silva e paula
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Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada
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Hebe por Hebe: um estudo das construções
identitárias no discurso de si
Carla Carvalho Silva (UFSJ/REUNI)1
Tatiana Nathália de Paula(UFSJ/CAPES)2
Resumo: Considerando que o ato de tomar a palavra implica na construção de uma
imagem de si, o presente trabalho analisa a maneira como a apresentadora Hebe
Camargo se autorrepresentou em duas entrevistas, uma concedida à revista Caras
e outra ao programa De frente com Gabi. Com o objetivo de depreender as ethé
discursivas da apresentadora e as identidades emergentes, foi feita uma análise
discursiva dos procedimentos de descrição de Hebe Camargo, mais precisamente
das categorias de qualificação e nominalização. Pela análise, foi possível
depreender os efeitos de sentido decorrentes dessas enunciações, o que apontou
para uma construção de uma imagem de Hebe Camargo com valorações positivas e
que criam possíveis identificações com seu público.
Palavras- chave: identidade; discurso de si; representação; análise do discurso.
Abstract: Considering that the act of taking the floor implies in the construction of a
self-image, the aim of this article is to analyze the way how the TV Show host Hebe
Camargo represents herself during two interviews: one of them granted to Caras
magazine and the other to the TV show De frente com Gabi. With the purpose of
identifying Hebe Carmargo’s discursive ethé, as well as the identities which emerge
in her speech, we have analyzed in a discursive way the procedures based on which
Hebe Camargo was described, in particular, the nominalization and qualification
categories. By this analysis, it was possible to identify effects of meaning arising from
her enunciations, that demonstrated a construction of a Hebe Camargo’s image with
positive characterizations which creates possible identification points between her
and her audience.
Keywords: identity, self-image, representation, discourse analysis.
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1. Introdução
O falecimento da apresentadora Hebe Camargo, ocorrido no dia 29 de setembro de
2012, foi amplamente divulgado pela mídia brasileira. Essa repercussão nos motivou a
investigar como algumas revistas que deram um enfoque significativo a esse fato, a saber,
Caras, Época e Contigo, representaram postumamente Hebe Camargo e construíram
identidades para elai. Os resultados nos levaram a desenvolver o presente trabalhoii, que tem
como problemática as seguintes questões: como Hebe Camargo se autorrepresentaria?
Quais “imagens de si” emanam de sua enunciação?
Movidas por tais questionamentos, nos propomos a analisar a forma como a
apresentadora Hebe Camargo se representa na matéria veiculada na revista Caras (05 de
outubro de 2012, edição nº 987) e em entrevista concedida ao programa De frente com Gabi,
que foi ao ar no dia 06 de junho de 2010, pelo SBT. Sabendo que, de acordo com Amossy,
“todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si” (2005, p.09),
entendemos que tanto a matéria quanto a entrevista configuram-se como enunciações que
possibilitam delinear um perfil de cunho autobiográfico. Nesse sentido, a partir do
levantamento das imagens de Hebe Camargo, ou seja, de suas ethé presentes no objeto de
análise, foi possível verificar a construção linguístico-discursiva de identidades em seu dizer,
assim como os efeitos de sentido produzidos a partir dessas identidades emergentes.
Ao considerarmos as entrevistas como um gênero que dá visibilidade à Hebe
Camargo ao conferir a palavra para que a mesma fale de si, numa perspectiva
autobiográfica, estamos de acordo com as proposições de Leonor Arfuch (2010), que afirma
que o gênero “se revelou como um meio inestimável para o conhecimento das pessoas,
personalidades e histórias de vida ilustres e comuns” (ARFUCH, 2010, p.151). O falar de si
implica num efeito de espontaneidade e autenticidade, o que para as pessoas famosas se
torna um meio de deixar sua marca na memória pública, ao mesmo tempo, que confere uma
significação social às suas ações. Nessa perspectiva, pela análise das ethé de Hebe
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Camargo e das identidades que corroboram para sua construção, acreditamos ser possível
vislumbrar como a apresentadora constrói sua narrativa, conferindo significado a si dentro do
cenário midiático, ao mesmo tempo em que legitima uma imagem diante do seu público.
Para cumprir os objetivos propostos, foi feita uma análise discursiva dos dados a
partir da Análise do Discurso, mais precisamente da teoria Semiolinguística proposta por
Patrick Charaudeau (2009), no que se refere ao modo de organização discursivo descritivo.
Na problematização dos conceitos referentes à identidade, o aparato teórico utilizado foi
composto por Hall (2006) e Rajagopalan (2010). Já com relação à construção das imagens
de si no discurso, foi utilizado o que propõe Amossy (2005).
2. Ethos, a imagem de si, e a identidade
Dentro da Retórica Antiga, um dos precursores no que se refere ao estudo do ethos
foi Aristóteles. Seu postulado é de que o ethos está ligado à própria enunciação, sendo que o
orador deve criar, pela maneira como tece seu discurso, uma imagem de si, que possa
ganhar a confiança do auditório, convencendo-o. Esse convencimento e confiança adquirida
seriam um efeito de discurso ligado à fonte enunciativa, e não a um caráter extralinguístico
do orador. Desde as reflexões propostas pelo filósofo grego, a noção de ethos passou por
algumas reformulações nos campos da argumentação, da pragmática, da análise do
discurso, recebendo destaque – entre outros autores - nos estudos do linguista francês
Dominique Maingueneau.
