samba irresistÍvel – um estudo sobre casÉ
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MARIA BERALDO BASTOS
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MARIA BERALDO BASTOS
SAMBA IRRESISTVELUM ESTUDO SOBRE CAS
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao emMsica do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas paraobteno do ttulo de Mestra em Msica, na rea de Concentrao:Prticas Interpretativas.
Orientador: FERNANDO AUGUSTO DE ALMEIDA HASHIMOTOCo-Orientador: ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS
Este exemplar corresponde verso final da Dissertaodefendida pela aluna Maria Beraldo Bastos, orientada peloProf. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto e co-orientada pelo Prof. Dr. Antonio Rafael Carvalho dos Santos.
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RESUMO
Este trabalho busca identificar traos do estilo musical do saxofonista e clarinetista Jos Ferreira
Godinho Filho, conhecido como Cas (1932 a 1978), atravs da transcrio e anlise de alguns de seus
improvisos gravados nos LPs Samba Irresistvel (1961) e Histria do Jazz em So Paulo (1956).
Juntamente com um levantamento de dados biogrficos e a realizao de entrevistas, usou-se comosuporte para esta investigao os trabalhos de Kernfeld, Lawn e Helmer, Almada, Russel, Fabris e
Borm e Piedade para abordar aspectos formais, procedimentais, meldicos, harmnicos, timbrsticos e
semiticos. Os resultados apontam para uma alta proficincia tcnica e um estilo original e inovador,
perceptveis na emisso e timbre sonoros, nas inflexes de expresso e na articulao.
Palavras-chave: Cas; Improvisao (Msica); Saxofone; Clarinete; Samba; Jazz; Msica Instrumental
Brasileira.
ABSTRACT
This dissertation has as the main goal to identify elements of the musical style of the
saxophonist and clarinetist Jos Ferreira Godinho Filho, known as Cas (1932 1978), by transcribing
and analyzing his solos recorded in the LPs Samba Irresistvel (1961) and Histria do Jazz em So
Paulo (1956). Along with a biographical survey and interviews, we found support in works by
Kernfeld, Lawn and Helmer, Almada, Russel, Fabris and Borm and Piedade to approach the musical
phenomenon. The outputs point out that Cas was a virtuoso musician and detainer of an original and
innovator style, noticeable in his peculiar sonority, inflections and articulation.
Key-words: Cas; Improvisation (Music); Saxophone; Clarinet; Samba; Jazz; Brazilian Jazz.
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................ 1
CAPTULO 1 BIOGRFICO..........................................................................9
1.1 BIOGRAFIA...................................................................................9
1.2DISCOGRAFIA.............................................................................18
CAPTULO 2ANLISES...............................................................................27
1.1FORMA.............................................................................................35
1.2TCNICAS E PROCEDIMENTOS..................................................43
1.3ANLISE MELDICA....................................................................50
1.4MATERIAL HARMNICO E ESCALAR.......................................54
1.5TIMBRE, EMISSO E ARTICULAO........................................60
1.6IDENTIFICANDO MUSICALIDADES...........................................68
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................76
REFERNCIAS...................................................................................................79
ANEXOS..............................................................................................................83
1.1ENTREVISTAS.................................................................................84
1.2PARTITURAS..................................................................................112
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AGRADECIMENTOS
Agradeo especialmente ao Professor Rafael dos Santos pela generosidade, ateno e dedicao
fundamentais para que este trabalho se desenvolvesse, e ao Professor Fernando Hashimoto pelaorientao.
Ao meu pai, Rafael, e minha me, Silvia, pelo amoroso apoio; ao meu pai tambm por me
encorajar a inventar essa pesquisa e por cuidar de mim com suas correes dos textos e conversas
esclarecedoras, e minha me tambm por gostar com tanto af da msica que eu pesquisei e me
incentivar tanto.
Nina pela linda cumplicidade. Marina e Maiza pela imensa amizade, Lvia, Paola e ao
Edu, por serem grandes amigos e terem me ajudado tanto com esse trabalho. A todas as pessoas
queridas que estiveram por perto nesse perodo, em especial Lusa, Mari, Ins e Lea; ao Jorginho,
que colocou o Cas pra tocar no meu ouvido pela primeira vez, e a todos os meus irmos.
Agradeo ao Proveta, por me ensinar a ouvir e a tocar, e pela generosa entrevista dada a esta
pesquisa; ao Maguinho e ao Fernando tambm pelas entrevistas dadas. Aos membros das minhas
bancas de qualificao e recital, professores Accio Piedade, Paulo Tin e Hermilson Nascimento, pelas
importantes contribuies, ao Ideia de Antes, que me acompanhou no meu recital e que fez msica
comigo por todo esse tempo e ao Fafa pela arte grfica do cartaz do recital. Ao Felipe Amaral pela
transcrio das entrevistas. Unicamp e a todos os professores, colegas e funcionrios que colaboraram de alguma forma
para este trabalho, e FAPESP pelo financiamento desta pesquisa atravs de bolsa concedida entre
agosto de 2011 e julho de 2013.
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INTRODUO
Este trabalho apresenta a transcrio e anlise de uma srie de improvisos do clarinetista e
saxofonista Cas com o intuito de apontar traos do seu estilo.
Cas nasceu em Guaxup (MG) e viveu em So Paulo dos anos 40 at sua morte, no final dosanos 70, em circunstncias misteriosas at hoje no esclarecidas, e tem grande importncia para a
histria da msica brasileira. Este msico desenvolveu uma maneira de tocar muito pessoal, props
elementos musicais inovadores e assim influenciou e influencia as geraes que o sucederam.
A trajetria musical percorrida por Cas parecida com a histria de grande parte dos
instrumentistas de sopro no Brasil, que iniciaram seus estudos musicais nas bandas de msica de suas
cidades interioranas, ainda muito jovens, e mais tarde foram morar na capital, aonde seguiram
estudando e trabalhando em bandas ou orquestras, como conta Alves, citando Salles:
As filarmnicas foram grandes formadoras de msicos no Brasil. Sobre isso,
podem ser citadas palavras de Vicente Salles, um grande estudioso desse tipo de
tradio musical:a banda de msica , pois, o conservatrio do povo e , ao
mesmo tempo nas comunidades mais simples, uma associao democrtica, que
consegue desenvolver o esprito associativo e nivelar as classes sociais. No
Brasil, tem sido, alm disso, celeiro dos msicos de orquestra, no que tange a
madeiras, metais e percusso. (SALLES, 1985, apud ALVES, 2011:217).
No caso de Cas o incio da vida musical se deu tocando na banda do circo com sua famlia e
tendo aulas com o prprio pai. Ele chegou capital paulista para trabalhar como primeiro saxofonista
da orquestra da Rdio Tupi com 13 anos de idade e ao longo de sua vida trabalhou em diferentes
bandas e orquestras tanto na capital como no interior do estado.
O repertrio das bandas de msicaque podem ser bandas sinfnicas ou marciais, basicamente
formadas por instrumentos de sopro e percusso, ou orquestras base de sopros, com sesso rtmica e
naipes de sopros costumava ser muito diversificado, mas em geral era composto por msicas dorepertrio popular brasileiro tradicional: dobrados, valsas, choros, marchas, maxixes, entre outros,
muitas vezes composies dos prprios maestros. Isso fez com que Cas tivesse, e os instrumentistas
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de sopro do Brasil que compartilham dessa trajetria tenham, um contato ntimo com tal repertrio1.
Ao mesmo tempo em que o repertrio dessas bandas mantinha os seus instrumentistas em
contato com os gneros da msica brasileira, a partir dos anos 1940 elas sofreram grande influncia da
msica americana de cinema, orquestral, e da linguagem das big bands, como falam Bastos e Piedade a
respeito da Orquestra Tabajara, umas das bandas mais representativas da histria do Brasil, criada em1936 pelo maestro Severino Arajo2:
Severino escrevia arranjos de peas do repertrio de msica popular brasileira
conforme a linguagem americana de orquestrao de jazz.(BASTOS e
PIEDADE, 2006, pg 933);
e como fala Nelson Ayres3a respeito da Banda Mantiqueira, criada em 1991 por Nailor Proveta 4:
os arranjos e a interpretao usam todas as tcnicas da histria das big bands,
mas tm os ps firmemente fincados nos coretos do interior onde muitos dos
msicos tocaram em pblico pela primeira vez. E cada solista abandona o
caminho fcil de ser apenas mais um imitador dos grandes jazzistas para
procurar sua prpria verdade. (Ayres, 1996. apudBastos e Piedade, 2006).
1
Ainda hoje significativo o nmero de bandas sinfnicas e marciais no Brasil. Alm das bandas base de soproindependentesespecialmente no estado de So Paulo, com propostas artsticas fortes e com o intuito de difundir tanto a
msica de compositores consagrados como a de compositores jovens, algumas vezes os prprios integrantes das bandas. Em
meio grande quantidade de bandas de msica em So Paulo, foi criado recentemente na capital do estado um movimento
chamado Movimento Elefantes, que um grupo de bandas de msica independentes, tambm chamadas de Big Bands
brasileiras - por conta da referncia americana de formao grande (em geral 5 saxofones, 4 trompetes, 4 trombones e base
baixo, bateria e guitarra e/ou piano). O movimento tem a inteno de manter viva a tradio de grupos grandes que, sem o
apoio institucional, tm muita dificuldade de viabilizao. Para isso o Movimento Elefantes procura criar novos espaos
para apresentaes dessas big bands, alm de ocupar os espaos j existentes, sempre atravs de aes colaborativas.2
Severino Arajo de Oliveira (Limoeiro, 23 de abril de 1917 Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2012) foi um grandeclarinetista, compositor, arranjador e maestro, que criou a Orquestra Tabajara aos 21 anos, e esteve a frente desta orquestra
por mais de 70 anos.3 Importante pianista, compositor e arranjador, nascido em 14 de janeiro de 1947 em So Paulo.4 Nailor Azevedo clarinetista, saxofonista, arranjador e compositor. Nascido em Leme em 25 de maio de 1961,
Nailor conhecido como Proveta e um dos msicos brasileiros mais reconhecidos nacional e internacionalmente.
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muito importante dizer que essas bandas, em especial at os anos 70, trabalhavam muito em
bailes, e seus arranjos e maneira de tocar eram pensados para a dana. A partir da bossa nova, em 50, e
mais tarde com o samba-jazz este foco foi mudando gradativamente para uma msica menos voltada
para a dana, e tambm para formaes instrumentais muito menores, como quintetos, quartetos e trios.
esta a histria do Brasil que Cas viveu, tocando em bandas e orquestras de baile umrepertrio variado, especialmente pautado nas msicas brasileira e norte-americana. E foi neste cenrio
e com este material musical que ele desenvolveu seu estilo pessoal que veio a influenciar tantos
msicos.
