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  • Maria de Ftima Lambert Rui Horta Pereira Remanescendo Galeria 3+1/Lx

    You say I took the name in vain I don't even know the name But if I did, well really, what's it to you? There's a blaze of light In every word It doesn't matter which you heard The holy or the broken Hallelujah (Leonard Cohen)

    Os desenhos de Rui Horta Pereira plasmam o nocturno, sobre o qual Bachelard e Gilbert Durand reflectiram. Essa dimenso onde se vive, onde o imaginrio perdura e a irracionalidade gere os factos. Talvez essas superfcies negras sejam domnios rasgados pela vontade uma afinidade veemncia com que Nietzsche a afirmava. opacidade, resultante da tinta, associam-se elementos (externos superfcie inicial), demonstrando a sobreposicionalidade dos tempos. Trata-se, porventura, de uma analogia durao, quando esta comandada pela lucidez pictural, impulsionada pela razo quase escultrica, emanando de desenhos de imperceptibilidade. Tantas camadas de dizer sobre o acto de pintar, errncias dirigidas entre a aco de rasgar, convocando Fontanae abrindo-se para uma outra dimenso do espao (e de um tempo irreversvel). Espao que se converte numa superfcie que um territrio, um lugar delimitado pelo intervalo (leia-se respirao) entre o papel e a parede. Quando contemplado de lado, um e outro desenhos revelam truques perceptivos: agudizam-se formas cilndricas vazadas, espirais incompletasenfim, configuram-se de modo surpreendente e inesperado detalhes e evidncias para alguns espectadores guardarem. Para se apreenderem tais detalhes, carece a aproximao fsica parede e ao desenho, parecendo que esses elementos quase se desapossam e o artista no-los cede transitoriamente. um certo desenrolar do desenho, que papel e pele, se combina e, de novo, se regulariza de dentro para fora, regressando de novo a si. Edward T. Hall assinalou a dimenso oculta, conceptualizao que me parece ser transponvel, numa leitura destas obras em papel que se estendem, dobram (le pli) e recolhem sobre si mesmas atravs de elementos ntidos mas recnditos. Os papis tornam-se coisas, ganham-lhes em cumplicidade, demonstrando uma tal coerncia que padece apenas o desvelamento. Atendendo totalidade dos desenhos/pinturas expostos, e sabendo-se de quantos mais possam ter existncia, a mincia e virtuosismo exigidos para a sua colocao na parede, tem uma errncia pelo gesto e pela fixao at que a obra resida definitivamente numa posse, assumindo uma impositividade tranquila e sedentria. As arquitecturas expandem-se, adquirindo de forma paradoxal, uma autonomiaproveniente de uma intersubjectividade que garante uma maior noo de identidade singular a cada desenho intervencionado. A aco sistemtica da tcnica de frottage cumpre aqui propsitos diferenciados do designado por Max Ernst e outros. A fora exercida sobre os papis, pousados em cima

  • das tbuas de madeira, deixa rastos de desgaste na pintura, presentificando uma nova admisso de existncia. As irregularidades grficas expressas, a distenso de aparncia aleatria resultam dessa fora interventiva e deliberada. As densidades cromticas, quanto o rigor de seu traado geomtrico remetem para uma anuncia de matriz suprematista. Mas no contrariam a celebrao desse nocturno que Robert Motherwell afirmou em pinturas negras como Ibria (1958). Da razo ideolgica, urgente ao tempo, desenrola-se um mergulho na espessura da identidade pessoal de Rui H.P. Numa das paredes-mestras, as janelas que se abrem, quase proximidade do tecto, foram entaipadas por formas dspares, construdas a partir da aglomerao de desperdcios, resduos de madeira que o artista concebeu e fez. Esta sua atitude corresponde a uma resoluo conceptual que se tornou visvel desde os ltimos anos e conformou distintas obras tridimensionais e de instalao. No caso, os elementos que se aconchegam nos vos das janelas, organizam formas inventadas e geometrizantes, manifestando uma organicidade imprescindvel. Como se de vestgios de uma existncia irrevogvel se tratasse, o amontoado de serrim na base do cometa imaginado (talvez familiar ao petit prince de Sainte-Exupry) Ser uma extenso, escultrica mais do que objectual, rendida anima e animus que se exigem, sem deciso.

    (chamo silncio linguagem-que-j-no--orgo-de-nada)1

    Coda: Verifica-se uma suspenso, constata-se uma interrupo preenchida por um suposto vazio (Abril 2010 in Silncio, desenho e alma da matria)

    Maria de Ftima Lambert Maio 2011

    1 Pascal Quignard, Histrias de Amor de outros tempos, Lisboa, Cotovia, 2002, pp. 12-13