transversalidade e complexidade no trabalho … · saudável, como define araújo, e que permitam a...
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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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TRANSVERSALIDADE E COMPLEXIDADE NO TRABALHO
COM PROJETOS NA ESCOLA
PÁTARO, Ricardo Fernandes (UEM)
CALSA, Geiva Carolina (UEM)
Agência Financiadora: Fundação Araucária
Introdução
A apresentação desse trabalho insere-se no Grupo de Estudos e Pesquisa em
Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC, da UEM. A pesquisa1 tem origem
em uma dissertação de mestrado que acompanhou, ao longo de um ano, a prática
pedagógica pautada na estratégia de projetos em uma classe de 5º ano do Ensino
Fundamental de 9 anos. Partiu-se do princípio de que o conteúdo curricular trabalhado
na escola deve ser visto como uma rede de relações (MACHADO, 1995), assumindo
um caráter interdisciplinar e transversal (MORENO, 1998; 1999), com o objetivo de
formar alunos(as) para o exercício da cidadania e para a construção de valores como
justiça, democracia e solidariedade (ARAÚJO, 2001; 2002; 2003; 2007). A proposta é
buscar alternativas para a forma fragmentada e descontextualizada a partir da qual o
conhecimento vem sendo trabalhado na escola e que pouco contribuem para a
democratização do ensino e das relações escolares. Dessa forma, para a construção do
presente trabalho, assumimos como pressuposto teórico os princípios de complexidade
de Edgar Morin (1990; 1999; 2002), articulados à proposta de re-organização escolar
apresentada por Araújo (2002; 2003; 2007), da qual faz parte o trabalho com projetos
que desejamos assinalar.
Diante disso, o presente texto tem como objetivo apresentar algumas
possibilidades que a estratégia de projetos oferece para que o conhecimento possa
1 Uma versão do presente texto foi apresentada no V Colóquio Luso Brasileiro sobre questões curriculares / IX Colóquio sobre Questões Curriculares, realizado na Universidade do Porto – FPCEUP, em Portugal, no ano de 2010.
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adquirir maior significado ao constituir-se por meio da contribuição mútua entre os
diferentes conteúdos curriculares e as temáticas transversais que objetivam a educação
em valores. Para tanto, será analisado um projeto desenvolvido com crianças do 5º ano
do Ensino Fundamental.
Para iniciar, destacaremos quais são, em nossa opinião, os objetivos da educação
hoje, por acreditarmos serem esses objetivos os elementos essenciais que a estratégia de
projetos ajuda a articular – sob a ótica do pensamento complexo – em torno de um
ensino que almeje a construção da cidadania e a formação ética das futuras gerações.
Escola e Complexidade
Segundo Araújo (2003, p.30), a função central da escola atualmente deveria
girar em torno de dois eixos básicos: a instrução e a formação ética dos futuros cidadãos
e cidadãs. O eixo da instrução escolar refere-se à construção dos conhecimentos
historicamente construídos pela humanidade. De forma breve, portanto, acreditamos que
uma das funções da escola hoje é trabalhar com os conhecimentos delimitados pelas
matérias curriculares, como matemática, língua portuguesa, história, geografia, artes,
etc. Já o eixo da formação ética diz respeito ao desenvolvimento de condições físicas,
psíquicas, cognitivas e culturais necessárias para o desenvolvimento de uma vida
saudável, como define Araújo, e que permitam a participação, de forma crítica e
autônoma, na vida política e pública da sociedade (idem).
Contudo, o que acontece atualmente em muitas escolas é que, apesar de
incluírem em seus projetos político-pedagógicos a preocupação com a formação ética, o
ensino continua girando em torno apenas do eixo da instrução. Isso acontece porque
alunos e alunas vão à escola em muitos momentos somente para aprenderem, de
maneira fragmentada, os conteúdos historicamente acumulados pela humanidade. De
acordo com Araújo, o trabalho com a instrução é importante, mas sozinho não atende à
formação ética e construção da cidadania.
