sistema de justiça criminal(atualidades)
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Sistema de justiça criminal (atualidades), com um panorama da atual condição do sistema carcerário.TRANSCRIPT
SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINALO Brasil precisa construir um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL harmônico integrando Poderes e Instituições, independente tecnicamente, com ligações próximas, processos ágeis, competências definidas e capaz de assegurar a ordem pública, executar e garantir a aplicação coativa das leis, cumprir os objetivos da execução penal e promover a paz social, zelando pelos recursos públicos e garantindo a supremacia do interesse público em que vida, saúde, patrimônio e bem estar das pessoas são prioridades.TERÇA-FEIRA, 14 DE ABRIL DE 2015
DELEGADO CONCILIADORESTADO DE MINAS 09/02/2015 07:33
Governo de Minas vai implantar medida inédita para aliviar superlotação nas prisões. Minas pretende criar este ano a figura do delegado conciliador, que passará a resolver casos que envolvam crimes de menor gravidade, até mesmo com aplicação de penas alternativas Maria Clara Prates
Interior do complexo prisional de Neves: em Minas, total de presos sem julgamento passa de 30 mil, quase a metade da população carcerária
Com um déficit de 24,5 mil vagas no sistema prisional do estado e uma superpopulação carcerária de 64,7 mil presos, a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais vai implantar uma experiência pioneira, o Núcleo de Pacificação Social e Conflito Criminal, por meio do qual o próprio delegado deverá resolver casos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo – contravenções penais e aqueles com pena máxima de dois anos. A informação foi passada com exclusividade ao Estado de Minas pelo secretário-adjunto de Defesa Social, delegado federal Rodrigo Teixeira. Ele explica que, com a medida, o delegado, na presença de um advogado do acusado, passa a promover a composição civil, que deverá ser homologada por um juiz de Direito, depois de ouvido o Ministério Público (MP).
A expectativa é de que o núcleo seja implantado dentro de até nove meses, praticamente a custo zero, já que poderão ser usadas as instalações das próprias delegacias. Para garantir eficácia, os policiais civis receberão treinamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Minas, o número de presos provisórios, ainda sem julgamento, chega a 30.349.
O secretário de Defesa Social, Bernardo Santana (PR), que deu o tom da sua gestão à frente da pasta, quando se comprometeu a valorizar os policiais – civis, militares e bombeiros –, vai se reunir nos próximos dias com representantes do Tribunal de Justiça de Minas (TJ), Ministério Público (MP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras entidades da área de segurança pública, para viabilizar a criação da figura do delegado conciliador. Ou seja, um delegado que atue como um juiz de instrução, decidindo sobre a necessidade da prisão em flagrante, a arbitragem de fiança, como já ocorre, e até mesmo a aplicação de penas alternativas em transações penais e uso de tornozeleiras. Em casos de abusos, o policial seria punido e a decisão revista.
De acordo com Rodrigo Teixeira, a criação do Núcleo de Pacificação Social independe de regulamentação, porque a Lei 9.099, de setembro de 1995 – que criou os juizados especiais cíveis e criminais –, estabelece que as mediações dos conflitos podem ser feitas por juízes ou por leigos. “Essa iniciativa não depende de regulamentação, por isso
, podemos fazer a implantação em no máximo nove meses, instituindo a figura do delegado conciliador”, diz Teixeira. Ele explica, porém, que a figura do delegado de instrução vai exigir uma regulamentação formal e um consenso de todos os envolvidos no processo. “Se o delegado já tem o poder de arbitrar fiança ou manter uma prisão, por que não poderia determinar o uso de tornozeleiras e outras medidas cautelares?”, avalia Teixeira, ao defender que, desta forma, haverá mais agilidade na punição efetiva dos suspeitos.
CAMINHO INVERSO
Sob a mesma alegação de agilização e redução do total de presos provisórios, São Paulo escolheu caminho em sentido contrário. A partir de amanhã, todos os presos na capital terão que ser conduzidos dentro de 24 horas ao Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, em Barra Funda, onde vai funcionar a Central de Mediação Penal. Para se ter ideia do volume de trabalho no novo centro, somente no segundo semestre de 2012 – último levantamento feito pela organização não governamental Sou da Paz –, 8.108 prisões foram feitas na capital paulista, média diária de 45. Para o secretário Bernardo Santana, a proposta é um grave risco para a solução da segurança pública, um risco para o Judiciário e um engessamento do sistema. “Em Minas, o governador não nos incumbiu de missões espalhafatosas e pirotécnicas, pouco efetivas na segurança pública”, disse.
A iniciativa paulista encontra sustentação no Projeto de Lei 554/2011 – de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que cria a figura do juiz de instrução e praticamente suprime o inquérito policial –, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). De acordo com o projeto de lei, todos os presos deveriam ser apresentados dentro do prazo de 24 horas ao juiz, que já realizaria uma audiência de custódia, com participação indispensável do Ministério Público e advogados e já poderia dar uma sentença. A ideia foi encampada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que lançou oficialmente o sistema na sexta-feira. A medida foi viabilizada por meio de um termo de cooperação assinado com o Ministério da
Justiça, CNJ, MP, Defensoria Pública, OAB, entre outras entidades.
DIREITOS O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, alerta que a concentração de todos os presos em um único ponto vai exigir um grande esquema de segurança no local para evitar resgate, especialmente na cidade onde é berço da violenta facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que resiste nos presídios paulistas. Marcos Leôncio lembra ainda que o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal pode se tornar inviável também em cidades sem juiz e Ministério Público ou defensores públicos, como ocorre hoje em inúmeras comarcas do país. “Dessa forma, estão transformando o Juizado de Instrução, num grande alvo sensível para o crime organizado”, diz o federal. Uma linha de raciocínio que tem o apoio quase unânime de outras carreiras jurídicas e também no Ministério Público (veja quadro abaixo).
Em nota técnica enviada ao Senado, em abril, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, mostra preocupação com a segurança, mas alerta para outro complicador: o alto custo da implantação da medida. “São imensuráveis os custos decorrentes da implementação dessas medidas, a serem arcados quase que exclusivamente pelos governos estaduais”, diz. Para o procurador, o prazo de 24 horas apenas para a apresentação da pessoa presa é extremamente exíguo e pode inviabilizar a aplicação. De acordo com o delegado Marcos Leôncio, a Bahia já tentou implementar o juízo de instrução, mas não consegue realizar a audiência de custódia antes de 20 a 30 dias após a prisão.
Sem consenso
Posição das entidades em relação ao Juizado de Instrução adotado pelo governo de São Paulo
Pela rejeiçãoAssociação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil)Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)Associação Paulista de Magistrados (Apamagis)Federação Nacional dos Delegados de Polícia (Fenadepol)Ministério Público de São Paulo (MPSP)Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC)
Pela aprovaçãoPoder Judiciário do Rio de Janeiro (PJERJ, com emenda)Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege)Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep)Fonte: Senado FederalPostado por Jorge Bengochea às 05:57 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o PinterestESTADO DEIXA DE LADO DA SEGURANÇA PÚBLICAA NOTÍCIA, 10/04/2015 | 08h31
Roelton Maciel
ENTREVISTA. 'Estado deixa de lado a segurança pública de Joinville', diz juíza
Titular da 1ª Vara Criminal de Joinville há quase três anos, Karen Francis Schubert Reimer critica o desequilíbrio entre as estruturas do Poder Judiciário em Joinville e na Capital
Karen Francis Schubert Reimer fala das condições inadequadas para as polícias Civil e Militar na mais populosa cidade de SC Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS
Há quase três anos, quem bate o martelo ao decidir as sentenças dos acusados de homicídio e tentativa de homicídio em Joinville é a juíza Karen Francis Schubert Reimer, titular da 1ª Vara Criminal da cidade, onde são julgados os chamados crimes contra a vida. Desde maio de 2012, mais de 160 sessões de júri popular foram decididas com a participação da magistrada.
Hoje, outros quase 280 processos que ainda podem ir a júri são mantidos aos cuidados dela. Além de uma pilha com mais 1,7 mil ações envolvendo crimes de outra natureza, que dividem as atenções em seu gabinete. Diante de uma demanda crescente na esfera criminal, a juíza é categórica ao afirmar que Joinville precisaria ter, pelo menos, o dobro de juízes.
A mais populosa cidade de SC, compara, conta com 28 magistrados, enquanto Florianópolis tem 68 juízes em atuação. Crítica quanto à atenção do Estado para Joinville no que diz respeito à segurança pública, Karen entende que a cidade está “deixada de lado”.
Numa conversa de cerca de uma hora com a reportagem de “A Notícia”, a magistrada ainda falou sobre o recorde recente de homicídios, impunidade, eficiência das leis e maioridade penal. Também apontou guerra entre facções na cidade e fez o alerta: se nada for feito, a tendência é piorar.
A Notícia – O Estado deixa a desejar quanto ao aparato policial em Joinville?Karen – Totalmente. Na Capital, o efetivo da Polícia Civil é maior do que o efetivo das polícias Civil e Militar juntas em Joinville. A gente não tem como lidar com a segurança pública sendo tratado de forma tão desigual. Esse é um dos grandes motivos da criminalidade. As penas têm de ser severas, mas o que faz diminuir a criminalidade não é a severidade da pena e, sim, a certeza da punição. Quando há a certeza da impunição ou quase certeza, a impunidade gera uma criminalidade desenfreada. Tenho convicção de que o fato de a segurança pública em Joinville ser deixada de lado pelo governo do Estado é um dos fatores que aumentam a criminalidade.
Papel do Estado
Outro fator é não conseguir cumprir a legislação porque o Estado não cumpre a parte dele. Mandamos prender, mas não controlamos o presídio, nem a penitenciária. Eles não constroem presídios, penitenciárias, locais para o preso trabalhar. O Judiciário não tem como fazer a parte dele. A maioria dos presos faz questão de trabalhar, até porque se ganha a remissão. Só que o Estado não proporciona isso. Também há um protecionismo muito grande. As leis protegem muito aquele que pratica atos contrários à lei. O devido processo legal é necessário, cumprir a Constituição, também. Digo proteger no sentido de achar brechas para que a pessoa não tenha de cumprir aquilo que é preciso cumprir. Tudo isso para tentar dar uma solução paliativa para a falta de espaço, de condições no presídio.
Direitos humanos
Sou totalmente favorável aos direitos humanos. É indispensável. Só acho que deveriam ser chamados de direitos civis. Toda pessoa que luta pelos direitos humanos deveria lutar pelo devido processo legal e para que as prisões fossem locais onde a pessoa fosse trabalhar, estudar e cumprir a pena de forma decente. Não entendo que direitos humanos seja colocar a pessoa na rua. Nunca recebi um pedido de direitos humanos para melhorar a situação de um preso, sempre para soltar.
AN – A fragilidade do sistema impacta na reincidência?Karen – Diretamente. Temos vários tipos de pessoas que infringem a lei. Algumas delas, se tiverem oportunidade, podem eventualmente sair do mundo do crime. Outras não têm condições, encaram o crime como modo de vida. É uma opção, não uma falta de condição. Dizer que a injustiça social é a causa do crime é a maior injustiça que se comete com os milhões de pobres e honestos. Se isto fosse verdade, não teríamos petrolão. Praticamente todos os estelionatários têm uma boa formação.
É uma distorção, uma romantização absurda dizer que a criminalidade tem relação
com a falta de condições. Pode-se dizer que, no Brasil, a grande maioria dos criminosos é pobre. Sim, porque a grande maioria dos brasileiros é pobre. Tudo é uma proporção. Mas temos as exceções. Aquela criança que não teve nenhuma chance caiu nas drogas muito cedo. Essa pessoa poderia, talvez, ter uma escolha diferente. Essas pessoas, em um ambiente prisional onde fossem estudar, trabalhar, ter tratamento, nesse caso acredito que se recuperam.
Reeducação
Dizer que o único objetivo da pena é reeducar acho até um insulto para o preso. Um preso de 30 anos de idade, que diz ter o crime como profissão, dizer que precisa reeducá-lo é uma ofensa. Na verdade, aquela é uma opção daquela pessoa, ela sabe o preço a pagar se for pega. Se ela souber que as chances de precisar cumprir esse preço são baixas, isso vai estimular a pessoa a praticar mais crimes.
Pena de morte
Até hoje não consegui ser a favor, principalmente por já ser comprovado que não diminui a criminalidade. O que diminui é ter certeza de que será punido. Colocar um radar no sinaleiro é muito mais eficaz do que instituir pena de morte para quem furar o sinal e isto não ser cumprido. No caso do Brasil: saber que, mesmo matando 20 pessoas, o máximo de pena é 30 anos, mas, com todos os benefícios, cai para 15. Isto tem que mudar.
AN – Há casos, mesmo nos júris, em que o réu é condenado, mas continua em liberdade. Como isso contribui para a sensação de impunidade?
Karen – Essa é a nossa garantia do devido processo legal. Ainda que eu não concorde com alguma lei, vou cumpri-la porque a minha profissão é cumprir a lei, não fazer a lei. O juiz não tem o direito de julgar diferente da lei quando não concorda, a não ser que a lei seja inconstitucional, algo assim.
No Brasil, gravidade do crime não é motivo de prisão cautelar. Diz a lei o seguinte: se alguém esquarteja três pessoas hoje, mas tem residência fixa, bons antecedentes e trabalha, isto significa que ela pode ficar solta. Porque, na nossa lei, a prisão é uma garantia para o processo, para que chegue ao fim. A gravidade não é motivo, sozinha, para a decretação da prisão. Isto para o flagrante. Imagina, então, alguém que já responda em liberdade e você ter de prender ao final? No nosso sistema, você só é considerado culpado depois do trânsito em julgado da decisão. Há recursos e mais recursos, isto pode levar anos.
Debate
Se a população não concorda com algumas considerações da nossa lei, isto deveria ser objeto de debate e ser levado ao Legislativo. Não existe esse debate com a sociedade de qual tipo de sociedade queremos ter. Hoje, temos uma sociedade muito permissiva em relação ao cometimento de crimes e à punição desses crimes.
