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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES DIDIANE VALLY FIGUEIREDO CHINALLI O CINEMA FICCIONAL E O DESPERTAR DE EMOÇÕES: UM CAMINHO EXPANDIDO PARA A APRENDIZAGEM. THE FICTIONAL FILM AND THE AWAKENING OF EMOTIONS: AN EXPANDED PATH TO LEARNING. CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

DIDIANE VALLY FIGUEIREDO CHINALLI

O CINEMA FICCIONAL E O DESPERTAR DE EMOÇÕES:

UM CAMINHO EXPANDIDO PARA A APRENDIZAGEM.

THE FICTIONAL FILM AND THE AWAKENING OF EMOTIONS:

AN EXPANDED PATH TO LEARNING.

CAMPINAS

2016

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DIDIANE VALLY FIGUEIREDO CHINALLI

O CINEMA FICCIONAL E O DESPERTAR DE EMOÇÕES:

UM CAMINHO EXPANDIDO PARA A APRENDIZAGEM.

THE FICTIONAL FILM AND THE AWAKENING OF EMOTIONS:

AN EXPANDED PATH TO LEARNING.

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra, na Área de MULTIMEIOS.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Nauras Akhras

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA DIDIANE VALLY FIGUEIREDO CHINALLI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. FÁBIO NAURAS AKHRAS.

CAMPINAS

2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade

Estadual de Campinas Biblioteca do

Instituto de Artes

Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The fictional film and the awakening of emotions: an expanded

path to learning

Palavras-chave em inglês:

Motion pictures in education

Learning strategies

Emotions

Área de concentração: Multimeios

Titulação: Mestra em Multimeios

Banca examinadora:

Fábio Nauras Akhras [Orientador] Ernesto Giovanni Boccara

Maurina Passos Goulart Oliveira Silva

Data de defesa: 28-07-2016

Programa de Pós-Graduação: Multimeios

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DEDICATÓRIA

À Deus, pela inspiração concedida para a realização deste

trabalho e pela fonte de energia constante.

Aos meus amados pais (in memoriam) pelo amor, dedicação e carinho

incondicionais e pela formação ética e humanística que me proporcionaram.

Caminhante, não há caminhos.

Faz-se o caminho ao andar.

Antônio Machado (Poeta espanhol)

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Fábio Nauras Akhras por compartilhar sua

vasta ilustração, por sua visão abrangente e pelas sugestões pertinentes

que impulsionaram o desenvolvimento deste trabalho.

Aos Profs. Drs. membros da banca examinadora, pela gentileza de

participarem da avaliação desta dissertação trazendo seus conhecimentos

para acrescer contribuições a este estudo.

Aos Profs. do Mestrado em Multimeios, pela oportunidade de

crescimento dimanada das discussões profícuas durante o curso.

À UNICAMP por propiciar com sua estrutura a realização deste mestrado.

Ao meu irmão, pelos diálogos enriquecedores e pelas considerações

filosóficas que contribuíram para aprimorar a estrutura desta dissertação.

À minha filha e ao meu noivo pela compreensão, incentivo e apoio

durante os meses de mestrado e de confecção desta pesquisa.

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RESUMO:

Esta dissertação investiga o cinema ficcional quanto ao seu viés pedagógico nesta era de educação midiática. Em particular, trata das emoções desencadeadas no espectador (aluno universitário) durante a assistência a uma narrativa fílmica ficcional e dos seus possíveis impactos na aprendizagem. É de domínio público na Academia que ao longo das três últimas décadas se produziram inúmeros trabalhos científicos acerca do uso do cinema na Educação e há praticamente consenso entre estudiosos da sétima arte e educadores quanto à relevância do cinema para fins pedagógicos. Não obstante, até onde se pôde averiguar não se promoveram pesquisas voltadas diretamente à análise das emoções evocadas pela obra fílmica na facilitação ou otimização da aprendizagem. Na parte inicial da dissertação se expõe um panorama das mudanças na Educação em virtude dos avanços das tecnologias; destaca-se as principais contribuições pedagógicas do cinema nesta era da cultura à imagem e comenta-se a teoria da aprendizagem multimídia. Como referencial teórico são elencadas as principais pesquisas do Cognitivismo – no domínio das teorias do cinema – que tratam dos recursos do filme narrativo ficcional para evocar emoções no espectador. São também citadas as pesquisas da Psicologia e da Neurociência sobre os reflexos das emoções na cognição cujos fundamentos sugerem a possibilidade de as emoções fílmicas contribuírem para aprendizagem. Para fechar a exposição teórica se efetuou a análise fílmica da obra “The constant gardener” de Fernando Meirelles (2005) com o fim de identificar os recursos para evocar as emoções no espectador, o potencial de aprendizagem do filme e os aspectos cognitivos suscitados na audiência. A análise indicou que o espectador (no caso, o aluno universitário) recebe uma vasta gama de estímulos ao longo da narrativa que podem contribuir para a construção do conhecimento tanto pelos processos cognitivos suscitados (entendimento) como pelas emoções sentidas (vivência). Esta investigação permitiu sugerir que as emoções evocadas no espectador podem contribuir para um incremento da aprendizagem. Também auxiliou demonstrar que a aprendizagem que decorre da assistência a filmes (aprendizagem multimídia) parece proporcionar resultados mais rentáveis em relação à aprendizagem dita tradicional (por meio de livros e demais textos didáticos). Acredita-se que pesquisas futuras possam aprofundar e expandir o estudo dessa temática. Palavras chave: Cinema na educação, Estratégias de aprendizagem, Emoções.

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ABSTRACT:

This dissertation investigates the fictional movie about his educational bias in this age of media education. In particular, deals with the emotions triggered in the viewer (university student) during the care of a fictional film narrative and its possible impact on learning. It is in the public domain at the Academy that over the last three decades have produced numerous scientific papers on the use of film in education and there is a virtual consensus among scholars of the seventh art and educators about the relevance of the cinema for educational purposes. Nevertheless, as far as it was able to ascertain not promoted research aimed directly to the analysis of the emotions evoked by the film work in facilitating or optimization of learning. In the early part of the dissertation presents an overview of the changes in education because of advances in technology; highlights the main pedagogical contributions movie in this era of culture in the image and commented the theory of multimedia learning. As a theoretical framework are listed the top searches of Cognitivism - in the field of cinema theories - dealing with the fictional narrative film resources to evoke emotions in the viewer. We also cited the research of Psychology and Neuroscience about the reflections of emotions on cognition whose fundamentals suggest the possibility of filmic emotions contribute to learning. To close the theoretical exposure we made the film analysis of the movie "The constant gardener" by Fernando Meirelles (2005) in order to identify resources to evoke emotions in the viewer, the learning potential of the film and cognitive issues raised at the spectator. The analysis indicated that the spectator (in this case, the university student) receives a wide range of stimuli throughout the narrative that can contribute to the construction of knowledge by both raised cognitive processes (understanding) as the emotions felt (experience). This investigation has suggested that the emotions evoked in the viewer can contribute towards improving learning. Also helped demonstrate that the learning that arises from assistance movies (multimedia learning) seems to provide profitable results in relation to the traditional learning (through textbooks and other educational texts). We believed that future research may deepen and expand the study of this subject. Keywords: Motion pictures in education, Learning strategies, Emotions.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 -: Representação gráfica da teoria de aprendizagem multimídia..... 16

Figura 2 - Frames de uma animação com narração/ formação de

relâmpagos..................................................................................................... 17

Figura 3 – Construção do conhecimento a partir do audiovisual.................... 63

Figura 4 - Síntese dos referenciais teóricos adotados................................... 64

Figura 5 - A Jornada do Herói.......................................................................... 68

Figura 6 - Estágios da Jornada do herói no roteiro cinematográfico.............. 70

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Pressupostos da Teoria de aprendizagem multimídia................ 15

Tabela 2 - As cinco formas de representação na teoria da aprendizagem

multimídia............................................................................................................ 18

Tabela 3 – Os cinco processos cognitivos da teoria da aprendizagem

multimídia...................................................................................................... 19

Tabela 4 - Unidade de análise da sequência 18. Fonte: autora................ 107

Tabela 5 - Unidade de análise da sequência 22. Fonte: autora................

108

Tabela 6 - Unidade de análise da sequência 23. Fonte: autora................ 109

Tabela 7- Unidade de análise da sequência 24. Fonte: autora................

110

Tabela 8 - Unidade de análise da sequência final. Fonte: autora.............

111

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SUMÁRIO

.....

Introdução...........................................................................................................12

Objetivos.............................................................................................................29

Revisão de literatura...........................................................................................30

Metodologia........................................................................................................75

Resultados.................................................................................................. .......77

Discussão.........................................................................................................100

Conclusão........................................................................................................ 113

Referências..................................................................................................... 116

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INTRODUÇÃO.

1. O cinema ficcional e a educação midiática atual.

É de domínio público na Academia que desde os primórdios da história

cinematográfica há estudos que admitem que o cinema enquanto arte possuiria a

faculdade de contribuir para a Educação ainda que uma determinada produção

cinematográfica não se destinasse especificamente a esse fim. E essa visão perpassa

o objeto do presente estudo, como veremos a seguir.

Até onde foi possível pesquisar, tanto no Brasil como no exterior, os

estudos da utilização do cinema com perspectiva pedagógica têm sido, em sua

maioria, voltados à educação infantil e fundamental. É interessante se observar que a

área da educação infantil, bem antes de recepcionar as propostas audiovisuais

modernas como instrumentos contributivos ao processo de aprendizagem, há

décadas se vale da inserção de imagens em cores nos livros didáticos (numa proposta

lúdica de aprendizagem pelo olhar), bem como da inserção de músicas no cotidiano

das aulas para aludir aos conteúdos escolares (numa proposta semelhante, de

aprendizagem pela audição). O “audiovisual”, portanto, como recurso para a educação

infantil, de maneira decomposta, vem sendo trabalhado há um bom tempo e mais

recentemente os filmes infantis passaram a ocupar gradualmente um espaço bem

mais significativo nesse contexto.

A contrário senso, há um número mais restrito de pesquisas acadêmicas

voltadas à discussão do cinema aplicado à educação universitária. E os estudos que

tivemos possibilidade de identificar possuem desígnios diversos dos que aqui se

propõem. No recorte desta pesquisa há a especificidade de duas variáveis em

particular: o estudo dos recursos das obras fílmicas exclusivamente “ficcionais”1

utilizados para evocar emoções no espectador (no caso, o aluno universitário, pois a

pesquisa se volta à Educação superior) e a possível contribuição destas emoções à

aprendizagem. Não localizamos estudos que abarquem essas duas variáveis em

específico de forma que nos propusemos timidamente a dar os primeiros passos nessa

1 Cinema ficcional é uma das duas grandes áreas dos estudos do cinema, juntamente com o documentário. O cinema ficcional apresenta narrativas oriundas da imaginação.

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senda, dada a relevância do tema, mormente em se tratando de um momento histórico

onde o cinema bem como outros audiovisuais passam a ter papel de destaque na

Educação ante o avanço das tecnologias de comunicação e de informação atuais.

1.1. As novas tecnologias na era midiática.

A transformação havida na sociedade atual (aí incluso o público

universitário) ante a chegada das novas tecnologias permitiu que a via midiática se

integrasse com facilidade ao cotidiano do aluno do ensino superior. O surgimento e a

veloz expansão tecnológica; a rapidez da troca de dados e informações; a facilidade

de acesso ao conhecimento dada pela Internet e pela recente convergência midiática

repercutiram em todos os segmentos da vida humana e a Educação se apresenta

como uma das áreas mais radicalmente afetada por essas mudanças. Tal fenômeno,

ancorado na esteira da mudança comportamental e cognitiva vivenciada pelas atuais

gerações Y (tida como “geração da Internet”, dos nascidos após os anos 80) e Z (tida

como “nativos digitais”, dos nascidos após os anos 90), compõe o viés dominante da

Educação no século XXI. As gerações Y e Z, acolheram com facilidade as novas

tecnologias: tablets, smartphones; notebooks; ereaders e e-books; bem como

softwares; cursos online, aplicativos em dispositivos móveis; áudio e

videoconferências em tempo real, por exemplo, são “equipamentos e/ou atividades”

cotidianas desses jovens. Da soma dos Ys e dos Zs, se originou um grupo

notadamente midiático, visual, que degusta textos, sons e principalmente imagens de

forma rápida e, muitas vezes, superficial. (CHINALLI, 2013)

A entrada e o aprimoramento das tecnologias na área educacional são tidos

pelos produtores audiovisuais, pelos educadores e tecnólogos como irreversíveis,

pelo fato de serem inovações disruptivas que provocam mudanças na transmissão e

construção de conhecimento ao introduzirem elementos que passaram a ser

incorporados ao cotidiano e que não permitem a volta ao status quo ante. Foi assim

com a chegada dos computadores pessoais; da internet; dos smartphones; e mais

recentemente com as lousas digitais; com as plataformas virtuais de aprendizagem;

com aplicativos móveis para a Educação, com os videojogos educativos, etc.

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Em virtude da irreversibilidade no uso desses novos recursos tecnológicos

ocorreram mudanças nos processos cognitivos das gerações de estudantes

decorrentes da nova forma de assimilação da informação e da construção do

conhecimento dadas hoje predominantemente pela via midiática e que, à semelhança

dos recursos tecnológicos citados, se mostram também, irreversíveis.

Destarte, fez-se necessário entender como se estabelecem os novos

processos cognitivos nesses estudantes a fim de se rediscutir os modelos educativos,

pois os que vem sendo utilizados na universidade até então logo não irão mais

contemplar adequadamente o novo contexto educacional, fortemente audiovisual e

multimídia.

Nesse sentido, Richard Mayer, professor de Psicologia da universidade da

Califórnia – em Santa Bárbara nos Estados Unidos da América – promoveu um

significativo avanço na Psicologia Educacional abrindo caminhos para a atualização da

Educação ao elaborar sua “Teoria cognitiva de aprendizagem multimídia” que

abordamos a seguir.

1.2. A Teoria cognitiva de aprendizagem multimídia de Richard Mayer.

De acordo com Mayer (2010), a aprendizagem multimídia se dá quando os

estudantes constroem representações mentais mais amplas a partir de “imagens e

palavras simultaneamente apresentadas”.

Para o autor, uma mensagem educacional multimídia é a que apresenta

palavras impressas – lidas por meio de livros ou computadores – ou palavras narradas,

que aparecem associadas a imagens que podem ser estáticas – como fotografias,

desenhos, pinturas – ou dinâmicas – como animações (filmes) ou videoclipes.

Mayer (2010) elaborou uma teoria na qual identifica que os processos

cognitivos da aprendizagem multimídia divergem dos processos cognitivos da

aprendizagem dita tradicional (por meio de livros; apostilas, etc) e afirma em seu

“princípio multimídia”, que: “as pessoas aprendem mais profundamente a partir de

palavras e imagens, do que palavras sozinhas.2 ” (MAYER, 2008). Grifo nosso.

2 O “princípio multimídia” é um dos sete princípios da teoria de Mayer. Os demais princípios são: o proximidade espacial; o da proximidade temporal; o da coerência; o da modalidade; o da redundância e

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De acordo com essa teoria, a aprendizagem ideal é a que permite a

apresentação simultânea de imagens e palavras, ativando conjuntamente dois canais

de percepção: o visual e o verbal. Esses canais de percepção são responsáveis pelo

processamento de informações visuais e verbais e se relacionam entre si.

A teoria de Mayer se lastreia em três pressupostos, conforme ilustra o

quadro a seguir:

Tabela 1 - Pressupostos da Teoria de aprendizagem multimídia. (MAYER, 2010)

A partir desses pressupostos a teoria expõe que o ser humano possui três

locais de armazenamento de informações que Mayer (2010) denominou de “armazéns

o das diferenças individuais, que aqui não foram abordados por se distanciarem do escopo desta pesquisa.

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da memória” e que representam a memória sensorial3; a memória de trabalho4 e a

memória de longo prazo5.

O canal visual e o verbal, ao receberem informações no formato multimídia

(imagens e palavras), as processam por meio da memória sensorial, que se incumbe

de selecionar palavras e imagens que serão retidas na memória e enviadas a seguir à

área (ou armazém) da memória de trabalho.

Lá, sons (transformados em representações acústicas) e imagens

(transformadas em representações icônicas) interagem e se organizam de uma forma

estruturada estabelecendo um “modelo verbal” ou “pictórico” da informação

processada. Por fim, o conhecimento armazenado na memória de longo prazo vem se

integrar aos processos anteriores, produzindo um novo conhecimento.

Vejamos a seguir a representação esquemática da teoria de Mayer:

Figura 1 -: Representação gráfica da teoria de aprendizagem multimídia. (MAYER, 2010)

Pare entendermos, na prática, como se dá o processamento das

informações na teoria de Mayer, citamos um exemplo extraído de sua obra (Mayer,

3 Memória sensorial: memória que retém, por um breve período de tempo, imagens e texto impresso recebido pelos olhos sob a forma de imagens visuais exatas e palavras ditas e outros sons percebidos pelos ouvidos sob a forma de imagens auditivas exatas (MAYER, 2010) 4 Memória de trabalho: memória com capacidade limitada que retém e manipula sons e imagens na consciência ativa. 3 Memória de longo prazo: memória que retém grandes quantidades de conhecimentos durante grandes períodos de tempo.

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2010). Consideremos uma apresentação multimídia que apresenta imagens (para o

canal visual) e narração (para o canal verbal) e que trata da formação de relâmpagos.

Os frames que vemos a seguir compõem essa apresentação citada por

Mayer e mostram algumas informações aos alunos (espectadores).

Figura 2 - Frames de uma animação com narração - formação de relâmpagos. (MAYER, 2010)

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Em relação a esses frames extraídos da animação original e de acordo com

a teoria da aprendizagem multimídia como se processariam tais informações?

Tabela 2: As cinco formas de representação na teoria da aprendizagem multimídia. (MAYER, 2010)

Vemos no quadro acima que durante o processamento das informações as

palavras e as imagens se organizam em arranjos contínuos que atravessam diferentes

áreas da memória até se tornarem registradas como um conhecimento adquirido.

Essa sequência se denomina “aprendizagem ativa”. Segundo Mayer (2010)

“há três processos essenciais para a aprendizagem ativa: seleção do material relevante;

organização do material selecionado e integração do material selecionado com os

conhecimentos existentes”.

Esses processos se compõem pela seleção de palavras e de imagens; pela

organização de palavras e de imagens e pela integração com os conhecimentos pré-

existentes. Vejamos resumidamente no quadro a seguir:

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Tabela 3 -Os cinco processos cognitivos da teoria da aprendizagem multimídia. (MAYER, 2010)

Ao desenvolver sua teoria Mayer identificou como se dá o processamento

da informação multimídia e também constatou que se aprende mais profundamente a

partir de palavras e imagens, do que palavras sozinhas, como visto anteriormente.

Essa constatação, sem embargo das discussões acerca dos pontos

positivos e negativos desta nova educação midiática, sinaliza que o cinema – como um

dos mais completos audiovisuais existentes – passa a ganhar destaque no novo

modelo educativo que se impõe.

É neste campo, da contribuição com a aprendizagem pela via audiovisual,

que o cinema ficcional aparenta ter uma vasta contribuição a dar como veremos a

seguir.

1.3. O papel do cinema no rearranjo da Educação.

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Ante as expressivas mudanças tecnológicas citadas e os avanços nas

pesquisas sobre a aprendizagem multimídia verifica-se que a nova face da Educação

aponta para um rearranjo da construção e transmissão dos saberes e o cinema

ficcional — considerado tanto como arte; bem como um recurso audiovisual que auxilia

a construção do conhecimento e ainda como uma criação midiática que de per si

permite promover a reflexão e produzir conhecimento - possui características para ser

um dos elementos de valia nessa reestruturação educativa, mormente para as

universidades. Na era da imagem e da informação rápida, o cinema desponta como

protagonista de uma forma como nunca antes se cogitou:

“Pode-se concluir com facilidade como nesta cultura do espetáculo, onde a imagem, as emoções e a intuição são privilegiadas por serem a sintonia natural na qual o estudante se move, o narrativo – a história concreta – encontra-se também potencializado sobre o discursivo. (...). Um terreno fértil que convida à utilização do cinema como recurso educacional” (BLASCO et al, 2005)

Como arte híbrida que envolve som e imagem em conjunto, o cinema vive

neste momento um apogeu no que tange ao número de recursos técnicos

desenvolvidos, bem como pessoal especializado (roteiristas, diretores de arte,

iluminação, edição, efeitos especiais, etc.), sendo capaz de traduzir e apresentar

histórias com acentuada qualidade e proporcionar ao espectador uma experiência

cada vez mais multissensorial. O espectador de hoje ao assistir a um filme fica imerso

na história, mobilizando todo o seu aparato sensório, bem como intelectual e

emocional. O cinema ficcional permite assim que a audiência vivencie as histórias por

meio de experiências emocionais e cognitivas muito representativas e no contexto da

educação superior, em particular, o cinema ficcional, por seus atributos, não se

constitui somente um recurso audiovisual secundário ou complementar, sendo uma

fonte que propicia mudanças relevantes nos processos de aprendizagem como

veremos a seguir.

Conforme Duarte (2002):

“(...) é sempre um novo mundo, construído na e pela linguagem cinematográfica, que se abre para nós quando nos dispomos a olhar filmes como fonte de conhecimento e informação. ”

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Contudo, mesmo no século XXI, admitir que um novo modelo de

aprendizagem possa se dar pela arte, ou ao menos privilegiá-la no rearranjo da

Educação, ainda gera certo desconforto a algumas correntes de estudiosos do cinema

e também de educadores, que não recepcionam os meios artísticos como recursos

“legítimos” que colaborem com a construção do conhecimento.

E embora o cinema tenha para algumas correntes acadêmicas o potencial

de facilitar ou propiciar a aprendizagem ainda se discutem os fundamentos pelos quais

ele atuaria a fim de que se pudesse desencadear a produção de conhecimento.

Há teóricos que questionam: se o cinema for capaz de permitir ou de

potencializar a produção de algum conhecimento, de que tipo este seria? Para alguns

acadêmicos, o cinema enquanto arte estaria associado em princípio a um tipo de

conhecimento intuitivo-perceptivo relacionado diretamente com as emoções

humanas. No entanto, para outros, os meios legítimos de produção de saberes

estariam restritos às ciências, estas sim, na visão destes, capazes de proporcionar

um conhecimento empírico e verdades axiomáticas.

“A racionalização do conhecimento, pregado pela modernidade, terminou criando uma noção de conhecimento reduzida à dimensão biológica do homem e secundarizou, pelo menos oficialmente, outras formas de saber, tais como: artes, literaturas, teologias, culturas míticas, culturas místicas”. (MAFFESOLI, 2004)

No mundo ocidental moderno, a ideia que ainda vemos predominar é a de

que o “saber verdadeiro” seria somente aquele determinado pelo conhecimento

científico, aquele que pode passar pelo filtro da racionalidade. Todavia, sob outra

ótica, é possível se considerar essa concepção um tanto reducionista, conforme nos

expõe (MAGRINI, 2012):

“Os gregos antigos acreditavam que a arte fornece um tipo especial de conhecimento chamada aisthesis (a partir dele, derivamos "estética"), que é diferente de qualquer outra forma de conhecimento. Teóricos cognitivos de hoje associam esta forma de conhecimento intuitivo-perceptual com as emoções. No entanto, deve-se notar que as emoções não são cegas ou desprovidas de um conteúdo cognitivo legítimo; elas não são nem o equivalente a paixões cegas, nem unidades de base. Em vez disso, elas nos inspiram a sentir, imaginar e, finalmente, entender o nosso mundo e as vidas de novas maneiras. Através das lentes esclarecedoras da arte, por meio da experiência estética, entendemos as coisas de forma diferente. O conteúdo

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cognitivo da arte não se parece com o conteúdo cognitivo das ciências. A ciência nos mostra o que a vida é demonstrando suas alegações da verdade, proporcionando a verdade que é real na natureza. Contrariamente, a arte ilumina, revela, e insinua a verdade perceptivelmente, e dentro de momentos de introspecção, nos mostra o que é a vida, e nos convida a imaginar o que a vida pode tornar-se. A arte não nos entrega certezas prontas. Em vez disso, proporciona experiências em que o conhecimento é iluminado, e ao contrário da verdade explícita da ciência, o conhecimento da arte é implícito - instâncias de verdade que detêm potencial de desenvolvimento futuro”.6 Tradução livre.

Abraçando o pensamento de Magrini, podemos dizer, sob outro prisma, que

ante a nova face midiática da Educação, o cinema (em particular, o ficcional) apresenta

um potencial educativo que até o momento parece não ter sido amplamente

aproveitado.

Não obstante, a utilização do cinema na Educação se reveste de múltiplos

benefícios. Um deles, corroborando a teoria de Mayer, seria a facilidade com que

conteúdos e mensagens são compreendidas e assimiladas pelos alunos quando

apresentadas por essa via. Vejamos o que aduz Duarte (2002), respeitada

pesquisadora na área de cinema e Educação:

“Diferente da escrita, cuja compreensão pressupõe domínio pleno de códigos e estruturas gramaticais convencionados, a linguagem do cinema está ao alcance de todos e não precisa ser ensinada, sobretudo em sociedades audiovisuais, em que a habilidade para interpretar os códigos e signos próprios dessa forma de narrar é desenvolvida desde muito cedo. A maior parte de nós aprende a ver filmes pela experiência, ou seja, vendo (na telona ou na telinha) e conversando sobre eles com outros espectadores”.

6 “The ancient Greeks believed that art provides a special type of knowledge called aisthesis (from it, we derive “aesthetics”), which is unlike any other form of knowledge. Today’s cognitive theorists associate this form of intuitive-perceptual knowledge with emotions. However, it must be noted that emotions are never blind or devoid of a legitimate cognitive content; they are neither the equivalent of blind passions nor base drives. Rather, they inspire us to feel, imagine, and ultimately, understand our world and lives in new ways. Through the clarifying lens of art, by means of the aesthetic experience, we understand things differently. The cognitive content of art is not akin to the cognitive content of the sciences. Science tells us what life is by demonstrating its truth-claims, providing truth that is actual in nature. Contrarily, art illuminates, reveals, and intimates truth perceptually, and within moments of insight, shows us what life is, and invites us to imagine what life might become. Art does not hand us ready-made certitudes. Rather it provides experiences wherein knowledge is illuminated, and as opposed to the explicit truth of science, art’s knowledge is implicit—instances of truth that hold potential for future development”.