A suma importncia que Cas tem para a msica popular brasileira avaliao unnime entre os
msicos de So Paulo que o conheceram. Esse improvisador marcou a msica da cidade, trazendo uma
abordagem muito nova para seu tempo, na viso de alguns msicos com os quais pude conversar a
respeito; abordagem influenciada pelo jazz e enraizada na msica brasileira, representando parte
importante do processo da formao da msica instrumental brasileira, conforme visto acima. Porm,
Cas viveu pouco tempo (de 1932 a 1978) e deixou pouco material editado e gravado. Dessa maneira
somente quem o conheceu pessoalmente pde realmente desfrutar de seu trabalho; entre seus
admiradores esto Amilton Godoy, Joo Donato e Z Menezes, que declaram a admirao por Cas em
entrevistas dadas a Fernando Barros5, autor do livro biogrfico Cas: Como Toca Este Rapaz!. Entre os
saxofonistas e clarinetistas que se sentem influenciados por este msico esto dois dos mais
significativos clarinetistas brasileiros em se tratando de improvisao, so eles Paulo Moura, que revela
tal influncia tambm em entrevista a Fernando Barros, e Nailor Proveta, que explica, na entrevistaconcedida a esta pesquisa, como veremos a seguir, a maneira como Cas o influenciou.
Em entrevista realizada no dia 2 de julho de 2013, Proveta falou sobre a sua viso acerca do
trabalho de Cas, como ele sente-se influenciado, e por que ele o v como um instrumentista com um
diferencial com relao aos demais:
A diferena do Cas para os outros msicos... Toda vez que a gente ouve o
Cas, de cara, voc percebe um padro sonoro. Isso muito importante: quando
voc ouve que um msico instrumentista tem um padro dele. Voc reconhece
rpido aquele msico. Esse padro padro prprio, n. () uma coisa muito
importante com relao aos outro msicos que ele buscava um som
5 Nascido em Catanduva no ano de 1953, Fernando msico e jornalista.
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prprio dele, um estilo prprio dele. Isso que eu quero dizer como padro: voc
ter uma continuidade na histria, sabe? () E essa histria, mesmo que ela seja
interrompida, algum em algum lugar vai levar ela para frente de alguma forma.
Isso o que sempre acontece.
Pudemos perceber no depoimento do clarinetista que, ao seu ver, Cas desenvolveu um estilopessoal e ao buscar, ainda que inconscientemente, esse estilo, ele contribuiu para a histria da msica.
Proveta continua:
Mas o Cas estava abrindo uma nova ideia para outras pessoas continuarem.
Essa a diferena. () O Cas deixou um caminho, no pensando nele, mas era
uma possibilidade de que aquilo pudesse ser desenvolvido mais adiante, com
outras pessoas. De que jeito? Usando algumas frases mesmo ainda estruturada
(sic) no jazz, mas colocando alguns acentos em alguns lugares, que j seriam
lugares que indicassem: Nesse lugar do samba fica legal fazer isso. Isso vai
ajudar a arrumar o suingue com a cozinha. () eu acho que ele foi um dos
primeiros msicos a olhar para esse terreno a (). A diferena essa. Eu acho
que o Cas tinha uma coisa dos temperos, que a gente chama de acentuao.
possvel notar na msica de Proveta que ele foi influenciado por Cas. Tanto no que se trata
de timbre, emisso e inflexes especialmente no clarinete como na maneira com que improvisa,utilizando muitos elementosrtmicos e meldicos em comum com aqueles encontrados nos solos de
Cas, e que no so to facilmente perceptveis em outros improvisadores. Quando o perguntamos a
respeito de se sentir influenciado por Cas, Proveta respondeu indicando que, acima de tudo, a atitude
criadora de Casque a seu ver o tornou um msico nico foi o que mais o influenciou, uma vez que
ele busca tambm a sua individualidade:
Claro, claro. Eu acho que isso foi desde a primeira vez que a gente ouviu ele,
n. () isso que eu falo da porta: uma ideia de voc tocar com esprito de
criador, como um jazzista, a sua msica brasileira. Acho que para mim, nesse
sentido, foi muito importante, porque foi isso que eu busquei depois um pouco
mais velho (...) Ser reconhecido como msico que cria.(...) Eu no sei se as
pessoas entendem isso, porque muitas vezes as pessoas acham que eu devo ser
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apenas um msico-intrprete. Eu no sou msico-intrprete. Posso ser. Mas eu
gosto de ser um msico criador. Isso para mim fundamental para a minha
vida.
Esta pesquisa tem o objetivo de iluminar e trazer para a comunidade acadmica, e para
interessados de maneira geral, o trabalho deste msico que significante para a msica brasileira e
ainda to pouco conhecido. Temos tambm o objetivo de, com as transcries e anlises, contribuir
para os estudos prticos de improvisao que, especialmente no que se trata de msica brasileira,
possuem muito pouco material disponvel e que muitas vezes so pautados em material desta natureza,
como afirma Bert Ligon:
Por que analisar um solo? H um motivo prtico para a maioria dos tericos de
jazz: ns queremos tocar solos de qualidade. Ao examinar as improvisaesclebres de grandes jazzistas podemos encontrar aspectos especficos a praticar,
maneiras de organizar e pensar a respeito da estrutura, treinar nossos ouvidos e
crebros a ouvir de maneira mais intensa e inteligente a musica que amamos.
(2001, p. 406, apudMaximiano, 2009)
Ressalto que, at onde pudemos aferir, no h trabalhos acadmicos ou publicaes formais que
foquem o trabalho de Cas. H algumas publicaes na internet no formato de blog e um livro de
Fernando Barros, lanado no fim de 2010, todos com carter biogrfico por este motivo,
considerando a importncia da msica de Cas, a identificao de seu estilo foi escolhida como
material de estudo.
Utilizamos o trabalho de Eduardo Visconti para delimitar aquilo que entendemos por estilo
nesta pesquisa. O autor tomou como referncia as definies presentes em The New Grove Dictonary of
Music (Middleton, Manuel, 2001, p. 141-145), que aponta o estilo como um item dentro de gnero, e
que delimitado pela recorrncia de um conjunto de padres tcnicos da melodia, da harmonia, do
timbre e do ritmo. Em sua pesquisa Visconti utiliza a referncia do dicionrio para delimitar ascaractersticas particulares dos msicos por ele estudados, determinando a recorrncia de alguns
padres tcnico-musicais que moldam seus respectivos estilos como compositores e instrumentistas,
no utilizando a noo de estilo para determinar um gnero (Visconti, 2010, pg 2). Tomamos esta
definio como parmetro no presente trabalho.
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Dentre os discos gravados por Cas, a escolha do LP Samba Irresistvel (1961) como objeto de
anlise se deu pelo fato de este ser o nico trabalho que leva o seu nome (Cas e Seu Conjunto), o que
aponta para uma participao maior deste msico como lder do trabalho; alm disso o nico LP onde
Cas o principal solista no qual o repertrio tocado especialmente o da msica brasileira, o que vai
ao encontro de um dos objetivos desta pesquisa que entender como este msico articula os elementospresentes em sua bagagem musical improvisando neste repertrio, que a nosso ver aquele onde o
msico apresenta maior nmero de inovaes; por ltimo o foco neste LP se justifica pelo fato de ser o
ltimo disco gravado por Cas como principal solista.
A escolha das faixas para a transcrio se deu sem um critrio objetivo, mas a partir da escuta,
que direcionou a seleo; houve uma preocupao em abranger solos com todos os instrumentos
tocados por Cas neste disco (clarinete, sax alto e sax tenor), canes com andamentos variados, e
priorizando as faixas onde h mais tempo de improviso de Cas.
Ao longo da pesquisa sentimos a necessidade de analisar algum improviso que tivesse sido
gravado em uma situao musical diferente desta do LP estudado, para, com um outro tipo de material,
gerar novos dados. Foi escolhido o improviso deRisque, do LPHistria do Jazz em So Paulo, de Dick
Farney, gravado em uma apresentao ao vivo, com maior tempo de improviso com relao aos demais
solos por ns transcritos.
___________________________________***_______________________________________
Para organizar os resultados obtidos na pesquisa, dividimos este trabalho em dois grandes
captulos, sendo que o primeiro deles est dividido em dois subcaptulos: 1.1 Biografia e 1.2
Discografia. No primeiro subcaptulo iremos apresentar uma biografia de Cas elaborada a partir das
entrevistas realizadas com os msicos Magno DAlcntara, trompetista que trabalhou e conviveu muito
com Cas, Gerson Galante, saxofonista que foi aluno de Cas e Nailor Proveta, clarinetista e
saxofonista que teve poucos encontros com Cas, mas que se sente influenciado por este msico; a
segunda e no menos importante fonte para a elaborao da biografia o livro de Fernando Barros
intitulado Cas: Como Toca Esse Rapaz!, em que o autor relata histrias da vida de Cas e depoimentos
de outros msicos com relao a ele obtidos atravs de inmeras entrevistas , traando um primeiro
registro de cunho biogrfico a respeito deste msico na literatura.
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No segundo subcaptulo desta primeira parte apresentaremos uma discografia deste msico
levantada com base nos dados biogrficos obtidos tanto no livro de Fernando Barros como nas
entrevistas para esta pesquisa, e atravs da pesquisa na internet em blogs e stios de msica de maneira
geral. Grande parte dos LPs gravados por Cas que pudemos levantar esto disponveis para download
na internet, apesar de seu acesso ser difcil.O segundo captulo trata das anlises dos improvisos de Cas, que foram realizadas a comear
pelas transcries, que por si s so uma ferramenta analtica. Guilherme Maximiano destaca em seu
trabalho o que Nicholas Cook diz a respeito da anlise musical:
Essencialmente, h dois atos analticos: o ato de omisso e o ato de relao. A
notao musical convencional analtica em ambos destes aspectos. Ela omite
coisas como a complexa estrutura de harmnicos presente nos sons musicais,
representando os sons somente pelas suas fundamentais. Mesmo na maneira emque estas fundamentais so representadas ela esquemtica, pois ela reduz a
alguns poucos smbolos e a um nmero finito de frequncias a enorme
variedade de articulaes e entonaes que um instrumento de cordas e
cantores, por exemplo, adotam. Similarmente, a notao convencional no
mostra em grande detalhe a interpretao rtmica; e, de fato, fica muito
complicada ao mostrar quaisquer valores rtmicos que no sejam os expressos
nas relaes matemticas mais simples. (COOK, 1987, pg 16, apud
MAXIMIANO).
