élisson. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do
TST, Salvador: Editora Jus Podivm, 2006, pág. 24.
136
A Lei Federal 13.105/2014, ao alterar a CLT, criou um sistema
normativo de aplicação obrigatória de Súmulas e de Orientações Jurisprudenciais
(OJ’s), na medida em que condicionou a admissibilidade do Recurso de Revista a
que o acórdão recorrido não esteja de acordo com a jurisprudência dominante no
Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
Eis a transcrição abaixo do rol de Precedentes Judiciais de aplicação
obrigatória, conforme o artigo 927 do Novo CPC, “in verbis”:
“Art. 927 do Novo CPC. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução
de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados.”
Ora, se realizado o diálogo das fontes para aplicação conjunta das
normas celetistas sobre Precedentes com as normas processualistas comuns sobre
o tema, teremos a formação de um sistema de aplicação obrigatória dos
Precedentes e das Súmulas dos tribunais, o que favorece a busca da máxima
efetividade dos direitos fundamentais laborais.
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Instrução
Normativa nº 39 de 2016 (há intensa discussão acadêmica sobre a sua validade
jurídica), já emitiu regra interna para que a Justiça do Trabalho de todas as regiões e
de todas as instâncias observe as Súmulas e as Orientações Jurisprudenciais do C.
TST, assim como, para que respeite as decisões judiciais paradigmáticas proferidas
em Recursos de Revista Repetitivos, em Incidentes de Assunção de Competência,
em Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, em Incidentes de Arguição
de Inconstitucionalidade e as teses jurídicas vinculantes emitidas pelos plenários e
pelos órgãos especiais dos tribunais.
137
O remédio jurídico cabível para impugnar decisões judiciais que violem
qualquer das hipóteses acima é a Reclamação, prevista no art. 988 do Novo CPC,
que nada mais é do que uma ação judicial autônoma apta a preservar a
competência dos tribunais, a garantir a autoridade das decisões dos tribunais, a
garantir a observância de enunciado de Súmula dos tribunais e de decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF) em controle concentrado de constitucionalidade,
bem como apta a garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de
incidentes de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de
competência.
Inclusive, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho já julgou ação
judicial autônoma denominada Reclamação depois do início da vigência do Novo
Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105, de 16-3-2015, com início de
vigência a partir do dia 18 de março de 2016), bem como depois da vigência da
Instrução Normativa nº 39 de 2016, ocasião na qual o relator designado, Ministro
Walmir Oliveira Costa, por meio de decisão monocrática, firmou entendimento no
sentido de que o cabimento de Reclamação para a garantia de autoridade de
decisão judicial proferida em Recurso de Revista Repetitivo exige o esgotamento
das instâncias ordinárias174.
174
“(...) O instituto da Reclamação possui natureza jurídica de ação de competência originária dos
tribunais, cabível para preservar sua competência, garantir a autoridade de suas decisões e
observância de precedente oriundo de julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas
ou de incidente de assunção de competência, na forma do art. 988, I a IV, do CPC de 2015, sendo
aplicável ao Processo do Trabalho nos termos do art. 3º, XXVII, da Instrução Normativa nº 39 desta
Corte. Admite-se, ainda, de acordo com o CPC de 2015, Reclamação contra decisão que não
observe precedente oriundo de julgamento de recurso especial (ou recurso de revista) repetitivo.
Contudo, não é admissível Reclamação quando não esgotadas as instâncias ordinárias (art. 988, §
5º, II, do CPC de 2015). Conforme a doutrina (MEDINA, pg. 130) “não se devem confundir
‘precedente’ e ‘jurisprudência’. Das decisões proferidas no passado não se extraem,
necessariamente, precedentes que influenciarão no julgamento de casos futuros. Precedente não é
igual a jurisprudência, nem a Súmula (art. 489, § 1º, V e VI, do CPC de 2015)”. Do art. 988, IV, do
CPC de 2015, extrai-se que “o precedente está na decisão, isto é, o precedente é proferido no
julgamento de caso repetitivo” (fl. 1138). “Nem toda decisão judicial é um precedente” (fl. 1140). O
acórdão do Órgão Especial deste Tribunal, indicado pela autora, não configura Precedente, para os
fins colimados, tampouco é oriundo de decisão em julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, sendo proferido em ação
138
Portanto, por certo, o diálogo das fontes é uma teoria jurídica pós-
Moderna e pós-positivista, estudada na teoria do direito e na hermenêutica jurídica,
trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, a partir dos estudos do jurista alemão
Erik Jayme, sendo essa teoria adequada para a efetividade dos direitos
fundamentais laborais e para a flexibilidade trabalhista de adaptação, por meio da
aplicação em conjunto das normas jurídicas processuais celetistas (Lei Federal
13.105/2014 e da Instrução Normativa nº 39/2016, em que pese toda a controvérsia
existente sobre a validade dessa última) e das normas jurídicas processuais comuns
(Novo CPC - Lei Federal nº 13.105, de 16-3-2015, com início de vigência a partir do
dia 18 de março de 2016), pois, a construção do direito laboral a partir do caso
concreto por meio do ativismo constitucional é uma operação de constitucionalização
do direito do trabalho, podendo a sistemática de aplicação obrigatória de
precedentes judiciais e de Súmulas ser um mecanismo de petrificação do
entendimento jurisprudencial dominante como parte da procedimentalização do
ativismo constitucional.
específica, tendo como destinatária a situação em concreto apresentada naqueles autos, sob a égide
da legislação anterior às alterações promovidas pela Lei nº 13.015/14 e pelo CPC de 2015. Constitui,
a rigor, jurisprudência persuasiva, não vinculante.” (TST-Rcl-6852-59.2016.5.00.0000, Relator
Ministro Walmir Oliveira Costa)
139
CAPÍTULO VIII
ESTUDO REFLEXIVO DA JURISPRUDÊNCIA DO COLENDO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO
O jurista alemão, Franz Wieacker, em sua internacionalmente
conhecida obra literária “História do Direito Privado Moderno”, traduzida para o
português, ao estudar o desenvolvimento do direito privado alemão dos últimos cinco
séculos, esclarece que o fenômeno atual pós-moderno e antipositivista de
“vivacidade e elasticidade tanto da jurisprudência dos tribunais superiores como,
porventura em menor medida, da jurisprudência civilística alemã em geral”,
manifestava-se já a partir de 1900, quando de maneira silenciosa e subvalorizada
começou-se a construir um direito jurisprudencial privado, sendo certo que, na
Alemanha, “o direito privado de facto vigente, em especial a teoria geral e o direito
das obrigações, já antes de 1933 não podia ser deduzido do texto da lei”175.
