segundo controle - edição zero

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Nº 0 | NOV/DEZ 2012 ESPEN AARSETH O pesquisador norueguês, em entrevista, conta sobre a sua importante contribuição para a área do Game Studies. MULHERES E GAMES Elas estão em todas por toda parte, seja desenvolvendo jogos, escrevendo sobre ou simplesmente jogando Como a pirataria e o livre compartilhamento na rede acabam influenciando o comportamento de toda a indústria de games, desde o camelô até o mais alto desenvolvedor de jogos digitais LIBERDADE NA INTERNET

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Primeira edição da revista online Segundo Controle.

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Nº 0 | NOV/DEZ 2012

ESPEN AARSETHO pesquisador norueguês, em entrevista,conta sobre a sua importante contribuiçãopara a área do Game Studies.

MULHERES E GAMESElas estão em todas por toda parte, seja desenvolvendo jogos, escrevendo sobre ou simplesmente jogando

Como a pirataria e o livre compartilhamento na rede acabam influenciando o comportamento de toda a indústria de games,

desde o camelô até o mais alto desenvolvedor de jogos digitais

LIBERDADE NA INTERNET

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editorial

S eja bem-vindo a primeira edição da revista Segundo Controle que, mais do que

apenas informar, deseja que os leitores reflitam sobre os assuntos ligados aos jogos digitais. Pois sabemos que, desse modo, abre-se um vasto leque de possibilidades que outras publicações do gênero não chegaram a explorar. Para cumprir esse objetivo apostamos em um jornalismo crítico e opinativo que discute os diferentes aspectos do jogo: lúdico, artístico, cultural, mercadológico, etc. Investimos também em pesquisa e apuração por achar essencial o apro-fundamento do conteúdo com fontes e dados relevantes da área. Desse modo, em quase todas as matérias você, caro leitor, observará várias entrevistas, dados e pouco “achismo”.

Ao contrário, teremos é muita opinião de pessoas interessadas em

jogos e que desejam compartilhar dessa paixão com vocês. Afinal, nós também crescemos lendo e colecionan-do revistas de videogames. E também acompanhamos, infelizmente, o declínio das publicações impressas do gênero e o crescimento exponencial dessa cober-tura no âmbito online. Faz sentido, uma vez que a fluidez da internet combina com a interatividade e a agilidade dos videogames. Porém, ao mesmo tempo, vale citar que surgiram várias revistas digitais – e surgem quase que mensal-mente – transformando as já antigas matérias do papel em pixels.

A Segundo Controle aprendeu essa lição, já que para competir com a agili-dade dos sites noticiosos e instantâneos, investiremos em matérias aprofundadas e com a abordagem cultural diferencia-da. A periodicidade da revista também reflete os seus objetivos: será bimensal

pois o conteúdo demora mais para ser devidamente apurado e editado. Outro aspecto importante para nós é o projeto gráfico, queremos que a arte das páginas reflita também nossa preocupação com a estética – um dife-rencial importante da revista quando em comparação com os sites/portais do gênero normalmente estáticos.

Quem acompanhou o processo de produção da Segundo Controle sabe que foi árduo devido a muita pesquisa e alguns tropeços na agenda, mas, com muito esforço, finalmente conseguimos aprontá-la. Então, caro leitor, não se esqueça, é só o primeiro exemplar. Há muitas novas fases ainda pela fren-te! Aguardamos a sua opinião para construirmos uma publicação cada vez melhor. Boa leitura!

Rafael Gloria

Videogame é cultura

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RedaçãoEditor: Rafael GloriaChefe de arte: Guilherme MachadoEditor de arte: Rafael Leite

Colaboraram nessa edição: Ariel Oliveira, Amanda Jacobus, Conrado Barreto, Felipe Neves, Letícia Perani e Gregory Gaboardi.

Revisão de texto: Guilherme Machado, Rafael Gloria e Rafael Leite

Marketing: Guilherme Machado

Internet: Guilherme Machado e Rafael Gloria

Jornalista Responsável: Rafael Gloria - MTB 16.565

Contato: [email protected]

“A Segundo Controle é uma revista digital gratuita. A sua comercialização éproibida.”

SUMÁRIOSTART

ENTREVISTAINTERNACIONAL

CLÁSSICO DOS GAMES

CAPA

ENTREVISTA NACIONAL

Legend of Zelda e a triforce que sustenta todo o mito I 8

Pedro Paiva e a crítica à produção gamer I 12

Pirataria e a liberdade de compartilhamentos na internet são questões importantes para o comércio de games I 22

Notícias, entrevistas, e tudo o mais I 6

O famoso pesquisador Espeen Aarseth fala sobre o panorama de sua pesquisa em jogos digitais I 16

MULHERES NO CONTROLE

Gênero feminino cada vez mais presente I 19

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JOURNEYDESENVOLVEDORES

ARTIGOOPINIÃO VAI JOGAR

CRÍTICAMETAL GEAR SOLID

Saiba mais sobre a recente história do estúdio Swordtales e o seu promissor jogo chamado Toren I 26

Felipe Neves questiona se realmente há uma cultura própria dos videogames I 40

Saiba como funciona o nosso sistema de análise e depois noscritique à vontade I 29

O bom e velho Snake nunca sai de moda I 30

Nossos colunistas falam sobre música e RPG I 38

Na nossa última seção, nossos entrevistados e fontes dão indicação de games I 45

Um dos jogos com um dos multiplayers mais originais que já jogamos I 34

ALÉM DOS GAMES

Scott Pilgrim traduz muito bem toda a mis-tureba que é a cultura pop atualmente I 42

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start

A ideia de criar a Associação surgiu em março durante uma reunião informal que Marsal Al-

ves Branco, professor de jogos digitais da Feevale e empresário do ramo, organiza há alguns meses com parceiros da área. “Eu tinha acabado de ser chamado pelo governo para essa missão no Reino Unido, Doing Bussiness with Brasil, e eu comentei com eles que só toparia ir se fosse repre-sentando os interesses deles também. Foi como se só faltasse alguém falar de tão certo que pareceu”, revela. O mercado ainda isola os desenvolvedores e, de uma maneira geral, não está organizado o suficiente.

Em sistema de apoio mútuo, o objetivo é que os associados troquem informações. “O Brasil está com o mercado em ex-pansão principalmente na área mobile. E, apesar disso, cada um tem que descobrir o caminho das pedras, reinventar a roda 18 vezes na hora de produzir e distribuir o jogo porque não existe uma conversa”, explica. Assim, os desenvolvedores mais veteranos poderão passar informações para os novatos e, dessa forma, o merca-do se movimentará melhor, gerando mais dinheiro “A gente ainda tem muito o que crescer e talvez falte anos para chegar

em um ponto em que vou considerar o cara do meu lado um competidor. Se a gente for pensar assim, simplesmente não tem como evoluir”, acredita Marsal.

Nos últimos tempos a maturidade dos desenvolvedores e das universida-des que trabalham com faculdades de games cresceu. Soma-se a isso a criação da Associação Comercial, Industrial e Cultural de Games (Acigames), que foi criada com a finalidade de representar e regulamentar a indústria e comércio dos jogos eletrônicos, e se consegue imaginar um cenário que chamasse a atenção do governo. Tanto que a própria Acigames já tem um diálogo com o governo a nível federal bem forte. Marsal, por sua vez, conta que alguns profissionais de games do estado foram chamados para uma maior interlocução com o governo estadual, visando uma conversa sobre in-vestimentos na área da economia criativa, na qual o videogame é localizado. Esse também foi um dos motivos da criação da Associação. Para Marsal, é preciso explicar a diferente lógica de investimento nos games. “Não dá para dar garantia que o jogo vai dar certo. O que se pode é fazer um número x de projeto e apostar que alguns deles darão certo. Só que

esses poucos vão rentabillizar a minha empresa para o negócio e, ao mesmo tempo, pavimentar um caminho para o futuro. Então, essa lógica é diferente. Nos-so papel também é pressionar o para eles nos escutarem e perceberem como funciona o negócio”, explica.

A primeira Associação de Desenvol-vedores do Rio Grande do Sul ainda não está oficializada, mas é só questão de tempo. “Organizamos a estrutura, missão, objetivos e já indicamos nomes, alguns já confirmados e outros a confirmar. Juridica-mente ainda não estamos estabelecidos”, completa Marsal. Mais informações é só entrar em contato com o próprio Marsal Alves pelo e-mail [email protected].

O Edital

Em agosto, a Secretaria da Ciência, Inovação e Tecnologia do RS lançou um edital inédito para o setor da indústria criativa, no valor de R$ 1,2 milhões. Desti-nado a contemplar projetos que propo-nham a geração e/ou aperfeiçoamento de tecnologia nos setores de Audiovisual, Novas Mídias, incluindo games, e Design, a expectativa é que o edital contribua para o desenvolvimento do setor.

RS terá associação de desenvolvedoresOrganizar o setor e melhorar a comunicação entre os profissionais dos games e o governo são alguns dos objetivos

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Um evento de games que viaja

Tiago Faccio, sócio-fundador da Woodoo Oficina Web e organiza-dor do GoGame, fala sobre sua experiência na área

Em julho de 2010, Porto Alegre sediou o evento GoGame, no BarraShopping, que

ajudou a discutir a história dos jogos digitais. Além de expor videogames e deixar o público jogar, ainda contava com palestras de vários profissionais da área. Ano passado, o evento aconteceu em Belo Hori-zonte em uma versão menor, mas com a mesma proposta. Sabe-se que infelizmente não há muitos even-tos desse segmento em Porto Alegre. A maior feira que se tem no país é a Brasil Game Show, que na sua edição de 2011, no Rio de Janeiro, reuniu cerca de 60 mil pessoas em quatro dias.

O GoGamer que ocorreu em Porto Alegre conseguiu receber em torno de 20 mil pessoas no período de um mês, um número considerável para uma iniciativa pioneira no Estado.

Tiago compara o público gamer a o outro público específico, os amantes da literatura: “É a mesma história do sarau, todo mundo lê, mas quem realmente vai em um sarau? Penso mais ou menos assim: todo mundo curte videogames, mas ir a um evento de games, se tu não trabalha na área, se tu não é um grande fã, ou não é um saudosista (porque a gente fez um negócio para puxar todo mundo), é outra coisa.”. É uma boa comparação, mas os videogames tem a seu favor as crianças, grandes entusiastas das novidades tecnológicas e responsá-veis por lotarem o GoGamer em Porto Alegre. E uma vez que o even-to se passou dentro de um shopping nada mais natural que enquanto boa parte dos pais passeava no centro comercial, elas passeassem pela exposição interativa, ajudando a aumentar a visitação.

Na parte financeira, o investi-mento para um evento desse porte tende a ser elevado. Há muito con-trole, tarifas, impostos e como tudo precisa estar dentro da lei, há uma pesada taxa tributária também. “ É muito mais cômodo, para ser sincero, ficar sentado jogando videogame aqui na agência. Fazemos porque é muito bom para a marca e por acreditar nisso. Os investidores tem

•O SBGames, evento que reúne exposição de jogos, palestras inter-nacionais e sessões para apresen-tação de artigos, vai acontecer em Porto Alegre em 2014. A PUCRS será a sede das atividades em 2014, mas uma coalizão das forças do Estado vai ajudar no evento.Professores da UFRGS, Unisinos, Fe-evale, Furg e UFSM também estão escalados nas principais trilhas de atividades.

• A fase final do concurso da Square Enix para descobrir novos talentos no desenvolvimento de jogos começou. A votação vai até o dia 30 de novembro. São oito jogos, todos gratuitos, que exploram as plataformas móveis e sistemas iOS e Android. Os resultados serão divulgados no dia 30 de novembro, e o vencedor leva US$ 20 mil.

Bonus:

o mesmo conceito, se não eles não injetariam dinheiro”. Para finalizar, ainda não há nada definido para esse ano, mas há algumas praças em nego-ciação. Para Tiago não importa onde possa vir a ser, “pode ser Campinas, Brasília, onde for, só sei que a gente tem que colocar todas as coisas em um caminhão e ir fazer funcionar”.

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SANTATRÍNDADEFalar de Zelda é falar da condição de existência em um mundo criado por deusas e de uma lenda que tende a se repetir através de diferentes eras e gerações

S erá que Miyamoto quando começou a elabo-rar a história da série Legend of Zelda tinha consciência do complexo universo que estava

criando? Um tipo de epopéia que pode ser comparada ao que Tolkien realizou com a trilogia Senhor dos Anéis e a que George Lucas constituiu (e também, infelizmente, alterou várias vezes) com Star Wars. Por que não? Assim como essas outras séries, Legend of Zelda discorre sobre grandes questões e é composta por personagens com nobres motivações, como a de resgatar a ordem do seu tempo e a de encontrar o papel a que está destinado. Junto a esses temas, e a uma narrativa que sabe lidar bem com eles, também somos convidados a complementar o espírito do jovem Link – por isso a grande variedade de aventura e ação. E esse é só um dos três arcos do triângulo equilátero que constitui a série. Para mim, os jogadores deveriam parar de tentar encontrar a Triforce (embora você possa fazer isso em Skyward Sword ou em A Link to The Past), o artefato mais sagrado de Hyrule, e começar a tentar entendê--la, porque é isso que faz da série algo tão especial.

