silva e paula

23
Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada 1 Hebe por Hebe: um estudo das construções identitárias no discurso de si Carla Carvalho Silva (UFSJ/REUNI) 1 Tatiana Nathália de Paula(UFSJ/CAPES) 2 Resumo: Considerando que o ato de tomar a palavra implica na construção de uma imagem de si, o presente trabalho analisa a maneira como a apresentadora Hebe Camargo se autorrepresentou em duas entrevistas, uma concedida à revista Caras e outra ao programa De frente com Gabi. Com o objetivo de depreender as ethé discursivas da apresentadora e as identidades emergentes, foi feita uma análise discursiva dos procedimentos de descrição de Hebe Camargo, mais precisamente das categorias de qualificação e nominalização. Pela análise, foi possível depreender os efeitos de sentido decorrentes dessas enunciações, o que apontou para uma construção de uma imagem de Hebe Camargo com valorações positivas e que criam possíveis identificações com seu público. Palavras- chave: identidade; discurso de si; representação; análise do discurso. Abstract: Considering that the act of taking the floor implies in the construction of a self-image, the aim of this article is to analyze the way how the TV Show host Hebe Camargo represents herself during two interviews: one of them granted to Caras magazine and the other to the TV show De frente com Gabi. With the purpose of identifying Hebe Carmargo’s discursive ethé, as well as the identities which emerge in her speech, we have analyzed in a discursive way the procedures based on which Hebe Camargo was described, in particular, the nominalization and qualification categories. By this analysis, it was possible to identify effects of meaning arising from her enunciations, that demonstrated a construction of a Hebe Camargo’s image with positive characterizations which creates possible identification points between her and her audience. Keywords: identity, self-image, representation, discourse analysis. 1 [email protected] 2 [email protected]

Upload: carla-carvalho

Post on 26-Nov-2015

10 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

1

Hebe por Hebe: um estudo das construções

identitárias no discurso de si

Carla Carvalho Silva (UFSJ/REUNI)1

Tatiana Nathália de Paula(UFSJ/CAPES)2

Resumo: Considerando que o ato de tomar a palavra implica na construção de uma

imagem de si, o presente trabalho analisa a maneira como a apresentadora Hebe

Camargo se autorrepresentou em duas entrevistas, uma concedida à revista Caras

e outra ao programa De frente com Gabi. Com o objetivo de depreender as ethé

discursivas da apresentadora e as identidades emergentes, foi feita uma análise

discursiva dos procedimentos de descrição de Hebe Camargo, mais precisamente

das categorias de qualificação e nominalização. Pela análise, foi possível

depreender os efeitos de sentido decorrentes dessas enunciações, o que apontou

para uma construção de uma imagem de Hebe Camargo com valorações positivas e

que criam possíveis identificações com seu público.

Palavras- chave: identidade; discurso de si; representação; análise do discurso.

Abstract: Considering that the act of taking the floor implies in the construction of a

self-image, the aim of this article is to analyze the way how the TV Show host Hebe

Camargo represents herself during two interviews: one of them granted to Caras

magazine and the other to the TV show De frente com Gabi. With the purpose of

identifying Hebe Carmargo’s discursive ethé, as well as the identities which emerge

in her speech, we have analyzed in a discursive way the procedures based on which

Hebe Camargo was described, in particular, the nominalization and qualification

categories. By this analysis, it was possible to identify effects of meaning arising from

her enunciations, that demonstrated a construction of a Hebe Camargo’s image with

positive characterizations which creates possible identification points between her

and her audience.

Keywords: identity, self-image, representation, discourse analysis.

1 [email protected]

2 [email protected]

Page 2: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

2

1. Introdução

O falecimento da apresentadora Hebe Camargo, ocorrido no dia 29 de setembro de

2012, foi amplamente divulgado pela mídia brasileira. Essa repercussão nos motivou a

investigar como algumas revistas que deram um enfoque significativo a esse fato, a saber,

Caras, Época e Contigo, representaram postumamente Hebe Camargo e construíram

identidades para elai. Os resultados nos levaram a desenvolver o presente trabalhoii, que tem

como problemática as seguintes questões: como Hebe Camargo se autorrepresentaria?

Quais “imagens de si” emanam de sua enunciação?

Movidas por tais questionamentos, nos propomos a analisar a forma como a

apresentadora Hebe Camargo se representa na matéria veiculada na revista Caras (05 de

outubro de 2012, edição nº 987) e em entrevista concedida ao programa De frente com Gabi,

que foi ao ar no dia 06 de junho de 2010, pelo SBT. Sabendo que, de acordo com Amossy,

“todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si” (2005, p.09),

entendemos que tanto a matéria quanto a entrevista configuram-se como enunciações que

possibilitam delinear um perfil de cunho autobiográfico. Nesse sentido, a partir do

levantamento das imagens de Hebe Camargo, ou seja, de suas ethé presentes no objeto de

análise, foi possível verificar a construção linguístico-discursiva de identidades em seu dizer,

assim como os efeitos de sentido produzidos a partir dessas identidades emergentes.

Ao considerarmos as entrevistas como um gênero que dá visibilidade à Hebe

Camargo ao conferir a palavra para que a mesma fale de si, numa perspectiva

autobiográfica, estamos de acordo com as proposições de Leonor Arfuch (2010), que afirma

que o gênero “se revelou como um meio inestimável para o conhecimento das pessoas,

personalidades e histórias de vida ilustres e comuns” (ARFUCH, 2010, p.151). O falar de si

implica num efeito de espontaneidade e autenticidade, o que para as pessoas famosas se

torna um meio de deixar sua marca na memória pública, ao mesmo tempo, que confere uma

significação social às suas ações. Nessa perspectiva, pela análise das ethé de Hebe

Page 3: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

3

Camargo e das identidades que corroboram para sua construção, acreditamos ser possível

vislumbrar como a apresentadora constrói sua narrativa, conferindo significado a si dentro do

cenário midiático, ao mesmo tempo em que legitima uma imagem diante do seu público.

