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Supremo Tribunal de JustiçaProcesso nº 1/20.2F1PDL.S1
Relator: NUNO GONÇALVES (RELATOR DE TURNO)Sessão: 27 Agosto 2021Votação: UNANIMIDADEMeio Processual: RECURSO PENALDecisão: NEGADO PROVIMENO.
Sumário
Texto Integral
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:
I. RELATÓRIO:
a) a condenação:
No Juízo Central Cível e Criminal ..... - Juiz .., mediante acusação do Ministério
Publico, imputando-lhe a coautoria material de um crime de tráfico de
estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 21º n.º 1 e 24º al.ªs b) e c) do DL
n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I -A, I-B e I-C, anexas ao mesmo
diploma legal, foi a arguida (e outros):
- AA, de 34 anos e os demais sinais dos autos, julgada e, por acórdão de 29 de
janeiro de 2021:
- absolvida do crime de tráfico agravado;
- condenada pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de
estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL n.º 15/93, de 22 janeiro, na
pena de 6 (seis) anos de prisão,
O Tribunal coletivo decretou a perda em favor do Estado do numerário, da
mala de porão, da mala pessoal e dos telemóveis, bem como a perda e
destruição dos estupefacientes apreendidos.
2. o recurso:
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A arguida, inconformada, recorre perante o Supremo Tribunal de Justiça.
Remata a alegação com as seguintes conclusões:
1. Nulidade de excesso de pronúncia: foi cometida no recorrido acórdão a
nulidade, tipificada no art. 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.
2. em várias passagens, especificadas na motivação a pág. 2 a 5, a decisão
recorrida enumera situações que se não relacionam com os factos provados,
fazendo conjetura sobre provável viagem efetuada pela arguida a 9/09/2019,
fazendo alusão à natureza de um determinado bilhete de avião “possivelmente
relacionado com o regresso”, viagem não efetuada pela arguida,
3. Aludindo ao facto de a arguida se encontrar profissional e familiarmente
desinserida, que “a relação de tipo conjugal com o companheiro não se
mostrou suficientemente forte para mantê-la afastada do mundo da droga”,
que a colaboração da arguida foi cirúrgica, omitindo deliberadamente factos
(que o acórdão não concretiza), e que não alcançou qualquer resultado prático
expressivo para além daquele que “a arguida poderá ter equacionado como
vantajoso”, o que traduz mera conjetura.
4. Nulidade da busca efetuada ao telemóvel da arguida: – meio de prova
enganoso art.º 126.º n.º 2 alínea a) “in fine” do CPP – Violação do art.º 174.º
n.º 6 do CPP – Violação do art.º 16.º n.º 4 da Lei 109/2009. Não foi cumprida a
obrigação da validação da busca feita ao telemóvel da arguida, uma vez que
validada não foi pelo Juiz de Instrução, como manda o disposto no art.º 174.º
n.º 6 do CPP.
5. Que seria exigível atento o constante do art.º 16.º n.º 4 na Lei 109/2009. Foi
por isso cometida a nulidade insanável e insuprível, - por violação do citado
art.º 174.º n.º 6 do CPP e ainda por cair no capítulo das chamadas “provas
proibidas” (elencadas no art.º 126.º CPP) escapando ao “catálogo” das
predeterminadas nulidades expressamente previstas nos art.º 119.º e 120.º do
mesmo diploma legal.
6. Ao efetuar a busca ao telemóvel da arguida e ao não comunicá-la ao JIC, o
OPC atuou de modo enganoso, “esquecendo” uma obrigação tendente à
validação da busca o que constitui prova proibida prevista no art.º 126.º n.º 2
a) “in fine” do CPP.
7. Sendo declarada nula a apontada busca, as provas através desta obtidas
não têm qualquer valor (art.º 122.º n.º 1 do CPP).
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8. O douto acórdão deveria ter interpretado a norma constante do mencionado
art.º 174.º n.º 6 do CPP em conjunção com o disposto no art.º 16.º n.º 4 da Lei
109/2009 no sentido de não aceitar tal prova desse modo obtida por ser,
também ela, nula.
9. Da medida da pena - Violação do art.º 40.º n.º 2 e art.º 71.º 1 e 2 do CP:
A pena aplicada à recorrente mostra-se, pelas razões especificadas na
Motivação e os considerandos “supra” aduzidos, excessiva e desconforme
ultrapassando a medida da culpa – em violação do disposto no art.º 40.º n.º 2
do Código Penal, limite inultrapassável para qualquer condenação em matéria
criminal, pelo que a instância violou, por erro interpretativo, o disposto nos
arts.º 40.º n.º 2 e 71.º n.º 1 e 2 do CP.
10. Violação do art.º 31.º do DL 15/93 de 22 janeiro O comportamento
processual da recorrente – “maxime” a sua postura no decurso dos autos, com
especial relevância para a confissão abrangente (a ponto de outras pessoas
virem a ser detidas, constituídas arguidos e alvo de prisão preventiva), aliada
ao sincero arrependimento manifestado nas declarações lidas em audiência –
imporia considerar-se como “arrependida” capaz de beneficiar da norma do
art.º 31.º da Lei da Droga.
11. este preceito prevê comportamentos semelhantes aos mantidos pela
recorrente.
12. A sua vontade de colaborar com a Justiça traduziu-se na revelação de
nomes, identidades concretas e reais, situações e, até, reconhecimento de
residências.
13. auxiliou as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação
ou captura de outros responsáveis” precisamente uma das exigências contidas
no referido art.º 31.º da Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
14. Ao não incluir a colaboração da arguida na invocada previsão, o acórdão
violou, por erro de interpretação, o citado normativo.
15. Deveria o douto acórdão considerar a colaboração como reunindo os
pressupostos de aplicação do citado art.º 31.º da Lei da Droga, condenando-se
a arguida em pena de prisão especialmente atenuada e não excedendo 3 anos
de prisão.
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16. num caso da dimensão humana deste jaez, mesmo que não existisse a
norma do art.º 31.º Da Lei da Droga, ainda assim a arguida deveria beneficiar
do regime de atenuação especial da pena, nos termos do disposto no art.º 72.º
n.º 1 do CP.
17. Da suspensão da pena de prisão: na determinação/gradação da medida da
pena, deve o Tribunal atender à conduta anterior do agente. No caso concreto,
a arguida, apesar de consumidora de drogas duras, sempre se manteve fiel ao
Direito, até ao cometimento do apontado tráfico, sendo isenta de condenações
criminais anteriores.
18. o instituto de suspensão se perfila como “um poder/dever” do julgador, de
indagar da possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável
para o futuro daquele que delinquiu.
19. Como entende a Jurisprudência, a suspensão da execução da pena de
prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e
reeducativa, com vista à realização das finalidades da punição, isto é, da
proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º
40.º n.º 1 do Código Penal).
20. A arguida não tem antecedente penais ou processuais criminais
pendentes. O que deve significar que este terá sido um acto esporádico no seu
percurso de vida.
22. “In casu”, a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao
comportamento futuro da arguida resulta da sua conduta anterior e as
provações porque tem passado. A censura do facto e a ameaça do
cumprimento da pena de prisão se mostrariam suficientes para afastá-la da
criminalidade.
24. “a capacidade de do arguido se ressocializar em liberdade” é quase um
pressuposto na filosofia do nosso Direito Penal, onde a matriz cristã impera e
onde a reintegração do agente na sociedade é ela própria, elemento
preponderante dos fins das penas.
25. Ao condenar a recorrente em pesada pena de prisão, o recorrido acórdão
violou, por erro de interpretação, quer o disposto no art.º 40.º n.º 2 e 71º n.º 1
e 2 do CP, quer o disposto no art.º 31.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, quer
ainda o disposto no art.º 50.º n.º 1 e 53.º (Regime de Prova) – do Código Penal.
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Peticiona a redução da pena, pretendendo ser condenada em 3 anos de prisão
com execução suspensa.
3. resposta do Ministério Público:
O Procurador da República no tribunal recorrido respondeu, pugnando pelo
improvimento do recurso e a confirmação da condenação.
4. parecer do Ministério Público:
O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pronuncia-se,
doutamente, pela improcedência do recurso, argumentando (em síntese):
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, ocorre quando o
tribunal se debruça sobre questão de que não podia conhecer («ne procedat
judex ex officio»). O tribunal, deve emitir pronúncia sobre todos as questões
relevantes, compreendidas no objecto do processo, que constem da acusação/
pronúncia, contestação, e bem assim resultantes da discussão contraditória da
causa.
A leitura do narrado no ponto 9, da acusação pública, permite verificar qua aí
se indicam pelo menos doze viagens efectuadas pela recorrente AA, desde
data não apurada do ano de 2017 a 1 de Fevereiro de 2020, realizadas entre
….. e ............, pelo que, a não pronúncia sobre as mesmas é que constituiria
um vício da sentença, o de omissão de pronúncia, com assento no art.º 379º, n
º 1, alínea c) primeira parte, do Código de Processo Penal.
Como resulta do acórdão, foram apreendidos à recorrente à chegada em 2 de
Fevereiro de 2020, ao aeroporto …, em ......., três telemóveis. Como a própria
reconhece na motivação, as pesquisas de que resultaram as apreensões (prova
digital) foram antecedidas do seu consentimento voluntário, prestado à PJ
(de resto, quer nos documentos referidos no despacho de aplicação de medida
de coacção, datado de 3 de Fevereiro de 2020, onde consta a referência a «
termos de consentimento de fls.7e 9», quer na acusação pública, na indicação
da prova, sob E) - prova documental.
Temos assim, que é ponto assente que pesquisa e apreensão de dados
informáticos dos telemóveis da recorrente, foi feita com o consentimento
voluntário e expresso, reduzido a escrito, daquela que era a titular do seu
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conteúdo. Acresce que nos termos do n º 3, alínea a), do art.º 15º, n º
109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), era lícito à Polícia
Judiciária, independentemente, de prévia autorização de autoridade judiciária,
para tal, proceder à pesquisa de dados informáticos.
In casu tais dados eram constituídos por (vídeos, fotografias, chat no Facebook
e SMS) inscritos e operando através de sistema informático, pertencentes à
arguida/recorrente. No domínio da prova digital, a coexistência do CPP, da
Lei n º 32/2008, de 17 de Julho, e da Lei n º 109/2009, de 15 de Setembro,
com origem na transposição da Decisão Quadro n º 2005/222/JAI, do Conselho,
de 24 de Fevereiro, veio dar origem a um intrincado complexo normativo com
áreas de sobreposição, tornando, por vezes, tarefa difícil a sua hermenêutica.
Aqui, radicarão, as diversas correntes interpretativas do regime em causa,
como aliás vários obras sobre a matéria tem salientado, e a jurisprudência na
sua diversidade, reflecte (…).
Haver-se-á, a nosso ver, que concluir que o modus operandi seguido no caso
vertente, não releva de qualquer desconformidade processual e muito menos
de prova proibida.
Da alegada violação do art.º 31º do DL n º 15/93, de 22 de Janeiro e da
medida da pena:
Sob a epígrafe Atenuação ou dispensa de pena, dispõe o invocado preceito:
“Se, nos casos previstos nos artigos 21º, 22 º, 23º, e 28º, o agente abandonar
voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma
considerável o perigo produzido pela sua conduta, impedir ou se esforçar
seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou
auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a
identificação ou captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se
de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente
atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.”
