“se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano … · resumo: amantes do futebol apelidam atletas...
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Associação Nacional dos Programas de Pós-‐Graduação em Comunicação
XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016
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“SE MACUMBA GANHASSE JOGO, O CAMPEONATO BAIANO TERMINAVA EMPATADO”1: Notas sobre técnicas sônicas torcedoras, ambiências futebolísticas e mágica2.
“IF MACUMBA WON SOCCER GAMES, THE TOURNAMENT IN BAHIA WOULD END TIED”: Notes on supporters’ sonic
techniques, soccer ambiances and magic. Pedro Silva Marra3
Resumo: Amantes do futebol apelidam atletas habilidosos de bruxos ou santos e estádios onde nunca perdem de espaços místicos, a fim de descrever a forma como fazem lances difíceis parecerem fáceis. Os sons produzidos no estádio durante as partidas apresentam um importante papel na ocorrência destes eventos “sobrenaturais”, constituindo uma ambiência em comunicação com o espetáculo. A partir de gravações de campo realizadas em pesquisa de doutorado acerca das sonoridades deste esporte em jogos do Clube Atlético Mineiro, exploramos a forma como se constituem tais dinâmicas interativas. Assim, trabalhamos a performance tanto de jogadores quanto de torcedores como uma forma de magia, devido a sua natureza de conhecimento corporificado, seu caráter afetivo e de transformação de corpos, e a presença da fé como elemento que garante a eficácia destes processos. Palavras-Chave: Ambiência, Futebol, Magia, Performance, Sonoridades. Abstract: Soccer fans call skilful athletes wizards or saints and the stadiums where they never loose mystical spaces, in order to describe the way they make seemingly impossible moves look easy. The sounds produced in the stadium during soccer matches play an important role on the appearance of these “supernatural” events, constituting a communication ambience with the spectacle. Through field recordings made during a PhD research on the sonorities of this sport in Clube Atlético Mineiro’s games, we explore how those interactive dynamics are constituted. Thus, we understand both players and supporters performances as a kind of magic, because of its nature of embodied knowledge, its affective and body transformation features, and the presence of faith as an element that ensures the efficacy of those processes. Keywords: Ambience, Magic, Performance, Soccer, Sonorities.
1 Esta citação de Neném Prancha, ex-roupeiro do Botafogo de Futebol e Regatas e ex-técnico de equipes de futebol de praia, tornou-se uma frase popular acerca do papel exercido pelos torcedores na tarefa de levar uma equipe à vitória. 2 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Som e Música, do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 3 Doutorando no Ppgcom UFF, [email protected].
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1. Introdução Durante partida do Clube Atlético Mineiro contra o Vitória da Bahia, disputada em 8 de
dezembro pela última rodada do Brasileirão de 2013, as arquibancadas lotadas do Estádio
Independência emergiram de forma bastante peculiar, e talvez definidora para o seu resultado
final. O jogo acontecia na casa do Atlético e não tinha qualquer importância para o
campeonato, porque o Cruzeiro – seu maior rival – já havia conquistado pontos suficientes
para sagrar-se campeão quatro rodadas antes. No entanto, o confronto entre as equipes
mineira e baiana também tinha um significado comemorativo para os torcedores do Galo4,
que compraram todos os 22 mil ingressos, a fim de celebrar o ótimo ano que a equipe tivera:
ela havia ganhado pela primeira vez a Copa Libertadores, o torneio de futebol mais
importante das Américas, o que lhe permitiu disputar o Mundial de Clubes de 2013
organizado pela FIFA naquele mês no Marrocos. No momento que o time entrou em campo,
a Galoucura – a mais antiga e maior Torcida Organizada do clube – montou um mosaico em
vermelho e verde com a bandeira do pais africano, referindo-se ao campeonato que
começaria alguns dias mais tarde.
Esta ambiência de festa, no entanto, não impediu que o Vitória marcasse duas vezes
logo no início do jogo. A multidão ficou brava e demandou que a equipe lutasse ao menos
por um empate. Logo antes do final do primeiro tempo, a situação começou a mudar para o
time da casa: Ronaldinho Gaúcho é parado nas proximidades da grande área e uma falta é
marcada para o Galo. O jogador, duas vezes congratulado o melhor atleta masculino de
futebol do mundo em 2004 e 2005, retornava aos gramados após longo tempo se recuperando
de contusão grave na perna. No momento em que o juiz apita, os presentes começam a cantar
em uníssono uma canção parodiada de “Mulata Bossa Nova”, uma velha e conhecida
marchinha de carnaval, tão intensamente que Mário Henrique “Caixa”, o narrador de uma das
estações de rádio que transmitia a partida comenta: “Parece que eu ouço uma orquestra
tocando”.
Enquanto o jogador se preparava para a cobrança de falta, a torcida, em todos os setores
da arquibancada, articulava um ritmo marcado e acelerando o andamento por meio de palmas
e percussão. A reverberação do Independência geralmente torna difícil a sincronia perfeita
destas performances musicais por todo o estádio. No entanto, produz uma intensificação
4 O Clube Atlético Mineiro é mais conhecido no Brasil como Galo, por causa da mascote da equipe. A partir desse momento, nos referiremos à equipe somente a partir desta alcunha.
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sonora que multiplica a multidão presente – que soa maior do que realmente é. Esta
sonoridade viabiliza a Ronaldinho concentrar-se em seus movimentos. No momento em que
o atleta toca a bola, alguns torcedores antecipam o gol que finalmente acontece alguns
momentos depois. Todo o estádio explode em excitação, gritando e cantando canções, como
o hino do time. Ronaldinho, que é chamado por alguns torcedores brasileiros de “bruxo”,
mostrava que voltava ao jogo. Durante o segundo tempo da partida, o Galo tenta marcar a fim
de empatá-la, o que finalmente acontece a partir de um pênalti assinalado novamente no
último minuto. Mais uma vez, o jogador é responsável pelo gol.