AN – Há momentos em que o magistrado se sente impotente?Karen – Todos que trabalham com a Justiça, seja de um lado ou de outro, em algum
momento sente o conflito entre o seu convencimento pessoal e o que a legislação diz. Entendo que, se aquela legislação for constitucional, eu não tenho o direito de não aplicá-la. Não é o meu pensamento que tem de prevalecer sobre a lei. Temos algumas penas adequadas, que não precisam ser aumentadas, legislações que são boas. Não fico em conflito o tempo inteiro. Temos boas leis, o problema é que elas não são cumpridas. Nossos problemas são de estrutura, de pessoal. Principalmente da parte do Executivo.
Comparativo
Joinville tem 28 juízes, titulares e substitutos. A Capital tem 68. Aqui, a 1ª Vara Criminal, que é privativa do júri, mas não exclusiva, tem 1.996 processos, dos quais 278 são do júri. Na Capital, a vara é exclusiva do júri e tem 170 processos. Como que a gente pode prestar um trabalho com a qualidade que se espera? Temos a mesma quantidade de juízes que Tubarão, Lages. Isto é histórico. Joinville sempre foi deixada de lado pelo Estado em todos os órgãos. O cível é abandonado, o criminal é abandonado. A gente acaba enxugando gelo, com quase um terço do efetivo. Joinville precisaria do dobro de juízes. E qualquer vara nova que venha tem de ser cível. Lá, a demanda é maior. Mas temos demanda para uma vara privativa do júri, mas é um sonho que duvido que será realizado.
AN – A senhora tem preocupação particular com a imagem das corporações policiais.Karen – A polícia é a profissão que põe a vida em risco. Existe corrupção? Existe, assim como em todos os meios. Mas parece que, no Brasil, existe uma tendência de só dar importância ao policial quando ele faz algo errado. Não se veem homenagens, uma comunidade aplaudindo o trabalho policial. Vejo com preocupação a tendência de pegar um policial ruim e jogar essa imagem para toda uma corporação extremamente dedicada, que trabalha sem estrutura, com efetivo absurdamente abaixo do ideal. E colocam o peito na rua para defender a população, em troca da falta de reconhecimento e de um salário baixo. Temos que aprender a valorizar nossos heróis.
AN – Joinville alcançou um recorde de homicídios no ano passado, que pode ser superado neste ano. Como a senhora avalia os números?Karen – Há uma ligação direta com a sensação de impunidade. Não temos efetivo policial para investigar ou para colocar na rua e prender. Eles (criminosos) sabem disso, é um incentivo ao crime. Se tivéssemos três vezes mais policiais, duvido que tivéssemos esses números. Se tivéssemos a quantidade de policiais que Florianópolis tem nas ruas, não teríamos esses números. Está diretamente ligado ao fato de Joinville estar totalmente deixada de lado no quesito segurança pública. E a tendência é piorar.
AN – Qual o perfil de quem pratica homicídio em Joinville?Karen – Parece que são levas. Cada ano muda o perfil da maioria. A maior parte é vinculada às drogas, isso não muda. Ano passado foi o ano da Maria da Penha. Tivemos um número absurdo de homicídios e tentativas, também de mulheres tentando matar o marido. Neste ano, estamos com uma guerra de facções. As organizações criminosas estão liderando a maioria dos crimes. A criminalidade havia baixado dois anos atrás no Jardim Paraíso porque havia um trabalho de segurança
pública naquele local. Depois, isto foi deixado de lado e a criminalidade está voltando.
AN – Como o Judiciário pode dar conta de tantos casos?Karen – Vou continuar batalhando para dar conta, nunca usei o excesso de trabalho como desculpa. Mas talvez alguém tenha que fazer alguma coisa. Se a polícia conseguisse investigar todos os crimes cometidos, não faço ideia do que poderia acontecer com o Judiciário. O trabalho policial é excepcionalmente bem-feito considerando as condições de trabalho. O caso Vitória Schier (adolescente estuprada e morta), por exemplo, teve um trabalho fenomenal, dá para escrever um livro. Há outros casos em que se poderia identificar a autoria se houvesse equipamentos, um banco de dados de DNA, de digitais, o que se vê em filmes.
CâmerasColoquem câmeras de segurança. As pessoas estão passando a ser condenadas a partir de imagens das câmeras. A partir do momento em que há condenações com essa prova, eles (criminosos) vão passar a tomar cuidado para não agir onde há câmeras. Desvendamos muito crimes com câmeras.
AN – Qual a sua avaliação quanto à redução da maioridade penal?Karen – Continuo achando que a solução não é diminuir a maioridade. Não acho que colocar esses rapazes de 16 anos, ainda que criminosos, junto do pessoal experiente seja benéfico para a sociedade. O que tem de mudar é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). É preciso tratar de forma diferenciada os crimes graves dos que não são. Os adolescentes que são abusados, sem possibilidades, daquele que é psicopata. Tem que existir um tratamento diferenciado para os jovens que cometem crimes graves. É preciso mudar o ECA, não o Código Penal. Hoje, no Paranaguamirim, crianças de oito a nove anos estão vendendo drogas. Começou a se aplicar mais medidas restritivas aos adolescentes. Aí, agora estão pegando quem não responde mesmo, as crianças. Então, diminuir a maioridade não vai diminuir a criminalidade. Mas se o ECA fosse cumprido à risca, também não seria esse absurdo que acontece hoje.Postado por Jorge Bengochea às 05:47 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2015
MP DEFLAGRA NOVA OFENSIVA CONTRA FACÇÃO DA CAPITAL
ZERO HORA 04 de março de 2015 | N° 18091
POLÍCIA.COMANDO NA MIRA. TERCEIRA FASE da investida contra Os Manos quer neutralizar líder do bando. Transferido do Presídio Central à Pasc, detento continua ordenando crimes
Na terceira fase da ofensiva iniciada em abril do ano passado contra a facção Os Manos, o Ministério Público (MP) tenta neutralizar o líder da facção. Na Operação Hydra de Lerna, deflagrada ontem, o objetivo é isolar um detento que, mesmo de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), seguia ordenando crimes nas ruas – este ano a casa prisional perdeu o status de segurança máxima.
O promotor Ricardo Herbstrith solicitou a transferência de Tiago Benhur Flores Pereira, 29 anos, para o regime disciplinar diferenciado (RDD) – sistema de isolamento rígido que proíbe benefícios como visita íntima – em algum presídio federal do país.
Apontado como o principal líder da facção Os Manos, Benhur tem sete condenações por roubo e uma por tráfico – penas que chegariam até 2122. Em abril do ano passado, quando desencadeou a Operação Praefectus – a primeira fase da ofensiva contra o bando –, o promotor já havia solicitado a transferência do preso, mas teve o pedido negado pela Justiça. Ele ainda aguarda decisão.
– Não vejo outra forma de isolar o comando. Como já demonstramos, mesmo depois de um ano, a facção continua agindo a partir das cadeias – afirma Herbstrith.
Na ação de ontem, a terceira investida do MP contra Os Manos, o alvo era a influência do grupo no tráfico na zona sul da Capital. Em julho de 2014, por exemplo, a Brigada Militar (BM) interceptou 10 quilos de cocaína carregados desde o bairro São José, na Zona Leste, em um caminhão de gás.
Ontem, com apoio da BM, foram cumpridos seis mandados de prisão preventiva – cinco contra detentos da Pasc, da Penitenciária Modulada de Charqueadas e do Presídio Central. A mulher de um apenado foi pega quando chegava no Central para visita. Na Restinga, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma, usando tornozeleira eletrônica do regime semiaberto, o irmão de um dos investigados.
Grupo é denunciado por tráfico
Em outra frente, o promotor Flávio Duarte denunciou 15 integrantes da facção dos Abertos à Justiça por tráfico de drogas e comércio ilegal de armas e munição.
Entre os alvos da denúncia estão Letier Ademir Silva Lopes, que cumpre pena na Pasc, Jhonatan Luiz Viana, detido na Penitenciária Estadual de Charqueadas, e Cristiano Feijó Madrile, recolhido no Presídio Central.
Ao longo da investigação iniciada em abril do ano passado, com o apoio do serviço de inteligência da BM, 12 pessoas foram presas em Gravataí, Sapucaia do Sul, Canoas, Charqueadas e Cachoeirinha. Foram apreendidos 100 quilos de maconha, cocaína e cerca de dois quilos de crack, além de LSD, armas e munição.
OPERAÇÕES EM ETAPAS
PRAEFECTUS
-Em abril de 2014, a ação revelou como a facção Os Manos exige pagamentos dos detentos de suas galerias no Presídio Central. Bares em frente à cadeia eram utilizados como agência bancária pela facção. Familiares dos presos entregavam nos estabelecimentos dinheiro que era recolhido pelo bando para compra de drogas e armas.
KOMMUNICATION
-Realizada em fevereiro deste ano, mostrou como, a partir das celas da Pasc, a facção elaborava um “estatuto”, cuja principal cláusula era a contribuição mensal dos integrantes, formando uma vaquinha milionária para compra de armas. Valores estimados em R$ 1,3 milhão seriam arrecadados com a mensalidade de R$ 200 de pelo menos 450 criminosos ligados à organização do Vale do Sinos. Escutas telefônicas flagraram o plano.
HYDRA DE LERNA
-Desencadeada ontem, teve como alvo principal o líder da facção Os Manos. O MP pede a transferência da Pasc do detento Tiago Benhur Flores Pereira, 29 anos, para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em algum presídio federal do país. Mesmo transferido do Central para a Pasc, ele estaria no comando das ações da facção.
Postado por Jorge Bengochea às 05:09 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
QUINTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2015
CASO ELISEU SANTOS, DIVERGÊNCIAS E CINCO ANOS SEM JULGAMENTO
ZERO HORA 26 de fevereiro de 2015 | N° 18085
JOSÉ LUÍS COSTA
CASO ELISEU SANTOS, Cinco anos depois, ninguém foi julgado
EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE de Porto Alegre foi assassinado em 26 de fevereiro de 2010 e, até agora, o crime segue sem resposta. Polícia Civil entendeu se tratar de roubo com morte, enquanto promotores apontaram homicídio encomendado
A sexta-feira 26 de fevereiro de 2010 segue como uma incógnita na história policial do Rio Grande do Sul. Desde aquela noite, quando se iniciavam as buscas aos matadores do ex- secretário de Saúde de Porto Alegre Eliseu Santos, os gaúchos se perguntam o que, de fato, aconteceu com o polêmico médico e político, assassinado aos 63 anos, diante da mulher e da filha caçula. Exatos cinco anos depois, o crime segue sem respostas.
Um das razões para isso foi uma desavença entre a Polícia Civil e o Ministério Público (MP), gerando uma crise sem precedentes entre as duas instituições. De um lado, policiais afirmando se tratar de um roubo seguido de morte (latrocínio) praticado por três ladrões de carro. Em outra ponta, promotores garantindo que Eliseu foi vitima de homicídio encomendado por um grupo de desafetos.
A tese do MP prevaleceu na esfera judicial. Sete pessoas foram presas preventivamente durante um ano, mas a medida foi insuficiente para elucidar o crime. Ao longo do tempo, o MP foi descobrindo novos suspeitos, obrigando a Justiça a cindir (dividir) o caso – o maior em tramitação na 1ª Vara do Júri da Capital – em cinco processos.
SÓ UM DOS ACUSADOS EM PRISÃO PREVENTIVA
Atualmente, são 10 réus – já foram 13. Os processos somam 218 volumes em 62,3 mil páginas, ocupando uma sala em separado. Apenas um dos acusados (Eliseu Pompeu Gomes) está preso preventivamente pelo crime, e a previsão mais otimista é de que o primeiro dos cinco julgamentos ocorra este ano.
– Normalmente, a cissão causa perturbação processual. Neste caso, com vários réus, acho a demora normal – analisa o criminalista Nereu Lima.
Na avaliação do advogado Marcos Vinícius Barrios, defensor de Marcelo Machado Pio, um dos acusados de ser mandante do crime, o caso tende a se estender por anos a fio e até com desfecho inesperado.
– Tenho certeza de que será anulado em Brasília por causa das cissões e vícios processuais, além do que é um delírio acusatório – diz Barrios.
O promotor Eugênio Amorim rebate a afirmação:
– Vou me preocupar quando for elogiado por advogados. Nos criticam porque nosso trabalho foi bem-feito.
Zero Hora não localizou familiares de Eliseu. Luis Augusto Lara, deputado estadual pelo PTB, lembra com saudade do amigo.
– Era uma pessoa franca, autêntica. Está fazendo muita falta entre nós – comenta.
Postado por Jorge Bengochea às 10:51 Postado por Jorge Bengochea às 05:55 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
DOMINGO, 8 DE FEVEREIRO DE 2015
OS HOMENS QUE ESTÃO MUDANDO O BRASIL
REVISTA ÉPOCA 06/02/2015 22h39
Quem são e como trabalham os juízes e procuradores da Operação Lava Jato. Eles lideram uma revolução no combate à corrupção
DIEGO ESCOSTEGUY
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
O edifício Patriarca, com sua estrutura retangular em mármore acinzentado e seus vidros negros espelhados, destaca-se sombriamente na paisagem de Curitiba – especialmente nos dias chuvosos e nublados, que são muitos. O Patriarca assenhora-se das cercanias: não há construção que faça sombra nele. Fora, a larga caixa negra de nove andares, sem curvas ou vida, sugere apenas segredos. Dentro, o Patriarca abriga escritórios de algumas das maiores empresas do país. No 2o andar, funciona a filial no Paraná da Odebrecht, a mais rica e influente empreiteira da América Latina. A Petrobras tem escritórios em dois andares: no 9o e no 7o. Neste, divide espaço com um inquilino novo e discreto – um inquilino que não permite sequer que seu nome seja exibido na portaria do Patriarca. Num conjunto modesto de salas, estabeleceu-se há alguns meses o grupo de elite responsável pela investigação que sacode o Brasil. São os homens da força-tarefa montada pelo Ministério Público Federal na Operação Lava Jato.
O MPF precisou alugar as salas porque, com o rápido avanço das investigações – que de grandes se tornaram colossais –, os procuradores não tinham espaço, equipe e segurança suficientes para conduzir os trabalhos. Para eles, bastou atravessar a rua: o Patriarca fica em frente à sede do MPF em Curitiba. Dividir parede com o inimigo – quer dizer, o alvo – diverte a equipe. “Já pensamos em bater
lá de madrugada para pegar documentos”, brinca um deles. “Pouparia trabalho aqui.” Dar expediente cinco andares acima da Odebrecht, um dos próximos alvos dos procuradores, causa menos sorrisos. Eles estão ávidos para pegar de vez a empreiteira que, suspeitam, faz parte do cartel que domina as grandes obras públicas do país. Desde o começo das investigações, a Odebrecht nega qualquer irregularidade, embora tenha aparecido na delação premiada do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco.