É a partir dessa inquietação em formar os futuros cidadãos e cidadãs que
adotamos uma prática pedagógica pautada em três princípios: a transversalidade, o
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conhecimento como uma rede de relações e a estratégia de projetos como metodologia
de trabalho em sala de aula.
Tais princípios têm como base o paradigma da complexidade, proposto por
Edgar Morin (1990; 1999) em oposição ao pensamento simplificante, que começou a
ser formulado no século XVII por René Descartes (1596-1650), considerado o “pai da
filosofia moderna”.
Enquanto o paradigma da simplificação preconiza os princípios de disjunção,
redução e abstração, que tendem a fragmentar o tecido do real (compreendendo a
natureza unicamente a partir do funcionamento de suas partes), o paradigma da
complexidade, proposto por Morin, supõe considerar a realidade formada por “uma
extrema quantidade de interacções e de interferências entre um número muito grande de
unidades.” (MORIN, 1990, p.51-52). Isso faz com que a simplificação preconizada pela
ciência moderna conceda lugar também aos fenômenos aleatórios, que não podem ser
previstos e que agregam contradição e incerteza.
Para o presente trabalho, não é nosso objetivo aprofundarmos nas ideias do
filósofo francês Edgar Morin, mas apenas assinalar que, sob a ótica da complexidade, é
preciso compreender que as várias dimensões da realidade estão ligadas umas às outras
e entendê-las de maneira fragmentada pode empobrecê-las (1999; 2002).
Logo, sob a ótica do pensamento complexo, a simplificação não é censurada,
mas torna-se insuficiente para explicar a realidade. Nas palavras de Morin, “Creio ter
demonstrado que este tipo de redução, absolutamente necessária, torna-se cretinizante
assim que se torna suficiente, ou seja, pretende explicar tudo.” (2002, p.456).
Vemos então que a fragmentação é um processo necessário para a constituição
do conhecimento, só não pode se transformar na única via pela qual se conhecerá a
realidade.
No âmbito educativo, adotar o paradigma da complexidade significa admitir que
é possível conciliar o saber historicamente construído pela humanidade – que encontra-
se fragmentado nas diferentes disciplinas do currículo escolar – com o estudo das
temáticas transversais, cujo objetivo é a formação de sujeitos capazes de apreenderem
uma realidade global, indignarem-se com as injustiças cotidianas e desejarem o bem
individual e coletivo.
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Olhar para os objetivos da escola a partir da complexidade não é negar seus
aspectos parciais – representados pela instrução – e nem tampouco considerar apenas a
educação em valores. Como alerta Araújo, “O grande avanço do pensamento complexo
é coordenar, em uma mesma perspectiva, os aspectos parciais e de totalidade da
realidade.” (2002, p.23).
Pautados no paradigma da complexidade e buscando uma educação que articule
a instrução e a formação ética, apresentaremos a seguir os três princípios que embasam
a prática pedagógica destacada no presente trabalho: a transversalidade, o conhecimento
como uma rede de relações e a estratégia de projetos.
Transversalidade e formação ética
Assim como Araújo (2003), a psicóloga espanhola Montserrat Moreno (1998,
p.45) acredita que os elementos necessários para que a formação ética ocorra não estão
todos presentes no estudo disciplinar. Ao pautar-se apenas nos princípios do paradigma
da simplificação, o estudo das matérias disciplinares é frequentemente tomado como a
própria finalidade do ensino e, quando isto ocorre, tais matérias afastam-se ainda mais
da realidade de alunos e alunas, transformando-se “[...] em algo absolutamente carente
de interesse ou totalmente incompreensível.” (MORENO, 1998, p.38).