Cabe ressaltar que, naquele período de primeiras manifestações vivas
e pouco formalistas da jurisprudência alemã moderna, a crítica ao excessivo
dogmatismo jurídico positivista se fazia por meio de influência de movimentos de
renovação do século XX, jusfilosóficos e jusnaturalistas, sendo que essa crítica
175
“A evolução do direito civil alemão a partir de 1900 documenta a vivacidade e elasticidade tanto da
jurisprudência dos tribunais superiores como, porventura em menor medida, da jurisprudência
civilística em geral. Apesar do carácter positivista e epigonal do Bürgerliches Gesetzbuch, ela
procurou manter-se a par das transformações económicas e sociais que começaram a inundar a
Alemanha logo meia geração depois da entrada em vigor do BGB. Com a hesitação cautelosa que
constitui o dever do juiz, mas também com uma agilidade superior à do jurista românico ou mesmo
anglo-saxônico, a jurisprudência encontrou novas soluções para situações também novas; em medida
tal que o direito das obrigações, já antes de 1933 não podia ser deduzido do texto da lei. Esta tarefa
serena, que passou despercebida do grande público, é subvalorizada na maior parte dos casos,
sobretudo porque a ditadura nacional-socialista, com as suas tentativas de uma reforma ideológica do
direito, a desprezou conscientemente ou mesmo a degradou e hoje uma nova jurisprudência cheia de
si, embora na realidade se mantenha tributária dessa tradição, não torna isto senão raramente”.
(WIEACKER, Franz. “História do Direito Privado Moderno”, 4ª edição, Editor Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010, pág. 591-592)
140
ainda se mantêm nos dias atuais, conforme o objeto dessa tese de doutoramento,
porém, no século XXI, as construções jurisprudenciais antipositivistas e
antiformalistas recebem as influências de paradigmas sustentados por movimentos
pós-positivistas e pós-modernos.
Esse mesmo jurista alemão, acima mencionado, ao relatar o
desenvolvimento histórico do direito privado moderno, traça “um panorama de cada
um dos resultados mais importantes desta evolução do direito de acordo com a
sequência do sistema de Lei”, então, entre os resultados por ele estudados
interessam ao corte metodológico da presente tese de doutoramento aqueles que
tratam sobre a “transição da teoria da vontade da pandectística para o princípio da
confiança ou vigência, através da interpretação objectiva segundo a boa fé”,
enfatizando-se a evolução jurisprudencial alemã na construção da imposição da
função social do contrato de direito privado, “à custa da autonomia privada”, tendo-
se em vista que esses resultados analisados mostram a preocupação jurisprudencial
com “a justiça concreta do contrato” no que concerne à proteção jurídica da
manifestação individual de vontade do contratante e, conjugadamente, levam à
limitação da autonomia privada com a imposição de efeitos contratuais para
terceiros176.
Quando da análise de outro resultado, esse também inserido no corte
metodológico da presente tese, o jurista alemão, Wieacker, mostrou a evolução no
direito privado moderno alemão com a utilização pela jurisprudência das cláusulas
gerais previstas na parte geral do BGB (§§ 138 I, 138 II), com o propósito de permitir
a “transformação da moral económica liberal numa outra adequada às ideias de
176
“A teoria da declaração de vontade e da conclusão negocial foram compatibilizadas - através da
transição da teoria da vontade da pandectística para o princípio da confiança ou vigência, através da
interpretação objectiva segundo a boa fé, através do controlo jurisprudencial dos contractos
estandartizados e das condições gerais dos contratos e através da teoria do silêncio no comércio
jurídico - com a evolução da sociedade, nomeadamente no que respeita à evolução dos negócios
jurídicos isolados para os negócios jurídicos em massa. Um recuo de princípio duma concepção dos
contratos como actos que só responsabilizam o próprio para uma outra que realça a sua função social
foi imposto, à custa da autonomia privada, na teoria das sociedades de facto, na das relações de
trabalho de facto e, finalmente e em suma, na teoria dos contractos de fato. (...)” (WIEACKER, Franz.
“História do Direito Privado Moderno”, 4ª edição, Editor Fundação Calouste Gulbenkian, 2010,
pág. 594-595)
141
estado social”, vindo a alertar, inclusive, para o uso abusivo, demagógico e arbitrário
das cláusulas gerais a partir de 1933177.
Ainda, o jurista alemão, Franz Wieacker, quando da análise dos
resultados, mostrou que de maneira evolutiva a jurisprudência germânica modificou
o direito obrigacional vinculando o conteúdo concreto do contrato privado à “função
social típica de contrato obrigacional”, com isso, a partir de então, passou-se a
deduzir da relação obrigacional a existência de “múltiplos deveres acessórios e
deveres de protecção de carácter geral, tanto do lado de uma das partes como do
lado da outra”, inclusive com a assunção de deveres pré-contratuais pelos
contratantes178.
Porém, os resultados mais importantes detectados pelo jurista alemão,
Franz Wieacker, quando do estudo da jurisprudência alemã na sua evolução
histórica de ruptura com a pandectística, são aqueles que mostram o “regresso da
177
“De forma menos consequente, mas também com uma crescente responsabilização social, a
jurisprudência utilizou por fim as cláusulas gerais da Parte Geral (§§ 138 I, 138 II), originariamente
destinadas apenas à preservação da moral geral e da lealdade das regras do jogo, para a
transformação da moral económica liberal numa outra adequada às ideias do estado social. Só a
partir de 1933 é que uma actuação política abusiva iniciou uma utilização demagógica a arbitrária
dessas tendências. Méritos semelhantes e iguais perigos futuros se manifestaram na teoria do abuso
de direito e no alargamento de um autêntico direito da caducidade, que começou a completar e a
eticizar um direito formalista da prescrição, direito este baseado numa economia consolidada; embora
seja certo que a maleabilidade e o carácter aberto de um tal direito de juízes constitua um perigo, até
hoje não dominado, para uma justiça correctamente entendida e para uma vontade jurídica
autônoma”. (WIEACKER, Franz. “História do Direito Privado Moderno”, 4ª edição, Editor
Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pág. 596-597)
178 “A jurisprudência modificou radicalmente o direito das obrigações do BGB. A relação obrigacional
tornou-se numa ordem compreensiva de direitos e obrigações, cujo conteúdo concreto é orientado em
larga medida pela função social típica de contrato obrigacional. (...) A relação obrigacional,
equiparada pelo BGB à pretensão do credor (ou a uma multiplicidade de pretensões) foi reconhecida
pela prática e pela teoria como uma relação jurídica complexa (organismo) de contornos vastos e
alastrantes, a partir da qual podem ser deduzidos não só múltiplos deveres acessórios e deveres de
protecção de caráter geral, tanto do lado de uma das partes como do lado da outra, mas também
assunções de deveres pré-contratuais (culpa in contrahendo) e uma responsabilização contratual do
respectivo credor (culpa in exigendo)”. (WIEACKER, Franz. “História do Direito Privado Moderno”,
4ª edição, Editor Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pág. 597)
142
jurisprudência ao princípio da equivalência material”, que foi objeto de desprezado
pelo positivismo jurídico.
