the use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · analisa-se a agricultura...

11
The use of urban, peri-urban and rural land by agricultural activities in the municipality of Álvares Machado (SP) O uso do solo urbano, periurbano e rural pelas atividades agrícolas no município de Álvares Machado (SP) Claudinei da Silva Pereira 1 , Antonio Nivaldo Hespanhol 2 1 Doutorando em Geografia na Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus Presidente Prudente - SP, email: [email protected] 2 Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia na Universidade Estadual Paulista UNESP, Campus Presidente Prudente - SP, email: [email protected] Abstract: Urban, peri-urban and rural agriculture is analyzed in the municipality of Álvares Machado, in the state of São Paulo (SP), with an emphasis on the understanding of the spatial and economic relations that permeate the production of vegetables and their interactions with the city while highlighting the transformations in soil use resulting from the expansion of urban areas. It was verified that the performance of incorporating agents in conversion processes of rural soils into urban soils, depending on the type of land plotting carried out, constitutes a factor that potentiates or restricts the expansion of certain agricultural crops, particularly in peri- urban areas. Keywords: Urban and peri-urban agriculture; horticulture; land market; marketing channels. Resumo. Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na compreensão das relações espaciais e econômicas que permeiam a produção de hortaliças e suas interações com a cidade, evidenciando as transformações no uso do solo decorrentes da expansão das áreas urbanas. Constatou-se que a atuação dos agentes incorporadores nos processos de conversão dos solos rurais em urbanos, dependendo do tipo de parcelamento realizado, num fator que potencializa ou restringe a expansão de determinados cultivos agrícolas, notadamente nas áreas periurbanas. Palavras-chave: Agricultura urbana e periurbana; horticultura; mercado fundiário; canais de comercialização. Introdução A alimentação é um dos direitos previstos na Constituição Federal Brasileira, contudo, tem se tornado cada vez mais frequente o aumento da vulnerabilidade alimentar de parcela considerável da população, tanto urbana quanto rural. Na cidade, observamos nas últimas décadas um movimento de retomada das práticas de cultivo agrícola e criação de pequenos animais, em grande parte direcionados ao autoconsumo, em função de restrições financeiras das famílias em adquirir, via mercado, parte da alimentação necessária. Por outro lado, vem aumentando a produção de hortaliças nos espaços urbanos com finalidade comercial realizada por pessoas com dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho urbano, que encontram na agricultura uma possibilidade de ter acesso aos alimentos e obter renda por meio da comercialização dos produtos. Há, também, uma terceira razão que tem favorecido a expansão da agricultura urbana que é a crescente mercantilização da alimentação e uso massivo de agrotóxicos nos cultivos convencionais realizados nas zonas rurais, resultando em

Upload: others

Post on 28-Feb-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

The use of urban, peri-urban and rural land by agricultural activities in the

municipality of Álvares Machado (SP)

O uso do solo urbano, periurbano e rural pelas atividades agrícolas no

município de Álvares Machado (SP)

Claudinei da Silva Pereira1, Antonio Nivaldo Hespanhol

2

1 Doutorando em Geografia na Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus Presidente Prudente - SP,

email: [email protected] 2

Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia na Universidade Estadual Paulista –

UNESP, Campus Presidente Prudente - SP, email: [email protected]

Abstract: Urban, peri-urban and rural agriculture is analyzed in the municipality of Álvares Machado, in the

state of São Paulo (SP), with an emphasis on the understanding of the spatial and economic relations that

permeate the production of vegetables and their interactions with the city while highlighting the transformations

in soil use resulting from the expansion of urban areas. It was verified that the performance of incorporating

agents in conversion processes of rural soils into urban soils, depending on the type of land plotting carried out,

constitutes a factor that potentiates or restricts the expansion of certain agricultural crops, particularly in peri-

urban areas.

Keywords: Urban and peri-urban agriculture; horticulture; land market; marketing channels.

Resumo. Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase

na compreensão das relações espaciais e econômicas que permeiam a produção de hortaliças e suas interações

com a cidade, evidenciando as transformações no uso do solo decorrentes da expansão das áreas urbanas.