Uma pequena porta de vidro abre-se para o ambiente de trabalho dos procuradores. É austero, até apertado. A impressora fica num corredor estreito, o que exige dribles constantes daqueles que gostam de zanzar entre as salas. Um guarda protege o local, sempre de pé, ao lado da secretária que cuida do dia a dia – dias que, quase sempre, varam a madrugada. Trabalha-se muito ali, como demonstra a sucessão de números superlativos da maior investigação já feita no país: 12 acordos de delação premiada, 86 pessoas denunciadas, 232 empresas investigadas, dezenas de contas secretas bloqueadas em paraísos fiscais, R$ 500 milhões recuperados aos cofres públicos… Não há processo criminal, na história da República, que chegue remotamente perto dessas façanhas.Postado por Jorge Bengochea às 07:07 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
SÁBADO, 31 DE JANEIRO DE 2015
CORTANDO GASTOS NA FINALIDADE PARA PAGAR AUXÍLIO MORADIA DOS PROMOTORES
ZERO HORA 30/01/2015 | 16h53
por André Mags
Apertando o cinto. MPU determina corte de gastos para pagar auxílio-moradia
e revolta servidores no RS. MPT-RS definiu economia na energia elétrica, no telefone e até na água mineral no Estado
Ainda sem previsão de valores aprovada no Orçamento da União de 2015, o auxílio-moradia a procuradores do Ministério Público da União (MPU) será pago em janeiro com economia de recursos como diárias, passagens aéreas e outros. A determinação foi comunicada a todos os ramos do MPU, e o descumprimento pode acarretar irregularidade por "despesa indevida" — as punições podem incluir multa e devolução de valores.
A medida revoltou servidores do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), onde está havendo cortes de gastos na energia elétrica, no telefone fixo e celular, correio e malote, em combustíveis, suprimento de fundos para pequenas despesas e até na água mineral, conforme servidores.
Funcionários do MPU reivindicam reposições salariais acumuladas. Eles estão há nove anos sem reajustes acima da inflação, conforme o Sindicato Nacional dos Servidores do MPU e do CNMP (Sinasempu).
Para garantir o benefício aos procuradores, os demais funcionários serão afetados, analisa o delegado sindical da Associação dos Servidores do Ministério Público do Trabalho e Militar, Luís Alberto Bauer. Ele lembra que a categoria já fez um protesto contra o auxílio-moradia e que há possibilidade de paralisação nacional para pressionar por um reajuste real.
— A política funciona assim. Não somos nós que votamos para procurador-chefe e outros. Então, não temos valor nenhum — afirma Bauer.
A contenção de gastos foi definida em Brasília em uma reunião realizada na Procuradoria-Geral da República com todos os ramos do MPU (que são Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e comunicada via ofício-circular em 9 de janeiro. Na reunião, "deliberou-se pela realocação de recursos de custeio disponíveis com a finalidade de suprir a demanda de pagamento do auxílio-moradia dos membros, até a definição do orçamento de 2015", diz e-mail explicativo sobre a medida encaminhado aos servidores em meados de janeiro e anexado às explicações de cortes no MPT-RS.
— É uma questão moral. Vamos deixar de fazer as nossas coisas para garantir o benefício deles — comentou uma servidora do MPT-RS.
O procurador-chefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra, afirmou que esse repúdio dos servidores ao auxílio-moradia e aos cortes está ligado à campanha salarial da categoria, que entende ser justa. Ele garantiu que os cortes não afetarão o serviço.
— Realmente houve cortes, mas nada que implique qualquer limitação ao funcionamento da procuradoria. Aqui tem água normal, o horário não foi reduzido, todo mundo está com o ar-condicionado ligado. Óbvio que tivemos que fazer
algumas reduções, mesmo, o que foi bom, porque demos uma racionalizada. O pessoal ligava o ar-condicionado já na primeira hora da manhã, sem estar na sala. A gente racionalizou isso. Talvez os ânimos estejam meio exaltados por causa da campanha salarial deles — argumentou.
Contatado em Brasília, o MPT comunicou que não se manifestaria sobre assunto interno da instituição.
Não há um valor exato a ser economizado. No entanto, o auxílio-moradia, aprovado no ano passado, vale mais de R$ 4,3 mil para magistrados, procuradores e promotores de todas as esferas da Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública, cujos salários podem alcançar em torno de R$ 30 mil. No Rio Grande do Sul, calcula-se que o custo anual com o benefício passaria de R$ 110 milhões.Postado por Jorge Bengochea às 06:01 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
TERÇA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2015
MP DEFLAGRA OPERAÇÃO PARA PRENDER TRAFICANTES
O DIA 27/01/2015
MP deflagra operação para prender traficantes no Rio e na Região do Lagos Dos procurados, 10 já cumprem pena. Outros 16 são procurados no Rio, Niterói e em Cabo Frio e Arraial do Cabo
Marcello Victor
Rio - Agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio (DELEPAT), da Polícia Federal, desencadearam uma operação no início da manhã desta terça-feira para desmantelar uma quadrilha de tráfico de drogas que atua na Região do Lagos. Denominada Dominação, a ação tem o objetivo de cumprir 26 mandados de prisão. Dos procurados, dez já cumprem pena. Equipes tentam prender os outros 16 denunciados no Rio, Niterói e em Cabo Frio e Arraial do Cabo.
De acordo com a denúncia do MP, os integrantes da quadrilha atuavam na
exploração do comércio ilegal de drogas nas comunidades Alecrim, Boca do Mato, Reserva do Peró, Cemitério, Monte Alegre, Cidade Perdida e Jardim Peró, em São Pedro da Aldeia e Cabo Frio, além de outras cidades da Região dos Lagos. Ligados a facção criminosa Comando Vermelho, a quadrilha fornecia do Rio armas, drogas e munição para abastecer as bocas-de-fumo do interior. Eles também são denunciados por receptação, lavagem de dinheiro e comércio ilegal de armas de fogo, entre outros crimes.
O homem apontado como o chefe da quadrilha, Carlos Eduardo Rocha Freire Barboza, conhecido como Caçador, Lobo ou Cadu Playboy se encontra preso no Presídio de Segurança Máxima de Bangu 1, assim como outros nove denunciados que cumprem pena em unidades prisionais do Rio. A quadrilha, ainda de acordo com as investigações do MP, praticou crimes como lesão corporal, receptação e lavagem de dinheiro para manter o domínio e o controle na venda de drogas na Região dos Lagos.
Além dos mandados de prisão, o MP determinou o sequestro de bens móveis e imóveis e o bloqueio de valores dos 26 denunciados e de outras 13 empresas que teriam relação com o esquema de tráfico de drogas do grupo.
Fornecimento de armas de fogo e crimes eleitorais
Segundo o MP, Playboy também adquiria e recebia de fornecedores e associados armas de fogo e munições de diversos calibres, que eram distribuídas ao restante da quadrilha. Ele era auxiliado pelo também denunciado João Paulo Firmiano Mendes da Silva, vulgo “Russão” ou “Monstro”. João Paulo é apontado como um chefe ativo da quadrilha e era líder do tráfico no Morro da Mangueira.
O pai de Playboy, Francisco Eduardo Freire Barbosa, também denunciado. Ele é presidente da Empresa Cabista de Desenvolvimento Urbano e Turismo (Ecatur) e participou do esquema de lavagem de dinheiro do tráfico usando sua empresa.
A denúncia também aponta crimes eleitorais no primeiro turno das eleições de outubro de 2014. Cadu Playboy reuniu moradores de Cabo Frio e São Pedro da Aldeia para a compra de votos e boca de urna em favor de candidatos a deputado estadual e federal. O grupo chegou a utilizar atos de violência para afastar cabos eleitorais de adversários. A quadrilha também tinha o objetivo era lançar a candidatura de pessoas da comunidade ligadas ao tráfico ao cargo de vereador nas eleições de 2016.
A Operação Dominação também cumpre mandados de busca e apreensão, além do sequestro de bens móveis e imóveis e o bloqueio de valores de todos os denunciados e das seguintes empresas: Rocha e Vignoli Empreiteira Ltda.; C Vignoli Restaurante e Pizzaria; Locabotur Ltda.; T. Vignoli Comércio; Gordo Pizzas; D. G. Vignoli Confecções; RCJ Comercio Atacadista de Material de Laboratório Ltda; Douglas Pereira Rocha; Rui Pralon Meireles; B & B Cabo Frio Comércio e Representação e Serviços Ltda.; Bragança e Barboza Ltda; José Vignoli; e Soft Rio Confecção Ltda.
Sistema Prisional Brasileiro: Desafios e Soluções“Já me tiraram a comida e o sol, já levei chute e bofetada. Abriram as pernas da minha mulher, arrancaram a roupa de minha mãe. Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.” (J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro) RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do…
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“Já me tiraram a comida e o sol,
já levei chute e bofetada.
Abriram as pernas da minha mulher,
arrancaram a roupa de minha mãe.
Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.”
(J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro)
RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do sistema carcerário brasileiro, os principais
problemas e desafios existentes, bem como apresenta algumas possíveis soluções.
PALAVRAS-CHAVE: sistema carcerário brasileiro – prisão – ressocialização – medidas
alternativas – política criminal.
ABSTRACT: the article discusses the reality of the Brazilian prison system, the main existing
problems and challenges, and presents some possible solutions.
KEYWORDS: Brazilian prison system – prison – resocialization – alternative measures –
criminal politics -
Originalmente as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos
corporais e à pena de morte. Já, num segundo momento, estas deveriam atender as
necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos
infratores. Mas sabemos que tem sido utilizadas para servir a propósitos muito diferentes
daqueles originalmente visados.[1]
Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o Brasil tinha 422.373 presos, numero que subiu 6,8%
(451.219) em 2008 e 4,9% (473.626) em 2009. Atualmente, o país conta com quase 500 mil
presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobre a população carcerária
brasileira.[2] O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica atrás dos
Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos).[3]
Dos quase 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são
presos provisórios que aguardam o julgamento de seus processos; A capacidade prisional é
de cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em torno de 180 mil
vagas; Há cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela justiça que não foram
cumpridos; Cerca de 10 mil pessoas são detidas mensalmente; O índice de punição de
crimes é inferior a 10%. Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público
não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60 mil pessoas se
encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciarias e cadeiões não comportam e
não dispõem de infra-estrutura adequada; A construção de novas prisões custa, em média,
cerca de R$ 25.000 por vaga; Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso
custa, em média, cerca de R$ 1.500 por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro, mas e
daí?
A população carcerária brasileira compõe se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Em
geral, são de jovens com idade entre 18 e 29 anos, afrodescendente, com baixa
escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das
mulheres). Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de
entorpecentes (22%); A média das penas é de 4 anos.
As prisões no Brasil, segundo o relatório da ONG Human Rights Watch (sobre violações dos
direitos humanos no mundo) estão em condições desumanas, são locais de tortura (física e
psicológica), violência, superlotação.[4] Vive-se uma situação de pré-civilização no sistema
carcerário. Constata-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário
para vários detentos) e de ventilação; colchões espalhados pelo chão (obrigando os
detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em
unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de
doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de
trabalho; analfabetismo; mulheres juntas com homens, já que a oferta de vagas para
mulheres é muito baixa; homens presos em conteiners; há desproporcionalidade na
aplicação de penas; mantém se prisões cautelares sem motivação adequada e por mais
tempo do que o previsto; falta Defensória Pública eficaz, pois muitos presos que já poderiam
estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado;
contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as
dificuldades são ainda maiores, pois o Estado não respeita as especificadas femininas, como
por exemplo, a falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas
à amamentação e na quase ausência berçários e creches.[5]
Segundo Cezar R. Bitencourt, eminente penalista, as deficiências apresentadas nas prisões
são muitas:
a) maus tratos verbais ou de fato (castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.); b)
superlotação carcerária (a população excessiva reduz a privacidade do recluso,
facilita os abusos sexuais e de condutas erradas); c) falta de higiene (grande quantidade de
insetos e parasitas, sujeiras nas celas, corredores); d) condições deficientes de trabalho (que
pode significar uma inaceitável exploração do recluso); e) deficiência dos serviços médicos
ou completa inexistência; f) assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do
delinqüente consegue comprar esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena); g)
regime falimentar deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes
originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que
permitem o trafico ilegal de drogas); i) abusos sexuais (agravando o problema do
homossexualismo e onanismo, traumatizando os jovens reclusos recém ingressos); j)
ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder,
constrangendo os demais reclusos).[6]
Segundo dados do InfoPen, um único médico é responsável por 646 presos; cada
advogado público é responsável por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368 presos; e cada
enfermeiro, por 1.292 presos. Todavia, a Resolução do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária determina que para cada grupo de 500 presos exista um médico,
um enfermeiro, um dentista e um advogado. O descumprimento da lei não está apenas na
assistência dos presos. Segundo a legislação cada detento deveria ter cela individual e área
mínima de 6 metros quadrados. Mas a realidade é outra, pois nos cárceres há um verdadeiro
amontoamento de presos, depósitos humanos, onde ficam apenas contidos, segredados.
No Brasil, a (alta) taxa de reincidência criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na
Europa). Como não há reeducação (aprimoramento humano e profissional), quando voltam
ao convívio social, geralmente se enveredam novamente para o crime. Se torna um ciclo,
pois quanto mais gente se prende, mas potenciais presos se está formando, mas com o
diferencial de que a cadeia o “aprimorou” para o crime (escolas do crime). Assim, quando o
preso sai da cadeia, vamos nos deparar com alguém mais perigoso, embrutecido e,
obviamente, sem nenhuma condição de acesso ao mercado de trabalho. O estigma de
cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente chega ao ouvido
dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de trabalho. A falta de oportunidades
reserva basicamente uma única opção ao ex-presidiário: voltar a infringir a lei quando retorna
ao convívio social. É como se a sociedade o empurrasse novamente para o mundo do crime.
Há um preconceito de toda a sociedade. Isso tudo, sem dúvida, torna muito pouco provável
a reabilitação. Triste realidade. Todavia, é preciso oferecer perspectiva de futuro ao preso,
caso contrário, as penitenciárias vão seguir inchadas de reincidentes.
