rosenberg-anthony james_o estagio burocratico e a formacao do professor-pasiagens de acao e...
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Dissertação de Anthony James Rosenberg - "O Estágio burocrático e a formação do professor"TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
O Estgio Burocrtico e a Formao do Professor: paisagens de ao e paisagens de conscincia na
Licenciatura em Lngua Inglesa
Um Estudo de Caso
Orientadora: Prof. Dr. Walkyria Monte Mr
Orientando: Anthony James Rosenberg
setembro, 2008
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 1
Sumrio
Introduo ................................................................................................................ 3
Captulo 1: A Trajetria do Curso de Licenciatura sob Estudo: Estgio
Burocrtico? Formao Burocrtica? .....................................................................
15
1.1 O Papel do Supervisor do Estgio de Licenciatura ..................................... 20
1.2 O Estgio Supervisionado ........................................................................... 23
1.3 O Estgio Supervisionado na IES em Questo: O Estgio Burocrtico ..... 26
1.4 O Estgio Interno do TCC ........................................................................... 29
1.4.1 O Estgio Interno Orientao ....................................................... 30
1.5 O Estgio Externo ....................................................................................... 40
1.5.1 A Carta de Apresentao ................................................................ 40
1.5.2 Relao entre a IES e a Escola ...................................................... 41
1.5.3 Hora/aula do Estgio Externo ......................................................... 44
1.5.4 As Fichas Comprobatrias .............................................................. 45
1.5.5 Dirios de Classe ............................................................................ 48
1.6 O Projeto Pedaggico da Escola ................................................................ 61
1.7 Informaes Seleo ................................................................................ 62
1.8 O Trabalho de Concluso de Curso ............................................................ 69
Captulo 2: A Formao do Professor Crtico e Reflexivo ........................................ 71
2.1 Construo de Identidade ........................................................................... 73
2.2 A Individualidade na Coletividade ............................................................... 79
2.3 A Identidade do Professor Mudanas Histricas ..................................... 83
Captulo 3: Paisagens de Ao e Conscincia no Estgio em Licenciatura ............ 86
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3.1 A Paisagem da Ao ................................................................................... 87
3.1.1 Agentes ........................................................................................... 88
3.1.2 Intenes ou Metas ......................................................................... 95
3.1.3 Situao .......................................................................................... 99
3.1.4 Instrumento / Gramtica da Histria ................................................ 102
3.2 A Paisagem da Conscincia ....................................................................... 106
3.2.1 O que Sabem ou no Sabem; o que Pensam ou no Pensam; o
que Sentem ou no Sentem ..................................................................... 109
Concluso ................................................................................................................. 111
Bibliografia ............................................................................................................... 119
Anexo I: Entrevistas com Professoras, Ex-estagirias da IES em Questo ............. 125
Primeira Entrevista ......................................................................................... 126
Segunda Entrevista ......................................................................................... 133
Terceira Entrevista .......................................................................................... 141
Quarta Entrevista ............................................................................................ 148
Anexo II: Manual do Estgio Supervisionado da IES em Questo ........................... 156
Anexo III: Exemplo de Anlise de Livro Didtico ...................................................... 183
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Resumo
Esta dissertao investigou, atravs de um estudo de caso de uma instituio de ensino
superior privada, o estgio supervisionado de professores no curso de Licenciatura para
a Lngua Inglesa. Embora tenha o propsito de promover uma experincia prtica no
local de trabalho, observa-se que o estgio supervisionado obrigatrio, pela
legislao, para o professor se formar muitas vezes se torna um momento de
frustraes para o estagirio. Identificando os conceitos tericos desse tipo de estgio,
esta Investigao indicou que a burocracia interfere na construo de identidade, na
formao e preparao do professor. Esta experincia singular pode, no entanto, ser
um evento gratificante no percurso do estagirio se houver a devida orientao. A
investigao conclui que com a adoo de uma abordagem sociolgica, etnogrfica e
dialtica para uma pesquisa inicial de grande relevncia, os estagirios tendero a
mitigar as frustraes relacionadas documentao e envolver-se numa investigao
valiosa a respeito de: o que um professor, o que ele faz, quem sou eu (estagirio) e
que tipo de professor eu quero ser. Argumento, portanto, que a participao ativa e
engajada nesse momento da carreira do professor, essencial para promover uma
formao inovadora de professor para um mundo moderno e em constante mudana.
Palavras-chave: estgio supervisionado, construo de identidade, pesquisa
etnogrfica, formao de professor, observao participante.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 4
Abstract
This dissertation has investigated, by means of a case study in a private college,
supervised teachers internships at Teachers College for English teachers. Despite
proposing hands-on experience in the work place, the supervised internship, legally
mandatory for teachers to graduate, quite often turns out to be a moment of frustration
for the teacher-to-be. By bringing to light the theoretical background of such an
internship, this investigation indicates that bureaucracy interferes in the construction of
identity, as well as in a teachers education and preparation. This unique experience
can, however, be a fulfilling event in the interns journey if it is given the due orientation.
The investigation has concluded that by adopting a sociological, ethnographic and
dialectic approach to such an initial yet significant research paper, interns will be more
inclined to see beyond the red tape and involve themselves in a rewarding investigation
of: what a teacher is, what a teacher does, who am I and what kind of teacher do I wish
to be. I therefore argue that active and engaging participation at this point in an interns
career is essential for promoting innovative teacher education for the modern, ever-
changing world.
Key words: supervised internship, construction of identity, ethnographic research,
teacher education, participative observation.
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Introduo
Nesta dissertao, a investigao enfatizar a estrutura, a metodologia e,
fundamentalmente, a ideologia do estgio supervisionado do curso de licenciatura de
uma Instituio de Ensino Superior (IES) particular de So Paulo, cuja proposta , no
mnimo, curiosa. O estgio supervisionado do referido curso possui uma composio
distinta e, por isso, tornou-se o objeto desta pesquisa. A estrutura do curso de
licenciatura segue, peculiarmente, a clusula 31 da resoluo n 343536 do Ministrio
de Cultura. Essas distintas estruturas despertaram o interesse do pesquisador, um ex-
assessor do curso em questo, de compreender as ideologias por trs de tal formato e
as decorrncias dele para os estagirios, principalmente luz da construo de uma
identidade de professor.
Durante o perodo como assessor do curso de licenciatura na acima mencionada IES,
fui um dos dois professores da disciplina Prtica de Ensino, isto , dividi a coordenao
do estgio supervisionado com um outro professor. Essa experincia me colocou em
contato direto com os estagirios, os documentos relevantes e os outros agentes
envolvidos nesse tipo de experincia. Nesta pesquisa, pretendo analisar alguns dos
conflitos do estgio pelos quais passei, exercendo um papel especfico, porm
complexo, em que era visto ora como orientador da pesquisa ora como um dos
empecilhos para que fosse realizada. Esse papel duplo aumentou meu interesse em
verificar a significao do curso e do estgio na construo da identidade do estagirio
no incio de sua carreira de professor.
Para focar esse objeto de estudo, fez-se necessria a incluso da anlise de vrios
documentos, relatrios e agentes envolvidos no estgio supervisionado. Com isso,
estudei diversos aspectos do estgio supervisionado na IES em questo, sob diversos
pontos de vista, inclusive o metodolgico, prtico, terico e, principalmente, identitrio.
Ao investigar tais elementos sob esses pontos de vista, descrevo tanto os conflitos
quanto as sintonias decorrentes das diversas ideologias empregadas para estruturar o
estgio dessa maneira particular e das ideologias dos agentes envolvidos. Uma vez
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encontrados, analiso-os e contemplo-os segundo as teorias de autores como Alastair
Pennycook, Antnio Nvoa, Anna Maria G. Carmagnani, Anthony Appiah, Danile M.
Klapproth, Henry A. Giroux, Homi Bhabha, James Fanselow, Jerome Bruner, Joo
Ribeiro Junior, Leandro Konder, Martin Lawn, Maria Socorro Lucena Lima, Michel
Foucault, James Paul Gee, Pierre Bourdieu, Phillippe Perrenoud e Selma Garrida
Pimenta. Ao conciliar essas teorias com as prticas e experincias dos envolvidos na
realizao do estgio supervisionado, procuro encontrar e contemplar a questo da
unio da teoria com a prtica nesse formato distinto. O objetivo, ento, de verificar a
significncia e relevncia para o estagirio dessa unio da teoria com a prtica na sua
formao, comparando o formato do estgio supervisionado com alguns outros e, por
no poder isolar o componente do estgio do curso, o formato distinto do curso de
licenciatura da IES em questo com outros formatos de outras IES.
A estrutura especial do estgio supervisionado sob investigao permite uma pesquisa
diversificada devido sua prpria natureza e s variantes dos seus diversos
componentes, considerados importantes e necessrios pela IES para uma experincia
significante e relevante do estagirio. No entanto, supe-se que esse formato e a
burocracia relevante nem sempre promovam uma experincia proveitosa devido
dificuldade em realizar o estgio, o que pode resultar em frustrao. Interpretando as
percepes dos agentes do estgio supervisionado, atravs de anlise dos relatrios e
entrevistas, espera-se encontrar diferenas no s de opinies, mas tambm de
ideologias sobre a profisso, a formao dos docentes e a realizao pessoal. A anlise
dessas diferenas um dos pontos principais da presente pesquisa que se serve de
uma amostra da concepo de estgio supervisionado das Instituies de Ensino
Superior privadas.