Constatou-se que a atuação dos agentes incorporadores nos processos de conversão dos solos rurais em urbanos,

dependendo do tipo de parcelamento realizado, num fator que potencializa ou restringe a expansão de

determinados cultivos agrícolas, notadamente nas áreas periurbanas.

Palavras-chave: Agricultura urbana e periurbana; horticultura; mercado fundiário; canais de comercialização.

Introdução

A alimentação é um dos direitos previstos na Constituição Federal Brasileira, contudo,

tem se tornado cada vez mais frequente o aumento da vulnerabilidade alimentar de parcela

considerável da população, tanto urbana quanto rural. Na cidade, observamos nas últimas

décadas um movimento de retomada das práticas de cultivo agrícola e criação de pequenos

animais, em grande parte direcionados ao autoconsumo, em função de restrições financeiras

das famílias em adquirir, via mercado, parte da alimentação necessária. Por outro lado, vem

aumentando a produção de hortaliças nos espaços urbanos com finalidade comercial realizada

por pessoas com dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho urbano, que

encontram na agricultura uma possibilidade de ter acesso aos alimentos e obter renda por

meio da comercialização dos produtos. Há, também, uma terceira razão que tem favorecido a

expansão da agricultura urbana que é a crescente mercantilização da alimentação e uso

massivo de agrotóxicos nos cultivos convencionais realizados nas zonas rurais, resultando em

Page 2: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

alimentos com níveis cada vez mais acentuados de resíduos tóxicos. Para se contrapor a este

modelo de produção, um conjunto de produtores e movimentos sociais tem buscado valorizar

técnicas de cultivo agroecológicas ou orgânicas, refletindo no aumento de praticantes da

agricultura urbana para fins de autoconsumo ou voltada a comercialização, ao aproveitarem

de forma positiva a proximidade dos consumidores, e estes tendem a adquirir as hortaliças por

saberem a procedência das mesmas.

A partir destes fatos, o presente trabalho tem por objetivo analisar elementos

relacionados aos espaços urbano e rural que têm possibilitado a existência da agricultura em

Álvares Machado (SP). O texto está dividido em dois tópicos, no primeiro analisamos as

lógicas de produção da cidade na atualidade, que ao ser transformada em produto e

mercadoria no capitalismo, um conjunto de agentes vem a produzindo com finalidades de

extração da renda da terra, resultando num tecido urbano descontínuo e com muitos vazios

urbanos. No segundo tópico, abordamos a presença da agricultura urbana e rural a partir dos

resultados do mapeamento que realizamos no ano de 2016, além dos estabelecimentos que

produzem hortaliças direcionadas ao mercado local/regional, a partir dos formulários

aplicados com produtores em 2017. Neste contexto, propomos a delimitação do espaço

periurbano, no qual vinculamos as novas formas de expansão da cidade e a

permanência/aumento de praticantes da agricultura neste espaço.

A produção da cidade na contemporaneidade

O mercado de terras urbanas tem entre uma de suas características o constante

aumento dos preços das terras, fazendo com que a cidade seja palco e produto de diversos

agentes que buscam valorizar seus capitais, refletindo as disputas entre eles para apropriarem-

se de maior parcela da renda da terra. O entendimento da cidade como um produto é

pertinente para o entendimento de que esta na contemporaneidade é espaço e mercadoria no

capitalismo, pois suas parcelas são compradas, especuladas e vendidas como qualquer outra

mercadoria, com o diferencial que a mercadoria terra carrega consigo outros atributos, tais

como a localização e as qualidades físicas (GONZÁLEZ, 2009; HARVEY, 2013).

A partir do estudo da morfologia urbana é possível identificar um conjunto de formas

no tecido urbano que se expressam por meio das construções, dos espaços não edificados, das

infraestruturas, usos do solo e elementos simbólicos. As formas são resultantes de processos

históricos e sociais, no qual é possível partir das formas espaciais para chegar aos agentes que

as construíram (CAPEL, 2013).