Apesar de ser uma exigência para a ressocialização, as atividades laborais e os cursos
profissionalizantes, estão longe de ser uma realidade. Estudos mostram que
aproximadamente 76% dos presos ficam ociosos. Em todo país, apenas 17%% dos presos
estudam na prisão – participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino
fundamental, ensino médio e supletivo. Todavia, trabalhar ou estudar na prisão diminui as
chances de reincidência em até 40%.[7] Dar um tratamento digno ao preso, propiciando-lhe
trabalho e educação, além da inserção no mercado de trabalho, é uma forma de combater o
crime. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação de oportunidades de
trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário,
de modo a concretizar ações de cidadania, promover a ressocialização e conseqüente
redução da reincidência.
Por conta deste quadro polêmico que atinge todos os Estados brasileiros, para enfrentá-lo, o
Conselho Nacional de Justiça apresentou algumas soluções: promoveu mutirões[8], passou
a estimular os juízes criminais a reduzirem os números das prisões provisórias, a aplicarem
penas alternativas e permitirem o monitoramento eletrônico de presos. No entanto, apesar
dos sucessivos esforços e avanços, os resultados dessas iniciativas ficaram abaixo das
expectativas. É dizer, o sistema prisional continua em crise. Mas não é só. O mais grave é
que este problema só tende a se agravar.
Sem embargo, há um consenso entre os estudiosos de que: é preciso evitar que as pessoas
precisem ir à cadeia. Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido (que
representa um dos menores índices de presos no mundo), por exemplo, é reservar as
prisões somente para os criminosos considerados perigosos que oferecem risco à
sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual, ampliando, assim, a utilização
de penas e medidas alternativas (à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos
condenados pelo Estado e sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de
quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente muito maiores
quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de
a pessoa reincidir são menores – em torno de 12%. Outro fator positivo é que, embora a
aplicação de penas e medidas alternativas, de acordo com a legislação vigente, não
represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da
superpopulação carcerária. Sob um ponto de vista econômico, o governo gasta mais de US$
1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária, sendo que o custo mensal da
manutenção do preso com uma pena alternativa gira em torno de R$ 70 por mês.[9]
Sabemos que no país já existe esforço para aplicar e conscientizar sobre a importância e
necessidade das penas alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. Os
crimes de menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão, havendo
grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias se tornam as verdadeiras
escolas do crime. Na verdade, quando os juízes justificam a não substituição em nome do
temor, gravidade do delito, risco à sociedade, etc. estão demonstrando a falta de estrutura do
Judiciário (do Estado como um todo) na fiscalização do cumprimento das penas alternativas.
Sem dúvida é mais cômodo e barato pagar um carcereiro para cuidar de um cadeado do que
investir nas centrais de atendimento, na capacitação de funcionários e no exercício da
cidadania. Como construir e manter cadeia não dá voto e prestígio aos governantes, eles
não estão nem aí com a desgraça prisional.
A aplicação da pena alternativa deve ser a regra. A prisão deve ficar no lugar que lhe cabe: o
de exceção. Não adianta insistir no erro, ou seja, acreditar que sanções mais rigorosas,
menos benefícios, ampliação do número de vagas prisionais, resolverá o problema. É
exatamente isso que está levando o sistema prisional ao colapso, a falência total, a uma
verdadeira bomba-relógio prestes a explodir. Pois há muito se chegou à conclusão de que o
problema da prisão é a própria prisão.
Desde o principio do século XVIII as prisões são veemente criticadas, denunciando que a
prisão foi “o grande fracasso da justiça penal”, por uma série de defeitos, entre eles, segundo
Foucault: a) as prisões não diminuem a taxa de criminalidade; b) provocam a reincidência; c)
não podem deixar de fabricar delinqüentes, mesmo porque lhe são inerentes o arbítrio, a
corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se
desenvolvem as carreiras criminais); d) favorecem a organização de um meio de
delinqüentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades
futuras; e) as condições dadas aos detentos libertados condenam-os fatalmente à
reincidência; f) a prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria à família
do detento.[10]
No início da década de 70, se colocaram sérias críticas à perspectiva retributiva e em relação
à eficácia das instituições totais, em especial ao cárcere (e seu sustento operativo: “ideologia
do tratamento ressocializador”, assente na crença do potencial regenerador de todo o ser
humano) e ao tratamento através da pena privativa de liberdade.[11] Adveio, então, por parte
da doutrina, duas propostas político criminais: de um lado, um setor advogou na defesa do
regresso às teses retributivas e na aplicação de doutrinas “just deserts” (recebimento da
punição merecida), com o inevitável endurecimento das penas/punição, de outro lado,
propôs-se uma mudança de orientação nas políticas penais, numa direção à alternativas ao
cárcere (devendo ser a prisão somente estipulada para os criminosos de alta periculosidade
e que tenham praticado reiteradas condutas – cárcere como última cartada), bem como ao
desenvolvimento da perspectiva vitimológica, orientada à reparação dos danos causados às
vítimas e a reconciliação do infrator com a vítima e com a sociedade,[12] onde se insere, por
exemplo, a justiça restaurativa.
É dizer, esse movimento crítico objetivava a reformulação do sistema prisional, levando a
busca de alternativas às prisões e a pena privativa de liberdade[13] e foi fortemente marcado
pelos trabalhos da Escola de Chicago e de Teoria Crítica ou Radical que se desenvolveram
na Universidade de Berkeley (onde foi criada a Union of Radical Criminologists), na
Califórnia (EUA) e o movimento inglês, organizado em torno da National Deviance
Conference (NDC), encabeçados por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young (The new
criminology: for a social theory of desviance, 1973 e Critical Criminology, 1975).[14] Nos
Estados Unidos alguns grupos religiosos (sobretudo os Quaker e Mennonitas) se unem à
corrente da esquerda radical americana para contestar o papel e os efeitos das instituições
repressivas e para encontrar uma alternativa ao uso estendido da pena.[15]
O movimento crítico americano encontra eco na Alemanha (Escola de Frankfurt) e em outros
países europeus com os trabalhos de Michel Foucault (Vigiar e Punir: o nascimento da
prisão, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (A sociedade psiquiátrica
avançada: o modelo americano, 1979), Nils Christie (Limites da dor, 1981) e Louk Hulsman
(Penas perdidas: o sistema penal em questão, 1982).[16] Também podemos citar Escola de
Bolonha, em que avultam os nomes a quem se devem vários trabalhos de criminologia
radical, como de D. Melossi, M. Pavarini, F. Bricola e A. Baratta. Na Holanda, com a criação
do Instituto de Justiça Criminal, em Amsterdã, dirigido por H. Bianchi, e que passa a ser o
centro da política criminal holandesa. Nos países de língua portuguesa merecem destaque
os estudos de Boaventura de Sousa Santos (a lei dos oprimidos: a construção e reprodução
da legalidade em Pasárgada, 1977), Roberta Lyra Filho (Criminologia dialética, 1972) e
Juarez Cirino dos Santos (Criminologia radical, 1981).[17] Outro importante trabalho foi
publicado em 1974, por Martinson, no artigo intitulado: Qué funciona? Preguntas y
respuestas acerca de la reforma de la prisión?, onde indicou que, salvo algumas exceções
isoladas, os efeitos reabilitadores, que hão sido relatados a muito tempo, não tiveram o efeito
desejado.[18] Podemos ressaltar que, com a criminologia moderna (crítica), três tendências
distintas começaram a se delinear: o neo-realismo de esquerda, a teoria do direito penal
mínimo e o abolicionismo.[19]
Sem embargo, hoje em dia, uns são adeptos do Direito Penal Máximo, vêem na pena de
prisão a solução para o problema do crime. De outra banda, temos o grupo do Direito Penal
Mínimo, cujos componentes entendem que a cadeia deve servir somente para aqueles que
cometem crimes de extrema gravidade, sendo a liberdade a regra, admitindo-se
excepcionalmente o cerceamento da liberdade individual. Podemos ainda acrescer que,
dentro desse universo, existem opiniões extremadas para ambos os lados, tal qual o grupo
dos abolicionistas, os quais gostariam de ver a sociedade livre do Direito Penal, ou então os
adeptos do Direito Penal do Terror, simpáticos à pena de morte, regime disciplinar
diferenciado e à prisão perpétua, onde “bandido bom é bandido morto” ou então “este deve
apodrecer na cadeia”. Como se situar dentro desse contexto? Como as opiniões extremadas
não são as soluções, é melhor continuar com o Direito Penal. Todavia, cremos que, apesar
dos dois sistemas terem suas virtudes e imperfeições, o Direito Penal Mínimo é a melhor
solução, pelo menos a curto e médio prazo.[20] A prisão, conseqüência por excelência dos
sistemas penais, só deve se voltar para casos excepcionais, crimes mais graves e
intoleráveis, não solucionáveis por via distinta[21] e o direito penal precisa se restringir e
justificar ao máximo sua intervenção.[22]
Nessa linha de raciocínio, Juarez Cirino dos Santos, partidário do Direito Penal Mínimo,
afirma: O SISTEMA PENAL PRECISA SER REDUZIDO,
[...] os objetivos do sistema prisional de ressocialização e correção estão fracassando há
200 anos, e muito pouco está sendo feito para mudar a situação. Prisão nenhuma cumpre
estes objetivos, no mundo todo. O problema se soma ao fato de que não há políticas efetivas
de tratamento dos presos e dos egressos. Fora da prisão, o preso perde o emprego e os
laços afetivos. Dentro da prisão, há a prisionalização, quando o sujeito, tratado como
criminoso, aprende a agir como um. Ele desaprende as normas do convívio social para
aprender as regras da sobrevivência na prisão, ou seja, a violência e a malandragem. Sendo
assim, quando retorna para a sociedade e encontra as mesmas condições anteriores, vem à
reincidência. A prisão garante a desigualdade social em uma sociedade desigual, até porque
pune apenas os miseráveis. Por isso defendo o desenvolvimento de políticas que valorizem
o emprego, a moradia, a saúde, a educação dos egressos. A criminologia mostra que não
existe resposta para o crime sem políticas sociais capazes de construir uma democracia real,
que oportunizem aos egressos condições de vida [...].[23]
O eminente criminólogo propõe três eixos principais que precisam ser trabalhados para
resolver o problema: descriminação, despenalização e desinstitucionalização, que incluem
políticas sociais, penas alternativas efetivas, reintegração de egressos e avaliação de crimes
“insignificantes”:
… sobre a descriminação, é necessário se reduzir as condenações por crimes classificados
como “insignificantes”. Temos crimes que entram no princípio da insignificância e que
enchem as prisões. A despenalização refere-se “a uma atitude democrática dos juízes”. Na
criminalidade patrimonial, por exemplo, cujos índices são grandes, poderia ser estabelecido
que, se o dano tem até um salário-mínimo, não há significância e, portanto, não há lesão de
bem jurídico, não se aplica a pena. Já a desinstitucionalização envolve o livramento
condicional. Os diretores de prisão costumam relatar que um preso que não teve bom
comportamento não merece o livramento condicional. A questão é muito subjetiva. Por isso
se ele já cumpriu dois terços da pena, ele deve merecer o beneficio. Há ainda a remissão
penal, quando a cada três dias de trabalho o preso tem um dia de redução da pena. Mas a
Justiça entende que este trabalho deve ser produtivo, e não inclui o arsenal. E se a prisão
não tiver o trabalho produtivo? E não poderia ser a proporção de um dia de trabalho para
reduzir um dia de pena? Outra alternativa é o preso pagar a vítima ou seus descendentes
valores que variam de um a 300 salários mínimos. O valor varia de acordo com o que o
preso poderia pagar. A vítima não está interessada na prisão ou punição do sujeito, mas em
uma forma de compensação…[24]
Criminólogos contemporâneos a muito apontam a exclusão sócio-econômica como
oleitmotiv da criminalidade (será que fica evidente que no Brasil há uma justiça para ricos e
outra para pobres?). A revolta contra a exclusão é o desejo de ser incluído. Assim, a
resposta eficaz para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma
política criminal substitui políticas públicas de emprego, salário digno, moradia, saúde, lazer,
escolarização etc. No dizer de Radbruch “não temos que fazer um direito penal melhor, mas
sim algo melhor do que o direito penal.”[25]
Todavia, diante da realidade em que se apresenta – e sabedores de que a democracia real
está longe de ser alcançada -, devemos buscar alternativas que possam, ao menos,
amenizar o problema da criminalidade. Mas para isso devemos parar de ser hipócritas e
admitirmos o fracasso da pena de prisão e a falácia do atual sistema.
A transição democrática no Brasil e o Sistema de Justiça Criminal – Por Geraldo Prado
Colunas e Artigos Hot Empório
Por Geraldo Prado – 12/04/2015
Introdução
No Brasil quase três décadas nos separam do fim da ditadura militar, que teve início em
1964 e, em uma transição negociada em termos vantajosos para as elites que
comandavam o País, deu lugar a um governo civil em 1985 e a uma nova Constituição
em 1988.
Nestes mais de vinte anos pós 1988, quando foi promulgada a Constituição brasileira, o
mundo mudou de forma significativa. Transformações políticas, econômicas, culturais e
sociais.
O fim da Guerra Fria, a nova dinâmica de uma globalização aparentemente liberada das
amarras do risco de extremadas confrontações militares, que se deslocaram para a
periferia global, embora tenham ressurgido no centro sob a forma de atos de terrorismo,
a revolução proporcionada pelas modernas e extraordinárias tecnologias de informação
e comunicação são apenas alguns dos exemplos conhecidos da nova face da vida
planetária e todos são bastante estudados na Europa.
O fenômeno mesmo da globalização, interligando mercados, instituições e pessoas e
sujeitando setores cada vez mais amplos da população mundial, com independência
das fronteiras, aos efeitos econômicos e políticos de decisões, na maioria das vezes
tomadas em ambientes opacos, impenetráveis aos controles democráticos postulados e
desenvolvidos a partir da segunda metade do Século XX, parece demonstrar que, afinal,
vivenciamos problemas comuns.