Torcedores de futebol usualmente chamam atletas habilidosos de mágicos, santos,
bestas, consideram estádios onde conquistam vitórias seguidas espaços místicos, ou evocam
outras entidades sobrenaturais a fim de descrever a forma como os jogadores fazem
movimentos aparentemente impossíveis parecerem fáceis. Os sons produzidos durante as
partidas têm um importante papel na constituição destes eventos esportivos “mágicos”,
oferecendo uma oportunidade de pensar o mistério levantado por Charles Keil acerca do “que
devemos fazer com nossos corpos tocando estes instrumentos e cantando a fim de fazer os
corpos deles moverem-se, balançando a cabeça, estalando os dedos, levantarem-se de suas
mesas e dançarem?” (KEIL, 2004, p. 1). De um lado, assim como o que foi narrado acima, ou
logo após uma defesa difícil do goleiro, a torcida que assiste a partida das arquibancadas
articula ritmos ou canta canções para antecipar ou celebrar as realizações dos atletas. De
outro lado, ela vaia o oponente quando este mantêm a posse de bola, ou tem uma chance clara
de marcar um gol.
Este artigo busca compreender a forma como torcedores operam um conjunto de
técnicas sônicas que constroem uma ambiência a partir da qual os torcedores aumentam ou
diminuem a performance “mágica” dos atletas5. Entendemos o esporte profissional de
espetáculo como um campo da sociedade que desde meados da década de 1970, se constitui
na interseção do desenvolvimento capitalista com inovações científicas e psicológicas, mas
5 Os estudos sobre as relações entre sons e esportes ainda são bastante incipientes e usualmente focam sua atenção na música (REDHEAD, 2003; BLACK, 2004; BATEMAN e BALE, 2009). Duane Jethro (2014) explora preocupações similares às nossas em seu estudo das vuvuzelas como objetos materiais que empreendem uma política da estética, como mediadora entre a África, África do Sul e o mundo, durante a Copa do Mundo de 2010. Ele evidencia os poderes afetivos do instrumento nos jogadores e torcedores presentes no estádio. A investigação, apesar de assumir esta propriedade mágica das cornetas de plástico, o faz a partir de declarações de atletas e da mídia, deixando as características sonoras do objeto em um segundo plano. Assim, seu foco é na produção e consumo da herança cultural africana em contextos de Mega-Eventos globalizados, prestando pouca atenção na processualidade das performances torcedoras.
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também com práticas religiosas, supersticiosas e sobrenaturais. Argumentamos que a fim de
fazer sua mágica em campo, jogadores de futebol precisam do entusiasmo audível e
performático de sua torcida nas arquibancadas, de forma que estas práticas sonoras compõem
um tipo de mágica em si. A fim de realizar este objetivo, o trabalho baseia suas notas acerca
das tecnologias sônicas, ambiências futebolísticas e mágica dos torcedores a partir de
gravações realizadas durante trabalho de campo para uma pesquisa de doutorado acerca das
sonoridades deste esporte6.
Primeiramente, definiremos som em termos de uma dupla transdução. Apesar deste
termo estar usualmente ligado ao conhecimento científico, o fenômeno que descreve possui
algumas similaridades com a alquimia – uma prática contemporaneamente ligada à mágica,
mas entendida como ciência por seus praticantes na idade média – já que ambas envolvem
transformações a partir de um meio. Estes devires engendrados por eventos sônicos
evidenciam suas características afetivas – compreendidas como os efeitos que corpos em
interação produzem uns sobre os outros – que delineiam um conjunto de técnicas sônicas. Tal
conhecimento corporificado, empregado pelos torcedores compõe uma ambiência no estádio
que viabiliza à torcida não só criar laços entre o público presente, mas também afetar o
resultado do jogo, aumentando ou diminuindo a performance dos jogadores. Finalmente,
discutiremos a relevância de compreender estas técnicas como uma prática ritual, a fim de
explorar como sua eficiência está baseada em uma fé compartilhada em seus próprios
princípios: se a torcida não acredita no que faz, se atletas não acreditam em suas habilidades
ou se os jogadores se fecham para a mágica que vem da arquibancada, ela pode não funcionar
da maneira pretendida, levando a resultados desastrosos.
2. Som como dupla transdução:
A cobrança de falta relatada no início deste artigo evidencia o papel do som em uma
série de transformações em diferentes instâncias. A energia empregada pela torcida para
mover baquetas contra as peles dos tambores foi modificada em vibrações acústicas. Mãos
nuas se metamorfosearam em instrumentos sonoros. Pessoas silenciosas viraram fãs
6 Nestes trabalhos de campo, usamos dois ou três gravadores de som portáteis e de alta definição. Cada um é posicionado em diferentes partes das arquibancadas. Estas gravações são depois sincronizadas com a narração de rádio da partida. Escutamos estes registros descrevendo-os e tentando identificar os momentos em que os mesmos sons eram escutados em diferentes partes do estádio. Um sistema de cores foi definido para mostrar estas coincidências.
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engajados. Insatisfação com a performance do time tornou-se esperança por um resultado
diferente. A momentânea baixa estima de um jogador é agora concentração em seu próprio
corpo e movimentos. Por cada ligação desta rede tecida pelo evento narrado, fluxos de
energia de várias naturezas – cinética, mecânica, emocional – transmutam-se umas nas outras
por meio de vibrações sônicas, causando mudanças de humor e funções em cada um destes
agentes ou objetos nele envolvidos.