A Triforce, além de conter e despertar a coragem, o poder e a sabedoria, também é motivo de muita cobiça pelos protagonistas. Comecemos por Link, o herói que ainda não sabe que é o herói. Predestinado, na maioria do início dos jogos acompanhamos e o controlamos logo após ele despertar de um longo sono (por isso há tantas referências de dorminhoco, etc), apenas assim a aventura começa. É uma boa metáfora para o também começo do jogador e do herói em uma jornada. O que Link tem é, talvez, a qualidade mais pura e a mais com-

plicada da triforce: a coragem que o faz seguir adiante, enfrentar todos os oponentes e descobrir os mistérios da trama. Na outra ponta, temos o personagem de Ganandorf, antagonista da série , com uma qualidade que roubou da triforce. Conta a lenda que quando alguém com coração impuro toca o sagrado artefato os seus peda-ços se dispersam, ficando com tal pessoa apenas a que representa a força em que ela mais acredita. E, no caso de Ganandorf, sua maior crença é o poder. Já Zelda, personagem que dá nome a lenda, e que parece estar sempre pronta para dar a vida pelo bem estar do seu reinado e de seus súditos (então,aquela que mais zela pelo mundo da série), merece a alcunha de a mais sábia.

Três personagens em um ciclo que tende a se repetir por eras, por encarnações, por números de jogos. Mais do que isso: três personagens que precisam um do outro para existir. O herói escolhi-do precisa salvar o mundo, aquela que o zela precisa protegê-lo do mal encarnado que, por sua vez, deseja dominar esse universo. E quem decidiu que iria ser assim? As deusas jogando dados com os reles mortais, obviamente. Mas o importante aqui não é a reflexão sobre as divindades, mas notar que os motivos e as razões (totalmente altru-ístas, ou totalmente egoístas) que movem essa verdadei-ra trindade são, antes de tudo, muito humanas. E, talvez seja por esse motivo que Legend of Zelda tenha completado um quarto de século com aclamação de púbico e da crítica.Sé

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SANTAConversamos com Danilo Passos o fundador de um dos primeiros sites no Brasil especializados em Zelda. No mundo virtual, ele é mais conhecido

pela alcunha de Ninja. Atualmente o seu site está passando por uma refor-mulação, e Danilo agora com 27 anos, apesar de reclamar por não ter tempo

suficiente para se dedicar o quanto gostaria ao site, mantém a mesma paixão pela série desde criança.

Como conheceu a série Zelda? O que mais lhe chama a atenção nela?Em uma visita aos meu primos, joguei o Zelda 1 de NES e aquele mundo aberto com aquela fita dourada me fisgaram. O desafio de encontrar tudo,

o mapa que acompanhava o jogo e a falta de dicas (seja ela em revistas ou de amigos) me deixavam horas a fio jogando e marcando tudo nos mapinhas desenhados a mão. Esse senso de descoberta e tomar notas era algo sem igual até então.

Isso me marcou tanto que, uma das novidades do site será justamente a

ver com mapas, e os primeiros mapas serão do Zelda 1.

Quando criou o site www.zelda.com.br? O que o motivou?A criação do site zelda.com.br foi em 2003, mas o embrião foi muito antes, no Zelda Na Veia, em meados de 2000, 2001. O que me motivou, na época, era

a falta de sites especializados no Brasil sobre Zelda. E os que existiam possuíam muito conteúdo não-original e/ou reci-clado. Isso, aliado a eu estar escolhendo um curso na faculdade/universidade na época, me motivou a tentar computação e aprender de forma independente. E, felizmente, o site estourou.

Quais são as novidades para o site do Zelda?Bom, além de um visual novo para o fórum (que já está no ar há algum tem-po), teremos um novo visual para o site, melhor e mais profissional. Também que-remos que todas as seções do site sejam integradas com um único login do fórum, facilitando a vida do pessoal, unificando todos os sistemas que tínhamos. Teremos atualizações constante sobre cada jogo, começando do Zelda 1 até o Skyward Sword, sempre trazendo textos originais, além de imagens e vídeos exclusivos, seja de placa de captura, seja de rom hacking.Por fim, a nossa grande surpresa será um sistema de mapas interativo, onde as pessoas poderão navegar pelos diferentes jogos como navegamos hoje no googlemaps e similares. Esse sistema será totalmente aberto aos usuários, que poderão adicionar dicas, compartilhar locais únicos que eles encontrarem, etc. Estamos esperançosos que esse sistema de mapas será um grande sucesso perante a comunidade, podendo se expandir a outros jogos não-zelda.

Zelda na rede

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Arriscamos e resolvemos escolher cinco momentos marcantes na história da série Legend of Zelda (sim, você não vai concordar, provavelmente). Então, mande o seu momento para nós, queremos saber!

TOP5

O mundo se transforma

A Link to the Past é um jogo épico em muitos sentidos. Vendeu mais de 4 millhões na época fazendo sucesso e ajudando a posicionar a liderança da Nintendo no mer-cado. O enredo grandioso surpreendeu na época, porém o que ficou na memória dos jogadores foi a transição entre os mundos, da Golden Land para o Dark World. O que foi utilizado em praticamente todos os jogos posteriores da série.

Ganon se explica

Muitos criticaram a opção da escolha dos gráficos cartunescos ao invés de um visual mais rea-lista. A verdade é que Link nunca teve tanta expressão como aqui. Quando o game foi lançado, o pessoal se rendeu ao belo visual e a sólida aventura do jogo. E o melhor momento dele é o seu final em uma batalha simplesmen-te épica com grandes diálogos, principalmente da parte de Ga-nandorf. Ele nunca tinha explicado tanto sobre suas motivações.

Hyrule é vasta

Jogo canônico dentro da série, Ocarina of Time tem excelentes momentos, mas o mais marcante é quando Link chega em Hyrule pela primeira vez. Descobrimos que o mundo é maior que o nosso vilarejo, deslumbrando a vasta geografia de uma Hyrule pela primeira vez ambientada em 3D.

A lenda começa

Há esse momento muito simbólico e também, de certo modo, fundador da lenda de toda série em Skyward Sword que ocorre após Link passar por várias dungeons e finalmente alcançar Zelda. Descobrimos que ela, na verdade, é a encarnação da deusa da sabedoria, a Hylia. Aos poucos, vários segredos vão se revelando uma vez que a memória da deusa é recuperada em uma cena singela e emocionante.

Link enfrenta o seu lado escuro

Zelda II: The Adventura of Link, espécie de jogo renegado da série, é diferente do primeiro Zelda, em que a tela é vista de cima, nessa segunda aventura o jogo assume uma visão lateral, conhecida como side scroolling. Ninguém esperava ter uma batalha final contra a própria sombra de Link. A luta é muito difícil e definiu uma série de conceitos que seriam explorados mais tarde em outros jogos da série.

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PEDRO PAIVAEntrevista

Questionar para desenvolverCom um visão crítica so-bre a indústria e o modo de produção dos video-games, o desenvolvedor Pedro Paiva nos conta a sua experiência na área

Por Guilherme Machado e Rafael Gloria

E le não tem formação na área de videogames, mas, mesmo assim, faz jogos. Trata-se de um auto-

didata: aprendeu na prática e na troca de experiência com outros interessados. Quem conhece a sua produção (pode encontrá-la no Blog Arcaica) percebe um estilo de design simples, mas anar-quicamente eficiente. E que chamam a atenção. Por exemplo, seu jogo “Mel Gibson The Hedgehog Se Veste De Negro” foi objeto central de análise de um artigo do site da conceituada revista britânica Edge. Conhecemos o trabalho de Pedro Paiva a partir de leituras do seu Blog Esses Games Violentos, onde, como ele mesmo afirma, procura tratar os videogames tal qual uma manifesta-ção cultural. Talvez esse seu ponto de vista vá ao encontro da sua formação, atualmente ele estuda Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (mesmo afirman-do que não acredita no conceito de arte).

Sempre gostou de videoga-mes?

Desde piá eu brincava muito de inven-tar jogos, desenhando, fazendo umas mockups com lápis. Aí conforme eu fui crescendo, lá pela minha adolescência, descobri os montadores de fóruns, tuto-riais, esse tipo de coisa. . Daí chega um momento em que se enjoa de brincar e se quer fazer jogo mesmo. Lá pelos 17 anos, eu desisti dessa coisa de equipe e fui me “virando” sozinho. Agora eu pro-gramo com montadores e faço a parte sonora também, não que eu tenha um conhecimento musical, pelo contrário, é muito na intuição. Essa parte da programação é para quebrar o galho. Tem algumas coisas que são grosseiras nos meus jogos, inclusive, teve a série do VHS, que eu faço jogos bugados de propósito. Tem todo um visual de bug, como eles tivessem dando efeito, mas eles são jogáveis. Desde quando você faz os pró-prios jogos? Terminando os jogos e fazendo tudo, é desde 2011, quando acabei “Moedas”. Daí depois veio o “Caça Bobo”. Já fiz também o “Oniken” – na verdade é de outro desenvolvedor, o Danilo Dias, mas eu ajudei em bastante coisa –, tem a série do VHS, que têm cinco jogos, o “Cernuro”, “Cernuro II”, “Odeio Carros” e “Carrocracia”, entre outros. No instituto de Artes, você

costuma trabalhar ou pesquisar jogos?Não, videogame não é arte, né? Inclusive, eu tenho uma posição que é bastante difícil lá dentro visto que eu não acredito em arte, assumidamente. Já cheguei em aulas teóricas e disse isso para a professora e para a turma. A arte limita, não acredito que ela seja libertadora, isso é um mito. Como você vê o cenário dos de-

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senvolvedores atualmente, acha que tem espaço para os que querem fazer algo autoral?Um jogo autoral sempre é possível, mas é aquela coisa: agora ele está se cons-tituindo como um nicho. Existe um nicho de mercado por um jogo independen-te, indie...Então tem esse fetiche que está surgindo. Por um lado é bom, mas pode ser perigoso porque às vezes acaba se limitando muito. E tem isso do jogo independente poder ser “corporati-zado”. Isso, entretanto, não representa uma coisa negativa, pois, na verdade, sempre foi assim. O videogame sempre foi uma peça corporativa, só que antes

Não, videogame não é arte, né? Inclusive, eu tenho uma posição que é bastante difícil lá dentro visto que eu não acredito em arte, assumidamente. Já cheguei em aulas teóricas e disse isso para a professora e para a turma. A arte limita, não acredito que ela seja libertadora, isso é um mito.

dades das crianças. Na produção dos gráficos, é tudo feito com desenho, já os sons também foram todos feitos com a voz dos alunos, nesse caso, utilizamos o computador para gravar, mas não é um som sintético. Busquei entender a arte como uma manualidade uma necessidade para o projeto, além de uma especificidade da área de artes na escola.. Acabamos fazendo uma coletânea de jogos curtíssimos, uma coisa meio “Wario Ware”, só que sepa-rada em dois lados: o Lado A e o Lado B. No Lado A ficaram todos aqueles jogos que conseguiram obedecer a proposta inicial do “Gamewatch”, que foi o nosso ponto de partida – os jogos eles não têm uma movimentação física programada, mas tem uma ilusão de movimentação pelo pisca pisca dos spri-tes. E no Lado B, os jogos que a gente foi percebendo, ao decorrer da oficina, que ficariam melhores de outro jeito. Esse projeto foi realizado no segundo semestre de 2011.

anestesia

a escala era muito menor. Em uma escala mais reduzida, tinha estúdios de desenvolvimento que eram realmente pequenos. Por exemplo, o cara que fez o “Prince of Pérsia” e o “Karateka”, ele que fez sozinho os jogos, então procurava uma distribuidora, e aconte-cia de ela ser a única responsável pela distribuição. Ainda não havia Internet para o próprio autor divulgar e distri-buir o jogo. Exista uma necessidade de “corporatizar” o jogo. Agora, isso não é mais uma necessidade, mas, ao mesmo tempo, foi tão natural que agora se fala de videogames e se pensa nas grandes marcas. Você acha que os jogos inde-pendentes conseguem ser uma alternativa em um mercado dominado pelas grandes empre-sas?Do tipo comprar um jogo indie ao invés do novo Mario? Acho que as coisas se misturam um pouco, principalmente quando se tem uma plataforma de jogos online. Vai ter ali os jogos inde-pendentes, como jogos da indústria já consagrada. A opção vai ser sempre de quem compra. Eu por exemplo opto por não comprar jogos das corpora-ções. Eu também não compro jogos independentes, eu sempre jogos os gratuitos (risos). E como foi o trabalho que tu de-senvolveu no Colégio Aplicação com as crianças?O meu foco educacional naquele projeto foi evitar ao máximo o uso do computador. Fazer um jogo, mas procurando usar o corpo e as habili-

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Queria que comentasse mais sobre esse teu pensamento críti-co sobre a indústria de games e que vai ao encontro do Manifesto Scratchware (Manifesto crítico a indústria de jogos feito por cria-dores de jogos anônimos ).A indústria vai colocar no mercado um produto com a intenção de se tornar obsoleto. Então, é algo do tipo “ah, vamos fazer um videogame agora que vai ter isso, isso e isso”, só que daqui a

pouquinho haverá um novo videogame igual ao anterior só que com uma novi-dade – sendo que isso poderia ser inclu-ído, poderia ser adaptado no console. Toda máquina ela pode ser adaptada, mas por que isso não é adotado pela indústria dos videogames? Porque ela quer gerar, quer lucrar, então tem que ter uma renovação por aí. Nos anos

oitenta acho que era a melhor época nesse sentido, porque eles não tinham referência de videogame, então a liberdade era muita. Ao mesmo tempo, agora, nós temos todas essas referên-cias e a nossa liberdade também é muita, só que a gente cai naquela coisa do fetiche e do jogo megalomaníaco, de querer fazer um jogo muito incrí-vel, que 500 pessoas fizeram em um grande estúdio. Então, por isso acredito os anos 80 são bons porque são jogos que poucas pessoas poderiam fazer. Na cena de computadores tinha muito

disso, no Commodore, o começo do PC, DOS, tinha muita gente que fazia os jogos de uma forma caseira e depois procurava as distribuidoras.