Assim a transcrio de um improviso, sendo a notao de um fenmeno musical, implica nos
atos analticos de omisso e relao de informaes de tal fenmeno. Optamos neste trabalho por
apresentar as transcries em anexo da maneira mais simplificada possvel, demonstrando apenas as
melodias dos improvisos e as harmonias tocadas pela sesso rtmica em cifras, omitindo assim uma
srie de informaes importantes para a compreenso do discurso musical. Desta forma entendemos
que a partitura no suficiente para a compreenso de tal discurso, e assim disponibilizamos as
gravaes analisadas em CD anexo, bem como destacamos ao longo das anlises os demais aspectos do
texto musical que pudemos perceber, inclusive com trechos de partituras mais detalhadas do que
aquelas em anexo.
O captulo das anlises tambm est dividido em subcaptulos, so eles: 2.1 Forma onde
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analisamos a maneira com que Cas aborda as canes e as divide em tema, variao meldica e
improviso; 2.2 Tcnicas e procedimentos utilizados no qual descrevemos, a partir do verbete
Improvisationde Barry Kernfeld no Dicionrio Grove de Msica, a maneira como Cas organiza, cria
e desenvolve o material musical em seus solos; 2.3 Anlise Meldica aqui realizamos a anlise das
melodias criadas por Cas em seus improvisos, partindo dos conceitos explicados por Carlos Almadaem seu livroArranjo (2000); 2.4 Material Harmnico e Escalar anlise da relao das melodias dos
improvisos com a harmonia tocada pela sesso rtmica, a partir, entre outros, dos conceitos de
verticalidade e horizontalidade propostos por George Russel em The Lydian Chromatic Concept of
Tonal Organization for Improvisation; 2.5 Timbre, emisso e articulao anlise baseada
especialmente nas percepes auditivas das gravaes, com fundamentao em Fabris e Borm para
articulao; 2.6 Identificando musicalidadesanlise semitica do discurso musical a partir da noo
de tpicas proposta pelo etnomusiclogo Kofi Agawu, mais especificamente dos grupos de tpicas
propostas por Piedade e Bastos para a anlise da msica instrumental brasileira.
importante ressaltar que a percepo que tivemos dos improvisos se deu de maneira que o
exerccio de toc-los no instrumento (clarinete) foi determinante, e este exerccio prtico se caracteriza
como uma das etapasfundamentais de anlise neste trabalho, tendo sido realizado antes e depois da
etapa de transcrio.
Em anexo se encontram as partituras das transcries dos improvisos de Cas, apresentadas na
tonalidade em que so ouvidas, desconsiderando a transposio dos instrumentos tocados, bem como
um CD com as gravaes das faixas que tiveram os solos transcritos.
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CAPTULO 1 - BIOGRFICO
1.1 Biografia
Jos Ferreira Godinho Filho, o Cas, nasceu em 26 de julho de 1932 em Guaxup, MinasGerais. Filho de Jos Ferreira Godinho e Isabel Marcelino da Cruz, foi o terceiro dos 7 filhos do casal.
O pai de Cas foi empregado, at os anos 30, da fbrica de sapatos Irmos Furlan, e paralelamente a
isso liderou um grupo musical no qual tocava trompete e para o qual escrevia arranjos; sua me era
dona de casa e estudava flauta transversal.
A educao de Cas e de seus irmos se deu em uma famlia catlica e de maneira austera,
muitas vezes as crianas foram privadas de brincar para aprender a tocar instrumentos musicais e poder
integrar o grupo musical do pai, uma maneira de ajudar nas despesas da casa. O ensino da msica em
casa, de pai pra filhos, teve um resultado muito positivo, tendo gerado grandes msicos, mas era
extremamente rgido, segundo Maguinho (apelido de Magno D`Alcntara):
Eu s sei que o pai dele tinha o hbito de... mas ele pegava um pedao de cabo
de vassoura e punha um chorinho na frente e falava: Toca. Se errasse, dava
uma paulada na mo. Ento, ele aprendeu meio assim
No ano de 1939 a famlia abandonou a vida que tinha em Guaxup e decidiu acompanhar o
Circo Teatro Irmos Martins, que estava de passagem pela cidade. Godinho e seus filhos mais velhos
passaram a trabalhar na orquestra do circo, e foi assim que Cas iniciou sua vida musical, aprendeu a
tocar clarinete e saxofone por sugesto do pai e no trombone, como queria a princpio e aos 7 anos
passou a integrar a orquestra. Do Circo Irmos Martins a famlia se transferiu para o Circo
Bandeirantes e permaneceu tendo uma vida nmade por trs anos, viajando a trabalho pelo interior de
Minas Gerais e So Paulo.
Em 1942 mudaram-se para Igarapava, cidade na divisa de Minas Gerais com So Paulo,
aceitando o convite feito a Godinho e seus filhos msicos para que integrassem a jazz band da Usina
Junqueira, regida por Dcio Nogueira. O pai da famlia era registrado pela empresa como seleiro da
sapataria, mas tinha como principal funo a participao na banda da Usina.
A famlia permaneceu em Igarapava por 3 anos, at que Godinho fez uma viagem cidade de
So Paulo para comprar couro para a sapataria e levou Clvis, seu filho mais velho. O menino de 17
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anos foi convidado a integrar a Orquestra da Rdio Record na capital paulista e ento a famlia mudou-
se para esta cidade, estabelecendo-se Rua Mesquita, na Vila Monumento.
Clvis foi, segundo muitos depoimentos dados tanto a Fernando Barros em seu livro, como a
esta pesquisa, um msico acima da mdia. Desde criana teve facilidade para tocar diferentes
instrumentos e foi muito disciplinado nos estudos musicais; assim como Cas, no brincava quandocriana, somente estudava msica e trabalhava tocando. Isso possibilitou que tivesse um desempenho
fora do comum como multi-instrumentista tocava profissionalmente e com desempenho acima da
mdia todos os saxofones, clarinete e bandoneon, e ainda sabia tocar a maior parte dos instrumentos
que conhecia, o que gerava comentrios e boatos a seu respeito entre os msicos das cidades em que
passou, que se admiravam com as habilidades musicais deste jovem.
Pouco tempo depois de ter sido contratado pela orquestra da Rdio Record, Clvis foi
transferido para a orquestra da Rdio Tupi, e ainda em 1945 levou o irmo Cas no ensaio para que
fizesse um teste na orquestra. Foi atravs deste teste que Cas, tendo sido aprovado, assinou seu
primeiro contrato de trabalho em So Paulo, como 1 saxofone alto da orquestra da Rdio Tupi, aos 13
anos de idade. Os dois irmos passaram a ser tema de conversas e boatos na cidade, se destacando por
serem msicos com muito boa leitura, sonoridade, tcnica, e por possurem maturidade interpretativa
ainda que sendo to jovens.
Clvis teve um grande destaque como multi-instrumentista na cena musical paulistana da
dcada de 40, e se tornou lder da orquestra Clvis Elly, fundada por ele em parceria com o baterista
Elly Daruge, que durante muitos anos foi a atrao da casa noturna Cuba Danas, tendo Cas comointegrante. Mesmo com o falecimento prematuro de Clovis aos 22 anos de idade6, a Clovis Elly esteve
ativa at a dcada de 80, apresentando-se em casas como o Clube Homs, na av. Paulista; Cas entrou e
saiu do grupo muitas vezes, tendo ficado alguns perodos como msico contratado e feito substituies
ou participaes na orquestra at seus ltimos anos de vida.
Cas permaneceu em So Paulo desamparado com a perda do irmo sendo requisitado e
trabalhando muito. No ano de 1951 trabalhou no Circo Liendo e Simplcio, montado na praa 14 bis,
por onde passaram msicos como Luiz Gonzaga, Jamelo, Alvarenga e Ranchinho, Tonico e Tinoco,
entre outros. Quando acabou a temporada do circo passou a trabalhar com Frana e sua Orquestra no
cabar Wonder Bar, na av. Ipiranga.
6 Clvis faleceu em 30 de outubro de 1949 e a causa de sua morte fica ambgua no livro de Fernando Barros, entre
as possibilidades de doena cardaca e reao ao consumo de benzedrinaanfetamnico com bebida alcolica.
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Em abril de 1953, aos 21 anos, Cas se mudou para Bagd com o grupo musical de Rudy
Warton, pianista e acordeonista belga radicado em So Paulo, substituindo o clarinetista Aime Wereck.
O grupo, formado por Edgar Teixeira (bateria), Johnny (baixo) e a cantora Snia Batista, alm de Cas
e Rudy, saiu do Brasil para uma temporada de 6 meses de apresentaes em uma boate e restaurante da
capital do Iraque, com um bom salrio, alm de moradia e alimentao garantidos. O repertrio dogrupo era formado por alguns sambas de Noel Rosa como Feitio da Vila, Palpite Infeliz, Com Que
Roupa, choros como Chorinho em Aldeia (Severino Arajo), Sonoroso (K-Ximbinho) e standards de
jazz.
Antes do fim do contrato do grupo com a boate, a cantora Snia teve que deixar o pas
escondida, pois sofreu ameaa de ser raptada por um sheik, e assim o conjunto passou o restante do
tempo fazendo msica instrumental. Os amigos de Cas contam que nesta viagem ele passava horas a
fio ouvindo Charlie Parker em uma vitrola porttil e tambm que na viagem de ida para Bagd
estudava saxofone diariamente na proa do navio.
Ao fim do contrato com a boate em Bagd o grupo passou um ms em Bruxelas, onde trabalhou
em algumas casa noturnas, gravou um 78 rotaes com Feitio da Vila (Noel Rosa) e At Last (Mack
Gordon e Harry Warren), mas sentiu dificuldade para se estabelecer por l como um grupo de msica
brasileira pelo fato de no terem mais uma cantora considerando que esta era uma poca em que
Hollywood divulgava a msica e a imagem de Carmen Miranda para o mundo, e era isso que os
europeus reconheciam como msica brasileira. Com este impasse o grupo se separou, alguns ficaram
pela Europa, e Cas resolveu voltar para casa; passou por Londres, em janeiro de 1954 estava emEastbourne, depois seguiu por Paris, Lisboa, Ilhas Canrias e chegou a Santos no dia 25 de fevereiro de
1954. Foram 11 meses fora do Brasil.
Em 1955 Cas se mudou para Assis para tocar na orquestra do maestro Chocolate, e retornou a
So Paulo no ano seguinte, enquanto se recuperava da febre amarela que havia contrado. Em 1957
morou em Poos de Caldas para trabalhar na boate Bauxita, com seu pai e com Luiz de Melo
(acordeom e piano), e mais tarde se transferiu, na mesma cidade, para o Palace Casino, aonde tocava
com o pianista Walter Wanderley. Ainda neste ano volta a morar em So Paulo, passa a integrar a
orquestra de Slvio Mazzuca7 da qual viria a se desligar no ano de 1961 e participa de um concurso
de jazz do programa de Paulo Santos na rdio Jornal do Brasil, do qual vencedor ao lado de Raul de
7 A orquestra de Silvio Mazzuca trabalhava muito fazendo turns, bailes, gravando LPs (houve fases em que a banda
lanava uma mdia de 2 LPs por ano), gravando programas de televiso e da Rdio Bandeirantes.