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Entendemos, como Duarte, que em sociedades audiovisuais a facilidade para

a “leitura” dos filmes é, de fato, facilitada e em se tratando particularmente do aluno

universitário de hoje, que está em contato diário com telas que lhe passam amiúde

mensagens audiovisuais, parece natural que este adquira pelo uso contínuo desses

artefatos, a habilidade de interpretar tais mensagens. No entanto, percebemos que mesmo

em se tratando de um espectador “não treinado” nessa leitura audiovisual, o cinema pode

ainda auferir benefícios que já eram apontados como valiosos há quase um século:

“Pelo cinema os homens se podem comunicar, sem que saibam ler... Basta que vejam. No fundo do Mato Grosso ou de Goiás, uma fita exibe, mostra, informa, comunica, como se portam as urbanidades polidas de Paris, Nova Iorque, Melbourne ou Rio de Janeiro, como livros, jornais, telegramas, cartas, jamais poderiam fazer. (...) Portanto, (...) não tem comparação com nenhum dos outros precários e reduzidos e parciais e rudimentares meios de ensino”. (PEIXOTO, 1929)

Ainda tratando da facilidade com que conteúdos e mensagens oriundos dos

filmes são compreendidos e assimilados pelos alunos, alguns teóricos também

apontam que o cinema permite que “se aprenda mais e em menos tempo” e descrevem

que em muitos casos os filmes auxiliam no pensamento crítico. Citamos a seguir uma

pesquisa realizada na metade do século XX na Universidade da Pensilvânia, Estados

Unidos da América, sobre essa temática:

“Hoban Jr. e Van Ormer (1951), (...) dentro do “Programa de Pesquisa de Filmes Instrutivos” da Universidade da Pensilvânia, desenvolveram um estudo sobre os fatores que determinam a eficácia do audiovisual na educação formal. Algumas das conclusões a que chegaram foram as seguintes: (...) as pessoas aprendem mais em menos tempo e são capazes de reter o conteúdo. Certos filmes facilitam o pensamento crítico e a solução de problemas”. (SILBIGER, 2004)

Outro benefício do uso do cinema na Educação se volta à possibilidade de

se auxiliar a formação moral e também na formação cultural do espectador. Antes de

apresentarmos referências teóricas sobre esse item, relembro aqui as palavras que ouvi

nos anos 90 de um amigo pessoal, juiz de Direito e cinéfilo. Apesar de todo o seu

conhecimento jurídico obtido nos bancos universitários em um curso de primeira linha,

o magistrado se considerava “monoculturado” (em suas próprias palavras), pois na

universidade se dedicara incessantemente a estudar só o Direito. Dizia ainda, que a

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sua bagagem cultural começara a se formar depois de graduado, pelo fato de ter se

tornado cinéfilo e que se surpreendeu quando percebeu que a cultura adquirida pelos

filmes muitas vezes lhe auxiliava sobremaneira em reflexões que fazia no exercício

judicante. Vemos também em sentido semelhante a manifestação de Duarte (2002):

“Não tenho dúvidas de que muito do que aprendi em toda a minha vida de estudante, inclusive de pós-graduação, aprendi com o cinema. Meu conhecimento de arte, de línguas, de culturas e, em alguma medida, de história e geografia esteve (está) permanentemente mediado pelos filmes que vi (vejo). Para mim, assim como para a maioria das pessoas, os filmes “funcionam” como porta de acesso a conhecimentos e informações que não se esgotam neles. Mesmo aqueles considerados ruins (e esse julgamento é sempre subjetivo) podem despertar o interesse e estimular a curiosidade em torno de problemas que, muitas vezes, sequer seriam levados em conta”.

De fato, o cinema – ainda que à parte de sua contribuição pedagógica nos

bancos universitários – parece se mostrar uma fonte rica tanto como cultura como para

a construção de valores para o indivíduo e em várias partes do mundo foi utilizado como

um recurso formador da sociedade.

“Tudo indica que o reconhecimento de que o cinema tem uma vocação intrinsecamente pedagógica, no que diz respeito à difusão cultural e à formação do espectador, teve origem no próprio meio cinematográfico, que, desde muito cedo, se acreditava capaz de interferir, de algum modo, na educação das massas, fora dos bancos escolares. Não é de surpreender, portanto, que a ideia de fazer uso da produção cinematográfica para alavancar o processo civilizador e formar moralmente os povos tenha sido a base sobre a qual se estabeleceu, originalmente, a relação entre educação e cinema em vários países, incluindo o Brasil. (DUARTE e ALEGRIA, 2008)

Também se pode pontuar como outro benefício pedagógico do cinema, a

possibilidade de este auxiliar na formação humanística do estudante, fato que se

reveste de importância mormente por estarmos em uma era na qual lidamos cada vez

mais com frieza da tecnologia no nosso cotidiano nos distanciando gradualmente dos

aspectos humanos que entendemos deveriam prevalecer na vida em sociedade a

despeito dos avanços tecnológicos.

“(...) a educação através da estética, que atinge as emoções e a sensibilidade, não é uma tentativa de ancorar na emotividade os valores e atitudes que o estudante deveria incorporar. Trata-se

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de suscitar uma reflexão sobre estes valores e atitudes. É possível incorporar um conhecimento técnico ou mesmo treinar uma habilidade sem refletir sobre eles; mas é impossível adquirir valores, progredir em virtudes, incorporar atitudes, sem um prévio processo de reflexão. É justamente desencadear este processo de reflexão, mediante recursos próximos ao estudante, o que se pretende com a estética, da qual o aprendizado através do cinema faz parte. (...)”. (BLASCO et al, 2005)

Outro benefício pedagógico do cinema seria a sua própria forma de

expressão, dentro do universo predominantemente visual (e sensorial) e do contexto

cultural no qual estudante de hoje está inserido, onde imagens e emoções prevalecem

e a Educação deve atentar para essa transformação em curso:

“Compreender a cultura e o universo onde o estudante está inserido é condição prévia necessária ao sucesso de qualquer projeto educacional. O jovem estudante chega às mãos do educador inserido numa formação que privilegia a informação rápida, o impacto emotivo, a intuição, em detrimento do raciocínio linear, lógico e especulativo. É uma característica que diz respeito não apenas à educação e ao aprendizado, mas à própria vida (...) Trata-se de um contexto cultural onde predomina o fragmentário, o rápido, o sensorial (...). Parece natural que neste universo seja a imagem sensorial, e não o conceito lógico que assuma a função de protagonista. (...). Com isto não se pretende, em absoluto, dispensar a necessidade do raciocínio para a construção dos conceitos no aprendizado. Apenas se afirma que é preciso passar antes pelas emoções, porque é assim, deste modo, que os estudantes estão habituados a proceder. A emoção é porta de entrada para posteriores construções lógicas”. (BLASCO et al, 2005)

E ainda:

“Há outro modo de ver, de ler, de pensar e de aprender, que pertence a uma nova cultura e que precisa complementar a cultura da palavra – não menos importante, por certo, mas insuficiente para mediatizar o universo das informações e emoções em que estamos submersos. Transformar essas informações em conhecimentos úteis para a construção de sujeitos individuais e sociais críticos e reflexivos, trabalhar essas emoções para construir maior responsabilidade pessoal e grupal no encaminhamento de uma sociedade mais justa e de um mundo melhor são atribuições de uma educação escolar contemporânea”. (FERREIRA, 2003)

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Assinalamos também mais um benefício pedagógico do cinema: a sua

adequação aos novos parâmetros para a construção dos saberes baseados na criação

de “grades interdisciplinares de conteúdos” para a moldagem do pensamento ora

chamado “reticular”, em contraponto ao modelo de pensamento “linear” que vinha sendo

usado até então na formulação dos programas disciplinares. O arranjo curricular nesta

era tecnológica propõe o abandono da segmentação rígida das disciplinas trazendo à

cena os projetos e eixos temáticos e o cinema se presta a esse fim, pois no mais das

vezes se presta a abarcar múltiplos conteúdos em uma mesma obra fílmica.

Também consideramos que o cinema se configura uma rica fonte de

consulta e de conhecimento. Os filmes, inclusive as ficcionais, criam um registro

histórico singular e vívido das características e da evolução da sociedade e dos

atributos físicos e imateriais do nosso mundo, aí abarcadas as transformações da

natureza; as mudanças culturais, religiosas e sociopolíticas dos povos; seus sistemas

legais e bélicos; seus tipos de lazer e esportes; os padrões estéticos prevalentes nas

artes, na moda, na culinária e até mesmo da expressão dos próprios costumes. Com

toda essa bagagem de conhecimentos que o cinema é capaz de propiciar, Duarte

(2002) questiona que nos dias atuais ainda haja um uso restrito da sétima arte na

Educação:

“Por incrível que pareça, os meios educacionais ainda veem o audiovisual como mero complemento de atividades verdadeiramente educativas, como a leitura de textos, por exemplo, ou seja, como um recurso adicional em relação ao processo educacional propriamente dito. (...). Até quando ignoraremos o fato de que cinema é conhecimento? ”

Citamos também como outro benefício do cinema à Educação, a extensão

das vivências cinematográficas apresentadas na universidade para outros espaços da

vida do estudante e o poder de reflexão contínua que estas vivências desencadeiam:

“Os benefícios educativos da linguagem cinematográfica como meio de comunicação ultrapassam o espaço curricular acadêmico e se prolongam no aprendizado do cotidiano. As vivências com o cinema (...) fazem com que a reflexão se prolongue além do espaço dedicado às discussões. Deste modo, as vivências cinematográficas criam no aluno uma atitude reflexiva que, por estar ancorada num idioma de fácil recordação, atrelado a situações concretas e perpassado de atitudes perante a vida, o faz continuar no processo de reflexão

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durante o seu cotidiano. Assim, a história de vida, a frase de impacto, a situação vivenciada voltam à tona fora do espaço convencional de educação (..) e incitam o aluno a continuar pensando, refletindo, numa permanência que é inquietude por aprender. É o que os alunos intitulam textualmente como “detonadores”, isto é, provocadores de reflexão”.

Por último, considerando o potencial educativo dos filmes e no interesse de

mencionar elementos que permitam que estes sejam melhor aproveitados no

ambiente acadêmico citamos abaixo alguns princípios que podem contribuir para a

seleção adequada de uma obra fílmica no sentido de “maximizar a influência” do

cinema ante o seu público espectador:

O valor dos filmes educativos: as pessoas aprendem mais em menos tempo e são capazes de reter o conteúdo. Certos filmes facilitam o pensamento crítico e a solução de problemas.

Princípios que determinam a influência dos filmes educativos: os filmes têm máxima influência quando o seu conteúdo reforça e/ ou amplia conhecimentos, atitudes e motivações pré-existentes.

Princípio de especificidade: quanto mais específica for a determinação do público alvo e dos objetivos propostos pelo filme, mais os receptores aproveitarão o conteúdo.

Princípio de relevância: o alcance de um filme é maior quando seu conteúdo tem relevância direta para o público alvo.

Princípio de variabilidade da audiência: as reações diante de um filme variam em função de fatores como a alfabetização cinematográfica, a inteligência abstrata, a experiência prévia em relação ao tema e os preconceitos.

Princípios das variáveis de ensino: quando inserido de forma adequada num projeto didático-pedagógico, o filme tende a ser mais eficaz como instrumento de ensino aprendizado.

Princípio da liderança do professor: as qualidades do educador e a forma como ele apresenta o filme tem relação direta com a eficácia do processo educativo. (SILBIGER, 2004)

Pelo exposto, o uso pedagógico das obras fílmicas parece ser uma opção

significativa a se explorar na necessária reconstrução dos processos educativos.

Contudo, para que o cinema possa ser devidamente aproveitado na Educação (em

particular, a superior) é indispensável a combinação de diversos fatores como a

disponibilização de uma estrutura minimamente adequada de projeção nas salas de

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aula ou em outros ambientes das universidades; a criação de Cinematecas nas

universidades para constituição e ampliação contínua de um adequado acervo de

filmes; a elaboração de grades de conteúdos nos cursos superiores que contemplem

a inserção do cinema como fonte de estudo e pesquisa; a implementação de políticas

públicas para valorização do audiovisual na Educação; a capacitação dos docentes

para a utilização dessa via como recurso audiovisual e como fonte própria para auxiliar

a produção de conhecimento; a construção de uma “cultura do audiovisual” entre

dirigentes, docentes e discentes das instituições de ensino superior; o impulso e o

estímulo ao letramento cinematográfico dos alunos universitários; o enfrentamento da

resistência dos acadêmicos que veem com restrições a utilização do cinema na

universidade, entre outros pontos.

Anotamos que esses itens apontados não serão aqui explorados por se

afastarem do escopo dessa investigação. Acreditamos ser de grande valia que outros

estudos se destinem a discutir esses tópicos com vista a extrair do cinema todo o seu

potencial pedagógico e nos beneficiarmos de todas as suas faces no meio acadêmico.

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OBJETIVOS.

2. Objetivo geral:

Analisar a possível influência das emoções fílmicas na aprendizagem do

aluno universitário.

2.1. Objetivos específicos:

Desenvolver uma análise fílmica visando:

a) Identificar os recursos da obra para evocar emoções no espectador.

b) Identificar o potencial da obra para a aprendizagem.

c) Apresentar a discussão de um modelo para identificar os processos

cognitivos envolvidos nas sequências da obra.

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REVISÃO DE LITERATURA.

3. O Cognitivismo e as emoções fílmicas.

“É sabido que as obras de arte provocam sensações em seres

humanos, que essas sensações são variadas, que há indivíduos

mais dispostos ou mais prováveis do que outros para viver este

tipo de reações somáticas envolvidas na experiência estética, e

que esta rara sensibilidade pode, em certa medida, ser

aumentada, aperfeiçoada, reforçada, esculpida, cultivada,

refinada, ou em uma palavra, educada. O reino de afeição, no

entanto, um assunto muito complicado e difícil de entender

conceitualmente e, aplicada ao campo da arte, provoca debates

acalorados e muitos desentendimentos. Assim, não é

surpreendente que as emoções associadas à estética têm sido

de interesse para a Filosofia desde que surgiu. Platão, por

exemplo, argumentou que a agitação provocada por obras de

arte poderia levar os jovens cidadãos desviarem da República,

enquanto seu aluno mais talentoso comemorou os benefícios da

tragédia, que é a forma dramática que, dada a sua capacidade

de despertar a compaixão e medo dá, segundo Aristóteles, o

prazer e compreensão”. 7 (ZUMALDE-ARREGI, 2011).

(Tradução livre).

3.1. Um precedente filosófico no estudo das emoções evocadas por uma

obra artística – a Poética de Aristóteles.

7 “It is well known that works of art provoke sensations in humans, that these sensations are varied, that there are individuals more willing or more likely than others to live this sort of somatic reactions involved in the aesthetic experience, and that this rare sensitivity can, to some extent, be increased, perfected, strengthened, carved, cultivated, refined, or in one word, educated. The realm of affection is, however, a very slippery subject that is difficult to grasp conceptually and, applied to the field of art, provokes heated debates and many misunderstandings. Thus, it is not surprising that the emotions associated to aesthetics have been of interest to philosophy since it emerged. Plato, for instance, argued that the agitation provoked by works of art could lead the young citizens astray from the Republic, while his most gifted student celebrated the benefits of the tragedy, which is the dramatic form that given its ability to awaken compassion and fear gives, according to Aristotle, pleasure and understanding. ”

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A Poética de Aristóteles é um cânone na Filosofia da arte e nela se encontram

elementos que auxiliam a elucidar as questões sobre o cinema e a produção de emoções

no espectador. O ponto de partida para compreensão da Poética é o entendimento de

que ela concebe que “a obra de arte tem como finalidade precípua provocar emoções no

seu público”. Segundo (GOMES, 2004):

“ Na Poética de Aristóteles (...) a resposta emocional, não é apenas um dos efeitos da obra de arte, é o seu efeito fundamental, aquilo que o realizador (...) deve buscar antes de tudo, a destinação principal (dynamis) da representação e o princípio com base no qual se julga se a obra atingiu ou não a perfeição ”.

A Poética toma por base a “mimese” (mimesis) e a “catarse’ (katharsis) (em

seu Capítulo 1). A mimese no sentido aristotélico não seria uma mera imitação, mas

sim uma função ativa e criativa que determina “o modo de ser” do trágico e estará

sempre ligada à ideia de arte (techné) e de natureza (physis), já que a Poética se

fundamenta no fato de a arte traduzir a natureza e por essa via ser capaz de evocar

emoções.

De tal sorte, a resposta esperada do público após a apreciação da obra

artística seria a catarse - a força emotiva causada pela mimese levando à produção

de um efeito suscitado pela tragédia no público.

3.1.1. Elementos da Poética ou recursos para a produção da catarse.

Ao longo de seus capítulos a Poética descreve todos os elementos

necessários para que haja o que se chama uma “ação complexa” na obra a ser

apresentada aos espectadores.

Para fins deste estudo, os elementos da Poética que se destacam são a

peripécia; a complexidade dos personagens; a representação; o entrosamento dos

fatos e a narrativa, de forma que vamos aqui identificá-los.

A peripécia consiste na reviravolta das ações, conduzindo a história a um

rumo contrário ao que parecia indicado e natural (em seu Capítulo 11) e é um dos

instrumentos para que se chegue ao objetivo de causar a catarse, visando se alcançar

a emoção trágica e os sentimentos da humanidade, finalidade à qual se presta

qualquer tragédia.

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A complexidade em relação aos personagens (em seu Capítulo 13)

consiste na construção de uma história e de características tais para seus

personagens que sejam intricadas a ponto de serem capazes de também suscitar na

audiência o temor e compaixão.

Outros elementos fulcrais são a representação (dos atores) e o

entrosamento dos fatos. Estes, para permitirem a catarse na audiência devem

apresentar uma verossimilhança para que a narrativa fílmica adentre ao emocional

dos sujeitos, a ponto de lhes provocar o desencadear de emoções diversas - medo,

raiva, angústia, etc. (em seu Capítulo 15).

Aristóteles também descreve o modelo considerado adequado para a

narrativa a fim de que se alcance a catarse na audiência. Afirma que é necessário que

em todas as tragédias a narrativa apresente o nó (parte da história que expõe os

obstáculos a serem superados pelos personagens) e o desenlace (a superação dos

obstáculos e o desfecho).

O nó corresponderia à parte que vai do início da obra ao ponto em que

ocorre uma mudança drástica e o desenlace corresponderia à parte que se inicia

nessa mudança e continua até o final da obra (em seu Capítulo 18). Esses elementos

destacados por Aristóteles nos trazem a ideia da necessidade “ritmo e harmonia” na

obra, para que a mesma seja capaz de evocar emoções na audiência.

É relevante a menção a esse precedente estudo da Filosofia da arte para

os fins desta pesquisa, tendo em vista que os elementos elencados na Poética de

Aristóteles já davam destaque à questão da resposta emocional do público,

entendendo-a como o efeito fundamental da obra de arte - objetivo final do realizador

e da representação - e considerando-a o principal parâmetro para se atribuir ou não o

critério de perfeição à obra artística.

Por meio da utilização dos princípios da Poética se antecipam os efeitos

que a obra pretende produzir durante a apreciação pela audiência, no momento da

sua criação. E como veremos adiante, os critérios constantes da Poética se

harmonizam hodiernamente com a estrutura narrativa dos filmes ficcionais validada

pelo cinema mainstream8 hollywoodiano – modelo narrativo que tem prevalecido nos

8 Cinema de características dominantes na atualidade, que agrada à maioria do público. O oposto seria o cinema underground.

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estudos do Cognitivismo – e com os modelos teóricos cognitivistas a serem

apresentados a seguir.

3.2. O Cognitivismo como teoria do cinema.

Os estudos de cinema, de maneira geral, relegaram a um segundo plano a

investigação dos aspectos emotivos concernentes às obras fílmicas durante décadas. As

pesquisas sobre as emoções fílmicas foram consideradas menores, tendo sido relegadas

a um patamar de inferioridade por movimentos artísticos e por estudiosos da área.

O Cognitivismo ou a “Teoria Cognitivista” surge nos estudos fílmicos a partir

dos anos 80, principalmente como uma resposta à revisão das premissas da chamada

screen theory9 (STAM, 2013) e se apresenta como uma doutrina multidisciplinar,

sendo um misto de Psicologia e Filosofia que passa a compor os estudos do cinema

por iniciativa de David Bordwell, em 1985. Os cognitivistas em geral apoiados por

teorias científicas, na Neurociência e em estudos das emoções buscam por respostas

que afastem os princípios lacanianos e semióticos que vigoravam na época.

“A virada cognitivista rumo a métodos científicos foi motivada por sua fadiga com a especulação teórica “delirante”, com afirmações audaciosas sem apoio em fatos e com a implacável politização da screen theory”. (STAM, 2013)

Tendo por base esse contexto da virada cognitivista, poderia parecer que

os acadêmicos dedicados aos estudos fílmicos se propuseram a elaborar uma nova

grande teoria para o cinema, mas tal fato não ocorreu. Citamos o pensamento de

Carroll (1992) acerca do Cognitivismo para evidenciar o caráter não monolítico dessa

escola de pensamento:

“Cognitivismo não é uma teoria unificada em três sentidos. Primeiro, não é uma única teoria, mas uma série de teorias de pequena escala, cada qual oferece respostas a questões específicas sobre comunicação fílmica, e.g. Como a audiência assimila as narrativas fílmicas? Segundo não é uma teoria unificada porque diferentes cognitivistas costumeiramente apresentam teorias de pequena escala que conceituam os fenômenos em mãos diferentemente, e às vezes de modos não convergentes. E finalmente, o cognitivismo não parece ser uma

9 Teoria de base psicanalítica-marxista desenvolvida nos anos 70 que define o cinema como uma versão do Aparelho Ideologico do Estado althusseriano.

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teoria unificada, em parte devido as duas considerações prévias, não temos razões para acreditar que todas as teorias de pequena escala que os cognitivistas têm montado possam ser organizadas numa única moldura”.10 Tradução livre.

O Cognitivismo seria assim uma constelação de teorias que possuem

alguns (mas não todos) pontos em comum e que refutam em parte os fundamentos

linguísticos, semióticos e psicanalíticos que eram aceitos até então majoritariamente

nos estudos do cinema.) Os próprios “fundadores” do Cognitivismo não o consideram

propriamente como uma Teoria do cinema:

“Bordwell e Carroll caracterizam o Cognitivismo não como uma teoria, mas como uma perspectiva que ‘procura compreender o pensamento, a emoção e a ação humanas mediante o apelo aos processos de representação mental, aos processos naturalísticos e a (algum sentido) de agência racional’ (Bordwell e Carroll, 1996) Os cognitivistas enfatizam os sistema fisiológicos e cognitivos ‘embarcados’ em todos os seres humanos, aquilo a que Bordwell denomina ‘universais contingentes’ anteriores às particularidades de história, cultura e identidade: a pressuposição de um ambiente tridimensional; (…) de que a luz natural vem de cima; e assim por diante. Esses universais contingentes tornam possíveis as convenções artísticas que parecem naturais, porque coincidem com as normas da percepção humana”. (STAM, 2013)

Por outro lado, as Teorias Cognitivistas, em que pesem as particularidades

de cada autor quanto às abordagens e fundamentações filosóficas de eleição, em

regra apresentam certo consenso em relação a alguns aspectos. Os principais pontos

de convergência entre as diversas vertentes cognitivistas, são (STAM, 2013):

“Os processos envolvidos na espectatorialidade cinematográfica são mais bem compreendidos como tentativas racionalmente motivadas para dar sentido visual ou narrativo aos materiais textuais”;

“Os cognitivistas evitam o modelo linguístico e se dedicam, em vez disso aos elementos formais do cinema que “coincidem” com

10 “Cognitivism is not a unified theory in three senses. First, it is not a single theory, but a series of mall-scale theories, each of which offers answers to specific questions about film communication, e.g., how do audiences assimilate film narratives? Second, it is not a unified theory because different cognitivist theorists often present small-scale theories that conceptualize the phenomena at hand differently and, sometimes, in nonconverging ways. And finally, cognitivism seems not to be a unified theory because, partly due to the previous two considerations, we have no reason to believe that all the smallscale theories that the cognitivists have assembled can be organized into a single framework”.

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as leis da percepção humana. Na verdade, esses autores tendem a rejeitar a noção de linguagem cinematográfica”;

“Os cognitivistas costumam suspeitar dos métodos lúdicos, metafóricos, analógicos e repletos de jogos de palavras de alguns exemplares da screen theory”;

“O cognitivismo desdenha das afirmações teóricas ‘grandiosas’ – O autor está morto! Nasce o espectador! O dispositivo ilude! – em favor do velho pragmatismo da resolução de problemas”.

A partir da segunda metade dos anos 90 começam a surgir estudos

cognitivistas que passam a incluir a emoção como um dos parâmetros a se

analisar nas obras fílmicas. O primeiro foi a obra de Noël Carroll (1990) “The

philosophy of horror, or, Paradoxes of the heart”, New York, Routledge. A seguir

foram publicados também estudos sobre as reações emocionais dos espectadores;

sobre a relação entre as emoções da audiência e os efeitos cognitivos provocados

pelos filmes; sobre as estratégias para a construção de bons personagens, entre

outros. A abordagem cognitivista passa a ganhar destaque entre as pesquisas

contemporâneas que estudam o cinema por tentar preencher lacunas que teorias

precedentes não solucionaram a contento.

Vários dos modelos teóricos cognitivistas tratam objetivamente das

estratégias das obras fílmicas para evocar respostas emocionais no espectador e não

obstante a paisagem multifacetada do Cognitivismo, possuem construtos coerentes e

se harmonizam com os aspectos que se pretendem abordar nesta pesquisa. De

acordo com (SMITH, 1999):

“À medida que os estudos em psicologia e neurofisiologia se

tornam mais sofisticados, os pesquisadores têm se dado conta

das complexas inter-relações entre reações corporais

(fisiológicas) e processos mentais. Por isso, um pressuposto

básico para os autores cognitivistas é de que emoções e

cognição tendem a trabalhar juntas. Colocando de lado o

preconceito ocidental que entende o universo das emoções

como algo confuso, os cognitivistas enfatizam o modo como

emoções e cognição cooperam (...). Emoções nos ajudam a

avaliar nosso mundo e a reagir a ele mais rapidamente”.