Para cumprir os objetivos propostos, foi feita uma análise discursiva dos dados a

partir da Análise do Discurso, mais precisamente da teoria Semiolinguística proposta por

Patrick Charaudeau (2009), no que se refere ao modo de organização discursivo descritivo.

Na problematização dos conceitos referentes à identidade, o aparato teórico utilizado foi

composto por Hall (2006) e Rajagopalan (2010). Já com relação à construção das imagens

de si no discurso, foi utilizado o que propõe Amossy (2005).

2. Ethos, a imagem de si, e a identidade

Dentro da Retórica Antiga, um dos precursores no que se refere ao estudo do ethos

foi Aristóteles. Seu postulado é de que o ethos está ligado à própria enunciação, sendo que o

orador deve criar, pela maneira como tece seu discurso, uma imagem de si, que possa

ganhar a confiança do auditório, convencendo-o. Esse convencimento e confiança adquirida

seriam um efeito de discurso ligado à fonte enunciativa, e não a um caráter extralinguístico

do orador. Desde as reflexões propostas pelo filósofo grego, a noção de ethos passou por

algumas reformulações nos campos da argumentação, da pragmática, da análise do

discurso, recebendo destaque – entre outros autores - nos estudos do linguista francês

Dominique Maingueneau.

Maingueneau (2008) afirma que a retomada dos estudos ligados ao ethos

reapareceu, sobretudo, por meio das problemáticas relativas aos estudos discursivos, área

na qual o autor desenvolveu sua teoria sobre essa temática. Ele enumera três princípios

básicos ligados ao ethos: 1) trata-se de uma noção discursiva, ou seja, o ethos é construído

através do discurso; 2) é um processo interativo de influência sobre o outro; 3) é uma noção

Page 4: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

4

sócio-discursiva, por isso híbrida, que deve ser apreendida dentro de uma situação de

comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica.

A noção de ethos, para Maingueneau (2008), constitui uma dimensão de todo ato de

enunciação, “mas não se pode ignorar que o público constrói também representações do

ethos do enunciador antes mesmo que ele fale” (MAINGUENEAU, 2008, p.15). É nessa

perspectiva que o linguista francês estabelece uma distinção entre ethos discursivo e ethos

pré-discursivo. O primeiro seria a imagem construída na enunciação pelo locutor, já o

segundo, refere-se às representações prévias que o destinatário possui do ethos do locutor,

algo comum se pensarmos em sujeitos que estão em evidência na mídia, como as

celebridades. O ethos discursivo em conjunto com o ethos pré-discursivo formam aquilo que

ao autor denomina como ethos efetivo.

Maingueneau ainda expande a noção de ethos para além da retórica e abarca todos

os tipos de texto, sejam eles orais ou escritos. Para ele, “qualquer discurso escrito [...] possui

uma vocalidade específica, que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio do

tom que indica que o disse” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). É essa vocalidade que implica

uma determinação do corpo do enunciador, bem como a emergência de uma origem

enunciativa encarnada, que exerce o papel de fiador. Assim, se há vocalidade, há também

um corpo do enunciador, ou seja, ao enunciar, um orador constrói esse corpo do enunciador.

Esse fiador, conforme explica Maingueneau (2005), é investido de um caráter, que é

um feixe de traços psicológicos, assim como de uma corporeidade, entendida como uma

constituição corporal, uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social. Para o autor,

esse “caráter e corporeidade do fiador apoiam-se [...] sobre um conjunto difuso de

representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os quais a

enunciação se apoia e, por sua vez, contribui para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU,

2005, p. 72). Assim, o ethos pode ser entendido como fazendo parte de uma identidade que

se assume no discurso.

Page 5: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

5

Amossy (2005), ao falar da construção do ethos, afirma que o orador “modela seu

ethos com as representações coletivas que assumem, aos olhos dos interlocutores, um valor

positivo e são suscetíveis de produzir neles a impressão apropriada às circunstâncias”

(AMOSSY, 2005, p.124). O orador constrói a imagem de si em função da forma como julga

ser representado pelo auditório. Nesse tópico, a autora faz intervir a noção de estereótipoiii,

essencial para o estabelecimento do ethos. Ela argumenta que, para que a imagem de si que

o locutor constrói apareça como legítima diante do auditório, é preciso que essa imagem

esteja baseada em representações partilhadas. Assim, o orador adapta uma apresentação

de si de modo que direcione a percepção do receptor, a seu respeito, para uma categoria já

conhecida, daí a importância do estereótipo. Trata-se, portanto, de uma estratégia que o

orador lança mão para que a imagem de si que ele constrói seja próxima àquela que o

espectador possui a seu respeito. Nessa perspectiva, podemos perceber um diálogo entre o

ethos e fatores extralinguísticos, visto que a imagem prévia que o espectador faz do locutor

está ancorada em imagens existentes no mundo social.

Cabe ressaltar, também, a questão da cenografia colocada por Maingueneau

(2005). Para o autor, ao construir o seu dizer dentro daquilo que o gênero possibilita, o

locutor adota uma cenografia. O ethos seria um dos elementos constituintes dessa

cenografia, “tendo o mesmo estatuto que o vocabulário ou os modos de difusão que o

enunciado implica por seu modo de existência” (MAINGUENEAU, 2005, p. 75). Nessa

perspectiva, entende-se que todo discurso é composto por uma cena de enunciação, que se

subdivide em três: 1) a cena englobante, que está ligada ao tipo de discurso; 2) a cena

genérica, que se relaciona a um contrato associado a um gênero discursivo, e 3) a

cenografia, que é construção própria daquele texto.

