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´.RVL HZH NRVL RULVDµ 6HP IROKD QmR Ki RUL[i YLYrQFLDV HFROyJLFDV HP XP terreiro de candomblé “Kosi ewe, kosi orisa” (no leaves, no orisha): ecologic experiments in a candomble ‘terreiro’ =LYUPJH 4HYPH KH :PS]H .VTLZ L =LYH 4HYNHYPKH 3LZZH *H[HSqVUniversidade de Brasília -DF (Brasil). Resumo ( WYLZLU[L L[UVWLZX\PZHHsqV [L]L S\NHY UV 0Su ±Zu 6W} 6ZVN\USHKL 0Sv (_t 6W 6_VN\T 3HKv [LYYLPYV KL JHUKVTISt KL UHsqV 2L[\ ¶ SVJHSPaHKV UV LZ[HKV KL :LYNPWL YLNPqV UVYKLZ[L KV )YHZPS SPKLYHKV WLSV )HIHSH_t 9LNPUHSKV +HUPLS -SVYLZ 6N\U ;}~YPRWL sacerdote de Ogum. A pesquisa investigou as possíveis relações entre a cosmovisão africana, suas práticas culturais e os fundamentos e práticas de Educação Ambiental, bem como as formas de produzir e compartilhar conhecimentos no supracitado terreiro. Como estratégia de construção coletiva de conhecimentos, a pesquisa visou possibilitar vivências WLKHN}NPJHZ UHX\LSL [LYYLPYV WVY TLPV KL VÄJPUHZ VÄJPUHKPHNU}Z[PJV VÄJPUH VYP_mZ UH[\YLaH VÄJPUH KL ,K\JHsqV (TIPLU[HS L LU[YL]PZ[HZ JVT ZHJLYKV[LZ YLWYLZLU[H[P]VZ KH UHsqV RL[\ UV )YHZPS X\L HY[PJ\SHYHT VZ WYPUJxWPVZ KH ,K\JHsqV (TIPLU[HS L VZ WYPUJxWPVZ]HSVYLZ KV JHUKVTISt KL UHsqV RL[\ 6 Z\QLP[V WLZX\PZHKVY JVSL[P]V VW[V\ por um método de intervenção coletiva, permeada pela dimensão afetiva, baseado nos princípios da etnopesquisa-ação e inspirado nas técnicas de tomada de decisão, que associou pesquisadores e atores sociais num procedimento conjunto de transformação de uma dada realidade e de compartilhamento de conhecimentos entre uma tradição cultural [LYYLPYV KL JHUKVTISt RL[\ L VZ ZHILYLZ HJHKvTPJVZ YLHÄYTHUKV HZZPT H PTWVY[oUJPH KL um diálogo intercultural de conhecimentos. Astract ;OL WYLZLU[ L[OUV YLZLHYJOHJ[PVU OHZ [HRLU WSHJL H[ 0Su ±Zu 6W} 6ZVN\USHKL 0Sv (_t 6W 6_VN\T 3HKv JHUKVTISL [LTWSL VM RL[\ VYPNPU ¶ PU :LYNPWL Z[H[L ^OPJO PZ WSHJLK PU [OL 5VY[OLHZ[LYU YLNPVU VM )YHaPS 9\U I` )HIHSH_t 9LNPUHSKV +HUPLS -SVYLZ 6N\U ;}~YPRWL Ogun’s priest. The research aimed to investigate the probable relation between an African worldview, its cultural practices and Environmental Education basis and practices, as well as [OL ^H`Z VM WYVK\JPUN HUK ZOHYPUN RUV^SLKNL PU [OH[ JHUKVTISL [LTWSL ;OL YLZLHYJO HSZV HPTLK [V THRL WLKHNVNPJHS L_WLYPTLU[Z [V OHWWLU [OYV\NO [OL YLHSPaH[PVU VM ^VYRZOVWZ (Diagnosis / Orisha-nature / Environmental Education) as a colective building strategy of RUV^SLKNL HUK PU[LY]PL^Z ^P[O V\[Z[HUKPUN WYPLZ[ HUK WYPLZ[LZZ VM 2L[\ UH[PVU PU )YHaPS The collective research group has chosen a collective intervention method based on the L[OUVYLZLHYJOHJ[PVU WYPUJPWSLZ HUK PUZWPYLK I` KLJPZPVU THRLYZ [LJOUPX\LZ ;OH[ JOVPJL ambientalMENTEsustentable xullo-decembro 2015, ano X, vol. II, núm. 20, páxinas 1857-1877 ISSN: 1887-2417 ISSN-e: 2386-4362 EA, SABERES TRADICIONAIS/ALTERNATIVOS DOI: 10.17979/ams.2015.2.20.1703 CORE Metadata, citation and similar papers at core.ac.uk Provided by Repositorio da Universidade da Coruña

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  • 1857ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    terreiro de candomblé “Kosi ewe, kosi orisa” (no leaves, no orisha): ecologic experiments in a candomble ‘terreiro’

    Universidade de Brasília

    -DF (Brasil).

