romance caracteristas

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O romance histórico na literatura portuguesa contemporânea 1 Revista eletrônica de crítica e teoria de literaturas Dossiê: o romance português e o mundo contemporâneo PPG-LET-UFRGS – Porto Alegre – Vol. 05 N. 02 – jul/dez 2009 O Romance Histórico na Literatura Portuguesa contemporânea Priscilla de Oliveira Ferreira * Resumo: Este trabalho analisa como os autores contemporâneos revisitam o passado e dialogam com a História portuguesa. Observamos duas tendências do dito romance histórico contemporâneo, enquanto alguns autores seguem o modelo tradicional (reprodução), outros inovam e olham para trás com um novo olhar, são mais críticos e apostam em inovações lingüísticas e estilísticas, incluindo utilização de novas disposições e marcas tipográficas. Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral e Miguel Sousa Tavares representam o primeiro grupo, autores modernos que adotam um estilo tradicional e conservador, tanto na temática quanto na narrativa. Para exemplificar um outro tipo de diálogo com o passado, escolhemos Lobo Antunes, José Saramago e Mário de Carvalho, autores de estilos bem diferentes que, em comum, têm justamente a subversão e o questionamento. Palavras-chave: romance histórico; romance português contemporâneo; historiografia. Abstract: This essay analyses how the contemporary authors re-visit the past and talk to the Portuguese History. We observe two tendencies of the historical contemporary novel. While some authors follow the traditional reproduction model, others innovate it and look backwards with a new glance, being more critical and betting on linguistic and stylistic innovations, including the use of new arrangements and typographical marks. Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral and Miguel Sousa Tavares represent the first group of modern authors, who adopt a traditional and conservative style both in theme and in narrative. To exemplify another type of dialog with the past, we chose LoboAntunes, José Saramago and Mário de Carvalho, authors of quite different styles, who have subversion and the questioning character in common. Keywords: historical novel; Portuguese contemporary novel; historiography. Desde os últimos anos do século passado nota-se um grande incremento na publicação de romances que trazem fatos e personagens históricos para o centro de suas ações. Trata-se de uma tendência mundial, não é um fenômeno exclusivo de alguns países. Neste trabalho, pretendemos analisar como é que os autores portugueses contemporâneos revisitam o passado e dialogam com a História do país. Podemos observar duas tendências do dito romance histórico contemporâneo, enquanto alguns autores seguem o modelo tradicional (reprodução), outros inovam e olham para trás com um novo olhar, são mais críticos e apostam em inovações linguísticas e estilísticas, incluindo utilização de novas disposições e marcas tipográficas. Analisaremos Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral e Miguel Sousa Tavares como representantes do primeiro grupo, autores modernos que adotam um estilo * Priscilla Ferreira é jornalista, formada pela PUCRS e também graduada em Letras, pela UFRGS. Mestre em Literatura Brasileira, Portuguesa Luso-africanas pela mesma.

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  • O romance histrico na literatura portuguesa contempornea 1

    Revista eletrnica de crtica e teoria de literaturas

    Dossi: o romance portugus e o mundo contemporneo PPG-LET-UFRGS Porto Alegre Vol. 05 N. 02 jul/dez 2009

    O Romance Histrico na Literatura Portuguesa contempornea

    Priscilla de Oliveira Ferreira*

    Resumo: Este trabalho analisa como os autores contemporneos revisitam o passado e dialogam com a Histria portuguesa. Observamos duas tendncias do dito romance histrico contemporneo, enquanto alguns autores seguem o modelo tradicional (reproduo), outros inovam e olham para trs com um novo olhar, so mais crticos e apostam em inovaes lingsticas e estilsticas, incluindo utilizao de novas disposies e marcas tipogrficas. Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral e Miguel Sousa Tavares representam o primeiro grupo, autores modernos que adotam um estilo tradicional e conservador, tanto na temtica quanto na narrativa. Para exemplificar um outro tipo de dilogo com o passado, escolhemos Lobo Antunes, Jos Saramago e Mrio de Carvalho, autores de estilos bem diferentes que, em comum, tm justamente a subverso e o questionamento.

    Palavras-chave: romance histrico; romance portugus contemporneo; historiografia.

    Abstract: This essay analyses how the contemporary authors re-visit the past and talk to the Portuguese History. We observe two tendencies of the historical contemporary novel. While some authors follow the traditional reproduction model, others innovate it and look backwards with a new glance, being more critical and betting on linguistic and stylistic innovations, including the use of new arrangements and typographical marks. Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral and Miguel Sousa Tavares represent the first group of modern authors, who adopt a traditional and conservative style both in theme and in narrative. To exemplify another type of dialog with the past, we chose LoboAntunes, Jos Saramago and Mrio de Carvalho, authors of quite different styles, who have subversion and the questioning character in common.

    Keywords: historical novel; Portuguese contemporary novel; historiography.

    Desde os ltimos anos do sculo passado nota-se um grande incremento na publicao de romances que trazem fatos e personagens histricos para o centro de suas aes. Trata-se de uma tendncia mundial, no um fenmeno exclusivo de alguns pases. Neste trabalho, pretendemos analisar como que os autores portugueses contemporneos revisitam o passado e dialogam com a Histria do pas.

    Podemos observar duas tendncias do dito romance histrico contemporneo, enquanto alguns autores seguem o modelo tradicional (reproduo), outros inovam e olham para trs com um novo olhar, so mais crticos e apostam em inovaes lingusticas e

    estilsticas, incluindo utilizao de novas disposies e marcas tipogrficas. Analisaremos Fernando Campos, Domingos Freitas do Amaral e Miguel Sousa

    Tavares como representantes do primeiro grupo, autores modernos que adotam um estilo

    * Priscilla Ferreira jornalista, formada pela PUCRS e tambm graduada em Letras, pela UFRGS. Mestre em

    Literatura Brasileira, Portuguesa Luso-africanas pela mesma.

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    tradicional e conservador, tanto na temtica quanto na narrativa. Para exemplificar um outro tipo de dilogo com o passado, escolhemos Lobo Antunes, Jos Saramago e Mrio de Carvalho, autores inovadores e ao mesmo tempo contestadores (Saramago com seu ensasmo, Lobo Antunes com suas experincias de tempo e narrativa e Mario de Carvalho com o estranhamento).