Em sua história das tecnologias de reprodução sonora, Jonathan Sterne (2003)
evidencia a centralidade da transdução – “a transmutação e conversão de sinais ao longo das
mídias, que, quando realizada sem problemas, pode produzir um sentido de presença sem
esforço” (HELMREICH, 2010, p. 10) – no desenvolvimento de aparelhos sonoros7. Dos
telefones às tecnologias de reprodução digital de som, passando pelo rádio e pelo fonógrafo,
vibrações acústicas tornam-se eletricidade, e mais recentemente códigos de uns e zeros, e
depois transformam-se novamente em variações de pressão de ar. Sterne argumenta que estes
desenvolvimentos tecnológicos, desde as invenções de Bell, ocorrem por meio da
compreensão do “ouvido humano, como um mecanismo, como a fonte e objeto da
reprodução sonora” (STERNET, 2003, p. 33). De maneira similar, a escuta tornou-se um dos
principais focos de investigação nos estudos de som, “uma área interdisciplinar emergente
que estuda a produção material e consumo de música, som, ruído e silêncio e como estes
objetos mudaram ao longo da história e em diferentes sociedades” (PINCH e BIJTERVELD,
2004, p. 636). Esta tendência alcançou campos de pesquisa adjacentes, como a sociologia e
antropologia, nos quais escutar práticas sociais e culturais possuem um papel importante no
trabalho de campo. Stefan Helmreich chega a sugerir que em algumas pesquisas, a
“transdução é uma ferramenta entre muitas outras possíveis” (HELMREICH, 2007, p. 633),
especialmente quando a mediação ou contato entre diferentes ordens, realidades, códigos e
devires estão em questão.
Tim Ingold (2007), no entanto, nos lembra que o ouvido não é um dispositivo de
reprodução, mas um órgão de observação. O antropólogo sugere duas analogias que
7 Estas propriedades transdutivas das tecnologias de reprodução sonoras foram também exploradas pelo engenheiro e compositor Pierre Schaeffer. Em notas que escreveu antes da publicação de seu Tratado dos Objetos Musicais, ele nomeia estes dispositivos sonoros como Artes Relé, já que não lidam diretamente com o som, mas com sinais codificados gerados pelos som. Estas notas permaneceram não publicadas até 2010, quando o Musicólogo e compositor Eletroacústico Carlos Palombini, a secretária de Schaeffer, Sophie Brunet e a esposa do compositor francês, Jaqueline Schaeffer, as organizaram e estabeleceram em forma de livro, “Ensaio sobre o rádio e o cinema: Estética e técnica das artes relé, 1941-1942” (SCHAEFFER, 2010).
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correlacionam o ouvido aos olhos e a luz ao som. Enquanto aqueles são partes perceptivas do
corpo, estes funcionariam como meio, não como algo a que escutamos ou vemos, mas no
qual escutamos ou vemos. Outra definição do mundo sonoro que caminha na mesma rota é
oferecida por José Miguel Wisnik (1989), para quem o som é um sinal de movimento
comunicado no espaço, a vibração de um corpo que ressoa em outro. Assim, no caso dos
sons, ao menos duas transduções devem acontecer, aquela que converte movimentos em
vibrações e aquela que acontece no ouvido e que transforma estas vibrações em informação
auditiva – poderíamos continuar esta cadeia de transduções, relatando as transformações de
impulsos neurais em sentido, movimento em novos eventos audíveis e assim por diante. Tim
Ingold nos oferece outro exemplo desta dupla transdução engendrada pela mediação sonora
quando discute a forma como a respiração e o vento transformam-se uns nos outros,
produzindo eventos sonoros: Vento e respiração estão intimamente relacionados no movimento contínuo de inspiração e expiração que é fundamental para a vida. Inspiração é o vento tornando-se respiração, expiração é a respiração tornando-se vento. (...) Eu sugeri que o corpo vivente, enquanto respira, é necessariamente varrido nas correntes de um meio, eu sugeri que o vento não é tão mais corporificado do que o corpo ventificado. Parece-me, mais ou menos, que o que se aplica ao vento também é válido para o som. Afinal, o vento sopra e as pessoas murmuram enquanto respiram. O som, como a respiração, é experienciado como movimento de ir e vir, inspiração e expiração. Se é assim, então deveríamos dizer que o corpo, enquanto canta, murmura, assovia ou fala é sonificado. (INGOLD, 2007, p. 12)
3. Transdução como alquimia mágica:
Assim, o som é um fenômeno da experiência que entrelaça as transduções envolvidas
na vibração e na escuta, e por meio desta íntima interconexão, não só informa-nos “sobre a
estrutura escondida da matéria, naquilo que tem de animada” (WISNIK, 1989, p. 28), mas
também processa uma série de transformações e devires nas entidades que coloca em
interação. Apesar da transdução usualmente referir-se ao conhecimento científico e ao
desenvolvimento tecnológico, as transmutações que realiza podem parecer sobrenaturais aos
leigos. Robert Stockhammer argumenta que a mágica é muito compatível com a tecnologia,
já que “Invenções como o fonógrafo, o cinema ou telegrafia sem fio, a descoberta dos raios X
ou da radioatividade não foram percebidas tanto como ‘desencantamento do mundo’, mas
como aumento do reino de ‘fenômenos mágicos’” (STOCKHAMMER, 2006, p. 168-169). O
autor aponta que ambos ocultistas e técnicos localizam a magia no centro da cultura como um
todo, apresentando adjacências todo o resto. A tecnologia seria seu campo mais próximo.
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Assim, manipular o som pode ser visto como mágica da mesma forma que a alquimia é
considerada uma pratica ocultista. Alquimistas medievais procuravam pela pedra filosofal,
uma substância ou objeto que os possibilitaria realizar várias tarefas aparentemente
impossíveis, como transformar qualquer metal sem valor em ouro, transmutar um animal em
outro, ou obter o elixir da vida que a prolongaria indefinidamente. Suas práticas envolviam
um abrangente simbolismo da natureza compartilhado apenas com iniciados em sociedades
secretas. Apesar de alguns se recusarem a nomear suas práticas sob a classificação de
ocultismo, esta descrição da alquimia encaixa-se no que Gregor Schiemann chama de uma
definição mágica da natureza, que assume que fenômenos naturais são guiados por forças
secretas cujo nexo governa cada instância da vida ou das coisas inanimadas. O conhecimento
destes poderes nos permitiriam sua manipulação “cujo o objetivo era a melhoria da vida
humana por meio da compreensão e modificação da natureza” (SCHIEMANN, 2006, p. 167).