Maingueneau (2008) afirma que a retomada dos estudos ligados ao ethos
reapareceu, sobretudo, por meio das problemáticas relativas aos estudos discursivos, área
na qual o autor desenvolveu sua teoria sobre essa temática. Ele enumera três princípios
básicos ligados ao ethos: 1) trata-se de uma noção discursiva, ou seja, o ethos é construído
através do discurso; 2) é um processo interativo de influência sobre o outro; 3) é uma noção
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sócio-discursiva, por isso híbrida, que deve ser apreendida dentro de uma situação de
comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica.
A noção de ethos, para Maingueneau (2008), constitui uma dimensão de todo ato de
enunciação, “mas não se pode ignorar que o público constrói também representações do
ethos do enunciador antes mesmo que ele fale” (MAINGUENEAU, 2008, p.15). É nessa
perspectiva que o linguista francês estabelece uma distinção entre ethos discursivo e ethos
pré-discursivo. O primeiro seria a imagem construída na enunciação pelo locutor, já o
segundo, refere-se às representações prévias que o destinatário possui do ethos do locutor,
algo comum se pensarmos em sujeitos que estão em evidência na mídia, como as
celebridades. O ethos discursivo em conjunto com o ethos pré-discursivo formam aquilo que
ao autor denomina como ethos efetivo.
Maingueneau ainda expande a noção de ethos para além da retórica e abarca todos
os tipos de texto, sejam eles orais ou escritos. Para ele, “qualquer discurso escrito [...] possui
uma vocalidade específica, que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio do
tom que indica que o disse” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). É essa vocalidade que implica
uma determinação do corpo do enunciador, bem como a emergência de uma origem
enunciativa encarnada, que exerce o papel de fiador. Assim, se há vocalidade, há também
um corpo do enunciador, ou seja, ao enunciar, um orador constrói esse corpo do enunciador.
Esse fiador, conforme explica Maingueneau (2005), é investido de um caráter, que é
um feixe de traços psicológicos, assim como de uma corporeidade, entendida como uma
constituição corporal, uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social. Para o autor,
esse “caráter e corporeidade do fiador apoiam-se [...] sobre um conjunto difuso de
representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os quais a
enunciação se apoia e, por sua vez, contribui para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU,
2005, p. 72). Assim, o ethos pode ser entendido como fazendo parte de uma identidade que
se assume no discurso.
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Amossy (2005), ao falar da construção do ethos, afirma que o orador “modela seu
ethos com as representações coletivas que assumem, aos olhos dos interlocutores, um valor
positivo e são suscetíveis de produzir neles a impressão apropriada às circunstâncias”
(AMOSSY, 2005, p.124). O orador constrói a imagem de si em função da forma como julga
ser representado pelo auditório. Nesse tópico, a autora faz intervir a noção de estereótipoiii,
essencial para o estabelecimento do ethos. Ela argumenta que, para que a imagem de si que
o locutor constrói apareça como legítima diante do auditório, é preciso que essa imagem
esteja baseada em representações partilhadas. Assim, o orador adapta uma apresentação
de si de modo que direcione a percepção do receptor, a seu respeito, para uma categoria já
conhecida, daí a importância do estereótipo. Trata-se, portanto, de uma estratégia que o
orador lança mão para que a imagem de si que ele constrói seja próxima àquela que o
espectador possui a seu respeito. Nessa perspectiva, podemos perceber um diálogo entre o
ethos e fatores extralinguísticos, visto que a imagem prévia que o espectador faz do locutor
está ancorada em imagens existentes no mundo social.
Cabe ressaltar, também, a questão da cenografia colocada por Maingueneau
(2005). Para o autor, ao construir o seu dizer dentro daquilo que o gênero possibilita, o
locutor adota uma cenografia. O ethos seria um dos elementos constituintes dessa
cenografia, “tendo o mesmo estatuto que o vocabulário ou os modos de difusão que o
enunciado implica por seu modo de existência” (MAINGUENEAU, 2005, p. 75). Nessa
perspectiva, entende-se que todo discurso é composto por uma cena de enunciação, que se
subdivide em três: 1) a cena englobante, que está ligada ao tipo de discurso; 2) a cena
genérica, que se relaciona a um contrato associado a um gênero discursivo, e 3) a
cenografia, que é construção própria daquele texto.
Assim, a análise das ethé de Hebe Camargo foi feita entendendo que o ethos efetivo
tem tanto o ethos discursivo como o ethos pré-discursivo em sua construção. Por se tratar de
alguém que tem sua imagem constantemente divulgada pela mídia, foi possível depreender
representações prévias das ethé de Hebe Camargo nas enunciações de Caras e Marília
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Gabriela. Além disso, investigamos como o ethos discursivo corrobora para a construção
linguístico-discursiva das identidades de Hebe Camargo.
Ao falar, o locutor ativa em seus destinatários certa representação de si, ou seja,
constrói seu ethos. Por se tratar de um processo de representação, é possível perceber
como as ethé se vinculam à emersão de identidades do sujeito representado durante o
processo de enunciação. Assim, entendendo a construção do ethos como uma forma de
representação de si, que dá margem à emersão identitária, temos, segundo Rajagolan
(2010), a relação entre identidade e representação. Tal relação é entendida pelo autor como
a questão política da representação, que é de suma importância pelo fato de ser através dela
que novas identidades são constantemente afirmadas e reivindicadas.
Segundo Hall (2001), as identidades sociais, que até então estabilizavam o mundo
social, entraram em declínio, surgindo assim novas identidades. A partir desse contexto, o
sujeito moderno, que era tido como um sujeito unificado, tornou-se um indivíduo
fragmentado. Esse processo de fragmentação identitária é chamado pelo autor de “crise de
identidade”, “vista como um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2001.
p.7).