    Resumo

    sacerdote de Ogum. A pesquisa investigou as possíveis relações entre a cosmovisão africana, suas práticas culturais e os fundamentos e práticas de Educação Ambiental, bem como as formas de produzir e compartilhar conhecimentos no supracitado terreiro. Como estratégia de construção coletiva de conhecimentos, a pesquisa visou possibilitar vivências

    por um método de intervenção coletiva, permeada pela dimensão afetiva, baseado nos princípios da etnopesquisa-ação e inspirado nas técnicas de tomada de decisão, que associou pesquisadores e atores sociais num procedimento conjunto de transformação de uma dada realidade e de compartilhamento de conhecimentos entre uma tradição cultural

    um diálogo intercultural de conhecimentos. Astract

    Ogun’s priest. The research aimed to investigate the probable relation between an African worldview, its cultural practices and Environmental Education basis and practices, as well as

    (Diagnosis / Orisha-nature / Environmental Education) as a colective building strategy of

    The collective research group has chosen a collective intervention method based on the

    ambientalMENTEsustentablexullo-decembro 2015, ano X, vol. II, núm. 20, páxinas 1857-1877

    ISSN: 1887-2417ISSN-e: 2386-4362

    EA, SABERES TRADICIONAIS/ALTERNATIVOS

    DOI: 10.17979/ams.2015.2.20.1703

    CORE Metadata, citation and similar papers at core.ac.uk

    Provided by Repositorio da Universidade da Coruña

    https://core.ac.uk/display/199451587?utm_source=pdf&utm_medium=banner&utm_campaign=pdf-decoration-v1

  • 1858 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    Aspectos introdutórios

    -sentação dos resultados de uma etnopes-quisa-ação, que teve lugar em um terreiro

    Ketu denomina-do Ilè Àsè Opó Osogunlade (Oxogum Ladê

    -Babalaxé Re-

    ginaldo Daniel ( ), 63 anos, sacerdote de Ogum -ritual de Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais expressivas lideranças religiosas do

    dados advindos do trabalho de campo es-tão em fase de análise e neste texto serão parcialmente apresentados.

    as possíveis relações entre a cosmovi-são africana, suas práticas culturais e os fundamentos e práticas de Educação Ambiental, bem como as formas de pro-duzir e compartilhar conhecimentos no

    construção coletiva de conhecimentos, a pesquisa visou possibilitar vivências pe-

    princípios da Educação Ambiental e os -

    os conceitos nativos do candomblé Ketu relativos à relação ser humano + natureza, na perspectiva dos valores da cosmovisão africana, bem como compreender como os mesmos são ali vivenciados.

    -da de decisão, que associasse pesquisa-dores e atores sociais num procedimento

    realidade, pareceu-nos mais adequado para compreender a complexidade des-

    -veis relações foram observadas de forma compartilhada por meio de diálogos per-manentes, nos bate-papos informais, na vivência do cotidiano do terreiro e nas

    -nais de semana ao longo de seis meses,

    -

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

    has united researchers and social actors in a changing reality procedure which made possible

    reassured the impostance of an intercultural dialogue. Palabras chave

    Key-words

  • 1859ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    -biental.

    -morou saberes ancestrais e acolheu novos saberes referentes à educação ambiental

    -fundar os conhecimentos fundadores do

    e natureza, foram realizadas 02 entrevistas com 01 sacerdote e 01 sacerdotisa repre-sentativos da nação ketu no Brasil.

    A dimensão afetiva permeou essa constru-ção coletiva nesse ambiente de formação

    -relação cultura-natureza foi percebida a partir de referenciais de estudos antropo-lógicos e de conceitos nativos da cosmo-visão africana, baseados na cosmovisão e

    -tunidade de propiciar o compartilhamen-to de conhecimentos entre uma tradição

    de conhecimento coletivo.

    dados se dá sob a luz da complexidade e de uma epistemologia transdisciplinar. Buscando a compreensão dos fenôme-nos estudados nos múltiplos aspectos e integrando implicação do pesquisador e

    --hierarquização de conhecimentos, que buscamos vivenciar no decorrer da etno--pesquisa-ação.

    Tramas epistemológicas

    As variadas leituras, estudos, conexões, desconexões, reconexões vivenciadas na construção dessa interação de saberes acadêmicos e tradicionais, nos aponta-ram para a oportunidade ímpar de fazer um encontro preliminar com a transdis-ciplinaridade ( , 1999), com a abordagem transdisciplinar e com o exercício caro, árduo e em constante construção de experienciar uma atitude transdisciplinar.

    A amplitude da transdisciplinaridade,

    sua abertura epistemológica me permiti-

    propor ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília

    qual o sagrado se funda a partir de uma cosmovisão panteísta de profunda intera-ção com a natureza.

    -

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1860 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    , 2009), representadas por autores e autoras brasileiros/as como Muniz ,

    , Deoscóredes (Mestre Didi LUZ, e a argentina Juana , chegamos à abordagem do vivido-concebi-do que se une à atitude transdisciplinar ao

    -ram conhecimentos, sentimentos e emo-ções comuns que se estabeleceram e por meio dos quais se fortaleceram os vínculos de aliança. “Nem tudo está pensado e pla-

    -

    A abertura ao imprevisto e o acolhimento da diversidade fazem parte de uma neces-sária atitude transdisciplinar que considera “tanto o pensamento como a experiência interior, tanto ciência quanto a consciência, tanto a efetividade quanto a afetividade” ( --se de uma abordagem intercultural ( -DAU, 2003) que orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à di-ferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando

    Ainda tramamos com a ecologia dos sa-beres ( , 2009) na busca do re-

    3. Uma das revoluções conceituais des-se século (XX) veio, paradoxalmente, da ciência, mais particularmente da física quântica, que fez com que a antiga visão da realidade, com seus conceitos clás-sicos de continuidade, localidade e de-terminismo, que ainda predominam no

    explodida. Ela deu à luz uma nova lógi-ca, correspondente em muitos aspectos a antigas lógicas esquecidas. Um diálo-go capital, cada vez mais rigoroso e pro-fundo, entre a ciência e a tradição, pode

    -ral: a transdisciplinaridade.4. A transdisciplinaridade não procura construir sincretismo algum entre a ci-ência e a tradição: a metodologia da ci-ência moderna é radicalmente diferente das práticas da tradição. A transdiscipli-naridade procura pontos de vista a partir dos quais seja possível torná-las intera-tivas, procura espaços de pensamento que as façam sair de sua unidade, res-peitando as diferenças, apoiando-se es-pecialmente numa nova concepção da natureza1.