Para a formação e apropriação da renda da terra urbana, um conjunto de agentes atuam

na conversão dos usos da terra de rural para urbana, implantando diferentes produtos

fundiários que resultam na expansão do tecido urbano. Este, nas últimas décadas, tem

expandido de forma descontínua, em função dos interesses político-econômicos que

permeiam as disputas dos agentes e da conveniência do Estado ao permitir ou fazer parte

deste processo. Dentre estes agentes há os proprietários fundiários e, destaca-se o capital

incorporador, que é o responsável por organizar os investimentos privados na transformação

dos usos do solo de rural para urbano com a finalidade de auferir lucros. Para isso, atua na

diferenciação espacial e na produção de diferentes produtos fundiários e imobiliários

(SMOLKA, 1987).

A conversão da terra de rural para urbana eleva de forma considerável o seu preço,

permitindo que o proprietário fundiário venda a propriedade ou se associe ao capital

Page 3: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

incorporador, buscando a valorização fundiária ao colocar esta mercadoria no mercado com

expectativa de obter renda maior, caso contrário não o faria. Isto possibilita compreender as

razões que levam os proprietários fundiários a comercializarem as terras em determinado

momento e lugar, enquanto em outros há certa resistência na transformação dos tipos de uso,

pois dependendo da renda que a atividade agrícola gera e do porte econômico deste agente,

não haverá o interesse em transformar seu uso para urbano (SPOSITO, 1990).

Em Álvares Machado, para demonstrarmos como a cidade se expande seguindo a

lógica do mercado fundiário, utilizamos dois momentos: 1) o ano de 2010 e 2) o ano de 2017.

Mostramos a expansão do tecido urbano e os diferentes tipos de parcelamento do solo

realizados por agentes incorporadores. Importante destacar que parte do processo de

crescimento urbano deve ser vinculado a proximidade com a cidade de Presidente Prudente,

compondo a aglomeração urbana que apresenta descontinuidade territorial da mancha urbana,

mas com continuidade espacial (SPOSITO, 2004), em que há um fluxo significativo de

pessoas deslocando diariamente de Álvares Machado para Presidente Prudente para atividades

laborais, lazer, consumo e educação.

No mapa 1 que representa os tipos de uso do solo no entorno da cidade em 2010,

distinguimos três formas dos agentes incorporadores converteram o solo rural em urbano. A

primeira, é a área urbana consolidada, mais antiga, que indica o parcelamento do solo para

usos residencial e comercial e se constitui no tecido urbano contínuo, com exceção do setor

leste onde há duas manchas urbanas formadas pelo Parque dos Pinheiros e Jardim Panorama,

com continuidade territorial com o tecido urbano de Presidente Prudente e outra pelo Jardim

São Francisco. A segunda, são os loteamentos de chácaras que têm maior dispersão e

caracterizam-se, do ponto de vista urbanístico, pela ausência de um conjunto de

infraestruturas básicas, tais como sistema de abastecimento de água por rede, coleta de esgoto,

pavimentação das vias públicas e calçamento, estabelecimentos comerciais de abastecimento

cotidiano (padaria, açougue, mercadinho de bairro etc.) e do ponto de vista do parcelamento

dos lotes, estes têm dimensões que variam de 700 m² até 5.000 m² dependendo do loteamento.

Os usos diferem desde primeira residência ou segunda para lazer de final de semana, até

aqueles com finalidades mercantis que são alugadas para eventos (casamentos, festas e

confraternização em família). No aspecto jurídico, alguns loteamentos foram implantados de

forma irregular, sem a licença de órgãos ambientais ou mesmo da prefeitura. Assim, os

proprietários não possuem títulos de propriedade, apenas contratos informais de compra e

venda.

A terceira forma, que é sintomática dos novos produtos fundiários mais recentes no

município, são os espaços residenciais horizontais fechados (que simplificamos para o termo

loteamento fechado, apesar de possíveis diferenças jurídicas) direcionados para a população

de poder aquisitivo médio-alto, que redefine a lógica de expansão do tecido urbano, em

muitos casos descontínuos, ou mesmo em função de sua localização, que define uma

seletividade espacial, tanto do ponto de vista da homogeneização no quesito socioeconômico

e do padrão construtivo das residências dos futuros moradores. Há deslocamento diário para

atividades laborais ou de consumo, pois são de uso prioritário ou exclusivo para residência.