Você acredita que os videoga-mes podem ser uma plataforma para explorar o pensamento

crítico?Claro, eu mesmo tenho alguns jogos mais críticos. A partir do “Carrocracia” eu comecei a ter mais essa tendência. Bom, ele é uma referência clara ao “Frogger”, então se tem uma rua para atravessar e tem uma moça esperando do outro lado. Só que tu não consegue atravessar, porque tem muito carro. É esse o jogo.

Mas é impossível chegar do outro lado?Aí só jogando para saber, se não é

spoiler (risos). Inclusive, é engraçado porque até então essa minha inserção de crítica nos jogos, a Arcaica (Blog onde ele disponibiliza seus jogos) era di-vidida entre mim e um amigo, só que ele preferiu não seguir essa linha e daí foi cada um para um lado. Ele acreditava que os jogos devem funcionar como um

A gente não tem mais espaço de convívio para jogadores, para quem gosta de videogame. Mes-mo que o jogo seja de apenas um player, se tu estiveres com outra pessoa te acompanhando, o jogo se transforma em outra coisa.

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atira

mario Empalado

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escapismo, mais pela diversão, sem mui-to compromisso. E eu não vejo nenhum problema nisso, eu gosto de fazer isso também. Há espaço para todos os tipos. Entre os desenvolvedores, quais tu admira e qual é a característica mais marcante deles para ti?Para mim, a liberdade que os de-senvolvedores têm com o próprio trabalho é importante. Os meus xodós são a Anna Anthropy e o Loco malito da Espanha. Ele faz uns jogos retrós, entre oito e dezesseis bits e tem uma visão muito bacana sobre videogames. Não é saudosismo, mas sim de buscar alguma coisa da tradição do videogame que já não é corrente, e resgatar isso para transformar o videogame, como uma manifestação cultural. Ele fala do fliperama também, que ele deve ser resgatado, e eu também acredito nis-so. A gente não tem mais espaço de convívio para jogadores, para quem gosta de videogame. Mesmo que o jogo seja de apenas um player, se tu estiveres com outra pessoa te acompanhando, o jogo se transforma em outra coisa. Esse lance do reveza-mento, de assistir ao jogo também é uma participação. Então, essa coisa do fliperama, de tu jogar socialmente tem que ser renovado. Então, você enxerga os videoga-mes dentro da cultura, correto?Os videogames são culturais, a cultura é tudo aquilo que a sociedade produz. Mas não acredita em arte?Não.

E aquele debate de que videoga-mes possam ser considerados arte... Eu acredito que eles não devem ser considerados arte, pois devem se bastar como videogame. O que se tem que fazer é se trabalhar uma cultura do videogame para que, assim, ele seja trabalhado como uma expressão, como uma manifestação cultural. Ele não pre-cisa ser elevado ao status de arte para ser respeitado, ele tem que ser respei-tado pelo que ele é, e não por uma associação. Um caminho para isso é a liberdade em desenvolver o jogo. Não querer fazer um jogo com o objetivo de ser reconhecido como arte, acho que isso também é importante. Pode-se fazer um jogo filosófico, ou um jogo poético, reflexivo, pode-se fazer jogos com sutile-zas, desde que ele seja produzido com essa intenção, e não com o intuito de ser compreendido como arte. Porque, quando se faz isso, quando se autointi-tula um jogo de arte, se está diminuindo •No “Esses Games Violentos” ele

escreve textos sobre videogames, abordando-o como uma manifestação cultural.

•No Blog da Arcaica ele disponibiliza os seus jogos, além de alguns textos também.

conheca os blogs do pEDRo paiva

odeio carros

carrocracia

todos os outros tipos de jogos.

O que mais lhe atrai nos vide-ogames? Por que você joga e desenvolve games? Eu acho que o que mais me atrai é a estética, o visual dos videogames e isso também é responsável por eu preferir os jogos mais antigos, que tem aquela coisa mais marcada dos oito bits, dos sprites quadriculados e do 3D simplista. Outra coisa que me interessa muito é a narrativa dos jogos, que te dá outra possibilidade. Ela é totalmente diferente do cinema, mas também é diferente de uma narrativa de um jogo de tabuleiro, do xadrez – embora no xadrez também há uma narrativa. Um jogo que trabalha de um jeito muito bacana com narra-tiva que eu recomendo é o “Another World”, um jogo do Eric Chahi.

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Espen AarsethEntrevista

Os estudiososde games agradecemConversamos com pesquisador norue-guês Espen Aarseth sobre o panorama da sua atual pesquisa em jogos digitais

Por Guilherme Machado e Rafael Gloria

Em março, durante o V Game-pad, seminário organizado pela Universidade Feevale que

tem como objetivo reunir acadêmicos, pesquisadores e desenvolvedores de Games, conseguimos entrevistar um dos mais respeitados pesquisadores da área de jogos digitais, o norueguês Espen Aarseth. Ele foi convidado para dar uma palestra intitulada “The Good, the bad and the Ludic”, pelo qual foi muito elogiado. Principal pesquisador do Centro de Pesquisa em Jogos de Computador do departamento de Tec-nologia da Informação da Universidade de Copenhagen, instituição de onde também é professor, Aarseth, em nosso bate-papo, mostra que, além de ser um notável pesquisador, também é uma pessoa muito bem-humorada.Muita coisa mudou desde que você começou seus estudos no

campo da literatura eletrônica. Como você avalia a evolução da narrativa nos jogos de atual-mente, que apresentam histórias extremamente elaboradas?Eu estudo Narratologia e sempre tra-balhei em como você pode usá-la para estudar games. De como eles são dife-rentes de histórias. É uma questão muito complexa. Eu tenho uma teoria, escrevi um artigo que será publicado logo. A questão é: não há um modo de combi-nar games e história. Há vários modos. O que nós chamamos de games não são realmente games, são softawares programados a partir de indicações numéricas, mas que contém também histórias. Um game é um softaware que pode basicamente emular qualquer mídia, mas não quer dizer que games e histórias são uma mesma coisa – o que acontece é que eles vem juntos. Então, eu acho que o problema é que a maioria das pessoas acha que só há um modo de combinar games e histó-

rias, mas há vários modos. Por exemplo, se você fizer um jogo de mundo linear haverá uma certa possibilidade a explo-rar. Agora, se fizer um jogo de mundo aberto você tem que estar apto de usar outras técnicas para contar mais de uma história. Acredito que o crucial nisso também está em como se constrói e se desenvolve os personagens. Por exemplo, se você observar o “Heavy Rain”, pode-se dizer que não é bem um jogo, mas utiliza as tecnologias de um jogo para contar uma história. Quer dizer, eu não me sinto realmente jogan-do ou me “divertindo” em Heavy Rain. Você controla o personagem pratica-mente por movimentos já premeditados, é preciso apertar o botão no momento certo, semelhante a um “Guitar Hero”. Então você, na verdade, é jogado pelo jogo. Sobre sua atual pesquisa, você poderia falar em que estágio ela está agora? E qual a importância

Foto: Daiana Vieira Lopes

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para o campo criar uma ontolo-gia para os games?Acho que nós precisamos chegar a um acordo do que é os games. Se nós não tivermos isso, se não tivermos a noção de todas as coisas que os ga-mes possam ser, não vamos chegar a lugar algum. Desse modo, dá-se abertura para as pessoas compara-rem duas coisas incomparáveis para provar que os games são violentos, por exemplo. Assim, uma ontologia de jogos não pode começar com uma definição nítida e formal do que um jogo é, mas deve aceitar que significa coisas diferentes para pessoas dife-rentes.Então, a ontologia dos games é necessária para organizar todas as estruturas ligadas ao game, por exemplo como os jogos desenvolvem suas estruturas, seus subgêneros. Há muitas definições para videogames, desde Huzinga a vários autores contemporâne-os. Qual é a sua definição de games?Em primeiro lugar, concordo com Witt-genstein que escreveu que não é pos-sível chegar a uma definição formal de game que vai ser suficientemente ampla para todos os fenômenos que chamamos de games. Entretanto, eu tenho uma definição que é, de propósito, muito ampla: "Os games são facilitadores que mexem estruturalmente com o comportamento, princi-palmente para a diversão”. Esta definição também inclui atividades tais como a tocar música, e por que não?

Eu tenho uma teoria, escrevi um artigo que será publicado logo. A questão é: não há um modo de combinar games e história. Há vários modos. O que nós chamamos de ga-mes não são realmente games, são softawares programados a partir de indicações numéri-cas, mas que contém também histórias. Um game é um softaware que pode basicamente emular qualquer mídia, mas não quer dizer que games e histórias são uma mesma coisa – o que acontece é que eles vem juntos.

Aqui no Brasil, videogames recentemente passaram a ser reconhecidos como uma forma de manifestação cultural pelo governo. Você acha que isso trará mudanças para o futuro dos videogames? Este é um processo lento, que começou décadas atrás e continuará durante algum tempo. Eventualmente, não será um problema ver jogos como um trabalho artístico, junto com filmes, lite-ratura e pintura. Mas isso não é tudo que eles são, e, talvez, a maioria dos jogos não devem ser vistos como obras de arte, mas simplesmente como jogos. O que você acha que faz os videogames diferente de outras mídias, como o cinema ou os quadrinhos?Eu escrevi um livro inteiro sobre isso, chamado Cibertexto (1997). Basica-mente, a diferença é que o game te força a tomar decisões a fim de experi-mentar o trabalho, e livros e filmes não. Se você não tem que tomar alguma decisão, provavelmente não é um jogo. Mas há, naturalmente, muitos outros sistemas que também fazem isso, sem ser um jogo. Para finalizar, o que você anda jogando atualmente?Estou tentando terminar Skyrim, que eu comecei antes do Natal. Eu também estava me divertindo com o jogo uruguaio "Kingdom Rush". Mas se você quer ter tempo para jogos, não se torne um pesquisador de games!

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Letícia Perani é mestre em comunicação pela Uerj, e pesquisado-ra associada ao Laboratório de Comunicação, Entretenimento e Cognição (CiberCog) da Uerj.

Se hoje observamos o estabelecimento dos game studies como um campo do conhecimento, recebendo a aten-ção de cientistas de todo o mundo, muito disso se deve

ao trabalho de Espen Aarseth. O professor norueguês é um dos pioneiros no estudo de jogos eletrônicos, e ajudou a estabelecer várias das tendências atuais na pesquisa e ensino sobre estes meios de comunicação.

Logo após terminar seu doutorado em literatura comparada na Universidade de Bergen, Aarseth lançou Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature (1997), livro que cunhou o termo cibertexto (cybertext) para definir a organização dos elementos textuais de uma atividade interativa (jogos, leitura na Internet ou outros tipos de narrativas computacionais) de forma a exigir a atenção e exploração ativa por parte do jogador/leitor. Estas explorações em cibertextos podem ser realizadas a partir do uso de dispositivos como mouses, touchpads e joysticks para a navegação, mas também se referem aos esforços cognitivos que fazemos para compreender, efetuar conexões entre conteúdos e usufruir as lógicas apresenta-das nestes produtos. As obras literárias que surgiram a partir do uso dos meios digitais para sua produção e consumo ganharam do pesquisador norueguês o nome de literatura ergódica (ergodic literature) para defini-las e diferenciá-las das formas

textuais convencionais, que exigiriam esforços “triviais” por parte de seus leitores, enquanto os cibertextos demandariam este tipo de esforços “não-triviais”.

Desde o começo dos anos 2000, já como líder do Centro de Pesquisas em Jogos Eletrônicos da IT University of Copenha-gen [http:// http://game.itu.dk], Espen Aarseth voltou sua atenção à ontologia dos games, o estudo das características e pecu-liaridades dos jogos eletrônicos, concentrando seus trabalhos na constituição de uma área do saber específica para estes produtos de entretenimento digital. Ao escrever um editorial do primeiro número de Game Studies [http://www.gamestudies.org], revista científica pioneira dedicada aos games, Aarseth definiu o ano de 2001 como o “marco zero” destes estudos, já que esta revista, o primeiro congresso científico internacional da área e as primeiras disciplinas sobre jogos eletrônicos em cursos de graduação surgiram exatamente neste período. Para o pesqui-sador, os games merecem um campo próprio porque contêm estudos relacionados a diferentes áreas do saber, como Design, Psicologia e Literatura, mas ao mesmo tempo, não podem ser reduzidos a apenas uma destas disciplinas.