    Por outro lado, considerando as produções das chamadas Epistemologias do Sul ( -

    do colóquio sobre Ciência e Tradição: pers-

    realizado em Paris entre 2 de 6 de dezembro

    BERGER, Michel , Roberto Lima de e Basarab Fonte:

    -dologia.transdisciplinar.

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1861ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    Segundo o mito3, , o deus trovão, -

    res de Ossãima deusa dos ventos e das tempestades, que ventasse muito no lugar onde mora-va Ossaim, para que as folhas sagradas que guardava em sua cabaça de segredos fossem espalhadas e ele pudesse apanhá--las. Por seu amor a

    as folhas, todos os orixás correram para apanhá-las, sabendo de seus poderes. Ossaim, ao ver o que acontecia pronun-ciou palavras mágicas que solicitavam que as folhas voltassem às matas, sua casa e seu domínio. Todas as folhas voltaram,

    daquelas que conseguiu apanhar. Só que -

    gia) que quando estavam sob o domínio de Ossaim. Para evitar novos episódios de

    Ossaim permitiu, então, que cada orixá se tornasse dono de algumas

    -to e cura ele liberaria quando lhe pedis-sem, cantando, licença para usufruir dos segredo das folhas sagradas.

    -tas ou precisamos entrar em conexão com

    Ossaim e cantamos para que ele permita que a for-

    3 Disponível em: http://eleg-

    php?pagina=1344975701 - Acesso em maio/2012.

    conhecimento de uma pluralidade de co-nhecimentos heterogêneos que procura dar a consistência epistemológica ao pen-samento pluralista e propositivo ao reco-nhecer a existência de uma pluralidade

    -nhecimentos e ignorâncias. Ela nos convi-da a aprender outros conhecimentos sem esquecer os próprios para sonharmos com a utopia do interconhecimento. A Ecologia

    mais aprofundada sobre a diferença entre a ciência como conhecimento monopolis-ta e a ciência como parte de uma ecolo-gia dos saberes e assevera que nenhuma forma singular de conhecimento pode res-ponder por todas as intervenções possí-

    Essa construção nos remete a um itan2, a um mito muito difundido nos terreiros que

    mito envolve

    tempestades e do fogo (poder que com-partilha com Ossãimsegredo das folhas.

    participam os orixás e que sempre deixam um ensinamento para os seguidores dessa verten-te religiosa.

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1862 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    orixá’. -

    outras) têm sido as guardiãs da identidade

    e de perpetuação de caráter civilizatório

    resguardadas as línguas africanas (ioru-

    negras que formaram a cultura brasileira resistiram, adaptaram-se e seus descen-dentes continuam tecendo sua cultura an-

    meio a turbulências de ordem socioeconô-

    fundado em

    antiga do Brasil -a histórica cidade de São

    -ção religiosa de origem africana no Brasil, temos

    brasileiras. Dentre os vários cultos, de distintas linhagens originadas em diversas regiões afri-

    históricos. Estes heróis são denominados Òrìsàs

    --

    e rituais serem semelhantes aos de outras nações

    que o encantamento aconteça. Esse mito pode nos remeter à interpretação de que Ossaim permitiu que houvesse, ainda que com que limites, a democracia do conheci-mento das folhas, permitiu a ecologia dos

    -lação e encantamento podem ser coloca-dos a favor da vida.

    nesse processo de aprendizado educacio-

    elementos sagrados, simbólicos e exem-plos de ser e fazer que norteiam a conduta

    -

    A construção coletiva

    de forma corrente no cotidiano do apren-dizado vivencial dentro de um terreiro de

    4 ‘sem folha, não há

    4 Candombléligado a uma cidade ou a um país inteiro. Por

    -

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1863ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    pela realização de ritos que propiciam co-

    possuía, -

    de iniciados), popularmente conhecidos

    um corpo de seguidores os quais mantêm -

    duradoura e comprometida com os terrei-ros do que os clientes que buscam os ser-viços mágicos para solução dos proble-mas imediatos. Muitas vezes utilizando os conhecimentos dos sacerdotes e sacerdo-

    Existem iniciativas de caminhadas pelo município de São Cristóvão para alertar a população local sobre os impactos da ação humana no meio-ambiente, por meio da Rede Ewe Lara: folhas para a vida, que foi uma iniciativa do Oxogumladê para congregar parceiros no dia da Ação Climática em 2009. A chegada de novos

    da Biologia, das Ciências Ambientais, da Agroecologia para o terreiro tem motiva-

    -clusivamente para a formação do público interno do terreiro.

