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1 Natalia Xavier Alves UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS DO ESPORTE Belo Horizonte Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional 2014

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Page 1: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO … · apropriada a especialização e/ou escolarização precoce. De outro modo, consideram pertinente ancorar o ensino de Educação

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Natalia Xavier Alves

UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL NA

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS DO ESPORTE

Belo Horizonte

Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional

2014

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Natalia Xavier Alves

UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL NA REVISTA BRASILEIRA DE

CIÊNCIAS DO ESPORTE

Monografia apresentada ao curso de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de graduação.

Área: Educação Física Escolar

Orientador: Prof. Tarcísio Mauro Vago

Belo Horizonte

2014

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RESUMO

A Educação Física na Educação Infantil tem sido discutida em produções acadêmicas postas em circulação em revistas da área. Neste trabalho privilegiou-se a investigação de uma das mais importantes revistas brasileiras da Educação Física: a Revista Brasileira de Ciência do Esporte (R.B.C.E.). Este trabalho tem o objetivo de investigar a produção científica sobre Educação Física na Educação Infantil que circulou na R.B.C.E na temporalidade de 2000-2013, além de discutir e compreender as proposições teóricas e metodológicas sobre a Educação Física na Educação Infantil. Para isto, elencamos quatro categorias de análise: compreensões sobre infância; infância e Educação Física: em dois tópicos a) influências e b) legislação; discutindo a formação do professor de Educação Física; pensando a intervenção do professor de Educação Física nas Escolas. Como amostra utilizamos 8 artigos produzidos e publicados na R.B.C.E. Na área da Educação Física, todos os artigos fizeram críticas ao seu ensino baseado na psicomotricidade. Também consideram que na Educação Infantil não é apropriada a especialização e/ou escolarização precoce. De outro modo, consideram pertinente ancorar o ensino de Educação Física nas perspectivas da Cultura Corporal e na psicologia Vygostskyana. Alguns autores apresentaram sugestões para organizar a intervenção de professores, tanto de Educação Física como de generalistas, na Educação Infantil. Tais sugestões estão mais próximas da perspectiva da Cultura Corporal de Movimento. Conforme observado na literatura consultada, o professor generalista não possui conhecimentos específicos adequados para o desenvolvimento da Cultura Corporal e da formação necessária para crianças de 0 a 6 anos. Embora a legislação não exija a presença de profissional especialista ou especializado, vê-se a necessidade do mesmo na Educação Infantil, sem que haja uma escolarização ou especialização precoce.

Palavras-chave: Educação Física. Educação Infantil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 04

2 COMPREENSÕES SOBRE A INFÂNCIA ................................................ 06

3 INFÂNCIA E EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................. 12

3.1 INFLUÊNCIAS TEÓRICAS ...................................................................... 12

3.2 LEGISLAÇÃO ............................................................................................ 14

3.2.1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................... 14

3.2.2 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO ................................. 21

3.2.3 REFERENCIAL CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL ........ 23

4 DISCUTINDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA-25

5 PENSANDO A INTERVENÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

NAS ESCOLAS ............................................................................................... 32

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 45

REFERÊNCIAS.................................................................................................47

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1 INTRODUÇÃO

A Educação Física na Educação Infantil tem sido discutida em

produções acadêmicas postas em circulação em revistas da área. Neste

trabalho privilegiou-se a investigação de uma das mais importantes revistas

brasileiras da Educação Física: a Revista Brasileira de Ciências do Esporte

(R.B.C.E.).

O tema da Educação Física na Educação Infantil surgiu devido ao

interesse pessoal no assunto, uma vez que me identifico com a área. Enquanto

realizava este trabalho, o governo de Minas Gerais baixou uma Resolução

CNE/CEB n° 7 que ausenta a necessidade do professor de Educação Física

não só nos primeiros anos da educação infantil, como nos primeiros anos da

Educação Fundamental (1º a 5º ano), e devido a isso houve um aumento no

interesse pelo tema.

Os estudos sobre o tema e as discussões sobre a inserção da Educação

Física na Educação infantil não são tão atuais como se é pensado. Esse é um

tema que vem sendo tratado ao longo dos anos, e que está em discussão

recente devido à divulgação da Resolução.

Tomamos como referência para o estudo os artigos publicados na

R.B.C.E. na temporalidade de 2000-2013, que tenham relação com a

Educação Física e a Educação Infantil. A temporalidade dos artigos foi

escolhida devido à uma inspiração no trabalho da Professora Nara Rejane, que

tem a temporalidade anterior ao meu. As produções utilizadas serão:

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Tabela 1 – Artigos utilizados

Nome do Artigo Autor(es) Revista Brasileira de Ciências do Esporte

Concepção de infância na Educação Física Brasileira:

Primeiras aproximações

OLIVEIRA, Nara V.26, n.3 - 2005

A Educação Física como componente curricular na

Educação Infantil: Elementos para uma proposta de ensino

SILVA, Eduardo V.26, n.3 - 2005

O estatuto da criança e do adolescente: Um instrumento

legal do professor de Educação Física

MULLER, Verônica; MARTINELI, Telma

V.26, n.3 – 2005

Narrando experiências com a Educação Física na Educação Infantil

AYOUB, Eliana V.26, n.3 – 2005

O brincar/jogar como fenômeno transicional na

construção da autonomia e da identidade da criança de

0 a 6 anos.

FIGUEIREDO, Zenólia SILVA, Renata

ANDRADE FILHO, Nelson

V.27, n.2 – 2006

Educação (Física) Infantil: Territórios de relação

comunicativas

SILVA, Eliane KUNZ, Elenor

AGOSTINO, Lucia

V.32, n.2-4 – 2010

Educação Física na Educação Infantil e o

currículo da formação inicial

LACERDA, Cristiane

COSTA, Martha

V.34, n.2 – 2012

Sem tempo de ser criança: a pressa no contexto da

educação de crianças e implicações nas aulas de

Educação Física

STAVISKI, Gilmar SURDI, Aguinaldo

KUNZ, Elenor

V.35, n.1 – 2013

Fonte: Própria autora

A partir desse levantamento, foram organizadas categorias de análise para

explorar os artigos selecionados. São essas:

1) Compreensões sobre Infância: o que dizem os autores dos artigos?

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2) Infância e Educação Física: em dois tópicos a) Influências e b)

Legislação

3) Discutindo a formação do professor de Educação Física

4) Pensando a intervenção do professor de Educação Física nas Escolas.

2 COMPREENSÕES SOBRE INFÂNCIA: O QUE DIZEM OS AUTORES DOS

ARTIGOS?

Os artigos nessa categoria têm como objeto de estudo a análise das

concepções de infância, as ideias que se aproximam ou se distanciam. Nos

artigos existe um diálogo dos autores com diversos outros, que trazem

diferentes concepções de infância, que foram abordadas neste trabalho.

Oliveira (2005) afirma que “a criança vem sendo ao longo dos anos

submetida a um processo de expropriação de sua condição de ser humano e

sujeito de relações sociais, o que tem gerado sua alienação e fragmentação

como sujeito”. Isso permite afirmar que,

“[...] Na sociedade atual temos generalizada uma concepção de infância

abstrata, desvinculada das condições objetivas de vida, vista como

etapa/período preparatório para a vida adulta, em que a criança como vir a ser

é analisada do ponto de vista de uma “natureza infantil”, ingênua como afirma

Kramer (apud OLIVEIRA, 2005, p. 97)”.

Segundo Kramer (apud OLIVEIRA, 2005, p. 98):

“[...] O sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas

crianças; corresponde, na verdade, à consciência da particularidade infantil, ou

seja, aquilo que distingue a criança do adulto e faz com que a criança seja

considerada como um adulto em potencial, dotada de capacidade de

desenvolvimento. [...] Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel

produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta

mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser

cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura.”

De acordo com Ariès (apud OLIVEIRA, 2005, p. 99) “a ausência de um

sentimento pela infância foi devido a, entre outros fatores, ao alto índice de

mortalidade infantil que persistiu até a Idade Média, sendo a morte de crianças

encarada como algo corriqueiro”. Para Faria (apud OLIVEIRA, 2005, p. 98), “a

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partir daí que a infância ganhou o status de categoria peculiar do social, em

que a criança passou a ser vista como uma figura da coletividade, dotada de

necessidades próprias, merecedora de atenção e intervenções educativas

condizentes”.

A partir do século XVII, de acordo com Oliveira (2005), “a criança passou a

ser vista como fator preponderante para a aquisição e manutenção dos bens

familiares, ou, se não pertencesse a uma família de posses, deveria ser

educada para o trabalho”. Nesse contexto, “a criança passou a ser vista como

um ser imperfeito e incompleto, necessitando assim ser moralizada através da

educação feita pelo adulto, segundo Kramer (apud OLIVEIRA, 2005, p. 99)”.

Segundo Narodowski (apud OLIVEIRA, 2005, p. 100), “a partir do século

XVIII, na perspectiva da moralização, a infância passou a constituir objeto de

estudo da pedagogia moderna”. Comenius (apud OLIVEIRA, 2005, p. 100)

afirma que “a infância foi introduzida como um elemento no contexto das

preocupações gerais do funcionamento escolar”.