Dentre os trabalhos desta fase ontológica de Aarseth, o seu artigo mais conhecido é Playing Research: Methodological ap-

proaches to game analysis [http://www.spilforskning.dk/gameapproaches/GameApproaches2.pdf], de 2003, no qual o professor norueguês propõe que análises de jogos eletrônicos devem se concentrar em três áreas: o gameplay (mecânica de jogo, as ações dos jogadores, suas estratégias e motivações), a estrutura dos jogos em si (suas regras gerais de funcionamento, tanto das ações quanto do ambiente), e o “mundo” do game (seu conteú-do ficcional, o design de suas fases). Criar metodologias de análise, como Aarseth sugere, não é importante só para a área acadêmica, mas também para as práticas do mercado de entretenimento digital, que usam este tipo de pesquisas para avaliar o engajamento e a frui-ção de jogadores nas ações e narrativas apresentadas.

A partir dos esforços de pesquisadores como Espen Aarseth, os estudos sobre games vêm sendo reconhe-

cidos como objetos de estudo em universidades e centros de pesquisa no Brasil e em muitos outros países das Américas, Euro-pa e Ásia. Com sua simpatia e bom humor, aliado a um domínio teórico impecável, Aarseth demonstra que pesquisar jogos pode ser um assunto muito sério, e prazeroso.

Espen Aarseth: os games como ciência

...continue

Com sua simpatia e bom humor, aliado a um domínio teóri-co impecável, Aarseth demonstra que pesqui-sar jogos pode ser um assunto muito sério, e prazeroso.

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MULHERES E OS GAMESreportagem

Elas queremmais espaço

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Por Rafael Gloria, com colaboração de Guilherme Machado

O Decreto nº21.076, de 1932, que permitiu a possibilidade de voto para a parcela feminina

da população, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, foi um marco, apesar de ser basicamente o começo, de uma história de revoluções e lutas das mulheres por mais igualdade. Oitenta anos depois a causa feminista está se mostrando mais forte do que nunca. E um dos grandes motivos para isso é a polêmica Marcha das Vadias, manifes-tação que visa protestar pelo fim da culpabilização das vítimas de violência sexual, de gênero e outras formas de machismo que aconteceu em várias cidades do País ao longo do ano.

“Tá, e o que isso tem a ver com videogames?”, você deve estar se perguntando agora. Tudo. Uma vez que os videogames são parte da cultura e, desse modo, parte indelével da vida cotidiana, há várias assimilações e traços machistas da sociedade que

acabam sendo retratados também nos games, muitas vezes sem percebermos.

Um exemplo comum é o da carac-terização das personagens femininas, frequentemente dotadas de alto pa-drão estético de beleza e, muitas vezes, com avantajados e irreais traços físicos. A própria mídia também fortalece estereótipos, quando se refere às mu-lheres que jogam ou participam desse universo como novidade, ou raridade. Julgamentos como esses servem apenas para fortalecer o estigma de que isso é supostamente estranho, quando dados relevantes, como os que são apontados pela 1º Pesquisa Games Pop, mostram que boa parte do público que joga (e aqui insere-se todo tipo de jogo, não só o de console) é composto por mulheres.

Já o preconceito, entretanto, parece mais forte em partidas online - onde predomina o anonimato - , principal-mente com as jogadores que costumam participar de games de tiro em primeira pessoa, na qual há a opção de diálogo tanto por voz, como por mensagens de texto. O site gringo Fatuglyorslutty

faz uma compilação de alguns desses comentários, no mínimo, vergonhosos.

Um caso bastante conhecido de ati-vismo feminino digital é da canadense, Anita Sarkeesian, que criou uma web-série chamada Tropes VS Women, onde discute essas representações femininas não só nos videogames, mas na cultura pop de um modo geral. Freqüentemen-te atacada por usuários nos comentá-rios dos seus vídeos, Anita já chegou a sofrer uma série de ameaças pelo meio virtual. Essa reportagem tentou entrarem contato com a autora, mas infelizmente não obteve respostas até o fechamento dessa edição.

É uma realidade que as mulheres jogam (ainda bem), participam do de-senvolvimento dos games, enfim, vivem esse universo. Como fica comprovado na página seguinte, em que conversa-mos com três mulheres sobre o envolvi-mento com videogames, seja pesquisan-do, desenvolvendo ou tocando músicas de games.

Um caso bas-tante conhecido de ativismo feminino digital é da canadense, Anita Sarkee-sian, que criou uma websérie chamada Tropes VS Women, onde discute essas representações femininas não só nos videogames, mas na cultura pop de um modo geral.

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Queremos saber a sua opinião sobre games e mulheres, entre em contato pelas nossas redes sociais ou mandando um email para o [email protected]

Thais Weiller, 24 anos, São Pau-lo – Game Designer na empresa Joy Masher

Thais se formou na faculdade de jornalismo antes de começar a mexer com jogos. Aliás, até então ela sempre havia gostado de jogar, mas achava impossível ser capaz de viver desse mercado no Brasil. “Quando percebi que não queria trabalhar em nenhu-ma das áreas que tinha me formado, pensei ‘dane-se’ vou tentar os jogos’”. E então ela propôs um projeto de pesquisa na área e passou no mes-trado da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu em setembro de 2012. Atualmente trabalha lecionando na empresa de Computação Gráfica Alpha Channel e na JoyMasher, produ-tora independente, que recentemente aprontou o prestigiado jogo Oniken. Thais afirma que nunca sentiu muito preconceito como desenvolvedora. “A maioria é bem receptivo e nos trata de igual para igual, como deve ser. Há, talvez, algum preconceito por parte de algumas mulheres em relação a jogos, mas isto também está acabando, em parte também devido aos mal afama-dos jogos casuais e sociais”, diz.

Laura Intravia, 25 anos, Nova York - Flautista e cantora na Video Games Live

Se você já foi a alguma apresen-tação da Video Games Live (VGL) com certeza deve se lembrar da Laura Intravia, que ficou famosa na internet por interpretar o personagem Flute Link lá em 2008. Não é à toa que ela afir-ma que o jogo Zelda Ocarina of Time foi um divisor de águas na sua vida. “Eu me espantei especialmente pela música. A trilha sonora é fantástica e me fez imergir em um jogo pela primeira vez. Foi mágico”, revela a cantora. Em 2009, Tommy Tallarico, criador do VGL, assistiu ao vídeo do Flute Link e resolveu convidá-la para se juntar à orquestra. Laura revela que nunca foi vítima de preconceito, ao contrário, todos da indústria sempre a trataram bem. “Você ficaria surpreso com o número de mulheres que fazem parte desse meio e estão com uma ótima carreira! Além disso, em nossos shows costumo ver muitas mulheres na plateia, não acho que exista mais alguma segregação”, completa.

Alissa Machado, 28 anos, Rio Grande do Sul – Publicitária e viciada em games

A publicitária Alissa Machado começou a jogar desde criancinha, quando a sua principal companheira nas aventuras virtuais era a sua mãe. Com uma incentivadora dessas, não demorou a que ela se tornasse uma verdadeira gamer. Atualmente ela curte jogar Skyrim no computador com afinco e explorar nesse universo, inclu-sive criando fanfics para continuar a história, mas prefere mesmo os consoles antigos, como os saudosos Odyssey e o Mega Drive. Alissa participa de um site destinado à comunidade Mega Drive brasileira, que reúne inúmeros fãs do mais famoso console da Sega. Lá, ela mantém uma coluna intitulada “É culpa do boneco”, onde escreve sobre jogos e personagens que a marcaram a sua vida no Mega Drive. Alissa diz que o relacionamento com os outros gamers, principalmente os da comunidade, é óti-mo. “Tem essa coisa de sermos poucas mulheres lá, mas nunca houve nenhuma falta respeito conosco”, diz.

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REPORTAGEM PRINCIPAL

A pirataria e a liberdade de compartilhamento na internet tornam-se elemen-tos fundamentais quando se pensa no circuito comercial de games hoje em dia. Mas que fatores estão envolvidos nessa relação? A Segundo Controle foi atrás e investigou as controvérsias do assunto.

DO TORRENT AO MORRO

Por Rafael Gloria com colaboração de Guilherme Machado

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No Morro da Cruz, em de Porto Alegre (RS), há DJs que não distribui CDs do artista que

produz, porque vai desvalorizar o seu trabalho. Quem conta é a antropóloga Lucia Scalco do Instituto da UFRGS, que pesquisou por um tempo a relação do consumo e da pirataria. “Esse DJ, ele tem um pequeno estúdio, internet e tudo mais. É engraçado porque dentro do sistema ele é considerado um excluído, mas está totalmente incluindo digitalmente”, explica. As músicas que Lucia queria que ele gravasse eram do grupo local chamado Os Proletá-rios, formado por algumas pessoas que trabalham no Camelódromo de Porto Alegre, ou nos arredores. Elas se reuniram e gravaram faixas sobre a sua rotina. “O pessoal do grupo mais tarde me deu uma cópia. Para eles não tinha problema. Ter o Windows e o computador dava uma noção de propriedade. Como já tinham pagado por isso, copiar não ganhava o sentido de fazer algo ilegal”, diz. A questão da pirataria, apesar de vastos esforços do governo para combatê-la parece estar longe de ser compreendida. A

Revista Segundo Controle acredita que para entender essa história também é importante compreender a figura do camelô que, por anos, foi sinônimo de games mais baratos (no nosso caso), mas também de produtos falsificados e de baixa qualidade. Há personagem mais ambígua? Por muito tempo os famosos camelôs ocuparam as ruas de Porto Alegre e de tantas outras cidades do Brasil. Nos últimos anos, uma acomodação e formalização do trabalho fez com que se agrupassem nos chamados Came-lódromos. Antigamente, muitas das suas mercadorias vinham do Paraguai, mas agora parece que a rota mudou. “Há muitos que vão até São Paulo, em ôni-bus bate e volta para comprarem mer-cadorias mais baratas e revenderem”, diz Lucia. Durante sua pesquisa, ela acompanhou o processo de transição para o Camelódro (também chamado de PopCenter). O que mudou principal-mente foi a condição financeira: agora deve se pagar aluguel, condomínio. A ideia da prefeitura é profissionalizar o informal, tratar como uma pequena empresa. “Eu acompanho bastante a

Dona Maria, uma das mais antigas, e ela quase faliu quando se mudou para lá. Os bancos entraram na jogada, porque agora eles têm endereço físico de cobrança, e endividaram todos”, revela a pesquisadora. Mudou também a compra, antes se comprava mais por impulso, os gritos valiam mais. Agora, o cliente vai direto ao local, já sabendo o que quer. A regra mais importante de se fixar como um estabelecimento é a proibição da venda de produtos ilegais, principalmente os digitais. A pena pode variar de pagamento de taxas até expulsões.Isso porque a pirataria digital tem toda uma legislação. “Se a pessoa fizer uma pirataria/ cópia digital qualquer um de nós pode denunciar. Agora se eu fizer de uma marca, de alguma roupa eu preciso de um mandado judicial da empresa que se sentiu prejudicada, fica mais difícil assim”, diz Lucia. Visitamos o Camelódromo mais de uma vez e des-cobrimos que a maiorias dos lojistas de games lá trabalha somente com jogos originais. Visitamos as lojas Easy Ga-mes, na qual a proprietária Míria Dinei diz que só trabalha com originais e que

Entrada do PopCenter, no centro de Porto Alegre

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ela faz desse modo desde a época em que vendia nas calçadas “Tô vendendo mais jogo agora, que tenho uma banca bonita aqui, pessoal vem mais confian-te”, diz. Outro vendedor, mais assusta-do, preferiu não se identificar, mas com receio de ser pego abdicou do risco de vender jogos piratas. “Se me pegarem no ato, me colocam para fora. É um risco que não dá para correr”, admitiu. Mas isso não quer dizer que não se venda produtos falsificados. No fim, sempre acaba se dando um jeito, po-rém com muita cautela. “Lá eles têm mil estratégias para vender por fora. Há pessoas que te acompanham até outro lugar, fora do Camelódromo, ou te vendem um “cd virgem” que tem filmes, que tem jogos, enfim. O que acontece é que as empresas de games estão mais espertas agora, fazem muitas atualiza-ções, ou tu tens que jogar online, salvar a progressão de jogo online. Aí começa as dificuldades, o próprio Playstation 3 demorou muito tempo para conseguir fazer rodar jogos piratas”, explica a pesquisadora.