Assim, a análise das ethé de Hebe Camargo foi feita entendendo que o ethos efetivo

tem tanto o ethos discursivo como o ethos pré-discursivo em sua construção. Por se tratar de

alguém que tem sua imagem constantemente divulgada pela mídia, foi possível depreender

representações prévias das ethé de Hebe Camargo nas enunciações de Caras e Marília

Page 6: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

6

Gabriela. Além disso, investigamos como o ethos discursivo corrobora para a construção

linguístico-discursiva das identidades de Hebe Camargo.

Ao falar, o locutor ativa em seus destinatários certa representação de si, ou seja,

constrói seu ethos. Por se tratar de um processo de representação, é possível perceber

como as ethé se vinculam à emersão de identidades do sujeito representado durante o

processo de enunciação. Assim, entendendo a construção do ethos como uma forma de

representação de si, que dá margem à emersão identitária, temos, segundo Rajagolan

(2010), a relação entre identidade e representação. Tal relação é entendida pelo autor como

a questão política da representação, que é de suma importância pelo fato de ser através dela

que novas identidades são constantemente afirmadas e reivindicadas.

Segundo Hall (2001), as identidades sociais, que até então estabilizavam o mundo

social, entraram em declínio, surgindo assim novas identidades. A partir desse contexto, o

sujeito moderno, que era tido como um sujeito unificado, tornou-se um indivíduo

fragmentado. Esse processo de fragmentação identitária é chamado pelo autor de “crise de

identidade”, “vista como um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as

estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de

referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2001.

p.7).

Tal processo mais amplo consiste na fragmentação dos cenários culturais

relacionados a gênero, classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, assim como as

identidades sociais, eram sólidos e forneciam aos indivíduos localizações estáveis na

sociedade. Essa transformação passou a influenciar, também, as identidades pessoais de

cada um, fazendo com que a ideia que as pessoas têm delas mesmas como um sujeito

integrado seja questionada. O autor chama esse questionamento de deslocamento ou

descentralização do sujeito.

Todo esse processo tem como produto o sujeito pós-moderno, que tem como

característica o fato de não possuir uma identidade fixa e/ou essencial. A identidade torna-se

Page 7: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

7

móvel, formada e transformada constantemente em relação à representação do indivíduo

nos sistemas culturais que o rodeiam. O sujeito passa a assumir diferentes identidades em

diferentes contextos, sem que essas identidades sejam, necessariamente, centralizadas ao

redor de um “eu” unificado. Os fractais identitários dos sujeitos podem ser contraditórios,

conduzindo-os para direções diferentes e fazendo com que as identificações desses sujeitos

sejam deslocadas continuamente.

Ao discutir o que está “em jogo” em relação às identidades, Hall (2001, p. 18-21)

apresenta as consequências políticas da fragmentação ou pluralização das mesmas, e cita “o

jogo das identidades”, dentro do qual as identidades são “articuladas” de determinado modo,

a fim de atingir um objetivo específico.

Kanavillil Rajagopalan (2010) entende a identidade como um construto e não algo

que pode ser encontrado in natura. Dentre todas as identidades, a do individuo é a mais difícil

de ser pensada como algo em constante processo de (re)construção, pois a crença em uma

individualidade própria é primeira garantia de sobrevivência. O conhecimento de si, da

própria existência do sujeito pensante, requer que sua identidade permaneça imutável

durante, ao menos, o processo de autorreconhecimento. Nesse sentido, através da análise

dos dados, pudemos verificar como as identidades de Hebe Camargo foram construídas de

forma linguístico-discursiva, tanto por ela mesma, como por Caras, na reportagem publicada

pela revista, e por Marília Gabriela ao entrevistar Hebe Camargo em seu programa.

2. Análises

Para o levantamento dos dados, foi utilizada como suporte teórico-metodológico a

Análise do Discurso Semiolinguística, tal como proposta de Patrick Charaudeau (2009), com

ênfase na análise do modo de organização discursivo descritivo. Para o autor, “descrever

consiste em ver o mundo com um olhar ‘parado’ que faz existir os seres ao nomeá-los,

localizá-los e atribuir-lhes qualidades que o singularizam” (CHARAUDEAU 2009, p.111). Por

Page 8: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

8

meio da descrição, pode-se vislumbrar como os seres no mundo são identificados,

classificados e qualificados. Pode-se depreender, também, a partir de uma análise

linguístico-discursiva, como determinados processos descritivos são empregados dentro de

uma situação de comunicação específica e, principalmente, quais os sentidos emanam

desses processos.

Para o procedimento da análise, foram considerados os processos de

substantivação e adjetivação, bem como as expressões descritivas e nominativas

relacionadas à Hebe Camargo. Para Charaudeau (2009), quando substantivos e adjetivos

são empregados para nomear e qualificar um ser, além desses seres receberem uma

identificação enquanto ser, através de seus comportamentos e qualidades, passam a ter

características específicas. Nesse caso, percebe-se a visão de mundo daquele que nomeia,

pois tais atividades passam por sua subjetividade. Nessa perspectiva, entendemos que, por

meio dos adjetivos e substantivos levantados e, consequentemente, pelas representações e

imagens ou visões de mundo as quais essas categorias possibilitam cunhar, podemos ter

acesso ao ethos pré-discurso e discursivo de Hebe Camargo.

A revista Caras, diante do falecimento de Hebe Camargo no dia 29 de setembro de

2013, fez uma homenagem à apresentadora na edição nº 987 de 05 de outubro de 2012.