No pensamento pedagógico de Pestalozzi (apud OLIVEIRA, 2005, p. 100),

destacaram-se três teorias: 1) da educação natural, retomada de Rousseau,

considerando a criança como dotada de todas as faculdades da natureza

humana, cabendo à educação desenvolvê-las; 2) da formação espiritual do ser

humano a ser desenvolvida por meio da educação moral, intelectual e

profissional, articuladas; 3) da instrução tendo como ponto de partida a intuição

que seguia em particular a psicologia infantil.

Oliveira (2005), conclui que “a história da infância burguesa, contada como

oficial, perpassou as instituições educacionais, enquanto a infância das classes

populares passou pela história das instituições assistencialistas”.

Percebe-se que anterior ao século XVI, a criança era um alguém “sem voz”

e “sem vontades”. O conceito infância era caracterizado por um alguém

excluído, e à medida que o tempo passa as crianças começam a ser

percebidas como sujeitos que precisam de cuidados e tem suas próprias

necessidades. Nota-se também que é a partir do século XVII que a educação

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da infância passou a ser objeto de preocupação, a criança passou a ser

considerada como um ser que precisa de atenção, levando em consideração as

individualidades da sua idade, ela deixa de ser “sem voz” e passa a fazer parte

da sociedade. A criança pertencente a classes baixas ainda era educada para

o trabalho e a das classes burguesas eram objeto de preocupação, porém, na

atualidade, todas as crianças são objeto de preocupação e têm acesso à

educação.

Quanto à Educação Física, de acordo com Oliveira (2005),

“[...] na maior parte da produção acadêmica da Educação Física brasileira

analisada, o conceito de infância veiculado traz a conotação de “preparação

para”. E o papel da Educação Física nesse contexto? Promover a saúde, o

desenvolvimento integral por meio de seus conteúdos e “seu” caráter lúdico.

Nesta perspectiva, o conceito de infância assim como seu projeto educativo

encontram-se vinculados a uma perspectiva idealista”.

Segundo Oliveira (2005), “nas primeiras décadas do século XX

percebemos nas produções as preocupações com a Educação Física,

especialmente no que diz respeito ao seu papel no desenvolvimento cognitivo

das crianças”. A partir da década de 1970, a psicomotricidade adentrou esse

cenário pedagógico e percebemos desde então o discurso da Educação Física,

especificamente quanto às suas finalidades na Educação Infantil.

Guiselini (apud OLIVEIRA, 2005, p. 102) afirma que “o programa de

Educação Física para a pré-escola deve estar prioritariamente voltado para a

estimulação das capacidades perceptivas e motoras”; já na linha denominada

desenvolvimentista por seus autores, Tani et al. (apud OLIVEIRA, 2005, p.

102), “a Educação Física é enfatizada no sentido de promover a aquisição de

habilidades básicas que contribuam para o desenvolvimento motor da criança”.

Para Ferreira Neto (apud OLIVEIRA, 2005, p. 102) “a atividade motora é

enfatizada como estímulo ao desenvolvimento, especialmente as atividades

físicas e esportivas, por meio de elementos lúdicos”. A abordagem

comportamentalista caracteriza-se pelo destaque dado à influência de fatores

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externos, do ambiente e da experiência sobre o comportamento das crianças

(estímulo– resposta).

Para Debortoli e Borges (apud OLIVEIRA, 2005, p. 104),

“[...] A consolidação de quaisquer propostas de Educação Infantil deve

instigar o fortalecimento de uma concepção de criança que a considere

como ser humano completo, em processo de desenvolvimento, um ser

humano histórico e social, inserido numa dada realidade e em

determinada cultura. Um projeto de Educação Física para a Educação

Infantil deve superar o discurso “pobre” do desenvolvimentismo,

focando a dimensão lúdica do movimento humano, em que o

movimento, a linguagem e a expressão lúdica estejam no centro das

discussões possibilitando às crianças efetivarem-se como sujeitos de

suas aprendizagens”.

Na concepção de Torres e Antônio (apud OLIVEIRA, 2005, p. 104),

“[...] isso significa que se desejamos que a Educação Física se

justifique na Educação Infantil, necessário se faz o compartilhar de uma

outra visão de ser humano, de educação, de sociedade e de infância,

oposta à idealista. É necessário que a Educação Física contribua para

a ampliação da leitura de mundo das crianças, tomando a brincadeira

infantil como eixo norteador da proposta na perspectiva histórico-

cultural”.

Entretanto, Sayão (apud OLIVEIRA, 2005, p. 104) alerta que a

brincadeira não deve ser inserida numa lógica produtivista, pois isso limita suas

possibilidades”.

Oliveira (2005) conclui que “na área de Educação Física existe um certo

atraso em relação às discussões sobre a infância em outros campos – a

exemplo da Educação – mas também um discreto avanço, considerando

principalmente as produções a partir de meados da década de 1990”.

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A Educação Infantil não pode ser considerada uma fase preparatória

para a fase escolar, nessa faixa etária existe uma grande dificuldade em

afirmar qual o melhor método de ensino-aprendizagem, sendo citadas ao longo

do texto diferentes concepções teóricas. Sendo assim, cabe ao professor

especialista ou generalista, a escolha da melhor forma para a aquisição de

habilidades, movimentos, percepções e brincadeiras para a criança no período

pré-escolar. Deve-se levar em consideração que as crianças nessa faixa etária

têm de experimentar e conhecer tudo que está ao seu redor e serem

estimuladas pelo professor a realizarem novas descobertas, sem que isso gere

nas crianças uma especialização ou escolarização precoce.

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3 INFÂNCIA E EDUCAÇÃO FÍSICA, no tópico:

3.1) Influências Teóricas

Na área da Educação Física, existem teorias que dão norte aos trabalhos

dos professores, e algumas delas foram citadas nos artigos estudados, e serão

apresentadas neste trabalho, são elas as abordagens Crítico-Superadora ou

Cultura Corporal, a psicologia sócio-histórica de Vygotsky e a Psicomotricidade.

Segundo Ayoub (2005),

“[...] Na abordagem Crítico-Superadora, a Educação Física escolar é

compreendida na perspectiva da reflexão sobre a cultura corporal e,

portanto, busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo

de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no

decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos,

danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo,

contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como

formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem,

historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. Por esse

enfoque, a Educação Física é uma disciplina que trata,

pedagogicamente, na escola, do conhecimento de uma área

denominada aqui de cultura corporal. Ela será configurada com temas

ou formas de atividades, particularmente corporais, como as nomeadas

anteriormente: jogo, esporte, ginástica, dança ou outras, que

constituirão seu conteúdo. O estudo desse conhecimento visa

apreender a expressão corporal como linguagem”.

De acordo com Silva (2005),

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“[...] A psicologia Vygotskyana busca superar uma abordagem

naturalizante da criança, e a Cultura Corporal defende uma abordagem

que destaca o papel da cultura e do contexto histórico na formação

humana e ao mesmo tempo indica referências didático-metodológicas

consistentes para a ação pedagógica. Nela a Educação Física é

compreendida como uma disciplina curricular, cujo objeto de estudo é a

expressão corporal entendida como uma forma de linguagem social e

historicamente construída. Nessa proposta a Educação Física trata,

pedagogicamente, dentro da escola das construções sociais que se

expressam corporalmente, (os jogos, as brincadeiras, as danças, os

esportes, a ginástica e outros)”.

“As principais influências teóricas da Educação Física na pré-escola são,

conforme Sayão (apud OLIVEIRA, 2005, p. 102): a recreação, a

psicomotricidade e o desenvolvimento motor”. Entretanto, tais influências não

se manifestam isoladas na medida em que várias das abordagens se utilizam

desses discursos articulados. Para Sayão (apud OLIVEIRA, 2005, p. 102), “o

funcionamento da Educação Física tende a uma visão fragmentária desta e da

pré-escola em que se destacam: a dicotomia corpo–mente, sala–pátio e teoria–

prática”.

Segundo Oliveira (2005), “Negrine (apud OLIVEIRA, 2005, p. 102) pode

ser considerado, de certa forma, um precursor dos estudos da psicomotricidade

no âmbito da Educação Física, que ele intitula educação psicomotora”. No

início da década de 1980 suas obras tiveram grande destaque nessa

perspectiva, especialmente como alternativa para as propostas de Educação

Física no contexto da Educação Infantil. Para Negrine (apud OLIVEIRA, 2005,

p. 102), “a principal finalidade da educação psicomotora é promover, por meio

de ações pedagógicas, o desenvolvimento de todas as potencialidades da

criança, objetivando o equilíbrio biopsicossocial, opondo-se ao espontaneísmo

e recreacionismo”. Outro autor citado por Oliveira (2005) foi, Valter Bracth, que

apresenta uma crítica a psicomotricidade na relação com a Educação Física,

nos seguintes termos:

“[...] A base teórica da psicomotricidade resulta numa perspectiva

idealista, alheia em geral aos fatores sociais, e, apesar de criticar o

dualismo corpo-mente, na realidade este só assume outra “qualidade”,

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na medida em que a relação entre cognição, motricidade e afetividade

não desaparece.”