Camelôs somos todos nósFeche a revista quem nunca baixou um arquivo na internet. Pois é, a verdade é que você nem precisa mais comprar um produto físico pirateado. Você mesmo pode baixar aquele jogo, instalar, crackear e começar a se divertir. E se não sabe como, qualquer procura do Google vai te indicar os caminhos. A partir disso, o que te impede de gravar os arquivos em um CD e distribuir/vender por aí? Para Arthur Protasio, coordenador do CTS Game Studies e presidente da Associação Internacional de Desenvolvedores de Jogos no Rio de Janeiro (IGDA RIO) a pirataria é um elemento histórico que acompanha a sociedade há inúmeros anos e o mercado sempre achou uma nova forma de tratá-la. “Mais importante do que jogar a culpa e a responsabilidade na pirataria é entender as suas causas e avaliar meticulosamente as possíveis formas de combatê-la sem prejudicar o consumidor”, defende. Dar mais vantagens para o consumi-dor que compra o produto original, ao invés de combater diretamente o aquele que vende/baixa parece um dos melhores caminhos a se seguir pelas empresas. Arthur acredita que a forma mais eficaz de combater a pirataria é entender que há diversas questões envolvidas (como os tributos excessivos cobrados pelo governo), mas para ele é, sobretudo, uma questão de transpa-rência perante o consumidor. “Torna-se necessário oferecer mais vantagens que a oferta ilegal e, nesse sentido, fica evidente que diversos serviços têm tido êxito com o consumidor porque enxer-garam a pirataria como um competidor de mercado”, diz. Assim faz sentido também pensar que durante muito tempo o camelô foi um dos serviços a oferecer preços e acesso compatíveis para boa parte dos consumidores

brasileiros de jogos digitais. “Não é de se espantar, então, o seu sucesso. Felizmente, no entanto, parece que o mercado está buscando alternativas de garantir suas vendas sem desfavorecer o cliente”, concluir Arhur.

Torrent nosso de cada diaÉ fato de que a liberdade na internet favorece o livre compartilhamento de mídia digital, muitas vezes sem remu-nerar a empresa ou o artista criador da obra. No início do ano, sites como o Megaupload foram fechados e a lei SOPA nos Estados Unidos quase entrou processo de votação no congresso norte-americano. Pela lei, qualquer site poderia ser finalizado apenas por ter conexão com outro site suspeito de pirataria a pedido do governo dos EUA ou dos geradores de conteúdo. Depois de uma temida reação por boa parte do público e do grupo Anonymous, que invadiram sites como o do FBI, a vota-ção foi adiada sem data para voltar. O fantasma de uma regulamentação ou de impor limites, entretanto, ainda paira. Os torrents, que permitem compartilhar arquivos maximizando o desempenho, são os grandes responsáveis por boa parte dos conteúdos baixados da internet. A história do Mininova, um dos maiores sites de torrents, é interessante porque o site conseguiu se reinventar mesmo sofrendo um processo em 2009 por direitos autorais. Com base na Holanda, o Mininova nos seus tempos áureos chegou a ter cerca de um mi-lhão de downloads por dia. Quem nos conta é Erik, um dos fundadores, por e--mail. São cinco os fundadores do site e todos eles são estudantes de Ciências da Computação ou estão fazendo pós--graduação na área. “Nós começamos o Mininova no final do nosso primeiro ano na Faculdade principalmente por causa do nosso interesse em tecnolo-

No dia nove de outubro uma grande operação dos Agentes federais, com apoio da polícia militar de Porto Alegre, fechou o Camelódromo para vistoria, alegando a retirada de circula-ção de brinquedos que podem causar danos à saúde da população, especialmente na semana em que se comemora o dia da criança. Outro objetivo era a conscientização da po-pulação para a importância de se adquirir produtos que sejam importados regularmente e que atendam às normas técnicas. A operação causou revolta em alguns comerciantes que recla-ma dos altos impostos cobrados para atuarem no Camelódromo.

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gia”, explica. Segundo ele, o objetivo atual do site é fornecer para artistas e desenvolvedores independentes uma plataforma de distribuição dos seus conteúdos. “O que mudou desde o início do site é que agora somente aqueles ‘uploaders’ que foram pré-aprovados são permitidos para baixar os torrents”, diz. Sobre as leis de proteção à internet, Erik acredita que o compartilha-mento de conteúdo não pode ser controlado. “Toda vez que um grande site é fechado, as pessoas simplesmente vão para outro site. E sempre há novos todos os dias. Mesmo que essas leis um dia bloqueiem o tráfico de torrents, as pessoas vão encontrar outros jeitos”, diz.

Confira a opinião de dois

profissionais da área:

Christopher Kastensmidt professor do curso de jogos digitais da UniRitter e escritor

Não temos que nos preocupar com a pirataria, temos é que oferecer um produto bom que o pessoal vai querer comprar. Por exemplo, muitas pessoas ficam baixando filmes, mas eu tenho uma assinatura do Netflix que é apenas quinze reais por mês e tem milhares de coisas para assistir. Então eu vou ficar no meu PC procurando Torrents? Para mim é necessário pensar dessa forma. Agora o conteúdo é digital, não tem mais volta e quando o conteúdo é digital pode-se copiar mais facilmente e alguém vai encontrar um modo de fazer isso e distribuir. Então, lutar contra pirataria e até educar o público acaba sendo inútil. É preciso oferecer um produto le-gal com um preço acessível. Penso que a indústria da música levou isso maneira errada. Ao invés de oferecer um produto digital na internet, eles ficaram muito tempo nessa de “tu tem que comprar em CD, porque eu estou mandando”, ou ameaçando processar as pessoas. Tu vai processar os teus clientes? É bobagem, não pode. A indústria de cinema e de games estão se adaptando melhor.

Marsal Alves Brancoprofessor do curso de jogos digitais da Feevale e sócio-diretor na empresa Ilinx Entretenimento

Depois de anos trabalhando na área e na indústria me tornei mais radical sobre essa questão, vejo como um crime mesmo. Ah, o jogo é muito caro. É, eu sei, mas se tu não tens dinheiro para comprar não é um jogo para ti. Não me entenda errado. Eu quero que o jogo fique mais barato, eu não quero pagar 112% de imposto, isso tá errado, mas, por enquanto, esse é o preço. Até mudar vai ter que jogar outro jogo. Se tal jogo é tão caro porque por que não se juntar com mais caras e comprar? Depois que ele jogar, o game dele vai ficar parado na prateleira e não vai sequer emprestar para um amigo. Daí eu te digo que a culpa não é só devido ao imposto alto, é também uma questão de mentalidade.

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desenvolvedores Swordtales

Uma posição autoralO estúdio Swordtales decidiu seguir o caminho dos jogos independentes e o aguardado game Toren é a prova de que essa foi uma boa escolha.

Por Rafael Gloria, com colaboração de Guilherme Machado

Q uem diria que na rua das Andradas, perto da Casa de Cultura Mario Quintana, um dos espaços culturais expoentes de Porto Alegre, haveria um

pequeno, mas muito inspirado estúdio de games? E mais: que lá estaria em desenvolvimento o esperado jogo independen-te Toren? Trabalhando em um espaço de coworking, Ales-sandro Martinello, Conrado Testa e Luiz Alvarez formam e comandam o estúdio Swordtales. Logo que chegamos para a entrevista, fomos surpreendidos pelo carisma e pela simplici-dade do pessoal, que tomava refrigerante em um bar, perto do prédio. Convidados, sentamos e tivemos uma primeira

conversa informal, para quebrar o gelo. O que só ajudou na entrevista mais, digamos, formal que tivemos logo em seguida em uma sala do coworking. Mas como esse trio se conheceu?Os três são da primeira turma de formandos do curso de pós-graduação em jogos digitais da PUCRS. Alessandro é formado em Design, Luiz em Ciências da Computação, já Conrado destoa dos colegas, pois é graduado no campo da Geografia. Ele explica: “Essa pós tem um certo critério de avaliação que a torna mais abrangente. Não era só análise curricular - se fosse, eu não teria entrado - tinha que mandar portfólio, entrevistas”. Talvez essa diferença de formações dos integrantes da Swordtales ajude no desenvolvimento e na criação de Toren. No curso, havia duas linhas a seguir: progra-mação e arte. Para se fazer o trabalho final, junta-se alunos

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das duas áreas para interagir e criar em conjunto, e assim os três se ajeitaram. “A gente foi se conhecendo ali. Antes, eu nunca havia trabalhado com os dois, mas fomos nos juntando por afinidade e, principalmente, porque queríamos realizar um negócio independente”, diz Alessandro. Eles não queriam apenas concluir o curso, fazer um jogo e abandonar a ideia. Queriam continuidade.Então, trabalharam no projeto Toren, no qual têm uma total liberdade. E isso já faz quase um ano e meio. Nesse meio tempo, concorreram no Brasil Game Show de 2011 como finalista na categoria Arte e Design. “O nosso primeiro prazo foi o projeto final de conclusão da pós, depois foi a Brasil Game Show. Ficamos felizes que no dia que a gente saiu como finalista no BGS, o Toren apareceu no indiegames.com, acho que foi o primeiro jogo brasileiro a conseguir isso”, fala Alessandro. Depois, o próximo prazo foi o Independent Games Festival (IGF) de 2011, o maior festival do mundo para jogos independentes. “Ganhamos menção honrosa em arte e por causa disso fomos convidados a participar do Indie Found”, diz Alessandro. Eles conversaram diretamente com Kellee Santiago, criadora de Journey e o Jonathan Blow, realizador do cult Braid, integrantes e fundadores do Indie Found. “Enviamos uma demo para eles, daí baseado no feed-back mais recente a gente está redimensionando o projeto para algo menor, mas melhor em tudo.”, fala Luiz. Se eles julgarem que o jogo chegou no patamar de qualidade que

eles querem, o Indie Found ajudará a Swordtales com um em-préstimo financeiro. “Daí tu tem que pagar de volta o dobro do que eles investem, e se não pagar depois de dois anos, eles perdoam a dívida, é bem amigável”, fala Alessandro. Um time de três desenvolvedores que desejam realizar um jogo de forma autoral e independente, trabalhando quase que exclusivamente para isso, é algo de se admirar.

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Quais são as influências no jogo Toren?Conrado Testa: Quando começamos as influências maiores eram o ICO, Shadow of Colossus e a série Zelda. Atualmente também é, mas o jogo ganhou características próprias. Tem algo do Heavy Rain na mecânica.

Poderia contar um pouco o enredo do jogo?Alessandro Martinello - Toren é basicamente um conto de fadas em que o jogador estás na pele da princesa e não do príncipe. E tem que lutar porque se tem apenas um dia de vida naquela torre. Daí a gente vai revelando aos poucos o roteiro verdadeiro do jogo, que não é bem assim: as coisas vão acontecendo e o cenário vai se modificando. Trata-se de um jogo que tem um quê de adventure antigo da década de noventa. Mas a gente está tentando deixar ele o mais agradável possível para os padrões atuais. Entretanto não queremos que o nível de dificuldade seja muito fácil,, nem muito difícil. Estamos tentando deixar cada pedacinho dele o mais interessante possível.

Houve alterações no roteiro durante o processo?Luiz Alvarez: Na verdade, agora a ideia é bem mais simples da que nós tínhamos anteriormente, e já é difícil de se realizar...Alessandro Martinello: No começo, íamos nos centrar a relação da princesa com a árvore, mas descobrimos que uma árvore não é lá muito simpática (risos). Atualmente, estamos bem tranquilo com o que funciona e o que não funciona no jogo. Estamos trabalhando para chegar ao nível que nos exigimos e que o mercado atual exige. Para um jogo indie se destacar hoje ele tem que estar muito refinado em tudo.

Quanto a questão da jogabilidade, o que podemos esperar de Toren? Alessandro Martinello: É como se fosse um Point and Click Adventure, onde o jogador está solto em um um cenário e tem que descobrir como vai fugir da torre. Uma série de ações vão acontecendo. No começo, é muito baseado em descobertas. Queremos que, cada vez que haja uma intera-ção com algum objeto, o jogador sinta que está fazendo algo. Se a personagem vai fazer força, você tem que pressionar o botão, por exemplo. E, depois de um tempo pressionando o botão, você puxa para trás alguma coisa e ela cai, e quando ela cai, já acontece outra coisa que muda o roteiro. É tudo baseado nesses pequenos acontecimentos, nessas pequenas descobertas, principalmente no início.Conrado Testa: E são coisas bem humanas na verdade, ela não tem super poderes, ou é muito forte. Nem corre super veloz, ela é mais sofrível, a proposta do jogo é bem elevada nesse sentido. O que ela faz, de fato, é muito mundano, muito da condição humana, não tem nada especial.

Qual será a plataforma que o jogo rodará e em que fase de desenvolvimento ele se encontra? Alessandro Martinello - O jogo rodará no Pc e Mac. Se fosse para console, teríamos que comprar um kit de desen-volvimento, gastar um bom dinheiro. O jogo está com mais da metade produzido e recentemente fechamos um contrato com um profissional da Microsoft para nos ajudar na modelagem, e com um cara que trabalhou no game Deus Ex Machine, que vai ajudar a melhorar a animação do jogo. Acreditamos que isso vai acelerar o desenvolvimento da segunda metade do Toren.