Tal processo mais amplo consiste na fragmentação dos cenários culturais
relacionados a gênero, classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, assim como as
identidades sociais, eram sólidos e forneciam aos indivíduos localizações estáveis na
sociedade. Essa transformação passou a influenciar, também, as identidades pessoais de
cada um, fazendo com que a ideia que as pessoas têm delas mesmas como um sujeito
integrado seja questionada. O autor chama esse questionamento de deslocamento ou
descentralização do sujeito.
Todo esse processo tem como produto o sujeito pós-moderno, que tem como
característica o fato de não possuir uma identidade fixa e/ou essencial. A identidade torna-se
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móvel, formada e transformada constantemente em relação à representação do indivíduo
nos sistemas culturais que o rodeiam. O sujeito passa a assumir diferentes identidades em
diferentes contextos, sem que essas identidades sejam, necessariamente, centralizadas ao
redor de um “eu” unificado. Os fractais identitários dos sujeitos podem ser contraditórios,
conduzindo-os para direções diferentes e fazendo com que as identificações desses sujeitos
sejam deslocadas continuamente.
Ao discutir o que está “em jogo” em relação às identidades, Hall (2001, p. 18-21)
apresenta as consequências políticas da fragmentação ou pluralização das mesmas, e cita “o
jogo das identidades”, dentro do qual as identidades são “articuladas” de determinado modo,
a fim de atingir um objetivo específico.
Kanavillil Rajagopalan (2010) entende a identidade como um construto e não algo
que pode ser encontrado in natura. Dentre todas as identidades, a do individuo é a mais difícil
de ser pensada como algo em constante processo de (re)construção, pois a crença em uma
individualidade própria é primeira garantia de sobrevivência. O conhecimento de si, da
própria existência do sujeito pensante, requer que sua identidade permaneça imutável
durante, ao menos, o processo de autorreconhecimento. Nesse sentido, através da análise
dos dados, pudemos verificar como as identidades de Hebe Camargo foram construídas de
forma linguístico-discursiva, tanto por ela mesma, como por Caras, na reportagem publicada
pela revista, e por Marília Gabriela ao entrevistar Hebe Camargo em seu programa.
2. Análises
Para o levantamento dos dados, foi utilizada como suporte teórico-metodológico a
Análise do Discurso Semiolinguística, tal como proposta de Patrick Charaudeau (2009), com
ênfase na análise do modo de organização discursivo descritivo. Para o autor, “descrever
consiste em ver o mundo com um olhar ‘parado’ que faz existir os seres ao nomeá-los,
localizá-los e atribuir-lhes qualidades que o singularizam” (CHARAUDEAU 2009, p.111). Por
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meio da descrição, pode-se vislumbrar como os seres no mundo são identificados,
classificados e qualificados. Pode-se depreender, também, a partir de uma análise
linguístico-discursiva, como determinados processos descritivos são empregados dentro de
uma situação de comunicação específica e, principalmente, quais os sentidos emanam
desses processos.
Para o procedimento da análise, foram considerados os processos de
substantivação e adjetivação, bem como as expressões descritivas e nominativas
relacionadas à Hebe Camargo. Para Charaudeau (2009), quando substantivos e adjetivos
são empregados para nomear e qualificar um ser, além desses seres receberem uma
identificação enquanto ser, através de seus comportamentos e qualidades, passam a ter
características específicas. Nesse caso, percebe-se a visão de mundo daquele que nomeia,
pois tais atividades passam por sua subjetividade. Nessa perspectiva, entendemos que, por
meio dos adjetivos e substantivos levantados e, consequentemente, pelas representações e
imagens ou visões de mundo as quais essas categorias possibilitam cunhar, podemos ter
acesso ao ethos pré-discurso e discursivo de Hebe Camargo.
A revista Caras, diante do falecimento de Hebe Camargo no dia 29 de setembro de
2013, fez uma homenagem à apresentadora na edição nº 987 de 05 de outubro de 2012.
Nessa homenagem, que ocupou 28 páginas da edição, além do texto principal, havia
também todas as capas as quais Hebe Camargo protagonizou, como também matérias
antigas que a revista veiculou sobre ela. Nesse material, selecionamos para análise uma
matéria que foi publicada em abril de 2012, que continha uma entrevista concedida por Hebe
Camargo. Durante a entrevista em questão, a apresentadora falou de si e da doença que
enfrentava, configurando assim o que consideramos ser uma narrativa de cunho
autobiográficoiv. Assim, foi possível depreender tanto o ethos discursivo de Hebe Camargo,
presente na enunciação da apresentadora, bem como o ethos pré-discursivo da mesma,
presentes na apresentação que a revista faz dela. Os trechos abaixo selecionados
apresentam a presença dessas ethé.
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Nº Trechos da matéria Adjetivos
/substantivos/
expressões
descritivas e de
nomeação
Ethos
Pré-discursivo Discursivo
1 “Oba! Vamos celebrar a vida! Foi
com essa frase, sorrisão no rosto e
braços abertos [...] que Hebe
Camargo (83) recebeu CARAS [...].”
sorrisão no rosto e
braços abertos
Alegria e
Receptividade
2 “[...] após passar por cirurgia de
emergência para retirada de um
tumor no intestino. Estou ótima, forte
e feliz. Já voltei a sair à noite com
meus amigos. Agora é vida normal
[...] conta animada a apresentadora
mais querida do País.”