Ou seja, a evolução da jurisprudência alemã trouxe de volta ao direito
privado as “bases aristotélicas da justiça contratual bizantina e escolástica”, sob a
influência conjunta da ética da liberdade e da responsabilidade de Kant e de
Savigny, que reestabeleceu a “equivalência material” dos contratos privados,
recusada pelo liberalismo e antagônica ao positivismo jurídico, permitindo, com isso,
a “relativização das obrigações assumidas pelas alterações de valor verificadas no
mercado”179.
As considerações a respeito do trabalho jurídico-literário de autoria do
jurista alemão expostas no corpo do presente capítulo permitem-nos constatar que
nos dias atuais a jurisprudência trabalhista brasileira ainda desenvolve o fenômeno
179
“O acontecimento mais importante quanto a aspectos fundamentais foi talvez o regresso da
jurisprudência ao princípio da equivalência material. O positivismo, desprezando a antiga tradição -
que vinha da ética social de Aristóteles, passando pela escolástica, até ao jusracionalismo -, tinha
deixado de atribuir qualquer influência à equivalência material das prestações nos contratos bilaterais.
A tentativa de Windscheid de preparar a sua reintrodução, do seu ponto de vista sob a veste -
adequada à teoria da vontade - da condição não expressa (‘pressuposição’ Voraussetzung), foi
expressamente recusada pelos redactores do BGB. Nesta decisão de fundo influíram conjuntamente
a ética da liberdade e da responsabilidade de Kant e de Savigny, que já não atribuía à função social
do contrato uma influência directa sobre a existência autónoma do direito, a recusa do liberalismo em
relação a uma relativização das obrigações assumidas pelas alterações de valor verificadas no
mercado e a expectativa, própria dos fins do séc. XX, da previsibilidade da evolução da economia.
Sob a influência dos sucessos imprevisíveis e das dificuldades de abastecimento da primeira guerra
mundial e dos primeiros ciclos inflacionistas, a jurisprudência agarrou-se de novo pela primeira vez à
questão da ética material dos contratos; ao mesmo tempo, no período da revalorização, ela desviou-
se também, precedendo a legislação, do princípio da obrigação pelo valor nominal. Uma vez que a
jurisprudência não levou a cabo um regresso consciente ao princípio da equivalência, ela oscilou
entre as figuras da impossibilidade económica, da inexigibilidade (Unzumutbarkeit) e da dificuldade do
cumprimento pontual da obrigação (Überobligations¨massige Schwierigkeit); acabando por preferir a
pouco e pouco a da base negocial (Geschäftsgrundlage) de Oertmann, cuja apresentação subjctivista
(colhida de Windscheid) ainda permitia compatibilizar a consideração do desaparecimento da
equivalência objectiva com o domínio do dogma da vontade das partes. Na realidade, o que a
jurisprudência fazia era voltar, sob a pressão irreprimível da situação, às bases aristotélicas da justiça
contratual bizantina e escolástica-racionalista” (WIEACKER, Franz. “História do Direito Privado
Moderno”, 4ª edição, Editor Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pág. 599-600)
143
antipositivista de superação do excessivo dogmatismo jurídico quando da aplicação
do direito privado laboral, em consonância com o histórico evolutivo observado na
Alemanha, porém, nos primórdios isso ocorria à luz do jusracionalismo e nos dias
atuais ocorre de acordo com paradigmas pós-modernos e pós-positivistas.
Os resultados estudados nesse capítulo, acima identificados, permitem
concluirmos que se observadas algumas Súmulas do C. TST constataremos que há
indiscutível correspondência entre a jurisprudência alemã aqui exemplificada e os
enunciados trabalhistas.
As Súmulas 244 (item III), 378 (item III), 440 e 443 do C. TST,
exemplificativamente, são amostras de que ainda nos dias atuais o direito privado é
construído e se desenvolve por meio da jurisprudência, a qual promove a abertura
do sistema jurídico por meio da introdução de valores éticos e morais na
regulamentação jurídica das relações contratuais, inclusive quanto à
regulamentação das relações laborais, o que se instrumentaliza por meio da
aplicação de cláusulas gerais, de conceitos jurídicos indeterminados, de valores
constitucionalizados e de princípios normativos. A diferença é que esse fenômeno
antipositivista observado no desenvolvimento histórico da jurisprudência trabalhista
brasileira ocorre à luz de paradigmas pós-positivistas, enquanto que a jurisprudência
alemã retratada nos resultados mencionados nesse capítulo desenvolveu-se sob
influência do jusracionalismo, sendo que quanto a essa diferenciação o dogmatismo
formalista é importante, já que o pós-positivismo sustenta-se na normatividade ou
em valores éticos e morais reconhecidos no plano normativo, por outro lado, o
jusracionalismo prescinde da normatividade jurídica.
O item III da S. 244 do C. TST garante o direito de estabilidade
provisória à empregada gestante quando da admissão por meio de contrato por
prazo determinado, construção jurisprudencial que partiu de uma hermenêutica
jurídico-constitucional que concretizou a cláusula geral da função social do contrato,
relativizando os efeitos do contrato, em função do princípio da dignidade humana,
em correspondência com a ética kantiana.
No mesmo sentido, temos o item III da S. 378 do C. TST, cujo
enunciado confere interpretação extensiva ao art. 118 da Lei nº 8.213/91, garantindo
144
o direito de estabilidade provisória no emprego também nos contratos por prazo
determinado.