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Souza, que acabara de conhecer e com quem divide o prmio amistosamente.
No ano de 1958 retorna a Poos de Caldas para tocar no casino com o acordeonista italiano
Frontera; grava com a orquestra de Mazzuca o LP Baile de Aniversrio, no Rio de Janeiro; grava
tambm o LP Coffee and Jazz com o Brazilian Jazz Quartet (grupo criado somente para esta gravao
liderado pelo pianista Moacyr Peixoto, com Rubinho Barsotti na bateria e Luiz Chaves no contrabaixo),produzido por Roberto Corte Real.
neste mesmo ano que gravado no estdio da Columbia, no Rio de Janeiro, em 7 horas, o LP
The Good Neighbors Jazz, tambm produzido por Corte Real, com os msicos Major Holley
(contrabaixo), Jimmy Campbell (bateria)ambos da banda de Woody Herman 8, que estava no Brasil a
trabalho Moacyr Peixoto (piano), alm de Cas, que demonstrou, segundo consta no livro de
Fernando Barros, grande insatisfao com o seu prprio desempenho nesta gravao. Os entrevistados
por essa pesquisa e por Fernando Barros contam que Cas era uma pessoa modesta, e que
demonstrava um nvel muito alto de exigncia e cobrana consigo mesmo, ficando insatisfeito com sua
performance na maior parte das gravaes e shows que fazia.
Em 1960 nasceu o grupo Cas e Seu Conjunto, criado pelo saxofonista e clarinetista para fazer
bailes e shows que eram vendidos pelo empresrio Waldomiro Saad. A formao inicial era composta
por Adylson Godoy (piano), Amilton Godoy (acordeon), Nilton de Siqueira Campos (baixo), Ratinho
(bateria), Carlos Alberto Alcntara (saxofone tenor), Zaguinho (bartono), Maguinho (trompete),
Flamarion (trombone), Nvea (voz), alm de Cas no sax alto e no clarinete. Em algumas ocasies o
grupo se reduzia a um quinteto e se apresentava em bares e no auditrio da Folha de So Paulo, comAdylson Godoy, Nilton de Siqueira Campos, Ratinho, Maguinho e Cas.
Durante os 4 anos e meio de existncia do conjunto passaram por ele muitos outros msicos,
pois era comum nesta poca a alta rotatividade de msicos nas orquestras e nos grupos de maneira
geral. Esta questo da fixao em trabalhos um ponto sensvel com relao imagem de Cas, pois
em algumas passagens do livro Fernando Barros ele visto como um msico que no dava importncia
sua vida profissional, e que inclusive era descompromissado, descumprindo combinados com quem o
contratava. Conversando com Maguinho e com Proveta a impresso que tivemos foi contrria a isso,
como podemos perceber no depoimento de Maguinho:
8 Clarinetista, saxofonista, cantor e lder de big band americano que viveu de 1913 a 1978.
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Antigamente o msico tinha muita oferta de trabalho e a gente parava. Era
muito comum o cara falar: Parei, vamos embora., no meio do trabalho. E s
vezes saia dali e j atacava em outro lugar. () Meio comum isso a. Ou
ento aqueles que eram mais acomodados ficavam numa banda 20... 30 anos.
Mas no tinha nada de especial, no. Ele era cumpridor dos deveres dele. Isso a
eu me lembro bem. Quando eu trabalhei com ele na banda, ele era o primeiro a
chegare eu sou mineiro e gosto de chegar cedo em qualquer compromisso. Eu
chegava sempre depois dele. Estava l com o saxofone todo montadinho, na
cadeira ou no trip, ele j tinha aquecido e ficava esperando.
Os arranjos do grupo eram escritos por Cas, que muitas vezes escrevia tambm para as
orquestras nas quais tocava. Maguinho conta que Cas fez aulas de harmonia e arranjo com Hans-
Joachim Koellreuter e de clarinete erudito com Antenor Gargante, clarinetista italiano que morou
alguns anos no Brasil, e elogia os arranjos de Cas:
Tinha 4 sopros: era um trompete, um trombone, ele de alto e um bartono. Uma
formao assim. Mas soava pesado, como se fosse uma banda mesmo big band.
Ele tirava som bonito.
Entre substitutos e integrantes fixos, um dos shows do conjunto contou com a participao de
Elis Regina em 1963, ainda antes de se tornar conhecida. Neste mesmo ano Cas e Seu Conjunto fez
temporadas de bailes em Poos de Caldas e em So Paulo, na casa Ichiban, e gravou Summertime
(George Gershwin) no LPMeu Baile Inesquecvel, que composto por 13 faixas gravadas por bandas
de baile diferentes. O fim do conjunto de Cas se deu com a morte do saxofonista Adolar, que
participava do grupo at sua morte e de quem Cas gostava muito.
Em 1966 Cas morou alguns meses em Catanduva, tocando na orquestra J. Rodrigues, na qual
possua algumas regalias. Era comum, nas orquestras, que Cas recebesse um salrio mais alto do que
os demais integrantes, e que tivesse um tratamento diferenciado, como nesta orquestra, que oferecia
somente a ele cabines com leito nas viagens de trem, e um salrio mais alto; tambm na orquestra de
Mazzuca, Cas sempre recebeu mais do que os demais integrantes, conforme o depoimento de
Maguinho em entrevista para esta pesquisa:
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Naquela poca, era comum, se voc tivesse algum destaque ou solista, ou
primeiro-trompete, alguma coisa, um algo mais , os diretores de orquestra
vinham em voc e falavam Voc quer tocar na minha orquestra? / Ah, tudo
bem! / Olha, a paga tanto, mas eu te dou um cala a boca e te dou um pouco
mais. Era assim. Era negociado. Mas ele no pedia, no. Era reconhecimento
do lder Slvio Mazzuca, que pagava, mas que podia pagar.
Tais regalias eram oferecidas pelos maestros como reconhecimento do trabalho do msico e
como um atrativo para manter o msico na banda.
Cas teve seu trabalho reconhecido em sua poca em muitas regies do pas. Alguns
depoimentos (dados em entrevistas a Fernando Barros) demonstram este fato, como aquele do
trombonista Severino Bil que declara ouvir falar de Cas desde Pernambuco, onde viveu antes de vir a
So Paulo, e o do pianista Zezinho (Jos Batista Silva), que diz ouvir falar de Cas desde Recife, suaterra natal. O saxofonista Nivaldo Ornelas conta que ao ouvir Cas pela primeira vez pensou este o
som que eu quero!, e viajou com o pianista Wagner Tiso e o baterista Paulo Braga, de Minas Gerais,
aonde viviam, at So Paulo especialmente para ouvir Cas tocando, no ano de 1967. O saxofonista
Lambari Pecci, que foi muito amigo de Cas, conta que na revista Down Beat Cas estava na lista dos
melhores do mundo, Amilson Godoy afirma que Cas era para a msica instrumental brasileira o que
Pel foi para o futebol, e Silvio Mazzuca dizia que Cas era o maior msico que ele j teve em sua
orquestra. Alm disso, Cas era admirado por muitos msicos do Rio de Janeiro, como Paulo Moura e
Z Menezes.
Em 1967 os msicos Rubinho Barsotti, Luiz Chaves e Amilton Godoy foram casa de Cas, e o
convidaram para montar um grupo. O saxofonista recusou o convite, demonstrando grande admirao
por aqueles msicos, que ento criaram o Zimbo Trio.
Godinho, o pai de Cas, morre em 1968 por problemas renais. Neste mesmo ano Cas integra a
Brazilian Octopus, que estava sendo criada para realizar a parte musical do espetculo Momento 68,
produzido pela empresa Rhodia e que contava com as vozes de Gilberto Gil e Caetano Veloso, os atores
Walmor Chagas, Raul Cortez, o bailarino Lenny Dale, texto de Millor Fernandes, direo musical deRogrio Duprat e direo de Ademar Guerra. O espetculo circulou por todas as capitais brasileiras,
Buenos Ayres e Lisboa.
A Brazilian Octopus era formada por Cas (sax alto), Carlos Alberto de Alcntara (sax tenor),
Valdir Arouca (trompete), Cido Bianchi (piano), Douglas Oliveira (bateria), Matias Matos (baixo), Joo
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Carlos Pegoraro (vibrafone) e Alemo (guitarra). Pouco tempo depois da temporada do Momento 68,
Cas deixa o grupo e substitudo por Hermeto Pascoal.
Em 1969 Cas participa como saxofonista e arranjador do LP A Onda Boogaloo, do cantor
Eduardo Arajo, que foi produzido por Tim Maia e lanado pela Odeon. O LP tornou-se o embrio do
primeiro disco de Tim Maia, lanado em 1970, do qual Cas no participa; ainda assim o saxofonistatrabalhou em muitos shows de Tim Maia. Tambm neste ano gravado, no estdio da RCA na Rua
Veridiana, em duas sesses de 6 horas, o LP Resalas Band, da big band9 liderada pelo baterista
Turquinho (que tocou por muito tempo na orquestra de Mazzuca), uma das bandas grandes que tentava
resistir perda de espao que estes grupos tiveram com as transformaes do mercado fonogrfico.
Mudou-se em 69 para So Jos do Rio Preto, por onde ficou por pouco mais de 2 anos
trabalhando no conjunto de Renato Peres. Em uma das viagens deste grupo, em plena ditadura militar,
os msicos so expulsos do hotel pela polcia que revista todas as malas e vai embora sem encontrar
nada que justificasse a invaso.
No ano de 1970 Cas operou-se de uma lcera no estmago, doena que surgiu a partir da
evoluo de uma gastrite. Era sabido que Cas bebia, e segundo os relatos esta prtica foi aumentando
significantemente ao longo dos anos.
Durante todos esses anos Cas realizou muitos trabalhos freelancer, ou bicos, em gravaes
de jingles, ou substituindo msicos em orquestras e shows em geral. A partir dos anos 70 passou a
gravar muitos jingles para a produtora Abertura, e em uma jam session conheceu o saxofonista Vitor
Assis Brasil.Em 1971 Cas foi apresentado a Nailor Proveta, este ltimo ainda menino, com 10 anos de
idade, em um show que a big band Show Up fez em Leme, cidade natal de Proveta. Nailor costumava
ouvir o LP Samba Irresistvelde Cas, em meio a outros discos que seu pai levava para casa e sugeria
que escutasse e aprendesse os improvisos. Neste primeiro encontro o menino tocou Czardas para que
Cas o escutasse, e foi muito elogiado. Alguns anos depois Proveta foi a So Paulo participar de um
programa da Rdio Tupi, tocando a mesma msica, com arranjo de Cas, que estava tocando o 4 tenor;
nesta mesma ocasio Proveta tocou para Cas o solo que havia tirado do LP Samba Irresistvel, de Se
Acaso Voc Chegasse, para a surpresa e alegria do mestre.