Essa impressão por certo é compartilhada por quem estuda os temas atuais do Direito
Penal, do Processo Penal e da Criminologia. E isso é notado, particularmente, quando
diferentes sistemas jurídicos afastam-se de seus padrões tradicionais e colocam de lado
antigos dogmas para incorporar categorias, métodos e institutos que, com
independência de sua origem – common law ou de direito continental europeu – têm
protagonizado as reformas penais em sentido lato que são vistas em todos os Estados.
Também no Brasil, em alguma medida, tópicos como o emprego de métodos ocultos de
investigação, a expansão dos crimes de perigo abstrato, com a ênfase na incriminação
de formas omissivas de conduta, a eleição do “combate à corrupção” e ao “tráfico de
drogas”, sob a rubrica comum de “crime organizado” integram o cardápio das reformas
projetadas ou em curso.
Na mesma linha vislumbram-se decisões dos tribunais que, de modo especialmente
perigoso para a democracia, enfraquecem o regime jurídico das garantias e suscitam
antagonismos entre estudiosos e até mesmo entre escolas penais.
Com tantas questões contemporâneas deve soar “estranho” que a comunicação
enfoque “permanências autoritárias” no processo penal brasileiro, evocando práticas
antigas que seria de supor já estivessem dissolvidas ao menos pela inexorável
passagem do tempo.
Não é assim, todavia.
A história nos ensina – e o conceito de transição revela isso mais do que qualquer outro
– que as práticas consagradas em determinada época convivem com outras, reprovadas
pela opinião geral, mas nem por isso desaparecidas[1]
Algo semelhante ao que se passa com a memória oficial que as ditaduras difundem e
tentam incutir nas pessoas, mas que não faz desaparecer as diversas memorias sociais
dissidentes, de resistência à opressão[2]. Também o contrário ocorre.
Práticas autoritárias emergem e submergem, conforme o ciclo político, mas não
desaparecem. E no campo da Justiça Criminal, no Brasil, não é sequer correto afirmar
que tais práticas tenham perdido fôlego com o fim da ditadura.
Ao revés. Mostrando restaurado vigor, estas práticas disseminaram-se e em alguma
medida contagiadas pelo nível das discussões teóricas na Europa sobre “a crise do
Direito Penal”, que também opõe modelos mais ou menos rigorosos no campo das
garantias, buscam reivindicar novo status.
Sublinhe-se que no Brasil, na academia, há certo consenso sobre estarmos vivendo um
período de “crise do Direito” e, particularmente, de “crise do Direito Penal”. Os
elementos desta crise, todavia, são distintos daquele fruto da experiência europeia mais
recente.
E a tese desta comunicação é a de que a permanência e predominância de elementos
autoritários, consolidados historicamente na cultura brasileira, constituem a razão de
base, a que se somam naturalmente outros fatores, para a situação crítica em que se
encontram a teoria e a prática penais na atualidade
Identificar este cenário de permanências autoritárias é, pois, fundamental para
compreender a opção metodológica e política de parte dos estudiosos brasileiros, em
defesa de princípios em matéria penal e processual penal caros à democracia,
princípios que raramente concretizaram-se na experiência cotidiana do funcionamento
de nosso (brasileiro) sistema de Justiça Criminal.
2. Autoritarismo e práticas penais
Algumas palavras sobre a transição no Brasil.
Anthony Pereira sublinha que o Brasil manteve-se afastado da tendência geral,
verificada na América Latina, de construção das chamadas justiças de transição. Ao
contrário, salienta Pereira, a atitude oficial do governo brasileiro sobre o tema até bem
pouco tempo era de silêncio e amnésia[3].
Paulo Sérgio Pinheiro, que integra a Comissão da Verdade instituída no Brasil em 2012,
destaca que uma das características dos regimes autoritários que monopolizaram a
realidade brasileira durante o Século XX (1937-45 e 1964-85) consistiu em assegurar o
funcionamento de instituições jurídicas anteriores “dentro do quadro normativo
ditatorial”[4].
Assim as justiças penais funcionaram regularmente, mesmo em seguida aos golpes de
estado, e foram também funcionais aos novos regimes autoritários, incrementando e
conferindo às práticas violadoras da dignidade das pessoas o selo de juridicidade que,
aparentemente, inscrevia tais práticas em um contexto de “normalidade institucional”.
Clássicos exemplos disso podem ser extraídos da ausência quase absoluta, mas
bastante significativa, de censura social ao emprego da tortura, tolerada em um nível de
naturalização da violência que ainda hoje contamina o aparato estatal de repressão[5] e
a igual naturalidade como foram construídos socialmente os “inimigos” da ordem.
Sobre este aspecto é ilustrativo o caso “Olga Benário”, companheira do líder comunista
Luis Carlos Prestes que a ditadura Vargas entregou grávida aos nazistas para ser
morta, após decisão por sua extradição, ordenada pelo Supremo Tribunal Federal
brasileiro em julgamento de que participaram alguns de nossos mais festejados juristas
(Carlos Maximiliano entre outros) e que contou com a opinião pública favorável de
Clóvis Beviláqua (autor do anteprojeto de Código Civil de mais longa duração da
República)[6] . A lei brasileira vedava expressamente a extradição de estrangeira
grávida de brasileiro.
Importante ressaltar que os padrões autoritários de nosso sistema de justiça criminal
antecedem ao ainda vigente Código de Processo Penal de 1941, inspirado no fascista
Código Rocco (italiano) da década de 30 do século passado.
A doutrina processual penal brasileira raramente interessou-se em investigar as origens
e modo de configuração de nosso modelo judiciário penal, contentando-se na maioria
dos casos com a conformadora “história legislativa”.
Houvesse alguma dedicação ao tema e disposição ao diálogo interdisciplinar, os
processualistas brasileiros teriam observado, com nossos antropólogos e historiadores,
que a crescente interiorização e presença da Justiça Criminal no território brasileiro, ao
longo do século XIX, resultou da política de fortalecimento do poder central e alianças
conjuntarias com as elites agrárias.
Optou-se pela instituição da ordem judiciária pela via da conversão de agentes de
polícia em magistrados vinculados politicamente aos governantes locais, e ainda pela
expansão das cadeias públicas, expressão da política de contenção das dissidências e
punição de escravos rebeldes[7].
O domínio da ideologia racista, que mereceu atenção de expressivos juristas e
pensadores e provocou intensos debates, de modo especialmente significativo às
vésperas da abolição da escravidão, não pode ser desconsiderado quando se tem em
conta a cobertura normativa penal colocada à disposição do poder nas primeiras
décadas da jovem República (período hoje denominado República Velha, que se
encerra com o golpe de estado de 1930)[8].
É significativo que o inquérito policial no Brasil haja sido instituí- do às vésperas da
entrada em vigor da Lei do Ventre Livre, em 1871[9].
A hipótese de trabalho mais segura para explicar o fato de a balança do poder penal ter
pendido em favor da segurança, por quase duzentos anos, em detrimento da liberdade e
de ter alimentado a cultura autoritária que inspirou práticas e leis penais no Brasil – e
continua inspirando – consiste em minha opinião, em admitir que: malgrado os diligentes
esforços pela implantação de uma legalidade democrática, em especial depois de 1988,
há consenso alargado na sociedade brasileira de que a Justiça Penal cumpre o papel de
domesticar dissidências, resistências e expressões de alteridade que sejam causadoras
de medo e inspiradoras de instabilidade.
Compreende-se neste cenário a observação de Pinheiro de que as décadas pós
implantação da democracia política no Brasil são marcadas “por ‘recaídas’ nas quais as
garantias do devido processo inexistem para a maioria da população, em particular para
os afro-latinos, os indígenas, as meninas, as crianças, os adolescentes, LGBT”[10].
Sem dúvida, lembra o sociólogo, “quanto maior o consenso entre as elites civis-militares
sobre o funcionamento da ditadura, maior o grau de continuidade autoritária no
funcionamento da democracia”[11].
Releva citar que depois de 1990 o Brasil conheceu invulgar incremento de leis penais,
que ampliaram de maneira significativa o tempo de encarceramento das pessoas,
dificultaram o acesso à liberdade e definiram variadas modalidades de delitos,
acentuando a presença do poder penal nos mais diversos setores da sociedade[12].
No mesmo período os grandes centros urbanos viram surgir o fenômeno das milícias,
que atuam violentamente em busca do domínio territorial e econômico de áreas
periféricas.
É neste contexto que se deve indagar sobre o estado espiritual da ciência penal
brasileira no momento.
3. O estado espiritual da ciência penal brasileira no momento
Volto a tomar por empréstimo, de Bernd Schünemann, o nome fantasia de minha
comunicação: o estado espiritual da ciência penal brasileira[13] para falar de violência e
controle social. E o faço a partir do Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil
(1997-2003), elaborado pela ONG Justiça Global.
Reproduzo:
“O Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro
de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN), aponta que episódios
internacionalmente conhecidos, como Eldorado dos Carajás, Candelária, Carandiru,
Corumbiara e Favela Naval são expressões máximas de uma sistemática de extermínio
e opressão perpetrada diariamente, direta ou indiretamente, por agentes do Estado em
praticamente todo o território nacional”.
Prossegue o relatório acrescentando que, relativamente ao período investigado (1997 –
2003), 349 execuções foram detectadas e “seguem padrão de extermínio e impunidade
garantida a quem tortura, fere e mata”.
O peso da violência letal, de que me valho como sinal da tensão social e da
concorrência de políticas públicas de segurança e práticas de controle social
clandestinas ou semiclandestinas, pode ser medido pela pesquisa do sociólogo Inácio
Cano, datada de 2001, e que está retratada na interessante obra Homicídios no Brasil,
2007, coordenada por Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz e Eduardo Cerqueira
Batitucci (FGV).
A estimativa de homicídios para o Estado do Rio de Janeiro para o ano de 2002,
“baseada em certidões de óbito processadas pelo Ministério da Saúde, é de 8.930
vítimas residentes no estado”, em uma proporção, segundo o sociólogo, de 60
homicídios para cada 100 mil habitantes (p. 57), com 84% do total registrados na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro.
Obs. As vítimas majoritariamente são homens jovens e negros ou pardos.
Estes dados estão inseridos em um contexto temporal colhido em cheio pela explosão
do encarceramento.
A também socióloga Julita Lemgruber, em conjunto com pesquisadores da Associação
pela Reforma Prisional (ARP), em trabalho financiado pela Open Society Foundations,
em 2011, destacou que em dezembro de 2010 o Brasil ostentava a incrível marca de
496.251 pessoas presas (p. 7), seguindo seus concorrentes diretos – os Estados
Unidos, (dois milhões de presos), a China (um milhão e setecentos mil presos) e a
Rússia (cerca de oitocentos mil presos).
Trata-se de informações contidas no trabalho cujo título é “Impacto da assistência
jurídica a presos provisórios: um experimento na cidade do Rio de Janeiro”
No caso brasileiro, a multiplicação do encarceramento pode ser divisada no fato de a
população presa praticamente ter triplicado, entre 1995 e 2009, saltando de 148.760
presos para 473.626 reclusos em 2009.
Isso sem embargo da expansão via net widening – p. 8 – cujos riscos denunciei em
2003, em meu Transação Penal, consistindo na ampliação da rede de controle do
sistema de justiça criminal, que, no que concerne às soluções alternativas à prisão,
pulou de 80.364 pessoas em 1995 para 671.068 indivíduos, igualmente em 2009.
4. O sentido da interseção direito penal e política criminal, atualmente, no Brasil.
Sem dúvida que este quadro indica um aspecto singular do funcionamento do poder
penal na América Latina, particularmente noBrasil, a justificar, nas palavras de Lola
Aniyar de Castro, o intento de construir um pensamento criminológico próprio de nossa
região[14].
Não se pretende e sequer é possível deixar de considerar as relevantes contribuições
do pensamento penal que domina o ambiente global.
Deixar de ponderar, todavia, que as demandas punitivas e o repertório de respostas
idealizado em contexto diverso possam, no lugar de resolver problemas, multiplica-los e
perpetuar injustiças é algo que cabe à doutrina.
Ambiciona-se aqui interrogar, pois, a doutrina penal em sentido lato, sobre o abandono
da perspectiva crítica que frequentou o horizonte acadêmico latino-americano nos anos
80 e 90 do século XX, mas que cedeu a paradigmas teóricos talvez mais sofisticados e,
sem dúvida, importantes, todavia ao custo de deslocar o debate sobre o Poder para a
periferia da cultura jurídica.
A adoção de um discurso penal bélico no âmbito latino-americano e, particularmente no
Brasil, é responsável, segundo Eugenio Raúl Zaffaroni, pela proliferação de cadáveres
em nossa região.
Como destaca o professor Argentino, até que ponto devemos desconsiderar o papel do
discurso penal como condicionador das condutas que convertem pessoas em
cadáveres? As palavras matam, adverte Zaffaroni[15].
Não é ocioso reconhecer que entre nós a mudança de ótica na abordagem dos
fenômenos jurídicos em geral coincide com a expansão do neoliberalismo e o apogeu –
quiçá efêmero – de uma globalização de regozijo, como a definiu Boaventura de Souza
Santos[16], influenciando as novas gerações de licenciados em Direito.
Clèmerson Merlin Clève em meados dos anos 90 sublinhava o descompasso entre
teóricos críticos – e também os práticos militantes das políticas emancipatórias via
direito – e o mundo da vida nua, sob a perspectiva de Zigmunt Bauman.
Clèmerson advertia que “o jurista crítico era, fora da academia, um não profissional, na
medida em que não advogava, não transitava no foro, não atuava como operador
jurídico”[17].
Ao revés, este jurista acreditava exclusivamente na política “e na mudança do direito
pela política”. A eclosão da crítica jurídica no Brasil coincidiu com a emergência de
demandas individualistas próprias do neoliberalismo.
Em um ambiente dominado pela ideologia do individualismo possessivo, da competição
pessoal no lugar da ação concertada em direção à transformação social, mesmo os
inegáveis avanços do constitucionalismo periférico e semiperiférico, na busca pela
constituição de um Estado de Direito no Brasil, haveriam de esbarrar no fortalecimento
da ideologia repressiva, quase monopolista[18].
A realidade viu surgir uma política criminal ancorada na ação intensiva das corporações
midiáticas, verdadeiras condicionantes da aplicação das garantias penais e processuais,
que ao nível do discurso estão asseguradas em pactos e tratados internacionais sobre
direitos humanos.