A S. 440 do C. TST, em atenção à dimensão objetiva dos direitos
fundamentais, impõe deveres de proteção e solidariedade ao empregador,
conferindo função social ao contrato por meio da relativização dos efeitos do
contrato de direito privado laboral, inclusive com a limitação da autonomia privada,
conforme o seu enunciado que reconhece o direito de manutenção do plano de
saúde ainda quando suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença
ou de aposentadoria por invalidez.
Por sua vez, a S. 443 do C. TST aplica a cláusula geral da boa-fé
objetiva na ruptura imotivada unilateral por vontade patronal, criando uma presunção
relativa de discriminação nas hipóteses de despedida de empregado portador de
doença grave que cause estigma ou preconceito.
Renato Rua de Almeida, em seu artigo científico denominado “A função
social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item
III, na Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, TST”180, ensina que por meio
dos referidos enunciados sumulares o C. Tribunal Superior do Trabalho procurou dar
efetividade aos direitos fundamentais laborais aplicando cláusulas gerais e conceitos
jurídicos indeterminados conforme prescrição normativa infraconstitucional, isso
porque são elas janelas abertas que permitem a abertura e flexibilidade do sistema
jurídico em busca da ética na relação contratual laboral.
Assim, tendo-se em vista os elementos teóricos já expostos, dentro do
corte metodológico dessa presente tese acadêmica, mostra-se importante uma
análise empírica e pragmática do conteúdo hermenêutico e interpretativo que
alicerçou a construção normativa na elaboração das S. 244 (item III), 378 (item III),
440 e 443 do C. TST.
180
ALMEIDA, Renato Rua de. A função social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula
244, a inserção do item III, na Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, do TST, Suplemento
Trabalhista LTr, sob o nº 137/13, em 2013, ano 49, págs. 741-743.
145
Conforme a proposta de pesquisa e reflexão inerente ao presente
trabalho acadêmico, a consolidação de um Estado Democrático Constitucional de
Direito e de Direitos Fundamentais necessita do ativismo constitucional para que
seja possível a abertura do sistema jurídico laboral, em busca da eficácia direta e
imediata dos direitos fundamentais e como instrumento hermenêutico de
funcionalização da flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial, por
isso, mostra-se de fundamental relevância uma análise empírica e pragmática das S.
244 (item III), 378 (item III), 440 e 443 do C. TST, como forma de dar completude à
pesquisa aqui desafiada.
VIII.1. O ITEM III DA SÚMULA 244 DO C. TST
Ao assegurar a estabilidade provisória à empregada gestante no
contrato de trabalho por prazo determinado, por meio do item III da S. 244, o C. TST
procurou acompanhar o entendimento jurisprudencial pacificado no âmbito do STF,
conforme se verifica pelo teor dos acórdãos que serviram de precedentes judiciais
indicados como parâmetros para a elaboração do referido enunciado sumular, por
exemplo, o acórdão do Recurso de Revista 107-20.2011.5.18.0006, publicado em
16/12/2011181.
181
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho aponta os seguintes acórdãos como precedentes
judiciais para a elaboração do item III da Súmula 244 do C. TST:
Acórdão: TST - RR - 107-20.2011.5.18.0006
Acórdão: TST - RR - 1601-11.2010.5.09.0068
Acórdão: TST - RR - 6605-52.2010.5.12.0001
Acórdão: TST - RR - 21700-25.2009.5.01.0079
Acórdão: TST - RR - 49800-75.2009.5.02.0462
Acórdão: TST - RR - 57041-60.2009.5.09.0671
Acórdão: TST - RR - 62700-90.2009.5.02.0074
Acórdão: TST - RR - 167300-09.2008.5.24.0003
Acórdão: TST - RR - 194040-35.2006.5.02.0472
146
Estudando os acórdãos do C. TST que serviram de precedentes
judiciais para a elaboração do item III da S. 244, verifica-se que os dois principais
argumentos jurídicos que fundamentaram a formação do entendimento sumulado
são: (i) de que a pré-determinação de prazo não é empecilho para o reconhecimento
do direito à estabilidade provisória da empregada gestante, inclusive porque a alínea
“b” do inc. II do art. 10 do ADCT da CF/1988 não prevê a aplicação da norma jurídica
apenas para os contratos por prazo indeterminado; (ii) e de que deve ser observada
a tutela jurídica do nascituro.
Então, certamente, há nítida aplicação da cláusula geral da função
social do contrato laboral no item III da S. 244 do C. TST, isso porque a autonomia
privada que manifestou interesse na contratação por prazo determinado sofre
relativização na medida em que se rompe com o princípio “pacta sunta servanda” em
prestígio da tutela jurídica do nascituro.
Ou seja, a segurança jurídica (que corresponde ao princípio “pacta sunt
servanda” na contratação a termo) cede à cláusula geral da função social do
contrato laboral (que corresponde ao interesse social de proteger juridicamente o
nascituro).
É importante ressaltar que nessa situação não existe abuso na
liberdade de contratar e que o elemento relativizador dos efeitos do contrato surge
no curso da vigência do pactuado provocando efeitos que exigem a alteração das
condições contratuais, com a postergação do término da avença laboral e conferindo
equidade material ao contrato.
Ao contrário do que aconteceu na Alemanha, cuja jurisprudência
desenvolveu a cláusula geral da função social do contrato ao longo do século XX,
sob a influência do jusnaturalismo racionalista, isso conforme as lições do jurista
alemão Franz Wieacker já reproduzidas nesse capítulo, de outra maneira, no Brasil,
conforme ensina Teresa Negreiros182, a função social do contrato somente passou a
gozar de atenção quando da sua positivação infraconstitucional no CC/02 (art. 421
do CC/2002: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
182
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, pág. 207.
147
função social do contrato”), o que se fez à luz da constitucionalização do direito
privado, sob a influência pós-positivista.
Ainda, Teresa Negreiros revela que a função social do contrato laboral
“encontra fundamento constitucional no princípio da solidariedade”, superando-se a
ótica individualista e voluntarista183, o que se observa, exemplificativamente, a partir
dos fundamentos axiológicos do item III da S. 244 do C. TST, tendo-se em vista que
a liberdade individual de contratar a termo nas hipóteses legais cede aos interesses
sociais quando da gravidez da gestante no curso de um contrato laboral por prazo
determinado, prorrogando-se a vigência do contrato a prazo.