Assim, a opção por embasar esta pesquisa no Cognitivismo levou em conta

não só suas características - de uma linha de pensamento coadunada com a análise

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das emoções fílmicas na aprendizagem que aqui se quer realizar - como também o

fato de seus estudos possuírem elementos mais atualizados com o contexto evolutivo

da Psicologia e da Neurociência do que outras correntes de estudos de cinema.

As investigações cognitivistas sobre as emoções fílmicas, embora distintas

em vários de seus aspectos, possuem também elementos em comum. Um deles, que

veremos adiante nas pesquisas a serem exibidas, diz respeito ao gênero fílmico

predominantemente estudado pelos teóricos dessa área. A maioria dos cognitivistas

desenvolveu pesquisas que se aplicam precipuamente ou até exclusivamente aos

filmes do atual modelo narrativo hollywoodiano - também denominado de cinema

mainstream hollywoodiano.

Outro ponto em comum entre as pesquisas cognitivistas é a constatação

de que o espectador não se constitui um ente passivo ou assujeitado no transcorrer

da assistência fílmica como apontavam teorias de cinema precedentes, baseadas na

psicanálise. Ao contrário, o conceito de espectador ativo vem sendo reportado

reiteradamente no Cognitivismo. Também se evidencia como um elemento constante

nas pesquisas cognitivistas a admissão de que existem códigos universais que

propiciam o desencadear de emoções, bem como regulam as respostas cognitivas.

Por último, há um entendimento abrangente entre os teóricos cognitivistas

de que as emoções podem possuir motivações racionais.

“O Cognitivismo (...) não só destaca a motivação racional das

respostas emocionais relacionadas à assistência fílmica, mas

também inclui uma noção de espectador neutro, não

contraditório, apolítico e universal, e não disponível em qualquer

caso às determinações culturais heterogêneas transportadas

pelo leitor empírico da vida real. Em outras palavras, a

atualização semântica do texto cinematográfico é regulada por

um certo número de denominadores comuns, cognitivos e de

percepção e partilhados por todas as culturas. Assim, a resposta

emocional do espectador é o clímax da cadeia de inferências

que, à luz de tais códigos universais de percepção e cognição, o

espectador faz, seguindo os indicadores oferecidos pelo texto

fílmico. (ZUMALDE-ARREGI, 2011) ” - Tradução livre. 11

11 "Cognitivism (...), not only highlights the rational motivation of the emotional responses linked to film

viewing, but also includes a notion of spectator as neutral, not contradictory, apolitical and universal, and unavailable in any case to the heterogeneous cultural determinations carried by the real-life empirical reader. In other words, the semantic update of the filmic text is regulated by a number of

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Os principais estudiosos cognitivistas que desenvolveram pesquisas para

identificar que recursos o cinema utiliza para evocar emoções no espectador são: Ed

Tan (Universidade de Amsterdã - Holanda); Murray Smith (Universidade de Kent –

Reino Unido); Torben Grodal (Universidade de Copenhague - Dinamarca); Greg Smith

(Universidade Cambridge - Reino Unido); Carl Plantinga (Faculdade Calvin – Estados

Unidos da América) e Noël Carroll (Centro de Graduação Cuny - Estados Unidos da

América). A seguir exibimos uma síntese das mais relevantes pesquisas desses

cognitivistas acerca das emoções fílmicas, citando seus pontos de destaque e as

principais obras de seus autores.

3.2.1. A pesquisa de Ed Tan e o interesse como elemento estrutural da

dimensão emocional do filme.

Ed Tan em sua obra Emotion and the Structure of Narrative Film: Film as

an Emotion Machine (1996) exibiu uma pesquisa que se lastreia num modelo teórico

de Psicologia Cognitivista das emoções aliado às Teorias da narrativa, no qual buscou

identificar de que maneira os filmes do cinema clássico hollywoodiano bem como os

filmes que seguem esse modelo narrativo são capazes de evocar emoções no

espectador. Tan entendeu, conforme o próprio nome dado a sua obra, que esses

filmes seriam “máquinas de produzir emoção”.

Em relação às Teorias da narrativa, Tan se valeu precipuamente da obra

Narration in Fiction Film de David Bordwell (1985) e quanto aos estudos das emoções

sua pesquisa se embasou nas ideias de Frijda (1986), psicólogo e professor da

Universidade de Amsterdã, descritas na sua obra “The emotions” que versa sobre a

natureza e funções das emoções e nas reações fisiológicas e experiências

concernentes aos estados emocionais.

Tan desenvolveu um modelo no qual a estrutura essencial para evocar a

emoção no espectador é o “interesse”.

perceptual and cognitive common denominators shared by all cultures. Thus, the emotional response from the spectator is the climax of the chain of inferences which, in the light of such universal codes of perception and cognition, the spectator makes by following the indicators offered by the filmic text. ”

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Através de estudos empíricos de espectatorialidade de filmes pertencentes

ao cinema clássico hollywoodiano Tan constatou a ocorrência de picos de

interesse no espectador e estabeleceu curvas de interesse que se desenham no

decorrer da narrativa fílmica. Tais curvas correspondem ao duo “criação / alivio” de

tensão narrativa, que se estende ao longo da obra fílmica e tais oscilações seriam

responsáveis pela sustentação desse próprio interesse.

Seus estudos constataram que estruturas como o enredo e os personagens

(por gerarem a empatia ou simpatia) despertam interesse no espectador, pois

possibilitam cogitar hipóteses acerca do que virá a seguir na narrativa fílmica e o

fazem buscar interessadamente por soluções que corroborem (ou não) suas

suposições.

“O filme narrativo de entretenimento oferece recompensas pelo interesse através de resoluções narrativas de questões que ficam em aberto ao longo do filme. Para Tan, o interesse é responsável quer pelo processamento emocional, quer pelo cognitivo das informações narrativas. ” (ZAGALO, 2004)

De acordo com a pesquisa de Tan esse “interesse” se sobrepõe a outros

tipos de emoções vivenciadas pelo espectador, pois permanece em maior ou menor

grau durante toda a assistência à obra fílmica, diferenciando-se de emoções pontuais

que se revelam no espectador somente em situações específicas como em momentos

de alegria, medo ou tristeza apresentados pela narrativa. Desta forma o interesse

surgiria como um elemento estrutural da dimensão emocional do filme.

Segundo o teórico o espectador responde ao que é apresentado numa obra

cinematográfica de ficção de acordo com o quanto é relevante para seu ambiente

vivencial, histórico, bem como de acordo com a relevância que possui para o

personagem. A interação obra-espectador é crucial no construto filme-significado-

emoções. Durante a assistência fílmica o espectador mergulha na dimensão diegética

que ali se lhe apresenta vivenciando experiências emocionais e cognitivas e no mais

das vezes almeja que suas perspectivas e suposições sobre o desenrolar da narrativa

se concretizem ao final da obra. O fechamento das questões propostas pelo filme, em

coincidência com o que o espectador almeja para a narrativa traria também a este

uma espécie de gratificação.

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Assim, Tan não considera o espectador como um ente assujeitado, mas

como um participante no jogo da narratividade e de emoções que a obra convida a

serem sentidas.

Tan explora em sua pesquisa o conceito de “situational meaning” -

significado situacional (em tradução livre), que corresponde a um conjunto de

circunstâncias que se mostram coadunadas ao espectador, em relação ao valor

positivo ou negativo que este lhes atribui em virtude da sua empatia com o

personagem. As emoções agradáveis ou desagradáveis dos personagens são para

os que assistem ao filme, em certo sentido, postas em sintonia com suas próprias

emoções. O teórico considera a empatia como o elemento de importância magna para

se entender como se processa o liame espectador-personagem.

Tan afirma que em razão de os personagens do cinema mainstream

hollywoodiano serem em geral estereotipados, possuem de plano a capacidade de

carrearem um potencial afetivo forte, o que faria com que o espectador manifestasse

empatia por suas apreensões e a elas se solidarizasse.

Tan reconhece também a simpatia como elemento que contribui para a

vinculação do espectador ao personagem e a considera pré-condição para a empatia

e aponta ainda em sua pesquisa as chamadas emoções empáticas relacionadas ao

personagem da história, como a compaixão (que sobrevém quando o personagem

está em posição inferior a do espectador); a admiração que ocorre quando o

personagem está em posição superior a do espectador); e as emoções ditas não–

empáticas, que derivam diretamente de um fato da ficção e não se vinculam ao

personagem da história. Em seu modelo, além das emoções sentidas ante a narrativa,

existem também outras, experimentadas pelo espectador conta do “engenho” da obra

fílmica.

3.2.2. A pesquisa de Murray Smith e a estrutura tríplice da simpatia.

Para elaborar esse modelo teórico, Murray Smith aderiu ao Cognitivismo e

se baseou na Filosofia e na Antropologia. Em sua pesquisa, considerou o personagem

o elemento relevante que liga o espectador à narrativa. Oposto às teorias do cinema

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inclinadas à psicanálise, entende que que a construção do personagem pelo discurso

fílmico leva em consideração hipóteses e expectativas de quem assiste à obra.

Para Murray Smith, o espectador, embora condicionado por seus valores

e mundivisão, é alguém que pelas vias da imaginação exerce um papel não passivo

ante a obra cinematográfica. Conforme Smith (2004) expõe em sua obra “Engaging

Characters: Fiction, Emotion, and the Cinema”:

“Eu caracterizei o espectador como um agente imaginativo – uma agente que sabidamente preenche certos papéis institucionais; cuja vida mental é limitada por valores e crenças particulares, mas cujas capacidades imaginativas permitem mudanças naquilo que é tomado por certo – automatizado – e que passa a ser questionado: um agente para quem a resposta emocional é parte de um ciclo mais amplo de ação, percepção e cognição mais do que no impedimento destes processos. ”

No entanto, ao valorizar a participação do espectador, o teórico não se vale

do conceito de “identificação”. Em vez disso Smith elaborou um sistema que se

caracteriza por uma sequência de níveis de engajamento do espectador com o

personagem, que se tornou sua maior contribuição para os estudos fílmicos e deu

destaque a sua pesquisa.

Esses níveis de engajamento são: o reconhecimento; o alinhamento e a

fidelidade. Estes seriam as colunas que formariam “a estrutura da simpatia”. Os

mecanismos dessa estrutura são relevantes para evocar as emoções do espectador

diante dos personagens que se apresentam. Segundo o teórico tais mecanismos

estão intimamente fulcrados num juízo moral que o espectador faz sobre os

personagens da narrativa fílmica.

Cabe ressaltar que esses níveis de engajamento se referem à relação entre

o espectador, os personagens e a narrativa, mas também se relacionam à atividade

contributiva do espectador durante a assistência ao filme. Smith defende que o

espectador vivencia a sua experiência ficcional durante o transcorrer da obra fílmica

expondo a habilidade de ativar a sua imaginação para acompanhar a narrativa

diegética.

“Por um lado, os filmes de ficção nos brindam com complexos cenários narrativos, estimulando o envolvimento de nossa imaginação, de modo que os possamos fruir por completo; por outro lado, o cinema se caracteriza como um “dispositivo” com a capacidade, ainda que limitada, de induzir percepções e

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sensações que esperaríamos experimentar nas situações ficcionais para as quais ele estimula nossa imaginação. (SMITH, 2005)

O primeiro nível de engajamento é denominado reconhecimento. A

narrativa, durante o desenrolar do filme, expõe os seus personagens - física e

psiquicamente - com seus recursos específicos e até mesmo lançando mão de

estereótipos e assim permite que o espectador os vá identificando e tornando a

identificá-los numa continuidade.

O segundo nível de engajamento é denominado de alinhamento, e se

caracteriza por ser um “processo pelo qual espectadores são situados em relação aos

personagens em termos de acesso às suas ações e àquilo que eles sabem e pensam”

(SMITH, 2004).

O teórico defende que a estrutura narrativa do filme pode apresentar

mecanismos que perfaçam esse alinhamento “espectador – personagem” se dar em

maior ou menor grau.

Como exemplo, um desses mecanismos seria a possibilidade de se

equalizar o conhecimento dos fatos pelo espectador ao conhecimento dos fatos pelo

personagem em relação ao que se passa na narrativa diegética. Por vezes, num

determinado filme, o espectador possui conhecimento antecipado do que virá (ou

poderá vir) a ocorrer e o personagem não o possui - como quando o protagonista entra

em um recinto procurando seu inimigo e o espectador sabe de antemão que tal

antagonista está escondido no local e armado. Outras vezes ocorre o contrário – o

espectador imagina, por exemplo, que o protagonista irá morrer ao se aproximar de

um precipício quando em fuga de seu inimigo, e no momento da queda, o personagem

revela que estava vestindo um paraquedas por debaixo da roupa.

O terceiro nível de engajamento se denomina fidelidade, que se distingue

por ser uma avaliação moral do personagem feita pelo espectador aliada à condição

de acesso ao íntimo desse personagem e à compreensão do contexto fílmico.

“A fidelidade depende do que o espectador toma como acesso confiável aos estados mentais do personagem, da compreensão do contexto das ações do personagem e da avaliação moral que ele faz do personagem com base neste conhecimento. Avaliação, nesse sentido tem, ao mesmo tempo, dimensões cognitiva e afetiva; por exemplo, ficar zangado ou ofendido com uma ação envolve categorizá-la como indesejável ou prejudicial a alguém ou alguma coisa e ser afetado – afetivamente

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estimulado – por esta categorização. Com base nestas avaliações, espectadores constroem estruturas morais nas quais os personagens são organizados e classificados de acordo com um sistema de preferência”. (SMITH, 2004)

Importa observar que Smith aponta para a presença de uma atividade

cognitiva e de uma atividade emocional que operam de forma concomitante no

espectador nesse nível de engajamento, sobre as quais iremos discorrer nos tópicos

subsequentes.

3.2.3 A pesquisa de Torben Grodal e a corrente de fluxo estético.

Torben Grodal em sua obra “Moving pictures: a new theory of film genres,

feelings and cognition” (1999) ao estudar a teoria de recepção cinematográfica

desenvolve um modelo sobre as estruturas fílmicas que seriam produtoras

de emoção, apresentando um sistema delineado como um fluxo estético.

“Grodal propõe o conceito de fluxo estético para se referir a essa corrente que liga percepção, cognição, memória, afeto e enação, e ilustra a maneira pela qual "cena narrativa" da narração canônica coloca isso em prática”. (ZUMALDE-ARREGI, 2011) Tradução livre. 12

O sistema de fluxo de Grodal determina que a criação de obstáculos

impostos aos personagens no decorrer da narrativa impediriam a manutenção desse

fluxo. Assim, valendo-se do conceito de identificação, esses mesmos obstáculos

opostos aos personagens permitiriam que se desencadeassem conflitos emocionais no

espectador alterando ou provocando as suas emoções ao longo da narrativa fílmica.

O conceito de identificação de Grodal é moldado pela Neuropsicologia e pela

Psicologia Cognitivista e Evolucionista e em nada se remete ao conceito de nome idêntico

proposto pela Psicanálise. Para Grodal, o conceito de identificação estaria relacionado à

ideia de “empatia” do espectador pelo personagem da narrativa. A empatia seria fruto de

uma simulação mental do espectador que se colocaria no lugar do personagem,

passando a compreender suas motivações e a reagir emocionalmente em função delas.

12 “Grodal proposes the concept of aesthetic flow to refer to that chain linking perception, cognition, memory, affection and enaction, and illustrates the way in which the “narrative scene” of the canonical narration puts it into practice ”.

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O pesquisador sustenta que esse sistema de fluxo se dá tanto na narrativa

fílmica como (e ao mesmo tempo) no espectador. Neste, as impressões coletadas do

filme pelo seu sistema sensorial seriam enviadas à mente propiciando a mudança de

suas emoções. De tal sorte, as respostas do espectador à obra fílmica se originam a

partir de estímulos produzidos pela narrativa que são processados na mente tanto de

forma emocional como cognitiva.

Como outros colegas teóricos cognitivistas Grodal aplica seu modelo de

fluxo aos filmes de narrativa clássica do cinema. O teórico enfatiza que os filmes

considerados “de arte” não seriam capazes de induzir emoções no espectador

decorrentes da apresentação de estímulos que remetam a questões e preocupações

ancestrais, sendo esse papel reservado (até o momento) às narrativas clássicas, por

estas desencadearem mecanismos de compreensão ditos “universais” à semelhança

das próprias experiências existentes na vida real do espectador.

Além de se valer desses conceitos e da observação neurofisiológica do

espectador durante a assistência fílmica, Grodal apresenta exemplos dos possíveis

obstáculos ao fluxo da narrativa diegética – bloqueios, vitimização, tensão, por

exemplo – e das possíveis experiências emocionais derivadas desse fluxo narrativo –

originadas a partir do sistema sensorial ou da mente – considerando os diversos

gêneros do cinema, embora focando seu modelo nas aludidas narrativas canônicas.

3.2.4. A pesquisa de Greg Smith e as emoções como respostas aos

sistemas de indução.

Através de estudos neurológicos e psicológicos, Greg Smith na obra “Film

structure and the emotion system” (2003) apresenta uma pesquisa sobre a emoção

fílmica na qual sustenta que o espectador durante a assistência a um filme é “convidado

a sentir”, cabendo a ele aceitar ou não essa proposta. Durante a narrativa

cinematográfica múltiplos convites à sentir são desfechados, mas para aceitá-los, o

espectador necessita de alguns pré-requisitos, quais sejam, as habilidades necessárias

para perceber as emoções.

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Greg Smith crê que seu modelo é capaz de explicar a forma pela qual os

diversos tipos de filmes produzem emoções se valendo de recursos estilísticos; da

fotografia; do enquadramento e da interpretação dos atores.

Nesse modelo a perspectiva cognitivista destaca o aspecto funcional das

emoções com o direcionamento de um objetivo ou ação, ou seja, Smith entende que

as emoções compreendem uma tendência para a ação.

Considera também que os principais pesquisadores da teoria do cinema

excluíram de suas análises os aspectos estilísticos da obra fílmica. Para acrescentar

uma alternativa à análise das emoções, Smith apresenta um modelo de associação

entre emoções concebidas como respostas a vários sistemas de indução. O padrão

proposto por Smith se compõe de redes nas quais diferentes tipos de estímulos estão

associados (pensamentos, memórias e ações fisiológicas) resultando em diferentes

emoções.

Com esse modelo, outros estados afetivos ganham destaque além das

emoções prototípicas, ou ditas primárias - felicidade, tristeza, medo, nojo, por

exemplo. Greg Smith sugere que o primeiro efeito dos filmes seria despertar “estados

de ânimo” (moods) no espectador. Por essa razão denominou sua teoria de “mood-

cue approach” (abordagem dos sinais de estados de ânimo, em tradução livre).

Smith sustenta que os experimentos científicos mostram que as emoções

possuem duração de segundos ou minutos – embora alguns indivíduos reajam por

períodos maiores e nesse caso acredita que o ambiente em que o indivíduo se

encontra influencie no resultado emocional. Esse cenário de produção emocional por

curtos períodos leva os filmes narrativos de ficção a provocar estados de ânimo que

induzem o espectador a se orientar emocionalmente ao texto fílmico desde o início da

narrativa. Os estados de ânimo seriam mais difusos e demorados e as emoções

seriam respostas imediatas e intensas.

Para provocar um estado de ânimo no espectador, existiriam várias formas

de estímulo, como as expressões dos atores; os diálogos; a narrativa; o som; o tom

de voz; o mise-en-scène; a iluminação; os figurinos; a montagem; entre outros e

também os microscripts – informações ligadas a convenções de gênero – que permitem

sugestionar o espectador para que este construa hipóteses sobre a narrativa.

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Na contramão dos demais cognitivistas, Greg Smith é um dos raros teóricos

que não restringe sua pesquisa aos filmes produzidos pelo cinema mainstream

hollywoodiano e estende a aplicação da mesma até o chamado “cinema de arte”.

Smith afirma também que os estados de ânimo serviriam como preparação

para a manifestação subsequente de emoções do espectador, situação a qual ele

denomina de humor-estímulo. A partir dessa premissa propõe que se identifique os

“moods” predominantes no espectador ao longo da narrativa, e se observem situações

cruciais que poderiam se traduzir como “rajadas de estímulos altamente

coordenados”. Momentos narrativos e emocionais como estes estariam ligados aos

obstáculos do protagonista em sua jornada em direção aos objetivos.

Ainda dentro do rol de estruturas que estimulariam um estado de ânimo no

espectador, Smith denomina de “marcadores emocionais”, as situações nas quais os

aspectos mais mobilizados para provocar tais estímulos são os elementos

audiovisuais, que na sua visão, se constituem numa forma de recompensa emocional

ao espectador.

3.2.5. A pesquisa de Carl Plantinga e as trajetórias afetivas.

Plantinga desenvolveu um estudo cognitivista acerca das emoções no

cinema em sua obra Moving Viewers – American Film and The Spectator‘s Experience

(2009) baseado na Filosofia, na Psicologia e na Midialogia.

Reproduzindo a opção de outros teóricos da área Plantinga delimitou sua

pesquisa somente em relação aos filmes do cinema mainstream americano. Segundo

expõe, a narrativa do cinema mainstream seria a que exerce o papel principal na

condução da experiência afetiva do espectador. O teórico sustenta que cinema

hollywoodiano privilegia a evocação de emoções em decorrência da elaboração de

uma estrutura narrativa na qual o espectador é chamado a se emocionar

desenvolvendo uma resposta previamente esperada.

Sua teoria descreve uma ligação entre as emoções fílmicas e a significação

das experiências que envolvem o espectador. Não obstante, tributa a experiência

afetiva da audiência também a fatores não relacionados à cognição. Plantinga

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considera que as repostas emocionais do espectador não decorrem só de processos

conscientes como também se originam do inconsciente.

Ao estudar as emoções, Plantinga as distingue previamente dos afetos e

dos humores. Em sua visão, emoções seriam interpretações baseadas em

preocupação, pois não são unicamente um estado anímico decorrente de uma

mudança intima no ser, mas também uma forma do indivíduo conhecer ou valorar a

referida mudança interior.

As emoções se relacionam sempre a um objeto da obra fílmica. Nessa

seara, Plantinga desenvolve por meio de um raciocínio detalhista uma extensa relação

de categorizações de emoções do espectador e as denomina de emoções globais

(como a curiosidade, por exemplo); locais (como a repulsa, o entusiasmo); simpáticas

(admiração, compaixão); antipáticas (raiva; desdém); de ficção (múltiplas, e

relacionadas a um objeto do filme) e de artefato (fascinação).

Quanto aos afetos, experiências dos sentidos, estados de ânimo, são vistos

por Plantinga como experiências afetivas, pois suas causas escapam à consciência.

Já a compaixão, o medo, seriam em sua teoria um afeto especifico, porque neles

existe a presença intensa da cognição. Plantinga também os categoriza em afetos

diretos; mimetismos afetivos; mimetismos motores; afetos prazerosos e

desprazerosos e os humores, ou estados de espírito do espectador, de acordo com a

teoria, não possuem como as emoções uma vinculação a um objeto do filme, mas

podem gerar no indivíduo uma resposta emocional.

No entanto, talvez o ponto central envolvendo essa parte de sua pesquisa

esteja na afirmação de que os filmes constroem trajetórias afetivas de maneira

proposital, no intuito direcionar a assistência do espectador. Em essa constatação

Plantinga se debruça nas citadas categorizações para evidenciar como se evocam as

emoções em cada obra fílmica e compreender como as estratégias para promoção da

emoção estabelecem um liame com os pensamentos estimulados pela obra fílmica.

Plantinga realiza um mapeamento das referidas trajetórias fílmicas, observando os

diferentes afetos e prazeres que mobilizam emoções ao longo da narrativa, analisando

a intensidade destes e o tipo de representatividade que possuem na narrativa.

Outro aspecto que se destaca na sua teoria é a ideia do engajamento ao

personagem que dependeria de atividades cognitivas e da simpatia, antipatia ou

indiferença do espectador pelos personagens da história e com pequenas variações

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replica o modelo de Murray Smith da “estrutura da simpatia”. Para explicar como se

dá o engajamento ao personagem o teórico lança mão novamente das categorizações

e lista um rol de manifestações possíveis que o espectador pode apresentar em

relação àquele como: fidelidade; simpatia; gostar; desgostar; entre outros, que

determinam um nível maior ou menor desse engajamento.

Plantinga em seu estudo assimila vários conceitos propostos por outros

cognitivistas formulando uma pesquisa muito ampla e arquitetando uma estrutura

complexa e perfazendo um dos mais aprofundados estudos das emoções do cinema.

3.2.6. A pesquisa de Noël Carroll e os filmes afetivamente pré-

focalizados.

Noël Carroll em sua obra The Philosophy of Horror or paradoxes of the heart

(1990), foi um dos primeiros estudiosos do Cognitivismo a se debruçar sobre a

pesquisa das emoções fílmicas a partir principalmente de seus estudos empíricos.

Como vários outros cognitivistas Carroll direcionou sua pesquisa para o cinema

hollywoodiano por entender que este possui fortes elementos mobilizadores das

emoções da audiência.

Em sua teoria, Carroll se vale do pensamento aristotélico da Poética para

presumir que “as imagens e figuras do gênero são arranjadas para causar a emoção

que chamei de horror-artístico” (CARROLL, 1990).

Carroll defende a “Teoria do pensamento” que afirma que que o ser

humano pode reagir emocionalmente a simples conteúdos de pensamento. Aduz que

afinal o que identifica uma emoção não é o seu aspecto físico ou sensorial, mas sua

porção cognitiva. Também vem a distinguir mais adiante em várias produções

científicas as emoções dos afetos, pois estes englobam reações sensoriais e

sentimentos vivenciados pelo indivíduo.

Em diversos outros estudos Carroll situa também as emoções como uma

subcategoria de afeto que necessita obrigatoriamente da cognição.