    Para esta anlise, selecionamos uma obra significativa de cada escritor. De Fernando Campos, falaremos de Cavaleiro da guia (2005), de Domingos Freitas do Amaral, Enquanto O Ditador Dormia (2006) e tambm sobre Equador (2003), de Miguel Sousa Tavares. J do outro grupo, escolhemos Exortao aos Crocodilos (1999), de Lobo Antunes, O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), de Jos Saramago e ainda, Era Bom Que Trocssemos umas Idias Sobre o Assunto (1995), do escritor Mrio de Carvalho.

    Mas, afinal, o que um romance histrico? Quais so as caractersticas que permitem que o romance seja definido como tal? Esta uma das questes que este trabalho pretende abordar. A discusso entre Histria e fico to antiga quanto teorizao da arte ocidental e remonta aos estudos poticos da Antiguidade. A polmica ganha destaque novamente no sculo XIX, nas pesquisas estticas do Romantismo e o debate se estende ao longo do sculo XX. No podemos, ento, fugir desta questo, mesmo que este no seja nosso foco principal.

    Para falar de caractersticas inovadoras no romance histrico contemporneo, preciso antes definir o que consideramos como romance histrico clssico. A Histria sempre foi fonte inesgotvel de inspirao para os romancistas, mas o que percebemos nos ltimos anos que, enquanto alguns autores revisitam o passado para questionar, outros voltam para ressaltar e destacar os feitos portugueses. A questo esta, por que, nos dias de hoje, alguns romancistas optam por estilo to tradicional de narrativa? Se pensarmos no mundo em que vivemos, de tantas incertezas, de insegurana urbana, de relacionamentos precrios, tanto afetivos quanto profissionais, numa sociedade com excesso de informaes (definida por Zygmunt Bauman como modernidade lquida), o romance, que o espelho privilegiado do mundo, como diz Mireille Calle-Gruber, no deveria ser tambm catico e retratar este caos? Este trabalho no tem a pretenso de apresentar uma resposta definitiva sobre essas questes, mas apontar alguns caminhos possveis para entendermos essas tendncias do romance histrico em Portugal.

    A discusso sobre as fronteiras entre Histria e Literatura vem de longa data, desde o incio da teorizao da arte ocidental que o assunto debatido. Ambas so consideradas como espelhos da humanidade e pretendem representar a realidade. Mas como definir onde termina a representao e comea a criao? Historiadores e tericos da literatura divergem sobre as

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    fronteiras entre as duas reas. Alguns defendem que os limites so to tnues que muitas vezes desaparecem.

    Ambos pretendem representar a realidade e so construdos por meio da linguagem, estruturando-se em relaes temporais e espaciais. Entretanto, se a Histria parece vir assinalada pela competncia em reconstruir fatos e feitos do passado remoto ou recente, buscando apreender significados, essa uma tarefa da imaginao do presente que, quando se lana interpretao dos fatos e acontecimentos, se submete ao recurso das fontes documentais. (NIEDERAUER, 2007, p.22)

    No possvel entrar nessa discusso sem falar em Aristteles. Afinal, os primeiros limites entre Histria e Literatura j so discutidos na clssica obra do filsofo, onde afirma que a poesia, por falar verdades possveis ou desejveis, encerra mais filosofia, elevao e universalidade, j a Histria retrataria verdades acontecidas, no universais.

    [...] evidente que no compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possvel, segundo a verossimilhana ou a necessidade. O historiador e o poeta no se distinguem um do outro, pelo fato de o que primeiro escreveu em prosa e o segundo em verso [...]. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido. (ARISTTELES, 1964, p.278)

    De acordo com Aristteles, o que diferencia a arte do historiador e do poeta o conceito de imitao; enquanto o primeiro remete-se obrigatoriamente ao que ocorreu, aos poetas cabe falar sobre o que poderia acontecer. Ou seja, o limite aqui a verossimilhana.

    Assim, solidificou-se a separao entre fico e verdade, base do divrcio entre a arte e a cincia. As noes de histria desde o sculo XIX, que pretenderam a cientificidade da disciplina, ou as manifestaes do realismo e do naturalismo na literatura do mesmo perodo, tiveram como fundamento essa distino. (MENDONA, 2009)

    No incio do sculo XIX, quando surge o romance histrico, a maioria dos historiadores acredita e defende a necessidade de comprovao dos fatos, concebe a Histria como cincia exata e se obriga a provar, atravs de documentos, que esto narrando um fato ocorrido e no imaginado. O positivismo e seu cientificismo acabam consolidando a teoria de que a Literatura no servia como fonte de conhecimento, j que misturava fatos reais e imaginrios. Essas idias predominam at o incio do sculo XX, quando, com o surgimento da Nova Histria, essas certezas comeam a ser questionadas.

    Os questionamentos a respeito do prprio estatuto da Histria e as tentativas de compreender o papel social do historiador permitiram que o processo de produo do texto histrico tambm fosse repensado. E aqui, novamente Literatura e Histria interagem, dessa vez no so os fatos histricos que servem de fonte para as narrativas, mas as teorias literrias que passam a ser usadas como apoio historiografia. Como diz Georges Duby, a Histria um gnero literrio, j que s existe atravs do discurso (cf. Roani, 1998).

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    O surgimento da Histria Nova trouxe consigo a certeza de que a ressurreio integral do passado, pretendida pelos historiadores no pode ser plenamente concretizada, pois existem lacunas, fendas, vazios e silncios que so irrecuperveis por mais rigorosa que seja a investigao histrica. Por causa disso, o discurso histrico configura-se como um trabalho organizado com base em fontes selecionadas em detrimento de outras. [...] A corrente da Histria Nova questiona esses conceitos absolutos, pela conscincia de que, em Histria, tudo discurso sobre algo que aconteceu ou que acontece com o ser humano. Discurso elaborado atravs de uma narrao que, imaginariamente, no momento presente, lana-se tentativa de resgatar e recompor o real do tempo passado. (ROANI, 1998, p.31)

    No momento em que afirmamos que em Histria tudo discurso, reafirmamos elos entre a literatura e a historiografia. Um fato narrado sempre do ponto de vista do narrador, seja ele historiador, contista, jornalista. No existe imparcialidade, h sempre uma intencionalidade, seja no texto ficcional ou histrico, no importa. Como afirma a pesquisadora Silvia Niederauer, a Histria finge ao tentar recuperar o fato histrico na sua totalidade, pois "ao recriarem o passado que a narrativa presentifica, o historiador e o ficcionista apresentam o mundo criado, que se reconfigura atravs da leitura" (2007, p.30).