Assim, a autora destaca a importância de que alunos e alunas atribuam
significado às aprendizagens propostas pela escola. Partindo do pressuposto de que
aprender requer sempre um esforço por parte do(a) estudante, a autora afirma que “Nada
desanima mais que realizar um trabalho que requer esforço sem que se saiba para que
serve.” (idem, p.45). Dessa maneira, Moreno defende a ideia de que, quando um
determinado conhecimento se relaciona à curiosidade própria de todo ser humano ou é
percebido como alguma coisa útil para sua vida, pode transformar-se em algo que será
vivido com maior satisfação.
É nesse aspecto que a ideia de transversalidade propõe uma articulação entre o
científico e o cotidiano, no sentido de aproximar as matérias curriculares aos temas
transversais (assuntos da realidade social vivida por alunos e alunas, a exemplo das
questões ambientais, saúde, orientação sexual, educação para a paz). A partir disso, as
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aprendizagens escolares assumem como ponto de partida os temas transversais,
baseados em “[...] contextos reais nos quais as noções a ensinar adquiram um
significado” (MORENO, 1998, p.48).
Em resumo, ao trabalhar com questões relacionadas à realidade dos(as)
estudantes a escola deixa de se ocupar apenas com os saberes culturalmente herdados e
passa a se preocupar também com a formação ética, promovendo a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária. É diante desses ideais que entendemos a proposta da
transversalidade como uma alternativa à concepção disjuntiva de ensino presente no
paradigma da simplificação.
Consideramos importante ressaltar, no entanto, que apenas a presença de tais
temáticas na escola não garante a existência de um trabalho transversal. Apesar da
importância de levarmos em consideração as articulações entre um tema transversal, sua
relevância social e os conteúdos escolares, acreditamos que, mais do que a inserção de
novos temas no âmbito pedagógico, o ensino transversal deve contemplar uma forma
diferente de pensar as relações e o trabalho dentro de sala de aula. A partir disso,
assumimos a pedagogia de projetos como uma via possível para promover essa
mudança, que pressupõe considerar o conhecimento não apenas como um caminho
linear e hierarquizado, mas também aberto à incerteza e indeterminação presentes no
conhecimento humano, como veremos a seguir.
O conhecimento como uma rede de relações
Pautado na metáfora do hipertexto proposta por Pierre Lévy (1993, p.25),
Machado (1995) considera que a educação pode ser caracterizada como uma tarefa de
construção de redes de significados, o que conduz a mudanças de perspectivas de base
na educação, principalmente com relação ao planejamento de atividades didáticas.
No caso específico do conhecimento escolar, tais mudanças conduzem a uma
prática docente que não concebe um único e possível caminho a ser percorrido no
estudo de um tema, por exemplo. Nesse sentido, na concepção de conhecimento em
rede, a hierarquização curricular perde sua força e as disciplinas escolares começam a
assumir um novo papel no ensino. O ato de conhecer, que muitas vezes associava-se
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apenas a uma organização curricular rígida, agora pode ultrapassar os limites das
disciplinas e começar a ser considerado a partir das relações que se estabelecem entre
essas várias disciplinas e também com o que o autor denomina “feixes externos”,
assuntos que não fazem parte dos conteúdos tradicionais.
Em outras palavras, a concepção de conhecimento em rede pressupõe uma
transformação no ensino escolar, que deixa de ter no estudo das disciplinas o próprio
fim da educação e passa a abranger também o estudo de temas “externos”, como é o
caso das temáticas transversais destacadas por Moreno (1998; 1999).
Isso não significa, no entanto, que as disciplinas tornam-se dispensáveis perante
a concepção de conhecimento em rede. Ao contrário, Machado também destaca sua
importância na orientação e articulação dos caminhos a seguir diante das inúmeras
possibilidades e vias de interligação entre os múltiplos nós de uma rede de significados
(MACHADO, 1995, p.155).
Encarar o conhecimento como uma rede de relações na escola é, portanto,
enxergar as relações interdisciplinares existentes entre as diferentes áreas do saber, mas
também ampliá-las, na tentativa de evidenciar sua articulação com temáticas externas, o
que abre inúmeras possibilidades de contribuição mútua para a constituição do
conhecimento.