Neste sentido, nos permitimos uma analogia que afirma que a pedra filosofal está para o
alquimista assim como a transdução está para o som e da mesma forma o emprego de eventos
sônicos – como técnicas que moldam as materialidades do ambiente no qual seu usuário está
imerso – está para os torcedores de futebol no estádio, já que todas estas relações permitiriam
intervir diretamente no mundo – o curso da natureza, da comunicação e do jogo,
respectivamente – transformando a vida material, energia e humores em favor do próprio
agente.
4. Técnicas sônicas como afeto:
Assim, existiria algo nas sonoridades presentes no estádio, na forma como trabalham
parâmetros acústicos de vibrações sonoras, como intensidade (volume), freqüência (ritmos,
melodias, durações, andamentos e timbres) e espacialidade (reverberação, direção, alcance),
que favorece sua apropriação para a composição de diferentes sensibilidades nas
arquibancadas assim como no campo. Desta forma, nos perguntamos, apropriando-nos de
Jean Luc Nancy, “se é possível separar completamente uma ordem dos afetos e uma ordem
de mímesis musical [e mais genericamente sonora] que lhe sucederia, ou se as duas não estão
entrelaçadas uma na outra e uma pela outra” (NANCY, 2014, p.67). Para o filósofo francês,
soar é sempre ressoar de uma forma que tanto o corpo emissor quanto aquele que escuta
sintonizam-se entre si, “é de fato estender-se, ampliar-se e dissipar-se em vibrações que, ao
mesmo tempo, o relacionam consigo e o põem fora de si” (NANCY, 2014:20).
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Este argumento aponta a possibilidade de tratar os sons como elementos que compõem
os afetos. Marie Thompson e Ian Biddle abrem este caminho, a partir de uma perspectiva
baseada em Deleuze e Guatari, ao tomar a afetividade como a potência de um corpo produzir
ou sofrer efeitos de outros corpos, em uma cadeia incessante de sensibilidades. Assim, as
sonoridades conformam-se como “entrada acústica para campos afetivos” (THOMPSON e
BIDDLE, 2013, p.16), já que “a possibilidade sensata do sentido (ou, se se quiser, a condição
transcendental de significação sem a qual não haveria nenhum sentido) recobre-se com a
possibilidade ressoante do som” (NANCY, 2014, p.51).
Retomando o relato de abertura, para a torcida as palmas ao mesmo tempo compõem
uma fé no sucesso e perfeição da cobrança assim como uma apreensão quanto a redução da
diferença no placar e a um amor ao time. Para o jogador, por outro lado, o ritmo marcado que
se acelera fornece uma base espaço-temporal para harmonizar possíveis afetos contraditórios
que podem estar em luta no seu corpo naquele momento: a expectativa por fazer a torcida
feliz, uma provável auto-confiança baixa por estar voltando a jogar depois de longo período
sem um partida oficial, a necessidade de apurar a concentração. O volume das batidas
potencializada pela reverberação intensifica estes efeitos. Como coloca DeNora, “embarcado
musicalmente, o corpo e seus processos desenrolam-se em relação a elementos musicais (...);
eles se alinham e regularizam em relação à musica, eles são musicalmente organizados,
musicalmente ‘compostos’” (DENORA, 2004, p. 78). É claro que o treinamento incessante
de cobrança de falta pelo atleta é muito importante para seu sucesso. Mas é ao embarcar
(entrainment) nas palmas que o jogador pode buscar a serenidade necessária para realizar o
movimento preciso e gracioso necessário para a concretização de seu objetivo
(GUMBRECHT, 2007, p. 119). Como coloca Gumbrecht, “os grandes atletas fazem as coisas
acontecer quando deixam as coisas acontecerem com eles” (GUMBRECHT, 2007, p. 48).
Sonificados, corpos transmutam-se uns aos outros e assim, o bruxo consegue realizar sua
mágica.
Neste sentido, ao invés de nos perguntar sobre o significado de um som, nos
questionamos sobre o que é possível realizar com um som. Esta mesma preocupação guia o
trabalho de Tia DeNora que mapeia os usos cotidianos da música por sujeitos na realização
de certas tarefas, tratando-a como tecnologia que permite, por exemplo, mediar interações
sociais, auto-regular afetos, compor subjetividades, rechaçar riscos e “insinuar e inspirar fé”
(DENORA, 2004, p.11). Se a autora propõe a etnografia como método para entender a forma
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como a escuta ou a execução de certa música viabiliza às pessoas a realização de certas
tarefas, propomos aqui uma pragmática do som a fim de investigar como os torcedores de
futebol manipulam parâmetros acústicos de vibrações sonoras, em seu soar a fim de
conquistar realizações específicas. Ao lidar com a forma como empregam certo ritmos ou
melodias; percutem objetos específicos; as situações e objetivos dos torcedores ao gritar mais
intensamente, em diferentes entonações, timbres, prosódias; ou como apropriam-se de
características acústicas do local que habitam permite-nos delinear um conjunto de técnicas
sônicas. Este caminho pode nos levar a compreender o poder mágico da vaia em atrapalhar
um oponente durante o jogo, ou a potencia de uma canção em reforçar a dominância de um
time numa partida.
5. I put a spell on you:
O conhecimento empregado pela torcida em suas técnicas sônicas, no entanto, não é de
natureza científica, ou sistematizada – como Keil novamente nos lembra, “muita consciência
sobre ‘como fazer dançar’ pode atrapalhar o caminho, uma apropriação errada pela
consciência” (KEIL, 2004, p. 9). É muito comum que durante certos lances da partida, ou
momentos de um campeonato, nenhum torcedor concorde acerca do som correto a endereçar
aos jogadores – o que pode inclusive levar a brigas de fato entre amantes da mesma equipe.