Vendo o estgio como um momento em que muitos estudantes iniciam sua carreira,
entende-se que ocorre tambm uma reconstruo de identidade desses professores-
estudantes. Vale ressaltar que muitos estagirios j esto lecionando e, portanto, se
encontram em outro momento dessa construo. Essa identidade no s de
professor, mas tambm de uma nova pessoa que embarca numa jornada profissional
que far parte da formao das suas ideologias e, conseqentemente, das suas
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prticas pedaggicas enquanto exerce a nova profisso. Nesta investigao,
pressupe-se que as diferenas de valores e de ideologias, embora muitas vezes
desagradveis e frustrantes, proporcionam oportunidades de dialogar com as narrativas
dos agentes envolvidos no estgio para iniciar a construo dessa nova identidade. As
teorias da construo de identidade de Klapproth e Appiah, junto com as concepes
de Bourdieu sobre o campo, sero empregadas na anlise dos relatrios dos
estagirios, dando subsdios identificao de momentos em que as narrativas
articulam para tal construo.
Vrios so os fatores apontados quando a crise da educao brasileira descrita: falta
de professores, verbas insuficientes, interesses divergentes, resultados insuficientes,
dedicao insatisfatria, estrutura fraca e outros. Nesse quadro, observa-se que novos
professores se formam nas universidades ou faculdades e iniciam ou continuam, visto
que alguns j trabalham antes mesmo de se graduarem suas atividades didtico-
pedaggicas em escolas. Do ponto de vista da comunidade acadmica e tambm da
sociedade, h sempre uma grande expectativa da realizao de um trabalho satisfatrio
pelos novos licenciados. Do ponto de vista desses recm-formados, tambm espera-se
que os estudos realizados possam lhes trazer subsdios e respostas para as prticas de
suas aulas. Compreende-se, assim, que a sua formao pode ser fundamental para
que sejam, de fato, transformadores da sociedade, elementos ativos na promoo da
tica em todas as relaes da escola com a sociedade, conforme as expectativas que
se criam a respeito desse profissional.
Focalizando o professor de lngua inglesa, esta dissertao pretende refletir sobre a sua
formao no que concerne o estgio supervisionado, etapa prevista no curso de
Licenciatura em Letras-Ingls. Entende-se que essa etapa representa um momento-
chave na preparao da profisso de professor devido sua contribuio para que o
docente se desenvolva como um agente transformador reflexivo de sua sociedade.
Perceber o estgio supervisionado de formao como uma prtica social requer uma
orientao clara e pensada, visando a um momento e um espao para que o docente
em formao tenha a oportunidade de se formar e no s cumprir um dever de forma
burocrtica. Por compreender o estgio como uma possibilidade de amadurecimento e
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crescimento na formao docente, esta pesquisa se volta para a investigao do
trabalho de estgio realizado em uma universidade da cidade de So Paulo, buscando
interpretar as contradies existentes entre as possibilidades deste e a sua
concretizao observada na citada Instituio de Ensino Superior.
Espera-se que estes estudos produzam novos insumos a respeito do tema e
possibilitem reflexes, de maneira a contribuir para os programas de formao de
professores de lngua inglesa, programas esses que se encontram em discusso,
transformao, implementao, nos cursos de licenciatura das universidades e
faculdades brasileiras.
Como metodologia de pesquisa, reconheo as contribuies das pesquisas sobre a
construo de identidade da perspectiva psicanaltica, sociolgica e antropolgica. A
viso psicanaltica a considera um processo de construo inconsciente, recuperado
atravs de atos falhos e manifestaes indiretas que podem ser indicativas de sua
constituio (Carmagnani, 2003, p. 93). Tal construo envolve narrativas especficas
e pessoais de cada indivduo dialogando com outras narrativas presentes nos vrios
contextos de sua vida. As perspectivas sociolgicas e antropolgicas sugerem que
nos discursos e nos atos1 (Bhabha, p. 180), neste caso do estagirio, que se
manifestam suas estratgias de construo de identidade. Ou seja, a indicao da
constituio de uma identidade est na linguagem do sujeito, neste caso, desse
estagirio, e nos seus atos, ambos inconscientes. Assim, a identidade no se constitui
de forma isolada, mas sim pelas narrativas em que e com que o sujeito age. So as
narrativas que produzem a identidade atravs da identificao do eu (sujeito) com a
causa (objeto) (Nasio, 1989, p. 101). Porm, este estudo pretende se concentrar na
perspectiva sociolgica e antropolgica de identidade.
A anlise realizada durante esta pesquisa ser das perspectivas etnogrfica e
sociolgica. Isso ocorre devido viso do pesquisador do campo educacional como um
espao social, onde o aspecto cultural da vida cresce com trocas de conhecimentos,
prtica de valores e significados, alm de contestao e resistncia, como tambm
1 (...) For narrative is both speech and action, (...)
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diversidade e relaes. O espao onde se realiza o estgio supervisionado, por ser um
ponto de encontro do social (sociedade), oferece mltiplas dimenses, todas dinmicas
por natureza, que exigem uma pesquisa etnogrfica e dialtica devido s dimenses
imediatas e mediatas (Konder, 1984, p. 47). Imediata, pois se percebe algo de
imediato; e mediata, pois se descobre, constri-se e reconstri-se. durante a
realizao do estgio, uma pesquisa estruturada porm flexvel tambm por natureza
, que o estagirio descobre fatores a serem questionados e ponderados luz das
referncias tericas, para depois, e conseqentemente, empregar os novos
conhecimentos e as novas narrativas na construo de uma identidade e, aps uma
reflexo maior, uma reconstruo dela. Inserido na cultura escolar, o estagirio pondera
as observaes tanto das aes que registra, em forma de descries, quanto da
linguagem do local da pesquisa para estabelecer significados. A cultura escolar, como
qualquer cultura, oferece um conjunto especfico que o estagirio tem de descrever e
interpretar em relatrios. Andr fornece uma definio de cultura a partir de Spradley
(1979 apud Andr, 1995, p. 19), como sendo
o conhecimento j adquirido que as pessoas usam para interpretar experincias e gerar
comportamentos.
Ao inserir-se numa cultura, o pesquisador etnogrfico deve, ento, descrever e
interpretar o que as pessoas fazem, o que elas sabem e as coisas que elas constroem
e usam (idem), segundo as referncias dessas pessoas em seus meios. Essa viso
corresponde ao que Geertz (1978, p. 14) identifica na etnografia como uma descrio
densa que um contexto, algo dentro do que os smbolos podem ser inteligivelmente
ou densamente descritos. Entende-se, ento, que tanto a descrio quanto a
interpretao so partes indispensveis da pesquisa etnogrfica. A interpretao feita
atravs das interaes com um meio, neste caso, o escolar. A proposta do estgio
supervisionado pede a interpretao pelo estagirio ao interagir com este meio, atravs
de descries a partir de observaes e participao nas atividades daquele contexto.
possvel, porm, que, durante a descrio de um meio, as interpretaes contenham
concepes preestabelecidas do pesquisador. Andr (1995, p. 46) adverte que
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(...) deve se voltar para os valores, as concepes e os significados culturais das agentes
pesquisadas, tentando compreend-los e descrev-los e no encaix-los em concepes e
valores do pesquisador.
Assim, compreende-se que o pesquisador etnogrfico precisa se enxergar no papel do
estranho na busca do significado atribudo quele meio pelos participantes daquela
cultura ou meio. A interpretao, portanto, nesse tipo de pesquisa, deve se sustentar
em teorias para que as percepes geradas a partir da pesquisa no sejam
contaminadas por preconceitos. Trata-se de uma tarefa difcil, uma vez que o estagirio
estuda em uma IES com professores de diversos campos que exigem uma
aproximao com as disciplinas, especificamente com as teorias de cada disciplina. No
contato com muitos estagirios, observei ser comum que esses tendam a tomar as
teorias como verdades nicas e absolutas quando no houve contato prvio com o
meio em que se faz a prtica. O resultado dessa viso pode conduzir a um conflito.
Conflito este que, para Pimenta e Lima (2004, p. 40), pode surgir quando o estgio se
reduz a usar as teorias para
captar os desvios e falhas da escola, dos diretores e dos professores, configurando-se como
um criticismo vazio, uma vez que os estagirios l iam somente para rotular as escolas e
seus profissionais como tradicionais e autoritrios entre outras qualificaes.
A rotulao em questo, inevitvel por natureza para nomear as coisas/objetos do
mundo, pode vir da pouca experincia do estagirio com o novo contexto e os novos
agentes. No entanto, o objetivo do estgio supervisionado, em conjunto com os outros
componentes do curso de Licenciatura, promover uma viso menos taxativa e mais
interativa.
De acordo com a viso de professor apresentada nas Propostas Conceituais e
Metodolgicas do Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio no
Ensino Fundamental e no Ensino Mdio - Pr-licenciatura - do Ministrio da Educao
(2005, p. 8, item 8), o professor entendido como um profissional que tem uma
(...) viso clara sobre quem so seus alunos e o espao cultural em que se encontram
estudantes e escola.
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Se esperado que o professor tenha tal viso, o estgio supervisionado oferece
espao para semear esse conceito. O estagirio, em contato com os alunos e o espao
cultural, est exposto ao cotidiano do contexto escolar e, atravs da interao com esse
contexto, inicia um dilogo em forma de interaes enquanto presente, com as diversas
narrativas para construir um significado para elas. Em uma produo cientfica
posterior, reconstri as narrativas em forma de relatrios do estgio. De acordo com as
teorias sobre narrativas, esta reconstruo, j presente nas descries em tais
relatrios, inclui uma viso j modificada daquela existente de antes da realizao do
estgio supervisionado. No registro final, a narrativa j se modificou, j se transformou;
a identidade j se reconstruiu.
O professor, de acordo com o mesmo documento do MEC (2005, p. 8, item 9), tambm
deve ter
(...) capacidade e segurana para migrar do papel de reprodutor de conhecimento produzido
por terceiros para o de produtor de conhecimento, autor de seu projeto profissional e de bens
culturais (incluindo propostas pedaggicas e materiais de apoio educao);.