ótima, forte e feliz;
animada; apresentadora
mais querida do País.
Notoriedade
Felicidade,
Boa saúde
3 “Fui muito forte, lutadora e isso serviu
de exemplo pra muita gente que se
deixa abater ao saber que tem
doença. Nem por um segundo pensei
que poderia morrer [...] comemora,
devota fiel e famosa de Nossa
senhora de Fátima e Nossa Senhora
Aparecida, sem rodeio ao falar do
problema de saúde que enfrentou.”
forte, lutadora, devota
fiel e famosa, exemplo
pra muita gente,
Fama, Fé Força,
Coragem,
Bom
exemplo
4 Fazendo festa com os pássaros que
cantam em coro quando ela passa
pelo jardim, a diva muda o
semblante, preocupada com o
estado do cantor Pedro Leonardo [...]
que sofrera grave acidente.
diva diva
5 No início da sessão de fotos,
vaidosa, com saltos altíssimos e
joias poderosas, ela cantarola uma
canção de Roberto Carlos e conta
que na véspera, ligou para o rei [...]
vaidosa, Vaidade
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revela, com sorriso maroto [...].
6 “Você está sempre bem-humorada?” bem humorada Bom-humor
7 “[...] só consegui ter força porque sou
muito otimista”
otimista Otimismo
8 “Eu sou a imagem da alegria [...]” imagem da alegria Alegria
Quadro 1: Fragmentos da revista CARAS (05 de outubro de 2012, edição nº 987)
Fonte: Revista Caras, 05 out. 2012
Identificamos na enunciação de Caras as seguintes ethé pré-discursivas: pessoa
alegre, receptiva, notória, famosa, de fé, diva, vaidosa e de bom-humor. Algumas dessas
identificações - sua maioria - nos remetem a um estereótipo de pessoa famosa, muito
presente na mídia, alegre, elegante e marcada pela extravagância de suas joias e roupas.
Por se tratar de uma celebridade, percebemos que essa imagem pré-construída a respeito da
apresentadora está fundamentada em uma imagem pública veiculada pela mídia. Essas ethé
de valores positivos nos remetem a alguém que possui um status glamouroso, associado a
um reconhecimento público favorável, o que, de acordo com Chris Rojek (2008), possibilita
que a enquadremos na categoria de celebridade. Assim, entendemos que o ethos
pré-discursivo de Hebe Camargo está fundamentado em uma representação cultural
cristalizada de celebridade.
No tocante ao ethos discursivo, podemos perceber que temos as seguintes ethé
ditas, ou seja, aquelas depreendidas através de referência direta ao/pelo enunciador: pessoa
feliz, saudável, forte, corajosa, exemplar, otimista e alegre. Percebe-se que há uma
compatibilidade entre as ethé pré-discursivas e as ditas no que se refere à alegria,
representação relacionada também ao estereótipo de Hebe Camargo. Porém, percebemos
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que ao falar de si, a apresentadora revela outras ethé que, para serem entendidas, será
necessário recorrermos à cena de enunciação.
A cena englobante está vinculada ao discurso midiático, e a genérica é a entrevista,
considerada aqui como cenografia de uma narrativa de cunho autobiográfico, ou seja,
trata-se de alguém que diz em público “eu, por minhas próprias palavras, dou testemunho de
que sou essa pessoa, com essas características” (grifo nosso). Ainda no que tange à
cenografia, é necessário referir-se ao momento dessa enunciação e ao lugar do qual surge
esse discurso. A matéria de Caras foi veiculada quando Hebe Camargo se recuperava do
câncer, o que afeta as imagens de si por ela construídas. Sendo uma pessoa notória, que
está falando na mídia para seu público sobre um fato delicado de sua vida, é “conveniente”
que se divulgue uma imagem de coragem, força e otimismo diante da situação. Soma-se a
isso o fato de Hebe Camargo se considerar também um bom exemplo para as pessoas, o
que nos remete a uma imagem de um fiador, assim como proposto por Maingueneau (op.
cit), que serve de espelhamento para seu público: “diante da doença tenha força, coragem e
otimismo, assim como eu tenho” (grifo nosso). Os leitores de Caras são levados, talvez, a
atribuir a esse texto um fiador que se manifesta como um vitorioso, aquele que, ao vencer a
doença, dá testemunho de sua vitória. Acrescenta-se ainda o ethos de pessoa saudável, que
consideramos como um ethos mostrado que corrobora para afastar a ideia de que Hebe
Camargo ainda estivesse enferma, ou mesmo de uma possível incurabilidade, o que
contribui ainda mais para a ideia triunfo ligada a esse fiador. Enunciações tais como “Fui
muito forte, lutadora e isso serviu de exemplo pra muita gente que se deixa abater ao saber
que tem doença. Nem por um segundo pensei que poderia morrer” [...] “só consegui ter força
porque sou muito otimista” podem ser explicadas pelo fato de as celebridades alimentarem “o
mundo cotidiano com padrões honráveis de atração que encorajam as pessoas a imitá-las, o
que ajuda a cimentar e unificar a sociedade” (ROJEK, 2008, p. 17). Assim, pela enunciação
de Hebe Camargo, temos a construção de um fiador que, pela sua vitória, seria aquele a ser
imitado.