Na assistência a uma obra fílmica, elementos como a estrutura narrativa; a

montagem; os cenários, por exemplo, se encarregam de realçar critérios que são

passíveis de induzir uma resposta emocional na audiência e por essa razão atribui

aos filmes a expressão “afetivamente pré-focalizados” e conclui que o texto

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cinematográfico, principalmente por meio das interações com os personagens,

estabelece um “foco emotivo” (emotive focus) para o espectador na medida em que

determina a este os pontos de atenção. (CARROLL,1999).

Em seus estudos o teórico também passou a sustentar que a simpatia seria

o mecanismo principal para se justificar o engajamento do espectador com o

personagem e por consequência compreender como se desencadeiam as emoções.

Trabalhando com filmes do cinema dito convencional, o filósofo se detém

nesse tema da simpatia (e antipatia) e refuta o termo identificação. A simpatia, diz

Carroll, se dirige sempre a outra pessoa (real ou ficcional) e não se vincula com o

próprio espectador. A identificação passa, ao contrário, uma ideia sugestiva de fusão

entre espectador e personagem. (CARROLL, 2008).

A simpatia, segundo Carroll, é um vínculo constante durante toda a obra

fílmica ligando o personagem ao espectador, adaptando suas respostas emocionais

e estabelecendo uma ‘solidariedade’ na relação que se funda entre eles.

Sustenta ainda que o personagem, em se tratando do cinema mainstream,

costuma se revestir de certos estereótipos e convenções que permite que a audiência

os identifique com facilidade com o auxílio de elementos da narrativa que se

incumbem de deixar claras as características que se querem destacar, propiciando

facilidade para que se desenvolva desde logo a simpatia ou a antipatia por parte da

audiência.

Essas contribuições de Carroll para o entendimento das emoções fílmicas

foram aproveitadas em diversas outras teorias desenvolvidas por seus pares, com

algumas variações, e se constituem uma referência nos estudos Cognitivos.

3.3. Os pontos em comum das pesquisas cognitivistas.

Da leitura das pesquisas cognitivistas sobre as emoções fílmicas prevalece a

ideia da existência de um espectador ativo (não passivo), que vivencia emoções ao longo

do filme como se fossem emoções da vida real.

Também se constata que as pesquisas trazem recorrentes citações acerca da

manifestação conjunta de aspectos emocionais e cognitivos no espectador durante a

assistência a uma narrativa fílmica ficcional.

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Outro aspecto em comum é o fato de as pesquisas, em sua maioria,

privilegiarem o cinema mainstream hollywoodiano, que pela sua construção narrativa

parece privilegiar o desencadeamento das emoções no espectador.

Por último, entendemos que embora os autores partam de diferentes bases

gnosiológicas, abordagens e métodos e apontem variados recursos para evocar

emoções no espectador, todos dão destaque aos componentes direta ou indiretamente

afetos à “estrutura narrativa”, reconhecendo a importância das emoções no “diálogo obra

cinematográfica-espectador”.

3.4. As pesquisas da Neurociência e da Psicologia.

Nesta parte, apresentamos uma série de estudos atuais que apontam a

influência das emoções na aprendizagem e assinalam que as emoções estão, sob

muitos aspectos, integradas à cognição.

Importante destacar que optamos por não citar pesquisas atuais da área

da Educação porque estas, até onde foi possível pesquisar, ao tratarem do tema em

apreço buscam em regra seus fundamentos na Psicologia e na Neurociência, que em

razão de seus objetos de estudo fornecem os subsídios neurofisiológicos e

psicológicos necessários para esses trabalhos.

As pesquisas selecionadas trazem novas concepções e descobertas que

vêm sendo bem recebidas no meio acadêmico e começam a mudar paradigmas

acerca do processamento das emoções.

“(...) durante muitas décadas as teorias psicológicas estudaram separadamente os processos cognitivos e afetivos. Seja por dificuldade em estudá-los de forma integrada, seja por crença dos psicólogos e cientistas que se debruçaram sobre a temática, tal separação parece ter nos conduzido a uma visão parcial e distorcida da realidade, com reflexos nas investigações científicas e no modelo educacional ainda vigente.” (ARANTES, 2002)

3.4.1. Considerações iniciais.

O estudo das emoções é vasto, multifacetado e, por vezes, multidisciplinar.

E os fundamentos utilizados no estudo das emoções têm se transformado

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significativamente ao longo das últimas décadas. Por muito tempo prevaleceu a ideia

de que emoção e razão são compartimentos distintos no cérebro humano. À luz dos

novos avanços científicos da Psicologia e da Neurociência hoje vemos ganhar corpo

a ideia de que o cérebro possui funções interligadas e de que a emoção pode

influenciar a cognição (e vice-versa), de forma que se sugere fortemente que as

emoções desempenhem um papel relevante na aprendizagem e participem da

construção do conhecimento. Tais avanços provém de pesquisas robustas, mas ainda

geram polêmicas já que para alguns teóricos os processos cognitivos são o caminho

para a construção do “verdadeiro conhecimento” e os processos emocionais não

estariam aptos para realizar a mesma empreitada. Conforme Gardner (1985) e Oliva

(2006):

“Há a decisão deliberada de diminuir a ênfase de certos fatores que podem ser importantes para o funcionamento cognitivo, mas cuja inclusão nesse momento complicaria de forma desnecessária o empreendimento científico-cognitivo. Esses fatores incluem a influência de fatores afetivos ou emoções...”

E também:

“Na primeira metade do século XX, na busca de objetividade e

status científico, com a adoção, um tanto ingênua, pela Psicologia de modelos inspirados nas ciências físicas, as emoções e todos os seus parentes – as coisas que são sentidas – foram lançadas à margem da hierarquia de interesses ou inteiramente desqualificadas. Os estados mentais e subjetivos, chamados pelos psicólogos behavioristas “fantasmas da máquina”, não constituíam temas adequados de estudo”.

Entretanto, para o âmbito desta investigação, vemos que no momento atual

já é possível se cogitar a influência das emoções fílmicas vivenciadas pelo espectador

sobre seus processos cognitivos e sua aprendizagem.

“Tanto no campo da Psicologia quanto no campo da Neurologia, algumas perspectivas teóricas e científicas questionam os tradicionais dualismos do pensamento ocidental, apontando caminhos e hipóteses que prometem inovar as teorias sobre o funcionamento psíquico humano, na direção de integrar dialeticamente cognição e afetividade, razão e emoções”. (ARANTES, 2002)

As pesquisas a seguir expostas tratam das emoções humanas e as

emoções sentidas durante a assistência a uma obra fílmica, a despeito de decorrerem

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da ficção e não da realidade, se constituem dos mesmos atributos daquelas

vivenciadas na vida real. O indivíduo que chora, por exemplo, numa cena de filme está

naquele momento, genuinamente, vivenciando a emoção da tristeza. Para o intento

deste tópico é relevante destacar incialmente o campo de estudos da Psicologia

evolucionista que surgiu nos anos 90 e que:

“(...)propõe que a mente humana funciona através de mecanismos psicológicos evoluídos, que seriam características universais de nossa espécie, evocativas do ambiente ancestral no qual ela evoluiu. Estes mecanismos consistem em emoções, preferências e propensões, selecionadas porque ajudaram nossos ancestrais a sobreviver e reproduzir no passado. Uma vez que o ambiente moderno mudou radicalmente em relação àquele que seria o berço dessas adaptações, temos que nos perguntar se estes mecanismos ainda permanecem, e se nossos comportamentos refletem essas adaptações passadas”. (YAMAMOTO e MOURA, 2010)

A Psicologia evolucionista baseia-se fusão da Ciência Cognitiva13 com a

Biologia evolucionista14 e a partir do seu desenvolvimento os estudos sobre as

emoções passaram a ser protagonistas em inúmeras pesquisas, havendo um

significativo avanço na identificação de mecanismos cerebrais que até então

permaneciam obscuros.

“A moderna Psicologia evolucionista põe as emoções em foco, entendendo-as como programas superordenados que coordenam muitos outros, ou seja, como soluções de problemas adaptativos de mecanismos de orquestração: organizam percepções, atenção, inferência, aprendizagem, memória, escolha de objetivos, prioridades motivacionais, estruturas conceituais, categorizações, reações fisiológicas, reflexos, decisões comportamentais, processos de comunicação, níveis de energia e de alocação de esforços, coloração afetiva de eventos e de estímulos, avaliações da situação, valores, variáveis reguladoras, como autoestima, e assim por diante. Cada emoção atua sobre vários outros programas adaptativos, desativando alguns, ativando outros e mudando os parâmetros de terceiros, permitindo que todo o sistema opere de modo

13 Área interdisciplinar que investiga o funcionamento da mente e o processamento de informações utilizando conceitos da Neurociência, da Antropologia, da Filosofia, da Psicologia, da Linguística e da Inteligência artificial. Extraído de (OLIVEIRA, 1990). 14 A Biologia evolucionista investiga a evolução dos organismos. Extraído de (MAYR, 2005).

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eficaz e harmonioso, toda vez que se defrontar com certos tipos de condições”. (OLIVA, 2006)

Passamos a seguir às conceituações dos elementos fulcrais desta parte.

3.4.2. Conceituando emoção e aprendizagem.

Localizamos na literatura diferentes conceitos que buscam traduzir o

significado de “emoção”, cujos termos possuem algumas variações e tendem ao tipo

de estudo que cada pesquisador se propõe a desenvolver. Igualmente existe uma

gama de expressões que por vezes são “equiparadas” à emoção e em outras vezes

podem carrear distintos significados.

Por exemplo: entre os estudiosos cognitivistas do cinema há os que

distinguem emoções de afetos; de estados de espírito; de humores; de sentimentos;

de mimetismos, de estados emocionais, etc. A contrário senso, há também os que

não realizam tais distinções.

Já entre os estudiosos da Psicologia e da Neurociência há os que

considerem essas diferenciações na medida em que se mostrem úteis ou necessárias

para o escopo de suas pesquisas.

Neste trabalho não há o propósito de se diferenciar o “uma categoria em

particular” de reações emocionais suscitadas no espectador, nem tampouco de se

constatar se a emoção suscitada decorre do consciente ou do inconsciente; se é afeta

de forma direta ou não a um elemento da narrativa; ou se deve ser avaliada um estado

de ânimo ou uma experiência afetiva.

Justifica-se tal afirmação, pois não haveria relevância em se constatar – à

guisa de exemplo – se o espectador ao vivenciar tristeza; ou medo ante a assistência

a um filme ficcional, estaria frente a uma reação emocional consciente (ou não), global,

local e assim por diante. Tais minudências fogem ao desígnio desta investigação.

Com isso não se quer aduzir que outras pesquisas nesta linha de estudo

não possam vir a “categorizar” as emoções fílmicas desencadeadas no espectador e

relacioná-las de alguma forma à questão da aprendizagem. Somente se aclara que

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para os fins deste estudo estas variáveis seriam despiciendas à nossa linha

investigativa.

Destarte, utilizamos neste tópico o termo genérico “emoções” a todas as

reações desencadeadas no indivíduo que lhe provoquem uma alteração do seu

estado emocional e, no mesmo sentido, consideramos também genericamente como

“emoções” a todas as reações desencadeadas no “espectador” que lhe provoquem

uma alteração do seu estado emocional inicial quando da assistência à obra fílmica.

Nesse sentido, entre os diversos conceitos de emoções da literatura, optamos por

citar dois deles que transcrevemos a seguir:

“A Psicologia tem apontado que a emoção é um produto da convergência de fatores físicos e mentais. É, se preferir, um estado de espírito ou uma experiência emocional complexa que inclui certo estado de consciência (medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva, esperança, felicidade e aceitação, de acordo com a taxonomia clássica de Robert Plutchik [1980]) e certas reações fisiológicas (mudanças na respiração e da circulação sanguínea, secreções glandulares, tensão muscular, alterações faciais, dilatação das pupilas, etc.)" (ZUMALDE-ARREGI, 2011). 15 Tradução livre.

E também:

“As emoções não são disfunções que interferem com nossa racionalidade; em vez disso, são processos funcionais. Emoções para a perspectiva cognitivista em desenvolvimento, são tendências de ação funcionais que nos motivam em direção a objetivos e que são moldadas por nossas expectativas situacionais”. (SMITH 1999).16

Em relação à aprendizagem, dentre muitos conceitos de existentes na

literatura, consideramos aqui o da Psicologia Cognitiva para a qual a aprendizagem é

15 Psychology has pointed out that emotion is a product of the convergence of physical and mental factors. It is, if you prefer, a mood or a complex emotional experience that includes certain state of consciousness (fear, surprise, sadness, disgust, anger, hope, happiness and acceptance, according to the classical taxonomy of Robert Plutchik [1980] and certain physiological reactions (changes in respiration and blood circulation, glandular secretions, muscular tension, facial changes, dilation of the pupils, etc.)”. 16 “Emotions are not dysfunctions that interfere with our rationality; instead they are functional

processes. Emotions, to the budding cognitivist perspective, are functional action tendencies that motivate us toward goals and that are shaped by our situational expectations”.

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“um resultado de uma restruturação do modo individual de perceber” (CABRAL e

NICK, 2006).

É, de tal modo, é o resultado decorrente ao processo que a precede,

denominado de cognição, ou ato de conhecer, que se constitui por um conjunto de

variados elementos, como o pensamento; a memorização; a reflexão; a atenção; a

percepção; o juízo; a linguagem; a imaginação e o raciocínio.

3.5. Antônio Damásio e a hipótese dos marcadores somáticos.

Um dos trabalhos mais reconhecidos sobre emoções e cognição é o

desenvolvido por Antônio Damásio, médico neurocientista português que atua na

Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos da América, é um dos maiores

nomes da atualidade na Neurociência. Em seu livro “O erro de Descartes”, Damásio

(1996) analisa casos de pacientes que apresentam lesões cerebrais e a partir desses

estudos e também de experimentos com animais em laboratório desenvolveu uma

teoria que foi recebida com grande aceitação no meio acadêmico e que se contrapõe

ao modelo dualista proposto por Descartes sobre a dicotomia entre razão e emoção.

Sua teoria representaria assim uma negação do pensamento cartesiano.

Destacamos de sua obra o caso ocorrido no século XIX, do paciente

Phineas Gage, de 25 anos, que teve seu crânio transpassado por uma barra de ferro

de 4 metros. Analisando esse caso um século após a sua ocorrência, Damásio

identificou uma correlação entre as funções cerebrais afetas às emoções e àquelas

atinentes aos processos cognitivos. Gage, após ter sofrido essa lesão cerebral no lobo

pré-frontal17 em decorrência de uma explosão, perdeu a capacidade de tomar

decisões e passou a ter alterações comportamentais e sociais progressivas até chegar

à total senectude. Contudo, a sua linguagem, o seu raciocínio lógico e a sua memória

estavam preservadas.

Casos atuais de pacientes com lesões cerebrais nessa região também

apresentavam os mesmos sintomas e realizando uma análise neuropsicológica

17 Região do córtex pré-frontal, dentre outras funções, controla os impulsos e exerce o controle

emocional atuando pela empatia, pelo discernimento e pelo estabelecimento de juízos de valor.

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Damásio identificou uma baixa reatividade emocional nos pacientes e desenvolveu

uma das mais importantes teorias sobre a lógica das emoções, a qual ele denominou

de “hipótese dos marcadores somáticos”. O cerne dessa teoria advoga que as

emoções seriam marcadores que atuariam sobre os processos cognitivos como

“guias” para a tomada de decisões.

Damásio relata que um paciente, operado em virtude de um tumor, possuía

uma lesão cerebral que comprometia as estruturas responsáveis pelo processamento

das emoções. Numa ocasião ele devia optar por uma entre duas datas para um

retorno ao seu consultório. Damásio descreve resumidamente o que ocorreu nesse

momento da consulta:

“Durante uma boa meia hora, o doente enumerou razões a favor e contra cada uma das datas: compromissos anteriormente assumidos, proximidade de outros compromissos, possíveis condições meteorológicas, praticamente tudo o que se pudesse imaginar a respeito de uma simples data (...) numa lista infindável e numa comparação infrutífera de opções e consequências possíveis (...) acabamos por lhe dizer para vir na segunda das duas datas alternativas (...) Este comportamento demonstra bem os limites da razão pura.” (DAMÁSIO, 1996)

Essa pesquisa permitiu reconhecer que há “marcadores emocionais“ no

cérebro que são elementos essenciais e precedem a formulação do processo de

tomada de decisão. Esses marcadores (emoções) desempenhariam um papel

regulador no intuito de auferir alguma vantagem ao indivíduo ou lhe permitir uma maior

adaptabilidade às situações a serem vivenciadas.

Damásio afirma que emoção e cognição são funções mentais interativas, e

não dissociadas, que as emoções geram atos racionais, que elas precedem os

processos cognitivos e, como marcadores, positivos ou negativos, interferem, por

conseguinte, na capacidade de decidir.

"Emoções bem direcionadas e bem situadas parecem constituir um sistema de apoio sem o qual o edifício da razão não pode operar a contento." (DAMÁSIO, 1996)

Em sua obra posterior, “O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções

do conhecimento de si”, Damásio continua desenvolvendo a temática:

“As emoções são adaptações que integram os mecanismos pelos quais os organismos regulam a vida, quer numa reação específica a uma situação quer na regulação do estado interno do indivíduo. Emoções são conjuntos complexos de reações

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químicas e neurais, formando um padrão; todas as emoções têm algum tipo de papel regulador a desempenhar, levando, de um modo ou de outro, à criação de circunstâncias vantajosas para o organismo em que o fenômeno se manifesta; as emoções estão ligadas à vida de um organismo, ao seu corpo, para ser exato, e seu papel é auxiliar o organismo a conservar a vida”. (DAMÁSIO, 2000)

O teórico explana que as emoções são mecanismos complexos de

regulação da vida, desencadeadas por imagens cerebrais que provocam reações

corpóreas; são conjuntos de reações decorrentes de diferentes estímulos que podem

advir de situações ou mesmo de objetos. A ação das emoções se dá durante toda a

vida do indivíduo porque os estímulos que as desencadeiam são infinitos:

“A consequência de concedermos um valor emocional aos objetos que não estavam biologicamente destinados a receber essa carga emocional é tornar infinita a lista de estímulos que, potencialmente, podem induzir emoções. De uma forma, ou de outra, a maior parte dos objetos e das situações conduzem a alguma reação emocional, embora uns em maior escala que outros”. (DAMÁSIO, 2000)

De acordo com esses estudos as emoções são indissociáveis da razão e

nela interferem de múltiplas formas:

“A tristeza desacelera o raciocínio e pode nos levar a ficar ruminando a situação que a desencadeou; a alegria, pode acelerar o raciocínio e reduzir a atenção para eventos não relacionados” (DAMÁSIO, 2011)

Para o cientista, a famosa frase que Descartes escreveu no “Discurso do

Método”: “Penso, logo existo” pode ser substituída por “Existo e sinto, logo penso”.

Com o atual conhecimento do papel essencial das emoções na formulação

dos processos cognitivos, acredita-se que são as emoções que modulam o ato de

pensar e participam dos processos de tomada de decisão. De tal forma, não podem

ser consideradas obstáculos à razão, pois fornecem incentivos a esta e a auxiliam por

meio desses marcadores somáticos. A razão pura, assim, não é capaz de permitir

que todas as funções cerebrais sejam desempenhadas a contento e os casos

estudados por Damásio forneceram uma prova da interdependência entre os aspectos

emocionais e racionais do cérebro.

3.6. Sacks e a integração e adaptabilidade cerebral.

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O neurologista inglês Oliver Sacks, recentemente falecido (2015), foi

professor de neurologia da clínica do Albert Einstein College of Medicine em Nova

York e da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América e à semelhança

de Damásio, estudou casos extremos de pacientes com diferentes lesões

neurológicas.

Interessante comentar que Sacks acompanhava seus pacientes in loco, ou

seja, não só na clínica ou no hospital, mas nas suas vidas diárias, no movimento dos

seus cotidianos, o que o permitiu uma visão no mínimo diferenciada de cada um de

seus casos. Ele próprio comenta:

(...) “tirei meu guarda-pó branco e desertei, em grande parte, dos hospitais onde passei os últimos 25 anos, para pesquisar a vida de meus pacientes no mundo real”. (SACKS, 2005)

Sacks se denominou “um neuroantropólogo, em trabalho de campo - mas

sobretudo (...) um médico” e reuniu uma coletânea de casos clínicos estudados em

sua obra “Um antropólogo em Marte”, da qual destacamos abaixo um trecho relevante:

“Tive (....) um engenheiro com uma lesão maciça do lobo frontal em conseqüência de uma hemorragia, que eu via com frequência lendo Scientific American. Continuava apto a entender a maioria dos artigos, mas dizia que eles não lhe provocavam mais nenhum espanto — o que antes fora fundamental para sua paixão pela ciência. Outro homem, um juiz aposentado descrito na literatura neurológica, teve uma lesão do lobo frontal em consequência de fragmentos de uma granada no cérebro e, por conseguinte, viu-se totalmente desprovido de emoção. Poder-se-ia pensar que a falta de emoção, e as propensões que a acompanham, o tornariam mais imparcial — um juiz sem igual. Mas ele mesmo, com grande discernimento, renunciou ao cargo, alegando não poder mais entender com compaixão os motivos de alguém preocupado e que, já que a Justiça envolvia o sentimento e não apenas o pensamento, sua lesão o desqualificava totalmente para o cargo”. (SACKS, 2005)

Tais casos revelam, como no estudo de Damásio, que quando suprimida a

emoção, se invialiabiliza o funcionamento correto da razão, ou por outras palavras,

que a emoção é necessária para dar o start à engrenagem que assegura aos

processos cognitivos o processamento adequado, o que indica haver uma ligação

manifesta entre o lado emocional e o lado racional do cérebro. Nesses processos há

a participação efetiva do lobo frontal do cérebro e uma lesão a essa estrutura parece

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causar nos pacientes estudados uma deterioração da identidade da qual decorre

tambem uma inadequação no comportamento social.

“Os lobos frontais são a parte mais complexa do cérebro, concernidos não com as funções “inferiores” do movimento e sensação, mas com as mais superiores, de integração de todo juízo e comportamento, toda imaginação e emoção, numa identidade única que costumamos chamar de “personalidade” ou o “eu”. Lesões em outras partes do cérebro podem produzir distúrbios específicos de sensação ou movimento, de linguagem, ou de funções específicas de percepção, cognição ou memória. As lesões do lobo frontal, em contrapartida, não afetam essas funções, mas produzem um distúrbio mais sutil e profundo de identidade”. (SACKS, 2005)

Sacks se dedicou a estudar casos de pacientes com patologias extremas e

acompanhou as trajetórias de recuperação dos mesmos. Em razão de seus estudos,

o neurologista defendeu a ideia de que “o cérebro possui uma adaptabilidade

continua” e é constituido “por estuturas que interagem entre si com uma sintonia

ultrafina que até hoje não foi completamente decifrada”. Em suas palavras:

“Está claro que o cérebro é minuciosamente diferenciado: existem centenas de áreas minúsculas cruciais para cada aspecto da percepção e do comportamento (da percepção das cores e do movimento até, talvez, a orientação intelectual de um indivíduo). O milagre é a maneira como elas cooperam, como se integram, na criação de um eu. (SACKS, 2005)

Assim como Damásio, Sacks rechaçou, portanto, a ideia de que a razão e

a emoção humanas estejam separadas.

3.7. Os níveis de processamento cerebral de Donald Norman.

Outro cientista que discorre sobre a influência da emoção nos processos

cognitivos é Donald Norman, psicólogo e professor de ciência cognitiva na

Universidade da Califórnia em San Diego e professor na Universidade Northwestern,

nos Estados Unidos da América.

Norman desenvolveu suas pesquisas buscando identificar como as

emoções interferem na interação dos indivíduos com os objetos, considerando o papel

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das emoções e da cognição na interpretação do design. Nesses estudos, Norman

identificou a existência de três níveis estruturais de processamento emocional.

O primeiro nível, que denominou de “nível visceral”, é inconsciente e atua

em um estado primitivo, estabelecendo juízos superficiais e seria uma função do

cérebro praticamente pré-programada. Nesse nível de processamento os indivíduos

costumam tomar decisões simples, básicas, como gostar ou não gostar de algo que

lhes é apresentado. No nível visceral se realiza uma percepção direta e imediata das

coisas, um juízo rápido, não elaborado e os aspectos sensoriais predominam na

realização dessas análises (aspectos ligados aos sons, imagens, odores, percepções

táteis, etc.). Seria um nível automático de juízos que teria por finalidade nos alertar

para as coisas do mundo ou nos dar uma impressão imediata. Nesse nível os

indivíduos fazem primeiramente uma interpretação emocional dos objetos.

“De fato, a emoção torna você inteligente. (…). A emoção está sempre fazendo juízos de valor, apresentando informações imediatas a respeito do mundo: aqui está um perigo em potencial; isto é bom, aquilo é ruim. ” (NORMAN, 2008)

O segundo nível de processamento emocional é o “nível comportamental”,

também inconsciente, responsável pela maioria das nossas ações do cotidiano e

ligado à uma percepção aliada ao prazer e à identificação da utilidade dos objetos.

Esse nível de processamento emocional é intermediário e automático e as emoções

funcionam como diretrizes para aa tomadas de decisão em relação aos artefatos. De

acordo com o cientista:

“A consciência chega depois, tanto na evolução quanto na maneira como o cérebro processa as informações”.

“As emoções auxiliam na tomada de decisão. Emoções positivas são tão importantes quanto as negativas – as emoções positivas são básicas para o aprendizado, a curiosidade e o pensamento positivo, e hoje em dia as pesquisas estão se voltando para essa realidade. ”

O terceiro nível é o “reflexivo”. É um nível consciente e mais elevado de

processamento emocional e inclui atividades mais refinadas, como admirar uma obra

artística, por exemplo, que depende de ações como a contemplação, a apreciação

da beleza. Envolve significados; decorre do raciocínio; do entendimento e se

relaciona à memória afetiva; à autoimagem; ao prestígio; o status e a construção da

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personalidade. Esses três níveis de processamento emocional se interagem

continuamente e são os responsáveis pela resposta interpretativa do indivíduo em

relação ás propriedades dos objetos.