As primeiras abordagens apresentadas nesse trabalho mostram que é

possível pensarmos ações no âmbito da Educação Infantil, além da

psicomotricidade e da recreação (principais na área da Educação Física) e que

tenham, como princípios, a consideração das crianças como seres históricos

que se constituem nas relações sociais e a dimensão sócio-histórica dos

conhecimentos. A psicomotricidade é criticada por todos os autores estudados

para este trabalho, que a consideram divisora do corpo e da mente, além de

gerar nas crianças uma especialização precoce, totalmente desnecessária para

crianças na faixa etária de 0-6 anos, que fazem parte da Educação Infantil, já

as perspectivas da cultura corporal e Vygostkyana atenderiam as necessidades

da criança, apresentando para elas elementos da cultura e inserindo-as na

sociedade.

3.2) Legislação

3.2.1 O estatuto da Criança e do Adolescente

O primeiro artigo a ser analisado de autoria de Müller e Martineli (2005)

intitulado O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: UM

INSTRUMENTO LEGAL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA, que trata

de parte uma pesquisa de doutorado referente ao “Projeto Brincadeiras com

meninos e meninas de e nas ruas de Maringá”, onde são levadas em

consideração a análise da criação do Estatuto, a relação do mesmo com as

falas das crianças e importância do professor de Educação Física no Estatuto.

Os autores analisam o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA),

destacando a importância da sua criação e a relação do ECA com o antigo

Código de Menores de 1927.

Analisando o Código de menores, Müller e Martineli (2005) comentam

que,

“[...] O Código de 1927 trazia uma visão da infância como incapaz e

perversa. É muito importante observar que a palavra “menor” é

literalmente uma inferiorização. É menos que outro. A definição de

criança nesse Código priorizava a sua situação considerada errada em

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relação ao que deveria ser normal: estar na escola, ter uma família

constituída de mãe pai e avós, andar limpa e sem problemas com a lei.

Os considerados normais ou regulares não eram menores. Estes

estavam afetos diretamente ao Ministério da Educação; já os menores,

diretamente ao Ministério da Justiça. As soluções para os “menores”

apareciam na lei, entendendo-se que o culpado daquela situação era

ou a família ou a própria pessoa. O poder do juiz era enorme para

decidir a seu juízo a gravidade do conflito do menor com a lei e o

encaminhamento a ser-lhe dado.”

Segundos Müller e Martineli (2005),

“[...] A concepção de criança existente no Código de Menores era de

marginalização das crianças, onde apenas as crianças órfãs,

abandonadas ou autoras de atos infracionais eram levadas em

consideração, isso é contrário a concepção da lei atual, o Estatuto da

criança e do Adolescente, que defende a necessidade do cuidado e

proteção dessa população. Entre esses cuidados, é levada em

consideração a ação do professor”.

O Código de Menores deixa claro que os “menores” na situação citada

no artigo I estariam sob “tutela” do Estado. Nesse artigo temos que: art. 1’: “O

menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de

18 anos, de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de

assistência e proteção contidas neste Código (BRASIL, 1927, p. 4)”.

De acordo com Müller e Martineli (2005),

“[...] Havia descaso dos órgãos regulamentadores em relação às

crianças e não eram levadas em consideração a situação/condição

socioeconômica da família. A família tinha apenas obrigações tolas,

como manter a criança limpa e o Ministério da Educação valia apenas

para as crianças. Os “menores” não recebiam nenhum apoio, eram

apenas os marginais e vândalos”.

Em alguns relatos de jovens e adolescentes ao longo do texto, nota-se

que mesmo não estando em vigor há mais de 10 anos, quando o artigo foi

publicado, o Código de Menores ainda está presente na sociedade. Como

dizem as autoras do artigo: “Está tão absorvida na sociedade a diferença e o

preconceito contra a criança pobre que poderíamos passar inadvertidamente

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sobre uma manchete de jornal assim: “menor mata criança” (MÜLLER E

MARTINELI, 2005)”.

Nos dias de hoje ainda é perceptível algumas dessas atitudes. Crianças

e adolescentes de rua, normalmente são considerados pela sociedade como

“pivetes”, “bandidos”, causam medo nas pessoas. Quando são notadas pelas

ruas algumas crianças e adolescentes nessa situação, ou vindo em nossa

direção, costuma-se atravessar a rua fugindo e na maioria das vezes fingindo

não ter ligação nenhuma com o fato. Isso não seria um reflexo do Código de

Menores, ainda presente na sociedade?

Para Müller e Martineli (2005),

“[...] O Código de Menores passa a ser questionado após o fim da

ditadura militar e começa a ser discutido entre vários segmentos

interessados na proteção infantil e da adolescência, incluindo

principalmente o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,

junto com crianças e adolescentes, a eliminação da lei que até então

os regia, para a criação do atual Estatuto da Criança e do

Adolescente(ECA). Estatuto que passou a ser utilizado no Brasil em

1990, mas não significa que a população aderiu imediatamente”.

No novo Estatuto, todos os cidadãos têm responsabilidade para com as

crianças e os adolescentes. No artigo 227 da Constituição Federal do Brasil

temos que:

[...]é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

Poder Público, assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos

direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e convivência familiar e comunitária (BRASIL,

1988, p. 4).

Tal citação do artigo 227 da Constituição Brasileira, leva aos

questionamentos: isso realmente acontece? Como ficam as crianças que

habitam as ruas? Mesmo com a criação do novo estatuto, ainda no ano de

2014, vê-se que o que foi pensado não é exatamente como acontece, uma vez

que ainda vê-se muitas crianças nas ruas, sem chance nenhuma e cuidado de

ninguém.

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Para Müller e Martineli (2005), “o surgimento do ECA possibilitou às

crianças e adolescentes a inserção como indivíduos na sociedade, quando

antes eram apenas considerados “menores”. Agora eles são cidadãos de

deveres e direitos, sendo um deles a Educação escolar”.

Ocorre a implantação e a fase de adesão ao novo Estatuto, porém, de

acordo com o texto de Müller e Martineli publicado em 2005, grande parte da

população, à época da publicação do artigo, era contra o ECA, mas a parte que

é contra, pouco conhece o Estatuto, o que foi considerado pelas autoras um

dos fatores que influenciaram para a não aceitação, uma vez que a população

tem a visão deturpada do Estatuto, achando que ele:

1) Só fala em direitos

2) Reduziria a violência caso houvesse a possibilidade de colocar a

criança e o adolescente na cadeia

3) É melhor para a criança trabalhar do que ficar vadiando na rua

4) O Conselho Tutelar não pune a criança e o adolescente

5) O estatuto é muito avançado para a nossa realidade.

Fatos que não parecem reais. As autoras ponderam que:

1) O ECA prevê direitos, porém estabelece também deveres às crianças

e aos adolescentes.

2) A questão da maioridade não interferiria na diminuição da

criminalidade, uma vez que muitos adolescentes relatam que a prisão é uma

universidade do crime.

3) O fato da erradicação do trabalho infantil e o impedimento da

exploração do trabalhador adolescente significam a condição primeira para que

essas crianças e adolescentes tenham uma expectativa de futuro aceitável.

4) O Conselho Tutelar realmente não existe para punir. Esse órgão foi

criado com função administrativa e deve aplicar medidas de proteção a

crianças e adolescentes.

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5) Quanto a essa questão, não temos que esperar que a realidade mude

para depois implantarmos o ECA e sim aproveitar a existência do ECA para

modificar a realidade.

No aspecto de acesso à educação, não acontece de acordo com o

afirmado pelo ECA e durante o estudo de Müller e Martineli (2005) o próprio

Ministério da Educação e do Desporto reconheceu que:

“[...]o sistema de ensino tem gerado exclusão escolar e social. Parte de

suas causas tem origem na própria escola, ditadas por razões que

dizem respeito à inadequação dos currículos, à deficiência na formação

inicial e continuada dos professores, às avaliações equivocadas que

insistem em responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso e que

terminam por estimular o abandono da escola. Isso porque a evasão

escolar também está associada às desigualdades econômicas e

disparidades regionais. Seria ingênuo, portanto, pretender integrar

essas crianças e adolescentes na escola sem levar em conta as

condições materiais de sua existência e outras variáveis não-

educacionais (BRASIL, 1997, p. 7)”.

Após a leitura desse do texto das autoras Müller e Martineli (2005),

surgiram algumas dúvidas referentes ao ECA. Uma delas: se a educação é de

acesso a todos, por que tantos jovens e crianças fora das escolas? Outra: Se a

exploração infantil é proibida, por que tantos jovens e crianças pedintes de

sinais pelas ruas? Apesar de ser considerado um dos melhores Estatutos do

mundo e devido à ele, o Brasil ter assinado várias Convenções Internacionais,

sabe-se que o Estatuto em grande parte das vezes não é cumprido, nem pelos

próprios responsáveis de fiscalizar, uma vez que é sabido que muitas crianças

e jovens de rua tem medo do Conselho Tutelar, como indica o estudo feito em

Maringá pelas professoras Muller e Martineli (2005).