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A partir das ethé de Hebe Camargo construídas no material de análise, podemos
verificar a emergência de algumas identidades da apresentadora. Ao ser representada pela
revista Caras como portadora de um sorrisão no rosto, animada, apresentadora mais querida
do país, devota fiel, famosa, diva, vaidosa, bem humorada, assim como por ela mesma como
ótima, forte, feliz, como um exemplo pra muita gente, otimista, imagem da alegria, temos a
evidenciação das seguintes identidades: apresentadora de TV, religiosa e lutadora.
Considerando o proposto por Hall (2006) sobre o jogo das identidades, segundo o
qual as identidades são articuladas a fim de atingir determinados objetivos, podemos
considerar, talvez, que, ao ressaltar apenas características positivas ao falar sobre Hebe
Camargo, foi intenção do meio midiático em questão criar pontos de identificação entre os
leitores e a apresentadora, que deve ser considerada por eles como um exemplo de força,
determinação, otimismo e alegria a ser seguido, mesmo em momentos de dificuldade.
O quadro abaixo traz trechos da entrevista de Hebe Camargo concedida ao
programa De frente com Gabi, que foi ao ar em seis de junho de 2010 pelo SBT, quando
Hebe Camargo se recuperava do tratamento contra o câncer. Consideramos, assim como na
matéria de Caras, que ao falar de si, a apresentadora deixa evidenciar um perfil de cunho
autobiográfico, a partir do qual foi possível depreender seu ethos discursivo. Já na fala da
apresentadora Marília Gabriela, verificamos seu ethos pré-discursivo no momento em que a
entrevistadora fala sobre Hebe Camargo. Os trechos contidos no quadro abaixo remetem
aos dados encontrados.
Nº Trechos da matéria Adjetivos
/substantivos/
expressões
descritivas e de
nomeação
Ethos
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Pré-discursiv
o
Discursivo
9 Maria Gabriela: “De volta ao SBT,
meu programa não poderia ter uma
estreia mais animada, mais chic, mais
amorosa, mais charmosa e iluminada.
A minha entrevistada é a grande dama
da televisão brasileira, a mais querida,
a mais falada, a grande inspiração de
todos nós que, de alguma maneira ou
em algum momento da vida
trabalhamos com televisão. Artistas,
jornalistas, técnicos, engenheiros,
qualquer profissional que trabalha na
TV tem Hebe Camargo como
referência.”
A grande dama da
televisão brasileira,
A mais querida, a
mais falada,
A grande inspiração
de todos nós,
Hebe Camargo como
referência
Personalidade
da TV
Musa
inspiradora.
10 Hebe Camargo: “Você sabe, que
coisa mais engraçada, eu não levei
susto [ao saber que tinha câncer].
Apesar de eu nunca ter tido nada,
absolutamente nada, eu não fiquei
assustada [...] nem dor de cabeça eu
tinha. Eu misturava bebida [...] e no dia
seguinte levantava como se nada
tivesse bebido. Não tinha uma dor.”
Apesar de eu nunca
ter tido nada,
absolutamente nada,
eu não fiquei
assustada;
Não tinha uma dor.
Coragem;
Boa saúde
11 Hebe Camargo: “Meu cabelo era
muito bom [...] a vida inteira eu fui uma
referência sempre.”
Cabelo muito bom,
Referência
Beleza
12 Marília Gabriela: “Tenho uma foto que
eu fiz no museu em Berlin. [...] uma
foto de Hebe, da figura, uma escultura
de Hebe [...] Da juventude, daquela
beleza, e eu tenho isso pra te mostrar.
E você é isso! Um nome nunca bateu
tanto com alguém como esse, como
Hebe. [...] pra todo mundo, a ideia de
que você é pra sempre [...] e você vai
ficar pra sempre. Você representa uma
coisa maior que a vida”
Escultura de Hebe
[...] da juventude,
daquela beleza [...]
você é isso.
Você é pra sempre
[...] você vai ficar pra
sempre. Você
representa uma coisa
maior que a vida”
Deusa da
juventude
Beleza
Imortalidade
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14 Hebe Camargo: “[...] eu nunca fui
fazer exame [...] exames preventivos
[...] mas eu nunca tive nada.”
Nunca tive nada. Boa saúde.
15 Hebe Camargo: “Eu fui um exemplo,
deixa eu falar pro seu público: tudo que
o médico mandou, que receitou [...] eu
fiz religiosamente [...]
Fui um bom exemplo Disciplina.
16 Marília Gabriela: “Você sempre teve
essa vaidade, seu cabelo era uma
beleza, uma marca, muito bonito”.
Vaidade, seu cabelo
era uma beleza, uma
marca, muito bonito
Vaidade e
beleza
17 Hebe Camargo: “Eu não tenho medo
de morrer, tenho peninha.”
Não tenho medo de
morrer
Coragem
18 Marilia Gabriela: “Você é um
assombro [...] você é um fenômeno”
Assombro
Fenômeno
Pessoa
admirável
Pessoa que
impressiona
19 Hebe Camargo: “Traz o fenômeno
aqui [...] então são dois fenômenos.”
São dois fenômenos
[ela e Ronaldo)
Pessoa que
impressiona
20 Hebe Camargo: “A quimeo, é evidente
que vai deixar a pessoa nervosa. Eu
não ficava nervosa [...] eu não ficava
aborrecida”
Eu não ficava
nervosa [...]
aborrecida
Pessoa
tranquila
21 Hebe Camargo: “Todo mundo sabe
que eu tenho fé, que eu acredito
realmente [nas santas]”
Eu tenho fé, que eu
acredito
Pessoa
religiosa
22 Hebe Camargo: “Eu sou um pouco
rebelde [...] esse negócio de ir no
hospital e fazer exame, eu não sou um
bom exemplo [cuidar da saúde]”
Sou um pouco
rebelde;
Eu não sou um bom
exemplo
Rebeldia
Descuidada
com a
própria
saúde
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23 Marília Gabriela: “[...] você está
perfeita [fisicamente].”