Nessa homenagem, que ocupou 28 páginas da edição, além do texto principal, havia

também todas as capas as quais Hebe Camargo protagonizou, como também matérias

antigas que a revista veiculou sobre ela. Nesse material, selecionamos para análise uma

matéria que foi publicada em abril de 2012, que continha uma entrevista concedida por Hebe

Camargo. Durante a entrevista em questão, a apresentadora falou de si e da doença que

enfrentava, configurando assim o que consideramos ser uma narrativa de cunho

autobiográficoiv. Assim, foi possível depreender tanto o ethos discursivo de Hebe Camargo,

presente na enunciação da apresentadora, bem como o ethos pré-discursivo da mesma,

presentes na apresentação que a revista faz dela. Os trechos abaixo selecionados

apresentam a presença dessas ethé.

Page 9: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

9

Nº Trechos da matéria Adjetivos

/substantivos/

expressões

descritivas e de

nomeação

Ethos

Pré-discursivo Discursivo

1 “Oba! Vamos celebrar a vida! Foi

com essa frase, sorrisão no rosto e

braços abertos [...] que Hebe

Camargo (83) recebeu CARAS [...].”

sorrisão no rosto e

braços abertos

Alegria e

Receptividade

2 “[...] após passar por cirurgia de

emergência para retirada de um

tumor no intestino. Estou ótima, forte

e feliz. Já voltei a sair à noite com

meus amigos. Agora é vida normal

[...] conta animada a apresentadora

mais querida do País.”

ótima, forte e feliz;

animada; apresentadora

mais querida do País.

Notoriedade

Felicidade,

Boa saúde

3 “Fui muito forte, lutadora e isso serviu

de exemplo pra muita gente que se

deixa abater ao saber que tem

doença. Nem por um segundo pensei

que poderia morrer [...] comemora,

devota fiel e famosa de Nossa

senhora de Fátima e Nossa Senhora

Aparecida, sem rodeio ao falar do

problema de saúde que enfrentou.”

forte, lutadora, devota

fiel e famosa, exemplo

pra muita gente,

Fama, Fé Força,

Coragem,

Bom

exemplo

4 Fazendo festa com os pássaros que

cantam em coro quando ela passa

pelo jardim, a diva muda o

semblante, preocupada com o

estado do cantor Pedro Leonardo [...]

que sofrera grave acidente.

diva diva

5 No início da sessão de fotos,

vaidosa, com saltos altíssimos e

joias poderosas, ela cantarola uma

canção de Roberto Carlos e conta

que na véspera, ligou para o rei [...]

vaidosa, Vaidade

Page 10: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

10

revela, com sorriso maroto [...].

6 “Você está sempre bem-humorada?” bem humorada Bom-humor

7 “[...] só consegui ter força porque sou

muito otimista”

otimista Otimismo

8 “Eu sou a imagem da alegria [...]” imagem da alegria Alegria

Quadro 1: Fragmentos da revista CARAS (05 de outubro de 2012, edição nº 987)

Fonte: Revista Caras, 05 out. 2012

Identificamos na enunciação de Caras as seguintes ethé pré-discursivas: pessoa

alegre, receptiva, notória, famosa, de fé, diva, vaidosa e de bom-humor. Algumas dessas

identificações - sua maioria - nos remetem a um estereótipo de pessoa famosa, muito

presente na mídia, alegre, elegante e marcada pela extravagância de suas joias e roupas.

Por se tratar de uma celebridade, percebemos que essa imagem pré-construída a respeito da

apresentadora está fundamentada em uma imagem pública veiculada pela mídia. Essas ethé

de valores positivos nos remetem a alguém que possui um status glamouroso, associado a

um reconhecimento público favorável, o que, de acordo com Chris Rojek (2008), possibilita

que a enquadremos na categoria de celebridade. Assim, entendemos que o ethos

pré-discursivo de Hebe Camargo está fundamentado em uma representação cultural

cristalizada de celebridade.

No tocante ao ethos discursivo, podemos perceber que temos as seguintes ethé

ditas, ou seja, aquelas depreendidas através de referência direta ao/pelo enunciador: pessoa

feliz, saudável, forte, corajosa, exemplar, otimista e alegre. Percebe-se que há uma

compatibilidade entre as ethé pré-discursivas e as ditas no que se refere à alegria,

representação relacionada também ao estereótipo de Hebe Camargo. Porém, percebemos

Page 11: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

11

que ao falar de si, a apresentadora revela outras ethé que, para serem entendidas, será

necessário recorrermos à cena de enunciação.

A cena englobante está vinculada ao discurso midiático, e a genérica é a entrevista,

considerada aqui como cenografia de uma narrativa de cunho autobiográfico, ou seja,

trata-se de alguém que diz em público “eu, por minhas próprias palavras, dou testemunho de

que sou essa pessoa, com essas características” (grifo nosso). Ainda no que tange à

cenografia, é necessário referir-se ao momento dessa enunciação e ao lugar do qual surge

esse discurso. A matéria de Caras foi veiculada quando Hebe Camargo se recuperava do

câncer, o que afeta as imagens de si por ela construídas. Sendo uma pessoa notória, que

está falando na mídia para seu público sobre um fato delicado de sua vida, é “conveniente”

que se divulgue uma imagem de coragem, força e otimismo diante da situação. Soma-se a

isso o fato de Hebe Camargo se considerar também um bom exemplo para as pessoas, o

que nos remete a uma imagem de um fiador, assim como proposto por Maingueneau (op.

cit), que serve de espelhamento para seu público: “diante da doença tenha força, coragem e

otimismo, assim como eu tenho” (grifo nosso). Os leitores de Caras são levados, talvez, a

atribuir a esse texto um fiador que se manifesta como um vitorioso, aquele que, ao vencer a

doença, dá testemunho de sua vitória. Acrescenta-se ainda o ethos de pessoa saudável, que

consideramos como um ethos mostrado que corrobora para afastar a ideia de que Hebe

Camargo ainda estivesse enferma, ou mesmo de uma possível incurabilidade, o que

contribui ainda mais para a ideia triunfo ligada a esse fiador. Enunciações tais como “Fui

muito forte, lutadora e isso serviu de exemplo pra muita gente que se deixa abater ao saber

que tem doença. Nem por um segundo pensei que poderia morrer” [...] “só consegui ter força

porque sou muito otimista” podem ser explicadas pelo fato de as celebridades alimentarem “o

mundo cotidiano com padrões honráveis de atração que encorajam as pessoas a imitá-las, o

que ajuda a cimentar e unificar a sociedade” (ROJEK, 2008, p. 17). Assim, pela enunciação

de Hebe Camargo, temos a construção de um fiador que, pela sua vitória, seria aquele a ser

imitado.