    A cincia histrica conheceu um avano prodigioso: renovao, enriquecimento das tcnicas e dos mtodos, dos horizontes e dos domnios. Mas, mantendo com as sociedades globais relaes mais intensas que nunca, a histria profissional e cientfica vive uma crise profunda. O saber da histria tanto mais confuso quanto mais o seu poder aumenta. (ROANI, 1998, p.31)

    1 Mas o que um romance histrico? O Romance Histrico, na sua definio mais clssica, aquele em que o enredo se

    passa entre acontecimentos histricos. Ou seja, o autor situa a ao num tempo passado, procurando reconstituir uma poca. A narrativa combina minuciosa reconstituio de ambientes e costumes de pocas passadas com enredo literrio, que cria ou amplia tramas para compor suas histrias.

    A origem do Romance Histrico estaria nos primeiros anos do sculo XIX e o gnero ganha espao e se firma na literatura junto com o romance (que no incio tambm no levado a srio como arte). Para os romnticos, a Histria era a lente preferida para compreender o mundo, como afirma Maria Lcia Dias Mendes.

    O interesse pela Histria vinha ao encontro do novo perfil do leitor. Aps a Revoluo Francesa e a instituio do ensino laico e obrigatrio, h um aumento do nmero de leitores e uma conseqente mudana de interesse: o pblico do classicismo, afeito s discusses sobre poticas, de gosto refinado, conhecedor das novidades na Arte, torna-se um pblico burgus, sem formao literria, em busca, sobretudo, de uma forma de lazer (WITTMANN, 1987, p. 364). Os primeiros gneros a apresentarem a Histria como pano de fundo para a narrativa foram o romance gtico pr-romntico e o romance de aventuras. Usada como couleur locale, a histria proporcionava um tom diferente, reforando o gosto pelo extico em enredos que pouco primavam pela originalidade. (MENDES, s.d.)

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    O escritor Walter Scott (1771-1832) quem consolida o estilo, por isso muitos o consideram como criador do clssico romance histrico. Surgiram alguns ttulos antes com temtica histrica, mas a escolha da poca era apenas um detalhe, uma vez que os costumes e a psicologia dos personagens remeteriam mais prpria poca do romancista do que a tempos passados. com Scott que o romance ambiciona recriar pocas e mundos. Ele tenta descrever, atravs da escrita, fatos e personagens tal qual teriam existido, recurso que chama de autenticidade da cor local (MENDES, 2008, p.2). Inspirado na histria da Inglaterra para escrever romances de enredo medieval, como o clssico Ivanhoe (1819), Scott foi o primeiro escritor a fazer fortuna com o gnero.

    Segundo Lukcs (cf. FERNANDES, s.d), que estudou profundamente o assunto, foram precursores do romance histrico as narrativas da histria antiga, os mitos da Idade Mdia e antigos relatos chineses e indianos. Luckcs considera informao histrica, cor local, exotismo, valorizao do exterior, evocao de civilizaes desaparecidas, apresentao do passado como uma realidade acabada, sentimentos coletivos e representao de personagens e tipos, caractersticas deste tipo de narrativa ficcional.

    Os intelectuais romnticos tinham grande interesse pelo passado, principalmente o nacional. uma fase de formao da identidade nacional, de consolidao da idia de nao. Os escritores apresentam, nessa poca, uma grande preocupao com datas e elementos histricos usados na fico, preocupao semelhante dos historiadores que tencionam narrar os fatos como realmente ocorreram e, para isso, baseiam-se em documentos e registros histricos, em busca de uma fidelidade utpica.

    Se, por um lado, a Histria apaixonava os romnticos, que recorriam a documentos e registros sobre o passado medieval, por outro, a criao de universos fictcios e referenciais, uma espcie de efabulao com base histrica dominou as produes do perodo na Europa e tambm em Portugal (cf. BRAGA, 1984, p.97).

    Em Portugal, quem introduziu o romance histrico foi Alexandre Herculano (1810-1877), que tinha Walter Scott como modelo. O escritor tentava compensar alguns arroubos apaixonados tpicos da escola romntica com a serenidade racionalista, e seguia os ditames do Romantismo, ambientando suas narrativas na Idade Mdia.

    A relatividade aposta veracidade dos textos, est na base, pensamos ns, de toda a construo do romance histrico, mesmo se autores como Herculano pretendem fazer acreditar no papel didtico das obras. Num texto intitulado A Velhice, ele afirma: Quando o caracter dos indivduos ou das naes sufficientemente conhecido, quando os monumentos e as tradies, e as chronicas desenharam esse caracter com pincel firme, o novelleiro pde ser mais verdico do que o historiador; porque est mais habituado a recompor o corao do que morto pelo corao do que vive, o genio do povo que passou pelo do que passa. Ento de um dicto, ou de muitos dictos elle deduz um pensamento ou muitos pensamentos, no reduzidos lembrana

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    positiva, no traduzidos at materialmente; de um facto ou de muitos factos deduz um affecto ou muitos affectos, que no se revelaram. Esta a histria intima dos homens que j no so: esta a novela do passado. Quem sabe fazer isso chama-se Scott, Hugo, ou De Vigny, e vale mais, e conta mais verdades que boa meia-dzias de historiadores. (BRAGA, 1984, p.98).