A jurisprudência tem vindo a acentuar que o inciso supratranscrito não é de
aplicação automática não prescindindo de uma ponderação casuística, em
ordem a aferir, in concreto se é ou não caso que releve da sua aplicação.
O Tribunal Colectivo, pronunciou-se sobre a colaboração da recorrente,
consignando, na individualização da medida da pena:
“§12.5 Pese embora a arguida tenha prestado alguma colaboração com a
Polícia Judiciária em sede de inquérito como a testemunha BB deu nota, não
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foi de molde à responsabilização dos demais co-arguidos (relativamente aos
quais, de resto, não resultou provado o envolvimento na rede, sem prejuízo,
naturalmente, de as diligências de investigação lhe serem totalmente alheia).
Ademais tal colaboração, foi surgindo a «conta-gotas» (conforme mencionou a
citada testemunha) e iniciou-se numa altura em que, cronologicamente, já não
era possível orquestrar a «entrega vigiada» ao transporte de 1de Fevereiro de
2020. Por seu turno, tal colaboração foi cirúrgica naquilo que a arguida AA
pretendeu dizer e naquilo que deliberadamente pretendeu omitir (basta
compaginar as declarações prestadas em sede de 1º interrogatório de arguido
detido, comas demais «démarches» do inquérito, não tendo alcançado
qualquer resultado prático e expressivo para além daquilo que poderá ter
equacionado como vantajoso no contexto do seu estatuto coactivo, E tal
apenas surgiu, sublinhamos, por ter sido “apanhada” na traficância e não
podendo escapar, à sua responsabilidade, e não por hipótese, anterior e
espontaneamente, no contexto de qualquer rebate de consciência relativos aos
três transportes de droga anteriores (aí sim, como genuinamente, podia).
Deste modo e sem deixar de relevar para a determinação concreta da pena,
não se configura de molde à atenuação especial da pena, a que alude o art.º
31º do citado diploma, tal como pugnou nas suas alegações finais.” Itálico
introduzido no texto.
Ou seja, a «colaboração» da arguida/recorrente, não foi espontânea,
reveladora de arrependimento, mas surge, no contexto da sua detenção em
flagrante delito, e foi de tal modo faseada no tempo que impediu a PJ de
seguir o estupefaciente transportado para ...... até ao seu destino, o que
provocaria, naturalmente, diverso resultado final da investigação. Anote-se
que, no momento crucial que é da discussão ampla e contraditória da causa,
isto é na audiência de julgamento, a recorrente «entrou muda e saiu calada»,
como é seu direito.
Vista a matéria de facto provada, temos que a recorrente cometeu em autoria
material um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1, do
DL n º 15 /93, de 22 de Janeiro, com referência as suas tabelas anexas I-B
(cocaína) e I-C, a que corresponde em sede de moldura penal abstracta pena
de prisão de 4 a 12 anos. O Tribunal Colectivo, como se vê da decisão , em
conformidade com o art.71º, n º 1 do CP, partindo do binómio culpa/
prevenção, e ponderando também os itens do n º 2 do referido inciso penal,
teve em conta a provada actuação da arguida enquanto «correio de droga», os
estupefacientes apreendidos em 2 de Fevereiro de 2020, a sua natureza e
quantidade, aplicou à arguida pena de seis (06) anos de prisão, quantum que
se nos afigura respeitar aquele mínimo penal ainda adequado a satisfazer as
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necessidades de prevenção geral, sem ultrapassar o que a culpa consente.
5. contraditório:
Observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, a arguida nada disse.
«»
Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.
Cumpre decidir.
II - OBJETO DO RECURSO:
São as seguintes as questões para julgar:
- nulidade por alega omissão de pronúncia;
- nulidade da “busca” de dados armazenados no telemóvel
- prova eletrónica;
- atenuação especial - colaboração;
- medida da pena;
III – FUNDAMENTAÇÃO:
1. os factos:
O Tribunal coletivo julgou provados os seguintes factos: (respeitantes à
recorrente):
I. Da acusação pública
1. Em data não concretamente apurada do ano de 2017, em 06.09.2019 e em
06.01.2020, a arguida AA, a mando e por conta de terceiros, viajou do
aeroporto ......., em ... ao aeroporto ........, em ........, transportando consigo, em
cada uma dessas ocasiões, haxixe em quantidades não concretamente
apuradas mas próximas de 6Kg., destinado a terceiros nesta ilha ......, ocasiões
em que combinava com estes as entregas, deles recebendo a quantia
monetária que deveria ser entregue aos terceiros da proveniência.
2. No dia 01.02.2020, a arguida AA transportava na mala/ bagagem de porão,
canabis-resina com o peso líquido de 5.887,242 gramas, suscetível de ser
dividida em 24.255 doses diárias individuais, e cocaína com o peso líquido de
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111,40 gramas, que poderia ser dividida em 325 doses diárias individuais,
produto esse destinado a ser entregue a terceiros, o que apenas não sucedeu
pois veio a ser detida pela Policia Judiciária na madrugada do dia seguinte, no
aeroporto ......., em ...... .
3. No dia 02.02.2020, pelas 1:05h., no aeroporto .........., em ........., a arguida
AA tinha os seguintes objetos na bagagem de mão: (i) um cartão de embarque
da Sata Azores Airlines relativo a uma viagem ,,,,,/ ............; (ii) um cartão com
a denominação Lisboa Viva, titulado por CC; (iii) um cartão com a
denominação Lisboa Viva, titulado por DD; (iv) um telemóvel da marca
Samsung, modelo Duos, com os IMEI …7/0 e ……….7/8; (v) um telemóvel da
marca Wiko com os IMEI …69 e ………..62; (vi) um telemóvel da marca
Samsung com os IMEI …17 e …17; (vii) seis notas no BCE com o valor facial
de € 20,00, perfazendo o montante total de € 120,00, por conta da realização
do transporte.
9. A arguida AA tinha perfeito conhecimento de que os produtos que deteve
são considerados, pela sua composição, natureza, características e efeitos,
substâncias estupefaciente/psicotrópica, e como tal, que toda a atividade
relacionada com ela, designadamente a detenção e o transporte lhe estava
vedada, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que
a sua conduta era proibida e punida por Lei.
II. Mais se provou, das condições pessoais da arguida AA e a sua
situação económica e das condutas anteriores aos factos
À data dos factos, e desde o verão de 2019, a arguida AA residia com um
companheiro num quarto tomado de arrendamento em ......., com o qual
mantém o contacto. A arguida tem uma filha fruto de um relacionamento
afetivo na sua adolescência, presentemente com 17 anos de idade, a qual se
encontra institucionalizada, e tem um filho fruto de uma relação amorosa que
durou cerca de seis anos, presentemente com 9 anos de idade, o qual reside
com o progenitor. Interrompeu processo de escolarização em Cabo Verde
quando da gravidez, ocasião em que emigrou para Portugal, onde residia a sua
progenitora. No ano letivo de 2012/2013 frequentou um curso de formação
profissional de cozinha, pastelaria e bar que lhe deu equivalência ao 9º ano de
escolaridade. Trabalhou pontualmente desde os 17 anos de idade. À data dos
factos estava desempregada. Iniciou o consumo de substâncias
estupefacientes em finais de 2016 e, desde então, o seu percurso de vida foi
determinado pela adição, tendo integrado grupos de pares conotados com o
consumo e a comercialização de substâncias ilícitas. Em dezembro de 2019
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iniciou um acompanhamento terapêutico no CAT ....., tendo mantido, no
entanto, os consumos de cocaína, o que somente terminou com o início da
medida de coação aplicada nos autos. Mantém o acompanhamento terapêutico
na referida unidade de saúde. Tem cumprido a medida de coação vigente sem
incidentes. Nada consta do seu certificado do registo criminal.
2. o direito:
a) do excesso de pronúncia
A recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido imputando-lhe excesso de
pronúncia, por, em seu entender, conjeturar, na fundamentação, “sobre
provável viagem” em 9/09/2019, aludindo a um bilhete de avião «
possivelmente relacionado com o regresso», sem que conste dos factos
provados.
E também por conjeturar que a sua colaboração “foi cirúrgica, omitindo
deliberadamente factos (que o acórdão não concretiza), e que não alcançou
qualquer resultado pratico expressivo para além daquele que “a arguida
poderá ter equacionado como vantajoso”.
Estabelece o art. 379º n.º 1 al.ª c) do CPP que é nula a sentença quando o
tribunal “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Formula legal que consagra a nulidade da sentença ou acórdão por excesso de
pronúncia. Proíbe-se assim que o objeto do processo seja alargado
unilateralmente, agravando a sua responsabilidade penal, apenas na decisão
final do tribunal, obstando a que arguido possa ver-se confrontado com factos
ou crimes de que não vinha acusado ou pronunciado, nem pôde
satisfatoriamente defender-se, por falta de conhecimento atempado.
Excesso de pronúncia ocorre, então, quando a sentença extravasa a vinculação
temática do tribunal, estabelecida pela acusação ou pronúncia, pela
contestação e por questões de conhecimento oficioso convocadas pelos thema
probandum e decidendum. Se o Tribunal tem de conhecer e decidir sobre
todos os factos que conformam o objeto do processo, não pode conhecer de
factos diversos dos imputados ao arguido ou que este tenha alegado na defesa,
contanto intercedam diretamente como os factos de que vem acusado.
Na jurisprudência do STJ, “excesso de pronúncia significa que o Tribunal
conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não
compreendida no objeto” do processo. “O conhecimento proibido é o que
resulte de decisão não compreendida”[1] pelas concretas questões de facto e
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de direito submetidas a julgamento.
Assente nesta interpretação, adianta-se que a argumentação da recorrente é
manifestamente infundada.
No acórdão recorrido, da facticidade assente constam 4 viagens aéreas da
arguida para ....... transportando estupefaciente/s: uma em data não
concretamente apurada do ano de 2017; outra em 06.09.2019; outra em
06.01.2020 e a última em 01.02.2020.
Da alínea h) da decisão em matéria de facto consta que o tribunal julgou
não provado que a arguida efetuou, “entre outras, viagens ocorridas em
12.02.2018, 12.06.2018, 07.11.2018, 29.12.2018, 29.01.2019, 16.04.2019,
28.06.2019, 10.08.2019 e 23.11.2019 – , transportando consigo, em cada uma
dessas ocasiões, cerca de 6 kgs de canabis-resina e/ou pelo menos 120 gramas
de cocaína e/ou heroína”.
Estas – como as que o tribunal julgou provadas - eram viagens que a
acusação do Ministério Público imputava à arguida, nas quais teria
transportando estupefacientes entre o continente e ...... Isto é, imputando-lhe
em cada uma, concretos e especificados atos de tráfico na modalidade
denominada por «correio de drogas».