Estes empreendimentos são resultantes de novas lógicas de atuação do capital incorporador,

que busca diversificar os produtos fundiários e ampliar a extração da renda fundiária, ao

acentuar as diferenças espaciais no intraurbano e fomentar a fragmentação socioespacial. Uma

discussão sobre estes aspectos encontra-se em Sposito e Góes (2013).

Page 4: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

Mapa 1 - Álvares Machado: cobertura e uso do solo (2010)

Fonte: Autores (2018)

Entre os anos de 2010 e 2017 foram feitos vários loteamentos chácaras, loteamentos

fechados e os loteamentos de bairro sem restrição de acesso. A Tabela 1 indica a expansão

dos novos loteamentos entre 2010 e 2017.

Tabela 1. Relação de loteamentos existentes por tipo de empreendimento

Tipo de loteamento Existentes em

2010

Entre 2010 a 2017 -

Implantados

Em 2017 – em fase

final de implantação Total

Loteamento fechado 2 2 4 8

Loteamento* 42 1 3 46

Loteamento de chácaras 13 5** 1 19

Fonte: Dados dos autores e prefeitura municipal de Álvares Machado. * Refere-se aos bairros, que podem

ter tido mais de um loteamento para sua formação. ** 2 loteamentos não estão representados no mapa 2.

O Mapa 2 representa os novos loteamentos. O setor sul apresenta a área prioritária da

expansão urbana, com dois loteamentos fechados implantados, acrescenta-se outros quatro em

fase de implantação. Os agentes incorporadores promovem a seletividade espacial ao situar

este tipo de produto fundiário ao longo das duas vias principais que conectam Álvares

Machado e Presidente Prudente, cidade de onde provem a maior parte destes novos

residentes.

Dos loteamentos de bairro implantados após 2010, um encontra-se parcialmente

edificado no setor norte, enquanto três estão em fase de instalação, são descontínuos à área

urbana consolidada, intercalados por áreas com atividades agropecuárias. Enquanto os

Page 5: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

loteamentos de chácaras, cinco foram criados e parcialmente edificados, com tamanhos e

estruturas bem diferentes. Um novo está em fase de implantação.

Mapa 2 - Álvares Machado: cobertura e uso do solo (2017)

Fonte: Autores (2018)

Ao analisarmos a superfície do solo ocupada por diferentes usos, destacam-se os

loteamentos fechados e de chácaras situados nos setores sul e sudeste que são as áreas que

apresentaram a maior expansão da mancha urbana. Enquanto os estabelecimentos produtivos

ligados à indústria, comércio e serviços, assim como as áreas de lazer, têm se expandido ao

longo dos eixos viários principais, ou mesmo, dentro dos loteamentos de chácaras, a

agricultura ocupa área pouco expressiva dispersa por toda a cidade e no seu entorno, em

contraposição às pastagens que ocupam áreas maiores situadas principalmente na zona de

transição com o rural.

Ao ampliarmos a escala cartográfica sobre o intraurbano, há outra variável da

morfologia urbana que são os espaços não edificados (CAPEL, 2013), que neste trabalho

estamos considerando apenas os lotes não edificados ou glebas não parceladas dentro da

malha urbana consolidada. Esta escolha deve-se ao fato de que, quando nos propomos a

mapear a agricultura urbana, em 2016, não tivemos acesso aos loteamentos fechados e

também devido à lógica de administração do empreendimento presar por um tipo de trato

paisagístico dos lotes não edificados com o plantio de gramíneas. Enquanto nos loteamentos

de chácaras, optamos por pesquisar apenas uma forma de cultivo agrícola, as hortas

comerciais.

Desta forma, em 2017, na área urbana consolidada havia centenas de lotes não

edificados, refletindo um dos aspectos mercantis da cidade, ou seja, a terra urbana

funcionando como reserva de valor ou mesmo para práticas especulativas por parte de seus

Page 6: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

proprietários, visto que o lote permanece por anos ou décadas sem edificação

(SMOLKA,1987; VILLAÇA, 2001). O Mapa 3 ilustra este processo de produção da cidade

contemporânea, com loteamentos descontínuos e internamente com os ditos vazios urbanos.