    Cristóvão, no estado de Sergipe- está in-serido no bairro denominado Caípe. As diretrizes daquele terreiro apontam para a preocupação de promover uma maior consciência ecológica, visto que para os

    rituais e para a atualização e preservação dos valores culturais de origem africana no Brasil, embora considerando que a corrida urbana vem reduzindo paulatinamente a dimensão territorial dos terreiros em geral e, consequentemente, os seus espaços para o cultivo de folhas sagradas.

    -dade da vida por meio da conexão direta

    -

    brasileiras, tais comunidades precisaram -

    suas dependências. Por esta razão, todo terreiro deve conter: 1. um “espaço mato”: área não cultivada que abriga os vegetais fundamentais ao culto aos orixás que cres-cem livremente e se encontram dispersos na natureza onde se pode entrar em con-tato com o poder sobrenatural das folhas

    um “espaço urbano”: -cações destinadas aos rituais e por outras destinadas à moradia da comunidade reli-

    -bein dos

    (1993) que chamou de “espaço cultivado” aquele utilizado e transformado

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1864 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    o primeiro momento para apresentação do

    os demais encontros ao longo de 2013,

    roda de conversa avaliativa, em dezem-bro/2013.

    -tato com o campo da cognição e suscita-

    -cepções, sentimentos (cuidado, relações de poder, desconhecimento, afetividade).

    --pesquisador que se voluntariava para

    --

    entrávamos em contato com a expressão de sentimentos relacionados ao foco de interesse e buscávamos nos preparar para

    no território.

    -

    realizamos a Contratualização do grupo/-

    --

    Prestação de Contas do Ponto de Cultura Axé Ô!

    a retomada da memória da comunidade

    Talvez por isso, a preocupação com a di-mensão ecológica, com a mudança de comportamentos em relação à natureza,

    -parsa, teórica e restrita a alguns membros do terreiro acima referido. Embora, do ponto de vista do sagrado, esses compor-

    -zação para se empreender uma mudança de realidade com novos comportamentos

    percebida pelas manifestações expressas -

    vam para uma preocupação em relação

    -do que, a partir do segundo semestre de

    --

    reiro. Trabalhamos com a descrição densa e as categorias analíticas da tese, as quais, principalmente, em se tratando de uma et-nopesquisa-ação, emergiram da base em-pírica, no decorrer do próprio trabalho.

    -

    com o grupo pesquisador coletivo, sendo

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1865ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    das necessidades do terreiro, dentre eles:

    -quente de descartáveis durante as festas

    -tos integrantes sobre plantas sagradas e

    impacto dos resíduos no ambiente e au-sência de discussão de práticas coletivas para gestão do espaço-meio, tempo e ta-refas.

    Frente aos problemas diagnosticados, foram propostas possíveis soluções: a separação e redução do consumo e con-sequente aumento da quantidade de lixo

    -

    da utilização de descartáveis por meio de

    -lização de um mapeamento de plantas de

    --

    cação ambiental e sobre orixás e natureza.

    A partir da análise interpretativa das vivên-

    dos depoimentos, emergiram as catego-

    -

    Pudemos vislumbrar uma oposição entre

    necessidade de se encaminhar para uma mudança comportamental que vai ao en-

    e recriou o histórico do terreiro por meio -

    xão, como cânticos, contação de histórias -

    na propiciou a construção dos espaços

    foi trabalhado (aprimoramento dos dados

    -biente, desmatamento, queimadas, agen-tes poluidores, iniciativas de preservação ambiental por parte de gestores munici-pais e sociedade civil/legislação ambien-

    -bientais).

    pelo terreiro para entrar em contato com

    lembranças ecológicas, folhas, orixás, tri-lhas para reconhecimento do território sa-

    casa de culto aos orixás e falou de suas características, bem como dos elementos que os associam à natureza.

    de tomarmos conhecimento da realidade interna e externa ao terreiro, foi elabora-do um cronograma de atividades de pes-quisa-ação, com datas e responsáveis,

    -

    como empreender mudanças diante do diagnóstico de problemas e levantamento

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1866 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    te biofísico, convertendo-a assim em seu

    território político e cultural, tem soberania, suas próprias leis, regras e o legado de

    -de, os vínculos afetivos que mantemos com esse pedaço de terra, a história da ocupação desse território que está guar-

    que fazemos desse território e as formas de defesa desse território ( , 2001).

    um grupo determinado representa uma das formas mais importantes de dotar

    ( -

    língua iorubá preservada no interior da co-munidade religiosa e utilizada nos rituais ou mesclada com o português do Brasil

    designam tempo de iniciação ou senhori-

    caracterizam o terreiro, como a porteira, a bandeira branca, os assentamentos dos

    contro dos pressupostos de uma Edu-

    entendemos ser esta mudança de cunho paradigmático e que implica numa mu-

    -

    nos situarmos no tempo e na história: de -

    truiu esse caminho antes de nós? Que da-tas, fatos históricos merecem registro na história da nossa memória coletiva? Fize-mos um esboço dessa linha que puderam ser complementadas com outras informa-ções ao longo de todo a nossa etnopes-quisa-ação.

    A ancestralidade, revelada pelos depoi-mentos de construção da linha do tempo, não se restringe ao parentesco sanguí-neo nem às linhagens de africanos e seus

    cristaliza, mas dinamiza a vida e transcen-

    guias, nossa visão, nossa sabedoria, nos-

    natureza divinizada e essa relação se dá por meio de meios mágicos, por meio da intuição, por meio do ser. A ancestralidade está em constante interação com a comu-nidade e vive-versa.