Eles não estariam certos, nem mesmo, acerca de que canções, gritos ou palavras de ordem
catalizariam uma certa realização. Os sons produzidos pela torcida no estádio são usualmente
acessados no calor do momento, então se torna difícil relacionar uma racionalidade funcional
a suas ações. Além disso, as culturas sonoras na prática futebolística podem variar de acordo
com diferenças transnacionais ou locais (SPAAIJ, 2007), contexto (GASTALDO, 2005;
AUTOR, 2014; HOLANDA ET. AL. 2014), times (TOLEDO, 1996) e até mesmo entre
diferentes grupos entre os aficionados de um mesmo time – grupos organizados distintos,
famílias, amigos e assim por diante podem discordar sobre a melhor maneira de torcer. Não
existe nenhum livro, oficina, ou curso no qual as pessoas aprendem como apoiar o time; este
conhecimento é adquirido por meio de uma longa experiência em assistir partidas de futebol,
no qual os torcedores aprendem não só os eventos sônicos que devem emitir, mas também os
momentos corretos em que o som é necessário e que características acústicas devem ser
empregadas nesta agência em cada situação.
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Toda esta diversidade de práticas de torcer fazem com que os sons do estádio variem ao
longo de um eixo infinitesimal que conecta a balbúrdia caótica e o uníssono que na maioria
das vezes não é sincronizado, mas às vezes é perfeito. Este fato nos leva a pensar que a
torcida que freqüenta os jogos do Galo muitas vezes durante um mesmo jogo ou campeonato
transita por ao menos três tipos de organização: a confusão de uma massa, a identidade de um
povo imposta por uma certa tradição ou grupo, ou a auto-regulação de uma multidão
(HARDT e NEGRI, 2005). Apesar dos eventos que ocorrem em uma partida ou durante a
competição terem um grande impacto nas escolhas dos torcedores acerca de que vibrações
sonoras empregar, também é verdade que certas canções, ritmos ou gritos apresentem certas
características acústicas atrativas que quando acessadas em certas situações apresentam o
poder contagioso de espalhar-se pelo espaço, viabilizando a constituição destes diferentes
arranjos sociais nas arquibancadas, como se por encantamento ou passe de mágica. Stefan
Laqué aponta que antes de serem estabelecidas as leis gravitacionais, forças de atração eram
percebidas como mágica: Seja percebidas como construtivas ou destruidoras, a capacidade de atrair e de criar laços era um fascínio único e um desafio para poetas, filósofos e cientistas durante os séculos que viram a emergência de novas ciências com reações que iam do humilde e não questionador medo à confiantes teorias sobre como estas forças poderiam ser manipuladas por mágica (LAQUÉ, 2006, p. 57-58).
Quando discute trabalho etnográfico acerca das formas como Nepaleses percebem o
rádio e o telefone como meio de conexão direta e transparente com seus companheiros que
vivem em Kathmandu, produzindo sonicamente uma comunidade diaspórica imaginária,
Helmreich levanta a hipótese de que a “transdução oferece formas de pensar escalas de
presença” (HELMREICH, 2007, p. 632). A presença é também um termo importante para a
forma como Gumbrecht (2007) percebe o fascínio – que se refere a um olhar fixado que é
atraído – produzido pelas práticas esportivas em seus torcedores. Em seus termos, o ajuste
“de um corpo em um momento específico e em um limite de tempo pré-determindo”
(GUMBRECHT, 2007, p. 129) produz um evento magnífico que atrai e mantém a atenção
dos torcedores, produzindo “um impacto imediato em corpos humanos” (GUMBRECHT,
2010, p. 13). Assim, as técnicas sônicas dos torcedores – levando em conta não só o que já
está estabelecido nas culturas esportivas, mas também como os eventos no campo afetam
seus corpos – são práticas transdutivas que transmutam a presença da partida na presença de
laços entre as pessoas que vão à partida, produzindo um tipo de orquestração da multidão. Na
sua vontade de ver seu time ganhar, “as multidões esperam pelo momento no qual sua
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energia física se conecta à dos jogadores, o que aumenta sua própria energia. Porque naquele
momento a separação entre torcida e jogadores parece desaparecer” (GUMBRECHT, 2007,
p. 152).
Assim, público e jogo constituem-se um ao outro no espetáculo futebolístico a partir do
som. A dinâmica entre balbúrdia e uníssono da torcida presente apresentam um papel similar
ao que Richard Cullen Raith percebe no ruído das igrejas anglicanas do período final do
século XVII em Chesapeake, Estados Unidos: “o som ritual vigoroso do conjunto de
respostas da congregação colocava a comunidade em sua própria relação consigo mesma e
com o céu” (RAITH, 2003, p. 107). Assim como Deus nestes contextos religiosos esperava
sinceridade e afeto de seus seguidores por meio de ruído intenso a fim de garantir-lhes
prosperidade, jogadores de futebol em campo contam com a intensa presença sonora de sua
torcida – lançada como feitiço – a fim de realizar os lances. Neste sentido, as técnicas sônicas
dos torcedores de futebol compõem um conjunto de conhecimento corporificado que cria
uma ambiência – “um espaço tempo qualificado do ponto de vista sensório. [...] um humor
específico expresso na presença material de coisas e corporificado na forma como se é
habitante da cidade” (THIBAULD, 2001, p. 1) – no estádio que viabiliza um acréscimo ou
decréscimo na performance dos atletas. Esta noção de ambiência nos permite compreender “a
forma na qual o som pode modular o humor” (GOODMAN, 2012, p. XIV)
A fim de adquirir estas habilidades, é necessário que os torcedores atinjam uma sintonia
fina com o jogo, na qual sua atenção sincroniza-se com a “aparição de algo que está
aparecendo”, formulando uma percepção estética que “ancora a consciência (que é muito
receptiva a abstrações, antecipações e retrospectivas) através de períodos de um intenso apelo
à presença” (SEEL, 2014, p. 26-27). Para alcançar este estado perceptivo, a torcida deve
desenvolver um tipo especial de atenção corporificada, que é usualmente “não proposital, não
cognitiva, uma orientação e expectativa animalesca voltada ao ambiente físico” (DENORA,
2004, p. 84) e que intimamente conecta suas habilidades de ler visualmente as táticas e
estratégias do jogo, prever lances possíveis dos atletas, escutar as canções, ritmos, gritos e
palavras de ordem emitidos pelo público, e soar de acordo ou contra esta informação
perceptiva. A noção de técnicas auditivas – aquelas relacionadas não só com a operação de
um dispositivo de gravação de som, mas também à seleção daquilo que se pretende gravar e
daquilo que se supõe que deve ser escutado naquilo que é registrado – apresentada por Sterne
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(2003) está conectada à de técnicas sônicas em estádios de futebol: a performance sonora dos
torcedores conecta suas escutas e vibrações no torcer.