Ainda, cabe ressaltar que por ser o empregador quem assume os
riscos do empreendimento, premissa que acarreta em efeitos jurídicos no âmbito das
relações contratuais de trabalho, por tal razão, a função social do contrato laboral
adquire contornos especiais no âmbito dessa relação jurídica, então, tendo-se em
vista a busca da equidade material existe coerência na atribuição ao empregador do
risco pelo dever de garantir a estabilidade provisória no contrato de trabalho a termo.
Trata-se de situação jurídica na qual há para o empregador a eficácia positiva dos
direitos fundamentais, surgindo para ele o ônus de efetivá-los no caso concreto.
Além disso, verificando-se o acórdão de julgamento do RR nº 21700-
25.2009.5.01.0079, o qual serviu de precedente judicial para a elaboração do item III
da S. 244 do C. TST, há menção de que a garantia da estabilidade provisória à
gestante nos contratos a termo encontra fundamento constitucional no princípio da
dignidade humana (art. 1º, inc. III, da CF/1988), no direito constitucional à vida do
nascituro e da criança (art. 5º, “caput”, da CF/1988), então, o C. TST procurou
conferir eficácia direta e imediata aos direitos fundamentais laborais a partir do caso
concreto quando da edição do referido enunciado sumular.
A relativização do princípio “pacta sunt servanda” quando da
interpretação extensiva dada à norma constitucional garantidora do direito de
183
“(...) novas doutrinas vêm reformulando o princípio da relatividade em vista do declínio de seu
substrato, qual seja: a autonomia da vontade como fundamento da força obrigatória do contrato. (...)”.
(NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2006, pág. 212)
148
estabilidade provisória no emprego à gestante, alcançando esse direito os contratos
a termo, observou e deu supremacia ao valor social do trabalho quando da sua
ponderação com o valor constitucional da livre-iniciativa, isso porque a reinserção da
gestante ao mercado de trabalho nessa situação fática seria algo impensável, o que
nessa situação concreta justifica a prevalência do valor humano sobre o valor
capital.
Portanto, sob uma análise empírica, o item III da S. 244 do C. TST
encontra fundamentos normativos e valorativos constitucionais, servindo como
exemplo prático de abertura do sistema jurídico laboral e de efetividade dos direitos
fundamentais laborais pela via jurisprudencial, sendo que esses são tópicos
essenciais na presente tese.
VIII.2. O ITEM III DA SÚMULA 378 DO C. TST
No mesmo sentido dos fundamentos ético-jurídicos do item III da S. 244
do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, acima expostos, também o item III da S.
nº 378184 do C. TST aplica a cláusula geral da função social do contrato às relações
184
“Súmula nº 378 do TST: ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118
DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I -
É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por
período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da
SBDI-1 - inserida em 01.10.1997). II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o
afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se
constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a
execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em
20.06.2001). III - O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da
garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei
nº 8.213/91.”
149
de trabalho, ao garantir a estabilidade provisória no emprego nos contratos de
trabalho por prazo determinado.
Assim, por meio de uma análise dos acórdãos185 que serviram de
precedentes judiciais186 para a elaboração do item III da S. 378 do C. TST
verificamos que a interpretação constitucional formulada pela Corte foi no sentido de
que a regra infraconstitucional que garante o direito de celebração de contrato
laboral por prazo determinado deve ser flexibilizada diante da regra normativa
constitucional prevista no art. 7º, inc. XXI, da CF/88, isso porque é obrigação jurídica
contratual do empregador adotar medidas que visem à proteção da saúde, da
higiene e da segurança do trabalhador, então, com base nesse entendimento
hermenêutico, há direito de estabilidade provisória no emprego nos contratos a
termo, conforme prescrição do art. 118 da Lei nº 8.213/1991.
185
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho aponta os seguintes acórdãos como precedentes
judiciais para a elaboração do item III da Súmula 378 do C. TST:
Acórdão: TST - ARR - 125900-54.2009.5.03.0103
Acórdão: TST - RR - 700-37.2002.5.05.0132
Acórdão: TST - RR - 861-45.2010.5.15.0049
Acórdão: TST - RR - 11140-56.2006.5.09.0095
Acórdão: TST - RR - 59900-37.2009.5.04.0332
Acórdão: TST - RR - 71000-56.2008.5.04.0030
Acórdão: TST - RR - 73740-05.2005.5.02.0464
Acórdão: TST - RR - 87940-85.2007.5.15.0043
Acórdão: TST - RR - 99300-28.2008.5.12.0055
Acórdão: TST - RR - 108500-55.2004.5.04.0012
Acórdão: TST - RR - 179900-78.2005.5.0262
Acórdão: TST - RR - 156900-12.2008.5.09.0242
Acórdão: TST - RR - 213500-04.2005.5.02.0032
Acórdão: TST - RR - 236600-63.2009.5.15.0071
186 Maurício Godinho Delgado ensina que mesmo antes da inserção do item III na Súmula 378 do C.
TST, o que ocorreu em setembro de 2012, já existia entendimento majoritário na jurisprudência da
Corte Superior Trabalhista garantindo o direito de estabilidade provisória no emprego nos contratos a
termo. (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 10ª edição, São Paulo: Editora
LTr, pág. 527)
150
O item III da S. 378 do C. TST é um ótimo exemplo de irradiação dos
direitos fundamentais sobre a relação contratual, de acordo com a dimensão
objetiva187 dos direitos fundamentais. Isso porque se trata de um enunciado sumular
que efetiva os direitos fundamentais à dignidade humana (art. 1º, inc. III, da
CF/1988), à saúde (art. 6º da CF/1988) e à redução dos riscos de acidente no
trabalho (art. 7º, inc. XXII, da CF/1988).
Então, o princípio “pacta sunt servanda” é mitigado pelo item III da S.
378, assim como sofrem mitigação as normas infraconstitucionais trabalhistas
brasileiras regulamentadoras do contrato a termo, em razão da dimensão objetiva
dos direitos fundamentais.
Nesse caso, o item III da S. 378 do C. TST garante o direito de
estabilidade provisória por 12 (doze) meses a contar do término do benefício
previdenciário, quando o afastamento se der em razão de acidente no trabalho ou
doença profissional.
Com isso, preserva-se a saúde e a dignidade humana do trabalhador,
que não pode suportar o imediato risco do desemprego, assim como se impõe ao
empregador os ônus e encargos da prevenção por meio da eficácia positiva dos
direitos fundamentais, cabendo a ele suportar as consequências do acidente de
trabalho ou de doença profissional, inclusive quanto ao dever de amparo ao
trabalhador acidentado ou doente por 12 (doze) meses a contar do término do
benefício previdenciário.