A abertura de novos loteamentos em si não visa necessariamente suprir a demanda por lotes

não edificados, mas está de certa forma vinculado aos agentes produtores da cidade, em

especial, o capital incorporador, visando reproduzir o capital no ambiente urbano através da

ampliação do tecido urbano. Assim, na área urbana consolidada, a quantidade de lotes não

edificados é expressiva, reforçando nosso argumento de que a cidade cresce mais em termos

territoriais, vinculados às lógicas do mercado fundiário, do que propriamente pela demanda

por novos lotes para a edificação.

Mapa 3 - Álvares Machado: lotes não edificados (2017)

Fonte: Autores (2018)

Ao mapearmos os lotes não edificados em 2017, excluímos os loteamentos fechados,

as chácaras e os novos loteamentos em implantação, estes últimos por ainda não estarem

aptos a edificação. A mancha urbana no setor leste correspondente aos bairros Parque dos

Pinheiros e Jardim Panorama, que começaram a ser implantados em meados da década de

1980, mas que ainda possuem centenas de lotes não edificados. Na área central da cidade, que

corresponde a área de ocupação mais antiga, há poucos lotes não edificados. A proporção de

lotes não edificados é maior nas áreas periféricas da cidade, com destaque para os

loteamentos de implantação mais recente.

A perspectiva da cidade como mercadoria ou como negócio (SANTOS, 2006)

vinculada à nova frente de acumulação de capital, é importante para a compreensão do urbano

contemporâneo, produzido por diferentes agentes produtores do espaço, com destaque para o

capital incorporador e o poder público, responsáveis pela escolha da direção da expansão

Page 7: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

urbana, cada vez mais descontínua, como também pelo padrão de ocupação, reforçando, deste

modo, o processo de diferenciação socioespacial.

A inserção da agricultura nos espaços urbano e periurbano

Na tentativa de desvendar as diferentes formas que a agricultura é praticada nos

espaços urbano e rural, em outro trabalho propusemos uma tipologia de análise da agricultura

do ponto de vista da diversidade da produção, áreas utilizadas para os cultivos, técnicas

adotadas e finalidades da produção (PEREIRA e HESPANHOL, 2017). Ao discutimos no

presente trabalho como a agricultura é inserida nos espaços urbano, periurbano e rural,

partimos do pressuposto de que a compreensão da morfologia é de suma importância para se

analisar onde a agricultura é realizada neste município.

No Mapa 4 são representadas as áreas com agricultura urbana mapeadas em 2016,

quando realizamos pesquisa de campo. A partir disso, selecionamos os cultivos com maior

área de produção para aplicarmos formulários com os produtores responsáveis. Este mesmo

procedimento foi realizado na área rural. Para os cultivos existentes nos loteamentos de

chácaras, priorizamos aqueles com fins comerciais, exceção para o loteamento Arthur Buigue,

representado no mapa, que devido à maior proximidade com a área urbana consolidada e da

estruturação interna relacionada a densidade construtiva e tamanho dos lotes, optamos por

mapeá-lo. Assim, após o levantamento de campo realizado em 2016 e aplicação de

formulários a 58 produtores, tanto na área urbana como na rural, construímos a tipologia de

análise da agricultura1.

Os mais de 400 pontos com agricultura urbana estão situados predominantemente nos

lotes não edificados e em menor escala nos quintais das residências. As hortas comerciais no

espaço urbano consolidado totalizam sete casos, com tamanho e capacidade produtiva

distintas.

Mapa 4 - Álvares Machado: agricultura urbana (2016)

1 Esta pesquisa também engloba o município de Presidente Prudente, no qual adotamos os mesmos

procedimentos metodológicos. Assim, a tipologia foi elaborada tendo um universo de mais de 1400 pontos

mapeados (espaços urbano e rural) e 108 formulários aplicados com produtores nos dois municípios.

Page 8: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

Fonte: Autores (2018)

A reestruturação territorial que vem ocorrendo nas últimas décadas tem provocado

mudanças nas relações entre campo e cidade, com o aparecimento de novas realidades

espaciais, dentre as quais aquelas vinculadas às interações que ocorrem nos limites entre estes

dois espaços, que a literatura tem denominado de periurbano (SÁNCHES, 2004; VALE,

2005; ZULAICA e FERRARO, 2013).