Perfeita Boa forma
física
24 Marilia Gabriela: “você é a mulher
mais convidada desse país.”
Mais convidada Estimada
25 Marilia Gabriela: “Você ama seu
trabalho. O Brasil te ama”
Ama seu trabalho
O Brasil te ama
Ama trabalhar
Pessoa amada
26 Hebe Camargo: “Essa gente me ama,
foi o que eu senti”
Me ama Amada
27 Marília Gabriela: “Eu me lembro de
você falar que sentia falta de romance,
você é romântica...”
Romântica Romântica
28 Hebe Camargo: “Eu sou romântica” Romântica Romântica
29 Marília Gabriela: “Você era essa moça
de sobrancelhas grossas, tinha
grandes peitos, covinha. Todo mundo
era encantado por você, pela sua
beleza, pela sua graça. Moreninha do
samba, cantora, cantava muito bem.”
Sua beleza,
Cantava muito bem
Bela
Cantora
30 Hebe Camargo: “Eu sou que nem o
povo, gosto de saber das coisas, das
pessoas”
Sou que nem o povo Pessoa do
povo
31 Marilia Gabriela: “Você se considera
uma pessoa conservadora? [...] Às
vezes eu acho.”
Conservadora Conservadora
32 Hebe Camargo: “Eu acho que sim,
sou [conservadora] até hoje”
Conservadora conservador
a
33 Hebe Camargo: “Eu sempre fui muito
modesta”
Modesta modesta
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34 Marilia Gabriela: “Você já era uma
das mulheres mais poderosas do país”
Uma das mulheres
mais poderosas
Mulher
poderosa
35 Marilia Gabriela: “Você é uma cantora
extraordinária”
Cantora
extraordinária
Cantora
extraordinária
36 Marilia Gabriela: “Careta, ela é careta,
a Hebe Camargo é careta [...] é uma
contradição, você é a mulher mais
absolutamente aberta, alegre [...]”
Careta
alegre
Pessoa
Antiquada
Contraditória
Alegre
37 Marília Gabriela: “Você passa essa
ideia de mulher extraordinária”
Mulher extraordinária Extraordinarie
dade
38 Marilia Gabriela: “Mas você é o retrato
da felicidade”
Retrato da felicidade Pessoa feliz
39 Marília Gabriela: “Mulher insegura,
impressionante [referindo-se à Hebe].
Mulher insegura Mulher
insegura
Hebe Camargo: “Hebe é uma pessoa
que tem alegria de viver, naturalmente,
que é uma lutadora, não é essa doçura
que de vez em quando demonstra, de
vez em quando ela fica rabugenta”.
Tem alegria de viver
Lutadora
Rabugenta
Alegre
Batalhadora
Rabugenta
Quadro 2: Fragmentos retirados da entrevista de Hebe Camargo ao programa De frente com Gabi
Fonte: De frente com Gabi, 06 de jun. 2010.
Na entrevista concedida ao programa De Frente com Gabiv, depreendemos as
seguintes ethé pré-discursivas de Hebe Camargo: personalidade da TV, musa inspiradora,
deusa da juventude, mulher bela, imortal, vaidosa, pessoa admirável, pessoa que
impressiona, de boa forma física, estimada, ama o trabalho, amada, romântica, cantora,
conservadora, mulher poderosa, pessoa antiquada, contraditória, alegre, extraordinária,
pessoa feliz e insegura.
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Nesse material é perceptível a compatibilidade de algumas ethé pré-discursivas de
Hebe Camargo com as encontradas na entrevista de Caras, tais como pessoa alegre, que
impressiona. Há também o ethos de personalidade da TV, que remete ao de famosa, e o de
deusa da juventude, que pode, por sua vez, ser associado ao de diva e de mulher bela. Tais
ethos supracitados também são compatíveis com as ethé de pessoa vaidosa e feliz. Essa
recorrência pode ser entendida como mais uma evidência de que o ethos pré-discursivo de
Hebe Camargo está fundamentado em uma representação cultural cristalizada de
celebridade.
Prosseguindo com as análises, observamos na fala da apresentadora as ethé de
musa inspiradora, imortal, pessoa admirável, estimada, amada, mulher poderosa e
extraordinária, que podem ser associados ao estereótipo de celebridade. Para Rojek (2008),
quando as celebridades são representadas pela mídia de massa, princípio-chave na
formação da cultura da celebridade, elas costumam parecer mágicas e sobrenaturais, o que
justifica essa associação da imagem de Hebe Camargo ao poder, à imortalidade, a uma fonte
de inspiração, enfim, com traços extraordinários. Tais traços seriam, talvez, manifestações
de aspectos cristalizados que foram forjados em uma encenação daquilo que Rojek chama
de um eu públicovi, fruto de uma produção cultural. Há de se acrescentar também que as
ethé estimada, pessoa admirável e musa inspiradora remetem à construção de um fiador de
renome que, nas palavras de Rojek seria a “atribuição informal de distinção a um indivíduo
dentro de uma determinada rede de relacionamentos sociais” (Op. Cit., p. 14). Pode-se
conjecturar que, dentre aqueles que trabalham no universo televisivo e lhe são próximos,
Hebe Camargo destaca-se pelas ethé acima citadas. Tanto que, ao apresentar Hebe
Camargo, a apresentadora esclarece que “artistas, jornalistas, técnicos, engenheiros,
qualquer profissional que trabalha na TV tem Hebe Camargo como referência”.