Entendo que o estgio supervisionado aproxima-se do conceito da pesquisa etnogrfica
e interpretativa, e, por essa razo, pode-se tornar um dos primeiros momentos em que
o estagirio tem a oportunidade de refletir sobre a prtica, no ambiente da prtica,
segundo as teorias. Vendo, ouvindo, tocando, vivendo, convivendo com coisas que so
novas ou, no mnimo, diferentes do seu cotidiano como estagirio que este ingressa
no que Marx determina como movimento material. Konder (1984, p. 52) explica
Para Marx, o homem tinha um corpo, uma dimenso concretamente natural e por isso a
natureza humana se modifica materialmente, na sua atividade fsica sobre o mundo: ao
atuar sobre a natureza exterior, o homem modifica, ao mesmo tempo, sua prpria natureza.
As modificaes de Marx tm fundamento na teoria, considerada radical por muito
tempo, de Herclito de Efeso (aprox. 540-480 a.C). O famoso fragmento da sua filosofia
entende que o homem no toma banho duas vezes no mesmo rio, pois, depois do
primeiro banho, os dois, o homem e o rio, tero se modificado. Outros filsofos se
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referem ao homem como existindo e vivendo num mundo dialtico. Nesta dissertao, a
preferncia ser dada concepo dos filsofos Marx, Engels e Lnin (apud Konder,
1981, p. 71). O autor resume a concepo dos trs: a prtica exigia um reexame da
teoria, e a teoria servia para criticar a prtica em profundidade, servia para questionar e
corrigir a prtica. Assim, entende-se que o estgio, por ser um dos momentos mais
intensos e mais propcios que causa o reexame do estagirio (em vrios aspectos),
possibilita um processo dialtico na sua essncia. Proporciona uma experincia em que
o estagirio migre do papel reprodutor de conhecimento para o de um produtor de
conhecimento. A produo escrita, os relatrios do estgio, apresenta a chance de
projetar sua vida profissional atravs do dilogo tambm dialtico mediatizado pelo
estagirio na construo e reconstruo da sua identidade.
Com essa viso do estgio supervisionado, a presente pesquisa ser conduzida com as
perspectivas etnogrfica, dialtica e sociolgica justificadas acima. No entanto, de
suma importncia, para esta dissertao, estabelecer uma clara posio sobre a
definio de dialtica e, principalmente, de positivismo. No a minha inteno
escrever novas interpretaes dos grandes pensadores desses dois temas, mas sim
estabelecer um raciocnio para sustentar uma posio especfica ao empreg-los nos
meus argumentos.
De acordo com Konder (1984, p. 8), a dialtica moderna significa o modo de
pensarmos as contradies da realidade, o modo de compreendermos a realidade
como essencialmente contraditria e em permanente transformao. O autor baseia-se
nos filsofos Hegel e Kant, que reconheciam que o sujeito humano essencialmente
ativo e est sempre interferindo na realidade (idem, p. 22), alm de recorrer aos
pensamentos de Karl Marx, que entendia a atividade humana como um processo (...)
que nunca alcana uma etapa definitiva e acabada (idem, p. 36). Levando em conta
essas definies e a natureza do estgio supervisionado, essencial o reconhecimento
do aspecto transformador desse tipo de pesquisa (o estgio) e a interferncia na
realidade do locus (da escola em que o estgio realizado) por cada estagirio e vice-
versa ou seja, as eventuais alteraes que ocorrem na realidade do estagirio por
cada locus. O estgio, na sua ntegra, consiste em contradies entre as partes e,
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concomitantemente, na unio delas. As particularidades da cada estagirio, de cada
escola, de cada professor, de cada estgio em si, combinam com o conceito da
dialtica devido ao fato de que, de acordo com o filsofo Engels, as coisas no mudam
sempre no mesmo ritmo (Konder, 1984, p. 58). Cada escola tem seu ritmo pedaggico,
assim como cada aluno precisa do seu tempo de aprendizagem. Alm disso, Engels
entende que os diversos aspectos da realidade se entrelaam e, em diferentes nveis,
dependem uns dos outros, de modo que as coisas no podem ser compreendidas
isoladamente (idem, p. 58). Assim, o estagirio, para realizar seu estudo in loco,
depende dos outros agentes que encontra na realizao do estgio, tais como o
supervisor, os outros estagirios, a escola, os professores, os alunos etc. As interaes
e elementos do estgio no podem ser analisados sem fazer conexes entre as
ideologias que os permeiam.
Konder (1984, p. 84) explica ainda a metodologia dialtica como algo que nos incita a
revermos o passado luz do que est acontecendo no presente; ele questiona o
presente em nome do futuro, o que est sendo em nome do que ainda no .
Enquanto a dialtica incomoda a metodologia tradicionalmente cientfica, pois os
hbitos e valores cristalizados se tornam inevitavelmente mveis, ela aceita as
contradies da histria como sendo constantes e necessrias para que o homem
possa no somente interpret-las, mas tambm transform-las (Marx apud Konder, p.
87). nessa perspectiva que percebo a dialtica nesta dissertao.
Em contrapartida, percebo o conceito de positivismo como sendo inadequado e at
prejudicial para o estgio supervisionado devido aos aspectos do determinismo, de
somente compreender os fatos pelos sentidos exteriores, e da esttica, de organizar o
mundo com cada coisa em seu devido lugar. Descartando quaisquer elementos
abstratos ou metafsicos, o positivismo parte do concreto para o concreto (Ribeiro
Junior,1982, p. 39). Para o estgio supervisionado, uma abordagem que predetermina o
locus (a escola) e pr-estabelece as aes de todos os agentes diminui o esprito da
experincia da pesquisa em campo. A prpria diversidade dos agentes (professores,
alunos, coordenadores, diretores, pais etc) no permite uma investigao estanque e
predeterminada. Por ser uma pesquisa de campo, o estgio supervisionado, embora
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seja uma pesquisa de pequeno porte, no pode obedecer cegamente a uma
metodologia cientfica estabelecida num contexto remoto daquele que pretende
investigar. O positivismo como metodologia cientfica prev a eliminao da
interferncia por parte do sujeito (o pesquisador) no mundo investigado, restringindo-se
observao e determinao das leis universais. No entanto, ao contrrio disso, a
flexibilidade, para o estgio supervisionado, que se torna necessria para possibilitar as
interpretaes, interferncias e transformaes. Esse tipo de pesquisa mais do que
um relato do concreto. uma experincia que permite interpretaes, transformaes
e, acima de tudo, construes de narrativas e identidades. E, enquanto a observao e
a razo so necessrias para o estgio, no pode ser descartado o fato de que o
sujeito e sua (trans) formao so tambm objetos da sua prpria pesquisa, fazendo do
estgio uma experincia particular e, conseqentemente, indeterminvel. Com isso,
prefere-se uma abordagem dialtica para a realizao do estgio supervisionado.
A diversidade de agentes envolvidos no estgio supervisionado sob estudo requer que
esta investigao seja realizada empregando vrios instrumentos de pesquisa, tais
como entrevistas e anlise de documentos relevantes. Abaixo, h uma listagem dos
itens includos:
Documentos analisados:
os relatrios escritos pelos alunos que j terminaram o estgio supervisionado
sendo investigado2; e
o manual do estgio supervisionado preparado e fornecido aos alunos que o
realizaro (Anexo II).
A resoluo mais atualizada do Ministro da Educao referente ao curso de licenciatura
e as propostas de estgio supervisionado de outros IES serviro de subsdios para tais
anlises.
2 Como os relatrios consistem, normalmente, em um documento de aproximadamente 60 pginas cada, fica invivel anex-los. No Anexo III, h um exemplo de uma parte desses relatrios.
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A anlise desses documentos envolver uma conferncia com as prticas com o intuito
de identificar as ideologias dos respectivos agentes do estgio supervisionado em
questo. Alm disso, essa investigao ser realizada segundo os conceitos de
diversos tericos da rea de educao, metodologia, pesquisa cientfica e lingstica.
No entanto, importante ressaltar que o foco desta pesquisa a formao do docente.
Portanto, maior nfase ser dada rea da educao e ao ensino de lnguas
estrangeiras.
Entrevistas analisadas foram realizadas com professoras, ex-estagirias da IES em
questo que realizaram o estgio supervisionado no formato exposto nesta dissertao.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e anexadas nesta dissertao. Analiso os
relatos verbais dos entrevistados a fim de detectar as percepes e as ideologias
relevantes para a investigao. Nas anlises das entrevistas, deparo-me com
interaes comunicativas que revelam narrativas atravs das quais se pode interpretar
estratgias, ora perceptveis ora no, de construo de identidade. Espero encontrar
tambm falas coerentes assim como incoerentes, isto , coesas e contraditrias, como
da natureza desta modalidade comunicativa.
Os diversos agentes envolvidos na realizao do estgio supervisionado de uma
instituio de ensino superior (IES) particular de So Paulo objeto de estudo desta
pesquisa so, na sua maioria, professores. Para facilitar a leitura desta dissertao,
considero importante a identificao de alguns termos com a inteno de torn-la mais
clara nos argumentos apresentados.
Para tanto, os alunos da IES que cursaram licenciatura e realizaram o estgio
supervisionado na condio de estagirios sempre sero referidos como estagirios.
Entende-se que estes, talvez, naquela poca, tenham trabalhado na condio de
professores, e agora estejam licenciados para exercer tal funo.
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Qualquer referncia ao professor ou ao docente deve ser interpretada como o
profissional licenciado para lecionar legalmente no Brasil tanto para professores das
escolas regulares quanto para os professores das IES.
O termo coordenador do curso de licenciatura deve ser compreendido como o
profissional contratado pela IES para coordenar o referido curso. Neste caso especfico,
a coordenadora, que j no exerce mais esse papel no momento da produo da
presente dissertao, tambm era responsvel, junto com seu assessor, pelo estgio
supervisionado. Isto , havia dois profissionais encarregados de coordenar o estgio
em questo. Portanto, coordenador do estgio supervisionado, neste caso, refere-se
funo de coordenar o citado estgio e no ao profissional especfico.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 17
A mistura de vinhos pode ser um erro, mas a sabedoria antiga e nova se misturam muito bem. Bertolt Brecht3.