Incontestavelmente que a recorrente não visa a decisão da facticidade julgada
provada e não provada. Reporta-se, claramente, ao § 4 da motivação da
decisão da matéria de facto na parte em que do mesmo consta: “de todas
estas mencionadas viagens – dez, no total, excluindo as viagens de 2017 e de
01.02.2020 – é possível estabelecer, com segurança, a ligação ao transporte de
dinheiro (e, com isto, presumidamente ao transporte de droga a montante,
conforme o modus operandi descrito pela arguida) em duas dessas ocasiões,
atento o vídeo e as imagens de 07.01.2020 (fls. 192 e 193), onde a arguida
também surge, e de 09.09.2019, onde se veem garrafas de licores típicos e
produzidos na ilha, e que, num caso e noutro, evidenciam uma quantidade
avultada de dinheiro, precisamente nas cit. datas em que se encontrava em
..........”.
É certo que da acusação não consta que a arguida tenha efetuado, em
09.09.2019. viagem aérea para ............, transportando estupefacientes.
Imputou-lhe e resultou provado no acórdão recorrido ter efetuado viagem área
…….-............ em 06.09.2019.
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Como justificar então que, não constando da acusação nem da facticidade
provada (e não provada), na motivação da decisão da matéria de facto se dê
como assente ter viajado no dia 09.09.2019, “presumidamente” transportando
“droga”?
Explica-se por duas razões: ---------------------
- a primeira, porque a motivação da decisão da matéria de facto não foi tão
clara e explicita quanto se lhe exigia. Embora deixe implícito que essa viagem
da arguida em 09.09.2019, foi de regresso ao continente, porque tem outra “a
montante” (e, complementarmente, porque aparece nas imagens e vídeos com
“garrafas de licores típicos e outros produtos da ilha”), deveria ter completado
a exposição do raciocínio lógico subjacente, esclarecendo que a viagem de ida,
efetuada entre …. e ........, foi, - só poderia ter sido - a realizada três dias antes,
em 6.09.2029, na qual a arguida transportou estupefacientes para a ilha de
....... (conforme consta dos factos provados);
- a segunda, pela leitura truncada daquele trecho da motivação da decisão
recorrida que a recorrente propositadamente faz, olvidando-se da ali
mencionada viagem “a montante” para poder invocar excesso de pronúncia,
com o fundamento que aduz em primeiro lugar (em síntese: que da acusação
não consta viagem de ida a 09.09.2019).
Se o Tribunal poderia ter sido mais explicito, enunciando claramente que a
viagem daquele dia 9 foi regresso a ….., assim completando o percurso de ida
e volta, na qual a ida tinha sido dia 6 (três dias antes), certo é que a
recorrente compreendeu bem que subjacente ao expressado no acórdão
recorrido está o raciocínio lógico assente na consideração de que nessa
viagem a “montante”, transportou estupefacientes para .... .
De qualquer modo, mesmo na leitura sincopada da recorrente, a haver algum
defeito, não seria, certamente, a nulidade da decisão recorrida por excesso de
pronúncia, porque o tribunal não julgou provado que em tal viagem a arguida
tivesse transportado estupefacientes. Essa viagem e, sobretudo, os artigos que
a arguida trazia (no regresso ao continente), evidenciando possuir “uma
quantidade avultada de dinheiro”, levaram ou coadjuvaram o tribunal coletivo
a convencer-se que na viagem “a montante” – a efetuada em 06.09.2019 –
tinha transportado estupefacientes para ............. Em outro registo, aquela
viagem e, sobremaneira, os licores e produtos da ilha que nela trazia (no
regresso), - sendo, evidentemente, factos -, serviram aqui de prova indireta ou
indiciária para, num raciocínio logicamente razoável, concluir que a arguida
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tinha, com a mesma, conseguido montante monetário avultado, proveniente do
serviço de «correio de droga» levado a cabo na viagem de ida (a tal a
montante), realizada no terceiro dia antecedente, em dia 6.09.2019.
Não se está, pois, perante factos que tenham sido acrescentados pelo tribunal
ao objeto do processo definido pela acusação. A arguida não foi condenada por
transportar estupefacientes na viagem de regresso ...... -….. realizada em
09.09.2019. São factos meramente probatórios que influíram, sobremaneira,
na formação da convicção do tribunal, motivando a decisão de julgar provado
que a arguida, na viagem de ida, entre ….. e ......, havida em 6 de setembro de
2019, transportou estupefacientes.
Facto meramente probatório e objeto do processo, são entidades
juridicamente distintas. Quanto ao objeto do processo já se disse o suficiente.
A prova, de qualquer espécie, visa demonstrar – ou infirmar – o objeto do
processo, isto é, os factos que integram os elementos constitutivos de um
crime e os pressupostos da responsabilidade do agente.
Deste modo, com mais ou menos explicitação da decisão relativamente à prova
ou à afirmação de que se comprovaram as viagens efetivamente efetuadas
pela arguida para ....., umas sem transportar estupefaciente e outras levando-o
nos termos descritos na matéria de facto assente, é incontestável que o
acórdão recorrido não alargou o objeto do processo. Na viagem aérea de
9.09.2019, a que se refere a recorrente, de volta ao continente, não se julgou
provado que a arguida tenha transportado estupefacientes. Ou seja, da
realização dessa viagem - que não consta dos factos julgados provados (nem
dos julgados não provados), mas que na motivação da decisão em matéria de
facto se conclui ter sido efetuada -, não se extraíram quaisquer consequências
jurídicas para a responsabilização e punição da arguida. Serviu simplesmente
de dado de facto que influiu na formação da convicção do tribunal. Pelo que a
questão colocada pela recorrente só poderia dilucidar-se no âmbito da
validade (em sentido amplo) da prova e não, apropriadamente, em termos de
excesso de pronúncia.
Quanto ao outro segmento desta parte da argumentação da recorrente –
respeitante à avaliação da extensão e sinceridade da confissão -, não se
compreende em que se poderia consubstanciar excesso de pronúncia. Neste
aspeto a recorrente, questiona o exame crítico efetuado pelo Tribunal
enunciado no §12.5 da motivação da decisão recorrida, na qual se
fundamenta a escolha e medida da pena. A recorrente não ignora, certamente,
que a valoração das suas declarações, que não foram prestadas na audiência
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de julgamento nos termos do art. 344º n.º 2 do CPP, estão submetidas ao
regime de valoração probatório consagrado no art.º 127º do mesmo Código.
Outro tanto sucede com a valoração da postura processual que decidiu
assumir e manter. Pelo que, nada adiante pretender aqui, em recurso restrito
à matéria de direito, sobrepor a sua própria e interessada avaliação das
próprias declarações e da conduta assumida na audiência, ao juízo que desses
mesmos elementos de prova efetuou o tribunal. A discordância da convicção e
da avaliação não tem cobertura na norma processual penal convocada pela
arguida, nem pode fundamentar recurso perante o STJ.
Não enferma, pois, o acórdão recorrido da arguida nulidade por excesso de
pronúncia.
Assim, por infundada, improcede esta pretensão da recorrente.
b) da nulidade (da prova informática):
i. argumentação da recorrente:
A recorrente argui a nulidade – que qualifica “insanável e insuprível” - da
busca efetuada ao telemóvel que lhe foi apreendido, sem que tenha sido
observado o disposto nos arts. 174.º n.º 6 do CPP e 16.º n.º 4 da Lei 109/2009,
ainda que radicando em não ter sido validada por juiz de instrução.
Argumenta que a valoração, pelo tribunal de julgamento, dos dados assim
obtidos, traduziu-se na utilização de prova proibida, catalogada “no art.º 126º
n.º 2 a), in fine, do CPP.”.
Em síntese, questiona a admissibilidade da prova obtida na pesquisa efetuada
nos telemóveis que lhe foram apreendidos, insurgindo-se, não diretamente
contra a pesquisa – porque livremente consentida -, mas em razão da não
sujeição da apreensão dos dados assim obtidos a validação pelo juiz de
instrução.
A solução para o caso tem como pressuposto incontornável, o consentimento
da arguida, livre e documentado, na pesquisa e, concomitantemente, não
configurar uma situação de violação – intolerável e desproporcionada – de
direitos fundamentais catalogados na norma do n.º 8 do art. 32º da
Constituição da República.
Todavia, se bem que não tratadas autonomamente pela recorrente, são duas e
diversas as questões suscitadas:
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- a primeira, consistente na validade da pesquisa (que a recorrente qualifica,
impropriamente, de “busca”) nos seus telemóveis;
- a segunda, centrada na validação da apreensão, comportando três vertentes
distintas consistentes em: determinar:
- qual a autoridade judiciaria competente para validar a apreensão efetuada
pelo OPC;
. saber se a validação pode ocorrer tacitamente;
- as consequências processuais da não validação da apreensão.
ii. na decisão recorrida:
O acórdão recorrido, apreciando e decidindo a arguição da nulidade,
considerou tratar-se da apreensão de dados “inscritos e operando através de
sistemas informáticos”, submetidos à disciplina da Lei do Cibercrime.
Constatou que “as buscas foram consentidas” pela arguida, sendo, por isso,
legais, assim como a apreensão dos telemóveis e a pesquisa de “dados
informáticos - no caso, vídeos, fotografias, chat no facebook e sms” -, que
armazenavam. Expendendo que “embora devessem ter sido sujeitas a
validação pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72 horas (…), o que,
(…), não teve lugar”, conclui tratar-se de “inobservância de formalidade legal
”, considerando ser vício gerador de mera irregularidade, que ficou sanada
por não ter sido tempestivamente deduzida.
Resultado – que não o entendimento subjacente - que, embora carecendo de
aperfeiçoamento terminológico, imposto pelo regime processual especial
aplicável. no essencial, - ademais de encontrar apoio jurisprudencial -, se tem
por fundado, mas, com a correção de a invalidade resultante da não validação
da apreensão dos dados informáticos em causa configurar a nulidade
cominada no art. 120º n.º 2 al.ª c) do CPP e não, portanto, mera
irregularidade. Todavia, a conclusão no caso é a mesma, tendo resultado
sanada por não arguição tempestiva – cfr. art.º 120º n.º 3 al.ª c) do CPP.
Vejamos:
iii. regime processual especial:
Assinala-se que o próprio legislador entendeu por bem advertir expressamente
que “as leis modernas têm que tratar de forma adequada as novas realidades
criminógenas, incriminando-as e dotando as entidades competentes das
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ferramentas necessárias à sua investigação e julgamento”. Por isso, “a
adopção, para a investigação de crimes informáticos, de medidas processuais
especiais, significa necessariamente uma compressão das liberdades dos
cidadãos no ciberespaço”[2].