O profissional da área jurídica formado no clima repressivo imperante e desafiado a
sobreviver na selva-mercado com os conhecimentos adquiridos em sua formação
acadêmica foi levado a optar por se posicionar diante das questões mais delicadas da
área penal ao lado do Poder.
Em outras palavras, em geral o profissional do direito constituído neste período
contentava-se com uma “grande teoria” liberal do direito penal, para fins retóricos, mas
raramente se viu incentivado a aplicá-la, com todas as suas consequências e isso
basicamente por dois motivos:
1. O refluxo crítico viabilizou a onda conservadora em que a expressão de ordem,
belicosamente difundida, era o “combate ao crime”. Portanto, discursos abolicionistas ou
minimalistas, em termos de direito penal, careciam de poder de sedução. A sociedade
rumava em direção a posturas mais autoritárias em matéria penal e os profissionais da
área jurídica integram a sociedade e reproduzem em seu ambiente as certezas do
senso comum acerca do “controle da criminalidade”;
2. As teorias críticas, especialmente no campo da criminologia, foram relegadas ao
ostracismo no território dos debates teóricos sobre o direito. Estar “na moda”, em
semelhante situação, implicava esgrimir conhecimentos que não se permitiam indagar
diretamente sobre o exercício concreto do poder punitivo.
Winfried Hassemer ressalta, com razão, que a ruptura paradigmática de fato é algo raro
no campo jurídico. Alerta o penalista alemão para a observação de Thomas Kuhn, no
sentido de que “as ciências superam os seus modelos de explicação e de argumentação
menos pela via da refutação que pela via do esquecimento”[19]
A projeção de tal estado de coisas mede-se pela implicação da jurisprudência no labor
de constituição do direito penal.
Nas palavras de Juarez Tavares a jurisprudência tornou-se a única fonte de elaboração
do direito. Acentua o penalista, em um trecho que, apesar de longo, justifica a
transcrição[20].
“Sempre houve uma preocupação doutrinária no direito penal de buscar uma
racionalização para seus institutos. Muitas foram as propostas dessa racionalização.
Podemos recordar algumas: o esquema positivista baseado na causalidade e na ação
instrumental, a adoção do método como forma de criação do objeto no neokantismo da
Escola de Baden, a pretensã…o ontológica do finalismo, com suas categorias lógico-
objetivas, a sedimentação organizacional do funcionalismo e seus critérios de utilidade,
a postura estratégica do sociologismo weberiano, as contribuições da filosofia analítica
em torno das aparências da linguagem e dos atos de fala e a substância de uma teoria
comunicativa como forma de exercício de um critério de verdade com base na pretensão
de validade e no consenso. Embora cada uma dessas concepções possa padecer de
defeitos, contradições ou controvérsias, têm todas elas uma grande qualidade: elevar a
doutrina penal a um determinado nível científico, capaz de servir de apoio à
compreensão de todos os cidadãos e, principalmente, da jurisprudência.
Lamentavelmente, porém, o que vemos, hoje, no direito brasileiro (também no direito de
outros países, mas fundamentalmente no brasileiro) é um retrocesso incomensurável:
em vez de a doutrina influenciar a jurisprudência para dar às decisões judiciais um
mínimo de racionalidade, faz-se da jurisprudência o compêndio da doutrina. Quando a
jurisprudência se torna a única fonte de elaboração do direito, pode-se dizer que o
direito está destruído.”
Em âmbito processual penal questões atinentes ao regime jurídico da prova ilícita, a
definição do estatuto jurídico dos sujeitos processuais, a reorientação estrutural dos
procedimentos penais conforme o modelo acusatório de processo igualmente cederá às
decisões dos tribunais de compreender e postular um tipo de processo conforme “as
tradições brasileiras”: isto é, um “processo” de estrutura inquisitória.
O peso da jurisprudência correspondeu à fragilidade da doutrina. A crise do direito penal
brasileiro, que viabiliza as permanências autoritárias, é principalmente uma “crise” de
base e para ela concorrem, é necessário dizer, a extraordinária e descontrolada
expansão das Faculdades de Direito nos anos 90, com a produção em série,
massivamente, de novos profissionais formados não por estudiosos do direito, teóricos,
mas por uma nova modalidade de professores: os neoglosadores, com em uma
oportunidade Nilo Batista os designou.
Natural, pois, que a alienação das questões do Poder na “arena política do direito”
cobrasse seu preço: temas gratos ao constitucionalismo contemporâneo, relativamente
às garantias individuais no âmbito do processo penal, são alvo de abordagens bastante
superficiais e nisso a doutrina e a jurisprudência pecam e não podem se acusar
reciprocamente, invocando para si o papel de “inocente”.
Um dos exemplos em que domínio do senso comum teórico deixa doutrina e
jurisprudência à margem da realidade – da vida nua – com a consequente desproteção
de direitos individuais, que sucumbem ao discurso do medo, se verifica na ausência de
controle sobre a execução das técnicas de interceptação telefônica e ambiental e a
aparente irrelevância jurídico-constitucional daquilo que é decisivo quando as agências
de controle repressivo apelam às citadas medidas de obtenção de meios de prova.
Ao longo das décadas 70/90 do século XX Alessandro Baratta postulou a superação da
criminologia de corte liberal por um novo modelo integrado de ciência jurídica[21] que
desce conta do próprio sistema penal como objeto da criminologia.
Investigar o sistema penal tomando em consideração as experiências concretas de
seleção, marginalização e encarceramento de cada vez mais numerosos setores da
população excluída, por um lado, e buscar entender a emergência de um saber
questionador a partir de dados empíricos capazes de revelar o ponto de vista deste
outro “excluído, invisível, excedente ou indesejável”, por outro, foram em algum
momento as contribuições da América Latina em torno de uma alternativa teórica
estimulante de práticas penais transformadoras.
Baratta propôs:
1. Pesar a densidade das desigualdades na sociedade tardocapitalista em termos de
projeção incriminadora;
2. Levar em conta o ponto de vista dos interesses das classes vulneráveis na definição
dos marcos de incriminação e encarceramento;
3. E, ainda, alertou para o risco do panpenalismo, resultante de um emprego massivo de
“meios alternativos”.
O diálogo multidisciplinar, característico das diversas teorias críticas continua sendo
fundamental para a dogmática penal europeia e latino-americana.
A interlocução e interação com o pensamento original produzido na América Latina por
Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos, Juarez Tavares, Eugenio Raul Zaffaroni, Lola
Aniyar de Castro, Salo de Carvalho, entre outros -, tem sido decisivo para demarcar o
território teórico das ciências penais.
O fato de vivermos em uma democracia política exige é claro o respeito a lei, mas
também requisita a denúncia da presença e atualidade de elementos autoritários,
mesmo em regimes democráticos, a contaminar de modo negativo a legitimidade
invocada pelo Direito Penal e, consequentemente, o próprio Sistema Penal.
Por fim, vale registrar que em algum momento ao fim dos anos 90, a reação das
agências punitivas ao debate proporcionado pela teoria do garantismo penal, no Brasil
marginalizou as teorias críticas de viés criminológico.
Também o advento de novos paradigmas epistemológicos no campo jurídico silenciou o
pensamento crítico, que em vários momentos foi desqualificado como pseudoteoria, de
cunho exclusivamente sociológico, ultrapassadas expressões de uma filosofia da
consciência, o que de fato elas nunca foram.
A perda maior provocada pelo isolamento e ostracismo das criminologias críticas pode
ser aferida pela expansão do encarceramento em condições indignas,
permanentemente denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sem que
isso reflita em mudanças concretas nas políticas de segurança pública, na América
Latina – apesar da farta jurisprudência da Corte – e por um avanço sobre os direitos
fundamentais, no exercício concreto da persecução penal, chancelado pelos tribunais.
Por ironia, talvez, é na esfera penal que a proporcionalidade seja invocada com maior
frequência para limitar o exercício de direitos e garantias individuais dos imputados.
Encerro recordando as palavras de Pinheiro:
“Sem negar o imenso valor da inexistência de julgamentos políticos ou de presos
políticos… os pobres e os membros marginalizados da sociedade têm sido
sistematicamente alvo de mau tratamento do sistema judicial como um todo (Judiciário,
polícia, prisões) pelo uso ilegal e arbitrário da força, em flagrantes violações dos direitos
humanos, como na ‘legalidade autoritária’”[22].
Notas e Referências:
[1] MARTINS, Rui Cunha. Ponto Cego do Direito: The Brazilian Lessons. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011
[2] AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma. Políticas de la memoria y memorias de la política.
Madrid: Alianza, 2008.
[3] PEREIRA, Anthony, W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito
no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 35.
[4] PINHEIRO, Paulo Sergio. Prefácio à obra de Anthony W. Pereira, Ditadura e
repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil, no Chile e na Argentina. São
Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 9. Não há nisso nada de extraordinário quando se compara
a experiência àquelas investigadas por Otto Kirchheimer, em Justicia Política: empleo
del procedimiento legal para fines políticos (México, Unión Tipográfica Editorial Hispano
Americana, 1961, p. 48): “Durante la época moderna, cualquiera que sea el sistema
legal que predomine, tanto los gobiernos como los grupos privados han tratado de
allegarse el apoyo de los tribunales para sostener o cambiar la balanza de poder
político. En forma disfrazada o no, los problemas políticos se presentan ante los
tribunales, para ser confrontados y sopesados en las balanzas de la ley, por mucho que
los jueces se inclinen a evadirlos, puesto que los juicios políticos son inevitables.”
A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro
29/mai/2007
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças.
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Por Rafael Damaceno de Assis
1. Os problemas relacionados à saúde no sistema penitenciário
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as
prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio
de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má
alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de
higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que
adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de
uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.
Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões. As
mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como a tuberculose
e a pneumonia. Também é alto o índice da hepatite e de doenças
venéreas em geral, a AIDS por excelência. Conforme pesquisas realizadas
nas prisões, estima-se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros
sejam portadores do HIV, principalmente em decorrência do
homossexualismo, da violência sexual praticada por parte dos outros
presos e do uso de drogas injetáveis.
Além dessas doenças, há um grande número de presos portadores de
distúrbios mentais, de câncer, hanseníase e com deficiências físicas
(paralíticos e semi-paralíticos). Quanto à saúde dentária, o tratamento
odontológico na prisão resume-se à extração de dentes. Não há
tratamento médico-hospitalar dentro da maioria das prisões. Para serem
removidos para os hospitais os presos dependem de escolta da PM, a qual
na maioria das vezes é demorada, pois depende de disponibilidade.
Quando o preso doente é levado para ser atendido, há ainda o risco de
não haver mais uma vaga disponível para o seu atendimento, em razão da
igual precariedade do nosso sistema público de saúde.
O que acaba ocorrendo é uma dupla penalização na pessoa do condenado:
a pena de prisão propriamente dita e o lamentável estado de saúde que
ele adquire durante a sua permanência no cárcere. Também pode ser
constatado o descumprimento dos dispositivos da Lei de Execução Penal,
a qual prevê no inciso VII do artigo 40 o direito à saúde por parte do preso,
como uma obrigação do Estado.
Outro descumprimento do disposto da Lei de Execução Penal, no que se
refere à saúde do preso, é quanto ao cumprimento da pena em regime
domiciliar pelo preso sentenciado e acometido de grave enfermidade
(conforme artigo 117, inciso II). Nessa hipótese, tornar-se-á desnecessária
a manutenção do preso enfermo em estabelecimento prisional, não
apenas pelo descumprimento do dispositivo legal, mas também pelo fato
de que a pena teria perdido aí o seu caráter retributivo, haja vista que ela
não poderia retribuir ao condenado a pena de morrer dentro da prisão.
Dessa forma, a manutenção do encarceramento de um preso com um
estado deplorável de saúde estaria fazendo com que a pena não apenas
perdesse o seu caráter ressocializador, mas também estaria sendo
descumprindo um princípio geral do direito, consagrado pelo artigo 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil, o qual também é aplicável
subsidiariamente à esfera criminal, e por via de conseqüência, à execução
penal, que em seu texto dispõe que “na aplicação da lei o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
2. Direitos humanos do preso e garantias legais na execução da
pena privativa de liberdade
As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os
direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais.
Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso.
Em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º,
que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção
das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica – a
Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre
os direitos infra-constitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na
execução penal.
No campo legislativo, nosso estatuto executivo-penal é tido como um dos
mais avançados e democráticos existentes. Ela se baseia na idéia de que
a execução da pena privativa de liberdade deve ter por base o princípio da
humanidade, sendo que qualquer modalidade de punição desnecessária,
cruel ou degradante será de natureza desumana e contrária ao princípio
da legalidade.
No entanto, o que tem ocorrido na prática é a constante violação dos
direitos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução
das penas privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso
passa à tutela do Estado ele não perde apenas o seu direito de liberdade,
mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram
atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento execrável e a
sofrer os mais variados tipos de castigos que acarretam a degradação de
sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não
oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno útil à sociedade.
Dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são desrespeitadas, o
preso sofre principalmente com a prática de torturas e de agressões
físicas. Essas agressões geralmente partem tanto dos outros presos como
dos próprios agentes da administração prisional.
Os abusos e as agressões cometidas por agentes penitenciários e por
policiais ocorre de forma acentuada principalmente após a ocorrência de
rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados
sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento
que acontece após a contenção dessas insurreições, o qual tem a natureza
de castigo. Muitas vezes esse espancamento extrapola e termina em
execução, como no caso que não poderia deixar de ser citado do
“massacre” do Carandiru, em São Paulo, no ano 1992, no qual
oficialmente foram executados 111 presos.
O despreparo e a desqualificação desses agentes fazem com que eles
consigam conter os motins e rebeliões carcerárias somente por meio da
violência, cometendo vários abusos e impondo aos presos uma espécie de
“disciplina carcerária” que não está prevista em lei, sendo que na maioria
das vezes esses agentes acabam não sendo responsabilizados por seus
atos e permanecem impunes.
Entre os próprios presos a prática de atos violentos e a impunidade
ocorrem de forma ainda mais exacerbada. A ocorrência de homicídios,
abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por
parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro da ambiente
da prisão e que, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais
presos, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela. Contribui
para esse quadro o fato de não serem separados os marginais contumazes
e sentenciados a longas penas dos condenados primários.
Os presos que detém esses poder paralelo dentro da prisão, não são
denunciados e, na maioria das vezes também permanecem impunes em
relação a suas atitudes. Isso pelo fato de que, dentro da prisão, além da
“lei do mais forte” também impera a “lei do silêncio”.