1. A Trajetria do Curso de Licenciatura sob Estudo: Estgio Burocrtico?
Formao Burocrtica?
Para ter uma viso clara do ambiente do objeto de estudo desta pesquisa, faz-se
necessrio um pequeno histrico sobre o curso de Licenciatura na IES em questo, um
histrico aparentemente turbulento.
Durante muito tempo, at o ano 2003, o curso de graduao de Letras com Habilitao
em Traduo e Interpretao (Portugus e Ingls) foi considerado o carro-chefe da IES
em questo. Porm, o curso enfatiza a traduo escrita e a simultnea. Observa-se que
o curso de Letras, em seus componentes curriculares as disciplinas , no focava a
formao do docente na rea de portugus e de ingls como reas de ensino, mas sim
a formao de tradutores. O curso de licenciatura, que era na sua essncia um conjunto
3 Bertolt Brecht foi um poeta, dramaturgo e encenador alemo.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 18
de disciplinas apresentadas durante dois anos para alunos que ingressavam no 3 ano
do curso de graduao, sempre foi visto e tratado como um apndice, um extra, em que
o aluno interessado em ser licenciado para lecionar as disciplinas Ingls e/ou Portugus
em escolas regulares da 5a a 8a sries somente precisava assistir a essas aulas aos
sbados. Vale ressaltar que a legislao j mudou, mas nesta dissertao necessrio
enxergar a trajetria do antigo formato at um outro. Naquela poca, a IES estabelecia
as disciplinas a serem ministradas em cada semestre de acordo com a disponibilidade
do professor, havendo, assim, nenhuma considerao em termos da seqncia ou da
interdisciplinaridade do curso. As disciplinas oferecidas aleatoriamente aos sbados
eram: Estrutura do Ensino Pblico Brasileiro, Didtica do Ensino, Psicologia da
Educao, Prtica do Ensino - Lngua Estrangeira, e Prtica do Ensino - Lngua
Portuguesa.
No primeiro semestre de 2004, foi oferecida a oportunidade de lecionar a disciplina de
Prtica de Ensino para este pesquisador. Visto que o Ministrio da Educao tinha
proposto uma mudana na carga horria dos cursos de Licenciatura, a IES anunciou
para os alunos, graduandos e graduados, o final daquele formato apndice. Como
resultado, houve 105 inscries na disciplina Prtica de Ensino e Psicologia da
Educao naquele semestre.
Ao sentar com a coordenadora do curso, tambm a co-professora da disciplina Prtica
do Ensino Lngua Estrangeira, para discutir detalhes da matria, percebi uma certa
confuso em relao ao objetivo [da disciplina], uma vez que o manual do estgio
supervisionado, naquela poca digitado a mquina de escrever e fotocopiado para os
alunos, apresentou pginas e pginas de aspectos burocrticos e pouca orientao
sobre o campo educacional e nenhum item sobre a pesquisa etnogrfica que seria
realizada pelos estagirios. Questionada em relao falta de uma apresentao
bibliogrfica e de orientaes sobre a unio da teoria com a prtica, a coordenadora me
props reescrever o manual, fazendo modificaes que eu julgava necessrias e que
seriam autorizadas, ou no, por ela. Juntos planejamos e montamos uma proposta de
uma espcie de Trabalho de Concluso do Curso de Licenciatura. Na essncia, essa
mudana foi somente no formato em que os relatrios seriam apresentados. Mudanas
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 19
maiores, por exemplo, a reestruturao do estgio interno para diminuir a quantidade
de componentes burocrticos e incluir momentos de discusso (mesas redondas,
apresentaes das observaes j realizadas etc), foram vetadas pela coordenadora,
que argumentou a existncia de alunos graduados e graduandos, alguns tendo j
cursado certas disciplinas da licenciatura e outros no. Para evitar reclamaes, as
modificaes foram somente no formato da produo escrita: os relatrios. At ento,
os alunos compravam um bloco de formulrios, tambm produzidos em mquina de
escrever, com uma apresentao fsica parecida com um formulrio bancrio, e
preenchiam as lacunas com as informaes obtidas durante o estgio. O comentrio da
professora, ex-estagiria da IES em questo, confirmou o sistema antigo durante uma
entrevista para esta dissertao.
Prof 3: (...) elas tinham que, antigamente, tinham que preencher fichas... essas fichas eram
anexadas s aulas com data de inscrio, tinham que ser feitas em punho, letra de mo, no
podiam ser datilografadas, no podiam ter erro...compravam as fichas no xerox da
faculdade. (Anexo I, p. 141-147 desta dissertao)
Era o trabalho do professor de Prtica de Ensino ler, corrigir e fazer sugestes caso
julgasse necessrio. No final do estgio, os relatrios eram encadernados com espiral,
recebiam uma nota, e eram guardados durante um ano na biblioteca. A mudana
proposta substituiu os formulrios prontos por uma produo escrita um pouco mais
reflexiva, no formato de um texto acadmico. O formato foi batizado de TCC - PELE
(Trabalho de Concluso de Curso Prtica de Ensino de Lngua Estrangeira). Como
esperado, aproximadamente cinqenta por cento dos alunos reclamaram da mudana,
enquanto os outros cinqenta por cento aceitaram e agradeceram por ela. O novo
formato resultou em um novo manual do estgio, ainda em uso at o incio do ano
2007, quando o curso foi suspenso.
O Ministrio da Educao publicou a resoluo CNE/CP 2 no dia 19 de fevereiro de
2002, modificando a carga horria dos cursos de licenciatura e, por conseqncia, dos
estgios supervisionados. A IES sob estudo, para atender s novas exigncias, teria de
modificar a estrutura dos componentes curriculares do curso de Letras para incluir a
licenciatura ou no oferec-la para os graduandos. Temendo um novo credenciamento
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 20
e mudanas radicais no quadro das disciplinas, a IES optou por manter o curso de
Letras e abrir um novo curso seguindo o artigo n 31 da CNE/CP 2, de 19 de fevereiro
de 2002, que apresenta a possibilidade de um Programa Especial de Formao de
Docentes. Vide o artigo em questo:
Art. 31 As Universidades, Centros Universitrios e Institutos Superiores de Educao que
mantm cursos de formao de professores, em nvel superior, podero proporcionar
formao pedaggica a portadores de diplomas em outros cursos de Nvel Superior de
Graduao Plena, licenciando-os para a atuao nos anos finais no Ensino Fundamental e
no Ensino Mdio, numa das seguintes formas:
I integrando os alunos nos projetos regulares de suas licenciaturas;
II desenvolvendo programas especiais de formao de docentes, nas mesmas reas das
licenciaturas j mantidas;
1 a licenciatura oferecida nesta hiptese dever prever no mnimo:
a) 400 (quatrocentas) horas de contedos curriculares de natureza cientfico-cultural;
b) 200 (duzentas) horas de prtica como componente curricular;
c) 200 (duzentas) horas de estgio curricular supervisionado
2 Os alunos que exeram atividade docente regular na Educao Bsica podero ter
reduo da carga horria de estgio supervisionado at o limite de 100 (cem) horas.
3 O anexo I desta resoluo apresenta quadro indicando a compatibilidade entre a
Graduao Plena do candidato e a licenciatura pretendida.4
Com a carga horria de 800 horas, nasceu o Programa Especial de Formao de
Docente - PEFD - em Portugus e Lngua Estrangeira na IES em questo. O novo
curso de licenciatura oferece as mesmas disciplinas que o antigo formato, com a
incluso de Metodologia do Ensino (Lngua Estrangeira), Metodologia do Ensino
(Lngua Portuguesa) e Filosofia da Educao. O curso foi aberto somente para alunos
j graduados na rea de Letras em Ingls, Espanhol e Portugus.
No incio de 2007, a abertura do curso foi suspensa devido baixa procura e ao
desinteresse da IES em coordenar o estgio supervisionado. Em entrevista anotada5, a
agora ex-coordenadora (no trabalha mais l) explicou-me com mais detalhe os dois
fatores acima mencionados: 4 Tambm presente no manual do estgio supervisionado do curso de Licenciatura em Letras e do programa especial de formao de docentes - Portugus-Espanhol e Portugus-Ingls. p. 34 5 A ex-coordenador proibiu a publicao da entrevista na ntegra, mas permitiu a incluso de algumas (poucas) citaes.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 21
(...) a Pro-Reitoria no quer abrir o curso, pois at agora s houve problemas (...) diversos
problemas, mas na sua maioria burocrticos (...) alunos que falsificaram assinaturas dos
professores, atrasos imensos nas entregas dos TCCs, alunos reclamando da DP
[dependncia] quando atrasam, a falta de professor para coordenar o estgio (...) ningum
querer pegar a disciplina (...) houve somente 10 alunos inscritos no primeiro dia de aula
deste ano (...) No abriram a turma e devolveram o dinheiro.
Pela fala da ex-coordenadora, possvel entender que houve muitas reclamaes
sobre a realizao do estgio, tanto dos alunos quanto dos professores. Alm disso,
problemas burocrticos e questes financeiras parecem aumentar o receio de abrir o
curso novamente. Tambm notvel que a maioria dos problemas do curso de
Licenciatura est ligada ao estgio supervisionado: falsificao das assinaturas, atrasos
nas entregas dos estgios, DP de estgio, e mesmo professores que no querem se
responsabilizar pelo estgio.
A ex-coordenadora informou que aqueles alunos terminando os estgios
supervisionados do ano anterior ainda teriam direito a uma orientao da coordenadora.