Como entendeu, corretamente, o Tribunal recorrido, o procedimento da
pesquisa e da apreensão de dados armazenados nos telemóveis da arguida é
especialmente regulado pela Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro, doravante
Lei do Cibercrime. Pelo que, a situação concreta em apreço rege-se pelo
disposto nas seguintes normas legais (que, de passo, vamos comparando com
o regime adjetivo penal geral):
- art. 11º n.º 1 al.ª c) – porque o crime em investigação e pelo qual a arguida
vem condenada, - tráfico de estupefacientes, cometido na modalidade
habitualmente designada por «correio de droga» -, demandava que se
procedesse à pesquisa e recolha de prova em suporte eletrónico,
concretamente em dados armazenados nos telemóveis (três) que lhe foram
apreendidos;
- art. 15.º n.ºs 1 e 3 al.ª a) – na parte em que estabelece (sublinha-se para
realçar): “quando no decurso do processo se tornar necessário à produção de
prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos
específicos e determinados, armazenados num determinado sistema
informático”, “o órgão de polícia criminal pode proceder à pesquisa, sem
prévia autorização da autoridade judiciária, quando a mesma for
voluntariamente consentida por quem tiver a disponibilidade ou controlo
desses dados, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma,
documentado – e n.º 6 – que manda aplicar à pesquisa, “com as necessárias
adaptações, as regras de execução das buscas previstas no Código de
Processo Penal” (pautadas nos arts. 176º e 177º);
- art. 16.º n.º 2 – na parte que dispõe: “quando, no decurso de uma pesquisa
informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem
encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de
prova, tendo em vista a descoberta da verdade” “o órgão de polícia criminal
pode efetuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no
decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos
termos do artigo anterior” – e n.º 4 – estatuindo “as apreensões efetuadas por
órgão de polícia criminal são sempre sujeitas a validação pela autoridade
judiciária, no prazo máximo de 72 horas”; e
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- art. 17º, dispondo: “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou
outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados,
armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o
acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou
registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou
ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande
interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se
correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no
Código de Processo Penal” - nos arts. 179º e 252º.
iv. pesquisa consentida:
Na hermenêutica jurídica do regime processual especial – cfr. art.º 1º -, da Lei
do Cibercrime, bem assim como na sua própria expressão normativa, a
tradicional busca (de coisas, objetos ou animais relacionados com o crime, do
arguido ou de outras pessoas – art.º 174º n.º 2) do regime adjetivo penal geral,
foi adaptada[3], dando lugar ao instituto etimologicamente mais adequado,
mas também mais expedito, que em terminologia cibernética se identifica por
pesquisa em sistemas informáticos da representação de factos, informações
ou conceitos sob uma forma suscetível de processamento naqueles sistemas,
incluindo os programas aptos a faze-lo executar uma função. Pesquisa que
mais não é que procurar de dados, específicos e determinados, armazenados
num sistema informático.
No que releva para a economia da questão sub judicio, a referida pesquisa
(não, portanto, “busca”), quando livremente consentida, - consentimento
necessariamente documentado - por quem for o titular ou tiver a
disponibilidade ou controlo desses dados, pode ser efetuada por OPC, não
carecendo de autorização da autoridade judiciária. À semelhança, aliás, da
busca do regime processual comum, conforme estatuem os art.º 174º n.º 5 al.ª
b), 177º n.º 3 al.ª a) e 251º n.º 1, do CPP. Assim, sempre que seja necessária à
produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, pode o OPC,
obtido consentimento livre - com registo documentado -, de quem tem o
respetivo domínio ou disponibilidade, pesquisar dados específicos e
determinados armazenados no correspondente suporte informático (incluindo
dispositivos como os telemóveis)[4]. Como sucedeu no caso dos autos. O
consentimento na pesquisa dispensa, salvo disposição em contrário, o controlo
e validação posterior da autoridade judiciária, porque, nessas circunstâncias,
a intromissão na privacidade ou na correspondência do titular dos
correspondentes direitos fundamentais não é abusiva. Não é diverso o regime
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processual comum – art.º 174º n.º n.º 5 al.ª b) e n.º 6 (este à contrário) do
CPP.
A pesquisa consentida não dispensa a elaboração de relatório com a menção,
resumida, das pesquisas levadas a cabo, dos resultados obtidos, com a
descrição dos factos apurados e a indicação das provas recolhidas – art. 15º
n.º 4 al.ª b) da Lei do Cibercrime – e o seu envio à autoridade judiciária
competente. Igual procedimento se prescreve para a busca prevista no CPP –
cfr art. 253º n.º 1 do CPP.
A circunstância de o crime em investigação se incluir no catálogo do art.º 15
n.º 4 al.ª b) da Lei do Cibercrime – no caso criminalidade altamente
organizada -, não exclui o consentimento voluntário na pesquisa de dados
informáticos. E, consequentemente, não convoca a aplicação do regime
consagrado no art.º 15º n.º 4 al.ª a) da lei do Cibercrime. Este regime opera
apenas quando a pesquisa não seja consentida e não tenha sido previamente
autorizada pela autoridade judiciária competente.
Se à pesquisa não consentida de dados informáticos armazenados se aplicam
as regras de execução das buscas previstas no CPP, não assim os requisitos.
Os pressupostos da pesquisa de dados informáticos estão vertidos no art.º 11º
n.º 1 e 15º n.º 1 da Lei do Cibercrime.
No caso, a pesquisa de dados, efetuada pelo OPC nos telemóveis da arguida,
porque consentida pela própria (mediante consentimento documentado por
escrito), foi licitamente executada, não padecendo de qualquer invalidade ou
irregularidade.
O facto de se tratar de chats[5] e sms[6], em suma, de comunicações
eletrónicas (que podem incluir textos, imagens, vídeos, áudios, etc.) não obsta
a que o respetivo emissor ou o destinatário, conforme for o caso, consinta,
livremente, na respetiva pesquisa. Nada alterando porque, conforme
brevemente sinaliza o acórdão recorrido, não se trata da interceção de
comunicações que estão ou vão efetuar-se ou de correio eletrónico expedido,
mas ainda não aberto.
Sem olvidar o consentimento, nota-se que as comunicações eletrónicas são
praticamente instantâneas. Logo que redigidas e editadas ou enviadas ficam
imediatamente armazenadas no sistema informático operativo utilizado
(fornecido pelo servidor) e logo colocadas – e assim recebidas - no endereço
eletrónico do utilizador a quem se dirigem. Abrindo o destinatário o sistema
respetivo, ficam imediatamente visíveis, audíveis ou legíveis. Acresce que as
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conversações e publicações em redes sociais são, por regra, públicas porque
imediatamente acessíveis a um número mais ou menos amplo de
frequentadores (sendo esse, por norma, o seu próprio objetivo).
Conforme sustenta Santos Cabral “há uma diferença fundamental entre
intromissão nas telecomunicações, a que se destinam os artigos 188º e 189º e
o acesso a documentos que estão gravados em computadores e outros meios
digitais”. Citando Costa Andrade, expende “a tutela jurídica das
comunicações radica na «especifica situação de perigo criada no facto de a
comunicação estar exposta ao domínio e à heteronomia de um sistema de
telecomunicações (…). Assim, quando a mensagem comunicacional atinge a
esfera de domínio do destinatário, este deixa de estar na mencionada situação
de perigo (…)». Neste momento, no caso de comunicações eletrónicas, «o
destinatário passa a dispor de meios de autotutela (…)». Significa o exposto
que a equiparação de regimes se fundamenta no processo de comunicação à
distância, pelo que a mesma deve subsistir até ao momento em que a
mensagem é recebida e lida pelo destinatário. Quando o e-mail já foi recebido,
lido e guardado no computador do destinatário, deixa automaticamente de
poder ser entendido como telecomunicação, «passando a valer como um
normal escrito», estando assim sujeito ao regime de qualquer ficheiro
produzido e arquivado no computador (…)[7].
Concluindo: “estamos em crer que a interpretação mais adequada do
normativo em causa, e justificada pela sua razão teleológica, implica a
conclusão de que, em relação à comunicação eletrónica que foi aberta, (…)
entende-se que toda a correspondência já aberta pelo seu destinatário passa a
ter a natureza de documento (…)[8].
No caso, a pesquisa nos telemóveis apreendidos à arguida foi livremente
consentida pela própria e não vem alegado nem demonstrado que os dados
eletrónicos pesquisados pelo OPC não tivessem sido, anteriormente, expedidos
(os que a própria enviou, independentemente de terem ou não sido recebidos
pelos destinatários), abertos e lidos. Nada há, pois, a apontar à referida
pesquisa assim consentida.
Certamente percebendo que assim sucede, a recorrente alega a invalidade da
apreensão, com fundamento na não validação pelo juiz de instrução.
v. da apreensão de dados:
Rememora-se que na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII
(que esteve na base da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, que alterou o CPP),
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justificou-se a alteração do “regime de apreensões, enquanto meio de
obtenção de prova (…) tendo em vista, por um lado, uma maior eficiência no
combate do crime e, por outro lado, a necessidade de reforçar a tutela do
direito de propriedade enquanto direito fundamental. Embora sem pôr em
causa a sua natureza, permite-se que a medida possa ser levada a efeito por
órgãos de polícia criminal no decurso de revistas ou buscas ou em caso de
urgência ou perigo na demora, conferindo, por esta forma, maior
exequibilidade às medidas de polícia; porém, exige-se, neste caso, a sua
validação por autoridade judiciária, no prazo de setenta e duas horas”.
No regime processual especial da Lei do Cibercrime, o OPC pode, no decurso
de pesquisa informática, legitimamente executada, - designadamente
mediante consentimento voluntário documentado -, apreender para os autos
dados ou documentos informáticos, em suma, prova eletrónica necessária à
demonstração de um crime e do seu agente, também sem prévia autorização
da autoridade judiciária – art. 16º n.º 2. Quando assim suceder, o OPC tem
sempre de submeter a apreensão efetuada a validação da autoridade
judiciária competente no prazo máximo de 72 horas. Com a diferença do
advérbio sempre, também no regime processual penal comum tem de
submeter-se a validação da autoridade judiciária a apreensão de instrumentos,
produtos ou vantagens e demais objetos relacionados com a prática do facto
ilícito típico, regulada no art.º 178º do CPP - cfr. n.ºs 3 e 6.
vi. autoridade judiciária competente:
Na construção da recorrente, competiria exclusivamente ao juiz de instrução
validar a apreensão dos dados informáticos pesquisados e apreendidos nos
telemóveis que lhe foram encontrados quando detida em flagrante.
Considerando os dados apreendidos, não tem razão.
O regime processual especial do cibercrime – identicamente ao regime
adjetivo criminal geral - prescreve formalidades diferenciadas, cuja
inobservância desencadeia consequências jurídico-processuais diversas
conforme a especificidade do conteúdo dos dados informáticos apreendidos.
Quando são apreendidos dados ou documentos informáticos com conteúdo
suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a
privacidade do titular ou de terceiro são, sob pena de nulidade,
apresentados ao juiz, que ponderará da sua junção aos autos tendo em conta
os interesses do caso – art 16º n.º 3.
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Nestas situações, a intervenção do juiz impõe-se pela necessidade de
acautelar direitos fundamentais do arguido ou de terceiros, entre os quais
avultam a liberdade e a intimidade da vida privada. Consagra-se assim uma
reserva absoluta de juiz, justificada pela necessidade de proteção efetiva dos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, contra a apreensão de dados ou
documentos que, atento a especificidade do respetivo conteúdo, os podem
aviltar irreparavelmente.
Diversamente, estabelece o n.º 4 que apreendendo o OPC dados informáticos
cujo conteúdo não “seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que
possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro”, tem
sempre de submeter a apreensão a validação da autoridade judiciaria
competente, no prazo máximo de 72 horas.
Autoridades judiciárias são, na definição legal – art.º 1º al.ª b) do CPP -, o juiz,
o juiz de instrução, mas também o magistrado do Ministério Público na fase de
inquérito, relativamente aos atos processuais que a lei não reserve para o juiz
de instrução.