9 Formada por Turquinho (bateria), Paulo Lima (piano), Chu Viana e Gabriel Bahlis (baixo), Rubo (percusso), Capito,
Buda, Cunhado e Waldyr (trompetes), Severino Bil, Arlindo, Firmo, Paco e Iran (trombones), Goiabinha (sax bartono),
Helio Marinho e Ribamar (saxofones tenor), Dinho e Cas (saxofones alto).
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A partir do ano de 1977 Cas foi contratado para tocar no programa Oba Oba, do apresentador
de televiso Osvaldo Sargentelli, na av. Paulista. Tratava-se de um show de msica e dana, com
mulatas danando, apreciado especialmente por turistas. No ano seguinte Cas teve um
desentendimento com sua irm Marly e saiu da casa da me, onde moravam. Se mudou para o hotel
Luiz de Cames, em um prdio antigo na Rua Aurora no centro de So Paulo, numa regio frequentadapor prostitutas, traficantes, policiais e bandidos.
Em sua nova morada dava aulas de saxofone duas vezes por semana para Amendoim,
saxofonista baiano, para o baterista Semifusa, que tambm estava estudando saxofone, e na casa de
Mara, sua namorada, para Gerson Galante, filho dela; alm disso, seguia estudando diariamente, bem
como fazendo os trabalhos como freelancer e tambm no Oba Oba, e dizia que estava se preparando
para ir viver no exterior.
Fernando Barros relata em seu livro que Cas comeou a ter uma aparncia abatida, e que sua
irm quando foi visit-lo no hotel onde morava percebeu que o irmo estava mais magro, descuidado,
o que era muito incomum para o msico. Certo dia foi fazer uma visita casa da me e se mostrou
intranquilo, perguntando se algum o havia procurado, dizendo que ningum poderia saber que ele
estava l, e logo foi embora pedindo que todos mantivessem as portas e janelas fechadas. Estes relatos
demonstram, apesar de serem imprecisos, que Cas estava se sentindo perseguido.
Em 30 de novembro de 1978, um dia depois de tal visita casa da me, Cas foi encontrado
morto no quarto do hotel onde vivia. O corpo com muitos ferimentos, inclusive na cabea, e havia
sangue nas paredes do apartamento, bem como no telefone. A polcia presente no local declarou quehavia sido morte natural. O irmo de Cas que viu o corpo disse que haviam batido no saxofonista at o
matarem, e ouve de um policial presente no local: Teu irmo estava podre.
A morte de Cas noticiada nos principais jornais da cidade de So Paulo, e a sua causa era
diferente em cada um deles. As notcias atriburam at 11 doenas diferentes a Cas, e o laudo final do
IML identifica apenas o fgado aumentado, sugerindo uma cirrose em desenvolvimento. Os legistas
concluem que o xito letal se deu devido a traumatismo crnio-enceflico produzido por agente
contundente. A famlia de Cas decidiu no investigar o caso.
Ele foi um msico que se colocou no mercado de maneira diferente da maioria, tinha algumas
exigncias, como a de somente gravar se recebesse o pagamento na hora do trabalho, conforme conta
Maguinho em entrevista a esta pesquisa. E Cas no fazia tal exigncia por precisar de dinheiro, era
uma condio que impunha, tanto nas pocas em que estava bem em termos financeiros como naquelas
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fases em que estava sem dinheiro e vendia o prprio saxofone, precisando pedir o instrumento
emprestado aos amigos para poder trabalhar, at comprar um novo se caracterizando portanto, como
uma postura profissional.
Ao longo de sua vida Cas passou por inmeros grupos, tendo sido contratado por perodos
longos ou somente para fazer substituies em shows. Alm daqueles citados ao longo do texto acimaCas participou do Conjunto do Betinho, da Big Band de Luiz Csar, ao lado de Joo Donato, da
Orquestra de Elcio Alvarez, do Conjunto do pianista Robledo, da Orquestra de Leopoldo, da Orquestra
de Osmar Milani, na qual tornou-se amigo de Odsio Jeric, na cidade de Tup, acompanhou a cantora
Angela Maria, o cantor Tim Maia, tocou nos bailes de carnaval de So Paulo e de Santos no Avenida e
no clube Ilha Porchat, respectivamente, e tocou em inmeras jam sessions em bares e no auditrio da
Folha de So Paulo.
Os amigos de Cas dizem que ele nunca se casou, e que vivendo na casa da me sempre ajudou
a famlia financeiramente, embora no tivesse muita estabilidade econmica, pois tinha o costume de
gastar todo o seu dinheiro, inclusive em jogos. Maguinho conta que algumas vezes Cas vendia o
saxofone para pagar dvidas de jogos. A casa de sua me durante um longo perodo funcionou como
uma penso na qual alguns msicos alugavam quartos.
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1.2Discografia
Cas participou de inmeras gravaes, segundo contam os entrevistados para esta pesquisa e
como consta no livro de Fernando Barros. Abaixo esto relacionados os LPs encontrados por ns em
sua maioria em blogs na internet; lembramos que as informaes a respeito das gravaes so escassas,de modo que inclumos aquelas obtidas no texto abaixo.
Alm destes trabalhos listados sabemos que Cas participou da orquestra de Silvio Mazzuca de
1957 a 1961, e neste perodo a banda gravou muitos LPs, dos quais Cas provavelmente participou,
mas por no ser uma informao precisa no inclumos em sua discografia.
1. Jazz After Midnight Dick Farney (Columbia, ao vivo, 1956)
Reedio em 1978: Dick Farney Plays Gershwin
Primeiro LP de 12 polegadas feito inteiramente no Brasil, gravado ao vivo em 11 de julho de 1956, no
Teatro Cultura Artstica de So Paulo, por Carlos Moura.
Msicos: Dick Farney (piano), Cas (sax alto), Chu Viana (contrabaixo), Rubinho Barsotti
(bateria).
Msicas:
1. Strike up the band (George Gershwin)2. Embraceable you (Ira Gershwin - George Gershwin)
3. Oh, Lady be good (George Gershwin)
4. But not for me (Ira Gershwin - George Gershwin)
5. I got rhythm (Ira Gershwin - George Gershwin)
6. A foggy day (Ira Gershwin - George Gershwin)
7. The man I love (Ira Gershwin - George Gershwin)
2. Jazz Festival n 1 Dick Farney (RGE, 1956)
Gravado ao vivo por Carlos Moura em 05 de agosto de 1956, produzido por Roberto Corte Real
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Msicos: Dick Farney (piano), Cas (sax alto), Rubinho Barsotti (bateria), Chu Viana
(contrabaixo), Ismael Campiglia (guitarra).
Msicas:
1. Pennies from Heaven (J. Burkes, A. Johnston)2. Blues
3. Out of Nowhere (J. Green, E. Heyman)
3.Histria do Jazz em So Paulo - Dick Farney e Simonetti (Bandeirantes, 1978)
Gravado por Carlos Moura em 5 de agosto de 1956 em show ao vivo no Teatro de Cultura Artstica de
So Paulo e lanado 22 anos depois.
Msicos: Dick Farney (piano nas faixas 1, 2, 3 e 4), Dinarte (guitarra na faixa1), Alfredo
(trompete na faixa 2), Lincoln (contrabaixo nas faixas 1 e 2), Cas (sax alto nas faixas 3 e 4), Ismael
Campiglia (guitarra nas faixas 3 e 4), Rubinho Barsotti (bateria nas faixas 1, 2, 3 e 4), Chu Viana
(contrabaixo nas faixas 3 e 4); as faixas 5 e 6 foram gravadas por Simonetti (piano), Dorimar
(trompete), Maciel (trombone), Demetrio (sax alto), Stravisnky (contrabaixo) e Pirituba (bateria).
Msicas:1. Valsa de uma cidade (Ismael Netto - Antnio Maria)
2. You don't know what love is (Gene De Paul - Don Ray)
3. Love walked in (Ira Gershwin - George Gershwin)
4. Risque (Ary Barroso)
5. You go to my head (J. F. Coots - H. Gillespie)
6. A fine romance (Jerome Kern - Dorothy Fields)
4.Coffee and JazzBrazilian Jazz Quartet (Columbia, 1958)
Reedio em 1979: Cas In Memorian
Produzido por Roberto Corte Real.
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Msicos: Moacyr Peixoto (piano), Rubinho Barsotti (bateria), Luiz Chaves (contrabaixo) e Cas
(sax alto).
Msicas:
1. The Lonesome Road (Nathaniel Shilkret e Gene Austin)
2. When Your Lover Has Gone (Einar Aaron Swan)
3. Cop-Out (Harold Faltermeyer)
4. Black Satin (George Shearing)
5. Makin' Whoopee (Walter Donaldson e Gus Kahn)
6. No Moon at All (Redd Evans)
7. Old Devil Moon (Burton Lane)
8. Don't Get Around Much Anymore (Duke Ellington)
9. You'd be so Nice to Come Home To (Cole Porter)
10. I will Close my Eyes (Buddy Kaye, William Gordon e Billy Reid)
11. Alone (Billy Steinberg e Tom Kelly)
12. Too Marvelous for Words (Johnny Mercer e Richard Whiting)
5. The Good Neighbours Jazz (Columbia, 1958)
Gravado no Rio de Janeiro, no Estdio da Columbia em 7 horas.Produzido por Roberto Corte Real.
Msicos: Major Holley (contrabaixo), Jimmy Campbell (bateria), Moacyr Peixoto (piano) e
Cas (sax alto)
Msicas:
1. Rough Ridin' (Ella Fitzgerald)
2. Easy to love (Cole Porter)
3. Out of nowhere (Johnny Green)
4. Major blues (Major Holley)
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5. Yesterdays (Jerome Kern e Otto Harbach)
6. Copacabana (Tom Jobim)
7. Peixoto's blues (Moacyr Peixoto)
6. Baile de Aniversrio - Silvio Mazzuca e Sua Orquestra (Columbia, 1958)Gravado no Rio de Janeiro.
7. Samba Irresistvel Cas e Seu Conjunto (Selo Hi-Fi Variety, Columbia, 1961)
Maguinho conta que este LP foi gravado sem arranjos escritos, produzido por Waldemar Marchetti, o
Corisco, que tambm toca no LP; diz que a escolha do repertrio foi feita pelos msicos, dentro da
proposta do produtor de gravar um disco de sambas.
Msicos: Cas (clarinete, sax alto e sax tenor), Paulo Lima de Jesus (piano), Garoto (vibrafone),
Heraldo do Monte (guitarra), Chu Viana (contrabaixo), Dirceu Medeiros (bateria), Rogrio Tizi (ganz
e afoch), Corisco (pandeiro).
