ser piÁ: desvelar o Íntimo, transver o mundo

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Artista-Educadora: Kaloni Scharnovski Equipamento: Centro Cultural de Penha ENSAIO PESQUISA-AÇÃO SER PIÁ: DESVELAR O ÍNTIMO, TRANSVER O MUNDO Ê mundo! Tão bonito, tão diverso, tão infinito! Por que nos colocamos rédeas e antolhos? Desde que aqui abrimos nossos olhos e pulmões, padrões civilizatórios induzem atos, passos e interpretação de fatos, e tantas muitas vezes os assimilamos como não carentes por reflexão. Incorporamos nas rotinas de nossas vidas padrões numéricos, comportamentais, políticos, espirituais. Casa, trabalho, entretenimento. Pão e circo. Assim a vida vai seguindo. A infância - com sua paleta de cores de possibilidades mil, sua sonoridade sem freios, suas sinceras percepções, suas palavras carregadas de sensações, seus movimentos enérgicos, seu corpo disposto e presente - recebe do mundo o ‘certo’ e o ‘errado’, o espírito da palmatória. A arte aparece nesse contexto como ferramenta poderosa para a sensibilização e expressão. Não enquanto prática técnica, mas como portal para reflexão, observação, reconhecimento, representação, recriação, do que nos rodeia e envolve. Ela transporta-nos do quadrado fechado de nossas casas, escolas, igrejas,

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Page 1: SER PIÁ: DESVELAR O ÍNTIMO, TRANSVER O MUNDO

Artista-Educadora: Kaloni Scharnovski

Equipamento: Centro Cultural de Penha

ENSAIO PESQUISA-AÇÃO

SER PIÁ:

DESVELAR O ÍNTIMO, TRANSVER O MUNDO

Ê mundo! Tão bonito, tão diverso, tão infinito!

Por que nos colocamos rédeas e antolhos?

Desde que aqui abrimos nossos olhos e pulmões, padrões civilizatórios induzem atos,

passos e interpretação de fatos, e tantas muitas vezes os assimilamos como

não carentes por reflexão.

Incorporamos nas rotinas de nossas vidas padrões numéricos, comportamentais,

políticos, espirituais. Casa, trabalho, entretenimento. Pão e circo.

Assim a vida vai seguindo.

A infância -

com sua paleta de cores de possibilidades mil,

sua sonoridade sem freios, suas sinceras percepções,

suas palavras carregadas de sensações,

seus movimentos enérgicos,

seu corpo disposto e presente -

recebe do mundo o ‘certo’ e o ‘errado’,

o espírito da palmatória.

A arte aparece nesse contexto como ferramenta poderosa para a

sensibilização e expressão.

Não enquanto prática técnica, mas como portal para reflexão, observação,

reconhecimento, representação, recriação, do que nos rodeia e envolve.

Ela transporta-nos do quadrado fechado de nossas casas, escolas, igrejas,

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da retidão de nossas trilhas e pensamentos,

para o infinito azul do céu.

Convida-nos a transver o mundo, como poetizou Manoel de Barros,

“A expressão reta não sonha.

Não use o traço acostumado.

A força de um artista vem das suas derrotas.

Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.

Arte não tem pensa:

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo.”

Mas para transver é preciso ver, a si, ao outro. (Re)conhecer o âmago, o cerne.

E ser PIÁ é ser coração, é desvelar o profundo íntimo.

Assim significa a palavra em sua origem tupi e guarani.

Assim as mães indígenas chamam suas crianças.

Assim o artista-educador considera e chama a todas as crianças de suas turmas.

O Programa PIÁ possui um incrível potencial por proporcionar a crianças de diversas

regiões da cidade experiências que fogem de suas rotinas diárias. É um espaço para

o encontro, criação, compartilhamento, e tudo de natural que possa existir na

natureza infantil, pois ela já carrega em si “um formato de pássaro”. Não existe o certo

e o errado, portanto não existem exercícios técnicos para a expressão artística.

Existem exercícios para explorar coletivamente nosso eu criativo. O produto dos

encontros são os processos artísticos vivenciados, que podem ou não se materializar.

Não existe obrigação, porque como já disse o mesmo poeta Manoel “a importância de

uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. O

artista-educador atua como encantador. Seu papel é despertar a sensibilidade dentro

de si e no interior de seus piás, para proporcionar experiências artísticas

encantadoras. Assim, deve também sempre estar no estado de encantamento. Por

isso, muitas vezes mostra-se difícil a compreensão do Programa. O artista-educador

deve primeiro perceber e retirar suas rédeas e antolhos simbólicos, estar aberto para

experimentar além do que já conhece, além de sua formação. Seus disparadores

podem tomar as mais diversas proporções, e isso não o impede de deixar que a

proposta se modifique, flua de acordo com os desejos da turma. A estrutura de

quartetos e duplas, com artistas-educadores de diferentes linguagens artísticas,

fortifica essa característica transformadora do programa.  Sendo piá, por oito meses,

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dei vida a vários ‘eus’, transportei-me a diversas realidades, passeei do concreto ao

abstrato, experienciei muitas sensações. Redescobri o olhar curioso e a importância

de estar aberto para o novo. Junto com a equipe de artistas-educadores e nossas

turmas,

experimentamos materiais diferentes, buscamos enxergar arte em tudo,

                                                                                                                                                                             aprendemos a alegria de compartilhar,

refletimos sobre nossos sonhos,                          

  brincamos  com  sons,    experimentamos  movimentos,    

               

vencemos medos, pensamos em equipe, e, principalmente, nos divertimos pra valer!