    Como podemos confirmar, a relao entre Histria e Literatura, entre quem diz a verdade e quem mente sobre o passado, vem mesmo de longa data. Tanto o historiador, ao recontar fatos reais, quanto o escritor, ao recorrer a fatos histricos para ilustrar suas

    narrativas, fazem suas selees, buscam sugestes, contextos, imagens. Alguns leitores chegam a considerar a literatura como outra leitura da histria, acreditando que a insero desta no texto literrio contribui para o seu enriquecimento. Historiador e romancista tentam recuperar e mimetizar o real, de modo que o fingere encontra-se nos textos de ambos os escritores e se torna elemento dos processos de construo tanto da histria quanto da literatura (NIEDERAUER, 2007, p.30)

    A configurao histrica, por conseguinte, vincula-se a uma operao nitidamente literria reveladora, em seus mecanismos, do componente ficcional presente na narrativa histrica. Desse modo, os episdios distanciados no tempo so refamiliarizados, sendo que a narrativa histrica no constitui apenas um modelo de acontecimentos e processos passados. Ela tambm um sistema de signos, que aponta para um cone da estrutura desses acontecimentos na tradio literria vigente, o qual, por sua vez, a forma essencial de explicao da vida. Se essa tem na finalidade sua caracterstica, a Histria tambm finge ao tentar recuperar o fato histrico em sua totalidade. No se pode esquecer tambm que, ao recriarem o passado que a narrativa presentifica, o historiador e o ficcionista apresentam o mundo criado, que se reconfigura atravs da leitura. O texto final sempre resultado da leitura da realidade, da que o leitor do discurso histrico, tal como o leitor do discurso ficcional, integra o texto, atualizando-o e se responsabilizando pela ficcionalizao da Histria e pela historicizao da fico. (idem, ibidem)

    No romance histrico, segundo estudos de Lukcs, ocorre a representao dos acontecimentos e o desenrolar do processo histrico, com a criao ficcional de um microcosmo que concentra e generaliza, que condensa e expande. Isso significa que o romancista ilumina um momento ou aspecto do passado para mostrar uma realidade social e cultural atravs do mundo ficcional criado.

    Ainda de acordo com os estudos de Lukcs, no romance histrico interagem dois tipos de personagens: protagonistas-tipo, que de modo algum podem agir em desacordo com o tempo em que est inserido nem destoar do esprito vigente na poca, e convivendo com estes esto figuras histricas cuja existncia mencionada e comprovada pelos registros histricos.

    A fico pode reconstruir os elementos propriamente ditos histricos, mas, a fico pode mudar os fatos que conhecemos como verdades histricas? Questiona o crtico Carlos Reis (1992), para quem esta a questo central entre fico e Histria. Para ele, h duas respostas: do ponto de vista ontolgico, ningum pode impedir um romancista de construir os desfechos que ele julga necessrios; do ponto de vista pragmtico, a fico no os

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    transforma porque eles funcionam como cenrios enquadrando as personagens que, de um ponto de vista semntico, so condicionadas por esses mesmos cenrios (p. 142). Esta seria a fronteira entre fico e realidade. Sobre essa questo, Carlos Reis cita o estudo sobre romance histrico de Isabel Romn:

    Parece claro que o fracasso do romance histrico est baseado na contradio de que existe entre o desejo de reconstruir uma realidade passada e a impossibilidade real de consegui-lo totalmente. Quando se comeou a questionar os romances de Walter Scott, o mestre do gnero, por causa de seus erros histricos, se desencadeou a polmica sobre o objetivo primordial do romance: verdade ou verossimilhana? A posio e a funo do narrador comeam a ser discutveis. Questiona-se sua condio demirgica e a objetividade que ele persegue e, ao mesmo tempo, a necessidade romanesca torna-se evidente, como algo que no pode ser evitado. porque a reconstruo histrica cada vez menos importante diante da fico. (RMAN, apud REIS, 1992).

    Concordamos com Rei: no romance histrico, deve prevalecer a lgica da fico. Mas existem limites para a integrao ficcional dos fatos histricos, um desses limites seriam o do reconhecimento por parte dos leitores, o pblico precisa ser capaz de identificar certas situaes e entidades histricas, pois, se no so reconhecidas, as entidades histricas perdem inteiramente suas razes histricas.

    2 Histria revisitada na literatura portuguesa contempornea Em Portugal, a literatura produzida ps-25 de Abril destaca-se no s pela temtica,

    mas, sobretudo, quanto linguagem usada. Nos anos 80 e 90, principalmente, notamos uma originalidade nas criaes ficcionais, e novamente a Histria como inspirao. Mas essa produo no pode ser enquadrada como romance histrico tradicional, pois na maioria dos casos, a Histria revisitada pelo texto literrio no como uma escrita definitiva, mas sim, com um olhar mais crtico, no sentido de entend-la com suas limitaes e como fruto de uma tentativa de resgate do que foi, considerando o status provisrio da escrita.

    A presena da Histria em termos de resgate, representao e problematizao do passado portugus caracterstica da gerao que comeou a produzir aps a Revoluo dos Cravos. Nesta gerao, enquadram-se ainda autores que j eram consagrados, mas que, com o fim da ditadura, apostam no experimentalismo e em inovaes, dialogando tambm com a historiografia. So produes marcadas pela vinculao realidade cultural, social e ideolgica portuguesa.

    Esse investimento na experimentao escritural, na problematizao acerca da representao do acontecimento histrico na malha ficcional de inmeros romances portugueses deste final de sculo, condiciona e revela outro trao recorrente na fico portuguesa atual: a valorizao da fabulao narrativa, da metaficcionalidade, da intertextualidade e do dilogo do sistema literrio com outras reas de conhecimento e outras artes. (TUTIKIAN, 2002)

    A marca da literatura portuguesa produzida no final do sculo passado esse dilogo

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    com a Histria, esse confronto de duas verdades, a verdade histrica e a verdade da fico, onde a segunda presentifica e critica a primeira, no resgaste da identidade (TUTIKIAN, 2002). Na contemporaneidade, a busca da identidade passa, inevitavelmente, pela recuperao de certos valores, seja para resgatar uma tradio ou construir uma nova. Esse dilogo com o passado, to presente nas narrativas ficcionais do final do sculo, servem no apenas como resgate, mas como reflexo. Atravs, principalmente, do dialogismo, memria, histria e fico se permeiam (idem, ibidem).

    Na contemporaneidade, o que se tem uma impossibilidade total de comunicao, de uma comunho, ou mesmo de um elo. Cada sujeito parece uma ilha e mesmo os pontos de vista parecem inconciliveis. Essa problemtica moderna encarada de forma completamente diferente por cada autor. Lobo Antunes prefere estilhaar a pretensa unidade narrativa do modelo romanesco. O autor opta por vrios ponto de vista, vrias vozes, vrios tempos narrativos cruzando-se em uma teia, que mantm sempre uma noo de incerteza.