Em outro artigo (AUTOR, 2015), discutimos que apesar da agência sonora constituir-se
no cruzamento de todos os parâmetros acústicos de eventos audíveis, cada ação pretendida
por meio do som usualmente evidencia uma de suas características, seja sua intensidade,
freqüência ou espacialidade. Desta maneira, a intensidade é na maioria das vezes acessada
quando uma ação destrutiva é necessária, como o incremento de volume no cantar a fim de
silenciar o canto de torcedores oponentes depois de uma chance adversária de marcar. A
freqüência produz uma sintonia, harmonização ou embarcar que viabiliza a ação coletiva por
meio da fusão de diferentes agentes: o relato sobre a cobrança de falta do início do artigo
seria um exemplo desta possibilidade. A espacialidade é manipulada a fim de constituir
fronteiras no espaço, envolver ou abraçar agentes específicos com afetos específicos. A
Galoucura, a maior torcida organizada do Galo, localiza-se no meio das arquibancadas atrás
de um dos gols, uma posição que lhe garante um ponto privilegiado tanto para xingar o
goleiro adversário, cujas falhas podem ser determinantes para o resultado da partida e para
manter controle estrito das canções entoadas, de maneira a tomar posse do território. Esta
taxonomia do vibrar foi estabelecida a partir das três primeiras categorias na distinção de
Gumbrecht entre as quatro maneiras de se apropriar do mundo: comer, penetrar, misticismo e
sentido. O autor, no entanto, argumenta que “aqueles que são agentes na apropriação do
mundo têm medo de se tornar objetos do mesmo tipo de apropriação” (GUMBRECHT, 2010,
p. 114). Isto é particularmente verdadeiro na prática esportiva, um contexto baseado em
confrontos, onde a ação de cada agente é realizada contra o esforço de outros agentes em
parar o oponente.
6. Ritual e fé: quando os sons mágicos falham
Nos últimos minutos da final da Recopa 2014, a multidão presente no estádio Mineirão
começou a cantar canções de vitória. Os telões mostravam o empate em dois gols, um
resultado favorável ao Galo, que havia ganho a primeira partida contra o Lanus, na Argentina
por 1 a 0. Apesar do time estrangeiro manter a posse de bola e tentar incansavelmente marcar
um gol que levaria a disputa para a prorrogação, os torcedores brasileiros cantavam letras
como “1, 2, 3, essa porra é freguês” e “É campeão”. Tal atitude otimista não condizia com a
situação do jogo, nem com as performances anteriores do Galo durante o ano: ao fim de
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julho, o time que havia enlouquecido sua torcida com um jogo ofensivo e bonito não
demonstrava o mesmo empenho, nem era tão efetivo quanto anteriormente. Além disso, os
argentinos jogavam melhor aquele dia e mostravam sua tradicional raça, já que tinham que
ganhar com uma diferença de no mínimo dois gols para sagrarem-se campeões.
O Lanus tentou por três vezes seguidas marcar; todas elas frustradas por defensores do
Galo, que chutavam a bola o mais distante o possível de seu gol. Alguns torcedores pediam
aos jogadores para marcar mais um gol, o que enterraria as esperanças argentinas naquele
momento. Mas os jogadores brasileiros pareciam mais interessados em manter o placar
empatado do que seguir as recomendações vindas da arquibancada. A multidão em uníssono,
então, começou uma prática sônica que costuma acessar quando o jogo está próximo de
terminar com um final feliz: todas as vezes que o oponente estava com a bola, o público
vaiava seja usando a voz, ou um assovio agudo, gritando alto e alegremente quando o Lanus
perdia uma oportunidade de marcar. Quando Victor, o goleiro do Galo que é chamado de
santo pela torcida, segurou a bola em seus braços, a partida parecia encerrada e todo o estádio
começou a cantar “Vou Festejar”, um samba da década de 1970, famoso na voz de Beth
Carvalho. Esta canção é considerada pela torcida do time um segundo hino e sempre é
acessada em ocasiões importantes, quando parecem caminhar pra um final vitorioso.