Dessa maneira, a cláusula geral da função social do contrato laboral
manifesta-se dentro do ordenamento jurídico por meio do item III da S. 378 do C.
Tribunal Superior do Trabalho, uma janela aberta permissiva da abertura188 do
187
“Neste contexto é que se afirma conterem os direitos fundamentais uma ordem dirigida ao Estado
no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de concretização e realização dos direitos
fundamentais”. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral
dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª edição, Porto Alegre: Livraria dos
Advogados Editora, 2012, pág. 146)
188 “Com os olhos voltados aos contornos semânticos da disposição normativa, é possível, apenas,
prever, de modo precário, o significado que lhe será atribuído no futuro, jamais defini-lo com absoluta
151
sistema jurídico laboral na busca da máxima efetividade dos direitos fundamentais
laborais.
Certamente, o sistema jurídico processual de aplicação obrigatória de
Súmulas e de Precedentes vinculantes, prescrito nos arts. 926-928 do Novo CPC, de
aplicação subsidiária e supletiva ao processo laboral por meio do diálogo das fontes,
fortalece a dimensão objetiva dos direitos fundamentais trabalhistas ao garantir a
uniformização obrigatória da jurisprudência em todo território nacional, tal como
quando da garantia da estabilidade provisória no contrato a termo.
VIII.3. A SÚMULA 440 DO C. TST
No mesmo sentido evolutivo de construção de uma jurisprudência
constitucionalmente ativista promotora da efetividade dos direitos fundamentais a
partir do caso concreto, temos a Súmula nº 440 do C. TST189.
precisão. Aos aspectos inatos da condição humana, somam-se a mutabilidade (1) dos fatores
intrínsecos à linguagem, permitindo que seus contornos semânticos e sintáticos ofereçam uma
pluralidade de significados concorrentes, e (2) dos fatores extrínsecos a ela, que influem sobre a sua
forma de projeção na realidade e bem refletem a necessidade de adaptação em um mundo em
constante transformação. O direito não pode ser concebido como um sistema fechado, axiomático e
preestabelecido. É permeável e sensível ao seu entorno, não passa ao largo das especificidades do
caso concreto e é constantemente construído e reconstruído”. (GARCIA, Emerson. Interpretação
Constitucional. A resolução das conflitualidades intrínsecas da norma constitucional, São
Paulo: Editora Atlas, 2015, pág. 10)
189 “Súmula nº 440 do TST: AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À
MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - Res. 185/2012, DEJT
divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela
empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença
acidentário ou de aposentadoria por invalidez.”
152
Ao reconhecer o direito à manutenção do plano de saúde durante o
período de suspensão do contrato laboral em razão de auxílio-doença acidentário ou
de aposentadoria por invalidez, o C. TST criou um entendimento jurisprudencial
uniformizado que observa a função social do contrato de trabalho, já que há a
imposição de prestações positivas à parte patronal fazendo com que o empregador
assuma os riscos do empreendimento, além de ser um entendimento que busca
onerar financeiramente o empregador com o intuito de coagi-lo a observar o direito
constitucional trabalhista de redução dos riscos de acidente no trabalho ou de
doença profissional (art. 7º, inc. XXII, da CF/1988).
Na verdade, na própria legislação infraconstitucional encontramos
previsões normativas que impõe ao empregador prestações positivas na busca da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Por exemplo: os sistemas de cotas para aprendizes190 e portadores de
necessidades especiais191 são hipóteses de prestações positivas impostas pelo
legislador infraconstitucional ao empregador no âmbito das relações contratuais
laborais, com limitação da autonomia privada em razão da imposição de obrigação
contratual por meio de intervenção estatal.
João Caupers, em sua obra “Os Direitos Fundamentais dos
Trabalhadores e a Constituição”, menciona a existência de estudiosos alemães e
austríacos, tais como Konrad Löw e Andreas Khol, para os quais a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais representa uma ameaça à liberdade individual,
190
“Art. 429 da CLT. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e
matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a
cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada
estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”
191 “Art. 93 da Lei nº 8.213/1991. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a
preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados...........................................................................................2%;
II - de 201 a 500......................................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.”
153
inclusive à autonomia da vontade, sendo que alguns deles, tal como o português
Mota Pinto, afirmam que “a eficácia dos direitos fundamentais nas relações
interprivadas depende de sua compatibilização com os princípios fundamentais de
direito privado”. Segundo o português Caupers, não há previsão expressa no texto
da CRP de 1976 do direito de autonomia privada, mas é possível encontrá-lo de
maneira implícita a partir de algumas normas constitucionais que resguardam o
direito de propriedade privada e com base naquelas que preveem a existência de
meios de produção privados, porém, em que pese seja possível encontrá-la no texto
constitucional de maneira implícita, isso não significa a impossibilidade de imposição
de limites e restrições à liberdade contratual privada, desde que justificadas192.
No texto da Constituição Brasileira de 1988 podemos identificar a
autonomia privada a partir das normas jurídicas constitucionais que prescrevem os
direitos de livre iniciativa (art. 1º, inciso IV, da CF/1988) e de propriedade privada
(art. 5º, inciso XXII, da CF/1988).
Então, a imposição do dever jurídico de prevenção na redução ou
supressão de riscos de acidente do trabalho ou doença profissional (art. 7º, inc. XXII,
da CF/88) é o fundamento hermenêutico-constitucional para a construção
jurisprudencial do dever de prestação positiva pelo empregador, cabendo a ele
custear a manutenção do plano de saúde do trabalhador cujo contrato estiver
suspenso para o recebimento de benefício previdenciário, nos termos da S. 440 do
C. TST, sendo essa uma hipótese de restrição da autonomia privada na relação
contratual laboral.
Cabe dizer que esse enunciado sumular tem força vinculante na
jurisprudência nacional, devendo constar da “ratio decidendi” dos julgados nos quais
houver o julgamento de pretensão ao direito de manutenção do plano de saúde nas
hipóteses de suspensão contratual para o gozo de benefício previdenciário, o que
encontra fundamento no art. 927 do NCPC, com aplicação subsidiária e supletiva ao
processo laboral por força da teoria do diálogo das fontes.
192
CAUPERS, João. “Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição”, Coimbra:
Editora Almedina, 1985, pág. 162-167.
154
Claus-Wilhelm Canaris, renomado jurista alemão, defende o
entendimento da obrigatoriedade de que a “ratio decidendi” de decisões judiciais
estejam em conformidade com os direitos fundamentais, sob pena de nulidade193.