Pequenas descobertas

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C omo escrever uma boa crítica? Quais são os ingredientes? E como fazer uma crítica de um

jogo de videogame? O que se precisa estudar para conseguir tal façanha? Se dependesse só do conhecimento adquirido pela leitura de publicações especializadas e de horas de jogatina estaria a pessoa apta a escrever uma boa crítica de um game?

Para quem não sabe a maioria das revistas especializadas em jogos dividem a sua avaliação por quesitos, normalmente são eles Gráficos/Diver-são/Som/Replay, etc, o que, no final, acaba formando a nota geral do jogo. Agora, fica a dúvida: é possível mensu-rar em um número numa escala de 1 a 10 digamos o valor de um produto cultural?

Dar nota para uma obra, dividir por etapas, talvez não seja a melhor escolha se você quiser ir além. Isto é, com certeza fica muito mais fácil para o leitor uma vez que a nota definiria toda questão e talvez ele nem precisasse ler o texto. Mas não estamos acostuman-do mal o cidadão? Não estamos nos acostumando mal? Aqui no Segundo Controle, acreditamos que sim, pois uma boa crítica reside no argumento,

na totalidade, e não em partes especí-ficas de uma obra. Reside também em traçar paralelo com outras áreas do conhecimento e tentar criar um pensa-mento, uma reflexão sobre determinado apontamento.

Nossa ideia é que tenhamos sempre, no mínimo, a crítica de um jogo antigo e de um jogo atual. O antigo, para valorizarmos a importância do passado no games, assim como produzir um registro histórico crítico. O atual, para mantermos os olhos nas produções que mais estão dialogan-do com os problemas e as questões contemporâneas da área - deixando claro que atual não significa necessaria-mente um lançamento, e sim que feche com o nosso conceito. Para abrir bem os nossos trabalhos, escolhemos dois games que, com certeza, deixaram algo nos jogadores que o experimentaram. É só virar a página para descobrir...

crítica como fazer?

Arriscar para ir além

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Por Gregory Gaboardi

Metal Gear é uma série de jogos (que conta com os títulos “Metal Gear”, “Metal Gear

Solid” e “Metal Gear Acid”, entre outros) criada por Hideo Kojima e produzida pela Konami (que também a distribuiu para diferentes plataformas ao longo dos anos), o primeiro jogo da série foi feito em 1987. Talvez esta introdução seja desnecessária, pois a série já é renomada e não me ocuparei de falar de sua história ou de como ela é vista pelo público. Nesta breve introdução também caberia incluir que a série é colocada no gênero de ação/espiona-gem e que diversas vezes foi aclamada por suas qualidades técnicas (gráficas e sonoras, por exemplo) e inovações de

jogabilidade. Porém, tampouco tratarei destes assuntos. Restaria falar do enredo e das tramas que caracterizam a série, mas também não falarei delas, mas sim do seguinte: a grande ideia que a série apresenta para as narrativas de jogos eletrônicos. O exemplo que darei da

ocorrência desta grande ideia é bem concreto e familiar para quem jogou Metal Gear Solid (de 1998): a batalha contra Psycho Mantis.

Psycho Mantis é um dos chefes do jogo e é um oponente que tem poderes telepáticos e é capaz de ler mentes

CRÍTICA metal gear

Plataforma: PS1/PC Produção: Konami Desenvolvimento: Thatgamecompany Desenvolvimento: KCELançamento: Setembro 1998 - Japão

C4paredena quarta

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e de mover objetos com a mesma. Sua estória é interessante, mas o que importa aqui é que quando vamos confrontá-lo coisas estranhas acontecem: o próprio Mantis fica fazendo comentários sobre os outros jogos que estão salvos no seu memory card, ele pede para que o jogador coloque o controle sobre algum lugar e depois faz o controle vibrar (afirmando que faz isto através de seus poderes telepáticos) e, na hora de combatê-lo, somos informados que é preciso trocar o slot do controle do console para que Mantis não leia nossa mente, caso isto não seja feito todos os nossos golpes contra ele são evitados. Enfim, toda a sequência exige uma interação física do jogador com o jogo que é contextualizada dentro da trama em que o jogador é visto como jogador. Há outros episódios nos demais jogos da série em que ocorre a ideia que discutirei, mas a batalha contra Mantis é em-blemática, é representativa dos outros episódios.

Pararei um pouco de falar de Metal Gear

Solid para falar da noção de “quarta parede”. É uma noção bem simples e oriunda do teatro (que se tornou aplicável às obras de outras formas de arte, como o cinema), consiste no seguinte: normal-mente quando assistimos uma peça de teatro, por exemplo, nós somos ignorados como espectado-res, é como se toda a ação se desenrolasse entre quatro paredes, sem que estivéssemos ali assistin-do. Contudo, se diz de alguns trabalhos que eles quebram ou derrubam a quarta parede, e eles o fazem ao se dirigir (pela fala de algum persona-gem, por exemplo) diretamente ao espectador, ao público. O recurso de quebrar a quarta parede já não é mais novidade, entretanto, no caso de Metal Gear (não só o Solid) ele ganha uma característica peculiar (talvez não seja tão peculiar assim, mas não lembro de tê-la visto em outros casos), notável na batalha contra Mantis (e em outros episódios dos jogos da série, sobretudo as sequências finais de Metal Gear Solid 2).

A peculiaridade é a seguinte: em geral, nos jogos nós só somos tratados como jogadores em certas partes que ficam separadas do desenvolvimento da trama (em telas de menus, por exemplo), durante o desenvol-vimento da trama somos tratados como se fôssemos o(s) personagem(ns) que controlamos

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A peculiaridade é a seguinte: em geral, nos jogos nós só somos tratados como jogadores em certas partes que ficam separadas do desenvolvimento da trama (em telas de menus, por exemplo), durante o desenvolvimento da trama somos tratados como se fôssemos o(s) personagem(ns) que controlamos. Alguns jogos quebram a quarta parede e, eventualmente, nos tratam como joga-dores (até como um recurso humorístico). Metal Gear vai além e explode a quarta parede: não somos vistos apenas como jogadores, mas como jogadores que estão de certa forma dentro da trama mesmo sendo jogadores. Uma analogia pode esclarecer: jogos em que a quarta parede fica intacta são como conversas que ouvimos sem participar e que são sobre outras pessoas, não nós; jogos que quebram a quarta parede são como conversas em que podemos participar, mas mudando um pouco o assunto ou só para fazer um breve comentário; já Metal Gear é como uma conversa que vamos ouvindo e que, quando somos convidados a participar, descobrimos que a conversa era sobre nós o tempo todo. Nem sempre o tempo todo, mas em partes importantes dele, sim.

Através disto Metal Gear pode nos fazer pensar a nossa relação, como pessoas ou jogadores, com as questões que a trama levanta: não interessa o que Snake (o protagonista) pensa sobre a mudança de slot dos controles, interessa o que nós pensamos sobre a analogia entre mudar o slot do controle e tornar a própria mente “ilegível”: afinal, Mantis estava lendo a mente do Snake ou a nossa? O que separa nossa mente da

mente de Snake? Enfim, o que separa mentes e faz o indivíduo ter a identi-dade que pensa ter? É uma questão filosófica, mas é também uma questão levantada pela trama de Metal Gear Solid (que discute a relação entre identi-dade pessoal e clonagem, entre outras coisas), e não é uma questão levantada só para os personagens, é uma questão levantada para os jogadores e em que se espera que eles percebam que são ativos, que não devem meramente assistir como os personagens lidarão com ela. Nada mais físico do que ter que mudar o slot do controle tornaria tão evidente que não estamos sendo encarados como se fôssemos observa-dores passivos.

Normalmente os jogos nos fazem pensar que os problemas dos persona-gens são muito diferentes dos problemas dos jogadores: o problema do persona-gem é encontrar uma espada ou salvar uma princesa, o problema do jogador é fazer as contas dos itens que rende-rão a combinação mais eficiente em combate. Pode acontecer do problema do personagem ser um problema que poderia ocorrer para o jogador, como quando o problema do personagem é alguma questão existencial ou ética. No entanto, em Metal Gear o problema do personagem muitas vezes é o problema do jogador. Metal Gear consegue ser direto de uma maneira que, no meu entender, não tem precedentes, porque consegue ser direto sem se sacrificar enquanto ficção, enquanto jogo, sem a pretensão de ser algo além do que é.

Esta peculiaridade toda pode ser explicada assim: há uma conexão íntima entre a trama e as questões que são

levantadas, a referência ao jogador nun-ca é arbitrária ou descontextualizada, pelo contrário, considerar seriamente a existência de jogadores (e tudo que isto envolve, como a ideia de autonomia e de controle de informações) é parte integral das questões propostas pela trama (emprego “trama” em vez de “tramas” porque podemos pensar que as diferentes tramas que compõem os títulos da série se ligam em uma trama maior, um universo). No entanto, não há explicação que possa ser tão significativa quanto a experiência de jogar Metal Gear: é necessário passar atentamente, rastejando se for preciso, pela brecha que o jogo abre na quarta parede.

*Gregory Gaboardi é publicitário e

um grande fã da saga Metal Gear.

Metal Gear vai virar filme

Durante evento comemorativo de 25 anos da franquia, foi revelado que a Columbia Pictures e a Kojima Productions vão transformar o game em filme. O anúncio foi feito pelo produtor Avi Arad, o mesmo de O Espetacular Homem-Aranha. Segundo Arad, os videogames são os quadrinhos de hoje em termos de adaptação. Sabe-se que Kojima é um grande fã de cinema e almejava ser cineasta, vamos torcer para que o filme faça jus ao jogo. Ainda não foram reveladas mais informações sobre elenco, ou datas para o começo da filmagem.

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Ilustr

ação

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JOURNEYCRÍTICA

Nósumprecisamos

dooutro

T udo em Journey, apesar de vasto, é limitado. Os cenários belos e imensos envolvem o

jogador suscitando sensação de que estão complementando algo.

Mas o que eles complementam? Talvez a pergunta certa seja não o que, e sim quem. Assim que tomamos

controle do personagem, uma espécie de entidade não identificável, perce-bemos que há uma luz forte no pico da mais alta montanha do horizonte.

Então, sem nenhum aviso, sem indicação de tela de menu para nos direcionar, ou ajuda de qualquer outro personagem para nos explicar

como proceder, sabemos que o nosso objetivo,a priori, é simplesmente che-gar lá. E tudo em Journey, justamente por limitar as opções do jogador, é muito vasto, pois tem a coragem de apostar no que não é explícito para constituir sua história - ou seriam histórias?

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Plataforma: PS3 Produção: Sony Desenvolvimento: Thatgamecompany Lançamento: Março de 2012 (PS3, EUA)

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S im, há história (s) em Journey. A narrativa fragmentada do jogo esconde, ou melhor, sugere um enredo pró-prio, mas o objetivo principal aqui não é entendê-lo,

é descobrir seu papel durante essa pequena, porém intensa, travessia que não é só nossa. E é exatamente o fator do outro o mais interessante no jogo da produtora estadunidense indie ThatGameCompany, responsável por dois games preceden-tes à Journey e que já nasceram cult: flOw e Flower, ambos também para o PlayStation 3. A verdade é que, para ser experienciado por completo, Journey deve ser jogado online - talvez para incentivar isso ele tenha sido vendido apenas pela PSN. É claro que também há a jornada solo, que pode ter lá suas vantagens, mas, em termos de troca, e é essa a principal proposta do game, a experiência é nula.

Além de jogar com outro, o fato de ser online ajuda no anonimato do companheiro, um conceito importante em Journey. Em nenhum momento do jogo, a não ser nos créditos finais, é revelado o nome dos participantes que comple-mentaram a travessia consigo. Nosso personagem também não tem nome, e na aparência todos eles são semelhan-tes, reforçando uma ideia de igualdade. A única maneira de se comunicar com o estranho que lhe acompanhará em bus-ca da luz no fim da estrada é a partir de uma espécie de canto, acionado quando se aperta o botão círculo. Trata-se de um grande acerto da produtora, uma vez que evidencia ainda mais essa ideia de que para ser grande, ou melhor, para ser grandioso, Journey se limitou. Uma atitude ousada em uma indústria que tende a reciclar as suas ideias e seguir um padrão já definido - parecido com a indústria de blockbusters do cinema. Esse canto, que pode ser compara-do a um sinal de fumaça, serve principalmente para revelar as posições do jogador, tentar conduzir um caminho com o outro, e também para ajudar a melhorar o deslocamento dos personagens.

Comunicar e dividir essa experiência com um desconhe-cido (que pode ser qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo) pode - e deve - ser encarado também como uma metáfora das nossas condições mundanas como jogador. Ainda mais em uma época em que estamos acostumados a

navegar e a jogar online, tendo contato, muitas vezes, com pessoas e jogadores que não conhecemos pessoalmente e, provavelmente, nunca conheceremos. A produtora Thatgame-company entende essa questão de um modo mais, digamos, sensível e produz uma travessia marcante para quem joga, originando assim uma espécie de laço afetivo, por que não, entre os dois desconhecidos. Que, então, juntos tem uma nova história para compartilhar, contar e modificar.