Diante disso, consideramos que a concepção de conhecimento como uma rede
de relações está pautada nos ideais de complexidade e transversalidade que assinalamos.
A partir do exposto, abordaremos a seguir o terceiro eixo da prática pedagógica que
propomos.
O trabalho com projetos como estratégia pedagógica
Ainda segundo Machado (2006, p.59), no âmbito educativo a palavra projeto
envolve a busca por determinados objetivos, o que não necessariamente pressupõe
percorrer um único caminho para alcançá-los. A ideia de ter um projeto implica também
uma referência ao futuro, que está em aberto e depende das ações dos envolvidos no
projeto. Assim, um projeto pressupõe o engajamento em algo ainda em construção, que
envolve riscos e incertezas.
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De acordo com o que afirma Araújo, tomar essa ideia de projeto em um contexto
escolar ajuda ainda a ampliar a noção de “programas” curriculares, caracterizados por
serem previamente definidos e rígidos, pois “[...] não dão abertura para as novidades
que surgem durante seu desenvolvimento, engessam as ações docentes e não permitem
uma participação mais ativa dos estudantes na construção do conhecimento.”
(ARAÚJO, 2003, p.68).
Como alternativa aos programas curriculares tradicionais – que implicam em
uma visão de conhecimento linear e hierarquizado – Araújo apresenta a ideia de
estratégia, a qual “[...] pressupõe decisões, escolhas, apostas e, logo, riscos e
incertezas.” (idem). Fundamentada no pensamento complexo e na metáfora da rede, a
estratégia não apresenta a rigidez do programa e permite ampliar a ideia de
compartimentalização disciplinar, tendo em vista que pode organizar o currículo escolar
também a partir dos imprevistos que surgem durante o processo de construção do
conhecimento.
Diante do que foi exposto até o momento no presente texto, vemos que as
transformações promovidas pelos princípios da transversalidade e pela ideia do
conhecimento como rede de relações apontam para novas perspectivas de trabalho com
o conhecimento no âmbito da educação básica. A partir disso, consideramos que a
estratégia de projetos configura-se como um dos possíveis caminhos para concretizar
tais perspectivas no cotidiano escolar.
Objetivos da investigação e metodologia
A partir dos referenciais expostos anteriormente, a pesquisa que aqui
apresentamos teve por objetivo investigar as possibilidades que a estratégia de projetos
oferece para que ocorram articulações entre temas transversais e conteúdos curriculares,
ajudando alunos e alunas a atribuir maior significado às aprendizagens escolares.
Para se atingir aos objetivos propostos, foi analisado um projeto fundamentado
nos princípios de complexidade e transversalidade, desenvolvido pelo professor-
pesquisador com uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental. A partir dos projetos
desenvolvidos ao longo de todo o ano letivo foram coletados dados sob a forma de um
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diário de campo contendo as ocorrências do cotidiano escolar (decisões dos sujeitos
envolvidos, planejamentos, reflexões, avaliações e imprevistos), além de registros em
portfólios e todas as atividades dos projetos.
A análise dos dados foi realizada a partir da transcrição de um portfólio
contendo as atividades desenvolvidas ao longo de um projeto. Para o presente texto,
optamos por apresentar a análise de algumas atividades relacionadas a uma das questões
do projeto.
A seguir, iniciamos a apresentação dos resultados da investigação com uma
breve descrição do projeto escolar analisado para em seguida passarmos à discussão dos
dados.
O projeto “Trabalho Infantil e Educação no Brasil”
O projeto que tomamos para análise em nossa investigação pode ser brevemente
descrito a partir dos procedimentos a seguir.
a. Proposição do tema transversal
O planejamento se iniciou com a escolha de uma temática transversal. No caso
do projeto que analisamos, tendo em vista tanto a formação para a cidadania quanto os
conteúdos escolares a serem trabalhados, foi apresentado o artigo XXVI da DUDH2 –
que é conhecido como Direito à Educação – para promover uma discussão inicial em
torno do assunto. Esses momentos de estudo e discussão que antecedem a escolha de
um tema para o projeto podem levar algumas aulas e são chamados de estudos de
aproximação à temática transversal.