Ao tratar o ordenamento jurídico sobre a Educação Física na Educação

Infantil, Muller e Martineli (2005) consideram a existência do Estatuto da

Criança e do Adolescente para a Educação e Educação Física, e observam:

- “primeiro, que todos os profissionais que trabalham com

crianças e adolescentes devem saber que os municípios e

estados onde trabalham, em território nacional, obriga que a

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criança e o adolescente sejam prioridade absoluta em suas

políticas, isto é, devem entre outros procedimentos dedicar a

maior parte de seus ingressos a políticas e ações relacionadas

a eles (Art.4,c,d)”;

- “segundo, que existe em cada município e Estado um

Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente com

representação governamental e não- governamental que

decide sobre essas políticas e sobre a destinação de seus

recursos transformando essas decisões em lei (Art. 88)”;

- “terceiro, que constitucionalmente todas as crianças e

adolescentes brasileiros têm direito à saúde, ao esporte, ao

lazer, à educação, à cultura (Art.4), áreas nas quais atuamos e

portanto nós, da Educação Física, podemos ser uma força para

a concretização desses direitos”;

- “quarto, que a responsabilidade sobre o cumprimento dos

direitos das crianças e adolescentes está juridicamente

determinada à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder

Público. Fazemos parte da comunidade e da sociedade na qual

trabalhamos e por conseguinte estamos inevitavelmente com-

prometidos com essa responsabilidade. Por exemplo, se o

professor identifica na escola uma criança que está sofrendo

maus tratos em casa, é obrigatória a comunicação aos órgãos

competentes”. Em caso de omissão, esse professor pode ser

responsabilizado criminalmente.

Para tanto, vale lembrar o artigo 245 do Estatuto referente às infrações

administrativas:

“[...]Deixar o médico, professor ou responsável por

estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental,

pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente

os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou

confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena – multa de três a vinte salários-de-referência, aplicando-

se o dobro em caso de reincidência.”

- “quinto, que o ECA prevê no Livro II: no caso de os direitos

infanto-juvenis serem violados por ação, omissão da sociedade

ou impossibilidade, ação ou omissão da família e, em se

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tratando de crianças, nos casos de conduta, o Conselho Tutelar

é o órgão responsável para proteger seus direitos. Ou seja, se

no clube, na escola ou em outro lugar percebemos uma

violação do direito infanto-juvenil, para qualquer denúncia

temos de acionar este Conselho, mas, no caso de não-

cumprimento pelo Conselho Tutelar, podem ser acionados o

Ministério Público e o Judiciário para as providências cabíveis”;

- “sexto, que temos atualmente na lei uma de nossas principais

forças reivindicativas para que venhamos a ter todas as

crianças e adolescentes na escola e fora dela praticando

esportes, usufruindo do lazer, brincando e aprendendo com

quantidade e qualidade de materiais, além de podermos exigir

espaços físicos, formação e salários adequados para os

profissionais afins”;

- “sétimo, que para conseguir efetivar o conteúdo dessas

reivindicações o caminho inevitável é fazer com que os

Conselhos municipais, estaduais e/ ou federais as aprovem

transformando-as em obrigação governamental para o ano

seguinte. Para tanto, devemos fazer-nos representar nos

Conselhos”;

- “oitavo, que somos necessários, já não como profissionais,

mas como cidadãos, para que determinados sonhos de

milhares de crianças e adolescentes se realizem. O ECA é para

todos, mas existem muitas diferenças de condição entre as

crianças e adolescentes, apesar da igualdade na lei e da

igualdade nos seus sonhos”.

Müller e Martineli (2005) comentam essa relação ao final do estudo,

onde dos oito fatos citados, seis são de caráter genérico, que apontam

aspectos gerais para todos os professores e cidadãos.

O ECA deixa claro que constitucionalmente todas as crianças e

adolescentes brasileiros têm direito à saúde, ao esporte, ao lazer, à educação,

à cultura (Art.4). Quanto à Educação Física, o ECA assegura as crianças e aos

adolescentes o direito ao esporte e ao lazer, e é nessa área que terão a

possibilidade de dar a todas as crianças o acesso ao lazer e a diversão, que

muitas vezes são negados à elas devido às condições sociais.

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Nota-se que mesmo após 20 anos da sua promulgação, o ECA ainda

apresenta dificuldades no seu cumprimento, tanto pela sociedade, quanto pelos

próprios órgãos fiscalizadores. A Educação Física pode ser um meio de acesso

das crianças e adolescentes, em qualquer situação socioeconômica de terem

acesso a esporte e lazer, à saúde, uma vez que a atividade física proporciona

uma melhoria na qualidade de vida e até à cultura, quando esses têm acesso

as práticas corporais e esportivas pertencentes a cultura brasileira e regional.

3.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

A lei de diretrizes e bases da Educação (LDB) define e regulariza o

sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na

Constituição, a LDB é responsável por toda a educação básica, que

corresponde aos Ensinos Infantil, Fundamental e Médio.

A primeira LDB foi criada em 1961, seguida por uma versão em 1971,

que vigorou até a promulgação da mais recente em 1996. A LDB utilizada até a

atualidade (Lei 9394/96) foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique

Cardoso e pelo ministro da educação Paulo Renato em 20 de dezembro de

1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para todos, a LDB

de 1996 trouxe diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a

inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa

da educação básica.

O texto aprovado em 1996 é resultado de um longo embate, que durou

cerca de oito anos (1988-1996), a partir da XI ANPED, entre duas propostas

distintas. A primeira conhecida como Projeto Jorge Hage foi o resultado de uma

série de debates abertos com a sociedade, organizados pelo Fórum Nacional

em Defesa da Escola Pública, sendo apresentado na Câmara dos Deputados.

A segunda proposta foi elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro, Marco

Maciel e Maurício Correa em articulação com o poder executivo através

do MEC .

A principal divergência era em relação ao papel do Estado na educação.

Enquanto a proposta dos setores organizados da sociedade civil apresentava

uma grande preocupação com mecanismos de controle social do sistema de

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ensino, a proposta dos senadores previa uma estrutura de poder mais centrada

nas mãos do governo. Apesar de conter alguns elementos levantados pelo

primeiro grupo, o texto final da LDB se aproxima mais das ideias levantadas

pelo segundo grupo, que contou com forte apoio do governo FHC nos últimos

anos da tramitação.

A LDB tem como suas principais características:

Gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica

e administrativa das unidades escolares (art. 3 e 15)

Ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 4)

Carga horária mínima de oitocentas horas distribuídas em duzentos dias na

educação básica (art. 24)

Prevê um núcleo comum para o currículo do ensino fundamental e médio e

uma parte diversificada em função das peculiaridades locais (art. 26)

Formação de docentes para atuar na educação básica em curso de nível

superior, sendo aceito para a educação infantil e as quatro primeiras séries

do fundamental, formação em curso Normal do ensino médio (art. 62)

Formação dos especialistas da educação em curso superior de pedagogia

ou pós-graduação (art. 64)

A União deve gastar no mínimo 18% e os estados e municípios no mínimo

25% de seus respectivos orçamentos na manutenção e desenvolvimento do

ensino público (art. 69)

Dinheiro público pode financiar escolas comunitárias, confessionais e

filantrópicas (art. 77)

Prevê a criação do Plano Nacional de Educação (art. 87)

Quanto à Educação Física, no Artigo 26, parágrafo terceiro da LDB temos

que:

“§ 3º. A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é

componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às

condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos”.

De acordo com esse artigo de lei, existe a obrigatoriedade da Educação

Física em todos os anos da Educação Básica, o que inclui a Educação Física

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Infantil, objeto de estudo deste trabalho, porém em nenhum momento da LDB é

definido qual professor é responsável por ministrar essa disciplina, se deveria

ser um especialista ou o professor generalista. Sendo assim, em nada a

Resolução CNE/CEB n° 7 foi contrária a LDB, uma vez que não foi definido

nela quem era o responsável por ministrar essa disciplina.

3.2.3 Referencial Curricular para a Educação Infantil

O Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI) pretende

estabelecer metas de qualidade para o desenvolvimento integral das crianças e

servir de guia de orientações didáticas para os profissionais que atuam

diretamente com crianças de zero a seis anos, além de desenvolver a

identidade e a autonomia da criança. O RCNEI é divido em três volumes

organizados da seguinte forma:

• Um documento Introdução, que apresenta uma reflexão sobre creches e pré-

escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, de

educação, de instituição e do profissional, que foram utilizadas para definir os

objetivos gerais da educação infantil e orientaram a organização dos

documentos de eixos de trabalho que estão agrupados em dois volumes

relacionados aos seguintes âmbitos de experiência: Formação Pessoal e Social

e Conhecimento de Mundo.

• Um volume relativo ao âmbito de experiência Formação Pessoal e Social que

contém o eixo de trabalho que favorece, prioritariamente, os processos de

construção da Identidade e Autonomia das crianças.

• Um volume relativo ao âmbito de experiência Conhecimento de Mundo que

contém seis documentos referentes aos eixos de trabalho orientados para a

construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que

estabelecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes

Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática.

Nesse trabalho apenas trataremos do volume três, que trata do

Conhecimento de Mundo, no conhecimento intitulado Movimento. De acordo

com a RCNEI, o trabalho com movimento contempla a multiplicidade de

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funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento

de aspectos específicos da motricidade das crianças, abrangendo uma reflexão

acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como

atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança.

Pode-se perceber que essa é área de intervenção da Educação Física,

nesse caso denominado como Movimento. Assim como a LDB, a RCNEI é

voltada para todos os professores presentes na Educação Infantil, não

especificando a necessidade de generalista ou especialista para o ensino do

Movimento, porém é contraditória a LDB, uma vez que ela afirma que é

necessária a presença da Educação Física na Educação Infantil e o termo

movimento é apenas uma representação, a Educação Física não é legitimada

na RCNEI, uma vez que o termo movimento retira a identidade.