“Emoções, nós agora sabemos, mudam a maneira como a mente humana soluciona problemas – o sistema emocional muda a maneira como o sistema cognitivo opera (NORMAN, 2008).

3.8. Os modelos organizadores na construção do conhecimento

de Moreno e colaboradores.

A teoria dos modelos organizadores foi desenvolvida no intuito de se

entender como os indivíduos pensam ou representam a realidade e se volta à análise

dos modelos de pensamento e da participação de elementos como juízos,

sentimentos e valores na composição da estrutura cognitiva da mente. A teoria toma

por base a Psicologia Genética e Cognitiva e tem sido muito utilizada no âmbito da

resolução de conflitos e questões morais.

Os modelos organizadores são representações mentais construídas a partir

do que os sujeitos consideram como realidade e se traduz por uma lógica interna. Sua

construção decorre da relação dos indivíduos com o meio, de onde eles obtêm

referências concretas a partir de uma determinada situação e a partir daí lhe impõem

significados.

Um modelo organizador processa as referências obtidas da realidade e as

traduz em elementos que decorrem ou da própria observação da situação ou de

inferências que são feitas sobre a mesma ou também da criação deliberada de outros

elementos. E esse processamento acaba por atribuir significados.

Os modelos organizadores se prestam a promover a explicação de fatos

da realidade subjetiva do indivíduo e também propiciam pressupostos para as ações

que estes indivíduos podem vir a desempenhar. Como característica, possuem

sempre um caráter subjetivo. Ou seja, diante de determinada circunstância da

realidade, dois indivíduos podem muito provavelmente formular representações

mentais diferentes.

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Um aspecto bastante relevante na teoria que se volta para o objeto do

presente estudo é que na construção dos modelos organizadores os elementos da

realidade são primeiramente selecionados pelos indivíduos e esse processo não se

dá somente com base na cognição. Segundo os autores é justamente na seleção dos

elementos que se dá a grande influência das emoções sobre a cognição, pois os

aspectos emocionais acabam por interferir na forma pela qual o indivíduo faz a leitura

do mundo e das situações da sua realidade. A seleção pode então ser influenciada

pelo estado emocional e também pela experiência do indivíduo.

Em decorrência do processamento organizado, os elementos retirados de

determinada situação acabam por adquirir significados e esses, possuem implicações

de forma que as relações estabelecidas ente esses três itens apontam a realidade que

foi construída pelo indivíduo e traduzem a forma pela qual a mente a representa (de

forma subjetiva).

Diversos estudos sobre criminalidade e problemas comportamentais tem

se valido dessa teoria para uma análise aprofundada dos conflitos daí oriundos.

3.9. Alguns outros estudos.

Em uma investigação como esta não seria possível abarcar todas as

pesquisas com algum viés voltado à inter-relação entre emoções e a cognição. A título,

portanto, somente de mencionar mais três autores que trataram dessa temática ante

a variedade de áreas em que o tema em tela se insere como relevante, registramos

sucintamente mais uma linha da Psicologia que aborda a temática e algumas citações:

A Psicologia Cultural proposta por Bruner (1998) é uma linha de

pensamento na qual a cognição e a emoção são consideradas como constituídas

culturalmente e assim, na psique humana não podem ser concebidas sem uma

associação íntima. Essa vertente da Psicologia dá muita ênfase à cultura e nesse

contexto a cognição sofre grande influência da emoção no que tange a construção de

conhecimentos esperados dentro das exigências culturais, ao mesmo tempo em que

a cognição influencia relativamente ao estabelecimento da afetividade imprimindo-lhe

atributos simbólicos.

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Também vemos que historicamente alguns teóricos já defendiam havia

tempo a integração da emoção e da cognição. Entre eles lembramos Jean Piaget e Lev

Vygotsky que por suas teorias pioneiras propiciaram uma mudança de paradigmas na

Educação no tocante aos mecanismos psíquicos e sociais que desenvolvem a

aprendizagem. Ante a vasta obra de Vygotsky, destacamos aqui alguns de seus

pensamentos sobre a relação entre emoção e cognição:

“O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-volitiva. Desta forma não seria válido estudar as dificuldades de aprendizagem sem considerar os aspectos afetivos (VYGOTSKY, 1991).

“As emoções são tão importantes quanto o intelecto e é possível pensar com talento e sentir talentosamente”. (VYGOTSKY, 2003)

Da mesma forma, ante a extensa produção de Piaget, citamos algumas de

suas ideias sob o tema em análise:

“A afetividade constitui a energética das condutas, cujo aspecto cognitivo se refere apenas às estruturas. Não existe, portanto, nenhuma conduta, por mais intelectual que seja, que não se comporte, na qualidade de móveis, fatores afetivos; mas, reciprocamente, não poderia haver estados afetivos sem a intervenção de percepções ou compreensão, que constituem a estrutura cognitiva. A conduta é, portanto, uma, mesmo que, reciprocamente, esta não tome aquelas em consideração: os dois aspectos afetivos e cognitivos são, ao mesmo tempo, inseparáveis e irredutíveis”. (PIAGET, 1980)

“É incontestável que o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência. Sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação; e consequentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. A afetividade é uma condição necessária na constituição da inteligência. ” (PIAGET, 1980)

Como visto, a ideia que prevalece em todos esses estudos é a da inter-

relação entre emoção e cognição e para alguns teóricos sequer é possível se dissociar

esses dois conceitos. As pesquisas também indicam que a emoção exerce uma

influência significativa nos processos cognitivos interferindo na aprendizagem do

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indivíduo. Como ilustra metaforicamente a obra ficcional de Boccara (2013) “ao

provocar emoções abrimos a porta para o conhecimento”:

“ - Meu bom amigo e irmão, por que você ensina com anedotas? - Porque ao abrir tua boca e pulmões para rir, permite que meus

ensinamentos penetrem em teu corpo e atinjam tua mente”.

Considerando o exposto e o objetivo deste estudo sobre as possíveis

contribuições das emoções fílmicas na aprendizagem, entendemos que é válido se

sugerir que a mensagem emocional numa obra audiovisual pode produzir efeitos e

interagir nos processos cognitivos do espectador. Citamos a título de síntese, que:

“Segundo Ferrés (1995), o audiovisual não deve transmitir somente informações do tipo cognitivo, mas também emoções e experiências. “São as emoções, suscitadas pela interação de imagens, música, palavras e efeitos de som, as que estão carregadas de sentido ou de significado. Jean-Paul Sartre o expressava muito bem quando escrevia em L’Imaginaire: não seria a imagem uma síntese da afetividade e do saber? ” (SILBIGER, 2004)

Abraçando esse pensamento, expomos uma representação esquemática

do texto de Ferrés acima citado, que julgamos sintetizar o processo de construção de

significados e de conhecimento a partir de conteúdos audiovisuais (como o cinema),

no qual as emoções parecem atuar como protagonistas:

Figura 3 - Construção do conhecimento a partir do audiovisual. Fonte: (SILBIGER, 2004)

Para concluímos, elaboramos um quadro que traduz sinteticamente a inter-

relação entre os conteúdos abordados até aqui. O modelo permite uma análise visual

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do conjunto das teorias citadas e sugere que as emoções fílmicas podem contribuir

para o incremento da aprendizagem.

Figura 4 - Síntese dos referenciais teóricos adotados. Fonte: da autora

3.10. Análise fílmica da obra “The Constant Gardener”.

A análise fílmica elaborada relaciona-se com as bases teóricas expostas

nos textos anteriores. Dirige-se à observação dos recursos fílmicos utilizados para

evocar emoções no espectador, à identificação do potencial de aprendizagem revelado

em cada sequência fílmica e dos processos cognitivos desencadeados.

Nos estudos sobre cinema o processo de análise fílmica se mostra

multifacetado pode ser desenvolvido de variadas formas. Não há uma metodologia

unívoca para realização desse processo, nem tampouco, ele por si só, tem o condão

de abarcar completamente todo o conteúdo (objetivo e subjetivo) de uma obra

cinematográfica.

Vanoye e Golyot-Leté, em sua obra “Ensaio sobre análise fílmica” (2013),

nos expõem que a análise fílmica pode ter diferentes finalidades: pode ser

desenvolvida para o intuito de crítica cinematográfica; para a edição de livros sobre

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cinema; para concursos acadêmicos; para o desenvolvimento de pesquisas; para

elaboração de documentação sobre filmes em acervos diversos, ente outras. Os

autores destacam que a análise fílmica não é, portanto, um fim em si, mas uma prática

que procede de um pedido, que se situa num contexto. Este contexto é o fator

determinante para o enquadramento da modalidade de análise a ser realizada. Nesse

sentido, para a elaboração desta análise foram percorridas algumas etapas, a seguir

expostas.

3.10.1. Seleção da obra fílmica.

Após a assistência de mais de oitenta filmes ficcionais contemporâneos

para fim de selecionar a obra que iria compor a elaboração deste trabalho, o filme

escolhido foi “The constant gardener”, uma produção teuto-britânica lançada no ano

de 2005, dirigida pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles. A escolha da obra se

deu por diversas razões:

Por ser uma obra fílmica ficcional, portanto dentro do recorte proposto

nesta pesquisa.

Por tratar em seu eixo central de uma temática universal e atual ao

discutir a ética das grandes corporações multinacionais e o respeito aos direitos

humanos, temas transversais e comumente estudados em cursos universitários de

diversas áreas e por essa razão apropriados para uma investigação que se volta à

análise da aplicação pedagógica do cinema na educação superior. Além desses dois

temas principais o filme também aborda assuntos como a amizade e a solidariedade

humanas; a prática da Medicina e os tratamentos atuais; a morte e os crimes de

homicídio; as relações afetivas hétero e homossexual; o preconceito de gêneros; a

carreira diplomática; a ação das Organizações Internacionais enquanto atores do

mundo contemporâneo; os lucros no sistema Capitalista; as mazelas sociais da

atualidade; as desigualdades sociais; as políticas públicas, os interesses comerciais

e as ações bélicas dos Estados e as relações entre os entes soberanos da ordem

internacional e o valor da determinação e da coragem na busca de um objetivo.

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Por ser uma obra estruturada conforme o modelo predominante de

construção da narrativa do cinema mainstream hollywoodiano que serviu de base para

a maioria dos estudos cognitivos aqui expostos.

Não obstante o item anterior, por ser uma coprodução do Reino Unido,

Alemanha e Quênia, de forma que mesmo estando inserida no modelo narrativo

mainstream hollywoodiano, apresenta-se pari passu como uma produção globalizada,

o que vem enriquecer os temas em estudo.

Por ser uma produção dirigida pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles

e apresentar de forma contundente as dificuldades de várias populações carentes

tornando a obra fílmica, ainda que de forma subjetiva, familiar à parte da realidade do

nosso país.

Por ser uma obra reconhecida internacionalmente, ganhadora de trinta

e quatro prêmios e indicada a sessenta e quatro diferentes categorias de premiação

ao redor do mundo, o que carreia mais um elemento favorecedor à pesquisa, pois não

obstante a temática densa do filme, se constata que a obra é acessível aos mais

diferentes públicos.

Por ser uma produção que não se valeu dos clichês comumente vistos

em trabalhos tidos como precipuamente de conteúdo “comercial”.

3.10.2. Formato da análise fílmica.

Na montagem da estrutura da análise fílmica optou-se pela apresentação

geral da obra cinematográfica e a seguir pela seleção e exame das principais unidades

de análise do filme (designadas como situações18 ou sequências de situações19) que

representam pontos fulcrais na evolução da narrativa. Esse formato buscou se

coadunar ao pensamento dos estudiosos do cognitivismo que, como visto, valorizam

em suas análises os elementos pertinentes à constituição do fio narrativo da história.

18 Definidas como uma ou mais cenas que contém uma continuidade temática. 19 Definidas como um conjunto de conexões entre ideias abordadas em várias situações.

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Vale ressaltar, contudo, que qualquer que seja a metodologia adotada por uma análise

fílmica essa tarefa terá sempre uma face subjetiva.

3.10.3. Características e fundamentos da estrutura da obra fílmica.

A obra escolhida para análise é um drama (com elementos de suspense).

A opção por esse gênero se deve ao fato de o drama abarcar uma ampla gama de

circunstâncias que permitem evocar variadas emoções no espectador (como por

exemplo, solidariedade, compaixão, tristeza, indignação, etc.) tornando-o assim um

recurso rico para os fins propostos neste trabalho. 20

O filme possui uma estrutura narrativa não linear, com múltiplos

flashbacks21 e flashfowards22 que se mostram como recursos de grande valia para o

fim de evocar emoções na audiência, além de proporcionarem uma dinâmica que

favorece o suspense da trama e o equilíbrio sutil entre fragmentos da narrativa nos

quais o espectador possui mais informações do que o protagonista e fragmentos nos

quais este detém maiores informações do que o espectador, criando-se assim um

fluxo pendular e enriquecedor na contrução da diegese.

“The constant gardener” adota a fórmula do cinema hollywoodiano para

desenvolver sua narrativa. Essa fórmula baseia-se num trabalho rigoroso de estudo e

catalogação dos mitos de inúmeros povos feito pelo pesquisador Joseph Campbell

para sua pesquisa antropológica de mitologia comparada. Um dos resultados obtidos

nessa pesquisa (CAMPBELL, 1995) foi a comprovação da existência de uma

“estrutura narrativa comum” a toda a humanidade, que Campbell denominou de

“Jornada do herói” e que se apresenta em uma sequência de doze fases.

20 Vale ressaltar que não se desconsidera que obras dos gêneros comédia ou terror, por exemplo, pudessem vir a ser aqui analisadas, pois de acordo com suas particularidades supõe-se que também seriam capazes de evocar outras emoções no espectador, como por exemplo, a alegria e o medo, respectivamente. 21 Flashback: “A short part of a film, story, or play that goes back to events in the past” e também “a sudden, clear memory of a past event or time, usually one that was bad (Cambridge diccionary online). Tradução livre: Uma pequena parte de um filme, história, ou peça que remonta aos acontecimentos do passado " e também "uma memória súbita, clara de um evento ou tempo passado, geralmente ruim”. 22 “Il procedimento narrativo consistente nella rappresentazione di un evento futuro seguito da un ritorno al presente”. (Enciclopedia del cinema). Tradução livre: "O processo de narrativa consistente na representação de um acontecimento futuro seguido por um retorno ao presente " .

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Essa descoberta registrada em seu livro “O herói de mil faces” publicado

originalmente em 1949, se coaduna com os preceitos recomendados na Poética de

Aristóteles para a criação de uma “boa obra” (uma obra que provoque emoção,

catarse, na sua audiência), que como se expôs é um dos precedentes que embasam

os estudos das pesquisas cognitivistas aqui explanadas.

Joseph Campbell conseguiu identificar entre inúmeros povos, seitas,

culturas e tribos da humanidade nos quais há histórias de líderes, profetas e/ou mitos,

uma estrutura única que representa a síntese da trajetória de todos os heróis.

Essa estrutura possui bases arquetípicas, de maneira que boa parte dos

indivíduos de todas as épocas e lugares seria capaz, em tese, de se identificar com

esse modelo. Por essa razão, as emoções evocadas pelas obras fílmicas que utilizam

essa estrutura narrativa seriam também passíveis de desencadear emoções

universais, ressalvadas aí particularidades socioculturais, ou político-ideológicas dos

indivíduos, que, não obstante, não são neste momento objeto de estudo.

A sequência arquetípica identificada por Campbell se assemelha ao que cada

ser humano vivencia durante a sua existência.

Figura 5 - A Jornada do herói. (VOGLER, 2015)

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A Jornada do herói evidencia aspectos que compreendem a evolução do

indivíduo (crescimento interior; atingimento da maturidade para lidar com determinada

questão; superação de obstáculos; cumprimento de um objetivo – missão –

transformação interior); além de respeito e manutenção de seus valores e crenças e

reprodução – ou perpetuação – dos principais mitos e arquétipos traduzidos

antropologicamente pelas diferentes culturas.

Essa pesquisa de Campbell sofreu uma transposição para o cinema nos

anos 80 por meio de Christopher Vogler, analista de roteiros da Walt Disney

Productions e passou a ser utilizada como modelo narrativo por todo o cinema

mainstream hollywoodiano.

“Como analista de histórias, Christopher Vogler avaliou mais de 10.000 roteiros para grandes estúdios, incluindo Walt Disney, Warner Bros., 20th Century Fox, United Artists e Orion Pictures. Especialista em contos de fadas e folclore, Christopher foi consultor para os bem-sucedidos longa-metragens da Disney O Rei Leão e A Bela e a Fera. (CARVALHO, 2006).

Vogler buscava compreender as estruturas que seriam capazes de criar

uma boa história. Ao ler a obra de Campbell, elaborou um memorando de sete páginas

que nomeou de “Guia Prático de O Herói de Mil Faces”, que futuramente viria a ser

ampliado, aperfeiçoado (dividido em três atos) e publicado com o título “The Writer’s

Journey” (“A Jornada do escritor” em tradução livre) e que passaria a ser até os dias

atuais o cânone das narrativas do cinema mainstream hollywodiano.

“ (...) a Jornada do Herói é nada menos do que um compêndio para a vida, um abrangente manual de instrução na arte de sermos humanos. A Jornada do Herói não é uma invenção, mas uma observação. É o reconhecimento de um belo modelo, um conjunto de princípios que governa a condução da vida e o mundo da narrativa do mesmo modo que a medicina e a química governam o mundo físico. É difícil evitar a sensação de que a Jornada do Herói existe em algum lugar, de algum modo, como uma realidade eterna, uma forma ideal platônica, um modelo divino. Deste modelo, cópias infinitas e altamente variadas podem ser produzidas, cada uma repercutindo o espírito essencial da forma. A Jornada do Herói é um padrão que parece se estender em várias dimensões, descrevendo mais do que uma realidade. Ele descreve de maneira acurada, entre outras coisas, o processo de efetuar uma jornada, as partes funcionais necessárias de uma história, as alegrias e os desesperos de ser um escritor, e a passagem de uma alma pela vida”. (VOGLER, 2006)

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Ao se basear no modelo de Campbell, Vogler identificou um “mapa” que

exprime uma mensagem universal que ele traduziu como uma “jornada emocional”

baseada em arquétipos que provêm do inconsciente coletivo. O autor considerou os

conceitos da obra de Campbell “como uma excelente caixa de ferramentas, cheia de

instrumentos jeitosos, ideais para a carpintaria da narrativa”.

“Essas histórias são modelos exatos de como funciona a mente humana, verdadeiros mapas da psique. São psicologicamente válidas e emocionalmente realistas, mesmo quando retratam acontecimentos fantásticos, impossíveis ou irreais. Isso explica o poder universal dessas histórias. As histórias construídas segundo o modelo da Jornada do Herói exercem um fascínio que pode ser sentido por qualquer um, porque brotam de uma fonte universal, no inconsciente que compartimos, e refletem conceitos universais” (VOGLER, 2006).

E ainda:

“A contribuição de Joseph Campbell para essa caixinha de ferramentas foi reunir essas ideias, reconhecê-las, articulá-las, dar-lhes nome, organizá-las. Foi ele quem expôs, pela primeira vez, o padrão subjacente a toda e qualquer história que jamais se contou.

Na sua obra Vogler faz uma adaptação bem-sucedida dessa estrutura

formulada por Campbell, para os roteiros de cinema. Considerando um longa-metragem

de cento e vinte minutos que possui em média cento e vinte páginas de roteiro, a

representação dos estágios da “Jornada Do Herói “ ficaria assim distribuída:

Figura 6 - Estágios da Jornada do herói no roteiro cinematográfico. (VOGLER, 2006)

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É relevante comentar que os estágios e atos dessa estrutura narrativa

podem ser aplicados não só a filmes como o que aqui se analisa, pois, a jornada do

herói pode se constituir de múltiplas formas. Nesse sentido, em sua obra, (VOGLER,

2006) nos expõe:

“Pode ser uma jornada mesmo, uma viagem a um lugar real: um labirinto, floresta ou caverna, uma cidade estranha ou um país estrangeiro, um local novo que passa a ser a arena de seu conflito com o antagonista, com forças que o desafiam. Mas existem outras tantas histórias que levam o herói para uma jornada interior, uma jornada da mente, do coração ou do espírito. Em qualquer boa história, o herói cresce e se transforma, fazendo uma jornada de um modo de ser para outro: do desespero à esperança, da fraqueza à força, da tolice à sabedoria, do amor ao ódio, e vice-versa. Essas jornadas emocionais é que agarram uma plateia e fazem com que valha a pena acompanhar uma história. Os estágios da Jornada do Herói podem ser traçados em todo tipo de história, e não apenas nas que mostram aventuras e uma ação física "heroica". O protagonista de toda história é um herói de uma jornada, mesmo se os caminhos que segue só conduzirem para dentro de sua própria mente ou para o reino das relações entre as pessoas. ”

No Brasil, a obra de Vogler foi lançada em 1997 e intitulada “A jornada do

escritor – estruturas míticas para contadores de histórias e roteiristas” pela Ampersand

Editora; em 1998 pela Editora Nova Fronteira, intitulada “A jornada do escritor –

estruturas míticas para escritores” e em 2015 pela Editora Aleph, com o mesmo título,

voltando seus princípios também para obras ficcionais da literatura.

Por derradeiro, é válido mencionar que a par das críticas que possam ser

feitas sob diversos aspectos ao modelo dominante do cinema hollywoodiano, entre

eles o seu alto teor comercial, observa-se que a estrutura narrativa desses filmes

mainstream está erigida para ser capaz de evocar emoções no espectador. Essa

constatação nos remete à reflexão do pensamento de Aristóteles, que assevera na

sua Poética que a resposta emocional não é apenas um dos efeitos de uma obra de

arte, mas que seria, de fato, o seu efeito fundamental.

3.10.4. Sinopse da obra fílmica.

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O filme narra a jornada de Justin Quayle (representado por Ralph Fienes),

diplomata britânico dedicado ao hobby da jardinagem que conhece Tessa

(representada por Rachel Weisz), uma ativista política, em um conturbado encontro e

inicia com ela uma relação afetiva. Justin é designado pelo comissariado britânico para

atuar na África – no Quênia – e Tessa pede que a leve com ele. Em Nairóbi, Tessa, já

casada com Justin, passa a suspeitar que pessoas da imensa população desfavorecida

local estejam morrendo por conta de ações praticadas por indústrias farmacêuticas que

se instalaram na região. Tessa começa a buscar respostas que confirmem suas

suspeitas auxiliada por seu amigo Arnold Bluhm (representado por Hubert Koundé),

médico de uma Organização Internacional. Justin, focado em cultivar suas plantas,

desconhece as ações de Tessa até o momento em que ela é brutalmente assassinada

e encontrada numa região deserta do norte do Quênia, enquanto seu companheiro de

viagem Arnold, permanece desaparecido. A partir desse evento trágico, Justin embarca

em uma jornada arriscada a fim de identificar os assassinos de sua esposa e os motivos

que provocaram um ato tão vil. Uma jornada que o levará ao redor do mundo a fazer

descobertas acerca de uma intrincada conspiração entre empresas internacionais do

ramo farmacêutico e governos soberanos. Essa odisseia também o fará conhecer

verdadeiramente a alma de Tessa em meio a uma radical transformação de seus

conceitos e crenças pessoais.

3.10.5. Elementos da ficha técnica e informações gerais sobre o filme.

Dirigida pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles23 a obra “The constant

gardener” (2005), é um longa-metragem de 129 minutos e lançado no Brasil com o

título “O jardineiro fiel”;

Produzido pela Focus Features, o filme foi distribuído no Brasil pela

Universal Pictures do Brasil.

23 Arquiteto por formação, Fernando Meirelles é um consagrado diretor, roteirista e produtor de cinema brasileiro. Sua fama internacional veio com o lançamento do seu filme “Cidade de Deus” em 2003, pelo qual foi indicado ao Oscar de melhor diretor. Foi também indicado ao Globo de Ouros em 2005 como melhor diretor, pelo filme “The constant gardener”. Na sua filmografia, dirigiu 9 filmes para o cinema e realizou também importantes trabalhos para televisão, em emissoras como TV Cultura, Rede Globo e National Geographic Channel, entre outras, além de ter realizado como produtor e como roteirista inúmeros filmes, minisséries, documentários e programas televisivos. (Fernando Meireilles, IMDb 2016).

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O filme possui roteiro de Jeffrey Caine adaptado do romance homônimo do

escritor inglês John Le Carré lançado em 2001 e trilha sonora de Mbarak Achieng.

Com um elenco robusto, além de contar com Ralph Fiennes como o

protagonista Justin Quayle e Rachel Weisz no papel coadjuvante de Tessa Quayle, o

filme traz grandes nomes como Bill Nighy, como Sir Bernard Pellegrin; Pete

Postlethwaite como Dr. Marcus Loober e Danny Huston como o diplomata Sandy.

Entre os diversos prêmios conquistados pelo filme, destacam-se o Oscar

2006 ou “The Academy Awards” de “Melhor Atriz Coadjuvante” para Rachel Weisz

- prêmio entregue anualmente pela “Academy of Motion Picture Arts and Sciences” da

Califórnia / Estados Unidos da América. A atriz foi também agraciada com o Globo de

Ouro 2006 na mesma categoria, importante premiação promovida pela “Hollywood

Foreign Press Association”.

O filme angariou prêmios de “Melhor Filme Estrangeiro” (2006) no Festival

Brasileiro de Cinema e de “Melhor Edição” no BAFTA – “British Academy of Film and

Television Arts” – o Oscar do Reino Unido.

Com locações realistas no Quênia, Sudão, Reino Unido, Alemanha e

Canadá, e falado em inglês, alemão, italiano e suaíli, “The constant gardener”, teve

um orçamento de US$ 25.000.000 milhões de dólares e arrecadou uma bilheteria US$

82.466.67025 milhões de dólares (THE CONSTANT GARDENER, 2005).

3.10.6. Parâmetros cognitivistas aplicados à análise fílmica.

O filme “The constant gardener” apresenta um número reduzido de

“personagens centrais” diretamente ligados à evolução da narrativa:

O protagonista - o diplomata Justin Quayle - que empreende uma jornada

para descobrir os assassinos de sua mulher e as razões de sua morte.