Portanto, a S. nº 440 do C. TST é um exemplo de efetividade dos
direitos fundamentais laborais nas relações entre particulares, por meio da criação
de norma jurídica pela via jurisprudencial impositiva de prestações sociais positivas
ao poder econômico em benefício do trabalhador, inclusive como forma de estimular
a prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
VIII.4. A SÚMULA 443 DO C. TST
Em que pese a existência de vedação constitucional expressa de
resilição contratual imotivada por ato unilateral patronal, conforme o art. 7º, inc. I, da
CF/1988, o certo é que sempre prevaleceu entendimento pacífico no sentido de que
é direito potestativo do empregador a despedida sem justa causa, tendo o ato
patronal como consequência jurídica o pagamento de indenização de 40% (quarenta
por cento) dos depósitos fundiários.
Essa regra jurídica que observa a autonomia privada no contrato
laboral sofre mitigações face aos direitos de estabilidade provisória prescritos
normativamente de maneira expressa na legislação.
Porém, como medida de combate à discriminação no emprego, há
algum tempo “o C. TST vem decidindo que caracteriza atitude discriminatória o ato
da empresa que, já ciente do estado de saúde de trabalhador, dispensa o
193
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado, tradução de Ingo Wolfgang
Sarlet e de Paulo Mota Pinto, Coimbra: Editora Almedina, 2003, pág. 42-43.
155
empregado portador de vírus HIV sem a ocorrência de falta grave”,
independentemente de previsão legal expressa dessa hipótese194.
A partir desse entendimento que vinha sendo firmado de maneira
pacífica na jurisprudência trabalhista, a Corte Superior Trabalhista editou a Súmula
nº 443195, criando um entendimento hermenêutico-interpretativo vinculante na
Justiça do Trabalho de que é presumidamente discriminatória a despedida de
empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou
preconceito. Não se trata de consagração de uma nova modalidade de garantia de
emprego e sim do reconhecimento de uma presunção relativa de discriminação em
favor do trabalhador que pode ser afastada por meio de prova em sentido contrário.
É certo que essa presunção relativa construída normativamente pela
Corte Superior Trabalhista a partir do caso concreto não encontra previsão legal
específica na legislação infraconstitucional, na verdade, reflete uma postura pós-
positivista da jurisprudência do TST na busca da concretização dos valores e das
normas constitucionais.
A Corte Superior Trabalhista, ao construir seu entendimento sobre a
despedida imotivada de portadores do vírus HIV ou de outra doença grave, procurou
aplicar as normas jurídicas por meio de um raciocínio jurídico de adaptação do
sistema jurídico laboral à realidade social, procurando concretizar os preceitos
constitucionais no caso concreto, valendo-se da cláusula geral da função social do
contrato laboral que serve de janela aberta para a entrada no sistema jurídico dos
valores éticos reconhecidos no plano constitucional.
194
MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST
comentadas e organizadas por assunto, 5ª edição, Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, pág. 526.
195 “Súmula nº 443 do TST: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO
PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO -
Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença
grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no
emprego.”
156
Segundo Élisson Miessa e Henrique Correia, serviram de fundamento
normativo para a construção interpretativa formulada no enunciado da S. 443 do C.
TST os seguintes preceitos constitucionais: (I) o princípio constitucional da dignidade
humana (art. 1º, inc. III, da CF/1988); (II) o objetivo constitucional de erradicação de
qualquer forma de discriminação ou preconceito (art. 3º, inc. IV, da CF/1988); (III) o
direito de igualdade no emprego (arts. 5º, “caput”, e 7º, da CF/1988)196.
A esses preceitos constitucionais devem ser acrescentados o princípio
constitucional da solidariedade (art. 3º, inc. I, da CF/1988) e o valor social do
trabalho (art. 1º, inc. IV, da CF/1988).
Além disso, cabe ainda ressaltar o previsto nas Leis 9.029/1995 e
12.984/2014, essas que combatem condutas discriminatórias nas relações de
trabalho.
Por outro lado, cabe dizer que a Súmula nº 443 causa em certa medida
injustificada insegurança jurídica por não exigir o conhecimento por parte do
empregador de que o empregado encontrava-se acometido de grave enfermidade.
Na verdade, a S. nº 443 ao criar a presunção de discriminação inverte o
ônus probatório cabendo sempre ao empregador provar em juízo os motivos da
despedida de trabalhador portador de doença grave.
Sob o ponto de vista da aplicação prática do direito, cabe ao
magistrado analisar a aplicação da S. nº 443 à luz do caso concreto, inclusive
porque o enunciado de jurisprudência não oferece parâmetros seguros para a
definição de quais doenças podem ou não ser consideradas graves.
A leitura correta (constitucionalmente adequada) do art. 927 do NCPC,
a ser aplicado subsidiariamente e supletivamente ao processo laboral por força da
teoria do diálogo das fontes, é no sentido de que, quando a legislação processual
civil afirma a obrigatoriedade de juízes e tribunais observarem súmulas, acórdãos e
precedentes judiciais vinculantes, não há nesse ponto uma proibição de interpretar e
aplicar a jurisprudência uniformizada conforme as características e peculiaridades do
196
MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST
comentadas e organizadas por assunto, 5ª edição, Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, pág. 526-527.
157
caso concreto. O que fica explícito é a obrigatoriedade de os juízes e tribunais
utilizarem os provimentos vinculantes na motivação de suas decisões para
assegurar não apenas a estabilidade, mas a integridade e a coerência da
jurisprudência.
Portanto, a S. nº 443 do C. TST é exemplo empírico de exercício do
ativismo constitucional pela Justiça do Trabalho, sendo que a uniformização da
jurisprudência e a existência de uma sistemática de aplicação obrigatória de
Súmulas e de Precedentes Judiciais fortalece a busca pela efetividade dos direitos
fundamentais laborais e permite a adaptação da regulamentação trabalhista à
realidade social, desde que respeitadas as peculiaridades e especificidades do caso
concreto, cabendo ao magistrado expor na “ratio decidendi” dos julgados os motivos
e as justificativas para a aplicação ou não das Súmulas e Precedentes.