    A territorialidade foi compreendida como o esforço coletivo de um grupo social para

    - Imagem 1: Caminhada pelo terreiro

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1867ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    uma grande mobilização e setorização do trabalho. “Só com a roça limpa podemos ver nosso descaso com a natureza” (Meni-na do ferro).

    -nhecimento sobre: - plantas e folhas sa-

    agroecológicas e, ao mesmo tempo, o cuidado com algumas práticas ecológicas dentro do terreiro que devem respeitar as

    -lização e recolhimento dos alguidares.

    -na, o pesquisador coletivo considerou a vivência como um resgate e propiciado-ra de renovação do conhecimento, prin-cipalmente em uma comunidade regida pela oralidade e suscitou um importante resultado descrito nesse convite para os demais integrantes do terreiro para a re-alização de um mutirão de limpeza para cuidado com o territorio sagrado.

    sentimento de pertença, gerou ideias boas, como a de um MUTIRÃO para lim-peza do axé, principalmente no que diz respeito às arvores e plantas sagradas e ao seu entorno. O fato de a roça ter esta-do relativamente limpa, no momento das atividades, tornou possível ver o quanto, sem que nos demos conta, devemos

    (símbolo de resistência e ancestralidade),

    muitos outros.

    sobre o lugar de cada um na hierarquia da sociedade religiosa, os limites de acesso

    responsabilidade que os integrantes mais velhos do terreiro têm em repassar infor-mações para que os mais novos possam colaborar no cuidado com o territorio sa-grado. Algumas falas mostram o sentido dessa aprendizagem.:

    “Quero ser chamada a atenção para sa-ber onde posso acessar. Se o mais novo é orientado e não faz, aí sim, podemos concluir que não há resposta. A ideia é “cuidar do lugar que cuida de mim” (Me-nina da mata).

    que essa territorialidade tem vários esco--

    de do nível de informação circulante para a orientação, facilitando a contribuição dos demais. “Essa atividade ajudou a gen-te a se desterritorializar e a se reterritoria-

    comunicação entre nós” (Menina do vento, grifo meu).

    -minhada pelo terreiro possibilitou a intro-

    -

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1868 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    -do partilhados, que os conhecimentos vão

    “O tempo não gosta que se faça nada sem ele!”.nós, tão ocidentalizados, passamos a re-

    desvinculada dos outros aspectos da vida. (1986) nos fala

    que:

    Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós en-volvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e--ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias mistura-mos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações (BRANDÃO, 1986:07).

    Ao permear todas as manifestações cul-turais humanas, o mito aponta para o que pode ser permanente ou universal na natureza humana (CAMPBELL apud -

    -volvidos/as nessa etno-pesquisação, pois os mitos sustentam a tradição de perten-cimento à natureza intrínseca ao candom-

    de saberes e do enraizamento do humano na sua base-natureza sustenta os princí-pios da Educação Ambiental.

    caminhar para transformarmos em ação nossos ideais de sustentabilidade. As-sim, a ideia é que neste domingo haja na roça um MUTIRÃO para organização

    a homenagem aos ancestrais, cuja data escolhida é 16 de março”. (Menina do vento).

    Daniel foram enfocados os valo-res da cosmovisão africana vivenciada nos terreiros ketu no Brasil conectando cultura e natureza. Breve exposição da pesqui-sadora acadêmica sobre territorialidade e sinais diacríticos. Caminhada de reco-nhecimento do territorio sagrado do ter-

    sobre a simbologia do poder feminino no

    dos orixás femininos e masculinos por meio dos mitos e sobre a importância da

    de corpo com musicalidade para articular os aspectos cognitivos das expressões emocionais e sociais estiveram presentes em todo processo de aprendizagem nes-ta etno-pesquisa-ação. Aquí emergiu a

    A educação/formação dentro do terreiro

    no devido tempo que a complexidade do sagrado vai sendo assimilada pelos inicia-

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1869ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    do possível, reaproveitados para coloca-ção de frutas, vasos para plantas e deco-

    -zou por dar continuidade ao retelhamento

    Com duração de dois dias nos turnos da manhã (caminhada pelo terreiro), tarde

    -

    narrativas dos participantes sobre cons-

    de diálogo / articulação e primeiras cone-xões entre EA e cosmovisão africana.

    Educação ambiental-maio/2013.

    princípios, valores da Educação Ambiental (Eco-lógica, respeito, cooperação, solida-riedade, cuidado, pertencimento, enraiza-

    conversa com o Babalase: o poder femi-

    femininos e masculinos. Conversamos ainda sobre as folhas sagradas, seu uso medicinal e simbologia ritualística para o

    pedagógico a contação de itans onde são retratados as histórias e aprendizados por meio dos mitos.

    (maio/2013) foi coordenada pela pesqui-sadora com a colaboração de duas co-legas pesquisadoras do doutorado e da orientadora desta pesquisa, Professora

    abordagem sobre os princípios da Educa-ção Ambiental e sobre noção de perten-cimento e cuidado. Dando continuidade a

    -mos mudar e como está sendo feita a mu-

    -cia das árvores sagradas para o candom-

    responsabilizaram pela reestruturação de placas e cartazes e para estudar possibili-

    -res e outros que estavam espalhados pelo terreiro. Eles foram lavados e, na medida

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1870 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    mostra o caminho que vamos trilhar. Somos uma comunidade. Uma família. O pertencimento é o desejo de perten-cer. Estamos aqui porque queremos. Colocar o pé no chão. Saber viver tanto aqui quanto lá fora. Ter ciência para ter consciência. Amor que é sentimento su-

    premo” (Menina da lama).

    resíduos sólidos

    A natureza é parte essencial de nossos rituais, de nossa crença. Nós acredita-mos na própria natureza. Todo mundo fala, ‘nós adoramos a natureza’. Mas a natureza é tudo isso que está aí, as águas, mares, tudo, tudo é da natureza mesmo (Senhora das matas).