A personagem coadjuvante Tessa Quayle, ativista humanitária que por

suas ações e investigações acaba por ter sua vida subtraída.

As empresas farmacêuticas associadas KDH e 3 Abelhas (antagonistas)

que representam a força dos interesses corporativos na África.

E o personagem Pellegrin (chefe do comissariado britânico), também

antagonista, que representa os interesses do governo britânico.

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Nesse núcleo central, os personagens Justin e Tessa, em particular, estão

presentes em um grande número de sequências (seja nos flashbacks ou no tempo

presente da narrativa) de maneira que a própria evolução da diegese passa no mais

das vezes por ações perpetradas pelos mesmos, ou por situações onde há ao menos

a participação indireta destes, exteriorizadas por pensamentos ou lembranças.

Destarte, as emoções que podem ser suscitadas no espectador possuem, por conta

dessa estrutura narrativa, uma ligação íntima com o engajamento dos espectadores

com tais personagens da história e não estão destes dissociadas. Já os antagonistas,

embora não estejam tão presentes na narrativa, exercem um papel fundamental no

dualismo diegético e na alocação dos recursos para evocar as emoções do espectador.

De tal sorte, para servir de baliza à análise fílmica optou-se pelo estudo de

Murray Smith acerca do engajamento do espectador com os personagens, dentre as

pesquisas apresentadas dentro do Cognitivismo. A pesquisa de Murray Smith também

se mostrou adequada sob outro aspecto para a proposta desta análise, pois além do

engajamento do público com os personagens como meio de interação com a narrativa,

aponta as emoções suscitadas no espectador como fatores de influência sobre os

processos cognitivos desencadeados a partir da assistência ao filme. Como visto,

Murray Smith entende que o espectador não é “passivo” ante a obra fílmica de forma

que pode realizar uma avaliação sobre a mesma ao mesmo tempo cognitiva e afetiva.

Não obstante ter se privilegiado o estudo de Murray Smith para nortear a

análise, diversos elementos apontados por outros cognitivistas puderam ser apreciados,

como por exemplo, o interesse do espectador pela narrativa tratado por Ed Tan; o fluxo

estético proposto por Torben Grodal e os recursos estilísticos apontados por Greg Smith.

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4. METODOLOGIA.

Os estudos de cinema identificam duas grandes teorias de pensamento nas

últimas três décadas: a Teoria da posição subjetiva e o Culturalismo. A primeira

abrange grandes lineamentos teóricos como a Psicanálise e a Semiologia e a segunda

se lastreia em correntes como os Estudos Culturais, o Pós-modernismo e a Escola de

Frankfurt. Ambas, como nos expõe Bordwell (2005), dada a abrangência que possuem

e ante a aceitação entre os estudiosos da área acabaram por constituir métodos de

produção teórica que se enraizaram e que geraram investigações que tendem a

alcançar proposições muito genéricas, que extrapolam o cinema para pairar sobre

questões de natureza histórica, ideológica, social ou mentais, por exemplo.

Essa tendência dominante, porém, tem deixado de contemplar aspectos

pontuais do cinema, pelo fato de estes não se subsumirem ou não estarem aptos a se

inserir em propostas de tamanha abrangência.

Ante essa lacuna, exsurge à margem destas teorias uma terceira linha de

estudo, de abrangência menor, denominada pesquisa “nível médio”. Essa linha de

pesquisa admite a propositura de questões teóricas ou empíricas, estas últimas tidas

no sentido de “se buscar respostas em evidências externas à mente do pesquisador”.

Ainda de acordo com Bordwell (2005):

“(...) pesquisas ‘nível médio’, por serem guiadas por problemas e não por doutrinas, permitem aos pesquisadores a possibilidade de combinar esferas tradicionalmente distintas de investigação. As indagações ‘nível médio’ parecem dissolver os limites tradicionais entre estética, instituições e recepção cinematográfica. ”

E também:

“Estes programas de pesquisa provaram, sobretudo, que não é preciso uma grande teoria de todas as coisas para produzir um trabalho revelador em determinado campo de estudo. (...). Na era da pós-teoria, a investigação verticalizada e focada em temas específicos desponta como nossa melhor aposta para a construção de um debate acadêmico que promova o efetivo avanço do conhecimento sobre cinema. As grandes teorias vão e vêm, mas a pesquisa e o conhecimento persistem. ”

Após se avaliar os modelos de investigação existentes, constatou-se que a

pesquisa “nível médio” se mostra adequada a esta proposta, pois pode ser

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desenvolvida a partir de problemas a serem propostos e permite inter-relacionar

diferentes áreas do saber.

Assim, propomos como problema a ser investigado, a possível influência

das emoções fílmicas na aprendizagem do aluno universitário. Pesquisamos os

modelos teóricos do Cognitivismo que visam identificar os recursos fílmicos para

evocar emoções no espectador bem como as pesquisas da Neurociência e da

Psicologia que tratam da influência das emoções na aprendizagem. Para a análise

fílmica empregamos também como base, as pesquisas cognitivistas, e na discussão

da identificação dos processos cognitivos ali envolvidos nos valemos das teorias

construtivistas de aprendizagem.

Pelo fato de no Brasil serem escassas as pesquisas nessa área, muitas

referências são lastreadas em autores internacionais. Os materiais de pesquisa

incluem tanto livros sobre cinema como das demais áreas envolvidas na pesquisa;

artigos de revistas especializadas; papers publicados em anais de congressos;

dissertações e teses acadêmicas constantes de bases de dados científicas indexadas.

É relevante observar, por fim, que a despeito das várias óticas de

investigação existentes, até o momento não se desenvolveu uma “teoria unificada”

para a compreensão das emoções evocadas pelo cinema e talvez uma empreitada

como essa não venha a se concretizar, dadas as diferenças irreconciliáveis de

algumas teorias do cinema e também devido à pulverização de estudos com visões

particularizadas sobre a temática, que dificilmente agrupariam suas abordagens numa

única (e abrangente) face prismática, sem arcar com um prejuízo de parte de seus

elementos. Nesse sentido, Robert Stam, professor e estudioso do cinema, nos

sintetiza: “a teoria do cinema como um projeto de unificação metodológica encontra-

se, atualmente, em processo de extinção. ” (STAM, 2003)

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5. RESULTADOS.

Apresentamos a seguir os resultados da análise fílmica das principais

sequências da obra “The Constant Gardener”.

Sequência inicial: O filme principia com o som das vozes de Justin, Tessa

e Arnold em uma tela em preto por onde ainda passam alguns créditos. A abertura

corresponde à despedida de Tessa no aeroporto de Nairóbi no momento em que ela

caminha para embarcar num avião com seu amigo Arnold.

Análise: O filme possui uma diegese bem construída. Valendo-se do

recurso da “voz off” 30 o diretor opta em abrir o filme com um flashforward, definindo

um ponto de ruptura inicial na narrativa que desperta a curiosidade do espectador.

Nas sequências seguintes se percebe que o começo da narrativa correspondia ao

meio da história. A partir dessa ruptura Justin não volta a ver Tessa com vida e

empreende uma jornada até obter o deslinde do ciclo dramático e emocional que ali

se encetou. A abertura é breve e não traz tópicos com potencial para aprendizagem,

mas possui importância na estrutura narrativa e por isso foi aqui analisada.

Sequência 2: A polícia recolhe um corpo de um veículo capotado em um

local ermo e vê-se por longo tempo uma revoada de pássaros no local.

Análise: A sequência se inicia ágil, com mais de um “jump cut”31 e mostra

um veiculo tombado e policiais recolhendo um corpo envolto em panos numa região

deserta não identificada. A cena filmada em vários momentos com a câmera em

diagonal (vide figura acima) revela imagens enviesadas, numa leitura do olhar do

espectador em relação ao veículo capotado lateralmente e traduzindo o fato

desconcertante de se encontrar um cadáver numa regiao isolada. A proposital não

30 A expressão “Voz off” significa o som das vozes do (s) ator (es) em cena fora do alcance da câmera. A expressão não se confunde com “voz over” utilizada quando se ouve uma voz que não provém de algum ator que esteja em cena. (Sintetizado de JAQUES A. e MICHEL M, 2003) 31 A expressão ‘’jump cut’’ significa “salto” e é utilizada em cinema para significar a eliminação de fragmentos desnecessários da mesma tomada de cena, mantendo a parte que antecede e a que sucede o fragmento eliminado. Sintetizado de (JAQUES A. e MICHEL M., 2003).

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revelação da identidade do corpo nesse momento cria para o espectador o suspense

que começará a ser desvendado nas sequências seguintes.

Em termos de análise do fio narrativo, aí começa a se estabelecer o jogo

entre as informações detidas pelo espectador e as informações detidas pelo

protagonista. No campo diegético esse jogo por várias vezes se inverte com a vida

real e em outros momentos, tanto espectadores como protagonista detém a mesma

quatidade de informações. Esse recurso é importante, pois funciona como um sistema

de pesos e contrapesos que establelece certo rítmo e tensão à narrativa. Em um filme

de drama com suspense, a dosagem certa desse mecanismo é relevante para o

sucesso do roteiro.

Após o recolhimento do corpo há um longo plano de 19 segundos no qual

a câmera acompanha uma revoada de pássaros que traduz-se como uma metáfora

bastante sensível. O diretor, demorando-se na extensão temporal do plano propõe a

representação da alma ao se desligar do corpo após a morte – a alma que voa liberta.

O voo das aves é acompanhado por uma música instrumental melancólica, que dá à

cena o tom da perda, da morte.

Essa revoada de pássaros irá se repetir ao final do filme, em circunstância

diversa, confirmando a metáfora inicial de liberdade.

Em termos de potencial para aprendizagem vemos que essa sequência à

semelhança da sequência de abertura que a precedeu, não traz ainda um tópico em

particular a se destacar, mas como a outra se reveste de importância na estrutura da

narrativa fílmica, principalmente no que tange à mensagem poética do filme e por essa

razão foi aqui analisada.

Sequência 3: Justin, diplomata britânico no Quênia, é procurado em seu

escritório por seu colega Sandy e recebe a notícia da “possível morte” de sua esposa

Tessa.

Análise: O protagonista Justin Quayle cuida metodicamente de suas

plantas no trabalho quando recebe a notícia de que possívemente sua esposa Tessa

tenha sido assassinada. O choque da noticia se evidencia na expressão de seu rosto.

A sequência apresenta recursos que passam ao espectador a emoção dolorosa do

momento.

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A câmera em primeiro plano no rosto de Justin, marcando sua expressão

transtornada permanece fixa, imóvel, em um longo plano de quase 60 segundos,

enquanto ele recebe as informações chocantes de Sandy sobre um corpo de mulher

encontrado.

Importante observar que durante esse longo plano vemos o fundo desfocado,

como se nada além da expressão de Justin tivesse importância. Praticamente durante

toda a fala do seu colega é a expressao de Justin que é vista pelo espectador e não a de

Sandy. O foco está na emoção sentida pelo protagonista ante a tragédia anunciada.

Também as informações ainda imprecisas e fragmentadas de Sandy tratam de

enfatizar o suspense da narrativa.

Apesar da face transtornada de Justin, o breve diálogo ali travado bem

como o fato de ele voltar a manipular as plantas mesmo tendo recebido uma revelação

potencialmente dramática exterioriza a personalidade fleugmática do protagonista. A

revelação da personalidade de Justin bem no início da narrativa é um recurso valioso

para balizar as impressões do espectador em relação ao personagem, a despeito de

este sofrer tranformações ao longo da história.

Em termos de potencial para aprendizagem esta é a primeira sequência

que apresenta uma face realista do trabalho multifacetado de um diplomata, atividade

que será mostrada em outras sequências fílmicas em suas variadas funções. O

roteirista pontuou a fala de Sandy com a habilidade que se requer do diplomata com

o uso da palavra e isso deu o tom que marcou a forma de se transmitir as notícias

pesarosas da maneira menos gravosa possível.

Sequência 4: Em um flashback, Justin e Tessa se conhecem em uma

palestra e travam uma discussão acalorada sobre a política externa do Reino Unido e

das superpotências.

Análise: Um flashback promove uma ruptura do momento de comoção

anterior e volta ao dia em que Justin e Tessa se conheceram numa palestra que ele

proferiu substituindo seu chefe, Sir Bernard Pellegrin. A sequência, com um ritmo de

montagem ágil que alterna principalmente o plano americano e o primeiro plano entre

Justin e Tessa, tem nos diálogos um importante papel para a caracterização dos dois

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personagens e para a evocação de emoções na audiência. A postura de Justin

perante os questionamentos veementes de Tessa – que assistia a palestra – reforça

sua personalidade aparentemente fria e indiferente às mazelas do mundo e contrasta

com a atitude apaixonada e indignada de Tessa, que se mostra contrária às atitudes

do governo britânico em relação à ações bélicas injustificadas do governo

estadunidense. A força do diálogo no roteiro aliada a performance da atriz permitem

que o espectador sinta simpatia pela visão de Tessa, que repudia as manobras

políticas das potências em prol dos seus interesses comerciais e clama por justiça

pelos defavorecidos. Finda a palestra, com a retirada dos presentes, nota-se que

Justin vê a paixão nas palavras de Tessa e a admira por isso. Tessa, por sua vez,

reconhece seu tom excessivo, e após breves desculpas mútuas, saem dali juntos.

A sequência traz um vasto potencial para a aprendizagem por tratar de

múltiplos temas como a defesa dos direitos humanos; os limites da atividade

diplomática; o peso da atuação das Organizações Internacionais; as relações entre os

Estados soberanos e seus interesses bélicos e comerciais.

Sequência 5: Na casa de Tessa, ela e Justin iniciam uma relação afetiva.

Análise: A sequência que comporta a cena de amor do casal também é

apresentada no sentido de suscitar emoções na audiência. Ao invés de priorizar um

tratamento sensual à cena, com recursos normalmente utilizados nessas ocasiões -

música romântica ou sensual; cenário à meia-luz; câmera em slowmotion; por

exemplo – o diretor opta por enfocar a felicidade; a alegria de ambos; a sensação de

que eles se completam.

A sequência é tratada com luz natural do dia e a música intrumental leve e

alegre acompanha as risadas e sorrisos de ambos enfatizando a espontaneidade de

seus movimentos. A câmera em primeiro plano se alterna de forma dinâmica, por

vezes com um enquadramento em plano americano e em outras com plano médio;

primeiríssimo plano ou ainda com plano de conjunto. 32

32 A câmera em primeiríssimo plano enquadra o rosto humano; o primeiro plano reflete o enquadramento que dá destaque à figura humana do busto para cima; o plano americano enquadra a figura humana da cintura para cima ou da região das coxas para cima; o plano médio enquadra os

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A edição das carícias traduzem a expressão natural dos corpos e não

perfazem uma cena de amor coreografada. Ao final, ao os vermos juntos na cama a

alegria nos seus rostos traduz a cumplicidade estabelecidade entre eles e sinaliza

uma relação vívida entre ambos. Os diálogos também colaboram no sentido de

mostrar a sintonia do casal ao espectador: Justin agradece a ela pelo momento que

tiveram e Tessa diz se sentir segura ao lado dele.

Há um indício da narrativa importante nessa fala de Tessa: um dos fatores

que irá impulsionar a transformação da personalidade de Justin será a consciência de

que seu interesse principal pela jardinagem o impediu de perceber que, apesar da

postura determinada de Tessa, poderia ao menos tê-la alertado quanto ao risco que

havia em certas regiões do país e isso poderia tê-la mantido em segurança.

As falas de Tessa, sempre entremeadas por seu sorriso e suas risadas, a

fim de mostrar sua alma alegre, descomplicada e ao mesmo tempo apaixonada,

contrastam com a postura mais contida e comedida de Justin.

A estrutura narrrativa permite perceber que os primeiros dez minutos do

filme se destinam à apresentação dos personagens e se detém nas figuras de Justin

e Tessa por quase todo o tempo. A sucessão rápida dos fatos e os recursos utilizados

pelo diretor, tornam natural que o espectador começe a sentir simpatia pela

personagem de Tessa, por sua leveza, alegria e seu viés apaixonado e humanitário.

Sendo esta uma sequência com uma cena de amor e espontaneidade, há

um potencial de aprendizagem para a temática da construção de relacionamentos

afetivos verdadeiros na atualidade.

Sequência 6: Em um flashfoward, Justin vai ao necrotério reconhecer o

corpo que se supõe ser de Tessa.

Análise: O corte abrupto na narrativa, traz uma elipse (passagem rápida do

tempo) que segue com um flashforward onde Justin se vê diante de um corpo inerte

no necrotério, contrastando propositalmente com a imagem de Tessa cheia de vida

da cena anterior e também opondo a tristeza presente de Justin à sua felicidade na

personagens por inteiro e o plano de conjunto enquadra os personagens e o ambiente em que se encontram. (Glossário de Termos para Produção Audiovisual. Cinema – técnica cinematográfica, 2009)

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cena precedente. Com a atmosfera de morte que impregna o local, ocorre aí uma

alteração importante no rítmo do fluxo narrativo, que passa a se desenvolver de forma

mais lenta e pesada. Dentro do necrotério, a câmera nervosa se demora um pouco

sobre o corpo coberto, num plano de alguns segundos – um corpo sem vida, o oposto

de Tessa – e a seguir, em contra-plongée (câmera abaixo do nível dos olhos dos

personagens, voltada para cima) se aproxima até o rosto de Justin, no instante em ele

que identifica Tessa.

Em nenhum momento o corpo é revelado ao espectador. Como as notícias

precedentes informaram que a morte de Tessa teria se dado de maneira brutal, a

opção por não revelar o estado do corpo parece sugerir que o diretor não pretendeu

dar um tom mais pesado à cena do que a propria situação já determina com a natureza

dolorosa da perda.

No instante da identificação do corpo o enquadramento em primeiro plano

revela o choque e a visível dor de Justin em sua face. Sandy, que o acompanha no

necrotério, se sente mal ao ver o cadáver de Tessa - um indício colocado pelo diretor

de algo que será revelado mais adiante. A sequência se fecha no rosto angustiado de

Justin olhando novamente para o corpo ali inerte.

Como potencial para aprendizagem, pela presença de Sandy e pelo teor

doloroso, a sequência traz elementos para discussão sobre a solidariedade humana

e sobre a natureza da morte e os efeitos da perda de um ente próximo.

Sequência 7: Em outro flashback, Tessa, já no Quênia e grávida de Justin,

causa um mal-estar numa festa do alto comissariado britânico ao levantar suspeitas

em relação às ações de saúde praticadas pelas autoridades em Nairóbi e pelas

empresas farmacêuticas que ali se instalaram.

Análise: Novamente o ritmo do fluxo narrativo se alterna e evoca uma

polarização das emoções do espectador. Nessa sequência, vê-se Tessa, grávida, bela

e irradiando sua paixão pela vida. A cenografia e o figurino exercem papel importante

para se estabelecer os contrastes da vida em Nairóbi. Valendo-se em boa parte do

tempo por um plano de conjunto, o diretor apresenta um clima requintado na festa em

que Tessa comparece com Justin. Os carros ao chegarem são revistados, por

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segurança e os garçons uniformizados desfilam com bandejas de vinho e champanhe.

O ambiente é elegante e lá está a elite local, que contrasta com a imagem da miséria

da população e suas condições de vida nas favelas de Nairóbi mostradas reiteradas

vezes ao longo da narrativa. Os convidados da festa conversam sobre amenidades e

os sinais exteriores de riqueza – como a limusine do Ministro, por exemplo – passam

a ideia da despreocupação da elite pela adversidade reinante em seu entorno.

Certos diálogos também são relevantes para evocar emoções no

espectador. Valendo-se do plano americano o diretor enquadra Tessa ao questionar,

de forma dura e direta, o ministro da saúde do Quênia - Dr. Joshua Ngaba - por não

fornecer equipamentos de esterilização na clínica local e pelas medicações gratuitas

não chegarem à população. Essa interpelação reforça ao espectador o caráter

apaixonado de Tessa e sua preocupação com os direitos humanos e as condições de

vida e saúde dos desfavorecidos e gera certa antipatia pelas autoridades que lidam

com descaso ante a situação de extrema pobreza de parte da população. A fala de

Tessa e algumas respostas irônicas dadas ao diretor da empresa 3 Abelhas também

ali presente, acabam por constranger os diplomatas presentes.

Durante a festa, o diretor opta na narrativa por manter Justin afastado de

Tessa e dessa forma o expõe como um personagem desinformado das ações de sua

esposa e despreocupado em se inteirar das colocações contundentes que Tessa faz

às autoridades. Justin tampouco se manifesta quando é advertido por Sandy para que

controle as falas de sua esposa.

Os diálogos dessa sequência, além de reforçar o caráter de Justin alheio à

realidade, revelam a face destemida de Tessa e auxiliam no desencadeamento de

emoções como indignação ou uma certa antipatia por parte da audiência, ante à

postura dos diplomatas que trabalham com Justin e seu distanciamento das causas

de Tessa. Fica claro que o alto comissariado britânico procura se alinhar às

autoridades locais e se mantém distante de qualquer forma de envolvimento com a

situação de penúria local.

Como potencial para aprendizagem a sequência é rica, pois apresenta

questões como a forte desigualdade social; as reservas quanto à postura dos

diplomatas; os interesses comerciais das grandes empresas e dos governos; os

direitos humanos; a prática da Medicina e os tratamentos atuais; as relações

internacionais e as políticas públicas dos Estados.

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Sequência 8: Justin demonstra grande interesse na compra de suas plantas

enquanto Tessa o espera e conversa com Sandy, que exalta sua beleza num tom que

gera desconfiança. Tessa diz que vai dar à luz em uma semana no hospital de Uhuru

e é questionada por Sandy, por optar por um hospital público.

Análise: O diretor opta por um plano de conjunto ao mostrar Justin

comprando motivadamente mudas de plantas, aparentemente seu único interesse.

Tessa o aguarda e conversa com Sandy. Alternando para um plano americano e para

um primeiro plano, o diretor foca Sandy, ao elogiar Tessa num tom que deixa dúvida

quanto as suas intenções – se traduzem mera amabilidade ou sugerem um interesse

velado na esposa de seu colega de trabalho. Tessa não se mostra lisonjeada com as

palavras de Sandy e desconversa, sugerindo irem almoçar. Na mesma cena, Sandy

considera absurda a decisão de Tessa em dar à luz no hospital de Uhuru e alega que

há locais com melhores condições. Tessa entende que as mulheres de Kibera são

atendidas lá diariamente e sua insistência reforça seu sentimento de solidariedade

pelos carentes, revela sua simplicidade e fortalece a simpatia da audiência pela

personagem humanizada que contrasta com a elite desinteressada na realidade local.

Quanto ao potencial para aprendizagem a sequência aborda os temas da

solidariedade humana; das relações afetivas, da prática da Medicina e das políticas

públicas do Estado.

Sequência 9: Uma tomada aérea mostra a gigantesca favela de Kibera

dando o tom da miséria local. Em continuidade, Tessa caminha com o médico e amigo

Arnold pelas vielas sujas de lixo e se entrosa com as crianças dali. Do alto do segundo

andar de uma tapera ambos observam o atendimento da clínica móvel que atende a

população carente de Kibera.

Análise: A cena que abre a sequência se vale de um travelling (câmera em

movimento no espaço) em plano geral mostrando uma enorme favela em Nairóbi e

revela a extensão da pobreza e das condições precárias de Kibera33, propondo

33 Kibera, em Nairóbi é considerada a maior favela do mundo. Fonte: Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Un-Habitat). Disponível em https://nacoesunidas.org/acao/assentamentos-humanos/

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sensibilizar o espectador e despertar sua compaixão pela situação desumana de tantas

pessoas.

Valendo-se de um plano de conjunto seguido de um plongée, vemos Tessa

interagindo alegremente com as crianças e falando com elas em inglês ao caminhar

com Arnold pela favela, no intuito de se apontar sua integração e proximidade com a

comunidade local.

Na cena seguinte o diretor opta por uma tomada onde Tessa e Arnold se

situam em um plano elevado em relação à favela, de forma que ao passo em que a

audiência acompanha o diálogo entre eles não perde de vista a visão dos milhares de

telhados de lata e das casas de barro da grande favela de Kibera. Nota-se a opção

por uma filmagem espontânea onde os próprios habitantes de Kibera são figurantes

do filme. Essa naturalidade, aliada à luz abundante e ao solo vermelho revelam a face

colorida daquele ambiente hostil, contrastando com a realidade da miséria e de

moradias insalubres.

Valendo-se de um primeiro plano alternado com close-ups, Meirelles

mostra Tessa questionando Arnold sobre o conteúdo dos “potinhos” entregues pelos

habitantes aos enfermeiros da clínica. Arnold supõe ser saliva e explica que uma

empresa farmacêutica fornece gratuitamente o remédio para AIDS e também faz o

teste o teste gratuito para detectar tuberculose. Tessa argumenta que companhias

farmacêuticas não fazem nada de graça.

O diálogo suscita um sentimento de dúvida no espectador, alimentando o

suspense ante a desconfiança de Tessa em relação às empresas farmacêuticas lá

instaladas (a KDH e a 3 Abelhas), aprofundando o mistério acerca de fatos ainda não

revelados.

A câmera em primeiro plano e em close-up destaca a expressão

preocupada de Tessa e se alterna com a visão da favela trazida pelos planos abertos.

No fluxo narrativo o espectador fica de novo em vantagem em relação ao protagonista,

ao tomar ciência das suspeitas de Tessa.

O potencial de aprendizagem da sequência abrange a ética das empresas

farmacêuticas; o respeito aos direitos humanos; as mazelas sociais; as políticas

públicas de saúde e a prática da Medicina e dos tratamentos atuais.

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Sequência 10: A visão geral da favela local seguida de um plano de

conjunto de uma enfermaria hospitalar precária antecede a notícia da morte do bebê

de Tessa no parto. Uma conversa sigilosa entre Tessa e Sandy o deixa perturbado e

traz importantes revelações ao espectador.

Análise: Outra tomada aérea perpassa Kibera e a seguir vê-se o interior

do hospital público de Uhuru. O diretor se vale da visão aérea da favela para sinalizar

a localização do hospital em que Tessa decidiu dar à luz. Ao passar para o interior do

hospital um travelling percorre os corredores e um close-up foca um recém-nascido

sendo amamentado por Tessa.