Depois da discussão, as crianças deram várias sugestões de temas, chegando-se à
escolha de “Trabalho Infantil e Educação no Brasil”.
2 O assunto de um projeto geralmente se relaciona a alguma temática transversal e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse documento oferece uma série de questões relacionadas à vida coletiva, bem como direitos e deveres, tanto sociais quanto individuais, que podem ajudar na educação em valores e construção da cidadania. (ARAÚJO, 2003, p. 81)
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b. Elaboração de questões, partindo dos interesses das crianças
Nessa etapa, alunos e alunas decidiram em grupos o que gostariam de saber
sobre o tema escolhido, elaborando perguntas que passaram a compor a rede do projeto.
É importante ressaltar que, embora tenha ocorrido uma definição intencional do
professor – que indicou a temática transversal que seria trabalhada – quando o tema e as
perguntas do projeto são escolhidos pelos alunos e alunas, busca-se uma articulação,
dentro da perspectiva de complexidade, entre interesses e preocupações docentes e
discentes.
c. Planejamento das estratégias e metodologias, articulando as perguntas aos
conteúdos
No passo seguinte, ocorreu o planejamento docente dos conteúdos e métodos
que envolveriam a busca pelas respostas às perguntas do projeto. Nessa etapa, o
professor acrescenta à rede as disciplinas e conteúdos específicos a serem trabalhados,
articulando a temática transversal aos conteúdos curriculares.
d. Início do projeto
O projeto teve início a partir da busca por respostas às perguntas das crianças. É
importante destacar que cada atividade desenvolvida articula os conteúdos curriculares
aos transversais, previstos ou não, em um trabalho que ressalta a autoria de estudantes
no desenvolvimento e registro das atividades. Ao longo do projeto, o trabalho foi
registrado em portfólios contendo as produções das crianças, comentários docentes e as
reflexões de ambos. Além disso, cada atividade realizada também é registrada na rede,
por intermédio de uma ligação entre a pergunta respondida e os conteúdos trabalhados.
Ao trabalhar com o conhecimento como uma rede de relações, o exercício que fazemos
é o de considerar, ao mesmo tempo, a existência e necessidade da linearidade para a
sistematização do conhecimento, e também a importância da aleatoriedade e incerteza
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que pressupõe percorrer os caminhos do conhecimento. Na imagem 1 abaixo podemos
ver a rede do projeto.
Rede do projeto contendo a temática, questões e conteúdos a serem estudados.
A seguir, partiremos para a análise de algumas atividades na tentativa de
evidenciar a articulação entre os conteúdos curriculares e as temáticas transversais no
projeto.
Um exemplo de articulação entre temas transversais e conteúdos curriculares no
trabalho com projetos
O projeto brevemente descrito anteriormente possibilitou vários momentos de
articulação entre a temática transversal abordada (Direito à Educação) e os conteúdos
das matérias curriculares previstos para o 5º ano do Ensino Fundamental.
Nessa parte de nosso trabalho, analisaremos apenas um desses momentos de
articulação, na tentativa de indicar como o conhecimento trabalhado na perspectiva da
estratégia de projetos pode adquirir maior significado ao constituir-se por meio da
contribuição mútua entre as diferentes áreas do saber científico (tomadas na escola
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como conteúdos curriculares) e as temáticas transversais (que objetivam a educação em
valores).
A atividade analisada a seguir insere-se nos estudos desenvolvidos em torno das
seguintes perguntas da rede:
- Por que existe exploração no trabalho de crianças? Por que elas trabalham em serviços pesados se quem tem que trabalhar são os pais? - O que o governo e nós podemos fazer para ajudar as pessoas que estão sem estudar?