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4 DISCUTINDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Os artigos dessa categoria abordaram o tema do currículo e formação

dos professores. Nessa categoria apresentarei artigos que tratam da proposta

da Educação Física para o currículo da Educação e tem por finalidade

sistematizar os elementos de uma proposta de ensino cujo foco seja a criança.

Existe no campo da Educação/Educação Física (EF) a necessidade de

ampliação de estudos no campo específico da atuação com os “pequenos”,

visando ultrapassar a lógica instrumental, que vem sendo debatida em nossa

área já há algum tempo. Como afirma Soares (apud LACERDA e COSTA,

2012, p.328), “a Educação Física é uma área de conhecimento escolar, que

possui saberes que vêm sendo construídos historicamente e que conferem

significado ao movimento”. Portanto, de acordo com Lacerda e Costa (2012),

“através das aulas de EF as crianças devem participar como sujeito sócio-

histórico produtor de cultura, de modo que a intencionalidade pedagógica deve

compor o trabalho do professor de EF”.

Para Lacerda e Costa (2012),

“[...] Aproximadamente até o final da década de 1980, a produção

teórica da EF escolar esteve voltada, principalmente, para o Ensino

Fundamental. Quando se tratava da primeira infância, a preocupação

significativa era o desenvolvimento motor. Portanto, pode-se dizer que

a produção da área em relação à Educação Infantil, em perspectivas

críticas, é recente”.

De acordo com Lacerda e Costa (2012),

“[...] A falta de clareza em relação à EF nesse segmento educacional

faz com que, em muitas realidades, as atividades de movimento sejam

reduzidas à diversão, à utilização da linguagem corporal como “muleta”

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para aprendizagem de conteúdos de outras áreas de conhecimento, à

concepção de que o movimento deve estar presente para que as

crianças “liberem as energias” e se aquietem nos momentos

considerados importantes”.

E na verdade esse não é o objetivo, para Silva (apud LACERDA e

COSTA, 2012, p.329),

“[...] O objetivo geral desta disciplina na Educação Infantil é organizar a

reflexão pedagógica do educando sobre os temas da cultura corporal,

possibilitando o conhecimento das possibilidades de ação corporal,

assim como o efeito da ação corporal sobre objetos naturais e sociais,

responsabilizar-se pelas próprias ações e compreender a função social

das regras”.

De acordo com Ayoub (2001),

“[...] A linguagem corporal não é uma “propriedade” da Educação

Física, apesar de ser sua especificidade. A linguagem corporal deve

ser utilizada em outros momentos educativos, principalmente para

evitar que as crianças fiquem grudadas às carteiras escolares como se

estivessem sendo moldadas”.

Segundo Lacerda e Costa (2012), “outro ponto bastante relevante neste

contexto seria a questão da especificidade do professor de EF na Educação

Infantil”, sendo necessário, como salienta Sayão (apud LACERDA E COSTA,

2012, p. 329),

“[...] Romper com as barreiras que determinam o que é específico de

cada área de conhecimento e abrir espaço para uma atuação integrada

dos diferentes profissionais que lidam com as crianças pequenas que,

de forma isolada, não conseguem construir um trabalho voltado para as

reais necessidades do mundo infantil”.

De acordo com Ayoub (2001),

“[...] É necessário não mais se pensar em professoras(es)

“generalistas” e “especialistas”, mas em professoras(es) de Educação

Infantil que irão compartilhar seus diferentes saberes, enquanto

docentes, para a criação de projetos educativos com as crianças,

valorizando suas experiências e interesses”.

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Desta forma, Debortoli; Linhales; Vago (apud LACERDA e COSTA,

2012, p. 330) consideram que:

“[...] A atuação de professores de Educação Física na Educação Infantil

só poderá ser considerada um avanço se esses profissionais estiverem

participando efetivamente do projeto político-pedagógico da escola.

Enquanto ocorrer a fragmentação dos saberes e sua hierarquização, “o

fazer pedagógico da Educação Física se reduzirá ao lugar de atividade

eminentemente prática, destituída de saberes e possibilidades de

reflexão”.

Quanto ao currículo e a formação dos professores de Educação Física,

para Lacerda e Costa (2012), “o currículo é construção social, e apesar de ter

uma importância bastante relevante, não é o único a versar sobre os

conhecimentos necessários à prática educativa”. O fazer docente, conforme é

apontado por Brzezinski (apud LACERDA E COSTA, 2012, p. 330),

“[...] Envolve o ato de interrogar o real, pensar a experiência,

compreendê-la para buscar sua gênese e sentido, e com base nessa

colocação, define-se as características/saberes essenciais necessários

ao ato de ensinar, que são: conhecimentos específicos que o

diferenciam de outros grupos profissionais, o que significa ter a

docência como base de formação”.

Como qualquer outra licenciatura ou formação universitária, a formação

em EF possui seus dilemas, principalmente curriculares. De acordo com

Taffarel e colaboradores (apud LACERDA e COSTA, 2012, p.331), “as

principais dificuldades são a inconsistente base teórica; a dicotomia teoria-

prática; currículos extensivos e desportivizados; falta de articulação entre

pesquisa-extensão; teorias de conhecimento voltadas para atender o mercado”.

Sendo assim, Andrade Filho (apud LACERDA e COSTA, 2012, p.331)

salienta que

“[...] A história da formação de professores de EF no Brasil pode ser

organizada em quatro fases: a primeira, marcada pela criação da

ENEFD (Escola Nacional de Educação Física e Desportos), atual

UFRJ, que funcionou com um currículo padrão, responsável pela

formação dos primeiros profissionais civis em substituição ao modelo

médico-militar; a segunda surgiu com a implantação do Currículo

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Mínimo em 1969, marcado pelo conflito entre uma visão esportivizante

e outra pedagógico-educacional; a terceira referiu-se ao momento em

que vigorou o currículo por Áreas de Conhecimento; e a quarta e atual

fase do estabelecimento de Cursos de Graduação, de acordo com as

novas Diretrizes Curriculares, determinadas pelo CNE/MEC sob

pressão do mercado capitalista”.

Segundo Lacerda e Costa (2012),

“[...] Caminha-se na contramão de um projeto histórico contra-

hegemônico e emancipador, colocando o professor, mais uma vez,

como mero executor de tarefas, e não como intelectual capaz de refletir

sobre sua própria prática. Nota-se que existe uma indefinição no

processo de formação do professor de EF, tendo como problemas

centrais a questão da legitimidade e do objeto de estudo”.

De acordo com Lacerda e Costa (2012),

“[...] Para atuar em tal segmento da Educação Básica, os professores,

inclusive os de EF, precisam abandonar a ideia de que na Educação

Infantil a criança deve ser o centro das propostas educativas, pois

acabam por considerar apenas suas necessidades de

desenvolvimento, afinal, os projetos de educação se atrelam a projetos

políticos mais globais, e não apenas a um projeto educacional

específico”.

Para Lacerda e Costa (2012), para a prática docente na Educação

Infantil é necessário observar que as aprendizagens são fundamentais e

necessárias para o desenvolvimento infantil; desligar-se das perspectivas que,

historicamente, provocaram um desligamento entre o aspecto da formação e

profissionalização e o da atuação no campo, determinando um agir sem

porquê; deixar de ressaltar apenas o aspecto prático no processo de educação

da criança, evitando a defesa do brincar como algo imanente da infância e

como mera atividade sem história, retirando-lhe todo o caráter dialógico; pensar

na sua carreira, já que historicamente não se investiu na profissionalização dos

educadores infantis; cuidar para não aceitar o conhecimento em “fatias”,

dividindo especialidades (linguagem, movimento, emoções, raciocínio...) e

evitando, assim, disputas hegemônicas por algo que só pode ser assumido na

totalidade; e, por fim, diante de uma proposta didático-pedagógica que se

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oriente em uma perspectiva dialética sobre aprendizagem e desenvolvimento

infantil, os professores não podem tomar como “complementares” os aspectos

gestuais, corporais, estéticos e emocionais das crianças.

Lacerda e Costa (2012) procederam à análise trabalhando com três

categorias, que foram: concepção de “ser professor”, expressa no projeto do

curso; campos de atuação do professor de EF; características do trabalho do

professor de EF, que serão relatadas a seguir:

No quesito concepção de “ser professor”, a Universidade defende que

“isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele

mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimento e um saber-fazer

proveniente de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a

orienta”. Lacerda e Costa (2012) alegam que

“[...] A concepção de “ser professor”, defendida pelo documento, é de

um ser que possui todos os conhecimentos essenciais ao trabalho

pedagógico. É preciso reconhecer alguns aspectos: a formação inicial

não dá conta de todos os conhecimentos, pois a história de vida, a

formação continuada e as experiências profissionais influenciam o “ser

professor”; a formação inicial não tem como dar conta de todos os

aspectos necessários ao fazer docente, entendemos que isto que

aumenta a possibilidade de uma “esquizofrenia pedagógica”, ou seja,

falar, mas não fazer”.

Na questão do campo de atuação do professor de Educação Física,

aparecem escolas de Educação Básica e de Ensino Superior, o campo do lazer

e recreação, atenção básica à saúde e fitness, entre outros. Para Lacerda e

Costa (2012),

“[...] O que aparece com maior frequência são as escolas, e o fato de

considerar as escolas como principal campo de intervenção do

professor de EF é um aspecto relevante para esta pesquisa, pois

acreditamos que a EF, enquanto área de conhecimento, tem a prática

pedagógica como característica essencial, além de que se reconhece

toda a Educação Básica como campo de atuação”.