Page 12: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

12

A partir das ethé de Hebe Camargo construídas no material de análise, podemos

verificar a emergência de algumas identidades da apresentadora. Ao ser representada pela

revista Caras como portadora de um sorrisão no rosto, animada, apresentadora mais querida

do país, devota fiel, famosa, diva, vaidosa, bem humorada, assim como por ela mesma como

ótima, forte, feliz, como um exemplo pra muita gente, otimista, imagem da alegria, temos a

evidenciação das seguintes identidades: apresentadora de TV, religiosa e lutadora.

Considerando o proposto por Hall (2006) sobre o jogo das identidades, segundo o

qual as identidades são articuladas a fim de atingir determinados objetivos, podemos

considerar, talvez, que, ao ressaltar apenas características positivas ao falar sobre Hebe

Camargo, foi intenção do meio midiático em questão criar pontos de identificação entre os

leitores e a apresentadora, que deve ser considerada por eles como um exemplo de força,

determinação, otimismo e alegria a ser seguido, mesmo em momentos de dificuldade.

O quadro abaixo traz trechos da entrevista de Hebe Camargo concedida ao

programa De frente com Gabi, que foi ao ar em seis de junho de 2010 pelo SBT, quando

Hebe Camargo se recuperava do tratamento contra o câncer. Consideramos, assim como na

matéria de Caras, que ao falar de si, a apresentadora deixa evidenciar um perfil de cunho

autobiográfico, a partir do qual foi possível depreender seu ethos discursivo. Já na fala da

apresentadora Marília Gabriela, verificamos seu ethos pré-discursivo no momento em que a

entrevistadora fala sobre Hebe Camargo. Os trechos contidos no quadro abaixo remetem

aos dados encontrados.

Nº Trechos da matéria Adjetivos

/substantivos/

expressões

descritivas e de

nomeação

Ethos

Page 13: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

13

Pré-discursiv

o

Discursivo

9 Maria Gabriela: “De volta ao SBT,

meu programa não poderia ter uma

estreia mais animada, mais chic, mais

amorosa, mais charmosa e iluminada.

A minha entrevistada é a grande dama

da televisão brasileira, a mais querida,

a mais falada, a grande inspiração de

todos nós que, de alguma maneira ou

em algum momento da vida

trabalhamos com televisão. Artistas,

jornalistas, técnicos, engenheiros,

qualquer profissional que trabalha na

TV tem Hebe Camargo como

referência.”

A grande dama da

televisão brasileira,

A mais querida, a

mais falada,

A grande inspiração

de todos nós,

Hebe Camargo como

referência

Personalidade

da TV

Musa

inspiradora.

10 Hebe Camargo: “Você sabe, que

coisa mais engraçada, eu não levei

susto [ao saber que tinha câncer].

Apesar de eu nunca ter tido nada,

absolutamente nada, eu não fiquei

assustada [...] nem dor de cabeça eu

tinha. Eu misturava bebida [...] e no dia

seguinte levantava como se nada

tivesse bebido. Não tinha uma dor.”

Apesar de eu nunca

ter tido nada,

absolutamente nada,

eu não fiquei

assustada;

Não tinha uma dor.

Coragem;

Boa saúde

11 Hebe Camargo: “Meu cabelo era

muito bom [...] a vida inteira eu fui uma

referência sempre.”

Cabelo muito bom,

Referência

Beleza

12 Marília Gabriela: “Tenho uma foto que

eu fiz no museu em Berlin. [...] uma

foto de Hebe, da figura, uma escultura

de Hebe [...] Da juventude, daquela

beleza, e eu tenho isso pra te mostrar.

E você é isso! Um nome nunca bateu

tanto com alguém como esse, como

Hebe. [...] pra todo mundo, a ideia de

que você é pra sempre [...] e você vai

ficar pra sempre. Você representa uma

coisa maior que a vida”

Escultura de Hebe

[...] da juventude,

daquela beleza [...]

você é isso.

Você é pra sempre

[...] você vai ficar pra

sempre. Você

representa uma coisa

maior que a vida”

Deusa da

juventude

Beleza

Imortalidade

Page 14: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

14

14 Hebe Camargo: “[...] eu nunca fui

fazer exame [...] exames preventivos

[...] mas eu nunca tive nada.”

Nunca tive nada. Boa saúde.

15 Hebe Camargo: “Eu fui um exemplo,

deixa eu falar pro seu público: tudo que

o médico mandou, que receitou [...] eu

fiz religiosamente [...]

Fui um bom exemplo Disciplina.

16 Marília Gabriela: “Você sempre teve

essa vaidade, seu cabelo era uma

beleza, uma marca, muito bonito”.

Vaidade, seu cabelo

era uma beleza, uma

marca, muito bonito

Vaidade e

beleza

17 Hebe Camargo: “Eu não tenho medo

de morrer, tenho peninha.”

Não tenho medo de

morrer

Coragem

18 Marilia Gabriela: “Você é um

assombro [...] você é um fenômeno”

Assombro

Fenômeno

Pessoa

admirável

Pessoa que

impressiona

19 Hebe Camargo: “Traz o fenômeno

aqui [...] então são dois fenômenos.”