Conforme entende este Supremo Tribunal e se acentua no acórdão n-º
387/2019 do Tribunal Constitucional, citando o Acórdão n.º 395/2004, 2.ª
Secção, ponto 8.1., «a intervenção do juiz na fase do inquérito preliminar
apenas é reclamada para acautelar a defesa dos direitos fundamentais dos
sujeitos processuais ou de terceiros relativamente àqueles atos processuais
que a podem pôr em causa. Com o rigor de alguma síntese, pode afirmar-se
que o juiz de instrução é, na fase do inquérito, um órgão que está vocacionado
essencialmente para o acautelamento dos direitos fundamentais, entre os
quais avultam a liberdade, a segurança, a reserva de intimidade da vida
privada. É o que se poderia apelidar de Juiz das Garantias. Nesta senda, não
se vê, na linha de fundamentação expendida, que o juiz de instrução haja de
interferir na realização dos atos do inquérito cuja direção está
constitucionalmente cometida ao Ministério Público, fora do quadro de atos
que são potencialmente lesivos de direitos fundamentais ou do controlo de
atos cuja prática a lei processual preveja como obrigatória». A reserva de juiz
comprime, portanto, a reserva do Ministério Público na direção do inquérito.
Uma tal compressão só encontra, porém, justificação na medida do necessário
para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos
(sobre esta ponderação, vide Acórdão n.º 474/2012, 1.ª Secção, ponto 9.3.2.)”.
Doutrina aplicável, evidentemente, ao regime processual estabelecido na lei
do cibercrime e, consequentemente, no vertente caso. A letra da lei não deixa
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margem para diferente leitura: o Ministério Público é, na definição do
legislador uma autoridade judiciária no inquérito. Consequentemente, onde a
lei manda sujeitar a apreensão efetuada pelo OPC, nessa fase, a validação sem
indicar expressamente o juiz, quer dizer que é um ato processual de inquérito
da competência do Ministério Público.
No caso, porque não vem alegado pela recorrente nem se apura que os dados
ou documentos informáticos apreendidos nos seus telemóveis tenham
conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam por com
causa a sua privacidade ou de terceiro, a validação, obrigatória, da apreensão
competia à Procuradora da República que dirigiu o inquérito.
A apreensão somente teria, - então necessariamente -, de sujeitar-se a
validação do juiz de instrução se os dados ou documentos informáticos
apreendidos tivessem conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou
íntimos que pudessem respeitar à privacidade da arguida ou de terceiros. A
omissão do correspondente ato processual fulminaria a apreensão de nulidade
– art. 16º n.º 3 da Lei do Cibercrime – e a correspondente prova seria proibida.
Nesta norma disciplina-se a admissão de provas com aquele conteúdo
fortemente intrusivo da reserva da intimidade e da privacidade, não apenas a
mera validação da apreensão dos dados e documentos informáticos. A
intervenção judicial é obrigatória porque indispensável para resolver o conflito
entre, por um lado, os referidos direitos fundamentais devassados e, pelo
outro lado os interesses da investigação. Quando os dados ou documentos
informáticos contiverem qualquer representação de factos, informações ou
conceitos com aquele conteúdo somente o juiz de instrução pode, em
inquérito, decidir que sejam – ou não - admitidos nos autos. Sem essa
ponderação e a decisão judicial de validação da apreensão dos dados pessoais
ou íntimos, a intromissão do OPC e do Ministério Publico na vida privada ou
na correspondência do arguido, carece de suporte legal e judicial, sendo, por
isso abusiva, utilizando a expressão da norma constitucional citada. Pelo que,
a prova assim obtida não poderá valorar-se no processo penal, porque
proibida. Consequentemente, a nulidade resultante da não apresentação ao
juiz de instrução dos dados e documentos apreendidos em suporte ou sistema
informático, que tivessem aquele conteúdo particular, consubstanciaria, a
proibição de obtenção de prova, estatuída nos arts. 32º n.º 8 da Constituição
da República e 126º do CPP.
Conforme se entende e sustenta Helena Morão “a proibição de prova em
sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela
norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um
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dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art. 32/8 da Lei Fundamental e
que o artigo 126 do Código de Processo Penal manteve, sem alargar. Não
basta a mera violação de uma proibição legal em matéria probatória como na
lei italiana, nem a violação de um qualquer direito fundamental, como na lei
espanhola”.
Apontando que “o critério fundamental é o da afectação do núcleo valorativo
dos direitos elencados no artigo 32/8 da Lei Fundamental”[9].
v. a apreensão no caso:
No caso, a recorrente, repete-se, não alega a pessoalidade ou intimidade dos
dados – máxime fotografias, vídeos, chats no facebook e sms - que o OPC
apreendeu nos seus telemóveis, nem se extrai da facticidade provada, nem da
motivação da decisão em matéria de facto que os dados apreendidos e
utilizados como elemento de prova tenham aquele específico conteúdo. Ainda
que tivessem, não poderia ignorar-se que a arguida consentiu que o OPC os
pesquisasse e os recolhesse como elementos de prova para os autos. A provas
obtidas com intromissão na vida privada, na correspondência e nas
telecomunicações não são nulas – não são obtidas por método proibido -
sempre que o seu titular nisso consinta, livre e esclarecidamente - art.º 126º
n.º 3 do CPP. Se o titular os disponibiliza, consentindo na pesquisa, não advêm
de “abusiva intromissão” naqueles direitos fundamentais. A mesma norma da
Lei Fundamental – art.º 32º n.º 8 - que estabelece a inviolabilidade absoluta e
inalienável do direito à integridade pessoal, proibindo as provas obtidas
mediante tortura ou ofensa física ou moral e também o direito à liberdade
pessoal, fulminando com a mesma consequência as provas obtidas mediante
coação, admite, inequivocamente, a possibilidade de intromissão não abusiva
na reserva da intimidade da vida privada, no domicilio e na correspondência.
Não pode, pois, ter-se por abusiva a intromissão quando seja consentida pelo
titular do correspondente direito fundamental, esteja expressamente prevista
na lei, seja autorizada pelo juiz ou por autoridade judiciária nos termos legais,
contanto se revele necessária e não seja desproporcionada.
Conclui-se, por conseguinte, que à apreensão dos dados informáticos nos
telemóveis da arguida não se aplica a nulidade cominada no art.º 16º n.º 3 da
Lei do Cibercrime e, por conseguinte, não se está perante prova proibida.
vi. nulidade sanável:
O n.º 4 do art.º 16º da lei do Cibercrime, diversamente do n.º 3, mas
identicamente à norma “paralela” do regime do processo penal - art. 178º n.º
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6 do CPP - não comina, expressamente, a nulidade para a omissão da prática
do ato processual consistente na não sujeição a validação da apreensão
efetuada pelo OPC, de dados apreendidos em pesquisa efetuada em suportes
informáticos. A única dissemelhança entre o texto das duas normas é,
conforme assinalado. o advérbio “sempre” que consta da primeira e não da
segunda. Contudo, a obrigatoriedade de sujeição a validação da apreensão é
obrigatória nos dois regimes. Sendo idêntica a consequência jurídica da sua
inobservância: a nulidade consagrada no art. 120º n.º 2 al.ª d) do CPP[10]. A
validação, pela autoridade judiciária competente, da apreensão de dados ou
documentos informáticos é imposta por lei, sendo, por isso um ato obrigatório
do inquérito[11]. A omissão da prática de atos legalmente obrigatórios, gera a
insuficiência do inquérito. Insuficiência que é sancionada com a nulidade ali
consagrada.
Essa, como as demais nulidades previstas no art. 120º do CPP, resultará
sanada se não for arguida nos termos estabelecidos no respetivo n.º 3 al.ª c),
ou seja, até ao 5º dia posterior à notificação da acusação[12].
vii. da (não) validação da apreensão:
A recorrente, questionando a não validação (expressa), pela autoridade
judiciária, da apreensão dos dados informáticos – dos vídeos, fotografias, chats
no facebook e sms[13] - armazenados nos telemóveis que levava consigo e que
OPC – no caso a PJ -, pesquisou, com o seu consentimento (documentado),
naqueles suportes, qualifica-a de nulidade e ao mesmo tempo, de prova
proibida,
No § 2.1 da motivação do acórdão recorrido expende-se que aquelas
apreensões não foram sujeitas “a validação pela autoridade judiciária no prazo
máximo de 72 horas (art. 16º nº 4 do cit. diploma)”. Asserção, todavia,
desconforme com a realidade processualmente documentada. (Advertindo-se
que ao entrar neste domínio não está o Supremo Tribunal a extravasar os
respetivos poderes de cognição porquanto a questão respeita tão-somente à
fundamentação, ainda que da decisão em matéria de facto. De outra
perspetiva, a facticidade que o tribunal recorrido julgou provada e não
provada mantém-se imutável. A visitação à tramitação processual é
imprescindível porque demandada pela alegação da recorrente de que uma
concreta e determinada prova (eletrónica) não podia ter sido valorado
porquanto, na sua perspetiva, foi obtida por meio absolutamente proibido.
Saber se um meio de obtenção de prova é – ou não – proibido consubstancia,
evidentemente, uma questão de direito).
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Documentam os autos que as apreensões (todas, ainda que genericamente)
efetuadas pelo OPC à arguida aqui recorrente foram sujeitas a validação pela
Magistrada do Ministério Público titular do inquérito no prazo legalmente
prescrito. Procuradora da República que, por despacho datado de 3.02.2020,
com a ref-ª 49281740, validou, “ao abrigo do disposto no artigo 178.º, n.ºs 1, 3
e 5 do Código de Processo Penal, a apreensão do produto estupefaciente e
demais objetos, relacionados no auto de apreensão de fls. 10“. Sem dúvida que
o Ministério Publico -por razões que se desconhecem - não validou, como se
lhe impunha, a apreensão dos dados informáticos apreendidos e nem sequer
convocou o regime processual especial da respetiva apreensão e validação.
Contudo, no requerimento de apresentação da arguida a 1º interrogatório
judicial, o Ministério Público indica como elementos de prova, entre outros,
também os termos de consentimento na pesquisa em apreço. Posteriormente,
também os inclui como prova arrolada com a acusação.
No limite, poderia interpretar-se aquela primeira indicação como validação
tácita da apreensão dos dados informáticos, pesquisados e apreendidos em
2.02.2020, cerca de 24 horas antes, nos telemóveis da arguida.
Validação tácita, sem dúvida, irregular e, por isso, má prática, contra a qual a
arguida e o seu defensor poderiam ter reagido, arguindo, no prazo legalmente
estabelecido –art. 120º n.º 3 do CPP -, a nulidade da apreensão dos dados
informáticos em causa, perante o juiz de instrução. O que não fizeram.
A validação tácita da apreensão, nos termos referidos, colhe amparo em
jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Ac. de
20/09/2006 e no Ac. de 17/05/2007 (ainda que nenhum versando sobre a
validação da apreensão de dados informáticos). No segundo destes arestos,
versando sobre a validação, 8 dias após ter sido efetuada, «[d]a apreensão da
facturação detalhada do telefone móvel do arguido», considerou-se tratar-se
de mera irregularidade. Justificando, expendeu-se: “é consabido que para que
se verifique uma nulidade processual necessário se torna que a mesma esteja
prevista na lei (cf. artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Não o
estando, “(…) o acto ilegal é irregular” (cf. n.º 2 do artigo 118.º do referido
corpo de leis).