A maior facilidade e mobilidade das pessoas possibilitada pelos sistemas de

transporte, notadamente o particular, tem permitido que as pessoas residam em áreas distantes

do local de trabalho, favorecendo a implantação de novos produtos fundiários (chácaras,

loteamentos fechados), os quais têm se expandido sobre as áreas rurais, conformando, assim,

maior indefinição tanto nos limites com o urbano, como também dos tipos de uso do solo,

seja para atividades industriais, comerciais/serviços, lazer ou agropecuárias.

Durán (2004) ao analisar as diferentes perspectivas na literatura sobre a compreensão

das transformações espaciais, salienta que

Los límites de lo periurbano son imprecisos, no sólo porque física o

geográficamente sea difícil establecer con nitidez una separación clara entre

la ciudad y sus territorios periurbanos próximos, o entre éstos y lo que se

considera como rural, sino también porque en tales territorios suelen

manifestarse formas de sociedad cuyas características sociales y económicas

se encuentran a menudo en proceso de cambio y de redefinición (DURÁN,

2004, p. 48).

A partir das proposições anteriores, mapeamos os diferentes usos do solo no entorno

da cidade de Álvares Machado, com a intenção de propor a delimitação do espaço periurbano,

tendo como parâmetro as lógicas de transformação e parcelamento do solo rural para fins

Page 9: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

urbanos e as diferentes formas de permanência de atividades rurais. No mapa 5 são

incorporados os elementos presentes nos anteriores, acrescentando as áreas com plantio de

hortaliças (cultivo comercial e horta comercial) que são realizadas nas chácaras e na área

rural.

Mapa 5 - Álvares Machado: usos do solo no espaço periurbano (2017)

Fonte: Autores (2018)

A produção hortícola de maior perecibilidade, tais como as de folhosas, realizada nas

chácaras tem importância ao possibilitar maior diversificação dos cultivos, geração de

trabalho e renda e é direcionada ao abastecimento urbano nos municípios de Álvares

Machado e Presidente Prudente, pois este é o maior mercado consumidor da região, com mais

de 200 mil habitantes. Da mesma forma, na área rural por ter estrutura fundiária com índice

de concentração da terra médio, permite que agricultores familiares possam produzir em suas

terras, ou daqueles em que o acesso ocorre via arrendamento, abasteçam os mercados locais.

As formas de comercialização se dão por via direta quando o produtor vende seus

produtos diretamente ao consumidor final, seja nas feiras-livres, venda no próprio local de

produção, em bancas de rua, como também do comércio de porta em porta em Álvares

Machado, mas principalmente em Presidente Prudente. Ocorre também através dos

intermediários, que compram para revenda em bancas de rua, feiras-livres, sacolões, pequenos

mercados de bairro e supermercados.

Há, contudo, uma importante diferença das hortas comerciais em relação ao que

chamamos de cultivos comerciais, pois estes são plantados em médias a grandes áreas, com

uma ou duas safras ao ano (por exemplo, tomate, pimentão, pepino, jiló, quiabo, berinjela) e

sua destinação se faz preferencialmente para os entrepostos comerciais (Ceasa), o que amplia

a escala espacial dos possíveis mercados consumidores, seja na região ou mesmo em outros

estados. Para tanto, devido o maior tempo no ciclo de crescimento e colheita, estes cultivos

são mais rentáveis quando realizados em maior escala de produção, o que restringe sua

Page 10: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

possibilidade de produção nas pequenas áreas, tais como nos lotes urbanos e em chácaras.

Também deve ser levada em consideração a maior variação dos preços no mercado, em razão

de coincidir com o período de safra, em que predomina a lei da oferta e da procura, que tende

a reduzir a capacidade da pequena produção ser viável economicamente.