Ao analisar uma das atividades com as questões citadas anteriormente,
verificaremos como conteúdos específicos de algumas matérias curriculares foram
trabalhados, não como finalidades em si mesmos, mas como instrumentos para
compreender a realidade e promover a educação em valores. Com isso, acreditamos que
será possível aproximarmos a estratégia de projetos à perspectiva de complexidade e
transversalidade com a qual trabalhamos.
Narrando uma relação de trabalho exploratória
Em uma das etapas do projeto, alunos e alunas foram convidados a imaginar um
diálogo e produzir uma narrativa entre uma criança que trabalha e seu “patrão”. Um dos
objetivos desta atividade era o de registrarmos o aprendizado construído até aquele
momento e trabalharmos com conteúdos de português, mais especificamente com o
texto narrativo em discurso direto (conteúdo curricular da 4ª série em questão). Para
tanto, foram preparadas aulas abordando o conteúdo destacado a fim de que as crianças
pudessem produzir suas histórias.
Na proposta de produção textual, as crianças foram solicitadas a criar um
personagem infantil vivendo uma situação de exploração no trabalho. Também
precisavam evidenciar (utilizando-se dos recursos do texto narrativo que aprendiam) os
sentimentos, experiências e relações do personagem com seu trabalho, patrão, família e
planos para o futuro – parâmetros que foram levantados a partir dos estudos realizados
no projeto até aquele momento.
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O texto narrativo também foi considerado como uma avaliação, tanto dos
conteúdos trabalhados (construção de personagens, diálogos, travessão, pontuação,
parágrafo, narrador, escrita ortográfica), quanto da temática transversal (exploração do
trabalho infantil).
Para dar suporte à análise desta etapa do projeto, transcreveremos alguns trechos
da narrativa produzida por uma das crianças da 4ª série. Acreditamos que tais trechos
podem nos ajudar a entender como os conteúdos de português ganharam significado ao
serem utilizados para expressar o conhecimento trabalhado de forma transversal no
projeto.
Tomando o começo da narrativa deste aluno, vemos que ele usa o narrador para
evidenciar elementos do cenário que explicitam um trabalho realizado em condições
difíceis:
Um dia, Genivaldo trabalhando na cana de açúcar com um tempo frio e de chuva, ao ver seu patrão vendo o trabalho dele e de sua família, Genivaldo foi tentar convencê-lo a assinar a carteira de trabalho da família, ele estava com medo de ser demitido.
Para compor o cenário de sua história o aluno utilizou-se dos estudos sobre o
conteúdo de português, o que podemos notar quando observamos o uso do narrador.
Além disso, o aluno também demonstra entendimento inicial de alguns dos elementos
que compõem uma situação de exploração, já que descreveu não só as condições
climáticas e de trabalho (“com um tempo frio e de chuva”) como também os
sentimentos do personagem (“estava com medo de ser demitido.”).
Logo a seguir, temos um outro trecho que pode nos ajudar a entender como a
educação em valores está apoiada na utilização do conteúdo e na construção de relações
entre a temática transversal e o currículo escolar:
– Amaro [patrão], porque você não assina as carteiras [de trabalho] de minha família? – Amaro responde com tanta firmeza que Genivaldo assusta: – O senhor é pobre e não precisa de carteira sua lei é trabalhar (...) Genivaldo retruca, com medo, mas iria tentar ter a carteira: – Você nos explora! Não assina nossa carteira, nos paga muito pouco!
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No trecho transcrito acima, o aluno utiliza, mais uma vez, os recursos do texto
narrativo para evidenciar a situação de opressão vivida pelo personagem. Ao tentar
conversar com seu patrão, o personagem criado pelo aluno demonstra medo
(“Genivaldo assusta”; “Genivaldo retruca, com medo”), mas também manifesta sua
consciência sobre a situação de exploração a que é submetido (“Você nos explora!”),
bem como sua convicção de que a carteira de trabalho é um direito do trabalhador
(“Não assina nossa carteira, nos paga muito pouco!”). Mesmo com medo, diz a história,
o menino Genivaldo tentaria reivindicar seu direito de ter carteira assinada.