Com a chegada de Sandy é revelado ao espectador que o bebê de Tessa

faleceu e que ela amamenta ali o bebê de Wanza, uma jovem mãe que está à beira

da morte no leito ao lado.

Tessa se encontra numa enfermaria coletiva, ladeada de outras mulheres

em quartos contíguos e interligados e o cenário expõe a escassez de recursos e a

estrutura precária do hospital para o atendimento à população. A luz exerce aí um

papel relevante. A estranha escuridão na enfermaria contribui para dar o tom de luto

à cena. Não se entra em detalhe quanto à morte do bebê de Tessa, mas se percebe

o abatimento em Justin quando vê Tessa amamentar.

Tessa espera que Justin se afaste e inicia uma conversa com Sandy na

qual se emociona. Ela lhe pede que a ajude a investigar algumas mortes que têm

ocorrido, pois acredita que as pessoas estão sendo assassinadas. Sandy se mostra

consternado e tenta dissuadi-la alegando que suas suspeitas estão causando

embaraços ao comissariado, mas aceita ajudá-la supondo que ela esteja em choque

pela perda do filho. A câmera em primeiríssimo plano durante quase todo o tempo

desse diálogo dá densidade às emoções de ambos.

Ao sair, Sandy sugere a Justin que leve Tessa a uma clínica apropriada e

é interpelado por Arnold, que o ouvia, e questiona se tal clínica seria de médicos

“brancos”.

O fluxo narrativo avança, ainda que mais lento e procura destacar os

sentimentos de Tessa - que surpreendem o espectador. Ao invés de prevalecer a

tristeza e o abatimento pela perda do filho, ela volta sua atenção para a situação da

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jovem Wanza, que está morrendo. Sua tragédia pessoal se mostra pequena ante a

tragédia social que ela presume estar ocorrendo.

Em tom confessional, Tessa diz a Sandy que ainda não tem provas, mas

sabe que pacientes estão sendo assassinados. Revela também que Justin

desconhece as suas suspeitas. Essa fala reforça o distanciamento de Justin do mundo

de Tessa e indica ao espectador que talvez ele não a conheça de fato. O contexto

fortalece as emoções de empatia e solidariedade à Tessa por parte do espectador,

bem como de indignação pela possível morte dolosa de várias pessoas e de tristeza

pelo infortúnio pela morte do recém-nascido.

O potencial de aprendizagem da sequência envolve os temas da

solidariedade humana; da prática da Medicina e dos tratamentos atuais; dos direitos

humanos; da desigualdade social e das mazelas sociais da atualidade.

Sequência 11: Após a morte de Wanza, sua família se retira levando

consigo o recém-nascido e o médico Arnold confronta o médico “branco” que atendia

Wanza – Dr. Loober – pedindo que pare de fazer “testes” em pacientes HIV positivos.

Análise: Na mesma enfermaria em que Tessa se encontra, o diretor se vale

de um plano americano para focar num diálogo rápido que marca a breve cena de

Arnold advertindo o médico de Wanza. Esse recurso de fragmentar a quantidade de

informação destilada em cada sequência fílmica alimenta o suspense da narrativa e

sugere ao espectador que algum tipo de procedimento deletério está sendo aplicado

pelas companhias farmacêuticas junto aos pacientes HIV positivos.

A audiência começa a formular hipóteses sobre o que pode estar por trás

dos possíveis assassinatos de pessoas daquela população carente. Nesse ponto do

fluxo narrativo, reforçando a dinâmica pendular da história e alimentando o clima de

suspense, o espectador novamente detém mais informações do que o protagonista.

O potencial de aprendizagem dessa sequência abrange os temas da ética

das empresas multinacionais; da prática da Medicina e dos tratamentos atuais; dos

direitos humanos e das mazelas sociais da atualidade.

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Sequência 12: A mãe e o irmão de Wanza saem do hospital levando o

recém-nascido para casa, a pé. Ao sair também do hospital com Justin, Tessa vê pela

janela do carro a família de Wanza na rua e deseja levá-los a Miluri, que dista 40

quilômetros dali o que corresponde a uma noite inteira de caminhada. Justin se

recusa, pois prioriza a saúde de Tessa.

Análise: O altruísmo de Tessa ganha destaque nessa sequência da saída

da maternidade. Optando por muitos close-ups e primeiríssimos planos durante o

diálogo no carro de Justin, o diretor destaca as emoções de ambos alternando para

um plano de conjunto para mostrar a família de Wanza caminhando nas ruas

miseráveis do local. A expressão do rosto de Tessa deixa claro que ela se comove

com o sacrifício deles e se solidariza com a dor da mãe da Wanza, que como ela,

acaba de perder um filho. Tessa pede a Justin que leve a família de Wanza até em

casa e ele se recusa dizendo que a saúde de Tessa vem em primeiro lugar e que não

podem se envolver na vida deles. Alega que há milhares de pessoas como eles que

vivem na miséria e para isso as Organizações Internacionais estão lá. Tessa pergunta

porque não podem ajudar ao menos aquelas três pessoas. Trava-se um diálogo forte

que será relembrado em uma outra cena na parte final do filme.

O potencial de aprendizagem da sequência abarca os temas das mazelas

sociais da atualidade; das ações das Organizações internacionais; das políticas

públicas do governo e da solidariedade humana.

Sequência 13: Justin, ao chegar em casa após reconhecer o corpo de sua

mulher é informado que o computador e os arquivos de Tessa foram confiscados pela

polícia e passa a procurar informações que expliquem em que Tessa estava

trabalhando. Um primeiríssimo plano destaca a expressão sofrida de Justin. Em meio

a alguns guardados, Justin encontra o rótulo do remédio Dypraxa e uma

comprometedora carta de Sandy a Tessa na qual ele lhe revela seus sentimentos e

pede que lhe devolva algo que ela se apropriou.

Análise: É importante citar que essa sequência é precedida por um

segmento da narrativa no qual há um fluxo temporal linear pelo qual se chega

“novamente” à despedida de Tessa no aeroporto; à notícia da sua provável morte

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comunicada a Justin por Sandy e ao reconhecimento do corpo no Instituto Médico

Legal. Tais sequências já foram analisadas.

A atual sequência é reveladora para Justin e para o espectador. Abalado com

a perda trágica da esposa, Justin vasculha os objetos pessoais de Tessa tentando puxar

um fio que lhe aponte um caminho a seguir. Justin está pesaroso, mas intrigado por

Tessa, uma alma generosa e íntegra, ter sido assassinada de forma brutal.

O fato de a polícia ter confiscado os arquivos e o computador de Tessa,

antes de ser um meio de investigar o que ela poderia estar trabalhando (que a tivesse

levado à morte) sugere uma forma de sumir com as pesquisas que ela vinha

realizando, o que aventa um envolvimento da polícia local no caso.

Existe aí um ponto de virada na narrativa. O roteiro mostra a reação

imediata de Justin à morte de Tessa revelando que o diplomata fleumático passa

agora a reagir de forma diferente. Sua atitude aponta para uma disposição em

investigar o crime. Justin deixa de ser um indivíduo alheio a tudo e encapsulado em

seu mundo de plantas e sai à caça de informações. Em seu quarto, encontra o rótulo

do remédio Dypraxa prescrito à Wanza e uma carta pessoal. Ao abri-la, o espectador

ouve a “voz over” de Sandy confessar seu amor por Tessa e lhe pedir de volta algo

que ela se apropriou. Isso basta para que Justin perceba que estavam acontecendo

coisas para as quais ele nunca atentou.

O diretor se vale de uma iluminação discreta, condizente com a atmosfera

de tristeza e pesar. O clima é reforçado pela introdução da música instrumental

melancólica que acompanha as descobertas de Justin. Destacando o remédio

Dypraxa, a carta de Sandy e o rosto de Justin com close-ups e com um primeiríssimo

plano, Meirelles traduz os pensamentos dolorosos e intrigados de Justin e aponta para

o fio a ser seguido.

A sequência pode suscitar várias emoções no espectador: compaixão pela

dor de Justin; simpatia por sua nova postura; ansiedade pela revelação de Sandy e

tristeza pela morte de Tessa. O potencial de aprendizagem da sequência traz os temas

das relações afetivas; a prática da Medicina e os tratamentos atuais; a ética das

empresas farmacêuticas e a morte e os crimes de homicídio.

Sequência 14: Justin se encontra no aeroporto com Ham (primo de Tessa).

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Análise: No aeroporto, enquanto Justin aguarda a chegada de Ham, o

diretor se vale de um recurso interessante: a imagem de Justin é mostrada ao

espectador por meio das câmeras de segurança do local, sugerindo que ele ou vem

sendo seguido de perto ou de que seria fácil conhecer seus passos por meio dessas

filmagens e assim, localizá-lo.

Esse recurso favorece o suspense da narrativa. O ângulo elevado das

câmeras de segurança e a posição de Justin, isolado, no imenso salão do aeroporto

mostrados por um plongée (câmera focando de cima para baixo), sugerem a

pequenez e a fragilidade de um homem às escuras em busca de respostas. Tal

recurso é importante para evocar emoções na audiência, pois mostra que quanto mais

Justin se aproxima da verdade, mas ele se torna exposto.

O potencial de aprendizagem da sequência traz os temas das da

solidariedade humana; da morte e dos crimes de homicídio.

Sequência 15: Com a ajuda de Guido, filho de Ham, Justin acessa no

computador os arquivos de Tessa e começa a cogitar o que a teria levado a conduzir

sua investigação. Justin imprime documentos e se debruça sobre eles buscando

entender a trama que culminou com a morte de Tessa.

Análise: Na casa de Ham, ao abrir os arquivos de Tessa, Justin acessa

vídeos de conversas que sua esposa mantinha com ativistas de organizações

internacionais que comentam práticas irregulares das companhias farmacêuticas com

as populações carentes da África. Também localiza imagens com fortes indícios de

ligação entre a empresa KDH e o comissariado britânico, e identifica seu chefe no

comissariado - Bernard Pellegrin - numa das fotos arquivadas.

Nessa sequência, o diretor se vale do uso da tecnologia para informar ao

espectador os fatos importantes de uma forma célere. Ao invés de longos diálogos

com possíveis interlocutores, o diretor utiliza um filme dentro do filme: um vídeo de

poucos minutos explica a epidemia prevista de tuberculose e como a KDH sugere

combater as mortes com o uso do remédio Dypraxa. Os vídeos pessoais de Tessa

também encontrados, por sua vez, evocam no espectador a solidariedade à Justin

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quando por meio do primeiríssimo plano se denota sua emoção ao rever os momentos

que tiveram juntos.

Na cena em que Justin separa os documentos impressos o plongée

utilizado e a iluminação circunscrita continuam apontando o Norte para o deslinde da

trama, focando na mesa repleta de papéis reveladores, enquanto Justin procura uma

ligação ente eles. Outro recurso significante nessa cena é a visualização de Tessa

como uma memória de Justin, pois evoca emoções de tristeza e pesar no espectador,

que ao vê-la com o olhar de Justin, com os “olhos de suas memórias”, ainda que não

possua a total compreensão da trama que culminou com a sua morte se comove por

saber que a mulher altruísta e inteligente ali vista cheia de vida, está morta por tentar

defender os direitos humanos dos desfavorecidos.

Esse recurso, tanto nessa sequência, como em outras do filme, é uma

forma de manter Tessa sempre presente na narrativa e aliado aos flashbacks e

flashforwards da obra tornam viva a imagem de uma personagem que poderia ter uma

breve participação no filme - pois morre no final do primeiro terço da história – caso a

narrativa fosse conduzida de forma linear. A opção pela narrativa fragmentada e o uso

das memórias enriquecem a obra fílmica e a tornam mais densa do ponto de vista

emocional. O potencial de aprendizagem da sequência é vasto e traz os temas da

solidariedade humana; da morte e dos crimes de homicídio; dos interesses comerciais

dos Estados, da prática da Medicina e os tratamentos atuais; dos lucros do sistema

Capitalista; da ética das empresas farmacêuticas e da ação das Organizações

Internacionais.

Sequência 16: Justin, temendo ser seguido viaja disfarçado à Alemanha

em busca de informações sobre a pesquisa que Tessa vinha fazendo.

Análise: Ham consegue um passaporte falso para Justin e o entrega às

pressas na estação de trem. Justin viaja com nova identidade para a Berlim. Com o

trem a grande velocidade a trilha sonora cria no espectador a apreensão vívida pelo

perigo a que ele está se expondo. A música instrumental traduz o suspense do que

está por vir e as imagens desfocadas e rápidas do exterior do trem imprimem a

sensação de insegurança quanto ao destino de Justin. Essa apreensão é corroborada

pelas expressões faciais do personagem, destacados os enquadramentos em

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primeiríssimo plano e em alguns planos em close-up, que traduzem angústia e tensão,

pois ele fora ameaçado de morte num bilhete que lhe advertia a parar a investigação.

Ham tem aí um importante papel e o potencial de aprendizagem da sequência traz o

tema da solidariedade humana.

Sequência 17: Enquanto o comissariado britânico tenta localizar Justin ele

busca em Berlim uma das organizações com que Tessa mantinha contato.

Análise: Na estação de Berlim, novamente o diretor mostra câmeras de

segurança e se vale de um primeiro plano e um contra-plongée enquadrando Justin

quando ao caminhar apressadamente, se vira para ver se não está sendo seguido. A

música forte, nesse momento, tem papel significante na criação de tensão na cena. A

seguir Justin caminha por Berlim e ao mesmo tempo a cena é entrecortada pela

reunião do comissariado britânico na qual Sandy informa o desaparecimento de Justin

e pede aos colegas que relatem o seu paradeiro caso tenham alguma informação.

A alternância entre as cenas mostra a intenção do comissariado em

continuar a busca por Justin e dá ao espectador a apreensão do protagonista em fuga.

O potencial de aprendizagem da sequência trata dos interesses do governo e da

atuação diplomática.

Sequência 18: Em Berlim, Justin procura Birgit, membro da organização

HIPPO na busca de informações sobre a pesquisa que Tessa estava desenvolvendo.

Análise: Enquanto Justin caminha por Berlim, o diretor se vale de um

recurso importante, antecipando informações ao espectador: mostra o vídeo no qual

Tessa conversa com Birgit para agilizar a narrativa, que nesse ponto não pode perder

a tensão. Birgit explica que o remédio Dypraxa é fabricado pela empresa KDH e

testado pela empresa 3 Abelhas. As empresas são associadas.

O vídeo mostra estudos que indicam uma epidemia mundial de tuberculose

em poucos anos. A partir daí as informações de Birgit são passadas pelo recurso de

“voz over”, durante o percurso a pé de Justin.

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A jovem esclarece que para o remédio ser vendido precisa ser aprovado

nos testes clínicos. Justin a seguir a encontra na escola de seu filho. Muito assustada,

ela teme que eles sejam vistos juntos.

Numa breve conversa ela revela que o Dypraxa pode matar pelos efeitos

colaterais que ainda apresenta. Voltar a testar o Dypraxa em laboratório para conter

os efeitos custaria milhões de dólares à empresa KDH e atrasaria o lançamento da

droga em dois anos.

Assim, as empresas farmacêuticas fazem os testes clínicos diretamente

nos pacientes que sequer sabem que estão sendo cobaias de um experimento. Justin

pergunta como o governo do Quênia autorizou os testes e Birgit diz que com cinquenta

mil dólares nas mãos certas é possível se testar ácido de bateria como loção de pele.

Por fim, Birgit revela que Loober foi o médico que criou o Dypraxa e que ele continua

na África.

O diálogo forte evoca no espectador certa indignação pelo desprezo das

companhias com a vida humana e a tensão da cena é acrescida pelas circunstâncias

trazidas pelo cenário. Toda a cena é entremeada pela visão de transeuntes e veículos

que mostram indivíduos suspeitos, como se a qualquer momento Justin fosse ser

descoberto ou morto.

A música instrumental acrescenta um tom forte à conversa e evoca no

espectador a expectativa de um desfecho que se mostra próximo.

O potencial de aprendizagem da sequência trata dos direitos humanos; da

ética empresas farmacêuticas; da prática da Medicina e os tratamentos atuais; dos

lucros do sistema Capitalista; da economia de mercado; dos interesses dos Estados

e da ação das Organizações Internacionais no mundo contemporâneo.

Sequência 19: Ao chegar em seu hotel em Berlim, Justin é fortemente

agredido e ameaçado de morte.

Análise: A agressão sofrida e a ameaça por escrito sugerem que Justin está

muito perto de descobrir todos os fatos sobre a pesquisa de Tessa. Nessa cena o

diretor, com uma câmera nervosa, se vale de pouca luz, foca nas sombras dos

agressores praticamente sem revelar seus rostos enquanto o som alto da tevê

encobre os ruídos da luta. Tais recursos mantém o suspense e a tensão da narrativa

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quanto ao destino de Justin e evocam a simpatia do espectador pelo protagonista. O

potencial de aprendizagem da sequência trata da questão da ética empresas

farmacêuticas.

Sequência 20: Justin volta ao Quênia e procura Sandy em busca de mais

informações. Sandy admite seu amor por Tessa, revela os interesses do governo

britânico em relação à empresa KDH e comenta as ações de Pellegrin que podem ter

contribuído para a morte de Tessa.

Análise: Um dos momentos mais tensos do filme que evoca no espectador

emoções contrastantes. Um momento de confronto. O diretor soube captar a

sensação aflitiva da alma do protagonista num ponto crítico da narrativa. O jogo de

luz e sombra durante todo o diálogo, reflete a dicotomia entre a obscuridade dos fatos

e a verdade ali exposta e dá densidade à sequência. A escuridão do jardim onde Justin

e Sandy conversam se assemelha ao breu em que Justin está mergulhado. Ele precisa

de respostas. Precisa da verdade. Agora sua obstinação pela verdade se compara à

que tinha por suas plantas.

O espectador percebe que Justin tomou para si o objetivo de Tessa como

uma missão e passa a ter empatia por sua causa. A face angustiada de Justin e seu

aspecto destroçado mostram um homem disposto ao que for preciso para esclarecer

o assassinato de sua mulher e juntamente com o mise-en-scéne apurado evoca a

ansiedade no espectador.

Sandy vê em Justin um homem atormentado e naquele momento só lhe

resta contar a verdade, suscitando a indignação da plateia. Ante os questionamentos

de Justin, mantendo a tensão da sequência, Sandy admite que amava Tessa e expõe

o compromisso que o governo britânico possui com a empresa farmacêutica KDH.

Revela que a KDH, empresa suíço-canadense, montou sua fábrica no País de Gales

gerando milhares de empregos numa região em recessão.

Revela ainda que Tessa queria o fim dos testes com o Dypraxa, mas se

justifica dizendo que os pacientes que morreram, morreriam de qualquer forma. Nesse

momento o jogo pendular entre o conhecimento do espectador e do protagonista que

tensiona o fluxo narrativo fica empatado, suspenso no ar.

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Em um momento crucial do diálogo, Sandy admite que traiu Tessa

passando informações para Pellegrin, mas acusa Justin também de traí-la plantando

suas flores. Sandy também revela que Pellegrin recebeu o relatório de Tessa e enviou

uma carta pedindo a Sandy que a seguisse, informasse seus passos e a impedisse

de continuar a investigação.

Os planos de fundo desfocados e a alternância entre o plano americano, o

primeiro plano e em close-up nos instantes mais tensos do diálogo, passam ao

espectador as emoções intensas dos personagens, como a culpa, o remorso, a

angústia e desconsidera tudo o mais que está ao redor dos mesmos.

Após as revelações turbulentas Justin devolve a carta de amor a Sandy e

sai em busca do final de sua jornada, o que alimenta o suspense próximo ao clímax

da narrativa.

O potencial de aprendizagem da sequência abarca os temas da ética das

empresas farmacêuticas; dos interesses comerciais dos Estados; do respeito aos

direitos humanos; da prática da Medicina e os tratamentos atuais e da morte e dos

crimes de homicídio.

Sequência 21: Justin viaja ao Sudão no avião da Organização das Nações

Unidas - ONU em busca do médico Loober, criador do Dypraxa e realizador dos testes

do medicamento nos pacientes do Quênia.

Análise: O avião da ONU no qual Justin viaja joga fardos de alimentos para

os carentes da África pouco antes de pousar antecipando o panorama de profunda

pobreza que se verá a seguir.

As imagens do Sudão mostram uma face da África esquecida pelo mundo.

Os habitantes disputam a comida jogada e as guerrilhas e a fome emolduram um

cenário dantesco de miséria e desesperança captado pelas lentes do diretor em um

grande plano geral, como para revelar a extensão da tragédia a que aqueles seres

humanos estão submetidos e mostrá-los diminutos em relação ao alcance do deserto

e da impiedade da vida que levam.

As filmagens durante o dia são estratégicas e marcantes para revelar o sol

escaldante do deserto infértil como um importante fator a contribuir para a sede e a

fome do povo local.

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O potencial de aprendizagem da sequência abarca os temas das mazelas

sociais da atualidade; do respeito aos direitos humanos; da solidariedade humana e

da ação das Organizações Internacionais enquanto atores do mundo contemporâneo.

Sequência 22: Justin encontra o médico Loober que lhe fala sobre a

conduta das empresas farmacêuticas, das organizações internacionais e dos

governos em relação aos carentes na África e também faz revelações sobre Tessa.

Análise: Um travelling acompanha o pouso do avião e se segue por uma

panorâmica que acompanha o olhar de Justin perscrutando o local castigado pelo sol.

Logo após conhecer Loober, o diálogo que se segue tendo por fundo o cenário

inóspito do deserto no Sudão sintetiza a vitória da ganância sobre a ética no mundo

atual - que se diz civilizado: no acampamento, Loober mostra a Justin remédios

vencidos enviados para a população que estão sendo queimados para que não sejam

utilizados e resume a crueldade do descaso das empresas farmacêuticas para com

aquelas pessoas com a frase: “remédios descartáveis para pessoas descartáveis”. O

médico tem uma postura descrente na humanidade e também comenta a conduta das

organizações internacionais e dos governos em relação aos carentes da África.

Lobber reconhece Justin. Ele o viu no hospital enquanto atendia Wanza. O

médico revela que recebeu o relatório de Tessa e que pretendia falar em um vídeo

sobre isso. Diz que o relatório de Tessa, de dezesseis páginas, apontava as mortes

de pacientes devido a efeitos colaterais do remédio para tuberculose Dypraxa –

testado pela empresa 3 Abelhas - decorrentes de testes clínicos não consentidos.

Interessante observar que a câmera mostra várias vezes a exteriorização

do sofrimento em que vivem aquelas populações sudanesas. Esse elemento se

apresenta também como uma estratégia do diretor para construir a transformação de

Justin. Pela visão dos horrores e da dor, Justin se deixa tocar sabendo que foi em

razão de pessoas como eles que Tessa acabou por perder sua vida. Sua capa rígida

de indiferença inicial é desmontada e deixa exposta sua sensibilidade, a ponto de

começar a se importar com os desfavorecidos como Tessa o fazia.

O potencial de aprendizagem da sequência envolve os temas das mazelas

sociais da atualidade; do respeito aos direitos humanos; da solidariedade humana; da

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Medicina e os tratamentos atuais; da ação das Organizações Internacionais e da ética

das empresas farmacêuticas.

Sequência 23: Justin, em fuga do Sudão ante o ataque de uma tribo hostil

ao acampamento em que se encontra, entra no avião que o trouxe e tenta levar com

ele uma menina – Abuk – assistente do Dr. Loober. No avião o médico passa a Justin

as últimas informações que necessita para entender a trama que Tessa tentava

desvendar e que causou a sua morte.

Análise: Após a visão desoladora da tribo de bárbaros destruindo o

acampamento, matando pessoas e incendiando as ocas, se segue uma cena

importantíssima na trama que se traduz no clímax da jornada de Justin. Nela se mostra

a completa transformação do protagonista.

No avião pronto para a fuga Justin esbraveja pretendendo salvar a menina

Abuk dos bárbaros, mas o piloto não possui autorização para transportar cidadãos

locais e alega que há centenas de crianças como ela lá fora. Justin pergunta por que

não salvar ao menos ela, que está ali, repetindo a fala que ouvira de Tessa quando

saiu da maternidade. Ele vê Abuk correndo para fora do avião, percebe a sua

impotência diante da situação e naquele momento tudo parece tomar forma em sua

mente. Loober lhe entrega a carta escrita por Pellegrin pedindo a Sandy que impeça

Tessa de continuar as investigações e conta que Tessa ia tornar público seu relatório.

Loober ainda confessa que revelou à KDH o paradeiro de Tessa sem saber que ela

iria se assassinada. A conversa quase toda com a câmera em primeiro plano aproxima

o espectador da angústia de Justin e do remorso de Loober.

Ato contínuo Justin se desculpa com o piloto, lhe entrega um envelope para

ser postado ao chegar a Roma contendo a carta de Pellegrin e pede que o deixe perto

do lago onde Tessa foi encontrada morta. Sua decisão e a arma que retira de sua

bagagem revelam que ele traçou ali seu destino. Com a aparência exausta e tendo

conseguido desvendar a morte de Tessa, nada mais lhe resta. O diretor foca a câmera

na arma de Justin, dando um indício do que está para acontecer.

Já em solo, caminhando pelo deserto, Justin segue para o seu destino e

uma voz over começa a se sobrepor à cena, até que está se transforma em uma

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cerimônia de um velório. Interessante o processo de ligação entre as cenas e uma

forma sutil de permitir um epílogo na narrativa.

O potencial de aprendizagem da sequência envolve os temas do respeito

aos direitos humanos; da solidariedade humana; da Medicina e os tratamentos atuais

e da ética das empresas farmacêuticas.

Sequência 24: Na cerimônia religiosa celebrada pela morte de Justin,

Pellegrin faz sua fala diplomática seguido por Ham - primo de Tessa - que faz a leitura

de uma epístola provocando uma reviravolta na história que parecia ter findado sem

que viesse a público a razão pela qual Tessa e Justin morreram.

Análise: A cena mostra a cerimônia do velório de Justin em uma igreja.