158
CONCLUSÕES
O estudo do direito do trabalho não se reduz a uma análise positivista
da legislação laboral em vigor, isso porque o dinamismo e a hipercomplexidade
inerentes à relação capital e trabalho exigem do estudioso das ciências laborais uma
compreensão interdisciplinar e realista das formas de produção capitalista e, por
conseguinte, da regulamentação da contratação de força de trabalho humano
produtivo necessário ao desenvolvimento econômico e social das sociedades
civilizadas na pós-modernidade.
Sob essas premissas elementares, a presente tese de doutoramento
foi desenvolvida com inspiração nos brilhantes e inesquecíveis ensinamentos
transmitidos pelo Prof. Dr. Renato Rua de Almeida, ao longo de quase uma década
de pesquisas acadêmicas desenvolvidas no âmbito do programa de mestrado e
doutoramento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Por tais razões, as conclusões da presente tese de doutoramento
podem ser consideradas uma síntese das produtivas reflexões acadêmicas
semeadas ao longo de quase uma década de pesquisas no mestrado e no
doutoramento da PUC/SP, as quais podem ser delineadas a partir da ideia de que a
evolução do direito laboral é uma necessidade histórica de adaptação das
regulamentações jurídicas trabalhistas à realidade social e econômica própria da
pós-modernidade, pois, certamente, o positivismo jurídico laboral foi muito útil para o
desenvolvimento inicial do direito de trabalho, mas, nos dias atuais, o dinamismo e a
hipercomplexidade das relações sociais, inclusive quanto à relação capital e
trabalho, exigem do aplicador do direito laboral um raciocínio menos formalista e
mais interpretativo, buscando-se sempre a construção da norma jurídica laboral a
partir do caso concreto.
Assim sendo, a jurisprudência deve ter protagonismo na adaptação do
direito do trabalho à realidade econômica e social pós-moderna, inclusive diante da
constatação de que a atuação do legislador na sua missão constitucional de adequar
a regulamentação jurídica laboral às necessidades da sociedade atual tem se
mostrado contaminada de morosidade e inércia.
159
Nesse diapasão, o projeto constitucional em vigor demanda a
concretização das normas (princípios e regras) e dos valores constitucionais, o que
deve ser feito à luz do caso concreto (“case law”), inclusive dando-se efetividade aos
direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sendo certo que esse
é o objetivo próprio do Estado Constitucional Republicano e Democrático de Direito e
de Direitos Fundamentais o qual somente pode ser concretizado por força do
exercício do ativismo constitucional, cabendo ao Poder Judiciário dar efetividade aos
direitos fundamentais laborais, o que se justifica diante da necessidade de
constitucionalização do direito do trabalho, o que somente se torna possível com a
aplicação das normas constitucionais ao caso concreto.
Historicamente, mostrou-se superado o raciocínio jurídico estritamente
positivista legalista, inicialmente implantado a partir de ideias sustentadas pela
Escola da Exegese e pelo pandectismo, diante da constatação de que o dinamismo
e a hipercomplexidade, inerentes à realidade social e econômica, exigem do
aplicador do direito laboral uma maior flexibilidade interpretativa à luz do caso
concreto, em especial em razão da necessidade de se dar efetividade aos direitos
fundamentais laborais que muitas vezes encontram-se prescritos em normas
jurídicas constitucionais principiológicas com conteúdo normativo aberto.
Assim, é importante que a aplicação do direito laboral observe sempre
as necessidades práticas sob a direção das normas e dos valores constitucionais e
que o dogmatismo jurídico seja orientado a uma formalização do sistema jurídico
dentro dos limites do razoável, como necessidade de racionalização e garantia de
segurança jurídica, mas sem excessos decorativos, e sem o reducionismo do direito
do trabalho à letra da lei. O estudo do direito do trabalho deve ser realizado à luz das
ciências sociais, das teorias da interpretação e da argumentação jurídica e por meio
de análises históricas das práticas jurídicas através dos múltiplos contextos sociais,
pois o direito laboral não pode ser entendido somente como a compreensão
gramatical de palavras escritas em um documento oficial, pelo contrário, o
entendimento pleno da ciência jurídica laboral é aquele feito de maneira zetética.
A legislação trabalhista infraconstitucional positivada ainda nos dias
atuais alberga uma defasada concepção de regulamentação trabalhista quase que
estritamente patrimonialista, não dando proeminência aos direitos de personalidade
160
dos trabalhadores, ao contrário do que faz o Código do Trabalho de Portugal em
vigor, então, cabe à jurisprudência o papel de dar eficácia direta e imediata aos
direitos fundamentais laborais na busca da tutela jurídica da dignidade humana e
para a garantia dos direitos de cidadania dos trabalhadores.
Além disso, é preciso que seja permitida a flexibilidade das normas
jurídicas trabalhistas para fins de adaptação do sistema jurídico laboral à realidade
das empresas inseridas na realidade econômica pós-moderna, sendo certo que a
uniformidade legislativa sustentada por regras jurídicas gerais e abstratas faz com o
direito do trabalho mantenha-se distante das necessidades sociais, cabendo aos
sindicatos por meio da negociação coletiva de trabalho e ao Poder Judiciário por
meio da jurisprudência a modulação de um sistema jurídico aberto que permita a
construção de normas jurídicas laborais mais específicas e mais próximas de cada
situação prática, compatibilizando o direito do trabalho ao contexto histórico atual.
Então, a presente tese de doutoramento conclui que o direito do
trabalho deve migrar de um sistema jurídico fechado para um sistema jurídico
aberto, de uma normatização rígida para uma normatização mais dispositiva e
flexível, de um normativismo laboral estritamente legislado para um direito laboral
plurinormativo construído por meio de negociação coletiva e da jurisprudência, de
um ordenamento jurídico legalista para um ordenamento jurídico constitucionalizado
e de uma concepção protecionista primordialmente patrimonialista para um direito do
trabalho prioritariamente tutelar da dignidade humana e da cidadania do trabalhador.
Portanto, a crítica ao direito laboral desenvolvida ao longo da presente
tese de doutoramento conclui pela necessidade de que o direito do trabalho no
século XXI tenha como parâmetros os paradigmas da sociedade pós-moderna, o
que exige o protagonismo da jurisprudência na adaptação do direito laboral à
realidade econômica e social, sendo ela considerada fonte do direito, inclusive
cabendo destacar a importância da sistemática de aplicação obrigatória de Súmulas
e de Precedentes Judiciais vinculantes, conforme arts. 926-928 do Novo CPC (Lei
Federal 13.105/2015), com aplicação subsidiária e supletiva ao processo laboral por
força da teoria do diálogo das fontes.
161
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