    Lobo Antunes arrebata seus leitores, manipula suas emoes. Para ter uma noo de entendimento exige deles um mergulho catico, quase sensorial, em um fluxo violento que obedece aos ditames da memria, imprecisa, multifacetada e cambiante quando nos detemos sobre ela. Antunes um problema para quem tem a mania ou o gosto pela classificao. Como categorizar sua obra e sua persona, ambas to nicas no cenrio artstico contemporneo? Um problema classificatrio que o prprio autor se d por satisfeito em provocar; o autor j disse em mais de uma entrevista que um artista e um intelectual exercem papis diferentes, e raros so os que combinam as duas coisas. Ele, assumidamente, diz que no um desses, que apenas artista, e por isso no lhe cabe definir ou explicar sua obra, apenas escrev-la o que ele faz com paixo e desespero.

    No livro Exortao aos Crocodilos (ANTUNES, 2001), so quatro vozes femininas narradas em primeira pessoa, caudalosos fluxos de conscincia. O romance construdo atravs do cruzamento dessas vozes, em tempos e momentos diferentes, vozes que narram o pensamento dessas mulheres. Caminhos que se cruzam, histrias que se intercalam. O todo no existe, o que h so fragmentos.

    Neste romance em questo, Lobo Antunes tambm dialoga com a Histria, mas de modo completamente diferente do convencional. O contexto aparece to fragmentado quanto seus personagens. Atravs dessas mulheres que despejam emoes sobre os leitores que tomamos conhecimento de quando se passa a histria. As quatro personagens pactuam com seus homens, so cmplices silenciosas das atrocidades que cometem.

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    O destino das personagens se cruza pelas relaes que estabelecem com antigos policiais da PIDE que torturam comunistas e organizam atentados de direita. Esse grupo saudosista do regime de Salazar acredita que pode pr fim a Revoluo dos Cravos. Conspirao esta, apoiada por militares espanhis, pelo embaixador americano e por agentes secretos da frica do Sul.

    Esta conjurao realmente existiu, agrupada em torno do general Spnola, e realmente custou a vida de comunistas, democratas e do primeiro ministro S Carneiro. A genialidade de Lobo Antunes falar dela apenas indiretamente, atravs do envolvimento mais ou menos definido dessas quatro mulheres. Essa mistura de emoes ntimas, de delrios onricos, de reflexes irnicas ou desiludidas e de cenas de massacres, de torturas e de atentados, coloca de uma forma inteiramente nova uma das questes mais antigas que a humanidade enfrenta: o mal. Nenhuma resposta proposta, muito menos uma "compreenso" qualquer.1

    Esse olhar para o passado provocativo e faz o leitor pensar sobre o que estava acontecendo naquele perodo. Longe de ser glorioso, o passado muitas vezes vergonhoso. E tambm um passado no muito glorioso o pano de fundo do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, de Jos Saramago (2000). O romance se passa no ano de 1936, perodo em que os regimes totalitrios e seus ditadores esto se consolidando na Europa (Hitler na Alemanha, Mussolini na Itlia, Franco na Espanha) e Portugal completa dez anos de ditadura.

    O resgate histrico de Saramago distancia-se do modelo tradicional dos romances histricos. Concordamos com Roani, quando afirma que o universo ficcional saramaguiano estabelece um discurso que se aproxima e dialoga com o enunciado histrico, mas que abraa a possibilidade de dizer ou de falar dessa Histria de uma outra maneira, com uma ampla dose de liberdade e de inventividade (ROANI, 1998). A Histria resgatada e reescrita, o autor mantm uma liberdade discursiva sobre o que foi e o que poderia ter sido.

    O dialogismo, marca da produo literria contempornea, aparece no romance j nas primeiras pginas, alis, aparece no ttulo da obra, que faz referncia ao personagem escolhido, que duplamente inventado, baseado em outro que j existia na literatura portuguesa. E no por acaso Saramago coloca o mais ctico dos heternimos pessoanos nesse cenrio, quando a Europa est em ebulio, conturbada e agonizante, de valores degradados, onde a liberdade comeava a ser um sonho cada vez mais inatingvel (SILVA, 1989).

    O mundo representado pela obra deve legitimar a sua cenografia e, para reconstruir o ambiente de Lisboa dos anos 30, Saramago insere no romance textos jornalsticos da poca que:

    1 Citao retirada do texto Um romance sobre a revoluo portuguesa, de autor desconhecido, publicado no Le

    Monde Diplomatique - Brasil. (www.ala.nletras.com/livros/exortacao_aos_crocodilos.htm)

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    [...] focalizam a situao histrica portuguesa e europia, nesse ano crucial, em que se consolidam os regimes totalitrios de ndole fascista. O aproveitamento desses fragmentos da imprensa portuguesa proporciona uma minuciosa reconstituio das circunstncias sociais, polticas e histricas de Portugal, criando uma atmosfera cotidiana que bem poderia ser a experimentada por Reis em 1936. (ROANI, 1998, p.9)

    Saramago faz uma montagem de discursos heterogneos, mistura informao objetiva, discursos diretos, discursos irnicos do narrador, discursos emotivos (cf. SILVA, 1989, p.110). A citao de outros textos implcita neste romance, ou seja, autor e obra no so indicados, aparecem costurados, absorvidos por outra voz. Essa metalinguagem permite diversas leituras, e a intertextualidade s vai ser percebida se o leitor possuir repertrio ou memria cultural e literria para decodificar os textos superpostos. (SANTANNA, 1985)

    O narrador assume papel importante na narrativa, conhece o passado, o futuro e o presente. Saramago opta por uma voz narrativa analtica, metdica, que apanha o leitor pela mo deixando pouco espao para a subjetividade deste e a voz que comenta o narrado e at mesmo discute quais as melhores maneiras de expressar a idia que pretende comunicar um lembrete constante ao leitor da natureza artificial da fico.

    Alguns crticos argumentam que a arte ps-moderna no objetiva explorar a dificuldade, mas antes a impossibilidade de se impor um s significado ou uma s interpretao ao texto.

    [] Na metafico, o artista est presente no como criador, mas como produtor inscrito de um artefato capaz de promover mudanas sociais atravs de seus leitores. O autor manipulador torna-se uma posio a ser preenchida, uma presena a ser inferida pelo leitor. O mito romntico morre, o autor pensa mais em reescrever do que em criar um texto original. Em virtude disto, a metafico histrica tornou-se uma das mais populares dentro do gnero. Este tipo de metafico empenha-se em se situar na histria e no discurso, insistindo, ao mesmo tempo, em expressar sua natureza ficcional e lingstica autnoma. (REICHMANN, s/d)

    Um narrador manipulador tambm o recurso utilizado por Mrio de Carvalho no romance Era Bom que Trocssemos umas Ideias sobre o Assunto (2005). A ironia uma constante na obra, a comear pela advertncia inicial: Este livro contm particularidades irritantes para os mais acostumados. Ainda mais para os menos. Tem caricaturas. Humores. Derivaes. E alguns anacolutos. Pronto, est dado o recado, o leitor j pode se preparar para o que vai encontrar. Ou no.