Contudo, lido cuidadosamente o artigo 178.º do Código de Processo Penal,
verifica-se que a violação de quaisquer dos seus ditames não envolve a
nulidade do acto, pelo que, à luz do artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo
Penal o acto ilegal seria somente irregular.
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É isso que se verifica com a situação do prazo das 72 horas, cominado no n.º 5
do referido artigo 178.º do Código de Processo Penal.”
Assim sendo, restaria ao recorrente invocar a invalidade do acto com
fundamento em irregularidade, nos termos do artigo 123.º do Código de
Processo Penal, o que, a acontecer, sempre seria manifestamente
extemporâneo, atento o regime da arguição em 3 dias, tal como resulta do seu
n.º 1”[14].
Também encontra conforto na jurisprudência do Tribunal Constitucional
que, no Ac. n.º 278/2007, decidiu “não julgar inconstitucionais as normas
constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do
Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca
domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização
judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da
prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de
qualquer pessoa, é de 48 horas o prazo para a comunicação ao juiz de
instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode
resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da
detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva”.
Jurisprudência que embora incidente sobre validação da busca domiciliária
efetuada pelo OPC, é extensiva, pelas mesmas razões de fundo, à validação da
apreensão de dados informáticos apreendidos pelo OPC em pesquisa
informática consentida, em que a intervenção, a posteriori, da autoridade
judiciária é justificada pela preocupação de controlar a legalidade da
diligência, em ordem a garantir direitos fundamentais, designadamente à
privacidade, intimidade e à inviolabilidade da correspondência, ou, por outras
palavras, em que a intervenção judiciária posterior é essencialmente
garantística, visando controlar a restrição ou violação de direitos
fundamentais – cfr Ac. n.º 114/95 do Tribunal Constitucional.
Reafirma-se que este Supremo Tribunal entende que a não validação, pelo
Ministério Público - autoridade judiciária competente em inquérito -, da
apreensão de dados ou documentos informáticos que não tenham conteúdo
suscetível de respeitar à privacidade ou intimidade, porque obrigatória – o
termo legal “sempre” não admite diferente leitura -, configura a nulidade
cominada no art.º 120º n.º 2 al.ª d) do CPP. que tinha de ser arguida nos
prazos estipulados no n.º 3.
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No caso, não tendo a arguida deduzido tempestivamente a nulidade resultante
da não validação expressa da apreensão dos dados informáticos armazenados
nos telemóveis que lhe foram apreendidos, não resta senão conclui que ficou
sanada.
Improcede, assim, a nulidade probatória arguida pela recorrente.
c) da atenuação especial da pena:
i. no art. 31º do DL 15/93:
A recorrente reclama a atenuação especial da pena, convocando o regime
consagrado no art. 31º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. Para tanto alega que
colaborou com a justiça, revelando “nomes, identidades concretas e reais,
situações e, até, reconhecimento de residências”, auxiliando “na recolha de
provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis”.
Em suma, pretende que ficou demonstrada postura processual que, todavia, a
facticidade provada não certifica. Da mesma consta que a arguida entregou a
terceiros os estupefacientes que transportou de ….. para ............ e que dos
mesmos recebeu quantias monetárias que entregou também a (outros)
terceiros. Não consta que tenha identificado e fornecido elementos de prova
que tenham permitido descobrir, perseguir e, o que era decisivo, condenar os
seus fornecedores e “clientes”.
Na motivação da decisão recorrida, refere-se que a arguida, na audiência de
discussão e julgamento, remeteu-se ao silêncio, conforme era seu direito,
assim inviabilizando a possibilidade de valoração das declarações
incriminatórias de outros coarguidos que tinha prestado no seu 1º
interrogatório judicial.
Consta que “alguma colaboração com a Polícia Judiciária em sede de
inquérito, (…) não foi de molde à responsabilização criminal dos demais
coarguidos””. “Ademais, (…) foi surgindo “a conta gotas” (…) e iniciou-se
numa altura em que, cronologicamente, já não era possível orquestrar a
“entrega vigiada” relativa ao transporte de 01.02.2020. Por seu turno, tal
colaboração foi cirúrgica naquilo que a arguida AA pretendeu dizer e naquilo
que deliberadamente pretendeu omitir (…), não tendo alcançado qualquer
resultado prático e expressivo para além daquilo que poderá ter equacionado
como vantajoso no contexto do seu estatuto coativo”. “Deste modo, e sem
deixar de relevar para a determinação concreta da pena, não se configura de
molde à atenuação especial da pena a que alude o art. 31º do cit. diploma, tal
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como pugnou nas suas alegações finais”.
Assinala-se que a lei é clara e expressa, condicionando a atenuação da pena a
aplicar ao arguido que cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, a que
o mesmo tenha auxiliado “concretamente as autoridades na recolha de provas
decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis,
particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações” – art.
31º do DL 15/93 cit. Sublinha-se “auxiliar concretamente” “na recolha de
provas decisivas”.
Não constando da decisão recorrida que a arguida tenha prestada colaboração
relevante na recolha de provas decisivas para a incriminação dos outros
elementos da mesma “rede” de fornecimento, transporte e entrega de
estupefacientes, em que serviu de “correio de droga”, falecem os pressupostos
indispensáveis para poder beneficiar da atenuação especial da pena
consagrada naquela norma legal.
ii. no art. 72º do CP:
A recorrente, em duas linhas, termina apelando também à atenuação especial
consagrada no art. 72º n.º 1 do Cód. Penal. Contudo não aponta, certamente
porque inexistentes nos factos provados, circunstâncias que pudessem
configurar o seu como um caso extraordinário, tão diferente do comum tráfico
na modalidade de “correio de droga” que, à luz da justiça, escaparia
completamente a normal previsão do legislador vertida no art.º 21º n.º 1 do
DL n.º 15/93 de 22 de janeiro.
Tem este Supremo Tribunal entendido que a atenuação especial da pena legal,
ou com mais propriedade, da moldura penal especialmente atenuada de um
crime, é uma “válvula de segurança” para funcionar “quando, em hipóteses
especiais, existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as
exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global
especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o
legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal
respetiva[15].
Estabelece o art. 72º n.º 1 do Cód. Penal que, “para além dos casos
expressamente previstos”, a substituição da moldura penal do tipo de ilícito
cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-
se quando, no caso concreto, concorram circunstâncias anteriores,
contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que
diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a
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necessidade da pena”.
Como acentua J. Figueiredo Dias “o princípio regulativo da aplicação do
regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da
ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena
e, portanto, das exigências de prevenção[16]”.
Doutrina e jurisprudência coincidem em que não é suficiente a verificação
num determinado caso, das circunstâncias indicativamente enunciadas pelo
legislador ou outras de igual densidade para que o tribunal deva atenuar
especialmente a pena estabelecida na norma citada. Decisiva é “a imagem
global do facto, a gravidade do crime como um todo”[17] ou a desnecessidade
da pena pela acentuada diminuição das exigências de prevenção geral de
integração.
Critério decisivo é que essas ou outras circunstâncias concorrentes, pela sua
especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente
diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade
da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito que o legislador definiu e que,
por isso, seria injusto punir dentro da sua já prevenidamente muito ampla
moldura penal
Estando fora de cogitação a subsunção do caso a qualquer das circunstâncias
enunciadas nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do art.º 72º citado, também não se
verifica a situação descrita na restante alínea – a c). A arguida nem tão-pouco
foi capaz de, em julgamento, ao menos reafirmar a confissão e de verbalizar
arrependimento. Evidentemente que do exercício do seu direito a não prestar
declarações não pode resultar qualquer prejuízo, mas também não pode
pretender que o tribunal retire do silêncio arrependimento e menos ainda que
o pudesse qualificar de sincero. Acresce que o arrependimento sincero não se
basta como seca verbalização. Deverá traduzir-se em atos como o
exemplificado na lei ou, por exemplo, com o abandono espontâneo da
atividade criminosa, complementado com a prestação de informações
concretas e relevantes para a apreensão do produto e vantagens do crime ou a
descoberta da verdade e, quando existam outros coarguidos, para não só a
indicação do nome destes como, sobretudo, para a contribuição decisiva para
que sejam descobertos e se reúnam provas decisivas para a sua punição.
Somente a comprovada concorrência de circunstâncias concretas pode, em
cada caso, demonstrar que aquele se afasta extraordinariamente do comum
dos casos abrangidos pela previsão do tipo legal. Que punir o crime cometido
pelo arguido com pena a fixar dentro da moldura penal estabelecida pelo
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legislador – tão ampla no tráfico que os limites da respetiva moldura distam
entre si 8 anos, sendo o máximo o triplo do mínimo – seria fortemente injusto
porque a ilicitude do facto, ou a culpa do agente são consideravelmente
diminuídas ou porque a pena se revela desnecessária. Pressupostos da
aplicação do instituto em apreço são a acentuada diminuição da ilicitude do
facto, da culpa ou da necessidade da pena, designadamente por as
circunstâncias especiais do caso revelarem forte abrandamento das exigências
de prevenção.
Na facticidade provada – e bem assim o que consta da decisão recorrida sobre
a motivação atinente à escolha e determinação da pena – não se encontram
circunstâncias “extraordinárias” que pudessem configuram os pressupostos
exigidos na lei para que pudesse operar a peticionada atenuação especial da
moldura penal do crime de tráfico p. e p. no art.º 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22
de janeiro. Ao invés, a concreta atuação da arguida – agiu com dolo direto e
intenso, com plena consciência da ilicitude dos factos -, o crime e o modo
como foi cometido demandam fortes necessidades de prevenção. Consiste num
vulgar caso de tráfico na modalidade de «correio de droga», em que se alguma
anormalidade se pode apontar até seria agravante, resultando da sua
repetição (quatro transportes) e do longo período de tempo em que foi
exercido (mais de 2 anos).
Por outro lado, tem-se por muito difícil que nos crimes de tráfico possa
atenuar-se especialmente a pena. Sumariamente pela própria “arquitetura” do
regime unitivo. O crime definido no tipo base, qualifica-se pela verificação de
factos que exponenciam a ilicitude do facto. Desqualifica quando a ilicitude da
“atividade global” se apresentar consideravelmente diminuída. Também
porque na qualificação bem como na desqualificação não intervêm
considerações atinentes à culpa do agente. Ainda porque a necessidade de
exercer um efeito dissuasor da prática de tais infrações, isto é, as
necessidades de prevenção especial positiva, são muito vivas. E, finalmente,
porque o legislador previu expressamente as situações em que a pena pode
ser especialmente atenuada – cfr. art. 31º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro.
Improcede, pois, por manifesta falta de fundamento factual e jurídico, a
pretendida atenuação especial da pena.
d) medida da pena:
A recorrente, alega a excessividade da pena de 6 anos de prisão em que está
condenada no acórdão recorrido, visando a sua redução através da atenuação
especial (como vem de tratar-se) de modo a fixar-se em 3 anos de prisão e, a
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final, a aplicação de pena suspensa.