Msicas:
1. Se Acaso Voc Chegasse - Lupicnio Rodrigues e Felisberto Martins2. Carinho e Amor - Tito Madi
3. Palpite Infeliz - Noel Rosa
4. Feitio de Orao - Noel Rosa e Vadico
5. Idias Erradas - Ribamar e Dolores Duran
6. Menina Moa - Luis Antnio
7. Saudades da Bahia - Dorival Caymmi
8. Meditao -Tom Jobim e Newton Mendona
9. Feitio da Vila - Noel Rosa e Vadico
10. Esse Teu Olhar - Tom Jobim e Vinicius de Moraes
11. Tim Tim Por Tim Tim - Portinho e Falco
12. Ensaio de Bossa - Cas
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8. Os Craques da Msica uma Brasa pra Danar Zezinho (Chantecler, 1966)
Foi gravado e lanado tambm o LP Os Craques da Msica Uma Brasa pra Danar em 1967, porm
no foram encontradas informaes que confirmassem a participao de Cas neste LP, bem como no
foi possvel encontrar o disco para ouvir.
Msicos: Zezinho (piano e rgo), Gerson (contrabaixo e tuba), Cas (sax alto e tenor), Lambari
(sax alto), Edilson (bateria), Dorimar (trompete).
Msicas:
1. Lobo Mau (Ernie Maresca e Hamilton Di Giorgio) /
Pega Ladro (Getlio Cortes)
2. A Volta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) /
All MLoving ( hn Lennn e aul Martney)
3. A Festa do Bolinha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) /
Quero Que V Tudo Pro Inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
4. O Muro de Berlim (Erasmo Carlos e Roberto Carlos) /
The Virginian (. Faith)
5. ruutu (Dallas Frazier) /
Rosinha (Osvaldo Aude e Athade Julio)6. Dio, ome Ti Amo (Domenio Modugno) /
ari est Fini (erv Vilard e Marel urten)
7. Algum Na Multido (Rossini into) /
Mira-me (Chuvisco e Sebasto)
8. O alhambeque (John D. Loudermilk e Gwen Loudermilk) /
A Pescaria (Erasmo Carlos e Roberto Carlos)
9. Il Silenzio (G. rezza e N. Rosso) /
Si Fa Sera (Amurri e De Martino)
10. imentes Verdes (S. Lake) /
Gro de io (S. Lake)
11. Mihelle (John Lennon e aul Martney) /
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No Quero Ver Voc Triste (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
12. Mexerico da Candinha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) /
No Papo Pra Mim (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
9. Sadao Watanabe Meets Brazilian Friends
Sadao Watanabe(Columbia, 1968)
Msicos: Sadao Watanabe (sax e flauta), Cas (sax alto), Lanny Gordin (guitarra), Cido Bianchi
(piano e rgo), Olmir Stocker (guitarra), Mathias (contrabaixo), Douglas de Oliveira (bateria), Joo
Carlos Pegoraro (vibrafone), Carlos Alberto DAlcntara (sax tenor e flauta).
Msicas:
1. Bim Bom (Joo Gilberto)2. E Nada Mais (Durval Ferreira)
3. Jequibau (Pretty Butterfly)
4. Eu e a Brisa (Johnny Alf)
5. Barquinho Diferente (Sergio Augusto)
6. Ritmo (Sadao Watanabe)
7. Tristeza (Haroldo Lobo e Nim Polanetska)
8. Carolina (Chico Buarque)9. Bossa na Praia (Geraldo Cunha)
10. Mostra Morena
11. Muito Vontade (Joo Donato)
12. Ritmo (sadao Watanabe)
10. A Onda BoogalooEduardo Arajo (Odeon, 1969)
Neste LP Cas participou como saxofonista e arranjador.
Produzido por Tim Maia.
Msicas:
1. Longe de vocThe same old song (Robisnson)
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2. Tenho que ter todo seu amorGot to have a hundred (Wilson Pickett)
3. Boogaloo na BroadwayBoogaloo down Broadway (J. James)
4. Rua malucaFunky street (Simms e A. Conley)
5. Pressentimento (Chil Deberto e Eduardo Arajo)
6. Danando boogalooGota a thing going (W. King)7. Voc (Tim Maia)
8. Baby, baby sim babySince you've beon gone (Franklin e White)
9. Embrulhe esta marmita (Chil Deberto e Eduardo Arajo)
10. Vamos recomearCome back baby (Ray Charles)
11. Melhor que se dane (Chil Deberto e Eduardo Arajo)
12. A mulherCold sweet (J. Brown e Ellis)
11.Resalahs band Big Band do Turquinho(RCA Vitor 1970)
Msicos: Resala Turquinho (bateria),Edgar Capito, Dorival Buda, Erotides Cunhado e Waldir
(trompete), Severino Bil, Arlindo, Firmo, Francisco Paco e Iran (trombones), Cas e Arnaldo Dinho(sax
alto), Helio Marinho e Jos Ribamar (sax tenor),Percio Goiabinha (sax baritono), Chu Viana e Gabriel
(contrabaixo),Rubo (percusso), Paulo Lima, Zezinho e Mrio Casali (piano).
Msicas:
1. Alfie (Burt Bacharach e H. David)
2. Corrida de Jangada (Edu Lobo e Capinan)
3. Yesterday (John Lennon e Paul McCartney)
4. Tem D (Baden Powell e Vinicius de Moraes)
5. By The Time I Get To Phoenix (J. Webb)
6. S Marina (Antnio Adolfo e Tibrio Gaspar)
7. Resala's Theme (Carlos Piper)
8. Triste (Tom Jobim)
9. Soulful Struth (E. Record e S. Sanders)
10. Imagem (Luis Ea e Aloysio de Oliveira)
11. F Comme Femme (Adamo)
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12. This Girl Is In Love With You (Burt Bacharach e H. David)
12.A Virgem de Saint Tropez Hareton Salvanini e Beto Rushel (Fermata, 1974)
Trilha para o filme homnimo (pornochanchada) de Zygmunt Sulistrowski.
Msicas:
1. You Can't Run Away From Your Destiny
2. Espairecendo
3. Ansiedade
4. So Paulo
5. Panorama
6. Amazonia
7. Saint Tropez
8. Quarto Do Hotel
9. Copacabana Rock
10. Dois E O Mar
11. Perseguio
12. Seios
13. Despedida
14. No Podes Fugir Do Teu Destino
Alm destes LPs, Cas fez participao em inmeros outros. Listamos abaixo aqueles aos quais
tivemos acesso:
1. Meia Noite em Copacabana, de Dick Farney (1956)Cano Ningum na Rua.
2.Claudette Soares (Mocambo 1965) Canes Gentee Vivo Sonhando.
3. Meu Baile Inesquecvel (RGE 1963) - Com Cas e Seu Conjunto em Summertime.
4. lbum Musical Romntico (Astrophone Records)produzido por Mario Okuhara.
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CAPTULO 2 - ANLISES
As anlises foram feitas a partir da transcrio da interpretao e dos improvisos gravados por
Cas em 5 faixas do LP Samba Irresistvel e a partir de uma faixa do LP Histria do Jazz em So
Paulo. Para a verso final deste trabalho demos nfase apenas s anlises dos trechos de improviso,considerados representativos para a demonstrao dos resultados obtidos a respeito do estilo de Cas.
Na presente pesquisa entendemos a improvisao tomando como referncia a maneira com que
ela ocorre no jazz, ainda que saibamos que esta uma prtica comum a muitas culturas e que ocorre
das maneiras mais distintas em muitas reas do conhecimento.
Para demonstrar a relao da improvisao da maneira como ela ocorre nos discos de Cas com
aquela praticada no jazz, faremos uma pequena digresso a respeito do contexto fonogrfico em que
este material foi produzido.
Os estudos acadmicos a respeito da produo musical no Brasil dos anos 50 e 6010, em sua
maioria, tm como enfoque o Rio de Janeiro e a cena musical que se desenhava nessa cidade. Aps
realizar o breve levantamento das realizaes musicais que se davam em So Paulo na mesma poca,
pde-se notar as diferenas entre os dois contextos e principalmente perceber como dialogavam
intensamente, sendo que os msicos transitavam muito entre as duas cidades a trabalho e o mercado
fonogrfico era praticamente unificado (trabalhos concebidos em So Paulo eram gravados no Rio, e
vice-versa). Isso nos permite considerar algumas definies apresentadas pelas pesquisas que falam da
cena carioca, ainda que estejamos analisando um material produzido em So Paulo.A dissertao de mestrado de Joana Saraiva A inveno dosambajazz: discursos sobre a cena
musical de Copacabana no final dos anos de 1950 e incio dos anos 1960 documenta o lanamento
de inmeros LPs de msica instrumental aps o advento da bossa nova nos anos 50, e apresenta uma
reflexo a respeito de como era vista essa msica pelos crticos e msicos da poca, a fim de discutir a
invenodo que viemos a chamar de sambajazz como o som de Copacabana. Os trabalhos gravados
em So Paulo tambm foram considerados em sua pesquisa, por conta da grande ligao entre as duas
cidades atravs do mercado fonogrfico, ainda que maior enfoque tenha sido dado ao Rio de Janeiro e
ao momento histrico desta cidade.
O processo de inveno do sambajazz, segundo Saraiva, passa pelo uso de diversos termos
10 Como por exemplo os trabalhos de Lvia Nestrovski (2013), Joana Saraiva (2007) e Guilherme Maximiano
(2009), entre outros.
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como bossa nova instrumental, msica popular moderna, jazzsamba, entre outros, para a descrio de
uma parcela da msica instrumental feita nos anos 50 e 60 no Rio de Janeiro, que reagia ao consumo
crescente de jazz e de msica norte-americana no Brasil, de maneira a incorpor-lo em sua msica. A
autora destaca neste contexto o forte embate existente no Rio de Janeiro entre os saudosistas e os
modernistas, respectivamente aqueles que se opunham a esse consumo e aos produtos dele, e aquelesque eram favorveis aos mesmos (Saraiva, 2007, pg 53).
Um dos produtos musicais de tal consumo, entre inmeros outros, a importao das pequenas
formaes jazzsticas, como o trio de jazz: piano, baixo e bateria; quartetos e quintetos com o trio de
jazz e um ou dois instrumentos de sopro; que se reuniam para tocar a princpio um repertrio tambm
importadoo jazz e mais tarde composies brasileiras.
Saraiva mostra como os LPs de Dick Farney11 Dick Farney Trio (Continental 1958), Dick
Farney Jazz (RGE 1962),Jam Session das Folhas (RGE 1961) eFestival de Jazz - 2 Grande Concerto
(Sinter 1957) marcam uma abertura do mercado fonogrfico, e afirma com base na crtica positiva de
Sylvio Tlio que:
() a maneira de se tocar jazz de Dick e cia no s percebida como diferente
da original como valorizada na sua diferena. Abre-se assim um espao
(fonogrfico sem dvida) para um jazz tocado brasileira, inclusive com
apropriao de clssicos do repertrio do Dick cantor: Copacabana,
Risque, Valsa de uma cidade.