Outras ethé, como o de pessoa em boa forma física, que ama o trabalho, romântica,
conservadora, pessoa antiquada, contraditória, pessoa insegura e cantora também foram
identificadas. Por estarem presentes ao longo da entrevista, podemos dizer que as
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representações de Hebe vão sendo construídas ao longo de sua conversa com Marília
Gabriela, com base no que Hebe Camargo disse sobre si. Assim, temos, como apontado por
Amossy (2005), que o ethos-prévio pode ser confirmado ou modificado no interior de uma
determinada cena genérica. Nesse caso, ao longo de sua narrativa, a enunciação de Hebe
Camargo faz emergir outras ethé a ela relacionadas, agregando-as às outras vinculadas ao
seu estereótipo, o que é logo percebido pela entrevistadora e retomado por ela em seu dizer.
Já no tocante ao ethos discursivo, temos as seguintes ethé ditas: pessoa de
coragem, saudável, bela, disciplinada, que impressiona, tranquila, religiosa, rebelde,
descuidada com a própria saúde, romântica, pessoa do povo, conservadora, modesta,
alegre, batalhadora e rabugenta. Pensando na cenografia da entrevista como narrativa
autobiográfica, e por se tratar de uma enunciação que vem a público em um momento em
que Hebe Camargo se recupera de uma grave doença, percebemos que, assim como na
entrevista de Caras, as ethé pessoa de coragem, saudável, disciplinada, tranquila, religiosa e
batalhadora corroboram para a construção de um fiador vitorioso, alguém que, por ter tais
características, foi capaz de superar a doença.
Compatíveis com seu ethos pré-discursivo, que foi baseado num estereótipo de
celebridade, temos as ethé discursivas de mulher bela, alegre e que impressiona. Tal
similitude vai ao encontro das palavras de Amossy (2005), de que “o orador adapta sua
apresentação de si aos esquemas coletivos que ele crê interiorizados e valorizados por seu
público – alvo” (AMOSSY, 2005, p. 126). Assim, na sua enunciação, Hebe Camargo
evidencia uma imagem que é a valorizada pelo seu público. É importante a ressalva que essa
construção da imagem de si pode ser consciente ou não, ou seja, aquele que enuncia pode
ter a intenção de manipular sua imagem, ou o enunciador pode simplesmente não ter essa
intenção.
As demais ethé ditas rebelde, descuidada com a própria saúde, romântica, pessoa
do povo, conservadora, modesta e rabugenta corroboram para uma desmistificação da
imagem de Hebe Camargo, construindo a imagem de fiador cidadão comum. Porém,
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pode-se conjecturar que isso em nada interfere na manutenção de seu status de celebridade,
pois, como afirma Rojek (2008), o reconhecimento de que as celebridades são humanas
intensifica a estima pública em torno delas. Assim, essas ethé seriam menos uma
desconstrução de uma imagem pré-existente e mais um acréscimo de valor ao fiador.
Assim como na análise feita da reportagem publicada em Caras, entendendo a
identidade como um construto, indo ao encontro do proposto por Rajagopalan (2010), temos
a construção linguístico-discursiva de identidades de Hebe Camargo na entrevista exibida no
programa De frente com Gabi. Ao ser representada na fala de Marília Gabriela como a
grande dama da televisão brasileira, a mais querida, a mais falada, a grande inspiração de
todos nós, como referência para todos, como alguém que é eterna (você é pra sempre [...]
você vai ficar pra sempre), perfeita, a mais amada, como alguém que ama seu trabalho, que é
amada pelo Brasil (o Brasil te ama), como romântica, conservadora, mulher poderosa, alegre,
mulher extraordinária, retrato da felicidade, temos, de forma semelhante ao que foi verificado
em Caras, a afirmação e reivindicação (Rajagopalan, 2010) de algumas identidades da
apresentadora, a saber: apresentadora de TV, celebridade e mulher.
Essas identidades também foram confirmadas na fala da própria Hebe Camargo,
que, ao se representar como uma pessoa que não tem medo de morrer (não tenho medo de
morrer), de fé (eu tenho fé, eu acredito), que tem alegria de viver (tem alegria de viver),
lutadora, afirma tais identidades, fazendo emergir ainda a identidade de religiosa. Além disso,
ao dizer Sou um pouco rebelde e Eu não sou um bom exemplo (no que diz respeito a fazer
exames periódicos e cuidar da saúde), e ao dizer que é que nem o povo, temos Hebe
Camargo como alguém que, por mais que seja considerada uma diva, possui defeitos e é
igual às “pessoas comuns”, o que também corrobora a criação de pontos de identificação
entre ela e o público.
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3. Considerações finais
Por meio da análise dos mecanismos linguísticos de nomeação, qualificação, bem
como das expressões descritivas e de nomeação, vislumbramos como o ethos efetivo de
Hebe Camargo foi construído dentro de uma cenografia de narrativa autobiográfica.
Percebemos que, na construção do ethos pré-discursivo da apresentadora, prevaleceram
algumas ethé as quais associamos como fundamentadas num estereótipo de celebridade.
Ou seja, trata-se de uma percepção, uma representação já corrente de Hebe Camargo
baseada numa imagem pública veiculada pela mídia. Pudemos perceber que essa
estereotipia é significativa, tendo em vista sua recorrência nos dois objetos aqui analisados.