Os atuais formandos e dos prximos no sabem se tero a possibilidade de cursar o
PEFD na IES em questo. De acordo com a ex-coordenadora,
(...) os alunos que se formam este ano, tanto em julho quanto em dezembro, tero de ir a
uma outra faculdade, prestar vestibular e pedir para serem dispensados das disciplinas de
Letras. A, eles vo ter que cursar as matrias da Licenciatura (...) claro, isso se no abrir o
PEFD no ano que vem (...).
A falta de interesse em abrir o curso de licenciatura, por parte da reitoria da IES em
questo, mesmo quando h alunos matriculados, estaria relacionada a uma
preocupao com a lucratividade do curso e no oferta de uma possibilidade de uma
formao docente dos seus prprios alunos. Em vez de contemplar mudanas no
estgio supervisionado para minimizar os problemas burocrticos, a IES prefere no
oferecer o curso de Licenciatura.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 22
Nos meados do ano 2007, a IES em questo foi vendida para uma empresa
educacional de grande porte. Com aes na Bolsa de Valores de So Paulo (Bovespa),
mensalidades reduzidas pela metade e propaganda espalhada por todos os veculos de
comunicao, o curso de Letras (com Habilitao em Traduo e Interpretao) se
encontra com salas cheias (120 ou mais alunos), mas sem a perspectiva de oferecer
Licenciatura.
1.1 O Papel do Supervisor do Estgio de Licenciatura
O papel do supervisor , atravs da Instituio de Ensino Superior (IES), de orientar os
estagirios durante sua pesquisa in loco: o estagirio supervisionado. No entanto, o
ttulo supervisor tende, devido muito ao seu uso em empresas da iniciativa privada, a
influenciar na definio desse papel, transformando-o em sinnimo de secretria ou
uma espcie de departamento de protocolo, dando muita importncia documentao.
A orientao de uma pesquisa, porm, vai alm dessas definies de supervisor,
abrangendo, alm da direo e superviso da documentao da pesquisa, a inspirao,
a conduo vocacional, a orientao terica e at o apoio moral. Enquanto a
documentao tem sua importncia na realizao desse tipo de pesquisa, de igual
importncia so a conscincia e a fundamentao terica de cada estagirio ao entrar
numa escola, em muitos casos pela primeira vez, para realizar sua pesquisa. Quem
orienta uma pesquisa um orientador, ele que fornece no s uma conduo
programada quanto documentao, mas providencia tambm possibilidades de
leituras do mundo que est sendo investigado, subsdios tericos para sustentar
argumentos, sugestes quanto ao rumo da produo escrita e auxilio nas
interpretaes dos dados atravs de discusses em sala de aula e fora dela, correo
de redaes e a produo escrita etc. Portanto, ao definir o papel do supervisor,
imprescindvel contemplar todas as tarefas que realiza para cumprir tal papel. nessa
ltima definio que inicio uma descrio da minha experincia como supervisor do
estgio de Licenciatura em Lngua Inglesa numa IES particular em So Paulo.
Como a IES era privada, com a preocupao da lucratividade do curso, eram aceitas
muitas matrculas para uma mesma turma e as salas eram muito cheias. A sala qual
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 23
fui alocado comportava somente 100 pessoas, e a turma contava com 105 alunos.
Decidiu-se dividir as aulas de Prtica de Ensino de Lngua Inglesa e, por conseguinte, a
superviso do estgio entre mim e a coordenadora do curso. Alm de supervisionar o
estgio, eu tinha o papel de assessor do curso de Licenciatura, sendo responsvel pela
orientao diria dos professores das demais disciplinas do curso. Isso implicava em
verificar a documentao comum das aulas (listas de presena, dirios, materiais,
equipamentos, salas etc) e em garantir o andamento do curso.
Com a viso de poder orientar os estagirios, seguindo a definio acima, iniciei meu
trabalho na sala de aula com os 105 alunos. Eu lecionaria em parceira com a outra
professora, cada um ministrando as suas aulas a cada quinze dias. Com a sala
ultrapassando as possibilidades fsicas, comeou a disciplina Prtica de Ensino da
Lngua Inglesa. Apesar dos transtornos comuns (falta de carteira, a baguna no incio
de cada aula e ao iniciar qualquer atividade), a aula fluiu razoavelmente bem. Algumas
discusses foram muito proveitosas e houve momentos de troca de experincias, com
leituras interessantes. Porm, conforme os estagirios foram realizando os estgios,
isto , indo para as escolas regulares e observando as aulas, a orientao perdeu-se na
burocracia que, devido ao nmero altssimo de estagirios, ficou to volumosa que eu e
a coordenadora no conseguimos dar conta do planejado. Qualquer tempo reservado
para uma verdadeira orientao (leituras do mundo que est sendo investigado,
subsdios tericos para sustentar argumentos, sugestes quanto ao rumo da produo
escrita e interpretaes dos dados atravs de discusses dentro e fora da sala de aula,
correo de redaes e a produo escrita) foi consumido pelas constantes tentativas,
e muitas vezes falhas, de manter algum tipo de controle dos carimbos, assinaturas e
documentao. Em vez de sugerir textos para a leitura, gastava tempo ligando para as
escolas atrs de diretores que no haviam carimbado ou assinado as fichas
comprobatrias. No lugar das discusses sobre conceitos tericos, havia com alunos e
entre eles discusses sobre a documentao obrigatria a resistncia era grande.
Quando poderia debater interpretaes das observaes dos estagirios, meu tempo
era tomado pelos transtornos entre os estagirios e as escolas (negao de estgio,
antipatia dos professores e coordenadores das escolas regulares, perda de
documentao etc). Praticamente todo o tempo da orientao durante o semestre foi
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 24
centralizado em problemas burocrticos, contaminando, assim, todo o trabalho
pedaggico. Em relao educao, pesquisa e formao, a papelada e as
contingncias vinculadas a ela sobrepuseram-se conscincia no s dos estagirios,
mas dos supervisores tambm.
A IES possui um manual de estgio supervisionado que orienta uma grande parte das
questes que defino como burocrticas, mas somente at certo ponto. No manual, o
que est claro para um aluno, no est para um outro, pois os estagirios so pessoas
diferentes, de histrias diferentes, realizando estgios em escolas diferentes, em
regies diferentes etc. Com isso, embora o manual deva cuidar de muitos dos pontos
burocrticos, no o faz e deixa muitas questes a serem resolvidas pelo supervisor do
estgio. Se considerarmos a questo da orientao, o papel do supervisor preencher
as lacunas do manual, dando conselhos e sugestes aos estagirios sempre que
necessrio. Na tentativa de atender a todos os estagirios, consegui ajudar alguns. A
citao abaixo, retirada de uma entrevista gravada com uma ex-estagiria da IES em
questo, revela um exemplo:
Prof 3: Eu lembro que foram vrias fases de correo, entregava, tinha um retorno, mas
esse retorno sentvamos eu e o orientador/orientadora, e tinha sempre uma troca, eles
explicavam, citavam equvocos, o que deveria ser melhorado etc. (Anexo I, p. 141-147 desta
dissertao)
A orientao pessoal que acontecia era por hora marcada ou por ordem de chegada no
horrio estipulado de atendimento. Com isso, o tempo ficou restrito e o feedback no foi
possvel para todos. O supervisor no tem tempo hbil para resolver todas as lacunas
do manual , nem de orientar de forma pedaggica, devido ao grande nmero de
alunos a serem atendidos. Assim o trabalho do supervisor de estgio na IES sob
questo. importante essa descrio das tarefas que realizei no papel do supervisor
para entender a questo burocrtica que, nessa experincia, sobreps a experincia de
pesquisa dos estagirios e a orientao dos supervisores.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 25
1.2 O Estgio Supervisionado
O estgio supervisionado, para Pimenta e Gonalves, tem a finalidade de propiciar ao
aluno uma aproximao realidade na qual atuar (1990, p. 24 - grifo dos autores).
Aproximar o estagirio realidade do contexto escolar atravs do estgio
supervisionado tem dois objetivos: promover a experincia de pesquisador na rea de
escolha e oferecer uma experincia profissional. A Resoluo CNA/CP 1/2006,
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (Nunes, 2006, p. 5),
destaca o ltimo:
IV - estgio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos
graduandos experincia de exerccio profissional em ambientes escolares e no-escolares
que ampliem e fortaleam atitudes ticas, conhecimentos e competncias.
Apesar de a resoluo tratar do curso de Pedagogia, aplica-se a todo tipo de estgio de
formao de professor e demonstra o grau de preocupao com a experincia
profissional. Pimenta e Lima (2004, p. 68) vem essa experincia como uma
aproximao do estagirio com o trabalho e a vida real do professor.
O estgio, ao promover a presena do aluno estagirio no cotidiano da escola, abre espao
para a realidade e para a vida e o trabalho do professor na sociedade.
Porm, para a formao do docente, a pesquisa se torna necessariamente parte da
experincia profissional, pois ela o trabalho do professor. O ensino a pesquisa
(Lucchesi, 2002, p. 36). A pesquisa pode ser entendida como uma compreenso dos
fenmenos, a qual resulta em produo de conhecimento ou a busca de saberes,
desde que se faa como agente e no como paciente (idem, p. 35). No estgio
supervisionado, o estagirio participa de atividades pedaggicas que envolvem,
principalmente, a interao com os agentes do contexto escolar e, como agente da sua
prpria experincia, o estagirio interage com os processos dos agentes, reorganizando
suas significaes e saberes. A atividade docente, ou seja, a interao do docente,
assim, uma prtica. E a pesquisa, por sua vez, tambm uma prtica docente.
Entende-se que a pesquisa, ento, faz parte da prtica profissional. Assim, ficam
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 26
indissociveis a experincia de pesquisa e a experincia profissional, sendo, ento,
ambas prticas complementares e integrantes do estgio supervisionado.