A apropriao do repertrio brasileiro para a formao jazzstica envolvia, no caso de Dick
Farney e de muitos outros conjuntos, tocar esses temas no como sambas ou valsas, de acordo com
suas verses originais, mas sim como jazz. Tal caracterizao se dava nos acompanhamentos, na
interpretao das melodias, e no destaque para a improvisao .
Outra prtica comum entre estes grupos musicais era tocar o repertrio de jazz chamados de
standards como samba, realizando o mesmo procedimento descrito acima, de modo a inverter as
funes do jazz e da msica brasileira: acompanhamentos e interpretao meldica provenientes do
samba, em um repertrio de jazz. H, porm, um elemento que se mantm, que o espao para a
11 Farnsio Dutra e Silva (Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1921 a 4 de agosto de 1987) foi um importante cantor,
pianista e compositor brasileiro.
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improvisao; assim, os solistas improvisavam longamente sobre um acompanhamento rtmico de
samba.
Houve nessa poca o lanamento de muitos LPs que reuniam msicos brasileiros e norte
americanos tocando o repertrio da bossa nova em formaes exclusivamente instrumentais, como o
LP Cannonball Adderley & Sexteto Bossa Rio (Philips 1963), nos quais h tambm grande destaquepara a improvisao maneira jazzstica, especialmente atravs dos solistas norte-americanos.
Saraiva cita em seu trabalho o lanamento do LP Inimitvel Juarez (Masterplay, 1962), e
podemos perceber que neste LP o uso da improvisao de maneira jazzstica acontece em meio a um
repertrio de ritmos brasileiros tocados com uma formao importada do jazz: saxofone tenor
acompanhado pelo triopiano, baixo e bateria porm com dois percussionistas reforando a levada
do samba. Saraiva afirma que a valorizao do samba neste disco aponta para uma outra proposta, que
no atravs da bossa nova, de se misturar o samba com o jazz, trazendo a improvisao para o
repertrio e o ritmo do samba.
Assim percebemos como a improvisao da maneira como era usada na produo desta parcela
da msica instrumental, que era chamada por Sylvio Tlio de msica popular moderna, foi importada
do jazz. E como ela aparece no LP Samba Irresistvel, que apresenta uma situao musical muito
parecida com a do LP Inimitvel Juarez, tendo em comum a formao instrumental e o tipo de
repertrio.
O Samba Irresistvel aparece no texto de Joana Saraiva como um marco, um LP que comea a
mudar o cenrio das gravaes nacionais de pequenos conjuntos, uma vez que, segundo esta autora,nele a msica no est mais em funo da dana. A improvisao vista como fator determinante desta
mudana, que colocada inclusive como uma espcie de libertao:
Este cenrio teria comeado a mudar com o disco Samba Irresistvel, do
clarinetista e saxofonista Cas, que teria contribudo para derrubar um tabu que
vinha perseguindo as gravaes nacionais de pequenos conjuntos desde o
comeo da dcada de 40. A improvisao aparece aqui no s como atestado
do moderno, como tambm um fator definidor na classificao de pequenos
conjuntos instrumentais a partir da emancipao de uma obrigatoriedade
danante.
Embora a nosso ver a relao com a dana esteja muito presente no LP Samba Irresistvel,
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notada pelos andamentos prprios para se danar, pelas levadas altamente danantes e pela natureza
dos improvisos, curtos e em sua maior parte prximos da melodia original, possvel que com relao
ao que j se havia produzido at o momento do surgimento deste LP, ele represente um passo na
direo da msica independente da dana.
Vemos que o LP Samba Irresistvel surge num cenrio em que o jazz se torna um fatorimportante na modernizao da msica brasileira e influencia a maneira como se fazia esta msica
atravs de muitos elementos, principalmente atravs da improvisao.
Essa sonoridade encontrada na maior parte dos LPs citados acima, a qual os crticos se referiam
atravs de termos como bossa nova instrumental, msica popular moderna,jazzsamba, hoje chamada
de sambajazz, por conta de uma srie de reedies e lanamentos em CD nos anos 2000, dos LPs
produzidos nos anos 60 com tal nomenclatura.
Do ponto de vista musical, o sambajazz se caracteriza por ser um samba tocado com estruturas
harmnica e fraseolgica apropriadas do jazz por msicos brasileiros. Tanto nos improvisos, como na
interpretao das melodias e no acompanhamento nota-se a presena constante de elementos
jazzsticos. Ao longo das anlises dos improvisos de Cas iremos apontar alguns destes elementos,
ainda que classificar Samba Irresistvelcomo pertencente a esta categoria ou no, bem como definir o
que sambajazz ou como a msica norte-americana est presente na msica brasileira no sejam
objetivos deste trabalho.
Considerando que a improvisao no LP Samba Irresistvel tem origem jazzstica, tomamos
como parmetro para a definio do que o improviso, o Dicionrio Grove de Msica que trata, entreoutras, da improvisao especificamente no jazz; e a dissertao de mestrado de Lvia Nestrovski que
aborda a questo historicamente, discutindo as contribuies de diversos autores a respeito desta
palavra improvisao - vista de maneira mais ampla, se aprofundando naquelas que tratam da
improvisao jazzstica.
Encontramos no trabalho de Nestrovski a definio de Chris Smith, extrada de seu texto A
Sense of the Possible: Miles Davis and the Semiotics of Improvised Performance , a qual nos pareceu
pertinente, e portanto adotamos neste trabalho:
O termo improvisao utilizado aqui com uma definio limitada, a que
mais comumente intencionada na terminologia jazzstica. Nesta construo,
improvisao denota procedimentos musicais que dependem da seleo,
sequenciamento e justaposio de elementos musicais, cuja seleo feita no
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momento [daperformance] pelos msicos. Ela no necessariamente significa a
composio espontnea de material completamente novo, processo este mais
referido no jazz como improvisao livre. Material preexistente pode incluir
sequencias de acordes, ideias motvicias/meldicas preferidas, citaes,
convenes comuns de acompanhamento ou arranjo (introdues, finalizaes
ou padres de acompanhamento familiares, etc.), em adio a material novo.
Mas a seleo especfica e suas combinaes so improvisadas no momento, e
so respostas situao especfica daperformance. (SMITH; 1998:286)12
No caso desta pesquisa parece importante destacar qual o critrio usado por ns para a
identificao dos trechos denominados de improviso como tal, os diferenciando daqueles trechos que
identificamos como tema ou ainda como variao tema. Cas costuma apresentar os temas com muita
variao, e os elementos citados por Smith para a definio de improviso esto presentes tambm
nestes trechos, se fazendo necessrio um segundo parmetro para diferenci-los. Certamente a
incidncia com a qual os elementos citados na definio de Smith aparecem em cada trecho contribui
para sua classificao (como improviso, variao ou tema), mas no este o nico critrio utilizado.
Entendemos neste trabalho que um trecho determinado como improviso principalmente por
seu lugar no arranjo: h um espao determinado para ele. A estrutura de improvisao utilizada nos
discos de Cas, como vimos, tem referncia no jazz e pautada no que Maximiano chamou, baseado
no trabalho de Accio Piedade (Jazz, Msica Brasileira e Frico de Musicalidades. PIEDADE, 2005),
de paradigma tema-improviso-tema.
Maximiano afirma que
Uma performance de jazz geralmente envolve a apresentao de um tema
seguida por improvisos que usam a mesma forma e a harmonia do tema e por
12 The term improvisation is utilized here with a limited definition, the one which is most commonly intended in
jazz terminology. In this construction, improvisation connotes musical procedures that depend upon the selection,
sequencing, and juxtaposition of musical elements, which selection is done in the moment by the players. It does notnecessarily mean the spontaneous composition of completely new material, a process more often referred to in jazz as free
improvisation. Preexistent material may include chord sequences, favorite motivic/melodic ideas, quotations, common -
practice conventions of accompaniment or arrangement (familiar introductions, endings, accompaniment patterns, etc), in
addition to new materials. But the specific selection and combination is improvised in the moment, and is a response to the
specific performance situation. (SMITH; 1998:286 apud NESTROVSKI, 2013:19).
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fim a reapresentao do tema (releva-se aqui o uso de introdues e coda para
concentrar a ateno na estrutura que usada como base para o improviso). A
estabilidade desta frmula comprovada em gravaes de jazz desde o
surgimento do estilo no sculo XX at hoje. Mesmo a partir dos anos 60,
quando apareceram diversas propostas de renovao estilstica, que desafiaram
este modelo, o paradigma tema-improviso-tema continuou predominante e
ainda o na produo de muitos artistas contemporneos de jazz e msica
instrumental brasileira.
Assim, vemos como relativa a relao hierrquica entre a natureza de um trecho musical e o seu
lugar no arranjocomo sendo improviso ou tema nesta maneira de se fazer msica. Na maior parte
dos casos tomamos como determinante para a classificao de um trecho o seu lugar no arranjo, ou
seja, ele considerado improviso por estar no lugar determinado para tal, mais do que por sua natureza
musical.
Com isso encontramos e analisamos alguns trechos em que Cas usa como improviso algo que
pode ser considerado uma variao do tema, pelo fato de ele se manter muito prximo da melodia
original da cano, como em Carinho e Amor. Por outro lado deixamos de analisar trechos em que
Cas est mais distante da melodia original por no considerarmos aquilo um improviso, como a
primeira exposio do tema emRisque, do LPHistria do Jazz em So Paulo.
Isso nos permite analisar, alm dos aspectos tcnicos dos improvisos (como estruturas
meldicas e suas relaes com as harmonias, procedimentos de manipulao de fragmentos,
sonoridade, articulao, acentuao), as escolhas que Cas fazia em diferentes situaes musicais,
percebendo diferentes abordagens que este msico tinha das canes, o que contribui para a
identificao de seu estilo.
______________________________________***_____________________________________
Das seis faixas escolhidas para transcrio e anlise, cinco esto no LP Samba Irresistvel,citado anteriormente, de Cas e Seu Conjunto; so elas Se Acaso Voc Chegasse, de Lupicnio
Rodrigues e Felisberto Martins, Carinho e Amor,de Tito Madi, Palpite Infeliz, de Noel Rosa,Feitio de
Orao, de Noel Rosa e Vadico e Ideias Erradas, de Ribamar e Dolores Duran; e uma no LP Histria
do Jazz em So Paulo de Dick Farney e Simonetti, gravado ao vivo em 1956: Risque de Ary Barroso.