Importante ressaltar também que o aluno lançou mão das reflexões e
informações que vinham sendo discutidas nas aulas até aquele momento, o que pode ser
constatado pela verossimilhança das elaborações que compõem a narrativa do aluno,
fruto do trabalho anteriormente descrito que contemplou o vídeo-documentário, aulas,
pesquisas e atividades para compreensão da temática transversal.
Em nosso modo de ver a educação, este trabalho é fundamental para a formação
ética de sujeitos capazes de identificarem, indignarem-se com as injustiças do mundo
em que vivem e lutarem por sua transformação em busca da felicidade individual e
coletiva.
Em nossa opinião, esta característica do trabalho com temas transversais – que
vai além do estudo das matérias curriculares por si só, na tentativa de ligação dos
conteúdos científicos com a vida cotidiana das pessoas – é que confere ao projeto a
preocupação com a educação em valores e com a busca de soluções para os problemas
sociais.
Tomaremos agora o final da narrativa do aluno, quando o patrão de Genivaldo
recebe uma ligação do governo solicitando a regularização da carteira de trabalho de
seus funcionários:
– Bom dia senhor, aqui é o governo, queremos que o senhor assine a carteira de seus funcionários, caso contrário você será processado. (...) O chefe sem escolha disse: – Assine a carteira dos funcionários. As crianças ficaram felizes começaram a estudar, passaram na faculdade e foram ser o que quiserem para trabalhar.
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Neste último trecho, vemos o papel de destaque que é atribuído ao governo na
resolução do problema (“Bom dia senhor, aqui é o governo, queremos que o senhor
assine a carteira de seus funcionários”), o que pode nos apontar, em uma análise inicial,
que este aluno começa a desenvolver uma percepção social e política a respeito das
desigualdades no Brasil, tanto na análise de suas causas quanto na sugestão de soluções
para o problema.
Além disso, ao final de sua narrativa, o aluno ressalta a importância da
escolarização para as crianças, bem como a necessidade de que a escolha do trabalho
não seja norteada apenas pela necessidade de sobrevivência, mas também pelo desejo de
cada um (“As crianças ficaram felizes começaram a estudar, passaram na faculdade e
foram ser o que quiserem para trabalhar.”).
Sabemos que este aluno finaliza sua narrativa de maneira “ingênua”; resolvendo
todos os problemas do personagem da história (“O chefe sem escolha disse: – Assine a
carteira dos funcionários.”; “As crianças ficaram felizes.”), mas sabemos também que
esta é uma reflexão inicial de uma criança que começa a se deparar com situações reais
complexas. Por isso, acreditamos que estes dados indicam a contribuição da prática
pedagógica de projetos para a educação em valores que almejamos.
É importante destacar também que, depois de escreverem a primeira versão das
narrativas, foram indicadas melhorias e as dificuldades da classe constituíram momento
propício e intencionalmente planejado para realizar aulas, atividades, novos estudos e
correções específicas de conteúdos linguísticos. A partir disso, podemos dizer que as
crianças da turma tiveram a oportunidade de estudar os conteúdos curriculares
tradicionais, mas o fizeram durante a confecção de um texto que explicitava uma
questão de relevância social. Assim, consideramos que esta é uma forma de articular os
conteúdos tradicionais a uma problemática atual. Para que seus textos contivessem
informações relevantes, as crianças discutiram, refletiram e estudaram a temática
transversal durante várias aulas, e para que estes mesmos textos respeitassem as regras
de nossa língua e pudessem ser bem entendidos por outras pessoas, as crianças tiveram
aulas e estudaram os conceitos do discurso direto, além de regras gramaticais para
corrigir seus textos sob intervenção do professor.