São dois fenômenos

[ela e Ronaldo)

Pessoa que

impressiona

20 Hebe Camargo: “A quimeo, é evidente

que vai deixar a pessoa nervosa. Eu

não ficava nervosa [...] eu não ficava

aborrecida”

Eu não ficava

nervosa [...]

aborrecida

Pessoa

tranquila

21 Hebe Camargo: “Todo mundo sabe

que eu tenho fé, que eu acredito

realmente [nas santas]”

Eu tenho fé, que eu

acredito

Pessoa

religiosa

22 Hebe Camargo: “Eu sou um pouco

rebelde [...] esse negócio de ir no

hospital e fazer exame, eu não sou um

bom exemplo [cuidar da saúde]”

Sou um pouco

rebelde;

Eu não sou um bom

exemplo

Rebeldia

Descuidada

com a

própria

saúde

Page 15: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

15

23 Marília Gabriela: “[...] você está

perfeita [fisicamente].”

Perfeita Boa forma

física

24 Marilia Gabriela: “você é a mulher

mais convidada desse país.”

Mais convidada Estimada

25 Marilia Gabriela: “Você ama seu

trabalho. O Brasil te ama”

Ama seu trabalho

O Brasil te ama

Ama trabalhar

Pessoa amada

26 Hebe Camargo: “Essa gente me ama,

foi o que eu senti”

Me ama Amada

27 Marília Gabriela: “Eu me lembro de

você falar que sentia falta de romance,

você é romântica...”

Romântica Romântica

28 Hebe Camargo: “Eu sou romântica” Romântica Romântica

29 Marília Gabriela: “Você era essa moça

de sobrancelhas grossas, tinha

grandes peitos, covinha. Todo mundo

era encantado por você, pela sua

beleza, pela sua graça. Moreninha do

samba, cantora, cantava muito bem.”

Sua beleza,

Cantava muito bem

Bela

Cantora

30 Hebe Camargo: “Eu sou que nem o

povo, gosto de saber das coisas, das

pessoas”

Sou que nem o povo Pessoa do

povo

31 Marilia Gabriela: “Você se considera

uma pessoa conservadora? [...] Às

vezes eu acho.”

Conservadora Conservadora

32 Hebe Camargo: “Eu acho que sim,

sou [conservadora] até hoje”

Conservadora conservador

a

33 Hebe Camargo: “Eu sempre fui muito

modesta”

Modesta modesta

Page 16: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

16

34 Marilia Gabriela: “Você já era uma

das mulheres mais poderosas do país”

Uma das mulheres

mais poderosas

Mulher

poderosa

35 Marilia Gabriela: “Você é uma cantora

extraordinária”

Cantora

extraordinária

Cantora

extraordinária

36 Marilia Gabriela: “Careta, ela é careta,

a Hebe Camargo é careta [...] é uma

contradição, você é a mulher mais

absolutamente aberta, alegre [...]”

Careta

alegre

Pessoa

Antiquada

Contraditória

Alegre

37 Marília Gabriela: “Você passa essa

ideia de mulher extraordinária”

Mulher extraordinária Extraordinarie

dade

38 Marilia Gabriela: “Mas você é o retrato

da felicidade”

Retrato da felicidade Pessoa feliz

39 Marília Gabriela: “Mulher insegura,

impressionante [referindo-se à Hebe].

Mulher insegura Mulher

insegura

Hebe Camargo: “Hebe é uma pessoa

que tem alegria de viver, naturalmente,

que é uma lutadora, não é essa doçura

que de vez em quando demonstra, de

vez em quando ela fica rabugenta”.

Tem alegria de viver

Lutadora

Rabugenta

Alegre

Batalhadora

Rabugenta

Quadro 2: Fragmentos retirados da entrevista de Hebe Camargo ao programa De frente com Gabi

Fonte: De frente com Gabi, 06 de jun. 2010.

Na entrevista concedida ao programa De Frente com Gabiv, depreendemos as

seguintes ethé pré-discursivas de Hebe Camargo: personalidade da TV, musa inspiradora,

deusa da juventude, mulher bela, imortal, vaidosa, pessoa admirável, pessoa que

impressiona, de boa forma física, estimada, ama o trabalho, amada, romântica, cantora,

conservadora, mulher poderosa, pessoa antiquada, contraditória, alegre, extraordinária,

pessoa feliz e insegura.

Page 17: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

17

Nesse material é perceptível a compatibilidade de algumas ethé pré-discursivas de

Hebe Camargo com as encontradas na entrevista de Caras, tais como pessoa alegre, que

impressiona. Há também o ethos de personalidade da TV, que remete ao de famosa, e o de

deusa da juventude, que pode, por sua vez, ser associado ao de diva e de mulher bela. Tais

ethos supracitados também são compatíveis com as ethé de pessoa vaidosa e feliz. Essa

recorrência pode ser entendida como mais uma evidência de que o ethos pré-discursivo de

Hebe Camargo está fundamentado em uma representação cultural cristalizada de

celebridade.

Prosseguindo com as análises, observamos na fala da apresentadora as ethé de

musa inspiradora, imortal, pessoa admirável, estimada, amada, mulher poderosa e

extraordinária, que podem ser associados ao estereótipo de celebridade. Para Rojek (2008),

quando as celebridades são representadas pela mídia de massa, princípio-chave na

formação da cultura da celebridade, elas costumam parecer mágicas e sobrenaturais, o que

justifica essa associação da imagem de Hebe Camargo ao poder, à imortalidade, a uma fonte

de inspiração, enfim, com traços extraordinários. Tais traços seriam, talvez, manifestações

de aspectos cristalizados que foram forjados em uma encenação daquilo que Rojek chama

de um eu públicovi, fruto de uma produção cultural. Há de se acrescentar também que as

ethé estimada, pessoa admirável e musa inspiradora remetem à construção de um fiador de

renome que, nas palavras de Rojek seria a “atribuição informal de distinção a um indivíduo

dentro de uma determinada rede de relacionamentos sociais” (Op. Cit., p. 14). Pode-se

conjecturar que, dentre aqueles que trabalham no universo televisivo e lhe são próximos,

Hebe Camargo destaca-se pelas ethé acima citadas. Tanto que, ao apresentar Hebe

Camargo, a apresentadora esclarece que “artistas, jornalistas, técnicos, engenheiros,

qualquer profissional que trabalha na TV tem Hebe Camargo como referência”.