    --

    Quando não há respeito não há equilí-brio. Se não há equilíbrio não há harmo-nia. Os saberes ancestrais estão integra-dos à vida. É preciso respeito desde que chegamos à porteira,onde pedimos ago (licença) (Menina do ferro 2).

    mento dos saberes tradicionais). A partir daqueles princípios/valores, foi solicitado

    -mentos sobre os princípios, valores sagra-

    -tem ter uma relação de compromisso, de zelo, de responsabilidade com a natureza.

    estabelecidas relações diretas entre prin-cípios/valores da EA e princípios/valores

    veremos a seguir.

    A eco-lógica aparece como um princípio gerador e aglutinador. Transmissão de saber enraizado entre quem transmite e quem recebe.

    É de onde parte essa vontade de coo--

    sejo de pertencer, de fazer parte disso

    A gente vai se entendendo, se situando. Quando eu vim pra cá, eu não sabia

    ouvi e estou aprendendo um saber que eles disponibilizaram. Desejo me solida-rizar com essa força, essa energia, essa

    lógica de articulação que, para mim, tem forma em espiral (Menina do vento).

    Sobre o pertencimento: Tudo que temos aqui temos que pensar como bem comum. Aqui é um espaço diferente lá de fora. Aqui a gente apren-de convivendo. É a convivência que nos

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1871ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    Todos os nossos rituais dependem das folhas para se fazerem. Temos a folha para poder sacramentar, para lavar ou-tros elementos da natureza. E as folhas que foram ritualizadas podem ser usa-das depois para banhos. É uma ligação intrínseca. A transmissão de conheci-mento vai do sacerdote maior para o

    orixá (Senhor do ferro 2).

    Durante a pesquisa-ação foram realiza-

    Oxogum Lade e com sua mãe espiritual, Axé Opo Afon-

    já. As duas entrevistas corroboraram com a possibilidade de diálogo entre os conhe-

    os fundamentos da educação ambiental. Para a Senhora das matas, esse diálogo sugere aprendizado.

    Eu acho necessário, mesmo porque sem esse diálogo, nada feito. Pois se cada um chegar com seus pensamentos e suas práticas, somente aplicando, não se chega num senso comum [consenso]. Então, esse diálogo é necessário e eu não fujo dele não, eu gosto até de fazer porque, inclusive, me esclarece muita coisa também (Senhora das matas).

    Para o Senhor do ferro,

    o que você tem de fato é que nós somos natureza. Na hora da doença ele tem que saber que além da questão física, pode ter uma questão espiritual. E é nessa in-teração entre o material e o natural, entre

    -sidade:

    Cuidado com o corpo, com a outra pes-soa, com o nosso saber, com o saber do outro, com os valores pessoais de cada um e com os do Osogunlade que são diferentes. Cuidado com o axé de cada um, com o axé que rege todo o espa-ço, com as relações pessoais e com os sentimentos. Somos todos diferentes e precisamos cuidar de um ambiente que é comum a todos nós” (Senhora das águas do mar).

    ousava sentar no mesmo nível que o pai de santo. A quebra dessa regra hierárqui-ca era considerada desrespeito.

    Pertencimento se institui quando a gen-te consegue se olhar um no olho do outro. Repeito não quer dizer submis-

    dominação. Eu sou tão humano quanto vocês. O respeito é mais importante do que se sentar no nível mais baixo. Pre-

    do ferro).

    dinamismo da cultura na atualização de valores da tradição. Entretanto, essa atu-

    raízes dos princípios fundadores de uma cultura.

    pode haver saber sem cooperação.

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1872 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    eu conheci uma das minhas tias velhas

    ela cozinhava e lavava pra ela mesma com seus quase 90 anos. E, inúmeras vezes, a gente presenciava ela conver-

    assanhaço. E quando ele começava a

    pra janela e dizia: “ Xangô meu pai, eu

    E falava do cotidiano dela. Ah, era uma velha esclerosada, alguns falavam. Mas será que era só isso? Creio que ela che-gou no auge de uma conectividade com a vida e com a natureza que não sei se você ou eu vamos chegar. Do jeito dela, ela chegou. Mas, essa invasão urbana dentro dos territórios sagrados vai pos-sibilitar que nossas roças hoje consigam

    -car no canto do pássaro a visita de seu pai-de-santo é qualidade de vida, isso é amor e isso eu aprendi dentro do Ase Opo Afonja (Senhor do ferro).

    -

    “[…] Nós temos nossos segredos e que não é de bom tom ser falado fora dos momentos propícios, que é justamente na hora das obrigações (Senhora das matas). A mesma entrevista reforça o cuidado e o sentido dos mitos, ferramenta dominante na educação dentro dos terreiros de can-

    E o cuidado com a face da terra que sa-bemos que foi Olorum quem nos deu. É

    o espiritual e o humano, que se efetiva nas atitudes, nas ações, na descoberta, no querer conhecer, no manejo e nos

    desse universo sagrado que se movi-menta em direção ao humano porque ao humano foi dado inteligência. Então, a preocupação ambiental do candom-blé para com a existência, para com a vida vai se dar nas possibilidades que se abrem mediante a carência de um e o poder do outro (Senhor do ferro).