Vejamos:
i. finalidade da pena
A moldura penal do crime de crime de tráfico (de estupefacientes e
substâncias psicotrópicas) previsto no artigo 21º, nº 1, do DL. nº 15/93, de
22/01, pelo qual a arguida vem condenado é de 4 a 12 anos de prisão
Encontrada a moldura penal (abstrata), o primeiro e decisivo fator a
considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é a
finalidade da punição, firmada no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da
pena visa a proteção do bem jurídico violado e a ressocialização do agente (n.º
1); e tem como limite inultrapassável “a medida da culpa” –n.º 2.
No Código Penal de 1982 não existia uma norma que direta e
autonomamente estatui-se sobre as “finalidades das penas”. Via-se então,
resumidamente, “a culpa como fundamento da pena”. Na introdução ao
referido Código Penal, ao mesmo tempo que se refutava a doutrina que
conferia “uma maior tónica à prevenção geral” porque, afinal, acabava
aceitando “inequivocamente a culpa como limite de pena”, afirmava-se que “
um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a
pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.”
Paradigma que o legislador do Código Penal de 1995 inverteu. Agora, “a
encimar o acervo de finalidades das penas que enuncia, coloca o artigo 40.º a
proteção de bens jurídicos”. Norma que o Presidente da Comissão Revisora
qualificou como paradigmático e que segundo o então deputado Costa
Andrade é marcante, “só ele a valer como um programa de política criminal”.
Ao princípio da vinculação à defesa de bens jurídicos aqui consagrado, subjaz
“a ideia de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, também, do n.°2 do
artigo 12.º da Constituição, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades
e garantias se limitarão «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos».
A Assembleia da República autorizou – Lei de autorização legislativa n.º
35/94 de 15 de setembro -,o Governo a alterar o Código Penal de 1982 de
modo a, além do mais, “introduzir como finalidades da aplicação das penas e
medidas de segurança a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente
na sociedade, bem como estabelecer, quanto à medida de segurança, a
proporcionalidade à gravidade do facto e subordinar a sua aplicação à
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perigosidade do agente; e, quanto à pena, consagrar o critério de que, em
caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa”.
Cumprindo esta incumbência, o legislador, na exposição de motivos do DL n.º
48/95 de 15 de março, plasmou clara e inequivocamente aquela solução, nos
seguintes termos: «Necessidade, proporcionalidade e adequação são os
princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável
à violação de um bem jurídico fundamental. De destacar, a este propósito, a
inovação constante do artigo 40.º ao consagrar que a finalidade a prosseguir
com as penas e medidas de segurança é "a proteção dos bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade".
Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão
dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos
tribunais critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na
escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz
constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa».
Como bem sintetiza jurisprudência deste Supremo Tribunal: “Está subjacente
ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida
em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim
preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”[18].
Não há, pois, razões plausíveis para discordar que no vigente regime penal, a
função primordial do direito penal é a de tutelar os bens jurídicos tipificados,
de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.
Em consonância, “as finalidades de aplicação de uma pena residem
primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na
reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode
ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside
a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que
também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida
da pena”[19].
Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena
judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos
bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do
qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz a
necessidade de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada
não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou
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prevenção de integração[20]”.
Sendo que “à proteção jurídico-penal há-de reportar-se àquilo que se entenda
relevante para a subsistência da comunidade ou, dito por outras palavras, há-
de reconhecer a natureza social do bem jurídico. Ele tem indefetível conexão
com a ideia de que nada é tão desvalioso como praticar «lesões insuportáveis
das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento
da personalidade de cada homem»[21].
Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena
judicial é também a culpa na execução do facto[22], estabelecendo o “teto” ou
limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à
«paz» comunitária a dignidade humana do agente. À culpa comete-se agora
uma “função politico-criminal de garantia dos cidadãos e não mais do que isso.
Entende-se que a pena não pode exorbitar a culpa, do mesmo passo que não
pode privar-se dela, como seu pressuposto”. Ou, nas sapientes palavras de
Costa Andrade: “por último, o terceiro axioma diz-nos que a culpa deve
persistir como pressuposto irrenunciável e como limite intransponível da
pena. A culpa não deve dar a medida da pena. A pena pode ficar aquém da
culpa, o que não pode é ultrapassá-la, até porque esta, (…) constitui um
«axioma antropológico» da ordem jurídico-constitucional portuguesa. Tem de
valer como limite, como barreira à instrumentalização do homem, em nome de
fins próprios da sociedade. Como garantia de que a racionalidade
instrumental, de que falava Max Weber, não vai dominar, absorver e sacrificar
inteiramente a racionalidade de valores de uma sociedade democrática.
Por respeito à exigência da culpa, o Código e o legislador penal português faz
eco daquela sábia advertência de Schiller, que já dizia ao príncipe:
«Desconfiai, nobre senhor, nem tudo aquilo que é útil ao Estado é
necessariamente justo». É o limite da culpa que garante que a prossecução de
tarefas e de metas legítimas, através do instrumento de conformação social
que é o Direito Penal, se faça com respeito pelas exigências inultrapassáveis
da justiça”.
Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação
da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na
sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização.
ii. outros fatores:
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O modelo define as linhas mestras ou parâmetros nos quais devem atuar as
“circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e a
prevenção”.
Por isso, o Código Penal, no art. 71.º estabelece que: “a determinação da
medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa
do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo o tribunal “a
todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a
favor do agente ou contra ele, considerando” as circunstâncias que enuncia,
exemplificativamente, nas alíneas do n.º 2, e que se reportam à culpa ou à
prevenção, às quais a doutrina adiciona outros fatores, designadamente
relativos à vitima[23].
Proibindo-se a valoração, nesta sede, de quaisquer circunstâncias que façam
parte do tipo de crime cometido pelo agente (proibição da dupla valoração). O
que “não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da
intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento do tipo”[24].
Fatores enunciados no art. 71.º n.º 2 que, grosso modo, podem respeitar:
- à execução do concreto facto cometido pelo agente, agrupando
circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídico-penal
cometida, que servem para caracterizar a medida da censurabilidade, e
(quando for o caso) o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- à personalidade do agente revelada no facto, agrupando as condições
pessoais, sociais e económicas, a sensibilidade à pena e à influência que esta
pode exercer, as qualidades da personalidade comparadas com as do «homem
fiel ao direito».
- à conduta anterior e posterior ao facto, agrupando a história vivencial e
criminal do agente e o comportamento posterior empreendido no sentido de
assumir as consequências do crime cometido e, estando ao seu alcance,
contribuir para que os comparticipantes não restem impunes e a “governar-
se” com o proventos ilícitos assim obtidos.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta que “para o efeito de
determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai
constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo
71.º do Código Penal (…), estando vinculado aos módulos-critérios de escolha
da pena constantes do preceito”.
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Sustenta também que tais critérios e circunstâncias “devem contribuir tanto
para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a
natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de
prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento
comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência
das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a
idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também
transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do
agente”[25].
Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de
concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e
proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser
necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de
forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a
decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das
operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que
devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de
fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação
dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da
moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro
da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do
quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou
a desproporção da quantificação efetuada»”.
No mesmo sentido conclui Souto de Moura[26]: “sempre que o procedimento
adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam
ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o
arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de
prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto
seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve
manter-se intocado”.
O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta
aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os fatores a
ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração
tabelada.
iii. no caso:
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A arguida cometeu um crime de tráfico de estupefacientes – de canábis e
cocaína - que é legalmente definido como criminalidade altamente organizada
–art. 1º al.ª m) do CPP.
O legislador entende que essa fenomenologia criminal provoca grave
danosidade social e forte alarme coletivo, demandando uma resposta jurídica
e judicial clarificadora e contundente.
O tráfico de estupefacientes põe em causa pilares essenciais da sociedade
entre eles a ordem pública e a segurança dos cidadãos. Concita uma
necessidade ingente de combate permanente. Do preambulo da Convenção
de 1961 consta que “a toxicomania é um flagelo para o indivíduo e constitui
um perigo económico e social para a humanidade”.
O tráfico de “drogas” representa não só uma grave ameaça para a saúde e
bem-estar dos indivíduos, provocando efeitos nocivos nas bases económicas,
culturais e políticas da sociedade, como também se interrelaciona com outras
atividades criminosas organizadas conexas que minam as bases de uma
economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos
Estados. É, muitas vezes uma atividade criminosa internacional, dirigia por
organizações criminosas transnacionais que visam obter avultados lucros
ilícitos e que diretamente ou no branqueamento, acabam invadindo,
contaminando e corrompendo as estruturas do Estado cuja eliminação exige
uma atenção permanente e a maior prioridade – Convenção de 1991.
O crime de tráfico é uma das infrações catalogadas no artigo 83.º do TFUE
(ex-artigo 31.º TUE) como “criminalidade particularmente grave com
dimensão transfronteiriça” que há “especial necessidade de combater, assente
em bases comuns”.
É, pois, um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidade de
proteção dos bens jurídicos tutelados, isto é, de prevenção geral de
integração. É uma atividade que reúne a quase universal postura de punição e
perseguição, como refletem diversas Convenções e Instrumentos
internacionais visando a sua repressão. O sentimento jurídico da comunidade
apela ao combate incessante e sem tréguas do tráfico de estupefacientes, pela
sua elevada frequência, por corromper, por vezes irreparavelmente, a saúde
mental e física dos próprios consumidores, com implicações graves ao nível
dos serviços de saúde pública e de assistência social, degradar a dignidade
humana dos consumo-dependentes, propiciar a propagação de doenças
infetocontagiosas graves ou incuráveis (hepatite, SIDA, tuberculose, doenças
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sexualmente transmissíveis), destruir a sua vivência socialmente útil e
laboralmente responsável, arruinar o sossego e harmonia das respetivas
famílias e, muitas vezes, também o património, fomentar fortemente a
criminalidade associada (furto, roubo, recetação, lenocínio, etc.).
Para determinar o grau da ilicitude e também a censurabilidade da conduta,
deve ponderar-se desde logo a quantidade e a qualidade do estupefaciente
traficado por refletirem o maior ou menor desvalor da conduta reprimida,
ilustrando bem a dimensão populacional dos potenciais compradores e
consumidores afetados e a maior potencialidade para afetação da saúde
pública. O resultado é irrelevante para a ilicitude na medida em que se trata
de um crime de mera atividade que se basta com o simples perigo abstrato.
Importando também o engenho e ousadia aplicados no processo executivo do
crime cometido.
Assim importa desde logo ponderar que a arguida traficou estupefacientes –
essencialmente canaábis mas também cocaína - em quantidades com
dimensão (transportava em cada viagem cerca de 6 quilogramas de canábis),
inserida em atividade organizada de tráfico, consistente em recolher o
estupefaciente, transporta-lo (de avião), para a região autónoma …, aí a
entregando a outros traficantes para a introdução e disseminação no “
mercado” daquela região.