Vitor novamente chuta a bola o mais longe que consegue e o Lanus volta para sua
quarta tentativa de ganhar o jogo – agora aos 48 minutos do segundo tempo. Depois de um
longo passe que cruza toda a área do Galo, o jogador argentino Santiago Silva cabeceia para a
defesa parcial do goleiro. No momento e lugar certos, Acosta disputa a bola com um defensor
brasileiro e consegue alcançá-la primeiro a fim de marcar. O horror – entendido como uma
afeto de extrema desolação, provocado pela realização diante dos olhos do sujeitos de um
evento que se acreditava improvável ou impossível – toma conta das arquibancadas. Todo o
estádio para de cantar e o uníssono se torna um silêncio grávido de uma violenta balbúrdia: a
intensidade era então menos do que a de um segundo antes, mas os torcedores mostravam sua
indignação com o evento batendo forte nas cadeiras, chorando, xingando o técnico do Galo
Levir Culpi e a tradição do time de ganhar ou perder partidas importantes em seus últimos
momentos, ou analisando os eventos. A dinâmica de vaias e gritos, com seus sons altos,
agudos e irregulares, acessados pelos torcedores do Galo têm o mesmo efeito das bombas
sônicas, como apontado por Steve Goodman:
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Tanto na adoção do exército americano de táticas de “choque e medo” e ataques previstos no Iraque, quanto o guinchado das bombas que mergulhavam durante as blitzkriegs da Segunda Guerra Mundial, o objetivo era de enfraquecer a moral da população civil por meio da criação de um clima de medo por meio da uma ameaça que era preferivelmente não letal, ainda que possivelmente tão perturbadora quanto um ataque real. (...). Apesar da retórica, estes desdobramentos não necessariamente tentavam deter a ação inimiga, ou repelir um futuro indesejável, mas são tão capazes de tornarem-se provocativos, para aumentar a possibilidade de conflito, para precipitar este futuro. (GOODMAN, 2012, p. XIV)
Cerca de trinta segundos depois do evento desolador, a multidão tenta se recompor,
cantando novamente em uníssono e alto “Eu acredito”, apoiando o time para que jogue
melhor de agora em diante a fim de ganhar o campeonato na prorrogação que estava por vir.
Esta palavra de ordem foi composta por vários torcedores, que combinaram de gritá-la
durante o jogo contra o News Old Boys da Argentina pela semi final da Libertadores de
2013, e emergiram anonimamente nas arquibancadas do Estádio Independência naquela
ocasião depois que um blackout apagou metade dos refletores, interrompendo a partida.
Naquele momento o placar era 1 a 0 para a equipe brasileira que precisava de marcar um gol
a mais para levá-la para a disputa de pênaltis, já que havia perdido na casa do oponente por 2
a 0. O grito contagiou toda a arquibancada e quando as luzes voltaram, Guilherme marcou o
gol que levou a partida para a disputa de pênaltis, enfim vencida pela equipe brasileira.
A palavra de ordem refere-se à dificuldade da tarefa de marcar dois gols em um time
argentino bom, mas também a um evento nas quartas de final do mesmo torneio, contra o
Tihuana, do México, quando Vitor foi canonizado pelos torcedores do Galo, depois de
defender um pênalti no último minuto da partida. Naquele dia, a torcida do Galo previu um
jogo fácil e combinou por meio de redes sociais e da internet de comparecer ao jogo vestindo
máscaras similares àquelas utilizadas pelo assassino da série de filmes Blockbuster “Pânico”.
Este combinado objetivava evocar uma ambiência de terror no estádio onde o Galo não havia
perdido nenhum jogo até o momento, um fato que se cristalizou em outro canto dos
torcedores “Caiu no Horto ta morto” – Horto é o bairro onde o Estádio Independência está
localizado em Belo Horizonte. As intenções se frustraram, apesar disso, já que o jogo não foi
fácil, como os eventos relatados mostram, reforçando a mística de dúvida na conquistas e do
sofrimento dos torcedores até o último minuto ao redor do Galo. “Eu acredito” também
embalou o caminho do time na Copa do Brasil de 2014, quando precisou virar placares
adversos de 2 a 0 duas vezes, contra o Corinthians e Flamengo. Esta palavra de ordem
mostrou mais uma vez sua eficácia contra o Lanus, já que os brasileiros venceram os
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argentinos por 2 a 0 na prorrogação. Assim, a fé – entendida como a crença desmedida na
realização do improvável – vence o horror, seu irmão torto.
Este relato evidencia que certas práticas torcedoras são acessadas em ocasiões especiais
para que o uníssono que pode ajudar o time a alcançar a vitória se articule mais facilmente, o
que pode nos levar a seguir uma tese comum entre pesquisadores brasileiros (DA MATTA,
1982; TOLEDO, 2001, GASTALDO, 2006) de tratar o futebol como um ritual no qual
conceitos abstratos como identidades locais e nacionais se constroem. Esta hipótese apresenta
certo poder explicativo, já que os esportes e as práticas rituais tradicionais compartilham
algumas similaridades, especialmente suas características performativas nas quais sequências
mais ou menos invariantes de elocuções e atos (STEWART e STRATHERN, 2010) – não
inteiramente determinadas pelos performers – são acessadas. A tese pode também ser
sustentada por pesquisas que estabelecem relações entre ritual e mídia (HUGHES-
FREELAND, 1998) ou sobre a continuação de velhas tradições e a invenção de novas no
mundo moderno (LAING e FROST, 2015). Seguindo esta linha de pensamento, poderíamos
interpretar as dinâmicas de vaias e gritos alegres como uma situação de liminalidade
(TURNER, 1969) do Galo, ainda não, mas quase campeão da Recopa. As palavras de ordem
“Eu acredito” e “Caiu no Horto tá Morto” apontariam para a fama da torcida do Galo cantar
apoiando o time não importa o quão difícil ou impossível seja alcançar seus objetivos, o que
torna complicado para o oponente vencê-lo em sua casa.