    O romance foge do previsvel. Foge tambm do lugar-comum. Resgata a histria recente de Portugal, mas longe de se enquadrar em definies tradicionais de romance histrico. O dilogo com a Histria do pas est l, sem dvida. A volta ao passado se d atravs do resgate da histria dos personagens, e atravs dos seus caminhos trilhados que o autor critica o ontem e o hoje. Ao olhar para trs, questiona a Revoluo, as mudanas

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    ocorridas na sociedade, a burocracia da esquerda (afinal, o que o socialismo hoje?). A narrativa se passa no presente, mostra uma gerao que envelhece num pas muito diferente dos seus antigos (e esquecidos) sonhos2.

    O dilogo proposto entre narrador e leitor a tnica da narrativa. Ironia, sarcasmo, deboche o que no falta, afinal, a fico ps-moderna no aceita mais discursos totalizadores e autoritrios.

    Dessa forma, a histria passa a ser revisitada pelo texto literrio, no como uma escrita definitiva, mas sim com um olhar mais crtico, no sentido de entend-la com suas limitaes e como fruto de uma tentativa de resgate do que foi, considerando o status provisrio dessa escrita. Sob tal perspectiva, o passado retomado pelo vis da reavaliao, a partir do momento em que se revela por meio dos signos da escrita, os quais no se isentam da valorao a respeito do fato narrado. Nesse ponto, as paralelas da histria e da literatura se cruzam, solidarizando-se, e se mostram aptas ao encaminhamento da discusso sobre suas relaes no seio do gnero romanesco. (WHITE, 1992)

    O narrador de Mrio de Carvalho intruso e adivinho, antecipa acontecimentos, comenta o narrado e faz questo de avisar o leitor o tempo todo que se trata de uma narrativa ficcional, muito parecido com o que faz Saramago. o narrador no digno de confiana de Paul Ricouer (1997), que parece jogar o tempo todo com a sagacidade, a pacincia e a cumplicidade do leitor. A histria comea a desenrolar somente a partir da pgina 17:

    E porque j vamos na pgina dezesseis, em atraso sobre o momento em que os tericos da escrita criativa obrigam ao incio da aco, vejo-me obrigado a deixar para depois estas desinteressantes e algo eruditas consideraes sobre cores e arquiteturas, para passar de chofre ao movimento, ao enredo. Na pgina trs j deveria haver algum surpreendido, amado, ou morto. Falhei a ocasio de fazer progredir o romance. Daqui por diante, eu mortes no prometo, mas comprometo-me a tentear algumas surpresas. (CARVALHO, 2005, p.17)

    O personagem principal um heri fracassado. Joel Strosse, um homem de 50 anos, burocrata, que vive em descompasso com o seu tempo, tanto que resolve acreditar no comunismo como sada de seus problemas, e decide entrar para o Partido Comunista Portugus, quando isso no significa mais nada. Atravs desse heri complexado, o narrador apresenta os demais personagens e as situaes econmicas e polticas de Portugal. E revisita o passado, de forma crtica e irnica.

    [...] o romance de Mrio de Carvalho revela um simulacro, no apenas da narrativa, mas da prpria sociedade ps-moderna, que retrata a ruptura dos modelos tradicionais na tentativa de criar novos moldes de possibilidades sociais, amplamente falando. Visto sob esse prisma, o simulacro (simulao), com base no real, o extrapola, pois, partindo dele, no o copia, mas cria uma outra dimenso, desvelando uma outra realidade. A inteno, ao que parece, tornar perceptvel o questionamento acerca da narrativa e, por extenso, da sociedade atual.

    2 Trecho retirado da contracapa de CARVALHO, Mario de. Era Bom que Trocssemos umas Ideias sobre o

    Assunto. So Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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    Desterritorializa, dessa forma, a realidade, deixando-a em suspenso, obrigando-nos a observar, sob outros pontos de vista, o que est encoberto. Os espaos intencionais criados por uma narrativa inquietante (como o caso dessa), que coloca sobre um de equilibrista nossas certezas acerca dos elementos constitutivos da narrativa tradicional, por exemplo, interrompem o fluxo convencional de estrutura narratolgica, instaurando um outro caminho de percepo. (NIEDERAUER, 2008)

    Mrio de Carvalho desestrutura o modelo convencional de romance. Usa e abusa desse narrador irnico e questionador que vai conduzindo o leitor pelos meandros da histria. Assim como Lobo Antunes e Saramago, Mrio de Carvalho tambm desmitifica o passado portugus, questiona crenas e valores, e prope a repensagem, tanto do ontem, como do hoje. Literatura como provocao, como reflexo.

    3 O resgate do romance histrico tradicional nos romances portugueses do sculo XXI

    O romance histrico tradicional nunca chegou a sair de moda. Assim como a Histria nunca deixou de ser temtica favorita de romancistas. Mas enquanto a gerao anterior preocupava-se com renovao esttica, experimentao, viso crtica, desmistificao, parece que a literatura produzida nos ltimos anos tenta resgatar o modelo tradicional de fico histrica.

    Fernando Campos, reconhecido autor de romances histricos, usa e abusa do passado em suas obras. Um dos personagens que decide recontar a histria a figura mtica de Gonalo Mendes da Maia, conhecido como o Lidador, no livro O Cavaleiro da guia (2005). A narrativa aproxima-se do modelo tradicional pela temtica e linguagem, ao mesmo tempo em que se afasta ao apostar em tempos narrativos diferentes, que se cruzam.

    O que impressiona no tanto a linguagem, mas a temtica, essa volta ao passado mtico e glorioso, sem espao para crticas e questionamentos. Respeita o que teria sido, baseia-se em dados histricos e cria uma histria ao redor de uma personagem clssica e conhecida do pblico leitor. Personagem que j habitou outros narrativas3. As figuras histricas so retratadas com heroicamente e carregadas de sentimentos nobres.