Em relação as características do trabalho do professor de EF, Lacerda e

Costa (2012) analisaram o Projeto do Curso de Educação Física da

Universidade Estadual de Feira de Santana. A partir desta análise, as autoras

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destacam deste documento as características consideradas essenciais para o

trabalho docente no primeiro segmento da Educação Básica: “Compreender a

realidade econômica, política e sócio-cultural brasileira, no sentido de situar a

sua ação educativa de forma contextualizada”; “Produzir, socializar e estimular

a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos na área da Educação

Física”; “O trabalho coletivo dos professores também é condição indispensável

para que as atividades de sala de aula sejam devidamente planejadas e

avaliadas, tendo em vista a direção comum que se pretende imprimir ao

processo de ensino-aprendizagem”; “é fundamental que os docentes reflitam e

explicitem a intencionalidade de sua ação”.

Kramer (apud LACERDA e COSTA, 2012, p.335) também enfatiza “a

necessidade de os professores que lidam com a infância, estudarem

criticamente as teorias que auxiliam na compreensão e problematização da

prática, o que nos remete a um docente pesquisador”.

Segundo Lacerda e Costa (2012), um ponto que merece destaque é a

falta de clareza com relação à identidade do profissional de EF e ao objeto a

ser estudado nos cursos de formação. No documento analisado, o professor de

EF é visto como aquele que tematiza a cultura corporal de movimento e, em

outras ocasiões, o objeto de estudo da EF aparece como cultura corporal.

De acordo com Lacerda e Costa (2012), “é preciso considerar, que as

contradições apontadas são resultado do próprio processo conflituoso em torno

da construção das Diretrizes Curriculares e que, do ponto de vista da dialética,

as contradições são possibilidades para refletir e transformar a realidade”.

As autoras concluem que as discussões gerais em relação à Educação e

à EF, no curso de Licenciatura em Educação Física da IES pesquisada, tanto

no Projeto do Curso quanto nos planejamentos das disciplinas, tem

centralidade. Nesse sentido, quando se leva em consideração que o professor

de Educação Infantil deve ter ampla consciência dos debates e embates no

campo da história da Educação, das teorias pedagógicas e da política

educacional, pode-se afirmar que tal currículo possibilita uma ação consciente

do futuro professor na Educação Infantil. Todavia, é preciso considerar que

este segmento educacional tem uma história que lhe é própria, tem

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características marcantes que se refletem nas propostas curriculares para a

Educação de 0 a 6 anos e em aspectos peculiares da atuação do professor

nesse segmento, que poderiam ter centralidade, pelo menos nas disciplinas

que citam a Educação Infantil enquanto campo de atuação.

É possível perceber nesse trabalho que o campo da Educação Física

tem amplas possibilidades, tanto no “ser professor” como nos campos de

atuação, porém as Universidades entram em contradição nos seus projetos e

planos de ensino de algumas disciplinas, o que acaba defasando e causando

contradições no ensino. Pelo que foi notado, a Universidade, apesar de suas

contradições, consegue preparar o aluno para atuar na Educação Infantil e isso

possibilita ao mesmo a capacidade de compreender as necessidades

diferenciadas de crianças de 0-6 anos.

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5 PENSANDO A INTERVENÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

NAS ESCOLAS

O primeiro artigo nessa categoria é intitulado A EDUCAÇÃO FÍSICA

COMO COMPONENTE CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

ELEMENTOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO, de autoria do professor

Eduardo Jorge Souza da Silva.

Segundo Silva (2005),

“[...] A Educação Infantil tem sido desafiada a pautar sua intervenção

pedagógica no sentido de compreender a criança como um sujeito

histórico, localizado culturalmente, a educação infantil torna-se assim

um espaço fundamental para a construção de novos conhecimentos,

permitindo a interação da criança com outras pessoas e com o mundo

dos fatos e dos objetos socioculturais, sendo essas situações de

aprendizagem diferenciadas qualitativamente daquelas que perpassam

a vida fora da escola”.

De acordo com Silva (2005),

“[...] Para as crianças, os desafios colocados por seu ambiente natural

e social são vivenciados como uma totalidade, em que, subjetividade e

objetividade, emoções e imaginação misturam-se e constituem-se

concretamente pela via do contato e da expressão corporal, que

materializam sua ação enquanto atividade orientada a objetivos, é por

essa via que ela experimenta, pega, corre, pula, dança, assume papéis

sociais, estabelece vínculos afetivos, assimila e reconstrói seu

ambiente sócio-histórico para aprender e desenvolver-se. Partindo de

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tais premissas, os jogos e as brincadeiras serão abordados nessa

proposta como produção sociocultural, objeto de ensino e fator de

desenvolvimento e aprendizagem. Numa primeira aproximação,

podemos dizer que jogar e brincar pode ser compreendido como uma

forma de estar e agir no mundo que se expressa pela ação corporal e é

perpassada por intencionalidades cujos sentidos e significados trazem

a marca do contexto sociocultural daqueles que a praticam”.

Para Silva (2005), ao professor cabe a tarefa de possibilitar à criança a

elaboração de mecanismos psicológicos de representação mental e de

simbolização vinculados ao mundo natural, cultural, social e aos seus

significados. O professor(a), ao tratar o jogo e a brincadeira como atividades

estruturantes da criança, como construção cultural e conteúdo de ensino de um

componente curricular, assume intencionalmente um importante papel no

sentido de reconhecer os momentos nos quais é possível fazer as intervenções

necessárias para que a criança aprenda sobre si e os outros, sobre o papel que

pode desempenhar no grupo social e sobre a forma como as relações sociais e

culturais se organizam.

Leontiev (apud SILVA, 2005, p.131) nos indica aspectos cruciais da

brincadeira na vida da criança, ou seja, os processos de transição e de

desenvolvimento na forma e no conteúdo do jogar e do brincar que ele chama

de:

“[...] A lei geral do desenvolvimento das formas de brinquedo [...]

expressa-se na transição dos jogos com uma situação imaginária

explicita e um papel explícito, mas com uma regra latente para um jogo,

uma situação imaginária latente e um papel latente, mas uma regra

explicita. Para conhecer a causa de seu desenvolvimento, temos de

considerar a mudança no conteúdo da própria atividade lúdica da

criança e revelar a dinâmica de sua motivação”.

De acordo com Silva (2005), “isso significa que tal conteúdo, a dinâmica

e a motivação de construção das atividades pela criança são os alvos

fundamentais a serem analisados e avaliados”. Esse processo pode ser focado

através dos seguintes aspectos (embora não se esgote neles):

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1) como a criança atua em relação aos outros e aos objetos;

2) como elabora estratégias de ação;

3) como assimila e compreende os papéis e as funções sociais

representa- dos simbolicamente;

4) como organiza e orienta suas ações corporais;

5) como compreende as regras que regem sua ação e como e por quê

elas são construídas;

6) quais os motivos que a levaram a agir de uma maneira e não de outra.

De forma ampla, Vygotsky (1989) nos diz que

“[...] Nesse ambiente sociocultural os processos interpsicológicos (da

dimensão externa e interativa entre sujeitos) podem puxar para níveis

mais desenvolvidos e complexos os processos intrapsicológicos (da

dimensão interna e pessoal), ou seja, o individual, o interno ganha força

e substância na medida em que se lança para fora, para o mundo

social e histórico”.

Segundo Silva (2005),

“[...] Esse lançar-se para o mundo social e histórico, mediado pelas

atividades de jogar e brincar, constrói-se por meio de ações/situações

imaginárias, do “faz de conta”; esses processos não devem ser

confundidos com situações/ações aleatórias, destituídas de objetivos,

de metas, ao contrário, são momentos ricos de intencionalidades

(muitas vezes não muito claras) para a criança”.

De acordo com Silva (2005),

“[...] É possível perceber os nexos entre “faz de conta”, imaginação e

realidade no jogo e na brincadeira quando observamos, por exemplo,

as crianças brincando de “montar a cavalo em um cabo de vassouras”,

elas têm vontade de “montar um cavalo”, mas não reúnem as

condições pessoais e materiais suficientes para essa ação, assim

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transferem simbolicamente para um outro objeto sobre o qual têm

amplo domínio as propriedades de um cavalo, e o fazem agindo sob as

regras estritas do comportamento de um adulto que monta a cavalo;

neste caso as regras da ação estão ocultas na situação imaginária. A

criança age orientada por atitudes e regras sociais mais avançadas do

que aquelas que supostamente seu desenvolvimento permitiria. Nesse

caso os conhecimentos do professor são fundamentais para analisar,

interpretar e interferir nesse contexto e em suas características, para

propor e criar diferentes situações que favoreçam o desenvolvimento

da criança para níveis de simbolização e representação mais

complexos e desenvolvidos”.

Essa forma de agir no universo do jogo e da brincadeira é explicado por

Vygotsky (apud SILVA, 2005, p.133) com base no conceito de “zona de

desenvolvimento proximal”,

[...] o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança.

No brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento

habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo

é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de

uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do

desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo, uma

grande fonte de desenvolvimento.