Mas estas interpretações e seu poder de explicação sociológica e antropológica de laços
mais perenes estabelecidos pelos torcedores, nos diz pouco sobre as dinâmicas sônicas ou as
técnicas sonoras empregadas no estádio. Elas também assumem que a relação preferencial do
torcedor com o esporte se dá via processos identitários, os times tornando-se totens, etc. As
disputas entre torcedores e os trânsitos entre formas de torcer que aparecem constantemente
na arquibancada, e que buscamos privilegiar em nossa pesquisa, vão a segundo plano. Além
disso, o futebol nos tempos contemporâneos não é um campo somente de práticas mágicas e
crenças supersticiosas, nem constitui-se como momento apartado da vida cotidiana, como
uma perspectiva ritualística presumiria. Desde meados da década de 1970 ele tem se tornado
um campo de racionalização física e econômica intenso, a fim de maximizar os lucros e a
performance atlética. Neste contexto, o esporte “simularia, assim, as precondições mesmas da
competição em um mundo burguês-capitalista” (WISNIK, 2008, p. 75) mesmo que uma dose
de práticas místicas e ritualísticas – que algumas vezes escapam ao controle capitalista e que
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em algumas ocasiões são apropriadas por ela, gerando lucro pela comercialização de
ingressos, camisas e vários outros produtos – ainda sobreviva nele.
Seguido estas ambigüidades e contradições do esporte – que evidenciam seu duplo
caráter de magia e racionalidade, de ritual e de mercadoria – gostaríamos de extrair e explorar
a fé e a superstição, a fim de compreender a eficácia das técnicas sonoras torcedoras em
alcançar seus objetivos. Dirk Vanderberke (2006) nos lembra o argumento de Georges Frazer
de que tanto a magia quanto a ciência são baseadas na crença de que existe uma ordem na
natureza que torna possível alcançar certos resultados, desde que os mesmos procedimentos
sejam seguidos, para declarar que a ciência é uma mágica que funciona. Parafraseando esta
idéia, gostaríamos de lançar a hipótese, aplicável ao esporte, de que a mágica sonora somente
funciona quando há fé tanto de seus praticantes quando de seus alvos na efetividade de suas
performances.
O tema da fé, apesar de parecer oposto aos interesses da ciência, foi tratado por alguns
estudos de esporte, já que amuletos, rotinas e outras práticas supersticiosas são comuns entre
atletas, inclusive profissionais bem sucedidos. Grahan Neil também nos lembra que a
complexidade esportiva “garante que todas as variáveis não podem nunca ser colocadas sobre
controle, e que este elemento de acaso oferece esperança aos participantes e aos
espectadores” (NEIL, 1982, p. 101). Superstições variam em suas formas e práticas, mas
usualmente estão relacionadas a uma crença irracional de que objetos, ações, contextos, e
outras coisas não logicamente relacionadas a eventos específicos influenciam no seu curso
(DAMISH ET. AL. 2010, p. 1014) e que a falta destas coisas ou práticas atrapalharia a
performance, tão logo notada (NEIL, 1982, p. 104). Assim, estas crenças atuariam
diretamente na auto confiança dos performers, regulando a tensão psicológica e criando um
sentimento de controle e predictibilidade em ambientes caóticos. Eles nunca se fixam, apesar
disso e podem se transformar ou ser abandonados a partir da prova de sua eficiência.
O que está em questão na performance do Galo, do Lanus e dos torcedores no relato
que abre a seção é uma questão de confiança e fé. O time brasileiro, de um lado, não estava
mostrando a mesma eficiência e beleza em seu jogo naquele momento da temporada – o time
havia perdido o torneio regional para seu maior rival, o Cruzeiro, sido desclassificado antes
das quartas de final da Libertadores e atuava de maneira inconsistente no campeonato
nacional, ocupando a 7a colocação na 9a rodada. Esta situação, junto com a tradição do time
de perder ou ganhar partidas importantes cujo placar parecia definido, traz incerteza quanto
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ao resultado final a seus torcedores. O Lanus jogava com afinco, demonstrando uma forte
vontade de virar uma partida de 180 minutos que eles começaram perdendo por 2 a 0 – além
do gol na Argentina, o Galo marcou outro nos primeiros minutos da partida – e que eles
haviam empatado durante o primeiro tempo. Além disso, o jogo acontecia no Mineirão, uma
grande arena multi-uso que havia sido reformada para a Copa do Mundo – ela também recebe
shows e outros eventos – o que torna sua ambiência mais fria do que aquela encontrada no
Independência, com características de reverberação que fazem a multidão parecer mais
distante e torna mais difícil para que os torcedores alcancem o uníssono.
Todos estes fatores contribuíram para a ineficáncia da dinâmica de vaias e gritos ao fim
do jogo. A reverberação do estádio não impediu que o uníssono alto, disruptivo, mas reticente
da torcida envolvesse todos que estavam presentes na partida naquele dia. Mas a intensidade
do ruído não conseguiu destruir a vontade dos jogadores do Lanus de vencer, e os alegres
gritos dos torcedores do Galo não sintonizaram o time brasileiro em um esforço vindo das
arquibancadas de movê-lo para uma estratégia mais ofensiva. Em sua comparação entre o
som e o vento, Tim Ingold nos lembra que o varrer do som “continuamente esforça-se para
levar os ouvintes para um lugar diferente, fazendo com que eles se rendam aos seus
movimentos. Ele requer um esforço para manter-se no lugar. E este esforço age contra o som,
mais do que se harmonizando a ele. Confinamento local, em resumo, é uma forma de surdez”
(INGOLD, 2007, p. 12). Assim, as técnicas sônicas, apesar de empregadas “corretamente”
não obtiveram sucesso porque encararam praticantes e alvos surdos, incapazes de serem
movidos para posições distantes daquela em que já estavam ou intencionavam-se em ocupar.
Os jogadores do Galo somente se afetaram por seus torcedores alguns minutos depois,
quando todo o estádio começou a cantar sinceramente e alto “Eu acredito”, uma palavra de
ordem que carrega – não só em seu sentido, mas também em sua prosódia (similar à do “É
Campeão”) que reforça cada uma de suas sílabas, e na tonalidade da voz forte e confiante que
constantemente é acessada – a reminiscência da tradição sofredora do Galo na forma de
oração ritual que “desencantava o futuro, ao qual sucumbiam os que interrogavam os
adivinhos. (...) nele cada segundo era a porta estreita pela qual podia entrar o Messias”
(BENJAMIN, 1987:232).
Referências
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