    Se os propsitos de quem usa a Histria em textos que no pretendem propriamente fazer estudos cientficos e rigorosos, o de legitimar comportamentos, opes ou, at, cdigos nacionais, que necessitam da construo de um passado, verossmil, mas no necessariamente, verdadeiro, ento no ser de estranhar que apaream textos, de credibilidade duvidosa, mas, inegavelmente, fundadores de paradigmas essenciais. (MARINHO, 2009)

    Fernando Campos, em O Cavaleiro da guia, intercala duas narrativas. A histria do Lidador, que teria sido escrita por cronistas da poca, sendo lida pelo Cnego e por Randulfo,

    3 Por exemplo, A morte do Lidador, de Alexandre Herculano.

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    cujo destino vai se cruzar com o do heri histrico. Dividido em captulos e intermezos, para atrair o leitor moderno, o autor utiliza o recurso do suspense, cria uma trama policial paralela com a histria narrada pelos cronistas.

    O carcter inacabado da Histria s pode ter como contraponto o carcter inacabado da Literatura. Por isso se continuam a escrever romances ou contos com personagens do passado, para consolidar o sujeito com a memria, individual e colectiva, para o situar num tempo reversvel e utpico. (MARINHO, 2009)

    No final do romance, Campos apresenta um eplogo primeiro, que desvendaria o mistrio. Ou no. J que atrelado ao eplogo traz uma nota de rodap questionando a veracidade da histria narrada, no da que contavam os cronistas, mas a narrada pelo Cnego. Esse dilogo com o leitor caracterstica da literatura contempornea, que deixa claro o carter dbio do narrador, que no digno de confiana, principalmente por estar em primeira pessoa.

    Nas notas do autor, no final do livro, percebe-se sua preocupao em esclarecer sobre suas fontes e principalmente com o carter educativo da obra. Pois o romance histrico tinha tambm essa pretenso: ensinar atravs da literatura.

    Embora a figura central deste livro seja Gonalo Mendes da Maia, a verdade que o autor, no esquecendo os graves problemas que hoje se levantam entre o mundo cristo e o mundo rabe, quis dar um sentido universal sua viso dos dissdios entre os homens. E, na sociedade peninsular dos sculos XI e XII, a par dos horrores da guerra entre Cristos e rabes, entre cristos e cristos e entre rabes e rabes, h exemplos de compreenso e humildade, de harmonia, alianas, casamentos com gerao. (CAMPOS, 2005)

    O jornalista Domingos de Freitas do Amaral (2006) opta por retratar um passado mais prximo. Glorioso, glamoroso, mas quase esquecido nos dias de hoje. Retrata no romance Enquanto O Ditador Dormia a Lisboa do incio dos anos 40. Em 1941, em plena II Guerra Mundial, a cidade tinha uma posio privilegiada, tudo acontecia enquanto o ditador dormia. Como Salazar habilmente manteve a neutralidade de Portugal, mesmo dividido entre a simpatia ao nazi-fascismo e histrica aliana com a Inglaterra, a cidade recebia refugiados de toda a Europa, e era o caminho de fuga para a Amrica.

    Segundo o autor, os personagens so fictcios, mas suas vivncias e descries so reais. Podemos entender que ele quer dizer que era possvel existir naquela Lisboa uma personagem como o espio luso-britnico Jack Gil, j que existiu uma rede de espionagem que tentava desmantelar o grupo de espies nazistas. A histria narrada em primeira pessoa, so as memrias do ex-espio, 50 anos mais tarde, quando j com 80 anos retorna a Lisboa para o casamento do neto. Ao chegar na cidade, surgem as recordaes daquele tempo efervescente, das coisas que aconteciam quando Salazar dormia.

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    Novamente nos deparamos com um romance histrico no estilo tradicional, que resgata um momento da histria, contextualiza a obra, tenta manter-se fiel ao tempo que escolheu, e, a partir da, cria sua fico. Sem pretenses maiores do que contar uma boa histria e resgatar uma poca quase esquecida, enaltecendo Lisboa e Portugal e mostrando que o pas no foi o centro do mundo apenas na poca das navegaes...

    Nada, de repente, existia. A no ser Lisboa, cinquenta anos atrs. A minha Lisboa, onde amei tanto e tantas vezes. A minha Lisboa, das penses e dos espies, dos barcos ingleses e dos submarinos alemes; a Lisboa das ligas da Mary em cima de um lenol branco; a Lisboa dos cocktails no Aviz enquanto eu perseguia Alice; a Lisboa do penteado " refugiada" da minha noiva, a Carminho; a Lisboa dessa menina linda, frgil e alem, Anika, por quem arrisquei o pescoo; a Lisboa de Michael... (AMARAL, 2006, p.11)

    Segundo o autor4, o livro neutro, no critica nem concorda com Salazar. Diz ele que a obra em questo no poltica. Pelo que podemos perceber, o escritor e jornalista tenta no se posicionar. Em entrevista a Jos Eduardo Biscainho, Domingos do Amaral relata que o que motivou-o a escrever o livro foi sua paixo pela II Guerra Mundial:

    [...] uma paixo que vem desde a infncia, em que lia livros de banda desenhada, histrias ilustradas e via sries televisivas sobre o tema. Ao longo do tempo, o autor leu biografias, romances e livros de Histria sobre esse tempo, mas era sempre sobre a guerra na Rssia, na Normandia, no Pacfico ou em Itlia. S depois dos seus 30 anos se deu conta que, mais do que se pensa, a Segunda Guerra Mundial foi um fenmeno muito presente na vida dos portugueses. Embora Portugal no tenha participado na Guerra, a Guerra entrou por Portugal adentro, tal como o mesmo refere na entrevista. medida que avanava na investigao, o autor ficava cada vez mais fascinado com a riqueza histrica dessa poca, e foi ento que nasceu a necessidade de escrever uma histria sobre algum que vivera em Lisboa durante os anos da Segunda Guerra Mundial, e assim surgiu o livro Enquanto Salazar dormia.5

    J o escritor Miguel Sousa Tavares (2004), tambm jornalista, escolhe como cenrio o conturbado perodo da decadncia da Monarquia em Portugal para retratar no romance Equador. A narrativa do seu livro de estria se desenrola na colnia de So Tom e Prncipe e pode ser enquadrada como romance histrico ela mais clssica definio do gnero: cor local, personagens referenciais de primeiro plano, evocao fiel de um tempo.

