royalties, chevron e estado de direito

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Royalties, Chevron e Estado de Direito É de Nelson Rodrigues a lapidar frase que diz que “toda unanimidade é burra”. Assim também é a polarização de ideias. No campo legislativo sempre que uma lei é motivada, ou por uma unanimidade, ou por polarização de posições, tem grande chances que a falta de consenso legislativo termine por convocar o Supremo Tribunal Federal para que, por seus onze Ministros, ou faça a interpretação da lei com os limites do texto constitucional (chamado de interpretação conforme a Constituição) ou declare a inconstitucionalidade do texto legal. A discussão dos royalties do petróleo tem encontrado uma polarização afastada do texto constitucional. A pergunta que tem movimentado os debates, tanto dos que defendem os estados produtores de petróleo, quanto dos que defendem os estados não produtores é: Quem deve ficar com os royalties? Todavia acreditamos que que a pergunta está errada. A pergunta correta seria: Com base no texto constitucional qual é a parcela mínima que deve ficar com os estados produtores e qual o montante pode ser distribuído por todos os estados? Esta pergunta chave traria premissas a serem analisadas e conduziria a outras questões que poderiam levar a um consenso. Relativamente aos royalties, a discussão começou com a legislação do pré-sal e agora engloba toda a legislação do petróleo. Como a grande maioria do congresso nacional é composta de estados não produtores, o destino da nova legislação está selado: ser aprovada a distribuição dos royalties para todos os estados e a matéria ser encaminhada para a apreciação do Supremo Tribunal Federal. A falta do consenso na estabilização do marco regulatório do pré-sal, mobilizou os estados produtores e dentre eles o estado do Rio de Janeiro. No exato dia da passeata em defesa dos royalties para o Rio de Janeiro, foi anunciado o vazamento de petróleo pela Chevron. Iniciou-se uma enxurrada de notícias impulsionadas por três frentes: a falta de informação técnica do ocorrido, a infeliz política de “sem comentários” da Chevron e o show midiático e passional de algumas autoridades brasileiras em contrapartida com o absoluto silêncio de outras. Vários pontos devem ser esclarecidos para a correta apuração das responsabilidades. A Chevron não está sozinha na exploração do campo de frade. Ela faz parte de um consórcio onde 30% pertence à Petrobras. É necessário que se identifique a relação contratual do consórcio

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Reflexões sobre que devem ser feitas sobre o derramamento de óleo pela Chevron, no Rio de Janeiro.

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Page 1: Royalties, Chevron e Estado de Direito

Royalties, Chevron e Estado de Direito

É de Nelson Rodrigues a lapidar frase que diz que “toda unanimidade é burra”. Assim também é a polarização de ideias. No campo legislativo sempre que uma lei é motivada, ou por uma unanimidade, ou por polarização de posições, tem grande chances que a falta de consenso legislativo termine por convocar o Supremo Tribunal Federal para que, por seus onze Ministros, ou faça a interpretação da lei com os limites do texto constitucional (chamado de interpretação conforme a Constituição) ou declare a inconstitucionalidade do texto legal.

A discussão dos royalties do petróleo tem encontrado uma polarização afastada do texto constitucional. A pergunta que tem movimentado os debates, tanto dos que defendem os estados produtores de petróleo, quanto dos que defendem os estados não produtores é: Quem deve ficar com os royalties? Todavia acreditamos que que a pergunta está errada. A pergunta correta seria: Com base no texto constitucional qual é a parcela mínima que deve ficar com os estados produtores e qual o montante pode ser distribuído por todos os estados? Esta pergunta chave traria premissas a serem analisadas e conduziria a outras questões que poderiam levar a um consenso.

Relativamente aos royalties, a discussão começou com a legislação do pré-sal e agora engloba toda a legislação do petróleo. Como a grande maioria do congresso nacional é composta de estados não produtores, o destino da nova legislação está selado: ser aprovada a distribuição dos royalties para todos os estados e a matéria ser encaminhada para a apreciação do Supremo Tribunal Federal.

A falta do consenso na estabilização do marco regulatório do pré-sal, mobilizou os estados produtores e dentre eles o estado do Rio de Janeiro. No exato dia da passeata em defesa dos royalties para o Rio de Janeiro, foi anunciado o vazamento de petróleo pela Chevron. Iniciou-se uma enxurrada de notícias impulsionadas por três frentes: a falta de informação técnica do ocorrido, a infeliz política de “sem comentários” da Chevron e o show midiático e passional de algumas autoridades brasileiras em contrapartida com o absoluto silêncio de outras. Vários pontos devem ser esclarecidos para a correta apuração das responsabilidades.

A Chevron não está sozinha na exploração do campo de frade. Ela faz parte de um consórcio onde 30% pertence à Petrobras. É necessário que se identifique a relação contratual do consórcio Chevron/Petrobras, a responsabilidade de cada empresa e como ocorria na prática a operação. A situação lembra recente vazamento em Bohai Bay, na China, onde havia um consórcio entre ConocoPhilips e a companhia estatal chinesa, todavia as autoridades e imprensa chinesas somente falavam da ConocoPhilips, sendo que a empresa estatal era raramente citada.

No dia 30 de março de 2010, quando o projeto do marco regulatório do pré-sal estava no Senado Federal, foram rejeitadas toda as emendas de caráter ambiental que haviam sido sugeridas sob o argumento de que o aspecto econômico deveria se sobrepor aos aspectos ambientais. Exatos dezenove dias depois ocorreu o acidente no Golfo do México. E nem isso foi suficiente para que a matéria fosse reincluída na discussão. Nos Estados Unidos há um fundo para contingências que se chama Oil Spill Liability Trust Fund formado por Us$0,08 (oito centavos de dólar) por barril de petróleo explorado em território americano para ser utilizado pelas autoridades em caso de acidentes. Caso houvesse algo semelhante no Brasil, ao invés de apenas multar, os órgãos governamentais poderiam estar à frente do processo de limpeza com estrita legalidade para depois imputar os custos ao consórcio responsável. Basta uma lida nos processos administrativos de licenciamento ambiental das atividades petrolíferas que tramitam no IBAMA para identificar que, em alguns casos têm sido adotados licenciamentos guarda-chuva, através de termos de ajuste de conduta (TAC’s), o que foge do procedimento regular de licenciamento.

Da parte das petroleiras não há uma auto-regulação tal como feito nos EUA, através da competente National Ocean Industries Association (www.noia.org), que tem elevado os patamares de segurança a padrões de excelência. Afinal a ninguém, principalmente às petroleiras que investem

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bilhões de dólares no Brasil e geram milhares de empregos, interessa que algum acidente aconteça no processo de exploração.

Cláudio A. Pinho é advogado, professor de Direito Constitucional, coordenador do curso de pós-graduação em Direito de Energia da Universidade UNA, membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional e da Comissão de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Instituto dos Advogados Brasileiros e autor do livro “Pré-Sal – História, doutrina e comentários às leis”.