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Como já dito, o presente trabalho se propôs a analisar apenas um momento do
projeto desenvolvido. No entanto, antes de finalizarmos, consideramos importante citar
outros conteúdos que foram trabalhados em articulação com a temática transversal
desenvolvida, por acreditarmos que tais informações podem ajudar a evidenciar ainda
mais que o trabalho com projetos não abre mão dos conteúdos curriculares que precisam
ser trabalhados na escola.
Assim, além do exemplo destacado, também foram trabalhados conteúdos de
língua portuguesa (quando alunos e alunas produziram uma narrativa entre uma criança
que trabalha e seu “patrão”); conteúdos de história (que ajudaram alunos e alunas a
perceberem a existência de diferentes pontos de vista históricos envolvidos na questão
do trabalho infantil); outros conteúdos matemáticos (elaboração, leitura e resolução de
problemas relacionados a estatísticas de trabalho e educação no Brasil); produção de
histórias em quadrinhos envolvendo estudos linguísticos e artísticos; conteúdos de
ciências relacionados aos riscos do trabalho infantil para a saúde física e mental da
criança (sistemas do corpo humano, limites e capacidades), entre outros. Além disso,
alunos e alunas do 5º ano também trabalharam conjuntamente com estudantes de outra
escola, conheceram um espaço escolar e social diferente do habitual e estudaram
conteúdos de geografia (pontos cardeais, colaterais, leitura de mapas e legendas) a fim
de localizarem as regiões das duas escolas.
Por fim, os resultados apresentados demonstram que a proposta de um ensino
transversal concretizada na estratégia de projetos confere importância ao trabalho com
contextos reais, nos quais o ensino escolar adquira significado buscando a união entre os
saberes historicamente construídos pela sociedade e a formação ética das futuras
gerações.
Considerações Finais
Nesse trabalho, nosso objetivo foi demonstrar como o conhecimento visto sob a
ótica da transversalidade e trabalhado a partir da estratégia de projetos pode adquirir
maior significado para crianças e jovens na escola. Ao se constituírem por meio da
articulação entre os conteúdos curriculares e as temáticas transversais, as aprendizagens
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escolares passam a ser vistas a partir de uma perspectiva de complexidade e adquirem
sentido, ajudando a formar sujeitos que almejem por uma vida mais justa, digna e feliz
para todos os seres humanos.
Nesse sentido, a análise aqui apresentada sinaliza as potencialidades da
estratégia de projetos em ampliar os objetivos da educação para além da instrução. No
trabalho com projetos, as matérias disciplinares continuam sendo importantes, não como
um fim em si mesmas, mas como ferramentas para a educação em valores, a partir do
estudo de temas que tentam responder a problemas sociais e conectar a escola à vida das
pessoas.
Dessa maneira, alunos e alunas tomam contato com o conhecimento
historicamente construído pela humanidade por intermédio do estudo de temas de
relevância social para a formação humana, contemplando o que julgamos serem os dois
objetivos básicos da educação: a instrução e a formação em valores.
Dito de outra forma, o trabalho com projetos possibilita que as disciplinas,
representantes de um conhecimento parcial, relacionem-se entre si e ao tema transversal
na construção de um conhecimento multidimensional que não se justifica por si mesmo,
mas tem a intenção de levar alunos e alunas a conhecer e transformar o mundo em que
vivem. Esperamos que tais características de um ensino que se pretenda transversal a
partir de uma perspectiva de complexidade tenham ficado visíveis em nossa
investigação.
Referências
ARAÚJO, Ulisses Ferreira de. A construção de escolas democráticas: histórias sobre complexidade, mudanças e resistências. São Paulo: Moderna, 2002. ARAÚJO, Ulisses Ferreira de. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003. ARAÚJO, Ulisses Ferreira de; AQUINO, Júlio Groppa. Os direitos humanos na sala de aula: a ética como tema transversal. São Paulo: Moderna, 2001. ARAÚJO, Ulisses Ferreira de & PUIG, Josep Maria. A construção social e psicológica dos valores. In: ARANTES, Valéria A. (org). Educação e Valores. São Paulo: Summus, 2007.
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