De acordo com Silva (2005), “a “zona de desenvolvimento proximal”,

conceitua qual o papel do jogo e da brincadeira e sua função na constituição

dos processos psicológicos da criança”. Esses processos são constituídos em

situações mediadas em que a criança deve ser orientada a resolver problemas

compartilhados socialmente em um contexto no qual pelo menos um dos

sujeitos ainda não é capaz de resolver tais problemas de forma autônoma, sem

a ajuda de outros mais experientes.

Podemos afirmar com Vygotsky (apud SILVA, 2005, p.134) que o ensino

se apresenta como adequado quando é proposto e vivenciado como um

desafio, e dele decorrem novas aprendizagens que se adiantam ao

desenvolvimento apresentado, em outras palavras, “o bom ensino é aquele que

se adianta ao desenvolvimento”.

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Segundo Silva (2005), nesse sentido, o conceito de “zona de

desenvolvimento proximal” pode ser analisado de duas formas, na primeira

quando aponta os nexos entre aprendizagem e desenvolvimento sócio-cultural

ancorados e na segunda (de forma implícita) quando confere à escola e ao (a)

professor(a) um papel de destaque como mediador privilegiado os processos

de ensino que geram avanços educacionais ainda não constituídos e que

dificilmente são construídos espontaneamente.

É possível perceber que a criança é responsável pela ação, mas cabe ao

professor o auxílio e a mediação para que a criança consiga compreender suas

ações e assim conseguir ter atitudes autônomas; também cabe ao professor o

papel de coadjuvante nos jogos e brincadeiras da criança, mas ele deve

sempre auxiliar as crianças propondo desafios a essas brincadeiras, e assim

elas passem a compreendê-las, além de auxiliarem com isso no

desenvolvimento das mesmas.

Silva (2005) faz uma proposta para o Ensino Infantil onde trataria com

quatro temas gerais, relacionados a cultura corporal das crianças de Olinda,

onde realizou seu estudo, proposta que segue abaixo:

“1) TEMAS GERAIS:

– Os jogos/as brincadeiras populares;

– As danças;

– A ginástica;

– A capoeira.”

2) “OBJETIVOS:

a) Geral:

Organizar a capacidade de reflexão pedagógica da criança,

com base na vivência e identificação dos conhecimentos da

cultura corporal, tomando por base seu acervo lúdico, seus

valores, suas necessidades e seus interesses.

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b) Específicos:

– Favorecer à criança uma vivência intencional e qualificada do

universo cultural humano, singularizado na cultura corporal;

– reconhecer os conhecimentos já construídos pelo aluno,

ampliando-os com novas experiências;

– contribuir para a construção de noções acerca da

funcionalidade das regras como elaborações que orientam as

relações sociais;

– explorar criticamente a relação entre os valores, atitudes e as

possibilidades de ação da criança;

– propiciar diferentes situações didáticas que favoreçam a

emergência do pensamento imaginativo e do “faz de conta” no

uso diversificado do espaço e dos materiais disponíveis”.

De acordo com Silva (2005), “deve-se observar alguns princípios para a

intervenção pedagógica que sirvam de apoio ao professor no momento de

refletir, selecionar, sistematizar e dosar no espaço–tempo escolar as situações

mais adequadas para organizar a capacidade de reflexão do aluno”. Os

princípios indicados a seguir foram adaptados de Wajskop (apud SILVA, 2005,

p.135-136).

– “Considerar a capacidade e a necessidade da criança de

brincar, imaginando e representando corporalmente papéis

como se fosse um adulto, outra criança, um boneco, um animal,

etc., a fim de que ela possa reconhecer seus conhecimentos e

sua vida valorizados no universo escolar”;

– “organizar situações que permitam à criança utilizar diferentes

objetos, conferindo-lhe diferentes significados simbólicos”;

– “potencializar e problematizar situações com tramas

imaginárias, a fim de que a criança possa funcionar em níveis

de ação que estejam além daqueles que reconhecemos como

já estabilizados”;

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– “sistematizar a reflexão da criança no contexto de ações que

representem interações, sentimentos e conhecimentos

presentes no espaço de vida, no qual imaginação e “faz de

conta” sejam vistos como mediadores no ordenamento do real”;

– “trabalhar com a “construtividade” das práticas da cultura

corporal, respeitando as regras, definições, acordos e/ou

soluções do contexto, ou reconstruí-los sempre dialogicamente

com as crianças”;

– “contextualizar o sentido e o significado das práticas da

cultura corporal como construções sociais e históricas,

balizadas por regras cada vez mais explicitas, estabelecendo

os nexos possíveis com a realidade das crianças”;

– “propor situações desafiadoras dos limites de ação corporal

que provisoriamente sejam demonstrados pelas crianças a fim

de que em um ambiente positivamente estruturado elas sejam

capazes de se reconhecer superando dificuldades, construindo

novas alternativas e possibilidades de ação corporal.”

Para tanto o professor deve estar atento para que as atividades propostas:

– “mobilizem as crianças para níveis mais ampliados de

aprendizagem e desenvolvimento”;

– “valorizem e destaquem o que as crianças já sabem sobre os

temas da cultura corporal”;

– “problematizem as situações trazidas e/ou vivenciadas pelas

crianças, instigando-as a verbalizar o processo de construção”;

– “proponham novas situações, resguardando os nexos entre

elas e outras já vivenciadas”;

– “propiciem momentos de trabalho individual e coletivo com

grandes e pequenos grupos, mesclando mais experientes com

menos experientes (adultos e outras crianças)”;

– “sejam dosadas e sequenciadas, levando-se em

consideração não apenas a idade cronológica, mas o nível de

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desenvolvimento real da criança, constatado pelo que ela já

demonstra em suas ações e disponibilidade corporal”.

Segundo Silva (2005), espera-se que este trabalho possa contribuir para

a qualificação da intervenção pedagógica dos professores de Educação Física

na Educação Infantil, segmento fundamental do processo de formação humana

escolarizada, em que é possível reconhecer que, sobretudo na escola pública,

constrói-se com muito esforço e com limites mas com ricas possibilidades, as

condições para que as crianças tenham seu direito à educação de fato

atendido, fundamentado em uma intervenção pedagógica consistente,

fundamentada e com qualidade politicamente referenciada.

O trabalho de Silva (2005), visa contribuir para com os professores de

Educação Física na Educação Infantil, ao planejar sua intervenção. Para isso é

necessário que primeiro o professor reconheça seu papel e atue sobre as

ações das crianças e, em um segundo momento do trabalho, compreenda a

necessidade de um plano de ensino pensado para a faixa etária da Educação

Infantil (0 a 6 anos), sem que deixe as crianças limitadas ao brincar sem

objetivos definidos. O plano de ensino apresentado pode auxiliar no

desenvolvimento de atividades, além de indicar o lugar do professor nessas

ações, possibilitando que as crianças apropriem-se da cultura corporal na qual

estão inseridas.

Outro artigo relacionado a intervenção é intitulado NARRANDO

EXPERIÊNCIAS COM A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL, de

autoria da professora Eliana Ayoub. Nesse artigo foram narradas experiências

com a Educação Física no ensino infantil por alunos da disciplina de estágio

obrigatório, realizado na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) de

Campinas.

De acordo com Ayoub (2005),

“[...] Refletir sobre a Educação Física na Educação Infantil é

sempre instigante e desafiador, sobretudo quando

consideramos possíveis tensões existentes na presença da

aula de Educação Física em creches e pré-escolas e na

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relação entre as diferentes professoras (generalistas e

especialistas) que atuam nesse contexto. Caracteriza-se como

um tema bastante polêmico, o qual tem gerado inúmeras

discussões que caminham tanto no sentido da defesa da

presença de especialistas no âmbito da educação de crianças

de 0 a 6 anos de idade quanto no sentido inverso”.

Para Ayoub (2005),

“[...] Os principais argumentos a favor da presença de

especialistas vão no sentido da constatação da precária

formação profissional das professoras que atuam na educação

das crianças pequenas. Temas relacionados à área da

Educação Física raramente são estudados nos cursos de

formação de professores, ou, quando são, acabam sendo

abordados equivocadamente de forma reducionista: a

Educação Física é vista como o “momento da brincadeira”

(sinônimo de “parque”) ou como o “momento do corpo”. Grande

parte dos argumentos contra a presença de especialistas nessa

etapa da educação gira em torno da preocupação de

assumirmos já na Educação Infantil um modelo “escolarizante”,

organizado em disciplinas e afinado com uma abordagem

fragmentária de conhecimento que tende a compartimentar a

criança, acentuando ainda mais tais dicotomias”.

Entretanto, segundo Ayoub (2005), “podemos ponderar que a presença

ou a ausência de especialistas em Educação Física, por si só, não garante a

fragmentação ou a integração das ações pedagógicas na Educação Infantil”.

Mesmo sem a figura da/o especialista em creches e pré-escolas observamos

posturas que conduzem à dicotomização e à fragmentação das práticas

educativas. Nesse sentido, Sayão (apud AYOUB, 2005, p.144) afirma que

“[...] A questão não está no fato de vários profissionais atuarem

no currículo da Educação Infantil. O problema está nas

concepções de trabalho pedagógico desses/as profissionais

que, geralmente, fragmentam as funções de uns/as e de

outros/as isolando-se em seus próprios campos”.

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Para Ayoub (2005),

“[...] Nos estágios, os alunos atuam sendo estimulados ao

desafio de construir coletivamente as propostas de trabalho,

considerando os diferentes contextos em que estão inseridos.