Para tornar esse momento marcante eles apostaram em uma belíssima direção de arte, uma das mais bonitas para o PlayStation 3, que nos evoca sentimentos e sensações dife-rentes para cada jogador. O modo como tratam a questão da luz e a as mudanças bruscas da geografia do cenário (começamos no deserto e, conforme, aproximamos-nos do pico com a majestosa luz, o ambiente vai mudando, tornan-do-se sombrio, profundo, venenoso, nevoso, para, enfim, se tornar paradisíaco) só contribuem ainda mais para motivar o jogador a retonar ao jogo, em novas jornadas a fim de

explorar cada canto daquele mundo. Por isso mesmo, os mais experientes, isto é, que já atravessaram mais de uma vez o caminho e conhecem alguns atalhos e segredos, podem ajudar os mais novatos a encararem os perigos juntos. E é aquela es-pécie de cauda- cachecol que reflete essa

experiência e conhecimento de cada viajante nesse mundo vasto e limitado de Journey.

Eu, ao jogar pela primeira vez, estava um pouco perdido, então, ao encontrar outro jogador comecei a seguir os seus passos. Percebi que se tratava de um bem mais experiente e que, inclusive, me mostrou alguns itens escondidos, e me aju-dou a entender a funcionalidade do jogo - como quando os dois avatares se tocam a sua energia aumenta e eles podem “voar”, se deslocando com mais força no ar. Sozinho não há como fazer isso. Depois, quando já estava mais experiente foi a minha vez de tentar ajudar e conduzir outros jogadores. Então, sempre há espaço para interpretações, pois os atos se transformam - devido a diferença natural entre os jogadores -, originando novas jornadas.

Logo, há várias histórias fora a do enredo principal que

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A verdade é que, para ser experienciado por completo, Journey deve ser jogado online

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A arte de Journey

Com uma direção artística muito inspirada era só questão de tempo até alguém ter a ideia de lançar um livro com toda a arte de Journey, trazendo mais detalhes sobre o visual e o estilo adotado pela produtora Thatgamecompany. A publicação foi escrita por Matt Nava, diretor de arte que incluiu bastante imagens de diferentes etapas do processo do jogo, até mesmo dos primeiros conceitos de Journey. O legal é que também terá um espaço só para as fan-art em resposta ao alto nível de artworks que eles recebem. Uma novidade é compatibilidade com o programa Darqui para smartphones e tablets, agora ao scanear uma imagem os leitores podem ter acesso a uma realidade aumentada. O livro The Art of Journey foi lançado em setembro, sem previsão de chegar ao Brasil.

o game pode proporcionar, justamente porque há muitos jogadores. Quando comparados a outros games com multi-players online - por exemplo os shooters como Counter Strike, onde se sabe com quem está jogando, monta-se estratégia e equipes e tudo mais - percebemos que o objetivo aqui não é só divertir, uma vez que estamos juntos e compartilhando uma experiência. Journey promove uma travessia curta (o game pode ser finalizado em uma hora e meia), mas muito marcante para os envolvidos. Mais do que isso: sua proposta é atual e também nos ajuda a refletir sobre os rumos que a in-dústria de games e os jogadores devem tomar. Não estamos sozinhos nessa.

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COLunA SONORA

Toque você tambémNúmero de vídeos de ar-tistas amadores recriando trilhas sonoras jogos na internet aumenta cada vez mais

Por Guilherme Machado

Não é pouco o material que encontramos na internet de artistas amadores executando

performances de temas de games clássicos. Considerando só a tradicional música do Super Mario Bros., encontra-mos ótimos arranjos de violão, baixo de onze cordas, vocais e coisas não tão comuns como este manualista.

Foi através deste tipo de vídeo, por exemplo, que a musicista Laura Intravia (entrevistada em reportagem nessa re-vista ) conseguiu integrar-se à equipe do Video Games Live. Após um vídeo de 2008 dela executando algumas trilhas da série Zelda ter alcançado milhares de views no Youtube, o fundador do VGL convidou-a para realizar sua per-formance em algumas apresentações do projeto. O convite deu tão certo que hoje, além de tocar flauta, ela também é arranjadora e solista vocal da equipe.

A questão é:: se você toca algum instrumento, pode muito bem criar a própria homenagem. E digo isso como alguém que já se aventurou nesse mundo. Você pode ver aqui um arranjo

próprio de violão para temas do The Legend Of Zelda: Ocarina of Time que recentemente alcançou 37 mil visualiza-ções.

O operacional é simples: arranje um modo de ouvir a trilha sonora original. Um jeito fácil é pesquisar pela trilha mais o nome “4shared” no Google. Muitas vezes, a pesquisa no próprio 4shared omite vários resultados. Após escutá-la in-cessantemente, dedique um bom tempo para fazer o seu próprio arranjo. É claro, você pode também pesquisar por ta-blaturas e cifras prontas na internet, mas isso faz com que um pouco da inovação e criatividade se perca no processo. Depois, pratique o seu próprio arranjo. Parece fácil, já que foi algo “criado” por você, mas, acredite, pode ficar bem complicado. Depois, é só gravar. Se quiser se vestir como o personagem do

jogo, como a Laura, fique à vontade.O mais difícil, no meu caso, foi que-

rer fazer tudo continuamente, em um só take. Não há mal em fazer vários takes e editar depois, mas foi uma opção pes-soal. Graças a essa ideia genial, foram precisos de quase 30 takes e muita pa-ciência pra chegar até o resultado final, que contou também com o tratamento do áudio do violão, gravado no PC (não com o som da câmera) através de uma mesa de som.

Faça o seu vídeo também, mande pra gente e talvez você apareça na próxima edição da revista. Parte das tablaturas desse arranjo do Zelda você encontra aqui.

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coluna rpg

D&D Next! Meta o bedelho hoje mesmo!Conrado Fox Barreto é ex-estudante de jornalismo, sócio--gerente do Eclipse Studio Bar e criador e produtor da festa “A Vingança dos Nerds”.

Todo o RPGista já quis mudar uma ou mais regras de algum sistema específico. As editoras, com razão, nunca deram muita bola pra isso. Não é possível agradar

todos, afinal de contas. Certo? ERRADO!Ao menos é o que pensa o pessoal da Wizards of the

Coast (WotC), responsável por um dos sistemas de RPG mais conhecidos no mundo: o Dungeons & Dragons (D&D). A editora está tão ligada na opinião dos fãs, que decidiu disponibilizar um play test o qual pode ser jogado por qualquer um. Mas, claro, toda essa prontidão em atender as queixas e opiniões da galera não começou de graça. Se você é fã de Dungeons & Dragons, deve se encaixar em um desses casos: 1) Já está por dentro e está eufórico com essa novidade; ou 2) Não sabe nada sobre o assunto, já que abandonou o D&D depois das versões 3.5 e 4.0 (o que é perfeitamente compreensível). Se você não sabe o que é RPG, clique aqui e não incomode: pt.wikipedia.org/wiki/Role-playing_game

Bom, vamos aos fatos. Em 2008, com o lançamento da edição 4.0, a WotC desferiu o último golpe no coração do seu sistema de RPG. Vários jogadores migraram para as novas versões do mundo das trevas da editora White Wolf – excelentes cenários e regras, diga-se de passagem – sem contar os que simplesmente pararam de jogar RPG. As constantes correções e adaptações que começaram na edição 3.0 transformaram, aos poucos, um sistema divertido em um sistema atravancado e difícil de jogar.

Depois desse triste prólogo, uma luz surge no fim da dungeon. No começo de 2012 a WotC divulgou que lançaria

a 5ª edição do D&D. Mais do que isso: ficaria atenta a fóruns e discussões de fãs para balizar as atualizações nas regras. Dito e feito! Eis que em 24 de maio desse ano é liberada a primeira parte do aclamadíssimo play test colocando a prova o que, por enquanto, é chamado de D&D Next.

O mais divertido é que qualquer falante da língua inglesa pode se cadastrar como cobaia no site oficial www.wizards.com e receber sua primeira dose homeopática de nerdice de qualidade. Além do pacote, que inclui também uma aventura pronta, o cadastro faz com que o RPGista possa participar dos fóruns de discussão na home page e passe a receber retifica-ções periódicas das regras feitas pela editora (tudo com base nos bate-bocas dos usuários do sistema). Na segunda quinzena de agosto, a WotC liberou a primeira leva de correções e a se-gunda parte do play test, permitindo que os jogadores evoluam até o nível 5 de personagem e endireitando alguns detalhes que estavam gerando discussões on line.

A genialidade do processo não está apenas em fazer os usuários criarem seu próprio sistema de RPG. A genialidade está em trazer todos os antigos fãs do D&D para perto novamente, com uma espécie de teaser colaborativo em que realmente todo mundo sai ganhando. Eu próprio estou jogando o play test com alguns amigos. Todos compartilham a opinião de que mesmo inacabado o D&D Next já está muito bom, e a cada correção que aparece, o comentário geral do grupo é “bah, bem melhor assim!”. Isso é sinal de que a iniciativa da WotC está funcionando e que podemos esperar um sistema muito completo e agradável de jogar. Claro, só saberemos o que o D&D Next nos reserva quando o livro for publicado. A vantagem é que, para essa edição, todos podemos visitar o site e espernear a vontade, não permitindo que eles estraguem novamente um sistema de RPG brilhante.

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Felipe NevesARTIGO

Participatory Culture eGamecultura

Em seu artigo, Felipe Neves ques-tiona se os videogames realmente possuem uma cultura própria

D iversos autores que estudam videogames ressaltam a relação direta dele com uma cultura própria, que envolve trocas e interações particulares. Ao cami-

nhar por tantos conceitos, veremos que o termo Participatory Culture (SOTOMAA, 2003; RAESSENS, 2005) é utilizado por alguns autores para definir um tipo de cultura que é construída de um modo coletivo, especialmente, com as novas tecnolo-gias, potencializando a ação do indivíduo e inserindo-o no campo da autoria compartilhada.

Embora o termo Cultura Participatória ocasione inúmeros questionamentos, pois revive a tradicional separação entre cultura de massa e alta cultura, ele traz um ponto de vista interessante para se entender alguns dos aspectos do que chamamos de Gamecultura.

Originalmente o termo Participatory Culture foi utilizado para descrever o universo dos fãs que não assumiam uma po-sição passiva de consumo diante dos meios de comunicação de massa. Henry Jenkins em seu "Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture" procura discutir esta questão apontando que os fãs “transformam a experiência de consu-mo de mídia em produção de novos textos, na verdade uma nova cultura e uma nova comunidade”(JENKINS, 1992:46).

As modificações de videogames, os mash-ups, as mixa-gens são todos exemplos de como este comportamento se apropria das novas mídias e provoca mudanças na forma de consumir tais produtos. Uso o termo consumo, pois é o ideal dos produtores da cultura de massa: gerar produtos culturais enlatados e que invariavelmente são recebidos passivamente, como as soap operas, para citar um exemplo.

Nos games especificamente, vemos uma potência de intervenção, intrínseca à imagem numérica, que convida o

*Felipe Neves é professor e gamer nas horas vagas. Esse texto foi originalmente publicado no site Gamecultura.

jogador a imaginar mudanças e, efetivamente, aplicá-las recriando novos mundos. Como afirma Sotamaa, este grupo de fãs que a cultura participatória aponta, também recria os seus games:

“ A natureza digital dos games permite que eles sejam manipulados e reprogramados - também pelos consumidores. Jogadores podem personalizar a aparência de seus perso-nagens no game criando modelos, novos mapas e aventuras baseadas em títulos de games existentes. Por exemplo, os fãs de games de esportes podem criar cópias detalhadas das ligas nacionais e locais, incluindo as estatísticas do jogador, uniformes e estádios.” (2003:3)

Ao se incorporar esta prática, vemos que não há apenas a intervenção dos fãs, mas há uma apropriação da própria linguagem que os videogames vêm constituindo. E é a partir deste ponto que podemos começar a vislumbrar a emergên-cia de uma Gamecultura. O erro é imaginar que Gamecultu-ra consiste apenas nesta liberdade de ação dos fãs/jogado-res que interagem e criam obras derivadas ou que intervém nos próprios games existentes.

Podemos vislumbrar uma série de produções que res-gatam a estética dos videogames e envolvem releituras e interpretações para outros meios. Este é o caso, por exemplo, dos filmes que resgatam a temática dos videogames como em “Tomb Raider”, clássico jogo da protagonista Lara Croft ou “House of the Dead”, filme baseado no game homônimo da Sega. Outro que revive a estética dos First Person Shooters é a película “Doom”, que resgata no cinema as cenas em primeira pessoa, comuns ao jogo.

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Embora estes trabalhos sejam apenas continuações ou adaptações dos games para a grande tela, vemos trabalhos que se apropriam efetivamente da linguagem dos games para gerar produções interessantes, como é o caso de filmes como “eXistenZ” de David Cronenberg, em que resgata elementos do videogame como o gênero de aventura, e “Avalon” de Mamoru Oshii (criador do “Ghost in the Shell”), que retoma o universo dos jogos de guerra. Estes já são exemplos de filmes que se apropriam da linguagem dos games para produzir filmes.