Outra violação cometida é a demora em se conceder os benefícios àqueles
que já fazem jus à progressão de regime ou de serem colocados em
liberdade os presos que já saldaram o cômputo de sua pena. Essa situação
decorre da própria negligência e ineficiência dos órgãos responsáveis pela
execução penal, o que constitui-se num constrangimento ilegal por parte
dessas autoridades, e que pode ensejar inclusive uma responsabilidade
civil por parte de Estado pelo fato de manter o indivíduo encarcerado de
forma excessiva e ilegal.
Somam-se a esses itens o problema dos presos que estão cumprindo pena
nos distritos policias (devido à falta de vagas nas penitenciárias), que são
estabelecimentos inadequados para essa finalidade, e que, por conta
disso, acabam sendo tolhidos de vários de seus direitos, dentre eles o de
trabalhar, a fim de que possam ter sua pena remida, e também de auferir
uma determinada renda e ainda evitar que venham a perder sua
capacidade laborativa.
O que se pretende ao garantir que sejam asseguradas aos presos as
garantias previstas em lei durante o cumprimento de sua pena privativa
de liberdade não é o de tornar a prisão num ambiente agradável e
cômodo ao seu convívio, tirando dessa forma até mesmo o caráter
retributivo da pena de prisão. No entanto, enquanto o Estado e a própria
sociedade continuarem negligenciando a situação do preso e tratando as
prisões como um depósito de lixo humano e de seres inservíveis para o
convívio em sociedade, não apenas a situação carcerária, mas o problema
de segurança pública e da criminalidade como um todo tende apenas a
agravar-se.
A sociedade não pode esquecer que 95% do contingente carcerário, ou
seja, a sua esmagadora maioria, é oriunda da classe dos excluídos sociais,
pobres, desempregados e analfabetos, que, de certa forma, na maioria
das vezes, foram “empurrados” ao crime por não terem tido melhores
oportunidades sociais. Há de se lembrar também que o preso que hoje
sofre essas penúrias dentro do ambiente prisional será o cidadão que
dentro em pouco, estará de volta ao convívio social, junto novamente ao
seio dessa própria sociedade.
Mais uma vez cabe ressaltar que o que se pretende com a efetivação e
aplicação das garantias legais e constitucionais na execução da pena,
assim como o respeito aos direitos do preso, é que seja respeitado e
cumprido o princípio da legalidade, corolário do nosso Estado Democrático
de Direito, tendo como objetivo maior o de se instrumentalizar a função
ressocializadora da pena privativa de liberdade, no intuito de reintegrar o
recluso ao meio social, visando assim obter a pacificação social, premissa
maior do Direito Penal.
3. A rebelião e fuga dos presos
A conjugação de todos esses fatores negativos acima mencionados,
aliados ainda à falta de segurança das prisões e ao ócio dos detentos, leva
à deflagração de outro grave problema do sistema carcerário brasileiro: as
rebeliões e as fugas de presos.
As rebeliões, embora se constituam em levantes organizados pelos presos
de forma violenta, nada mais são do que um grito de reivindicação de
seus direitos e de uma forma de chamar a atenção das autoridades
quanto à situação subumana na qual eles são submetidos dentro das
prisões.
Com relação às fugas, sua ocorrência basicamente pode ser associada à
falta de segurança dos estabelecimentos prisionais aliada à atuação das
organizações criminosas, e infelizmente, também pela corrupção praticada
por parte de policiais e de agentes da administração prisional.
De acordo com números do último censo penitenciário, cerca de 40% dos
presos, sejam eles provisórios ou já sentenciados definitivamente, estão
sob a guarda da polícia civil, ou seja, cumprindo pena nos distritos
policiais. Ocorre que estes não são locais adequados para o cumprimento
da pena de reclusão. No entanto, isso tem ocorrido em virtude da
ausência ou da insuficiência de cadeias públicas e de presídios em nosso
sistema carcerário.
O problema maior é que, nesses estabelecimentos, não há possibilidade
de trabalho ou de estudo por parte do preso e, a superlotação das celas é
ainda mais acentuada, chegando a ser em média de 5 presos para cada
vaga, quando nas penitenciárias a média é de 3,3 presos/vaga. As
instalações nesses estabelecimentos são precárias, inseguras, e os
agentes responsáveis pela sua administração não tem muito preparo para
a função, e muitas vezes o que se tem visto é a facilitação por parte
desses funcionários para a fuga de detentos ou para que estes possam ser
arrebatados por membros de sua organização criminosa.
Ressalte-se ainda que a Lei dos Crimes Hediondos veio a agravar ainda
mais essa situação, em razão de que os vários crimes por ela elencados
como seqüestro, homicídio e o assalto à mão armada, passaram a não ter
mais o benefício legal da progressão de regime, fazendo com que o
sentenciado cumpra a pena relativa a esses crimes integralmente em
regime fechado, o que faz com o desespero e a falta de perspectivas
desses condenados ocasione um sentimento de revolta ainda maior, o que
vem a se constituir como mais uma causa de deflagração das insurreições
nas penitenciárias.
Todos esses fatores fazem com que não se passe um dia em nosso país
sem termos notícia da ocorrência de uma rebelião de presos, mesmo que
seja ela de pequenas proporções. No que se refere às fugas, em análise à
todos as falhas existentes dentro de nosso sistema carcerário e ainda
levando-se em conta o martírio pelo qual os presos são submetidos dentro
das prisões, não há que se exigir uma conduta diversa por parte dos
reclusos, se não a de diuturnamente planejar numa forma de fugir desse
inferno.
Não se pode olvidar também que a liberdade é um anseio irreprimível do
ser humano, não se podendo esperar que por si só, o preso venha a
conformar-se com o estado de confinamento, mormente da forma pela
qual a privação de sua liberdade é executada em nosso sistema
carcerário.
4. A FALÊNCIA DA POLÍTICA PRISIONAL COMO CONSEQÜÊNCIA DO
MODELO ECONÔMICO EXCLUDENTE
Podemos traçar um paralelo entre a escalada dos índices de criminalidade
(e o conseqüente agravamento da crise do sistema carcerário) e o modelo
econômico neoliberal adotado por nosso governo. É inegável que, pelo
fato de o crime tratar-se de um fato social, o aumento da criminalidade
venha a refletir diretamente a situação do quadro social no qual se
encontra o país.
O modelo econômico neoliberal do qual falamos constitui-se numa filosofia
de abstenção do Estado nas relações econômicas e sociais. Ele nada mais
é do que a repetição do liberalismo outrora existente. A essência deste
pensamento, além da intervenção minimizada da economia, é a idéia de
que as camadas menos favorecidas da população devem trabalhar e se
adequarem ao sistema econômico vigente, ainda que este os trate com
descaso. Trata-se de um pensamento oriundo da filosofia capitalista, que
foi feito para se amoldar à ideologia das classes dominantes, e que tem
como principal resultado a acentuação da concentração de renda e o
aumento da desigualdade social entre ricos e pobres, sendo que estes
últimos acabam ficando lançados a sua própria sorte.
Como exemplo da política neoliberal, podemos citar em nosso país
atualmente a intenção do governo em minimizar as normas protetivas ao
trabalhador, o que eufemisticamente tem sido de chamado de
“flexibilização das relações de trabalho”, que na verdade nada mais é do
que a política de deixar os empregados (que são a parte hipossuficiente
da relação trabalhista) sob o jugo e arbítrio dos empregadores, que na
verdade se traduzem em sua maioria nos grandes grupos econômicos e
também na elite dominante de nosso país.
O resultado dessa política neoliberal, além da exploração e da perda das
conquistas já obtidas ao longo dos anos por parte dos trabalhadores, será
a criação de uma grande massa de desempregados, o que tende a deixar
o corpo social ainda mais intranqüilo e marginalizado, ocasionando assim
o aumento da criminalidade, que acabará refletindo num crescimento da
demanda do contingente do sistema prisional.
Dessa forma, o Direito Penal, assim como as prisões, estariam servindo de
instrumento para conter aqueles não “adequados” às exigências do
modelo econômico neoliberal excludente, que são os miseráveis que
acabam não resistindo à pobreza e acabam sucumbindo às tentações do
crime e tornando-se delinqüentes.
Dentro dessa lógica, tanto a lei penal como as prisões, estariam
materializando a doutrina de Karl Marx, segundo a qual o direito nada
mais é do que instrumento que serviria à manutenção do domínio pelas
classes dominantes.
Assim, o sistema penal e, conseqüentemente o sistema prisional, não
obstante sejam apresentados como sendo de natureza igualitária, visando
atingir indistintamente as pessoas em função de suas condutas, têm na
verdade um caráter eminentemente seletivo, estando estatística e
estruturalmente direcionado às camadas menos favorecidas da sociedade.
Concluímos que, pelo fato de estarem totalmente inter-relacionados,
dentro de uma mesma conjuntura, a falência do sistema prisional e o
modelo econômico neoliberal, não pode ser vislumbrada uma expectativa
de melhoria do sistema penitenciário e nem uma redução dos índices de
criminalidade se não for revisto o modelo de política econômica e social
atualmente implementado pelos governantes de nosso país.
5. A REINCIDÊNCIA DO EGRESSO COMO CONSEQÜÊNCIA DA
INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
A comprovação de que a pena privativa de liberdade não se revelou como
remédio eficaz para ressocializar o homem preso comprova-se pelo
elevado índice de reincidência dos criminosos oriundos do sistema
carcerário. Embora não haja números oficiais, calcula-se que no Brasil, em
média, 90% dos ex-detentos que retornam à sociedade voltam a delinqüir,
e, conseqüentemente, acabam retornando à prisão.
Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições a que o
condenado foi submetido no ambiente prisional durante o seu
encarceramento, aliadas ainda ao sentimento de rejeição e de indiferença
sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir
sua liberdade. O estigma de ex-detento e o total desamparo pelas
autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se
marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo
do crime, por não ter melhores opções.
A acepção legal da palavra egresso é definida pela própria Lei de
Execução Penal, que em seu artigo 26 considera egresso o condenado
libertado definitivamente, pelo prazo de um ano após sua saída do
estabelecimento prisional. Também é equiparado ao egresso o
sentenciado que adquire a liberdade condicional durante o seu período de
prova. Após o decurso do prazo de um ano, ou a cessação do período de
prova, esse homem perde então a qualificação jurídica de egresso, bem
como a assistência legal dela advinda.
Legalmente, o egresso tem um amplo amparo, tendo seus direitos
previstos nos artigos 25, 26 e 27 da Lei de Execução Penal. Esses
dispositivos prevêem orientação para sua reintegração à sociedade,
assistência social para auxiliar-lhe na obtenção de emprego e inclusive
alojamento e alimentação em estabelecimento adequado nos primeiros
dois meses de sua liberdade. A incumbência da efetivação desses direitos
do egresso é de responsabilidade do Patronato Penitenciário, órgão poder
executivo estadual e integrante dos órgãos da execução penal.
O Patronato, além de prestar-se a outras atribuições relativas à execução
penal, no que se refere ao egresso, tem como finalidade principal
promover a sua recolocação no mercado de trabalho, a prestação de
assistência jurídica, pedagógica e psicológica. É um órgão que tem um
papel fundamental dentro da reinserção social do ex-detento.
O cumprimento do importante papel do Patronato tem encontrado
obstáculo na falta de interesse político dos governos estaduais, os quais
não tem lhe dado a importância merecida, não lhe destinando os recursos
necessários, impossibilitando assim que ele efetive suas atribuições
previstas em lei.
A assistência pró-egresso não deve ser entendida como uma solução ao
problema da reincidência dos ex-detentos, pois os fatores que ocasionam
esse problema são em grande parte devidos ao ambiente criminógeno da
prisão, o que exige uma adoção de uma série de medidas durante o
período de encarceramento. No entanto, o trabalho sistemático sob a
pessoa do egresso minimizaria os efeitos degradantes por ele sofridos
durante o cárcere e facilitaria a readaptação de seu retorno ao convívio
social.
A sociedade e as autoridades devem conscientizar-se de que a principal
solução para o problema da reincidência passa pela adoção de uma
política de apoio ao egresso, fazendo com que seja efetivado o previsto na
Lei de Execução Penal, pois a permanecer da forma atual, o egresso
desassistido de hoje continuará sendo o criminoso reincidente de amanhã.
A realidade do sistema penitenciário brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana
14/abr/2013
Se as técnicas de ressocialização fossem respeitadas e aplicadas, com base na garantia constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o tempo de pena seria eficaz atingindo os objetivos do Sistema Penitenciário.
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1. INTRODUÇÃO
O Sistema Penitenciário é um assunto recorrente no Brasil, por causa de
todos os seus problemas. Os assuntos discorridos são a superlotação e a
falta de higiene que propiciam diversas doenças sendo as mais comuns a
leptospirose e a tuberculose.
A decadência do Sistema Penitenciário Brasileiro atinge não somente os
apenados, mas também as pessoas que estão em contato direta e
indiretamente com essa realidade carcerária. Por mais que o senso
comum acredite que com o encarceramento dos delituosos tal questão
será sanada, cada vez mais os próprios noticiários firmam que a
ressocialização não é um fato concreto perante a sociedade atual.
Outro fator característico do contexto prisional é a má remuneração dos
agentes penitenciários. Em consequência, existem poucos profissionais
atuando na área, coordenando um elevado número de presos. Por esses
motivos, os agentes acabam por se aliar aos presos que têm condições
financeiras de dar ao agente aquilo que o Estado deveria oferecer e não
oferece, em troca de regalias na prisão.
Por tudo o que foi argumentado anteriormente, o sistema presidiário
acaba por gerar uma tendência punitiva que acarreta a reincidência dos
presos. Se as técnicas de ressocialização fossem respeitadas e aplicadas,
com base na garantia constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, o tempo de pena seria eficaz atingindo os objetivos do Sistema
Penitenciário.
2. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O sistema penitenciário brasileiro tem como objetivo a ressocialização,
educação e a referente punição ao seu delito. É uma forma de vingança
social, pois uma vez que a autotutela é proibida, o Estado assume a
responsabilidade de retaliação dos crimes, isolando o criminoso para que
ele possa refletir sobre os seus atos, alheio a influências externas. Através
da prisão, o infrator é privado da sua liberdade, deixando de ser um risco
para a sociedade.