O estgio oferece uma experincia prtica de pesquisa e uma experincia profissional
em que, por meio da reflexo, o conhecimento possa ser construdo. Problematizando
as prticas do contexto escolar em anlises e reflexes, o estagirio ingressa na sua
profisso j como pesquisador das prticas relevantes ao ofcio. O resultado de uma
pesquisa deve ser a produo de um conhecimento a partir da experincia [da
pesquisa] conduzida. No estgio supervisionado, os relatrios de observao, muitas
vezes carregados de fichas comprobatrias e outros formulrios oficiais, tendem a
burocratizar a experincia, deixando-a com uma roupagem tcnica e meramente
procedimental. O objetivo do estgio uma reflexo crtica e no tecnicista. Para
Pimenta e Lima, h uma iluso de que as situaes de ensino so iguais e podero ser
resolvidas com tcnicas (2004, p. 40). A iluso qual se referem acaba fazendo do
estgio supervisionado um mero relato dos acertos e das falhas dos agentes
envolvidos. Os relatrios dos estagirios ficam repletos de reclamaes de falta de
tcnica, falta de criatividade, deficincia na lngua inglesa por parte do professor,
excesso de controle etc. Isso distancia o estagirio e a IES da escola e dos professores
das escolas regulares, germinando, muitas vezes, um rancor devido s constantes
crticas das suas prticas. Isso fica evidente na fala de uma professora, ex-estagiria da
IES em questo:
Prof 2: Ento foi a parte de anlise das metodologias usadas, do que funcionou, do que no
funcionou, de como eu faria a diferena porque que algo no funcionou, ento na minha
opinio como eu poderia modificar isso. (Anexo I, p. 133-140 desta dissertao)
O foco nas tcnicas utilizadas durante a aula e principalmente o olhar crtico em termos
de resultado, podem deixar o professor constrangido ao ser observado, pois ele teme
crticas severas. O papel de observador, muitas vezes, confundido com o de
avaliador, tanto pelo observado quanto pelo observador. O resultado , com freqncia,
a criao de uma animosidade desnecessria. O no-estabelecimento da concepo
social e etnogrfica de um estudo desse tipo pode produzir a desconfiana entre as
partes, o que no consiste em um ambiente propcio para uma pesquisa de campo.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 27
O estgio supervisionado, por ser uma pesquisa de campo em que o estagirio deve
freqentar uma escola durante um determinado perodo, observando e participando das
prticas daquele meio, sem a pretenso de mudar o espao (mas modificando-o),
adequa-se de melhor forma pesquisa etnogrfica. Esse tipo de pesquisa coloca o
pesquisador num papel duplo, em que ele , ao mesmo tempo, sujeito e objeto. Isso se
d porque o observador interage com a situao que estuda, mesmo que, s vezes, de
forma mnima. O pesquisador participativo do processo, pois responde ativamente a
situaes enfrentadas durante as observaes. Uma reflexo crtica numa pesquisa
etnogrfica, principalmente no estgio supervisionado, requer que o sujeito da pesquisa
se enxergue como objeto, pois um dos objetivos do estgio a construo e a
reconstruo da identidade do estagirio em prol da compreenso dos
contextos histricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais,
nos quais se d sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os (Pimenta e Lima, 2004, p. 49).
A transformao dos contextos dos professores e dos papis que tm na sociedade
como objetivo do estgio est de acordo com Pennycook, que prope uma
reconceituao do papel dos professores6 para que passem a ser entendidos como
educadores crticos engajados politicamente7 (1994, p. 303). Com base em Focault, o
autor defende que o professor deve ser um intelectual transformador em nveis
universais e especficos, ou seja, com a formulao do intelectual especfico,
possvel desenvolver conexes (laterais) entre formas diferentes de conhecimento e,
assim, formar um foco de politizao a um outro8 (Focault 1980 apud Pennycook,
1994, p. 304). Pennycook (idem) contempla
6 reconceptualization of the role of teachers 7 politically engaged critical educators 8 possible to develop lateral connections across different forms of knowledge and form one focus of politicization to another
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 28
O intelectual especfico (...) est engajado em lutas locais relacionadas representao,
cultura e aparelhagem da verdade (...) engajado com a comunidade de outras culturas e
trabalhadores culturais em projetos semelhantemente crticos e transformadores.9
Assim, entende-se que o estagirio, ao realizar o estgio supervisionado, passa a ser
um intelectual transformador da sua pesquisa, pois constri sua identidade e a
reconstri atravs da reflexo crtica, afetando o contexto escolar e sendo afetado por
ele. Seu engajamento na luta do lcus e o dos agentes locais o coloca numa posio de
elo poltico com a potncia de transformar o meio em que se encontra. Com a
duplicidade de identidade do estagirio sujeito e objeto da prpria pesquisa , a
transformao acontece e continua durante todo o processo [da pesquisa]. A pesquisa
transformada, assim como o pesquisador. Essa ltima transformao acontece muito
na hora da produo escrita, por ser um momento intenso de reflexo pessoal. Mas no
se determina como uma ltima transformao, pois, dialeticamente, a transformao
continua com toda e cada ao.
1.3 O Estgio Supervisionado da IES em Questo: o Estgio Burocrtico
Embora a estrutura dos cursos de licenciaturas tenha sido reformada pelo Ministrio de
Educao por meio da lei, em muitas faculdades, centros universitrios e universidades
ainda no integram o novo plano, prejudicando, assim, a formao de pesquisadores do
ensino.
Na IES em questo, o estgio supervisionado, em seu novo curso de formao de
docentes, o PEFD, tem uma estrutura peculiar. Consiste em, conforme inciso c do
artigo 31 da resoluo CNE/CP 2, um total de 200 horas de estgio curricular
supervisionado. A IES estruturou o estgio supervisionado da seguinte forma:
9 The specific intellectual () engages in local struggles around representation, culture and the apparatuses of truth () engaged with a community of other cultural and political workers in similarly critical and transformative projects
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 29
LNGUA PORTUGUESA 100 Crditos10
Estgio Ensino Fundamental Ensino Mdio
Nmero de
horas ou
trabalhos
Crditos
por hora ou
trabalho
Total de
crditos
Nmero de
horas ou
trabalho
Crditos
por hora ou
relatrio
Total de
crditos
Externo 20 (H) 2 crditos 40 crditos 20 (H) 2 crditos 40 crditos
Interno 5 (T) 2 crditos 10 crditos 5 (T) 2 crditos 10 crditos
50 crd. 50 crd.
LNGUA ESTRANGEIRA 100 Crditos
Estgio Ensino Fundamental Ensino Mdio
Nmero de
horas ou
trabalho
Crditos
por hora ou
relatrio
Total de
crditos
Nmero de
horas ou
trabalho
Crditos
por hora ou
relatrio
Total de
crditos
Externo 13 (H) 2 crditos 26 crditos 13 (H) 2 crditos 26 crditos
Interno 5 (T) 2 crditos 10 crditos 5 (T) 2 crditos 10 crditos
36 crd. 36 crd.
Estgio Escola de Idiomas
Nmero de
horas ou
trabalho
Crditos
por hora ou
relatrio
Total de
crditos
Externo 14 (H) 2 crditos 28 crditos
Interno - - -
28 crd.
O estgio foi estruturado em duas partes, isto , o estgio interno e o externo, sendo
que o primeiro representa 20 horas, e o ltimo, 80 horas. Somando essas duas partes,
o estgio representa 100 horas, e no as 200 estipuladas na Resoluo. A atribuio
dos crditos, dois por cada hora de estgio, faz com que o valor, em crditos, totalize
200.
10 Manual do estgio supervisionado do curso de Licenciatura em Letras e do programa especial de formao de docentes - Portugus-Espanhol e Portugus-Ingls. p. 9.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 30
Despertou curiosidade o fato de, no estgio supervisionado da lngua estrangeira, a
escola de idiomas ter sido includa no plano do estgio. Quando perguntado sobre tal
incluso, a ex-coordenadora explicou,
(...) nossos formandos raramente vo para a rede pblica (...) a maioria vai parar em escolas
de idiomas (...) na verdade, uma grande parte j d aulas nessas escolas.
A incluso da possibilidade de realizar uma parte do estgio nas escolas de idiomas
pode ser vista como uma preocupao em expor seus alunos sua prpria realidade.
Como a maioria dos estagirios j leciona nessas escolas, um local conhecido,
confortvel e seguro. Porm, a estrutura pode limitar o estagirio que no conhece uma
escola pblica. O estagirio pode realizar seu estgio sem conhecer nenhuma escola
ou rgo pblico uma vez que no exigncia, na IES investigada, realizar o estgio
nesse tipo de instituio.
De acordo com o manual do estgio, quem j leciona a lngua inglesa numa escola,
seja de idiomas ou regular, no obrigado a observar aulas naquele local, mas deve
escrever um relatrio (um captulo do TCC) sobre sua prpria prtica. Considerar a
prtica do estagirio em condio de professor como parte vlida da pesquisa
demonstra um reconhecimento desse estagirio como um ingressante na profisso de
educador, um professor se formando. Isso pode representar uma poltica motivadora
para o estagirio. E analisar sua prpria prtica luz das teorias estudadas durante o
curso de licenciatura oferece uma experincia nica de refletir sobre si mesmo, sua
profisso, suas prticas pedaggicas de sala e extra-sala, e, principalmente, sua
identidade. a parte do estgio em que a construo de identidade do estagirio em
condio de professor mais explcita. O estagirio, necessariamente, deve refletir
sobre si e suas interaes, seus pontos fortes e suas fraquezas, suas conquistas e
suas falhas, e sobre como lidar com os processos da profisso planejamento
pedaggico, avaliao, disciplina, relacionamento com os colegas, com os alunos, com
os pais, com a hierarquia, com a burocracia, entre outros. Esse momento frtil para
uma transformao de narrativa e a construo de uma nova identidade, pois o
estagirio precisa refletir sobre si mesmo segundo as teorias estudadas. Ou seja,
aproximando-se da formao continuada, e no somente da inicial, o estagirio pode
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 31
contemplar sua prtica cotidiana mais imediata. Isso pode ter um efeito mais intenso e
marcante, provocando uma reverificao de valores e significaes. Isso seria o que
defino como (re)construo da narrativa.