Os filmes, os quadrinhos, os esportes e o ciberatletismo são exemplos de expansão do universo dos games para a esfera cultural. A intersecção entre o videogame e a cultura se faz cada vez mais presente. Jogos de esporte como as séries “Fifa” e “Fight Nigh” da EA Sports, por exemplo, trazem patrocinadores que compram espaços de propa-ganda nos próprios videogames. Jogos como “Grand Theft Auto” (Rockstar), veiculam em seus universos s folhetos e pro-pagandas reais de grupos de apoio a viciados, mesclando elementos reais a elementos numéricos. Além das interven-ções dentro de peças comunicacionais já implementadas como o grupo Velvet Strike que procura subverter a lógica de utilização do jogo “Counter Strike”, veiculando imagens pacifistas e de questionamento.

O termo Gamecultura então se aplica a uma cultura específica que se apropria de elementos que constituem parte do universo do videogame e seus desdobramentos. Tais elementos podem ser pensados tanto na esfera eco-

nômica, social e psicológica, já que eles ecoam de maneira a mudar a forma como determinados grupos se relacio-nam, convivem e se divertem.

Se a Cibercultura aponta como um marco o surgimento das redes de comunicação e o ciberespaço, a Game-cultura atinge seu ápice na difusão dos videogames em larga escala. Ela também se desenvolve em um ambiente permeado pelas redes de informação e comunicação e se expande não só através dos consoles, mas dos arcades, dos computadores, dos dispositivos móveis, e através da difusão da computação pervasiva e ubíqua, povoan-do sistemas de comunicação móvel como celulares, até dispositivos portáteis que podem se tornar em centrais de entretenimento.

Referências

RAESSENS, J. Computer game as participatory culture. In handbook of computer game studies.

Cambridge: MIT Press, 2005.SOTAMAA, O. Computer Game Modding, In-termediality and Participatory Culture. University

of Tampere, Finland, 2003.JENKINS, Henry. Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture. Routledge, 1992.

Este é o caso, por exem-plo, dos filmes que resgatam a temática dos videogames como em “Tomb Raider”, clássico jogo da protagonista Lara Croft ou “House of the Dead”, filme baseado no game homônimo da Sega.

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Scott pilgrimalém dos games

A harmonia de

Criada pelo desenhista canadense Bryan Lee O’Malley, a série Scott Pilgrim foi publicada em quadrinho entre agosto de 2004 e julho de 2010, mesmo ano em que ganhou uma adaptação para o cinema

Por Rafael Gloria

A Graphic Novel homônima que inspira Scott Pilgrim vs The World facilita a adapta-

ção para as telonas, pois o autor cana-dense Bryan Lee O’Malley monta um panorama onde a história é ambienta-da em um mundo real – Toronto, Cana-dá – e com uma história verossímil, mas com o virtual e a fantasia sempre pre-sente, a partir de toques de surrealismo bebendo na fonte dos videogames e também dos mangas japoneses. O filme, assim como o quadrinho, também tira um ótimo sarro da cena indie e dos hipsters que lotam essa mistureba que é cultura pop mundial.

Depois dessa explicação básica, percebemos que, como objeto filmico, o seu maior trunfo é conseguir criar uma linguagem a partir do corte e da mon-

tagem que lembra a quase violenta rapidez dos quadrinhos. A agilidade narrativa é o que não deixa o filme perder o seu fôlego, o que talvez seja uma herança das HQ’s modernas pois podemos observar mesmo fenômeno no filme KickAss, também adaptação de um quadrinho. Aqui você não verá longas planos sequências no filme, ou penetrações ao fundo de alguma paisagem, a fim de explorar o cenário. Não há tempo para isso. Até nas suas partes mais românticas, o filme se utiliza dessa fluidez cartunesca, como quando Scott fecha os olhos com as mãos e a tela fica preta, ou como antes de pronunciar o nome do local para que estava indo, a cena é cortada e apare-ce na tela o nome do tal lugar – como se ele não tivesse que pronunciar, pois o visual é tão importante quanto uma fala. São essas cenas justapostas

influenciadas pela HQ que ajudam a fomentar essa originalidade narrativa do filme.

Apesar de todas essas modernida-des a trama gira em torno da história clássica da garota dos sonhos – já observada várias vezes em filmes americanos. Scott Pilgrim vs The World até tira um sarro disso, porque o protagonista realmente vê sua amada pela primeira vez em um sonho, só depois que a conhece pessoalmente. A grande sacada – e aqui também entra a importância dos videogames – é como essa história de amor moderna, indie e hipster é contada. Para ficar com sua amada Ramona Flowers (que, para variar, muda de cabelo a cada semana como qualquer moça que de-seja ser diferente atualmente) ele deve derrotar os seus sete ex-namorados do mal. Lutar não, derrotar, como ela

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o avisa. Esse enredo é típico de jogos clássicos de luta como Final Fight e Street of Rage onde a progressão de jogo se dá a partir de lutas. É a mesma coisa com o filme, só que com o amor como o prêmio final. Ramona e Scott só poderão ficar juntos depois que ele derrotar os sete ex- namorados. É legal como o filme traça um parâmetro como essa luta com os ex-amores da moça também é uma luta de qual-quer relacionamento, mas no nosso, como somos meros humanos, uma luta interna. A disputa de Scott com os ex--namorados de Ramona Flower talvez seja a maior metáfora da série.. Pois cada ex-namorado superado, é uma nova fase de vida, e, em novas fases, também temos novos problemas a serem superados. E é isso que torna a identificação com a série tão grande.

A trilha sonora do filme é um

A trilha sonora do filme é um espetá-culo à parte. Os próprios efeitos sonoros de jogos clássicos como Zelda dão dicas de que o filme é cheio de referên-cias ao mundo dos games. É divertido para quem conhece esse mundo identificar os sons de jogos, de por-táteis, barulhos de quando inicia algum jogo.

espetáculo à parte. Os próprios efeitos sonoros de jogos clássicos como Zelda dão dicas de que o filme é cheio de referências ao mundo dos games. É divertido para quem conhece esse mundo identificar os sons de jogos, de portáteis, barulhos de quando inicia algum jogo. Fora isso, o filme também tem excelentes músicas para quem gosta rock alternativo da década de noventa, afinal Scott é baixista de uma banda indie, a Sex Bomb-Omb então há momentos fortes de música – inclusi-ve batalhas de bandas e de baixo.

Seria Scott Pilgrim vs The World uma espécie de marco no cinema contemporâneo? É perigoso, mas necessários refletir sobre o filme como uma das primeiras vezes em que videogames, histórias em quadrinhos e cinema se deram bem juntos.

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Conheça um pouco mais sobre o autor de Scott Pilgrim e do cineasta:

Bryan Lee O’Malley é um cartunista canadense. Na época em que começou a escrever a obra por qual é mais conhecido, ele tinha 24 anos, a mesma idade do que Scott na história em quadrinho. Aliás, muito das características do protagonista dos quadrinhos e o seu contexto estão ligados com a vida do autor. É claro que ele não enfrentou sete ex-namorados para finalmente conseguir uma companheira, mas a cidade em que os eventos acontecem, assim como os gostos de Scott e o fato de ele tocar um instrumento são qualidades que se assemelham a de Bryan. Quanto ao seu traço, o autor canadense tem características bem marcantes como, por exemplo, a grande variedade de tamanho dos quadros, os personagens que ultrapassam os limites impostos pelo requadro, a utilização de apenas preto e branco em toda a obra e o número farto de onomatopéias. Ele tem um site bem ativo em que responde algumas perguntas dos fãs e coloca boa parte da origem de suas produções: www.radiomaru.com.

O cineasta britânico Edgar Wright começou a dirigir os próprios filmes aos 14 anos de idade, quando frequentava a escola e trabalhava em um ponto turístico de sua cidade na-tal. Sua carreira começou mesmo na televisão, dirigindo uma série que misturava comédia e ficção científica, que acabou fazendo bastante sucesso. Foi realizando esse programa que conheceu os escritores e atores Simon Pegg e Jessica Hynes, parceiros ativos de produção.

As influências e citações visuaisna obra

É indiscutível que O’Malley conseguiu criar um universo rico com as suas inúmeras referências, tornando Scott Pilgrim uma boa e complexa mistura de videogames, mangas, moda, enfim, a cultura pop. Uma das mais marcantes nos quadrinhos é a sua óbvia influência dos mangas japoneses, o que fica evidente nos exageros de expressões faciais e física dos personagens, assim como a estilização dos traços de movimentos e a ausência das cores. Já no filme, logo no seu início, assim que aparece o logo da Universal Pictures, a tradicional música da produtora é apresentada no formato midi, como os jogos das gerações antigas. Essa marca, inclusive, está toda pixelada, semelhante aos gráficos gerados pelos games no início da década de 1990. Há também claras referências ao famoso jogo de coreografia Dance Dance Revolution da Konami Digital Entertainment, nas cenas em que Scott e Knives jogam em dupla o Ninja Ninja Revolution.

Uma ótima cena que homenageia o jogo Zelda Ocarina of Time é a em que Scott está tendo uma espécie de delírio e a canção que ele escuta ao fundo é a Fairy Theme, aquela que aparece nas fontes das fadas. Essas referências também são utilizadas como ótimos momentos cômicos, principalmente quando brincam com clichês dos games,.

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Vai jogar

Para todos os gostosNa última página da Segundo Controle, pedimos para alguns dos nossos entrevistados da edição indicarem jogos. Confira as sugestões:

Sugestão de jogo de Pedro Paiva“R-type III para Playstation. Ele é interessante porque quando você pensa que o terminou ele te manda para o início e com uma dificuldade maior para fazer tudo de novo.

”Sugestão de jogo de Letícia Perani“Xenoblade Chronicles para o Nintendo Wii. Nunca fui muito fã de RPGs, mas este me conquistou pelo seu gameplay impecá-vel, uma narrativa envolvente, grande variedade de sidequests e a beleza dos seus cenários. Já estou com 95 horas de jogo, e não estou nem perto de terminar!”

Sugestão de jogo de Alissa Machado “Eu vou indicar um dos meus jogos de point and click favoritos: The Dig, da Lucas Arts. É um jogo que tem uma ótima história (era pra ser um filme do Spielberg, mas ele preferiu deixar o roteiro pro jogo), é desafiador e divertido. Com certeza quem jogar vai se divertir muito.”

Sugestão de jogo de Felipe Neves “Fallout: New Vegas. Embora antigo, o roteiro elaborado e as belíssimas noites da réplica de Las Vegas o tornam um jogo muito interessante.”

Sugestão de jogo de Tiago Faccio “Limbo: Hoje com tantos recursos fiquei impressionado como ele me cativou tanto. Fazia tempo que não jogava um game com o intuito de virar ele. Gráficos simples, mas com uma estética impe-cável, uma jogabilidade de dois botões e um grande puzzle. Um jogo que parece um clipe de musica de tão lindo.”

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Sugestão de jogo de Marsal Alves Branco“Vou indicar o Katamari para o PlayStation 2. Trata se de uma verdadeira aula de jogos digitais. E é um game que todos deve-riam jogar, especialmente os gamers dito hardcores, queacham que sabem tudo e que só querem saber de fotorealismo, ou de dar tiros. Jogos como Katamari mostram para o mundo como genialidade e um trabalho bem feito bastam. Acho quekatamari é um jogo que mudou a minha vida.”

Sugestão de jogo de Thais Weiller“Vou recomendar Castlevania II: Simon’s Quest, ainda mais se for possível jogar e compará- lo Castlevania I e IV. É muito fácil falar mal de Simon’s Quest, é um jogo em que muitas partesrealmente não funcionam, ainda mais em relação ao todo. Re-levando alguns aspectos, Simon’s Quest é um jogo excelente e com muitas boas idéias, mas cuja maioria foi aplicada de formaerrada. Recomendo jogar este jogo e, se possível, outros títulos da série para que o jogador possa observar por si mesmo não só os bons exemplos de evolução de mêcanicas e conceitosno decorrer da franquia, mas também os maus exemplos de como boas idéias implementadas da forma errada podem ser até mais danosas do que a falta delas.”

Sugestão do estúdio SwordtalesAlessandro Martinello: “Indico o Vagrant Story, grande rpg da geração PlaOne que pouca gente conhece, merecia mais reconhecimento.”Conrado Testa: “O Journey, da ThatGameCompany, realmente mte marcou dessa última levade jogos para o PlayStation 3.”Luiz Alvares: “Para mim, Portal é uma série que deveria ser obri-gatória de ser jogada”.

Sugestão de jogo de Gregory Gaboardi“Recomendo é Final Fantasy Tactics, na versão do PlayStation. Acho que é um jogo que pode fazeralguém começar a gostar tanto de jogos de RPG quanto de jogos de estratégia, isto porque ele combina o melhor dos dois gêneros. Quer dizer, talvez alguns discordem da parte do RPG, e realmente esta parte não é o forte do jogo, mas uma das coisas que um bom RPG precisa ter é um bom enredo, e o enredo de FFT é excelente. Já no gênero estratégia a qualidade do jogo é inquestionável.”

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