    Imagem 5: colocando a mão na massa da terra enlameada para preparar a fachada da casa de

    A referência que o homem tem de co-nexão com a natureza, no sentido mais abrangente, mais cosmologicamente fa-lando ainda é a árvore. Conversar com o pé da jaqueira é uma das possibilidades. Eu sou testemunha de uma dedicação e amor à natureza, à vida, maravilhosos. Na minha infância no Asè Opo Afonjá,

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1873ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    e vai limpando seu astral (Senhora das matas).

    A valorização do elemento água como o primeiro elemento nas ações ritualíticas e

    Quando vc vai fazer uma iniciação, a partir do banho, tudo é lavado. Qualquer elemento que você pega na feira, uma quartinha por exemplo, para ela ser con-sagrada tem que se lavada. Nosso cor-po, tudo é lavado, nosso interior, nosso emi (sopro úmido que vem da palavra proferida pelo sacerdote ou sacerdoti-sa). Também não podemos esquecer de beber água (Senhora das matas).

    -de religiosa, desrespeito esse capitaneado

    -costais:

    Quando se fala em candomblé todo -

    alizando o preconceito de que é coisa do -

    ça é nosso coração, é nossa cabeça e, além do mais, o nosso consentimento … Se a gente não tiver um gesto de amor não adianta nada.. A responsabilidade dos pais e mães de santo é a comunida-de. O compromisso com o bem e com a verdade. Nosso poder é ese (Senhora das matas).

    um dos entrevistados, um dos valores que

    com os mitos da formação da terra, do Aiye, que aprendemos os cuidados que devemos ter com as águas, com as ma-tas, com as árvores, até com o próprio ser humano, pois nós somos também veículo do próprio orixá. Eu considero nosso corpo como um templo, o templo

    Tudo o que Deus fez, tudo o que exis-te na natureza é digno de respeito e de cuidado e de veneração (Senhora das matas).

    A dignidade e a preocupação com o as-seio pessoal, revelam a importância da água, do banho e da ritualização dos ele-

    ambiente e do próprio corpo.

    […] No candomblé, o primeiro ato quan-do você acorda é tomar banho. Durma--se no pé do orixá, quando se acorda tem que tomar banho. E nosso banho você sabe que não é qualquer banho. É toda uma preparação com as ervas ne-cessárias, com o sabão necessário, com o local determinado. Todo candomblé que se preza tem seu quarto de banho. É obrigatório mudar a roupa todo dia. Devemos estar na frente do orixá ou dos outros sempre com roupa limpa, tanto é que tem pessoas que têm restrição de usar roupa velha, rasgada, quanto mais elegantes, limpos, bem vestidos, com roupas inteiras, melhor para o próprio orixá. Porque damos tudo de melhor para o orixá. Nossa aparência, nosso cheirinho gostoso, de sabão, de banho, nossa roupinha limpa, nossa mente tam-bém é limpa. Então nesse exercício de tomar banho, cantando pra seu orixá, logo as negatividades vão se esvaindo,

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1874 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    arasalé. Quem me pariu objetivamen-te, foi a terra. E pra terra ter me parido tem que haver um intermédio e esse é o meu ancestral. A ideia de ancestral se difere em várias culturas. Na verdade, é o modo como você chega ao entendi-mento da ancestralidade. […] O plantar abacaxi, batata-doce, plantar orinrin pra lavar os olhos quando estiverem incha-

    -co vem através da minha ancestralidade.

    terreiro não difere do discurso popular. Esse conhecimento que o candomblé tem de não pegar folha em qualquer horário, o povo do campo sabe, não é o povo da cidade. Essas práticas foram somadas entre índios e africanos […] (Senhor do ferro).

    Um outro enfoque do depoimento do Se-

    as crianças podiam andar descalças, brin-car com a terra livremente, beber a água da nascente...

    Mas, mediante a evolução do tempo, o próprio homem envenenou a terra e se envenenou. Hoje, as crianças não po-dem mais vivenciar e experimentar uma relação visceral com a natureza. E se, no momento em que a criança, que nasce da natureza, é impedida de pegar numa planta porque vai pegar uma gripe, tudo

    homem de dentro da natureza e consi-derando-o como uma natureza isolada,

    não cortou o cordão umbilical com a na-tureza. Ele tem que reconhecer que o elo

    Se eu não admito a possibilidade de ter uma conexão com esse oculto, com esse sensível, eu vou simplesmente re-correr ao hospital, ao advogado, ao juiz. Porque eu não opero enquanto ser na possibilidade polar: eu tenho o orixá, tenho a mata e tenho o homem. Como me relaciono com essa polaridade?

    -cina. Mas o valor da medicina obede-ce uma regra eminentemente racional,

    de uma intervenção sobrenatural. Por mais que existam alguns setores da ci-ência dizendo que há uma possibilidade e isso talvez seja o caminho de volta ao começo. Pois, da mesma forma que o homem ostenta a crença de que sem a razão nada se explica, essa mesma fala é questionada: será? Por que um óbito iminente fracassou? É esse retorno que pode garantir dias melhores. Chegamos a um ponto em que a própria Inteligência

    fazer esse retorno. E o candomblé pode ser uma primeira estação para esse retorno.”(Senhor do ferro).