    A Histria revisitada para mostrar uma realidade diferente da que ficou registrada nos livros. Aborda a questo da escravido nas colnias, muito depois da abolio. Foca tambm os conflitos entre Inglaterra e Portugal sobre a forma como os trabalhadores eram tratados. O autor demonstra profunda pesquisa para escrever esta obra que mistura fatos histricos e ficcionais.

    O bom vivant Luis Bernardo Valena, protagonista do romance, aos 37 anos recebe do

    4 Cf. texto publicado em: http://12razoesparavisitaralmodovar.blogspot.com/2009/05/xix-quinzena-cultural-

    primavera-no.html 5 Idem, ibidem.

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    rei o convite para governar So Tom e Prncipe e resolver a questo dos trabalhadores rurais, que os ingleses acusam de serem tratados como escravos. Acreditando que pode fazer alguma coisa para mudar a realidade local, ele aceita. Deixa a boa vida em Lisboa e vai para o Equador. O choque entre esse governador culto e humanista com a sociedade local evidente. E suas tentativas de acabar com o trabalho escravo, vs.

    Em entrevista, conta que idia de escrever o livro surgiu no anos 90, quando recebeu um livro manuscrito sobre as relaes de trabalho nas roas em So Tom e Prncipe, que seria um relatrio a ser entregue ao rei Dom Carlos. Tais registros teriam sido feitos no final da monarquia e descreve a posio portuguesa em relao s acusaes inglesas. E, tal qual os romnticos, Tavares viaja at as ilhas para conhecer de perto o local onde vai desenrolar sua histria, baseada nessas anotaes. Foi a que tropecei neste episdio da histria de Portugal que desconhecia: houve um conflito com a Inglaterra a propsito do trabalho escravo na ilha de S. Tom e Prncipe. Isso inspirou-me a histria e a ilha inspirou-me o resto.6

    O escritor ficou uma semana por l, anotando e registrando o que podia. Voltou com a idia do romance pronta. Mas como tinha uma grande preocupao com a Histria e em ser fiel a ela, na volta contratou uma historiadora para ajud-lo:

    Enquanto escrevia, contratei uma licenciada em Histria, Ana Xavier Cifuentes, para verificar uma srie de dados. Ela voltou a So Tom, j em plena escrita do romance, para verificar qual era o nome antigo das ruas, para consultar o Arquivo Histrico de S. Tom e Prncipe, etc.7

    Sobre os erros histricos apontados na obra, fez algumas correes, mas depois, tratou de responder que no era historiador, mas romancista. A sua obra descritiva, os ambientes so detalhados, h uma preocupao com o visual, com o imagtico. Diferente de autores como Lobo Antunes e Saramago, por exemplo, se atm a pormenores, como descrio completa do cardpio, que, segundo ele, foi copiada risca de um menu da poca.

    Apesar da histria se passar na colnia, o ponto de vista continua sendo o do colonizador. O autor critica a sociedade lisboeta, to vazia e despreocupada com a realidade das colnias ultramarinas. Ao mesmo tempo, mostra como teoria e prtica se distanciam, pois o protagonista adotava um discurso antes de embarcar para o Equador e, apesar de ter tentado permanecer fiel a ele, descobriu que a realidade era muito mais complexa do que imaginava.

    Para quem pretende ser to realista e fiel aos fatos histricos, impressiona que utilize algumas descries to inverossmeis. Suas personagens femininas so lindas, sensuais,

    6 Trecho de entrevista de Miguel Tavares ao jornal Pblico, publicada em 13 de dezembro de 2003. Disponvel

    em: http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/045286.html 7 Idem, ibidem.

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    exuberantes, tanto a escrava que cuida do governador como a emblemtica Ann, como podemos observar no trecho a seguir:

    E, de repente, a simples viso de Ann, no seu vestido de alas de seda branca, as costas, os ombros e o vale entre o peito altivo descobertos, e uma safira azul pendente num decote que era todo um mundo de promessas, fora suficiente para arrasar e deitar por terra todos os seus enganos. Por que no h engano que resista evidncia de uns ombros direitos, a umas costas expostas e macias at vista e a um peito exuberante, subido, como montanhas desafiando um conquistador. Ann arrasava tudo volta, sorrindo recatada, quase pedindo desculpas pblicas por ser to bonita e to devastadoramente desejvel. (TAVARES, 2004, p.443)

    Apesar de algumas descries em dissonncia com a obra, o autor tenta mostrar uma realidade outra, fico, no existiu um Luis Bernardo, mas como as anotaes que chegaram at o escritor comprovam, poderia ter existido. Afinal, nem todos eram coniventes com as condies locais, o difcil era se rebelar, como bem mostra Tavares.

    Observaes finais: Enquanto a gerao que surgiu ps-74 se voltava para o passado com o intuito de

    desmitific-lo, hoje parece que se consolida uma gerao com objetivo oposto, que olha para trs a fim de encontrar um passado glorioso do qual possa se orgulhar.

    Podemos confirmar isso em vrias obras, seja atravs do resgate de clebre personagem histrico, como fez Fernando Campos em O Cavaleiro da guia, em que narra a vida de D. Gonalo Mendes da Maia; seja atravs das memrias de um ex-espio sobre um perodo em que Lisboa foi o centro da Europa e teve papel importante na histria, como nos primeiros anos da II Guerra Mundial, na obra de Domingos Freitas do Amaral; ou mesmo um mea-culpa sobre a manuteno da escravatura nas colnias mesmo aps abolio, como fez Miguel Souza Tavares.

    Parece que a histria literria mesmo cclica, aps uma fase de experimentalismos, surge outra de resgate s tradies, muito mais clssica e conservadora, inovando justamente ao fugir dos modelos inovadores e apostar no velho com nova roupagem. Como diz Agustina Bessa-Lus inventar o melhor espelho, e o resto no interessa nada.(apud MARINHO, 2009, p.138)

    Para representar o caos da sociedade moderna existe de tudo, autores que apostam em frmulas tradicionais, outros que inovam, uns que fragmentam e estilhaalham suas narrativas, outros que ironizam e debocham da prpria Histria. Todas as frmulas so vlidas. O romance, este espelho do mundo, tem muitas faces.

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