O estgio se compe de vrias tarefas a serem realizadas durante o percurso. Todas
essas partes compem o TCC. Todas as atividades realizadas dentro da IES so
consideradas componentes do estgio interno.
1.4 O Estgio Interno do TCC
Essa parte do estgio supervisionado sob estudo envolve um leque de tarefas
acadmicas relacionadas disciplina Prtica do Ensino. Para cada lngua, ou seja,
tanto para Lngua Portuguesa quanto para Lngua Estrangeira, o estagirio deve
realizar as tarefas estipuladas e inclui-las no TCC final. Nomeio os componentes e os
nmeros para facilitar a leitura. So eles:
Componente 1: dois planos de aula, com suas trs partes plano, avaliao dos alunos e auto-avaliao;
Componente 2: duas provas relacionadas s aulas apresentadas uma de Ensino Fundamental, outra de Ensino Mdio;
Componente 3: duas resenhas de dois textos tericos seguir orientao do professor;
Componente 4: duas anlises de livros didticos uma de Ensino Fundamental, outra de Ensino Mdio;
Componente 5: duas observaes de aulas dos condiscpulos uma de Ensino Fundamental, outra de Ensino Mdio11.
No total, so dez trabalhos acadmicos para cada lngua, totalizando vinte. Cada
elemento do estgio interno representado no Manual do Estgio com um modelo
(exemplo fictcio) e uma explicao detalhadssima da maneira como deve ser realizado
e apresentado no TCC final. Como esta dissertao considera a metodologia positivista
como uma priorizao de metodologias pr-estabelecidas, de valores unificados, de
verdades, de dvidas e problematizaes, o Manual do Estgio Supervisionado, na
11 Manual do estgio supervisionado do curso de Licenciatura em Letras e do programa especial
de formao de docentes - Portugus-Espanhol e Portugus-Ingls. p. 15.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 32
forma apresentada no curso em questo, representa uma ferramenta com uma direo
fixa de viso de mundo, de padro de aprendizagem, de forma e formato de pesquisa,
padronizando, assim, a avaliao e a prtica. O excesso da sistematizao e a
burocracia em termos da produo e do formato dos relatrios, produtos finais dos
estgios supervisionados, emblemtico de uma metodologia positivista que visa uma
ordem predeterminada para que, consecutivamente, haja um progresso. O contrrio
disso seria uma orientao menos focada no formato e na forma de produzir os
relatrios, e mais direcionada na inspirao do estagirio para que este se torne um
professor-pesquisador que aprende a estabelecer seus prprios valores, verdades,
dvidas e problematizaes. Assim, o docente em formao passa pela experincia
real de pesquisador em que precisa estabelecer uma viso de mundo prpria. A ltima
viso de observao ou estgio permite que o futuro professor se descubra como
pessoa e profissional, enquanto a primeira pode limit-lo, forando-o a reproduzir um
conhecimento j pr-estabelecido. A percepo sobre o contraste entre os dois
conceitos de estgio e observao de campo parece evidenciar-se nas anlises
minuciosas dos dados dos estagirios. A saber:
1.4.1 O Estgio Interno Orientao
O primeiro componente do estgio supervisionado se refere regncia de aulas para
colegas do estgio. Duas aulas simuladas so apresentadas aos colegas sobre um
tpico durante um perodo especfico ambos estipulados pelo professor da disciplina
Prtica do Ensino. Nesse componente, h trs partes 1) os planos das duas aulas
apresentadas; 2) as avaliaes dos alunos; e 3) as duas auto-avaliaes. As trs
devem seguir os modelos (fictcios) no manual do estgio. H explicaes sobre cada
uma. Por um lado, a explicao oferece orientaes bsicas sobre como escrever e
preparar os elementos burocrticos formato do plano, objetivos gerais, especficos
etc. H tambm orientaes para os estagirios sobre como observar a aula do colega,
como preparar a sala e material, alm de instrues sobre o tempo, a tica para com os
colegas e eventuais problemas com plgio do colega. Porm, o manual no dispe de
nenhuma bibliografia relevante e nenhuma justificativa pedaggica, nenhuma referncia
teoria. O modelo disponvel tambm restringe o estagirio, limitando-lhe a criatividade
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 33
e burocratizando uma prtica pedaggica que poderia abrir uma oportunidade de
interferncia e construo de narrativa por parte do estagirio, como ser abordado no
captulo 2. Ao interferir na preparao e escrita de um documento pedaggico, por
exemplo, um plano de aula, o estagirio tem de engajar sua criatividade na unio da
prtica (o preparo, a escrita) com a teoria (as ideologias por trs do documento em
questo o porqu de um plano de aula; o que deve constar num plano de aula e por
qu; a linguagem utilizada num plano de aula e por qu; para que serve o plano de
aula; para quem est sendo escrito o plano de aula etc.). Alm disso, o estagirio pode
contemplar outros planos existentes e outras pessoas (estagirios e professores) que
tambm preparam planos de aula, promovendo um movimento material, em que,
atravs dos sentidos, interaja com outras ideologias em relao ao documento em
questo. Konder (1984, p. 52-53) explica o movimento material, conceito de Karl Marx,
em que
O movimento autotransformador da natureza humana, para Marx, no um movimento
espiritual e sim um movimento material, que abrange a modificao no s das formas de
trabalho e organizao prtica de vida, mas tambm dos prprios rgos dos sentidos: o
olho humano passou a ver coisas que no enxergava antes, o ouvido humano foi educado
pela msica para ouvir coisas que no escutava antes, etc. A formao dos cinco sentidos
(...) trabalho de toda a histria passada.
Marx v o movimento material do homem como um momento de autotransformao, o
que interpreto ser a ideologia por trs do conceito do estgio supervisionado. atravs
das interaes com o meio escolar inclusive os documentos e os componentes do
estgio interno que os sentidos do estagirio podem sofrer uma transformao, fruto
do ato de pesquisar, o que resultaria na interferncia nas prticas atravs da produo,
organizao, interpretao, e avaliao. No entanto, essa parte do estgio exige que o
estagirio interprete e avalie informaes, alm de produzir e organizar trabalho
acadmico dentro de um modelo fixo, inflexvel, diferente da possibilidade dialtica. A
abordagem positivista, na qual se explicam os fenmenos, subordinando-os s leis
experimentalmente demonstradas (Ribeiro Junior, 1982, p. 20) limita o esprito do
pesquisador a interferir de forma burocratizada e concreta, reforando o estado de
reprodutor de conhecimentos ao invs de um estado de produtor de [novos]
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 34
conhecimentos, estado esse que objetivo do estgio, de acordo com o Ministrio da
Educao citao na pgina 9 desta dissertao.
O mesmo acontece com os outros componentes desta parte: as duas provas
relacionadas s aulas apresentadas, as resenhas de dois textos tericos e as anlises
de dois livros didticos oferecem mais abertura para uma interferncia do estagirio,
porm as orientaes e os modelos positivistas na sua essncia devido s pr-
determinaes inflexveis persistem.
No entanto, as orientaes sobre as provas so mais flexveis, somente pedindo uma
ligao com a aula apresentada. O formato, o tamanho, o estilo, a metodologia e a
pretenso da avaliao ficam a critrio do estagirio. Enquanto o primeiro componente
restringe, essa parte abre mais espao. Isso mostra uma certa incoerncia. Se o
estagirio no questionar a inflexibilidade do primeiro componente, ele se deixar
levado pela doutrina do manual. Conformar-se com um modelo pr-fixado
reconhec-lo como sendo uma verdade, uma idia absoluta e permanente de antemo.
De acordo com Foucault ((1970) 2001, p. 42),
(...) pela partilha de um s e mesmo conjunto de discursos que indivduos, to numerosos
quanto se queira imaginar, definem sua pertena recproca. Aparentemente, a nica
condio requerida o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitao de certa regra
mais ou menos flexvel de conformidade com os discursos validados.
A convocao para participar de uma nica forma apela para o anseio do estagirio em
se formar. O segundo componente, assim como o terceiro e o quarto, abre mais espao
para o estagirio, mas, ao analisar os relatrios dos estgios, possvel identificar que
o estagirio, na maioria das vezes, no desenvolve autonomia por meio da percepo
crtica sobre aquilo que observa, ele se conforma. J doutrinado pelas regras presentes
nos enunciados do primeiro componente do estgio interno, o estagirio se probe de
variar seu discurso daquele pr-definido no manual pelo medo de ser criticado, pelo
medo de no atender s expectativas ou pelo conformismo com uma forma
preestabelecida. A subordinao ao modelo pr-fixo e imposto vai contra o papel do
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 35
professor de transformador da sociedade, conceito de Pennycook (1994), previamente
apresentado na pgina 25 desta dissertao.
Entende-se, ento, que tarefa do professor desenvolver um olhar crtico para
perceber melhor seu papel na sociedade. Ele necessariamente precisa enxergar de
forma transformadora (conforme a dialtica em Marx) as relaes dentro da sociedade
e como sua prpria voz se encaixa nesse contexto. A homogeneizao da formao do
professor, do estgio, no encaminha o estagirio a se enxergar dessa forma, mas sim
como um operrio, um burocrata. Para que o professor se engaje em projetos crticos e
transformadores na sua ou em outras culturas, sua formao deve, necessariamente,
amparar-lhe com o esprito para tal. Enxergar o outro e as outras formas de agir
poltica, social e culturalmente carece de uma formao que permita a transigncia
necessria para que os professores possam experimentar e, espera-se, engajar-se
numa transformao da sociedade. Assim, a orientao do estgio deve ser igualmente
transformadora.