Percebemos também que, durante a entrevista no De frente com Gabi, a enunciação
de Hebe Camargo fez emergir algumas ethé para além das já pré-construídas, o que apontou
para o fato de que, no processo de enunciação, o enunciador pode ratificar ou construir
outras imagens que vão além das representações prévias que o público possui a seu
respeito.
No tocante ao ethos discursivo de Hebe Camargo, percebemos que foi construída
uma imagem de si voltada para que o público fosse levado, talvez, a criar um fiador que se
manifesta como um vitorioso, um exemplo a ser seguido. Como celebridade, sabemos que
Hebe pode exercer uma forte influência em seu público, o que justifica a construção dessas
ethé. Percebemos também que houve uma vinculação de sua imagem como a de pessoa
comum, do povo, o que, indiretamente, pode criar um efeito de aproximação com seu
público. Hebe Camargo mostra-se, assim, como uma figura singular, e o público é levado,
também, a “aderir” a essa imagem.
Tanto em Caras, quanto na entrevista concedida à Marília Gabriela, pudemos
perceber a emergência de identidades de Hebe Camargo, como as de apresentadora de TV,
celebridade, religiosa e mulher. Tais identidades foram afirmadas e reivindicadas
(Rajagopalan, 2010) através dos processos de representação presentes na constituição das
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ethé de Hebe Carmargo. Ao considerar o jogo das identidades proposto por Hall (2006),
podemos considerar, talvez, que a forma como as identidades de Hebe foram articuladas nos
veículos midiáticos em questão, cria pontos de identificação entre o público e a
apresentadora, que deve ser considerada por eles como um exemplo de força,
determinação, otimismo e alegria a ser seguido, mesmo em momentos de dificuldade. Essas
identidades foram confirmadas na fala da própria Hebe Camargo, que, ao dizer ser rebelde e
um mau exemplo, bem como ao afirmar que é igual ao povo, mostra-se como alguém que,
por mais que seja considerada uma diva, possui defeitos e é igual às “pessoas comuns”. A
recorrência dessas identidades nas palavras da apresentadora corrobora também para essa
criação de pontos de identificação entre ela e o público.
Sabendo que no cenário biográfico contemporâneo, conforme afirma Arfuch
(2010), a entrevista é um meio que permite conhecer pessoas ilustres e suas vidas, visto que
confere visibilidade às mesmas, podemos fazer algumas colocações. Pelas ethé e
identidades apreendidas, percebemos que Hebe Camargo deixa impressões sobre ela na
memória pública, uma imagem de alguém que é forte, que é otimista, batalhadora. Essas
atribuições corroboram para criar sentido diante do seu público: ela é um bom exemplo a ser
seguido. Já as autodefinições como rabugenta, rebelde, descuidada com a própria saúde,
funcionam mais para criar efeitos de identificação entre ela e o público e menos para a
desconstrução de uma imagem positiva já existente a seu respeito. Assim, Hebe Camargo
tem sua narrativa favorecida diante do meio social, pois sua imagem e ações, como o fato de
vencer a doença, acabam contribuindo para uma “promoção de si” na mídia.
Notas
i
Concluímos com a pesquisa que, numa sociedade culturalmente determinada pela
espetacularização e culto à aparência, a partir do rosto público de Hebe Camargo - fruto de uma
construção cultural -, as revistas a representaram com atribuições positivas, uma imagem que é (re)
produzida e legitimada, mesmo postumamente, para fins de consumo. ii Trabalho orientado pela Professora Doutora Dylia Lysardo-Dias, Professora Associada UFSJ do
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Departamento de Letras. iii Para Amossy (2005), “a estereotipagem é a operação que consiste em pensar o real por meio de
uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado” (AMOSSY, 2005, p. 125). iv Para Leonor Arfuch (2012), com os avanços da midiatização e das tecnologias de transmissão ao
vivo, “a entrevista se revelou como um meio inestimável para o conhecimento das pessoas,
personalidades e histórias de vida ilustres e comuns” (ARFUCH, 2010, p.151). Entendida como
narração oral, onde a visibilidade ao conferir a palavra ao outro implica num efeito de espontaneidade
e autenticidade, ela é muito presente na mídia atual, principalmente por favorecer as narrativas de
personagens famosas. v Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=cWARPjFfT7U> Acesso em 06 de julho de 2013.
vi Para Chris Rojek (2008), as celebridade possuem um eu privado (verídico) e um eu público (visto
pelos outros).
Referências
AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto,
2005.
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Trad. Paloma
Vidal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
CARAS. São Paulo: Abril, 987 ed. Ano 19, n. 40. 05 out./2012.
CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. Trad. Ângela M. & Ida Lúcia
Machado. São Paulo: Contexto, 2009.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira
Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
CAMARGO, Hebe. De frente com Gabi (Entrevista à jornalista Marília Gabriela através da Rede SBT
de televisão). Disponível em: <Http://www.youtube.com/watch?v=cWARPjFfT7U>. Acesso em:
7 jun. 2013.
MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTTA, Ana Raquel & SALGADO, Luciana. Ethos
discursivo. São Paulo: Contexto, 2008.
MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia e incorporação. In: AMOSSY, R. (Org.). Imagens de si no
discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 69-91.
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RAJAGOPALAN, Kanavillil. A construção de identidade e a política de representação. In: FERREIRA,
L.M.A. e ORRICO, E.G.D.(Org.). Linguagem, identidade e memória social. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 2010, p77-115.
ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.