A superlotação e a falência do sistema penitenciário brasileiro são
assuntos bastante debatidos. Houve um aumento de 113% dos presos de
2000 a 2010, de acordo com dados do Ministério da Justiça.[1]
Combinando isso à falta de investimento e manutenção das penitenciárias
e presídios, tornaram esses verdadeiros depósitos humanos. Essa
situação acaba colaborando com fugas e rebeliões, pois os agentes
penitenciários não conseguem ter controle sobre o tamanho do número de
presos.[2]
Uma cela fechada que abriga um número maior de pessoas que a sua
capacidade acarreta em problemas como o calor e a falta de ventilação. A
falta de espaço faz com que os presos precisem se revezar para dormir. O
número de colchões é insuficiente e nem a alternativa de pendurar redes
nas celas faz com que todos possam descansar ao mesmo tempo. Outro
problema é a falta de mobilidade, a comida tem que passar de mão em
mão para chegar aos apenados que estão no interior da cela, e a
dificuldade de chegar aos banheiros fazem os presos procurarem
alternativas tais como a utilização das embalagens das marmitas para
satisfazer as necessidades e até mesmo urinar para fora da cela. Não há
privacidade alguma em penitenciárias e presídios superlotados.[3] O
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, admitiu que o sistema prisional
chega a ser praticamente medieval, após a divulgação de um estudo da
Anistia Internacional, apontando a degradação do sistema penitenciário
nacional.[4]
Para reduzir o problema da superlotação, foi criada a Lei nº 12.403, de 4
de maio de 2011, possibilitando alternativas à prisão provisória para
presos não reincidentes que cometeram delitos leves com pena privativa
de liberdade de até quatro anos, como fiança e monitoramento eletrônico.
A liberação desses acusados pode causar uma sensação de insegurança.
Porém, como descreve o procurador Eugênio Pacelli de Oliveira:
[...] muitas vezes a prisão produz o próximo problema. Você colocar uma
pessoa que não tem histórico nenhum presa é algo muito complicado, pois
a prisão é um ambiente de violência, e isso afeta as pessoas.[5]
Mesmo com essa medida, ainda é necessária a construção de novos
presídios. O ex-integrante do Batalhão de Operações...(BOPE), hoje
consultor de segurança, Rodrigo Pimentel comenta que:
A construção de presídios ainda não é uma prioridade na segurança
pública do Brasil, pois a maioria dos governadores prefere investir em
viaturas, o que é mais visível e que dá votos. A função da cadeia moderna
é neutralizar, reinserir e punir. Não é só punir. Vale a pena, para reduzir a
criminalidade em todo o Brasil, investir na construção de presídios e levar
dignidade ao preso. Isso é uma política de segurança pública muito eficaz.
[6]
Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões, as
mais comuns são a tuberculose e a pneumonia já que são doenças
respiratórias, além de AIDS, hepatite e doenças venéreas. Para serem
levados para o hospital necessitam de escolta da Polícia Militar (PM), o que
dificulta ainda mais o tratamento do doente.[7] Apesar de todo o
planejamento da cartilha sobre o Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário,[8] é totalmente duvidosa a concretização de tais projetos,
pois já é visto que neste país é difícil os recursos públicos serem
reservados para o que deveriam ser propriamente destinados.
Podemos citar como exemplo o sistema prisional de Campinas, no qual a
tuberculose é considerada como ameaça já que sem o devido controle
dentro das prisões, talvez não seja possível controlar a reincidência fora
delas. Agravo disto depende também do fato de que a tuberculose tem
incidência maior entre os presos do que na população em geral. Pouca
ventilação, superlotação, condições sanitárias adversas, baixo nível sócio
econômico, tempo de permanência na penitenciária e uso de drogas
favorece a proliferação de doenças como a tuberculose. Portanto, risco de
contaminação e possível epidemia para com a comunidade perto da
penitenciária, como os familiares e policiais, é incisivo.[9]
A AIDS no meio carcerário é muito comum devido à possibilidade de ser
transmitida com o uso de drogas injetáveis, podendo ser considerada
como epidemia. A doença na prisão põe em perigo a vida dos “pacientes”
por causa da falta ao acesso de médicos especilistas em HIV/AIDS e, do
acesso limitado a todos os tratamentos disponíveis e terapias alternativas.
Por isso, os prisioneiros com HIV/AIDS não têm as mesmas taxas de
esperança de vida que uma pessoa com HIV/AIDS que vive na parte
externa. Todavia, mais uma vez o Estado deixa a desejar no que diz
respeito à saúde pública, demonstrando assim, que o preso com HIV/AIDS
já adquiriu fora da cadeia ou contagiou-se por alguém que já tinha antes
de ser detido.[10]
A leptospirose é uma zoonose (doença de animais) infecciosa febril,
potencialmente grave, causada por uma bactéria, a Lapospira interrogans.
Desenvolve-se em locais propícios à sujeira com presença de umidade, em
que o meio é favorável a multiplicação de ratos e proliferação da bactéria.
Com isto, prova-se a exigida higienização das instalações penitenciárias,
bem como, os devidos espaços de tempo para banhos de sol e a
prevenção às demais doenças causadas pelos ratos: peste bubônica,
raiva, sarnas.[11]
A Penitenciária Central de Guarabira ... é um exemplo da condição
desumana. Após a demora no atendimento médico de um dos presos
doentes, os mesmos decidiram realizar uma rebelião. O fato teria sido o
estopim para a revolta que tem na verdade a superlotação e as condições
precárias do lugar como motivações principais.[12]
Isto prova que a indignação com o descaso da saúde no Sistema
Penitenciário Brasileiro é algo que envolve quem está por dentro das
grades, quem administra as penitenciárias e também as demais pessoas
da comunidade em geral.
"Nos dias atuais percebe-se que agentes penitenciários, policiais civis e
militares e agentes do sistema de defesa social, e até juízes estão sendo
vitimados e ameaçados pelos marginais." disse o Cabo Cláudio Cassimiro
Dias.[13]
Esse é um fato triste do sistema penitenciário, os "marginais" poderosos
muitas vezes são priorizados no seu tratamento, e isto gera um certo tipo
de autoridade para eles. Enquanto isso, os agentes, que são treinados e
pagos para realizar determinado trabalho, não conseguem fazê-lo, pois
são ameaçados, aterrorizados e muitas vezes tem seus companheiros de
função mortos em serviço. A remuneração é incompatível com esta
realidade, salários baixos para o trabalho prestado. Muitas vezes, por
causa da falta de agentes, policiais militares precisam auxiliar a “cuidar”
dos presos, quando deveriam estar nas ruas fazendo patrulhamento.[14]
O salário baixo e as condições ruins de trabalho foram tão evidentes que o
governador Geraldo Alckmin anunciou que o reajuste dos salários dos
policiais civis, militares e científicos e dos agentes de segurança
penitenciária e agentes de vigilância e escolta seria feito.[15]
Uma reportagem da Gazeta Digital expõe a falta de agentes penitenciários
no Mato Grosso:
Hoje a situação mais crítica é da Penitenciária Central do Estado (PCE), na
Capital, que segundo o sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário
tem mantido 3 agentes para atuar diretamente no trato dos presos dentro
da unidade que abriga 1,9 mil criminosos.[16]
Mesmo com as reformas, ainda temos a falta de agentes penitenciários. O
que não deveria acontecer, pois é o agente penitenciário que realiza um
serviço público de alto risco, por proteger a sociedade civil ajudando por
meio do tratamento penal, da vigilância e custódia da pessoa presa
durante a execução da pena de prisão, ou de medida de segurança,
conforme determinadas pelos instrumentos legais.
Um grande problema e que gera muitas consequências negativas ao
sistema penitenciário brasileiro é a má distribuição das verbas. Existem
penitenciárias que permitem uma boa qualidade de vida, às vezes maior
até do que a de grande parte da população de renda baixa, enquanto
existem penitenciárias inadequadas até mesmo para abrigar o número de
ocupantes para o qual foram projetadas abrigando quantidades absurdas
de pessoas, em condições inumanas.[17]
A má remuneração dos agentes penitenciários e o baixo número de
agentes contribuem para corrupção e seu descaso. Com isto, os apenados
têm grande facilidade de burlar as regras, trazendo celulares, drogas,
armas, que seriam facilmente apreendidos caso os procedimentos
corretos fossem utilizados. Somando esse fator à superlotação, é
praticamente impossível evitar desastres.
Outro fator que demonstra o descaso com os apenados é a falta de acesso
à justiça. Muitas prisões acumulam Boletins de Ocorrência (BO) não
investigados e, vários condenados não possuem contato com advogados e
alguns, inclusive, já cumpriram a pena, mas continuam presos devido à
burocracia e ao descaso do sistema.[18]
3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Federal Brasileira é vista como uma norma jurídica, mas
não uma norma qualquer, e sim a que está no topo do ordenamento
jurídico - lex superior -, e todas as demais normas tem que ser
compatíveis com a mesma, caso contrário serão vistas como
inconstitucionais.
Como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, o
princípio da dignidade da pessoa humana garante, com caráter
obrigatório, o absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de
todo ser humano, exige que todos sejam tratados com respeito,
resguardados e tutelados; um atributo da pessoa, não podendo ser
medido por um único fator, pois nela intervém a combinação de aspectos
morais, econômicos, sociais e políticos, entre outros. O Estado tem como
uma de suas finalidades oferecer condições para que as pessoas se
tornem dignas.
Dignidade é o respeito que merece qualquer pessoa, um ser que deve ser
tratado como um fim em si mesmo, e não para obtenção de algum
resultado, como já dizia Kant[19]. Se uma pessoa é um ser racional, vive
em condições de autonomia, , consequentemente, tem livre arbítrio para
fazer o que considera melhor para a sua pessoa. Tem liberdade e é
responsável pela própria existência, pode suportar pressões e influências,
mas a decisão depende apenas da sua consciência.
O princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de
natureza econômica, social e cultural, pois, no Estado Democrático de
Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de
constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de
impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a
plena realização da personalidade humana. (CARVALHO, 2009, p. 673)
O princípio da dignidade da pessoa humana tem praticamente
três concepções: individualismo, traspersonalismo e
personalismo.[20]
O individualismo tem como ponto de partida o indivíduo, bem
característico do liberalismo. Este pilar da dignidade da pessoa humana
entende que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e
realiza, indiretamente, os interesses coletivos.[21]
Por outro lado, o bem coletivo é garantido pela corrente do
transpersonalismo, este admite que, se não há harmonia espontânea
entre o bem do todo e o bem do indivíduo, são os valores coletivos que
devem preponderar. Logo, nega-se a pessoa humana como valor supremo,
uma vez que a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.[22]
Já o personalismo rejeita a concepção individualista diante da coletivista
por negar a possibilidade de existência da harmonia espontânea entre
indivíduo e sociedade, o que resultaria na preponderância dos interesses
individuais diante dos interesses do todo.[23]
A dignidade representa o valor absoluto de cada ser humano; centra-se na
autonomia e no direito de autodeterminação de cada pessoa, o que lhe
permite conformar-se a si mesmo e a sua vida, de acordo com o seu
próprio projeto espiritual, cultural e histórico. É um valor que informa toda
a ordem jurídica, se assegurados os direitos inerentes à pessoa humana.
[24]
4. CONCLUSÃO
Com base no que foi estudado sobre o Sistema Penitenciário brasileiro, o
tratamento dos apenados se torna indigno, uma vez que não são tratados
como pessoas detentoras de direitos e deveres garantidos
constitucionalmente, tal como no artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Na Constituição a dignidade da pessoa
humana é fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, sendo
assim, o Estado existe em função de todos os cidadãos. Portanto, é
inconstitucional violar o princípio.
O que acaba por acontecer é uma dupla penalização, pois o condenado
leva a prisão propriamente dita e mais o estado de saúde precário que
adquire durante o seu cárcere. O que a lei diz é que o Estado é
responsável para com o estado de saúde do apenado, porém o que ocorre
na prática é um descumprimento desse fator. Eles são deixados ao acaso
podendo se contaminar com infecções, vírus etc. A ideia oficial é de que a
saúde é um direito de todos que vivem no Brasil, porém não é o que
ocorre na maioria das penitenciárias.
É importante destacar que além dos presos serem negligenciados no fator
saúde, eles não têm direito a educação. Com isto, o objetivo de
ressocializar é ferido. Presos acabam saindo da cadeia piores do que
entraram por viverem em condições sub-humanas. É notório que a
reincidência dos presos é uma variável que depende do tipo de
tratamento para com os mesmos. A superlotação traz, além do calor
insuportável, falta de ventilação e falta de privacidade, doença, sujeira e
estresse. Algumas vezes a revolta com essas condições leva os detentos a
cometerem atos violentos e desumanos. Trata-se apenas de um reflexo do
modo como eles estão sobrevivendo.
Outro problema do Sistema Penitenciário Brasileiro é a má distribuição de
verbas, uma melhor organização desta colocaria em prática os diversos
projetos governamentais para as penitenciárias. Diminuiria assim, a
superlotação e melhoraria as condições de higiene, em busca de atender o
princípio da dignidade da pessoa humana. Com o devido investimento no
sistema prisional, a ressocialização e a educação seriam fatores
presentes, onde os presos sairiam capacitados para praticar atividades,
como costurar, desenhar e também trabalhos braçais.
Além disso, deveria haver um reajuste nos salários dos agentes,
derrubando a corrupção e o descaso para com os presos. Com um salário
mais compatível com a função, haveria mais agentes carcerários e a
Polícia Militar poderia fazer seu trabalho de patrulhamento e segurança,
ao invés de ter que ajudar a cuidar dos presos.
De um modo geral, o conhecimento sobre a realidade do Sistema
Penitenciário brasileiro, que é desrespeitoso e desumano, leva a
transformação das concepções sociais. A sociedade, apesar de ouvir sobre
os defeitos das penitenciárias, crê que os detentos merecem punições
severas e sofrimento, como tortura, pena de morte, isolamento carcerário
e não necessitam de educação pública. Porém, a conscientização popular,
conforme o princípio da dignidade da pessoa humana leva a uma noção de
que os presos são pessoas e não devem ser tratados com desprezo. Com
esse novo pensamento, a população formará uma opinião de que os
delituosos deveriam ter um julgamento pertinente com a Constituição
Federal.