Outras ethé, como o de pessoa em boa forma física, que ama o trabalho, romântica,

conservadora, pessoa antiquada, contraditória, pessoa insegura e cantora também foram

identificadas. Por estarem presentes ao longo da entrevista, podemos dizer que as

Page 18: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

18

representações de Hebe vão sendo construídas ao longo de sua conversa com Marília

Gabriela, com base no que Hebe Camargo disse sobre si. Assim, temos, como apontado por

Amossy (2005), que o ethos-prévio pode ser confirmado ou modificado no interior de uma

determinada cena genérica. Nesse caso, ao longo de sua narrativa, a enunciação de Hebe

Camargo faz emergir outras ethé a ela relacionadas, agregando-as às outras vinculadas ao

seu estereótipo, o que é logo percebido pela entrevistadora e retomado por ela em seu dizer.

Já no tocante ao ethos discursivo, temos as seguintes ethé ditas: pessoa de

coragem, saudável, bela, disciplinada, que impressiona, tranquila, religiosa, rebelde,

descuidada com a própria saúde, romântica, pessoa do povo, conservadora, modesta,

alegre, batalhadora e rabugenta. Pensando na cenografia da entrevista como narrativa

autobiográfica, e por se tratar de uma enunciação que vem a público em um momento em

que Hebe Camargo se recupera de uma grave doença, percebemos que, assim como na

entrevista de Caras, as ethé pessoa de coragem, saudável, disciplinada, tranquila, religiosa e

batalhadora corroboram para a construção de um fiador vitorioso, alguém que, por ter tais

características, foi capaz de superar a doença.

Compatíveis com seu ethos pré-discursivo, que foi baseado num estereótipo de

celebridade, temos as ethé discursivas de mulher bela, alegre e que impressiona. Tal

similitude vai ao encontro das palavras de Amossy (2005), de que “o orador adapta sua

apresentação de si aos esquemas coletivos que ele crê interiorizados e valorizados por seu

público – alvo” (AMOSSY, 2005, p. 126). Assim, na sua enunciação, Hebe Camargo

evidencia uma imagem que é a valorizada pelo seu público. É importante a ressalva que essa

construção da imagem de si pode ser consciente ou não, ou seja, aquele que enuncia pode

ter a intenção de manipular sua imagem, ou o enunciador pode simplesmente não ter essa

intenção.

As demais ethé ditas rebelde, descuidada com a própria saúde, romântica, pessoa

do povo, conservadora, modesta e rabugenta corroboram para uma desmistificação da

imagem de Hebe Camargo, construindo a imagem de fiador cidadão comum. Porém,

Page 19: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

19

pode-se conjecturar que isso em nada interfere na manutenção de seu status de celebridade,

pois, como afirma Rojek (2008), o reconhecimento de que as celebridades são humanas

intensifica a estima pública em torno delas. Assim, essas ethé seriam menos uma

desconstrução de uma imagem pré-existente e mais um acréscimo de valor ao fiador.

Assim como na análise feita da reportagem publicada em Caras, entendendo a

identidade como um construto, indo ao encontro do proposto por Rajagopalan (2010), temos

a construção linguístico-discursiva de identidades de Hebe Camargo na entrevista exibida no

programa De frente com Gabi. Ao ser representada na fala de Marília Gabriela como a

grande dama da televisão brasileira, a mais querida, a mais falada, a grande inspiração de

todos nós, como referência para todos, como alguém que é eterna (você é pra sempre [...]

você vai ficar pra sempre), perfeita, a mais amada, como alguém que ama seu trabalho, que é

amada pelo Brasil (o Brasil te ama), como romântica, conservadora, mulher poderosa, alegre,

mulher extraordinária, retrato da felicidade, temos, de forma semelhante ao que foi verificado

em Caras, a afirmação e reivindicação (Rajagopalan, 2010) de algumas identidades da

apresentadora, a saber: apresentadora de TV, celebridade e mulher.

Essas identidades também foram confirmadas na fala da própria Hebe Camargo,

que, ao se representar como uma pessoa que não tem medo de morrer (não tenho medo de

morrer), de fé (eu tenho fé, eu acredito), que tem alegria de viver (tem alegria de viver),

lutadora, afirma tais identidades, fazendo emergir ainda a identidade de religiosa. Além disso,

ao dizer Sou um pouco rebelde e Eu não sou um bom exemplo (no que diz respeito a fazer

exames periódicos e cuidar da saúde), e ao dizer que é que nem o povo, temos Hebe

Camargo como alguém que, por mais que seja considerada uma diva, possui defeitos e é

igual às “pessoas comuns”, o que também corrobora a criação de pontos de identificação

entre ela e o público.

Page 20: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

20

3. Considerações finais

Por meio da análise dos mecanismos linguísticos de nomeação, qualificação, bem

como das expressões descritivas e de nomeação, vislumbramos como o ethos efetivo de

Hebe Camargo foi construído dentro de uma cenografia de narrativa autobiográfica.

Percebemos que, na construção do ethos pré-discursivo da apresentadora, prevaleceram

algumas ethé as quais associamos como fundamentadas num estereótipo de celebridade.