Iluminação discreta e um plano de conjunto são a base para essa sequência. No

púlpito, a fala inicial cabe a Pellegrin que ressalta as qualidades do diplomata e sua

discrição até no momento da sua morte - que ele descreve como suicídio.

Esse recurso do diretor, destacando a hipocrisia de Pellegrin, acentua a

evocação de emoções que surgirão a seguir no espectador com a fala de Ham. Ham

se dirige ao púlpito, em primeiro plano, para realizar a leitura da carta escrita por

Pellegrin. O texto tira o espectador da emoção de vazio e tristeza por ver que Justin

está morto depois da corajosa e difícil jornada que empreendeu. Ham revela não só

que Justin foi morto com oito tiros, o que elimina a possibilidade de suicídio, como

também, e principalmente, que havia conivência do governo britânico com a ações

praticadas pelas companhias farmacêuticas com a população e Nairóbi. Os membros

da imprensa cercam Pellegrin como moscas, que se vendo desmascarado, sai da

cerimônia e se evade em seu carro.

O potencial de aprendizagem da sequência envolve os temas do respeito

aos direitos humanos; da ética das empresas farmacêuticas e dos interesses

comerciais do governo.

Sequência final: Funcionando como um epílogo da obra, pois o espectador

já tem ciência do que ocorreu a Justin e também conhece a totalidade da trama que

provocou a morte de Tessa, a sequência final se inicia como um flashback que

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remonta ao instante que antecede a morte de Justin no qual Justin tem a visão Tessa

e conversa com ela.

Análise: Enquanto Justin pensa em dar fim à própria vida os assassinos de

Tessa se aproximam do local e são vistos no veículo que vem em sua direção. Sem

fugir de seu destino, no momento em que os assassinos chegam e o chamam pelo

nome, Justin se levanta e diz “Tessa”, fechando os olhos.

Na sequência final o espectador é movido pela dor de Justin e ao mesmo

tempo sente conforto e uma certa alegria na visão de Tessa ao lado dele. Seu último

pensamento foi para ela. Justin sente que sua morte os unirá novamente, fechando o

ciclo que se iniciou na primeira cena, no momento da separação.

No derradeiro momento, um close-up transmite toda a tristeza e ao mesmo

tempo a determinação de Justin que enfrenta com serenidade a finitude de sua vida.

No fotograma final do filme, ato contínuo ao momento em que Justin eleva seu último

pensamento a Tessa vemos novamente a revoada de pássaros captada no começo

do filme, numa metáfora agora, da libertação da alma de Justin.

Separado de Tessa na primeira cena do filme, Justin empreendeu toda a

sua jornada para ao final voltar a se reunir com a mulher que amou, por meio da sua

morte ao final da obra.

No tocante às emoções evocadas na audiência pelo fechamento do círculo

percorrido pelo protagonista fica a sensação de que o fotograma final também acaba

por completar o percurso emocional do espectador no momento em que Justin volta

a se reunir com Tessa, por escolher morrer no mesmo local onde ela foi encontrada.

O potencial de aprendizagem da sequência envolve os temas da morte; da

determinação e coragem na busca de um objetivo e dos relacionamentos afetivos.

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DISCUSSÃO:

Nesta parte, com base nos resultados da análise fílmica, discutimos as

noções básicas de “um modelo para se observar a aprendizagem a partir de uma obra

cinematográfica” no qual se possa identificar os processos cognitivos ali envolvidos.

Entre as diversas linhas teóricas que podem servir de embasamento para esse fim

elegemos as teorias construtivistas voltadas aos processos cognitivos de

aprendizado.

O modelo de Akhras (2014) aqui exposto se insere no cognitivismo e busca

investigar como os indivíduos constroem sua cognição visando a aquisição do

conhecimento e como se processam suas ideias (pensamentos) na vigência desse

processo. Conforme expõe Simons (2003) tais teorias, quando aplicadas, devem ser

sempre consideradas dentro de um contexto tanto temporal quanto espacial. A opção

por aplicar esse modelo de análise da aprendizagem a uma obra fílmica, parece

adequado, pois seus fundamentos se identificam com a própria natureza de uma

narrativa cinematográfica e de sua consequente diegese que se constrói dentro de um

eixo espaço-temporal próprio. Segundo Akhras (2014):

“Um dos aspectos que caracterizam as teorias construtivistas de

aprendizado é a visão de que a construção do conhecimento é

um processo que ocorre ao longo do tempo à medida que

elementos de situações prévias são conectados com elementos

de novas situações. Nesse processo, o aprendizado ocorre

quando indivíduos preparados para certos conceitos encontram

situações que oferecem oportunidades para o desenvolvimento

desses conceitos (Resnick, 1996). Além disso, de acordo com

Brown et al. (1989), um conceito construído evolui

continuamente com cada nova ocasião de uso porque novas

situações contribuem para lhe dar uma textura mais densa”.

Em se tratando da aprendizagem que pode se dar a partir dos filmes Akhras

(2014) reforça que um aspecto central em um processo de aprendizagem:

“(...) é determinar como uma sequência de situações pode ser

elaborada para que elementos de situações anteriores possam

se conectar com elementos de situações posteriores para

provocar um aprendizado”.

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Segundo essa ótica, os modos pelos quais os elementos de uma

determinada situação se conectam especificamente com os de outra situação

posterior em uma sequência, denotam características peculiares. Essa conexão pode

variar, estabelecendo, por exemplo, a evidenciação de uma revisão conceitual do

conhecimento; ou uma cumulação de conhecimentos; ou uma autorregulação do

conhecimento, dentre outros modos de conhecer, como veremos a seguir.

Assistir a um filme considerando o propósito de mensurar o aprendizado

que dele se pode auferir, implica também em determos um olhar específico sobre a

obra, pois de acordo com Fischer (2011) “o cinema que efetivamente promove o

aprendizado se reveste de uma narrativa estética diferenciada“. Isso não quer dizer

que na confecção da obra fílmica os realizadores necessitem atribuir à mesma um

caráter pedagógico, a priori.

Significa que o filme por seus atributos, por sua direção e por sua temática

é capaz de mostrar elementos e transmitir informações que permitem a reflexão dos

temas ali propostos e com os quais se pode construir algum aprendizado.

Para que se enxergue o potencial de aprendizagem decorrente da obra

fílmica ficcional, ao analisarmos a sua estrutura e as suas características

necessitamos estabelecer um olhar que vai além da identificação dos elementos

explícitos da narrativa, vale dizer, precisamos de um olhar não só atento ao que é

apresentado na história, mas também atento “ao modo” como essa história é narrada.

É necessário se aprofundar nos indícios; nas mensagens; na interpretação

das imagens e sons, nas características da montagem; no olhar da câmera; na mise-

en-scène dos atores e dos cenários; nos efeitos sensoriais proporcionados pela

iluminação; nos diálogos; nos silêncios; na composição subliminar da narrativa; nas

reviravoltas da trama; nas referências de uma metalinguagem, etc. É dessa totalidade

que se extraem as “ideias” que podem gerar significados e conhecimento.

Um fator importante na “busca pelos significados” é a subjetividade do

diretor da obra cinematográfica. Um filme bem dirigido é capaz de transmutar

“imagens e sons” e dar uma significação densa à narrativa. E são os significados que

irão desaguar no conhecimento. Duarte (2002) e Carrière (1995) expõem:

“É difícil definir o papel que os diretores ou realizadores desempenham na produção de sentido em narrativas fílmicas. Contudo, não parece haver dúvidas de que alguns deles

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desenvolveram um modo muito particular de operar com os sistemas de significação próprios dessa linguagem. A fragmentação e descontinuidade dos filmes de Jean-Luc Godard, a fotografia e os ângulos inusitados com os quais Orson Wells compôs Cidadão Kane, o jogo de luz e sombra associado à trilha sonora musical que Alfred Hichtcock criou para configurar climas de suspense, a beleza plástica das imagens de Bernardo Bertolucci, a inquietante câmera na mão de Glauber Rocha, o modo como Win Wenders lida com o espaço, os maravilhosos planos gerais de Akira Kurosawa, os close-ups em planos longuíssimos de Ingmar Bergman, as dezenas de cortes articulados em poucos segundos nos filmes de Eisenstein, entre centenas de outros exemplos, criaram formas específicas de produzir significação no cinema. (DUARTE, 2002)

E também:

“Recursos de câmera, de planos, sons, iluminação, composição

da cena e sequência dão significados distintos à narrativa

fílmica, dependendo de como o diretor pensa a sequência. ”

(CARRIÈRE, 1995)

No caso da obra em apreço, identificamos características relevantes na

direção de Fernando Meirelles que denotam um desempenho acurado na elaboração

da obra: o uso adequado dos primeiros planos e dos close-ups para transmitir ao

espectador a intensidade da emoção vivenciada pelos personagens; a câmera

espontânea nas filmagens externas, aproximando ao máximo a realidade do

espectador e inclusive se valendo dos próprios habitantes de Nairóbi como figurantes

da história filmados em suas atividades cotidianas; a forma fracionada de

apresentação do contexto da narrativa facilitando a compreensão da história pelo

espectador; a criteriosa dosagem da luz que acompanha o “clima” das sequências e

as variações emocionais nos personagens, sendo mais intensa nos momentos em

que predominam na história as emoções positivas e alegres e mais reduzida quando

se sobressaem emoções negativas como tristeza, perda e angústia, por exemplo; a

acertada utilização do plano geral e das panorâmicas, que deram dimensão e

profundidade às cenas das revoadas de pássaros; da apresentação da favela de

Kibera e da visualização do deserto do Sudão em contraponto à sensação subjetiva

de pequenez e fragilidade dos habitantes locais; a aceleração ponderada do ritmo da

narrativa nos momentos de maior tensão da história; a opção pelos planos longos para

enfatizar em vários momentos a dramaticidade dos fatos; o uso pontual de recursos

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como o filme dentro do filme e a câmera dentro da câmera para assegurar o ritmo e o

clima narrativo; e a inserção criteriosa da música reforçando as sensações e emoções

prevalentes nas sequências fílmicas.

Tais elementos da direção se somam aos demais componentes do filme

para promover a construção de significados e foram mencionados ao longo das

sequências fílmicas na primeira parte desta análise.

Nesta segunda parte, trabalhamos os temas principais e secundários do

filme e os processos cognitivos identificados em cada unidade de análise.

Para subsidiar esta parte da análise fílmica apresentamos os tipos de

processos cognitivos envolvidos na aprendizagem baseados nas teorias

construtivistas e extraídos de Akhras (2014):

Construção: relaciona o conhecimento prévio a novas

situações de modo significativo. Não apenas o conhecimento

associado à nova situação é construído, mas o conhecimento

prévio pode ser reinterpretado à luz da nova situação.

Informações de várias fontes são combinadas e elaboradas para

integração do conhecimento novo com o já existente de modo

significativo.

Cumulação: nada tem significado ou é aprendido

isoladamente. Conhecimento e situações prévias influenciam e

se relacionam com novo aprendizado. Repetição e múltiplas

exposições ao conhecimento; repetições em diferentes

contextos e maneiras alternativas de olhar o conhecimento;

revisão de ideias tidas previamente em função do que ocorre no

meio tempo.

Autorregulação: decisões sobre o que fazer para atingir os

objetivos ou para ajudar a definir objetivos. Conscientização do

progresso nas situações e capacidade de regular seu

envolvimento nas situações. Aspectos de situações são

analisados e utilizados para guiar a interpretação de novas

situações. Capacidade de guiar o processo em que novos

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conceitos são integrados aos conceitos assimilados

anteriormente.

Atenção: o conteúdo pode usar meios para ressaltar

aspectos relevantes para uma concepção, como forma de

despertar a atenção para esses aspectos.

Codificação: o conteúdo pode utilizar meios, como

múltiplas exposições, para facilitar que a informação

apresentada seja codificada (interpretada) de forma significativa.

Geração de hipóteses: o conteúdo pode permitir a geração

de hipóteses para a tentativa de interpretação de fatos e

conceitos a serem confirmadas (ou não) mais tarde.

Repetição: o conteúdo pode apresentar diferentes tipos de

repetição, como diferentes contextos, diferentes exemplos, ou

maneiras alternativas de olhar para a mesma coisa, permitindo

relacionar as várias partes e aspectos de um conhecimento.

Feedback: o conteúdo pode conter várias formas de

feedback, como meios de explicação posterior para coisas que

podem não ser bem compreendidas no momento em que são

apresentadas por falta de elementos que serão

complementados posteriormente.

Avaliação: o conteúdo pode conter meios para avaliação do

conhecimento construído até certo momento, como resenhas e

sínteses.

Monitoração: o conteúdo pode permitir a monitoração de

concepções e ideias construídas, trazendo elementos que levam

a um reforço ou à contraposição de ideias antes construídas.

Combinação, integração/ síntese: o conteúdo pode permitir

a combinação de ideias vistas ou erigidas em momentos distintos,

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integrando-as e permitindo traçar relações, categorizações e

sínteses entre as mesmas.

Aprendizado por percepção: ocorre diretamente do

conteúdo – do perceber para o saber. Depende do que a pessoa

já sabe e das condições da percepção.

Aprendizado baseado em impasse: ocorre um conflito entre

o esperado e o que acontece que causa uma mudança cognitiva

para resolver o impasse.

Aprendizado baseado em explicação: generalização de

uma ocorrência em um domínio de conhecimento - derivação de

uma explicação no processo de solução de um problema.

Aprendizado por analogia: ocorre quando há falta de

conhecimento para resolver uma situação. Faz-se uma analogia

com outras situações semelhantes.

Aprendizado por indução: generalização a partir de várias

observações - derivação de exemplos positivos e não derivação

de exemplos negativos.

Aprendizado por revisão conceitual: conflitos surgem a partir

de conceitos assimilados. Conceitos são revistos.

Tais processos cognitivos compõem esta parte da análise fílmica.

Selecionamos cinco unidades de análise (sequências 18, 22, 23, 24 e sequência final)

dentre as vinte e cinco estudadas na primeira parte nas quais avaliamos, por meio da

elaboração de fichas individuais, seus elementos e os processos cognitivos envolvidos

no aprendizado.

Para a análise dos processos cognitivos consideramos:

Os temas principais do filme:

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A ética das grandes corporações farmacêuticas

O respeito aos direitos humanos.

Os temas secundários do filme:

A amizade e a solidariedade humanas;

A prática da medicina e os tratamentos atuais;

A morte e os crimes de homicídio;

As relações afetivas hétero e homossexual;

O preconceito de gêneros; a carreira diplomática;

A ação das organizações internacionais no mundo contemporâneo;

Os lucros no sistema capitalista; as mazelas sociais da atualidade;

As desigualdades sociais; a ética dos governos; as políticas públicas,

interesses comerciais e ações bélicas dos Estados;

As relações entre os entes soberanos da ordem internacional;

O valor da determinação e da coragem na busca de um objetivo.

A seguir apresentamos as unidades de análise selecionadas, as ideias ali

apresentadas e os processos cognitivos identificados.

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Tabela 4 - Unidade de análise da sequência 18. Fonte: autora.

Unidade de análise: Sequência 18 Situação:

Justin procura Birgit, da organização HIPPO, para saber da pesquisa de Tessa.

Birgit explica que o Dypraxa trata a tuberculose. É fabricado pela KDH e testado

pela 3 Abelhas (empresas associadas) que esperam uma epidemia mundial de

tuberculose em breve. Para o Dypraxa ser vendido precisa passar nos testes

clínicos, mas seus efeitos colaterais podem matar. Voltar a testar o Dypraxa em

laboratório custaria milhões de dólares à KDH e atrasaria o lançamento da droga

em dois anos. Por isso são feitos testes clínicos diretamente nos pacientes HIV

positivos que não sabem que estão sendo cobaias. Birgit sugere que o governo do

Quênia autorizou os testes mediante o recebimento de dinheiro.

Ideias apresentadas: Processos cognitivos

identificados:

A violação dos direitos humanos pela realização de

testes clínicos sem um consentimento informado;

A falta de ética das empresas farmacêuticas;

A valorização dos lucros acima da vida humana;

A corrupção nos Estados;

A ação investigativa das Organizações Internacionais.

Construção

Cumulação

Atenção

Geração de hipóteses

Repetição

Aprendizado baseado

em explicação

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Tabela 5 - Unidade de análise da sequência 22. Fonte: autora.

Unidade de análise: Sequência 22 Situação:

Justin localiza Loober no Sudão e ao chegar nota o sofrimento das populações

sudanesas. No acampamento, o médico mostra remédios vencidos recebidos sendo

queimados e resume a crueldade das empresas farmacêuticas com a frase:

“remédios descartáveis para pessoas descartáveis”. Loober lamenta o descaso dos

governos e organizações internacionais em relação à África, reconhece Justin do

hospital em que atendeu Wanza e revela que leu o relatório de Tessa sobre as

mortes devido aos efeitos colaterais do Dypraxa, testado pela 3 Abelhas em testes

clínicos não consentidos. Diz que pretendia falar em um vídeo sobre isso.

Ideias apresentadas: Processos cognitivos

identificados:

As mazelas sociais da atualidade;

O desrespeito aos direitos humanos ante o envio de

remédios vencidos aos carentes da África;

A falta de ética empresas farmacêuticas;

O descaso dos governos ante a miséria dos povos;

Os testes médicos sem consentimento;

As mortes de pessoas pela ganância das empresas

Aprendizado por

percepção

Combinação,

integração/ síntese

Construção

Cumulação

Atenção

Aprendizado

baseado em

explicação

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Tabela 6 - Unidade de análise da sequência 23. Fonte: autora.

Unidade de análise: Sequência 23 Situação:

Justin foge do Sudão ante o ataque de uma tribo ao acampamento, e no avião,

tenta salvar a menina Abuk. O piloto não pode levá-la. Justin pergunta porque não

salvar ao menos ela, como Tessa disse ao sair da maternidade. No avião, Loober

entrega a carta de Pellegrin a Sandy pedindo que impeça Tessa de continuar

investigando e revela que ela ia tornar público o relatório. Loober contou à KDH o

paradeiro de Tessa sem saber que iria ser morta. Justin deixa com o piloto um

envelope para ser postado em Roma com a carta de Pellegrin e pede que o deixe

perto do lago onde Tessa foi encontrada. Sua decisão e a arma que retira da

bagagem revelam que ele traçou ali seu destino.

Ideias apresentadas: Processos cognitivos

identificados:

A determinação/ coragem na busca de um objetivo;

O desrespeito aos direitos humanos;

As mazelas sociais da atualidade;

A solidariedade humana na tentativa de salvar Abuk;

A limitação das organizações internacionais;

A falta de ética das empresas farmacêuticas;

A atuação da diplomacia ante os interesses

capitalistas;

Aprendizado baseado

em impasse

Construção

Cumulação

Aprendizado baseado

em explicação

Combinação,

integração/ síntese

Atenção

Aprendizado por

indução

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Tabela 7 - Unidade de análise da sequência 24. Fonte: autora.

Unidade de análise: Sequência 24 Situação:

Na cerimônia religiosa da morte de Justin, Pellegrin ressalta as qualidades do

diplomata, que ele descreve como suicídio. Em seguida Ham faz a leitura da carta

escrita por Pellegrin provocando uma reviravolta na história. Revela que Justin foi

morto com oito tiros - o que elimina o suicídio - e que havia conivência do governo

britânico com a ações praticadas pelas companhias farmacêuticas em Nairóbi. Os

membros da imprensa cercam Pellegrin como moscas, que se vendo

desmascarado, sai da cerimônia e se evade em seu carro.

Ideias apresentadas: Processos cognitivos

identificados:

A atuação da diplomacia ante os interesses

capitalistas;

A falta de ética das empresas farmacêuticas;

Os interesses comerciais do governo;

A amizade e a solidariedade humanas.

Feedback

Autorregulação

Construção

Aprendizado baseado em

impasse

Cumulação

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Unidade de análise: Sequência final Situação:

A sequência se inicia como um flashback que remonta ao instante que antecede a

morte de Justin. Ele vê e conversa com Tessa. Enquanto pensa em dar fim à própria

vida os assassinos de Tessa se aproximam em um veículo. Sem fugir de seu

destino, no momento em que os assassinos o chamam pelo nome, Justin se levanta

e diz “Tessa”, fechando os olhos. No fotograma final do filme, ato contínuo ao

momento em que Justin eleva seu último pensamento à Tessa vemos a revoada

de pássaros captada no começo do filme, numa metáfora agora, da libertação da

alma de Justin.

Ideias apresentadas: Processos cognitivos

identificados:

A morte e os relacionamentos afetivos;

A determinação/ coragem na busca de um

objetivo;

A valorização dos lucros acima da vida

humana.

Construção

Geração de hipóteses

Aprendizado baseado em

impasse

Cumulação

Combinação, integração/

síntese

Tabela 8 - Unidade de análise da sequência final. Fonte: autora.

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Neste modelo de unidades de análise apresentado procurou-se discutir

uma forma de se identificar de maneira pontual as ideias colocadas em cada uma das

sequências e os processos cognitivos desencadeados no decorrer da narrativa que

contribuem para a geração de aprendizado.

Em relação a esse exercício analítico citamos o pensamento de Akhras

(2010):

“Explorando o cinema a partir de teorias de

aprendizado é possível caminhar na direção de

desenvolver uma teoria cinematográfica de

aprendizado. Ou seja, possibilitar que o uso do

cinema no aprendizado possa ser baseado em um

conjunto de princípios que integrem elementos de

teorias de aprendizado e de teoria cinematográfica”.

Acreditamos que essas linhas de estudo poderão colaborar para a

construção, ao longo do tempo, de uma teoria geral para o cinema de aprendizado.

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CONCLUSÃO.

Iniciamos este trabalho traçando o panorama da interface pedagógica do

cinema na Educação midiática atual e apresentamos a Teoria Cognitiva da

Aprendizagem Multimídia que sustenta que “as pessoas aprendem mais

profundamente a partir de palavras e imagens, do que palavras sozinhas. ”

Adentrando aos estudos de cinema citamos o Cognitivismo, corrente que se

destacou nas pesquisas sobre os recursos do cinema e emoções e expusemos uma

síntese das pesquisas sobre as emoções fílmicas dos principais cognitivistas.

Em sequência exibimos os estudos da Psicologia e na Neurociência acerca

da influência das emoções sobre a aprendizagem no intuito de fornecer, juntamente

com as pesquisas cognitivistas, uma base teórica acerca da contribuição que as

emoções fílmicas podem dar à aprendizagem.

Com base na revisão de literatura efetuada apresentamos os resultados da

análise fílmica de uma obra narrativa de ficção visando evidenciar os recursos utilizados

para se evocar emoções no espectador e os processos cognitivos ali envolvidos.

Em vista dos resultados da análise fílmica realizada discutimos um modelo

construtivista para aferir o potencial para a aprendizagem a partir da obra ficcional.

Observamos que as diferentes ciências têm estudado as emoções e a

cognição por vários métodos e abordagens e se pode inferir que a emoção – seja

como um item que participa do processo da organização do pensamento (Moreno);

ou como marcador emocional (Damásio); somente para citarmos alguns exemplos –

é um elemento que parece operar em nível fundamental para a existência e o

estabelecimento da cognição tanto como condição como meio operante. Assim sendo,

ante a conjugação dos referenciais teóricos apresentados, parece válido se sugerir

que o cinema ficcional seria capaz de promover um incremento da aprendizagem

quando em seu viés pedagógico, em virtude das emoções evocadas no espectador e

da associação destas com os processos cognitivos desencadeados na assistência à

obra fílmica.

Conforme nos leciona Greg Smith, o espectador durante a assistência a um

filme será sempre “convidado a sentir”, podendo ou não aceitar essa proposta. Ele

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possui um papel ativo nesse processo, mas para aceitar esse convite necessita como

pré-requisitos, das habilidades necessárias para perceber as emoções.

Destarte, podemos articular algumas constatações:

O cinema ficcional concebido nos moldes do modelo de narrativa

mainstream hollywoodiano parece se mostrar capaz de evocar emoções no

espectador. Conforme as pesquisas cognitivistas, a utilização dos recursos fílmicos

não é aleatória, mas objetiva deliberadamente atingir o espectador

No que tange aos processos de aprendizagem, os referenciais teóricos

sugerem que “sentir e pensar” simultaneamente parece produzir um resultado mais

efetivo para a aprendizagem do que somente “pensar”. Assim sendo, parece que o

cinema ficcional poderia promover um incremento ou uma facilitação da aprendizagem

ao acionar concomitantemente os processos cognitivos e emocionais do aluno

espectador.

Do ponto de vista da aprendizagem multimídia que ganha corpo na

Educação atual, de acordo com a teoria de Mayer, o cinema ficcional também parece

contribuir para o incremento da aprendizagem, considerando que as pessoas aprendem

mais profundamente a partir de palavras e imagens, do que palavras sozinhas.

Este trabalho constitui um pequeno passo numa vasta seara a ser colhida

e não teve a pretensão de esgotar a temática. Não se descarta que possam existir

outros mecanismos além do desencadear de emoções no espectador que permitam

que a narrativa fílmica de ficção contribua positivamente para a aprendizagem, ainda

que não criada especificamente para esse fim. Tampouco se refuta a possibilidade de

que tais mecanismos possam ser identificados por meio de diferentes referenciais

teóricos.

Importa também mencionar que as pesquisas cognitivistas sobre cinema e

emoções aqui elencadas foram lastreadas em diferentes áreas do saber e esse

aspecto tende a reforçar a ideia de que o cinema, como arte híbrida e multifacetada,

sugere demandar uma análise multidisciplinar para que se possa bem compreendê-

lo, bem como os seus efeitos nos espectadores.

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Por fim, acreditamos que a despeito da evolução da tecnologia nas duas

últimas décadas é fato que o cinema continua sendo uma arte, e por ser arte, a obra

fílmica tem em si a possiblidade de atingir pessoas e evocar emoções.

Novas pesquisas interdisciplinares poderão aprofundar a compreensão do

desencadeamento das emoções fílmicas no espectador e contribuir com a ampliação

do conhecimento sobre a aplicação pedagógica do cinema ficcional. Como visto, essa

temática aponta para um campo vasto de investigação tanto na área das tecnologias

audiovisuais aplicadas à Educação como nos estudos teóricos do cinema.

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