    -cação à natureza. Basta dizer que toda e qualquer necessidade de manipulação do sagrado não se faz evocando o criador

    -cia-se assim, a noção de pertencimento à natureza e a intrínseca relação ser humano

    Todas as culturas tribais não se movi-mentam sem beijar a terra. Mojubá, Oni-lê. E depois da terra, faz-se reverência aos ancestrais. Mojuba ahun gbogbo

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1875ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    que percebemos depende da nossa es-

    realidades quantas pessoas percebedoras

    -dade de repatriamento, de reorganização

    -

    para manterem sua sobrevivencia física,

    estatais e perseguições para desestrutu-

    Para esclarecer, o senhor do ferro divaga:

    E é nesse sentido que se faz a diferen-ça entre casa e terreiro de candomblé. A casa deve ter uma política doméstica

    -cupar com o culto daquele orixá e não vai se preocupar em ter clientes pra fazer ebó porque não tem estrutura na casa pra fazer ebó. Mas se eu tenho um ter-reiro, uma comunidade, um território, eu tenho uma área espacial que me permite e garante a conexão com os vários ter-ritórios necessários a essa cosmologia africana. Eu tenho água, rio, fonte, ter-reno, eu posso colocar casa de vários orixás, eu posso fazer tal ebó aqui, eu tenho o ar, e tenho folhas. Ebó se resolve com competência sacerdotal e não com “achismo” e nem com quantidade. Se fosse assim, as pessoas que têm uma casa de candomblé não eram também

    -masia suas práticas mágicas no espa-

    não foi cortado e refazer o próprio cami-nho e voltar pra ela. Por isso, nós não podemos entender candomblé, mesmo no Brasil, mesmo com a efetiva produ-ção cultural brasileira, como religião.

    aí possamos pensar nesse “religare”. No caso do Osogunlade, somos exatamen-te um entreposto pra mostrar isso: um caminho de retorno à natureza... (Senhor do ferro).

    O Senhor do ferro também acredita no diálogo entra campos de conhecimen-tos diferentes para construir novas rea-lidades. A população que frequenta o terreiro, que usa esse espaço, que usa o bene-fício de nossa ancestralidade, não são exatamente as pessoas que, em sua maioria, descendem dessa ancestralida-de e alguns poucos dizem e falam dessa conexão. São aquelas em que você vê essa espiritualidade e essa ancestralida-de falando de forma que chega até a nos assustar. Pois há pessoas que não têm nenhuma vivência dentro desse território e mesmo que não atenda à visão esté-tica, dessa ou daquela corrente, você a vê falando coisas que não é propriedade da intelectualidade dela. A pessoa pode estar atrapalhada, pode estar confusa, mas está conectada. Mas tem gente que descende diretamente dessa ancestrali-dade, que está confuso, que está atra-palhado, mas que nem o orixá demons-tra tanta evidencia (Senhor do ferro).

    -truímos a partir de nossas percepções, e

    -cepções. Por conseguinte, nosso mundo

    “Kosi ewe, kosi orisa” (Sem folha não há orixá)

  • 1876 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

    ço urbano. Então, o que precisamos é defender uma política de que orixá não é quantidade, é qualidade. E se a gente tira os alguidares da encruzilhada e nos reportamos à antiguidade, com um abra-ço na árvore, com um pano (ojá) amarra-do numa árvore e muita fé, a gente faz uma revolução… Precisamos de espiri-tualização, de fé (Senhor do ferro).

    Finalmente, o Senhor do ferro esboça uma preocupação que vai ao encontro da pre-ocupação para se considerar o todo e não apenas as partes e como pensar em rela-ções mais saudáveis para a perpetuação

    a importância de considerar o tempo do tempo (khairós).

    Não dá pra falar com o caseiro pra tirar -

    não tivermos uma visão holística dessas interrelações. E não vamos ter porque

    tempo e na hora certos, a informação

    as pessoas acharem que surtirá efeito usar essa máscara de hipocrisia. A gente não pode perder a elegância. Mas não podemos perder também a racionalida-de e deixar de ver o protecionismo. Não podemos nos deixar nos levar por uma única visão. Existem as ‘mise en cenes’. Não vamos perder a esperança para lutar contra as condutas cancerígenas. Não vamos acolher pessoas de fora, com pessoas aqui dentro que não são sensíveis para perceber e sentir o outro

    -

    -rias para implodir esses inimigos do Axé. Uns são inconscientes, mas outros são conscientes sim (Senho do ferro).

    Breves considerações

    o respeito e reverência à natureza intera--

    de-se que:

    emanações dos orixás na terra. Poluir o ar, desperdiçar a água, destruir as ár-vores, desrespeitar a humanidade são práticas contrárias à aprendizagem dos terreiros de candomblés (BOTELHO, 2005:43).

    em suas diversas manifestações. A noção de sagrado como um nível de realidade não pode ser abolido da compreensão das

    -pe na busca do conhecimento e compre-ensão das coisas ( , 1999).

    Em um movimento similar, a educação am-

    uma preservação solidária de todas as co-

    extingue leva consigo uma informação úni-ca da diversidade da vida.

    VERÔNICA MARIA DA SILVA GOMES E VERA MARGARIDA LESSA CATALÃO

  • 1877ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20

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