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Samba Irresistvel o nico LP que leva o nome de Cas (Cas e Seu Conjunto). Foi lanado
pela Columbia Records e gravado em um estdio na cidade de So Paulo o qual no se tem
informao do nomeno perodo de uma tarde apenas, segundo Gerson Galante 13. Galante conta que
os msicos se reuniram sem prvio ensaio, escolheram as msicas, definiram os arranjos e gravaram no
mesmo dia.As faixas de Samba Irresistvel so curtas - todas duram entre 2 e 3 minutos - e o repertrio,
composto exclusivamente por sambas e choros, o seguinte:
1. Se Acaso Voc Chegasse - Lupicnio Rodrigues e Felisberto Martins
2. Carinho e Amor - Tito Madi
3. Palpite Infeliz - Noel Rosa
4. Feitio de Orao - Noel Rosa e Vadico
5. Idias Erradas - Ribamar e Dolores Duran
6. Menina Moa - Luis Antnio
7. Saudades da Bahia - Dorival Caymmi
8. Meditao -Tom Jobim e Newton Mendona
9. Feitio da Vila - Noel Rosa e Vadico
10. Esse Teu Olhar - Tom Jobim e Vinicius de Moraes
11. Tim Tim Por Tim Tim - Portinho e Falco
12. Ensaio de Bossa - Cas
Os msicos que gravaram neste LP so Paulo Lima de Jesus (piano), Heraldo do Monte
(guitarra), Garoto (vibrafone), Chu Viana (contrabaixo), Dirceu Medeiros (bateria), Waldemar e Tizu
(percusso), e Cas no clarinete, saxofone alto e saxofone tenor.
O LP Histria do Jazz em So Paulo foi lanado pela Bandeirantes Discos em 1956 aps ser
gravado em show ao vivo no Teatro de Cultura Artstica de So Paulo, no dia 5 de agosto do mesmo
ano, durante o Primeiro Festival Internacional de Jazz em So Paulo. Este evento convidou 4 grupos
musicais de jazz e segundo o texto da contra capa do LP, assinado por Roberto Corte Real 14, marca o
incio das atividades jazzsticas no Brasil.
13Saxofonista e clarinetista que teve aulas com Cas durante dois anos de sua infncia.14Produtor do LP, funcionrio da Columbia Records.
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As faixas deste LP tm durao de 3 a 10 minutos, e o repertrio formado por:
1. Valsa de Uma Cidade - Ismael Netto e Antnio Maria
2. You don't know what love is - Gene De Paul e Don Ray
3. Love walked in - Ira Gershwin e George Gershwin4. Risque - Ary Barroso
5. You go to my head - J. F. Coots e H. Gillespie
6. A fine romance - Jerome Kern e Dorothy Fields
Os msicos que tocam nas faixas de 1 a 4 so Dick Farney (piano) e Rubinho Barsotti (bateria),
nas faixas 1 e 2 quem toca contrabaixo Ed Lincoln, e nas faixas 3 e 4 se juntam a Dick Farney e
Rubinho Barsotti o contrabaxista Chu Viana, o guitarrista Ismael Campiglia e Cas, tocando sax alto.
Dinarte Rodrigues Filho faz uma participao na faixa 1 tocando guitarra e Alfredo participa da faixa 2
tocando trompete15.As faixas 5 e 6 foram gravadas pelo conjunto de Simonetti 16, fomado por ele no
piano, Dorimar no trompete, Maciel no trombone, Demetrio no sax alto, Stravisnky no contrabaixo e
Pirituba na bateria17.
As situaes musicais distintas uma da outra que a gravao destes dois LPs gerou alteram
notavelmente a performance de Cas, como pde-se notar a partir das anlises realizadas pela presente
pesquisa.
15No foi possvel encontrar o sobrenome do trompetista Alfredo.16Enrico Simonetti, maestro e pianista italiano radicado no Brasil.17Os msicos aqui citados sem sobrenome provavelmente eram conhecidos desta forma, uma vez que no foi possvel
localizar seus sobrenomes.
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2.1 Forma
Para iniciar a exposio dos resultados das anlises iremos demostrar como Cas aborda os
temas, e como so organizadas as formas das msicas. O repertrio das gravaes analisadas possui em
geral duas partes, sendo apresentado na forma AABA na maioria dos casos, ou AA, com introduo e
coda curtas, variando entre 6 e 16 compassos.
Samba Irresistvel tem a caracterstica de apresentar improvisos com os chorus divididos entre
os msicos, sendo que na maior parte das vezes h apenas um ou dois chorus de improviso e estes so
divididos entre dois, trs ou quatro solistas. Esta prtica se aproxima dos costumes do samba e, em
especial, do choro, onde os solistas em geral se alternam pra tocar os temas das partes A, B e C ou
somente A e B, e quando h improvisao a alternncia permanece, seja na forma da msica ou
somente em uma das partes repetidamente.Muitas vezes nas gravaes analisadas e isto comum no jazz de maneira geral a
improvisao invade o espao do tema na forma AABA e assim na primeira exposio possvel se
tocar o tema em AA e improvisar a partir de B, por exemplo, ou no fim reapresentar o tema somente a
partir de B, entre outras possibilidades.
Vimos que a maneira como Cas lida com o paradigma tema-improviso-tema abarca ainda um
terceiro elemento que a variao do tema, ou variao meldica, que aqui considerada um estado
intermedirio entre a improvisao e a execuo da melodia original da cano. Isto porque as
variaes vistas nestas gravaes so improvisadas, criadas em tempo real na msica, e no escritas;
estamos assim nos referindo a quando a melodia tocada com maior liberdade, com diferenas rtmicas
e/ou meldicas com relao original; ou quando um improviso tocado com muitas referncias
melodia da cano, ou mesmo com alguns trechos inteiros dela.
O termo variao muito utilizado para descrever a improvisao da maneira como ela
acontece no choro, e alguns autores (ver VALENTE, 2009) o utilizam como improvisao pautada em
variao meldica, se referindo a esta improvisao que apresenta muitas referncias ou trechos da
melodia original. Esta prtica tambm ocorre no jazz, alm do choro; no dicionrio Grove de Msica a
encontramos definida como uma das tcnicas de improvisao existentes no jazz: paraphrase
improvisation.
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"A parfrase da melodia pode ser simplesmente a utilizao de alguns floreios
ornamentais numa repetio do tema original, ou em seu estado mais inventivo,
pode envolver uma reutilizao altamente criativa da melodia, que permanece
reconhecvel apenas por seu contorno ou pela preservao de pequenas frases ou
figuras caractersticas". (Dicionrio Grove de Msica, verso online, acesso
29/06/2013)18
Considerando o paradigma citado acima e suas possibilidades de maleabilidade, dentro da
interpretao de Cas pudemos perceber essa estrutura organizada por ele de trs maneiras distintas:
1. Quando sua interpretao se organiza entre tema, variao do tema e improviso. Nestes casos
Cas apresenta o tema em geral no primeiro (ou no primeiro e segundo) A; uma variao do
tema no segundo A, no B ou no A1 relativo forma da cano; em seguida acontecem osimprovisos, e na reexposio do tema h em geral uma variao dele. A gradao do
distanciamento que o msico vai tomando com relao melodia, atravs de elementos de
improvisao, fica muito clara no decorrer das sees (A, B, A1, etc), o que sugere que tal
processo interpretativo seja consciente. As sees improvisadas so de curta durao e
construdas a partir do desenvolvimento e da ornamentao de frases e motivos da cano, e no
de ideias totalmente novas guiadas somente pela harmonia do trecho. Nelas Cas se mantm
prximo da melodia original, porm os tempos de durao das frases so diferentes daqueles
observados na estrutura do tema, existem ideias meldicas que so desenvolvidas por um tempo
relativamente longo, de modo a diferenciar o improviso do tema, e no so apresentados trechos
inteiros da melodia original; estes elementos contribuem para a identificao dos trechos como
improviso, e no como variao. Esta organizao estrutural da forma o que se observa em Se
Acaso Voc Chegasse e Carinho e Amor, por exemplo, respectivamente representadas nos
grficos das figuras 1 e 2.
Os grficos das figuras 1 a 4 demonstram a relao entre a forma da msica, representada no
18 The paraphrasing of the melody may be no more complex than the introduction of a few ornamental flourish es
into an otherwise faithful repetition of the original tune, but at its most inventive it may involve a highly imaginative
reworking of the melody, which remains recognizable only by its outline or the preservation of certain distinctive turns of
phrase or figure.(Traduo Lvia Nestrovski)
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eixo horizontal atravs das sesses A, B, A, introduo e coda, com indicao do nmero de
compasso onde se inicia e termina cada uma dessas sesses; e o contedo musical de cada sesso, que
pode ser apresentao do tema, improviso, ou variao do tema e est representado no eixo vertical.
Figura 1: Forma de Se Acaso Voc Chegasse
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Figura 2: Forma Carinho e Amor
O fato de os improvisos serem mantidos, nestes casos, prximos melodia tanto na
construo das frases e sua estrutura, quanto pelo fato de serem curtos pode ser identificado como a
musicalidade
19
do choro expressa na forma e na concepo interpretativa
20
. Esta maneira de tocar,caracterstica do choro, encontrada tambm em outros gneros da msica brasileira, conforme fala
Nailor Proveta msico reconhecido como sendo de grande importncia para a msica e a
improvisao brasileiras com nfase no campo da msica instrumental em entrevista a Manuel
Falleiros21a respeito da maneira com que aprendeu msica com seu pai quando criana:
19 Entenda- se musicalidade como uma memria musical-cultural compartilhada constituda por um conjuntoprofundamente imbricado de elementos musicais e significaes associadas. A musicalidade desenvolvida e
transmitida culturalmente em comunidades estveis no seio das quais possibilita a comunicabilidade na performance ena audio musical (PIEDADE, 2007). 20A dissertao de Paula Veneziano Valente apresenta uma discusso interessante a respeito da improvisao no choro,
destacando fatores que influenciam a forma com que os msicos tocam esta msica, entre elas a estrutura formal e oambiente em que se est tocando; ainda dentro das discordncias que existem a respeito desta questo consenso entreos autores que mesmo quando h improvisao, ao se tocar choro, ela acontece mais ao nvel de variao meldica ertmica, raramente se distanciando da melodia (VALENTE, 2009).
21FALLEIROS, Manuel Silveira. Anatomia de um improvisador: O estilo de Nailor Azevedo. Dissertao de Mestrado emMsica. Campinas: UNICAMP, 2006, 148 pgs.
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"Bom a um dia ele [seu pai] falou: "Finalmente o que improvisao? Voc
toca uma melodia... quando voc voltar [fizer a repetio do tema] voc toca
uma outra melodia, mas fique perto da primeira", a lio dele era assim. (...)
Ento ele [seu pai] falava: "Fica perto da primeira [melodia], no fica longe
porque voc no consegue voltar mais". (...) E a coisa mais difcil que ele falou
essa da, que at hoje eu procuro aplicar isso, eu estou entendendo isto hoje
melhor (...)"