Considerações finais

O mapeamento da agricultura urbana e rural, quando analisado na perspectiva da

existência do espaço periurbano, deve levar em consideração os componentes da morfologia,

dentre os quais os tipos de loteamento, tamanho dos lotes e dos espaços não edificados,

notadamente aqueles lotes que não são edificados pelo proprietário, pois vem cumprindo uma

função de reserva de valor ou para práticas especulativas. Assim sendo, a implantação de

novos loteamentos, em descontínuo com a malha urbana consolidada, relaciona-se tanto a

novos produtos fundiários para públicos específicos, como também do embate entre agentes

incorporadores e proprietários fundiários sobre quem extrairá a maior renda da terra, seja esta

baseada na produção agropecuária ou sua transformação em terra urbana.

Desta forma, para a compreensão da agricultura urbana, periurbana e rural deve ser

levado em consideração o tipo de cultivo e as formas de inserção no mercado, seja ele local

ou regional. Portanto, as hortas comerciais são importantes no provimento do abastecimento

local, pela possibilidade de comercialização direta pelo produtor ao consumidor, reduzindo a

participação do agente intermediário, como também por ser praticada em pequenas áreas,

permitindo que um conjunto maior de indivíduos tenha nesta atividade uma forma de trabalho

e obtenção de renda, tanto nos lotes urbanos quanto nas chácaras.

Referências

CAPEL, Horácio. La morfología de las ciudades: sociedad, cultura y paisaje urbano. Barcelona: Ediciones del

Sebral, 2013.

DURÁN, Francisco Entrena. Los limites difusos de los territorios periurbanos: una propuesta metodológica para

el análisis de su situación socioeconómica y procesos de cambio. Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n. 11,

jan/jun, p. 28-63, 2004.

GONZÁLEZ, Samuel Jaramillo. Hacia una teoria de la renda del suelo urbano. 2 ª ed. – Bogotá: Universidad

de los Andes, Faculdad de Economía, CEDE, Ediciones Uniandes, 2009.

HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

PEREIRA, Claudinei Silva; HESPANHOL, Antonio Nivaldo. Agricultura urbana e a construção de tipologia de

análise. In: X Jornadas Interdisciplinarias de Estudios Agrarios y Agroindustriales Argentinos y

Latinoamericanos, 2017, Buenos Aires. Anais das X Jornadas Interdisciplinarias de Estudios Agrarios y

Agroindustriales Argentinos y Latinoamericanos. Buenos Aires: UBA, 2017. v. 1. p. 1-20.

SÁNCHEZ, Héctor Ávila. La agricultura en las ciudades y su periferia: un enfoque desde la Geografía. In:

Investigaciones Geográficas, Boletín del Instituto de Geografía, UNAM, n. 53, p. 98-121, 2004.

SANTOS, César Ricardo Simoni. Dos negócios na cidade à cidade como negócio: uma nova sorte de

acumulação primitiva do espaço. Revista Cidades, v.3, n.5, p. 101-122, 2006.

SMOLKA, Martin Oscar. O capital incorporador e seus movimentos de valorização. In: Cadernos

IPPUR/UFRJ, ano 2, n.1, jan/abr, p. 41-78, 1987.

Page 11: The use of urban, peri-urban and rural land by ...e7%f5es-nivaldo/... · Analisa-se a agricultura urbana, periurbana e rural no município de Álvares Machado (SP), com ênfase na

SPOSITO, Eliseu Saverio. Produção e apropriação da renda fundiária urbana em Presidente Prudente.

Tese (Doutorado em Geografia) Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São

Paulo, 1990.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São

Paulo. Tese (Livre Docência em Geografia), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Unesp, P. Prudente, 2004.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; GÓES, Eda Maria. Espaços fechados e cidades: Insegurança urbana e

fragmentação socioespacial. São Paulo: Editora Unesp, 2013.

VALE, Ana Rute do. Expansão urbana e plurifuncionalidade no espaço periurbano do município de

Araraquara (SP). Tese (Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Extas, UNESP, Rio

Claro, 2005.

VILLAÇA, Flávio. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel Fapesp: Lincoln Institute, 2001.

ZULAICA, Laura; FERRARO, Risana. Lineamientos para el ordenamiento del periurbano de la ciudad de Mar

del Plata (Argentina), a partir de la definición de sistemas territoriales. Revista Geografia em Questão, v. 6, n.

1, p. 202-230, 2013.