A maior ou menor ousadia e sofisticação das referidas «operações», incluindo
as técnicas de «disfarce» para ocultar o transporte aéreo do estupefaciente
está, regra geral, conexionada com a preparação e eficiência da estrutura da
organização que o comanda ou, se exercida a título individual, com o lastro
económica do agente, de modo a não suscitar suspeitas. Em regra, trata-se de
estupefacientes de elevado valor de mercado (como é o caso da cocaína) e de
grande pureza e, consequentemente, de potente toxicidade, que podem
suportar a adição de substâncias (de “corte”) destinadas a aumentar a
quantidade e exponenciar as vantagens económicas ilícitas. Pelo outro lado,
não é espetável que os denominados «correios de droga» logrem transportar
em avião, com partida e chegada a aeroportos internacionais, quantidades que
não seja possível ocultar no próprio corpo ou em sítios recônditos da
bagagem, de modo a poder passar indetetáveis nos controlos de RX da
segurança. Neste contexto, 6 Kgs de cada vez (na última 5.887,242gr de
canabis+111,40gr de cocaína) é uma quantidade importante para o transporte
numa viagem de avião em linha regular de passageiros.
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Os denominados “correios de droga” desempenham um papel cada vez mais
relevante no tráfico, executando uma das atividades de mais elevado risco de
ser descoberta como é o transporte aéreo dos estupefacientes, razão pela qual
os “donos do negócio” a eles frequentemente recorrem com vantagem sobre
os grandes carregamentos (cada vez mais frequentemente detetáveis através
dos sistemas de vigilância e georreferenciação dos navios), por mais
facilmente iludirem a fiscalização das autoridades e, sobretudo, para evitarem
elevados prejuízos que pudessem advir da apreensão de grandes quantidades.
Sustenta-se no Ac. de 26-2-2020, deste Supremo Tribunal que “os
chamados correios de droga, embora sejam meros agentes de transporte de
estupefacientes, por conta de outrem, não são vítimas do sistema criminoso,
outrossim, assumem uma função preponderante na violação do bem jurídico,
permitindo e incrementando o negócio do tráfico, uma vez que de forma
consciente e, intencional, transportam a droga, do fornecedor ao destinatário,
permitindo assim o escoamento do produto, sendo que sem consumo, sem
escoamento, a produtividade emperra, o produto estupefaciente fica em stock,
a produção não dá lucro, e o negócio do tráfico fica sem viabilidade.[27]”
O tráfico de estupefacientes ademais de atentar gravemente contra a saúde
pública, com particular virulência na saúde e na inserção e realização familiar,
social e laboral dos consumo-dependentes, é fortemente censurado pela
comunidade, também porque pode propiciar elevados lucros ilícitos,
permitindo um modo de vida parasitário. Está também fortemente associado
ao branqueamento de capitais e, através da «lavagem» dos avultados lucros
ilícitos, à distorção das regras de funcionamento do mercado, particularmente
sensível em alguns sectores da economia produtiva (as offshore, a construção
civil, a hotelaria, o nicho dos bens de luxo, etc.).
Já ao nível da culpa resulta dos factos provados que a arguida quis e tinha
consciência plena da ilicitude e da forte censurabilidade desta sua conduta,
tendo agido com dolo direto de intensidade acima da media (a inerente à
atividade de transporte aéreo dos estupefacientes).
A sua atividade delituosa foi comandada pela intenção de obter compensação
monetária imediata, como contraprestação pela a prática do crime de tráfico
na modalidade descrita (recolha, transporte e entrega). Indiferente às
consequências que adviessem para a saúde dos consumidores, a quem sabia
bem destinarem-se os estupefacientes que aerotransportou para os ........
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Ao nível da prevenção especial de socialização, destinada a prevenir a
reincidência, verifica-se que a arguida empreendeu atos de tráfico
ousadamente e repetidamente entre 2017 e fevereiro de 2020.
Circunstancialismo que revela tendência, ou início de uma carreira criminosa
neste tipo específico de criminalidade rendosa e altamente prejudicial para a
saúde pública e para a economia licita.
A circunstância de não ter condenações anotadas no registo criminal, ademais
de corresponder ao que se espera de qualquer cidadã comum é frequente
nesta modalidade do tráfico porquanto, segundo as regras da experiência, os «
correios de droga» sem histórico criminal registado são mais apelativos para
as organizações criminais e, por isso, mais rapidamente recrutados porque
não suscitam, normalmente, suspeitas e controles mais apertados das
autoridades que vigiam a circulação de estrangeiros.
Ainda quanto às exigências de prevenção especial sobressai o desapego
laboral – sem qualquer atividade profissional estruturada - e um “percurso de
vida foi determinado pela adição, tendo integrado grupos de pares conotados
com o consumo e a comercialização de substâncias ilícitas”. O
“acompanhamento terapêutico” que iniciou em dezembro de 2019 não obstou
a que mantivesse “consumos de cocaína”.
A postura processual que apontava no sentido de uma colaboração relevante,
não foi mantida no lugar e momento decisivo, assim inviabilizando a
descoberta e punição dos “donos do negócio”, de quem lhe encomendou o “
serviço”, pagando as viagens e estadia, quem lhe entregou o estupefaciente, e
a quem o ia entregar. Que, assim, com certeza a a perspetivam como
colaboradora confiável.
Circunstancialismo que aponta claramente no sentido de serem prementes as
necessidades de prevenção da reincidência que no caso se fazem sentir.
Em conformidade com a que supra se assinalou, ou seja, que a fixação da
medida concreta da pena judicial tem como pilares essenciais: por um lado, a
quantidade e a qualidade do estupefaciente traficado, por refletirem
objetivamente o maior ou menor desvalor da respetiva ação, pelo alto número
de potenciais compradores e a consequente maior capacidade para afetar
mais intensa e gravemente a saúde de um maior ou menor número de
consumidores; pelo outro lado o modo de execução do crimes, isto é, o
conhecer bem e querer a atividade criminosa, levada a cabo com intensidade e
arrojo (no caso, consistente no transporte aéreo de canábis e cocaína,
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servindo como “correio de droga”, mediante compensação monetária que não
revelou); e a necessidade da pena com determinada medida decorrente da
menor sensibilidade da arguida para reconhecer, em audiência, a gravidade do
crime cometido. Por isso, pena de prisão em medida inferior àquela que lhe foi
aplicada não sortiria o efeito de adequada advertência individual ou
intimidação (da arguida) e de intimidação dos candidatos a «correio de droga
».
Num breve bosquejo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal
incidindo sobre situações idênticas, constata-se que a pena mais
frequentemente aplicada variou entre os 4 anos e 6 meses e os 8 anos de
prisão, sendo que no âmbito desta escala avançou perante apreensões maiores
e compensações mais chorudas ou baixou perante a apreensão de quantidades
menores ou qualidades de estupefaciente menos “corrosivas” da saúde dos
consumidores.
O vertente caso enquadra-se nessa média, sem que o processo executivo
evidencie especial arrojo na dissimulação dos estupefacientes.
Conclui-se do exposto que o procedimento judicial de fixação do quantum da
pena aplicada à arguida por ter cometido o crime de tráfico de estupefacientes
que resultou provado nos autos, respeita as finalidades da punição e, em
geral, os critérios legais de determinação da medida da pena, sem que afete
excessiva e desproporcionadamente a dignidade pessoal da condenada, pelo
que não merece censura.
Improcede, por conseguinte, a pretensão do recorrente de ver reduzida a
medida da pena de 6 anos prisão que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.
e) da pena suspensa:
A recorrente visava, essencialmente, que não lhe fosse imposta pena efetiva
de prisão, pretendo a aplicação de pena de substituição.
Nos termos do art. 50º n.º 1 do Cód. Penal, pressuposto formal da suspensão
da execução da pena judicialmente aplicada é que tenha sido fixada em
medida não superior a 5 anos de prisão.
Mantendo-se a pena de 6 anos de prisão que o Tribunal de 1ª instância aplicou
à arguida resulta imediatamente evidente que não se verifica o assinalado
pressuposto. Pelo que falece de sentido esta pretensão da recorrente.
IV. DECISÃO
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Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide:
a) julgar improcedente o recurso da arguida.
b) Condenar a arguida nas custas fixando-se a taxa de justiça em 6UCs (arts.
513º n.º 1 do CPP, 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).
*
Supremo Tribunal de Justiça, 27 de agosto de 2021
Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)
(Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo
Ferreira da Cunha – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março
na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[28] .
Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)
_____
[1] Ac. STJ . 3ª sec. -, de 27/10/2010, proc. 70/07.0JBLSB.L1.S1, in
www.dgsi.pt.
[2] Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 289/X/4ª
[3] O legislador do cibercrime teve o propósito de adaptar “os regimes das
buscas e das apreensões, já largamente previstas na legislação processual
penal, às investigações de crimes cometidos no ambiente virtual. Na verdade,
a essência destas medidas processuais coincide, no ambiente do ciberespaço,
com as clássicas formas de busca e apreensão, do processo penal. Porém, a
forma como a busca e a apreensão estão descritas no Código de Processo
Penal exigiam alguma adequação a estas novas realidades”.
[4] Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 289/X/4ª
[5] Conversação, em tempo real
[6] O Short Message Service/Serviço de Mensagens Curtas é um dos meios de
comunicação eletrónica mais utilizados, sobretudo através do telemóvel.
[7] Código de Processo penal Comentado, de Henriques Gaspar, Santos
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Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 3ª
edição, 2021, pag. 767.
[8] Ob e A. cit., pag. 768.
[9]O efeito-à-distância das proibições de prova no Direito Processual Penal
Português”, RPCC, 16 (2006), pags. 589/90.
[10] Assim também Santos Cabral, in Código de Processo Penal Comentado,
de Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes e Pires da
Graça., 3ª ed. 2021, pag. 706.
[11] Assim também Henriques Gaspar, in ob. cit, pag. 343..
[12] Autor e ob, cit, pag. 344.
[13] Máxime: mensagens entre a arguida e o arguido Kelton: “dois (sms) de
27.01.2019 a 14.01.2020 (fls. 195) e (facebook) de 05.09.2019 a 23.01.2020
(fls. 264-269) e da fotografia do telemóvel de 03.06.2018 em que ambos
surgem juntos (fls. 184” – cfr motivação da decisão em matéria de facto.
[14] Proc. n.º 07P1231, in www.dgsi.pt.
[15] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas
do Crime, Noticias Editorial, pag. 302.
[16] Ibidem, pag. 305.
[17] Proc. 232/14.4JABRG.P1.S1, 3ª secção, in www-dgsi.pt.
[18] Ac. STJ de 18/02/2016, proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[19] J. Figueiredo Dias, Direito, Penal Português, As Consequências Jurídicas
do Crime, Noticias Editorial, pag. 227.
[20] “isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu
sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” – J. Figueiredo
Dias, ob. citada, pag. 72/73.
[21] Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias.
[22] A censura ético-pessoal por ter violado bens jurídicos tutelados.
[23] Que manteve os postulados da versão equivalente do Código Penal de
1982 de 1982
[24] J. Figueiredo Dias, ob. citada, pag. 235.
[25] Ac. STJ de 18/02/2016, proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, in www.dgsi.pt/
jstj.
[26] A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e
Medida da Pena, pag. 6.
[27] ECLI:PT:STJ:2020:2186., Proc. 19.1JAPRT.P1.S1.
[28] Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em
tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em
tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de
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Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação
atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto
de conformidade dos juízes que não assinaram.
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