Numa anlise de um livro didtico para o Ensino Mdio o quarto componente do
estgio interno , os estagirios, aparentemente menos restringidos, podendo abordar a
investigao da forma que se convm, acabam seguindo um formato um tanto
burocrtico, assim como j demonstrado no primeiro componente. O trecho extrado da
anlise de um livro didtico por um estagirio (Anexo III) demonstra uma investigao
pouco profunda, atando-se descrio, sem colocar em questo os aspectos
ideolgicos, psicolgicos, didticos, sociolgicos e, na citao abaixo, nem prticos.
Acompanham o livro fitas ou CDs, e as atividades de udio so desenvolvidas para
ajudarem os alunos a ouvirem diferentes tipos de sotaques, apesar de o ingls usado ser o
Americano. Essas variam entre dois tipos: uma delas o aluno pode fazer em casa e baseia-
se no escute e repita, o qu s vezes pode no ser to eficaz, pois o aluno no conta com a
assistncia da professora para verificar sua pronncia, por exemplo. A outra atividade vem
com uma marca de que deve ser feita somente em classe, e baseia-se na interpretao
escrita ou oral do que foi ouvido, geralmente um dilogo. Nessa atividade o aluno responde
a algumas perguntas sobre o que ele acabou de ouvir. Os resultados dos trabalhos
realizados em classes costumam ser proveitosos e os alunos acabam demonstrando que
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 36
entenderam bem o dilogo. Desta forma a proposta metodolgica do livro seguida e os
resultados so eficazes. (Anexo III)
No exemplo supracitado, a anlise considera a proposta metodolgica do livro como
positiva, no entanto, no oferece nenhuma justificativa para tal conjetura. O estagirio
considera as atividades a serem feitas em sala de aula melhores do que se feitas em
casa devido presena do professor. Alega que o aluno entende bem o dilogo quando
as atividades so realizadas na presena do professor, mas no apresenta uma
explorao dos motivos para isso nem uma evidncia de que isso, de fato, ocorre. No
restante da anlise, o estagirio descreve os aspectos fsicos do livro, identifica a
presena de certas metodologias j estudadas na disciplina Metodologia do Ensino,
avalia a adequao do contedo lingstico para a idade proposta, comenta a existncia
de materiais extras (como CD e livro de atividades), mas no entra na discusso dos
objetivos do livro, das ideologias passadas pela linguagem ou pelas imagens. Assim, o
estagirio evita contrastar os formatos dos exerccios com conceitos tericos de poder
ou de emancipao, por exemplo. No questiona o contedo luz das teorias
estudadas nas disciplinas Psicanlise da Educao, Filosofia da Educao ou Didtica
do Ensino. A anlise fica somente na descrio fsica, sem se engajar numa reflexo
terica e sem nenhuma presena da voz do estagirio. Dessa forma, o estgio
supervisionado em questo no concretiza a possibilidade de o estagirio sair do papel
de reprodutor de conhecimento para o papel de produtor de conhecimento. O medo de
fugir do esperado e do preestabelecido obstrui a possibilidade de engajar outras
possibilidades. A doutrina liga os indivduos a certos tipos de enunciao e lhes probe,
conseqentemente, todos os outros (Foucault, (1970) 2001, p. 43). Fica evidente, ao
analisar outros relatrios, que esse processo se repete na maioria dos estgios. Poucos
estagirios conseguem ou ousam uma anlise menos burocratizada e mais filosfica,
psicolgica e ideolgica. Proibidos de fazer esses discursos pelas orientaes rgidas
do manual do estgio, contentam-se com a forma quantitativa, burocratizada e
conformista da anlise. Conceitos sociolgicos e dialticos so visveis em
pouqussimos relatrios.
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 37
H momentos, porm, em que alguns estagirios se libertam dos discursos
preestabelecidos para contemplar, mesmo de forma sucinta, a prpria formao. Ao
comentar os programas educacionais para formar professores, uma estagiria escreve
Est. 3: A realizao de um trabalho que promovesse interao entre povos e culturas
diferentes, enriquecida pelas trocas de experincias e descobertas cientficas, traria
benefcios para o Brasil no futuro.
Embora no engaje uma anlise baseada em teoria, verifica-se a noo da interao
como elemento importante da construo e reconstruo da identidade. Sem unir a
prtica com a teoria, a estagiria conseguiu identificar a importncia do
multiculturalismo. Embora o termo seja empregado do modo muito restrito, apenas
para discutir as diferenas entre culturas, a estagiria no deixou de aproximar a sua
formao com esse conceito, considerando-o importante para a formao do docente.
Os relatrios dos estgios internos, restritos aos cinco componentes, seguem
rigorosamente o mesmo formato. Ao ler o terceiro componente dos estgios, que exige
duas resenhas de textos tericos, percebe-se que os textos em questo foram
escolhidos pelos professores da disciplina Prtica do Ensino. Portanto, em todos os
relatrios dos estgios de um determinado ano, os textos resenhados foram os
mesmos. A ex-coordenadora, durante a entrevista, justificou
(...) como so muitos estagirios, selecionamos os textos para facilitar o trabalho dos
professores do estgio (...) se no, os professores teriam de ler quase duzentos textos e as
resenhas de cada um (...) se os estagirios fossem deixados a escolher os textos por conta
prpria, iam escolher textos pouco tericos (...) escolheriam o texto pelo tamanho e no pelo
teor (...).
O nmero de estagirios realmente notvel. Apesar de as salas da IES comportarem
acima de 100 alunos, a turma em questo do primeiro semestre de 2003 foi dividida
para facilitar o trabalho dos professores. Trabalhando em conjunto, os professores
escolheram os seguintes textos: As duas hipteses mais importantes da Teoria de
Krashen, e sua inter-relao de Ricardo Schtz, mestre em TESL, da Universidade de
Arizona e responsvel pelo site English Made in Brazil, e Construtivismo de Mrcia de
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 38
Borba Campos, doutora em Informtica na Educao, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Brasil.
O fato de que os professores tiveram de ler, corrigir e comentar aproximadamente 200
resenhas (2 para cada estagirio) justifica a opo por restringir os textos tericos, mas
no deixa de levantar a questo de um discurso fechado. Alm disso, mostra a
tendncia dos IES privados hoje em dia. Seguindo um modelo do que Gee (2004, p. 96)
considera o novo capitalismo, em que os trabalhadores so uma fora de trabalho
enxuta e sem piedade'12, o trabalhador, neste caso o professor universitrio, torna-se
operrio-horista (Lucchesi, 2002, p. 110). Como a maioria das instituies privadas
no paga o professor pelo tempo gasto fora de sala de aula, o resultado inexistncia
de produo cientfica e queda da qualidade de ensino (idem). A autora apresenta o
quadro representativo da situao do professor encarregado do estgio supervisionado
de forma exata. Geralmente, h, na IES em foco, s uma pessoa (em 2003, foram dois
professores devido ao nmero excessivo de inscries) para policiar os documentos,
carimbar as fichas comprobatrias, corrigir as resenhas, ministrar as aulas, controlar a
lista de presena, observar as regncias das aulas dos estagirios aos colegas, assinar
e carimbar as cartas de apresentao, ler e corrigir todos os relatrios de cada
estagirio, alm de orientar e consolar os estagirios em momentos de desespero etc.
O tempo para produo de conhecimento para o professor do estgio supervisionado
fica muito reduzido devido ao nmero de tarefas, multiplicado pelo nmero geralmente
alto dos alunos estagirios. uma fora de trabalho que se revela muito enxuta.
A questo do supervisor do estgio tratada no Parecer CNE/CP n 9, publicado no
site do Ministrio da Educao (2002, p. 23).
Trata-se, assim, de tarefa para toda a equipe de formadores e no, apenas, para o
supervisor de estgio.
Infelizmente, na sociedade neoliberal, em que as foras de trabalho esto sendo
enxugadas em prol de uma lucratividade maior, o estgio supervisionado em questo
12 (...) workforce lean and mean
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Dissertao de Mestrado - Anthony James Rosenberg 2008 39
restringe-se responsabilidade de um ou dois profissionais e no de uma equipe de
formadores.
Com a leitura restrita aos textos supracitados, de teor metodolgico, entende-se o
porqu de as resenhas focarem a questo metodolgica do ensino em detrimento das
outras, como a filosfica, psicanaltica, social, cultural, econmica, poltica etc. A
disciplina Prtica do Ensino na IES em estudo parece limitar o alcance intelectual,
reprimindo os estagirios de fazer conexes com outras disciplinas ou outros
conhecimentos mais tericos a no ser a metodologia. Uma estagiria, em sua resenha
do texto de Schtz, limita toda a sua anlise s questes prticas da sala de aula.
Est. 1: A teoria de Krashen revela que deve ser dada uma importncia maior a acquisition
sobre learning referindo-se ao aprendizado de lnguas a adolescentes e adultos.
Percebe-se que a anlise da estagiria no vai alm da questo metodolgica, atendo-
se descrio isenta de reflexo, que no indaga (ou no informa) o tipo de
importncia, nem o porqu de adolescentes e adultos e no crianas. A orientao
para realizar uma resenha, proposta no manual do estgio para promover uma reflexo
da teoria na prtica, no oferece uma bibliografia nem uma metodologia cientfica para
tal.
15.3 Resenhas dos textos tericos
Pelo prprio sentido da palavra, resenha no igual a resumo. Nessa etapa do estgio
interno, o estagirio dever fazer uma leitura reflexiva (ler, decifrar e pensar), com a inteno
de redigir (exprimir-se sintaticamente, vulgo escrever, no copiar) uma crtica do texto. A
resenha pode at conter um resumo, mas a parte essencial a crtica.13
As orientaes, porm, deixam vago o que a crtica, esperando que o estagirio
compreenda esse conceito por conta prpria, sem