Essa construção coletiva intenciona envolver não somente o

próprio grupo de estágio e a turma da prática de ensino, como

também os professores e os alunos das escolas, suas famílias

e a comunidade em geral. Para tanto, buscamos desenvolver

relações de respeito e de troca com as escolas”.

Segundo Ayoub (2005),

“[...] O planejamento pedagógico caracteriza-se um guia de

orientação e como uma projeção daquilo que desejamos

alcançar (projetar possibilidades); é a organização do

conhecimento e das ações no tempo; exige o estabelecimento

de prioridades; precisa ser flexível – ter abertura para a

redefinição das ações, levando em conta os interesses e

experiências das alunas e alunos; deve ser elaborado

considerando o que vai ser ensinado, para quem vai ser

ensinado, porque e para que vai ser ensinado e como vai ser

ensinado; precisa ser pensado na articulação entre os seus

elementos constitutivos: os conhecimentos, os objetivos, os

procedimentos didático-metodológicos e a avaliação do

trabalho desenvolvido em relação aos alunos, à atuação do

professor, à instituição e ao próprio planejamento”.

Ayoub (2005) afirma que

“[...] É muito comum a inexistência de planejamento na área da

Educação Física. Nossos estagiários, quando perguntam aos

professores de Educação Física sobre o planejamento,

raramente têm acesso a ele e percebem que as aulas ficam à

mercê do improviso ou do que os alunos “gostam” de fazer. O

gosto é socialmente construído; gosta-se, em princípio, do que

se conhece”.

De acordo com Ayoub (2005),

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“[...] É com base nos registros do vivido, expressados nos

relatórios de estágio dos alunos da prática de ensino de

Educação Física e estágio supervisionado, que serão

apresentadas algumas experiências com a Educação Física na

Educação Infantil. E foi na abordagem crítico-superadora da

Educação Física, explicitada na obra Metodologia do ensino de

Educação Física (Coletivo de autores, 1992), que os alunos

estagiários encontraram inspiração para o desafio de realizar

propostas que considerassem as crianças como seres

históricos que se constituem nas relações sociais e que

levassem em conta a dimensão sócio-histórica dos

conhecimentos”.

Abaixo seguem os relatos das experiências dos estágios realizados para

a criação desse trabalho.

Segundo Ayoub (2005), “os planejamentos tiveram com eixo central o

ensino de temas da cultura corporal, e o papel dos estagiários/professores

era de mediadores no processo de apropriação do acervo de formas de

representação do mundo pela expressão corporal como linguagem”.

Foram relatados os trabalhos de 4 grupos, que ao ver da autora foram as

mais significativas, estas abordaram os seguintes temas:

Grupo 1) Jogos indígenas e a relação com o Brasil - Índios, Brancos e

Negros. O tema surgiu aproveitando da sugestão de uma das professoras,

que estava trabalhando o “Dia do Índio”.

Grupo 2) Jogos e construção de brinquedos. O tema buscava discutir

com os alunos a ideia de que o jogo existe há muito tempo como atividade

humana, em todos os lugares do mundo, em enorme quantidade e

variedade, pois cada região elabora seus jogos de acordo com sua cultura.

Grupo 3) Toque/massagem – Corpo como forma de linguagem. Esse

tema surgiu procurando identificar as formas, texturas, consistência,

tamanhos e sensações ao massagearem os membros inferiores, além de

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construírem com as crianças o conceito de corpo como forma de linguagem,

pois o corpo “fala”.

Grupo 4) Âmbito da Ginástica – Esse tema também foi intitulado

“Brincando de soldado: a missão”, com a ideia de abordar-se a história da

ginástica com base nos métodos ginásticos, focalizando os princípios da

ordem e da disciplina necessárias para a formação do cidadão que deveria

defender o seu país na guerra e na indústria.

Para finalizar, Ayoub (2005) afirma que, dentre os inúmeros relatos de

alunos, ela destaca trechos de relatórios de estágios, os quais revelam que é

possível pensarmos ações no âmbito da Educação Infantil diferentes das

abordagens predominantes na área da Educação Física. Segundo os alunos

Pinto e Carmona (apud AYOUB, 2005, p.155-156),

“[...] Tendo em vista a abordagem de Educação Física que

escolhemos para nortear nosso trabalho, acreditamos que o

estágio proporcionou muitas experiências e conquistas. O

estágio nos propiciou aprender a planejar aulas seguindo um

eixo; a refletir sobre estas com o intuito de aperfeiçoá-las; a

estabelecer uma linguagem com os alunos que nos permitiu

refletir junto com eles sobre os conteúdos e estabelecer uma

relação tanto com as professoras de sala de aula quanto com a

coordenação e funcionários da escola. Acreditamos que é

possível realizarmos um trabalho norteado pelo eixo que trata a

Educação Física como uma área que estuda os temas da

cultura corporal (luta, ginástica, dança, esporte e jogo) como

forma de conhecimento e linguagem.

Temos consciência de que todas essas conquistas ao longo do

estágio foram facilitadas pela escola na qual estávamos

atuando, que possui um ótimo espaço físico, materiais e

professoras que valorizam e se interessam pela Educação

Física.

Acreditamos que esse ano foi muito válido para nós. Apesar de

estarmos atuando com um grupo que não é muito contemplado

pela Educação Física, conseguimos fazer um trabalho que

fugiu da já conhecida psicomotricidade e da tão abordada

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recreação. Verificamos que foi possível a construção

juntamente com as crianças do conhecimento da vasta

Educação Física de maneira que a mesmas conseguiram

aprender e, com toda certeza, isso somou para a formação

pessoal deles. Verificamos também que um bom trabalho é

possível de se realizar em um espaço público, seja ele no

Ensino Infantil, que foi o nosso caso, mas também em outros

níveis de ensino. Para isto, consideramos que é imprescindível

a existência de um projeto e de um trabalho em conjunto, que

envolvam todos os profissionais da escola, os pais e a

comunidade em geral tendo nesta inter-relação a seriedade e o

respeito por todos”.

As ideias de temas dos grupos são sugestões para professores que se

afastam dos referenciais da psicomotricidade e da recreação ao atuar com

crianças de 0-6 anos. Nesse trabalho, os alunos do estágio indicam que é

possível fazer planejamentos orientados pelo referencial da cultura corporal,

que pode nortear professores, especialistas ou generalistas, em sua ação na

Educação Infantil.

Os relatos demonstram a satisfação dos alunos na conclusão do projeto,

os grupos conseguiram atingir o objetivo de trabalhar a cultura corporal, além

de integrarem o trabalho da escola, professores e comunidade com a

Educação Física. O que leva a refletir sobre a ausência das questões negativas

no relato, ou não houveram pontos negativos? Apenas uma versão positiva é

relatada, e isso não é a realidade vivenciada, uma vez que sempre teremos em

aulas, momentos ou pontos negativos.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança passou por uma fase em que era um ser “sem voz” e “sem

vontades”, e o conceito de infância refletia a alguém excluído. A partir de um

certo momento, a criança passou a ser um sujeito com necessidades

diferenciadas e elas passaram a ser levadas em conta. A educação da infância

passou a ser objeto de preocupação, primeiro preparando para o trabalho e

depois como preparação para a fase adulta, porém hoje a educação das

crianças é objeto de estudo e de preocupação em todas as classes.

Na área da Educação Física, todos os artigos fizeram críticas ao seu

ensino baseado na psicomotricidade. Também consideram que na Educação

Infantil não é apropriada a especialização e/ou escolarização precoce. De outro

modo, consideram pertinente ancorar o ensino de Educação Física nas

perspectivas da Cultura Corporal e na psicologia Vygostskyana.

Conforme observado na literatura consultada, o professor generalista

não possui conhecimentos específicos adequados para o desenvolvimento da

Cultura Corporal e da formação necessária para crianças de 0 a 6 anos.

Embora a legislação não exija a presença de profissional especialista ou

especializado, vê-se a necessidade do mesmo na Educação Infantil, sem que

haja uma escolarização ou especialização precoce.

Alguns autores apresentaram sugestões para organizar a intervenção de

professores, tanto de Educação Física como de generalistas, na Educação

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Infantil. Tais sugestões estão mais próximas da perspectiva da Cultura Corporal

de Movimento.

O professor, generalista ou especialista, tem na escola o papel de

mediador de conhecimentos, de auxiliador no desenvolvimento da identidade e

da autonomia da criança, e a Educação Infantil de forma integrada, tem como

papel principal observar e atender as necessidades das crianças de 0 a 6 anos.

Os artigos presentes neste trabalho, tem data de publicação máxima no

ano de 2013, porém a elaboração do trabalho foi anterior. Por isso ainda tratam

a Educação Infantil de 0-6 anos, fato alterado em 2012, quando a Educação

Fundamental passou a ter 9 anos, sendo a inserção na escola com 6 anos.

Para mim fazer esse trabalho, possibilitou conhecer e compreender

melhor a infância, além de solucionar aflições presentes quanto à Educação

Infantil e as possibilidades nos ensinos para essa faixa etária.

REFERÊNCIAS

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OLIVEIRA, Nara Rejane. Concepção de Infância na Educação Física Brasileira: primeiras aproximações. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 26, n. 3, p. 95-109, 2005. Disponível em:<http://rbceonline.org.br/revista/index.php/RBCE> Acesso em: 24 set. 2013.

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