Ou seja, trata-se de uma percepção, uma representação já corrente de Hebe Camargo

baseada numa imagem pública veiculada pela mídia. Pudemos perceber que essa

estereotipia é significativa, tendo em vista sua recorrência nos dois objetos aqui analisados.

Percebemos também que, durante a entrevista no De frente com Gabi, a enunciação

de Hebe Camargo fez emergir algumas ethé para além das já pré-construídas, o que apontou

para o fato de que, no processo de enunciação, o enunciador pode ratificar ou construir

outras imagens que vão além das representações prévias que o público possui a seu

respeito.

No tocante ao ethos discursivo de Hebe Camargo, percebemos que foi construída

uma imagem de si voltada para que o público fosse levado, talvez, a criar um fiador que se

manifesta como um vitorioso, um exemplo a ser seguido. Como celebridade, sabemos que

Hebe pode exercer uma forte influência em seu público, o que justifica a construção dessas

ethé. Percebemos também que houve uma vinculação de sua imagem como a de pessoa

comum, do povo, o que, indiretamente, pode criar um efeito de aproximação com seu

público. Hebe Camargo mostra-se, assim, como uma figura singular, e o público é levado,

também, a “aderir” a essa imagem.

Tanto em Caras, quanto na entrevista concedida à Marília Gabriela, pudemos

perceber a emergência de identidades de Hebe Camargo, como as de apresentadora de TV,

celebridade, religiosa e mulher. Tais identidades foram afirmadas e reivindicadas

(Rajagopalan, 2010) através dos processos de representação presentes na constituição das

Page 21: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

21

ethé de Hebe Carmargo. Ao considerar o jogo das identidades proposto por Hall (2006),

podemos considerar, talvez, que a forma como as identidades de Hebe foram articuladas nos

veículos midiáticos em questão, cria pontos de identificação entre o público e a

apresentadora, que deve ser considerada por eles como um exemplo de força,

determinação, otimismo e alegria a ser seguido, mesmo em momentos de dificuldade. Essas

identidades foram confirmadas na fala da própria Hebe Camargo, que, ao dizer ser rebelde e

um mau exemplo, bem como ao afirmar que é igual ao povo, mostra-se como alguém que,

por mais que seja considerada uma diva, possui defeitos e é igual às “pessoas comuns”. A

recorrência dessas identidades nas palavras da apresentadora corrobora também para essa

criação de pontos de identificação entre ela e o público.

Sabendo que no cenário biográfico contemporâneo, conforme afirma Arfuch

(2010), a entrevista é um meio que permite conhecer pessoas ilustres e suas vidas, visto que

confere visibilidade às mesmas, podemos fazer algumas colocações. Pelas ethé e

identidades apreendidas, percebemos que Hebe Camargo deixa impressões sobre ela na

memória pública, uma imagem de alguém que é forte, que é otimista, batalhadora. Essas

atribuições corroboram para criar sentido diante do seu público: ela é um bom exemplo a ser

seguido. Já as autodefinições como rabugenta, rebelde, descuidada com a própria saúde,

funcionam mais para criar efeitos de identificação entre ela e o público e menos para a

desconstrução de uma imagem positiva já existente a seu respeito. Assim, Hebe Camargo

tem sua narrativa favorecida diante do meio social, pois sua imagem e ações, como o fato de

vencer a doença, acabam contribuindo para uma “promoção de si” na mídia.

Notas

i

Concluímos com a pesquisa que, numa sociedade culturalmente determinada pela

espetacularização e culto à aparência, a partir do rosto público de Hebe Camargo - fruto de uma

construção cultural -, as revistas a representaram com atribuições positivas, uma imagem que é (re)

produzida e legitimada, mesmo postumamente, para fins de consumo. ii Trabalho orientado pela Professora Doutora Dylia Lysardo-Dias, Professora Associada UFSJ do

Page 22: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

22

Departamento de Letras. iii Para Amossy (2005), “a estereotipagem é a operação que consiste em pensar o real por meio de

uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado” (AMOSSY, 2005, p. 125). iv Para Leonor Arfuch (2012), com os avanços da midiatização e das tecnologias de transmissão ao

vivo, “a entrevista se revelou como um meio inestimável para o conhecimento das pessoas,

personalidades e histórias de vida ilustres e comuns” (ARFUCH, 2010, p.151). Entendida como

narração oral, onde a visibilidade ao conferir a palavra ao outro implica num efeito de espontaneidade

e autenticidade, ela é muito presente na mídia atual, principalmente por favorecer as narrativas de

personagens famosas. v Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=cWARPjFfT7U> Acesso em 06 de julho de 2013.

vi Para Chris Rojek (2008), as celebridade possuem um eu privado (verídico) e um eu público (visto

pelos outros).

Referências

AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto,

2005.

ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Trad. Paloma

Vidal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.

CARAS. São Paulo: Abril, 987 ed. Ano 19, n. 40. 05 out./2012.

CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. Trad. Ângela M. & Ida Lúcia

Machado. São Paulo: Contexto, 2009.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira

Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

CAMARGO, Hebe. De frente com Gabi (Entrevista à jornalista Marília Gabriela através da Rede SBT

de televisão). Disponível em: <Http://www.youtube.com/watch?v=cWARPjFfT7U>. Acesso em:

7 jun. 2013.

MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTTA, Ana Raquel & SALGADO, Luciana. Ethos

discursivo. São Paulo: Contexto, 2008.

MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia e incorporação. In: AMOSSY, R. (Org.). Imagens de si no

discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 69-91.

Page 23: Silva e Paula

Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada

23

RAJAGOPALAN, Kanavillil. A construção de identidade e a política de representação. In: FERREIRA,

L.M.A. e ORRICO, E.G.D.(Org.). Linguagem, identidade e memória social. Rio de Janeiro: DP&A

Editora, 2010, p77-115.

ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.