uma breve introduÇÃo À filosofia- nagel - parte 1

Upload: feppoutlook

Post on 29-Oct-2015

1.691 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Uma breve introduo filosofia

    Thomas Nagel

    TraduoSILVANA VlElRA

    Martins FontesSo Paulo 2007

  • This transknion of WI-IAT DOES IT ALL MEAN? originolly published;11ElIglish in 1987. is pubtished hy arrangement with Oxford Universitv Press. lnc.

    Esta traduo de WHAT DOES rr ALL MEAN? pubicada originalmente('til ingls em 1987. est sendo pnblicada por acordo com Oxford Universitv Press. lnc.

    Copytight 1987 hy Thomas Noget.Cooyrtgtn 2001, Livraria Marfins Fomes Editora LIda ..

    So Paulo. para o presente edio.

    11 edio 200121 edio 2007

    TraduoSILVANA VI EIRA

    Reviso da traduo

    Luzia Apon'do dos SantosRevises grficl.ls

    Sanara Regina de SOIl:atvete Batista dos Sal/tos

    Dinarte Zorzanelti da SilvaProduo grfic:1Gera/do Atves

    l'aginao/FololilosStndio 3 Desenvolvimento Editorat

    Dados Intcrnacionas de Cnlalogao na Publicao (Crp)(Cmara Brasileira do Livro, SI', Brasil)

    Nngel, ThomasUma breve introduo filosofia I Thomas ugcl : traduo

    Silvnna Vicira ; [reviso da traduo Luzia Aparecida dos Santos].- 2i! cd. - So Paulo: Manins Fontes, 2007.

    Ttulo original: What does it ali mcan?ISBN 978-85-3362372-9

    I. Filosofia I. Ttulo.

    07-3194 CDD-IOOndices para catlogo sistemtico:

    1. Filosofia 100

    Todos os direitos desta edio reservados Livraria Martins FOII/es Editora Lida.

    RI/a Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 So Paulo SP BrasilTel. (" )3241.3677 Fax (") 3/05.6993

    e-mail: ill[[email protected] Iff(p://www.martill.\fonlesedilora.com

  • ndice

    t Introduo........................................................ 12. Como sabemos alguma coisa? 7. Outras mentes.................................................. 19

    4. O problema mente-corpo 275. O significado das palavras 39. Livre-arbtrio..................................................... 49

    7. Certo e errado.................................................. 638. Justia 819. Morte \,...................... 9310. O significado da vida :............................ 101

  • 1Introduo

    Este livro uma breve introduo filosofiapara aqueles que no conhecem nada sobre o as-sunto. Geralmente, s se estuda filosofia quandose chega faculdade, e por isso suponho que amaioria dos leitores deste livro ou esto em idadede cursar a faculdade ou so pessoas mais ve-lhas. Mas isso nada tem a ver com a natureza dotema, e ficaria muito satisfeito ,se o livro desper-tasse o interesse tambm de alunos inteligentesdo ensino mdio que apreciam idias abstratase argumentos tericos - se algum deles chegara l-lo.

    Nossa ca acidade analtica geralmente j se en-contra bastante desenvolvi a antes mesmo quetenhamos aprendido muita coisa sobre o mundo, .e por volta dos catorze anos muitos jovens co-meam a refletir sobre questes filosficas por siss - sobre o que realmente existe, se podemoschegar a saber alguma coisa, se existe algo queseja realmente certo ou errado', se a vida tem al-

    1

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    gum significado, se a morte o fim de tudo. Mui-to se escreveu sobre essas questes ao longo des-ses milhares de anos, mas a matria-prima filo-sfica nos fornecida diretamente pelo mundoe por nossa relao com ele, no pelos escritosdo passado. por isso que esses temas surgemrepetidas vezes na cabea de pessoas que' nuncaleram nada a respeito deles.

    Esta uma introduo direta a nove proble-mas filosficos, cada um dos quais pode ser en-tendido por si mesmo, sem referncia histriado pensamento. No discutirei aqui os grandestratados filosficos do passado, nem o contextocultural em que foram escritos. O cerne da filo~sofia reside em certas indagaes que a reflexivamente humana considera naturalmente intrigan-tes, e a melhor forma de iniciar o estudo da filo-sofia pensar sobre elas diretamente. Feito sso.;voc estar mais bem preparado para apreciar otrabalho de outras pessoas que tentaram resolveros mesmos problemas.

    A filosofia diferente da cincia e da mate-mtica. Ao contrrio da cincia, ela no se apiaem experimentos ou na observao, mas apenasna reflexo. E, ao contrrio da matemtica, nodispe de nenhum mtodo formal de verificao.Ela se faz pela simples indagao e argio, en-saiando idias e imaginando possveis argumen-tos contra elas, perguntando-nos at que pontonossos conceitos de fato funcionam.

    2

  • I TRODUO

    r A principal ocupao da filosofia questio-nar e entender idias muito comuns que todosns usamos no dia-a-dia sem nem sequer refletirsobre elas. O historiador perguntar o que acon-teceu em determinado tempo do passado, en-quanto o filsofo indagar: "O que o tempo?"O matemtico investigar as relaes entre osnmeros, ao passo que o filsofo perguntar: "O

    ~ que um nmero?" O fsico desejar saber de queso feitos os tomos, ou como se explica a gra-vidade, mas o filsofo indagar como podemossaber se existe alguma coisa fora da nossa men-te. O psiclogo talvez pesquise como a crianaaprende a linguagem, mas a indagao do fil-sofo ser: "O que d sentido a uma palavra?" Al-gum pode perguntar se certo entrar sorratei-ramente no cinema e assistir ao filme sem pagar,mas o filsofo perguntar: "O, que faz com queuma ao seja certa ou errada?"\... No iramos muito longe se no tivssemoscomo certas as idias de tempo, nmero, conhe-cimento, linguagem, certo e errado a maior par-te do tempo; mas na filosofia investigamos essascoisas em si. O objetivo aprofundar um poucomais nossa compreenso do mundo e de ns mes-mos. Obviamente, no uma tarefa fcil. Quan-to mais bsicas as idias que tentamos investi-gar, menos so os instrumentos de que dispomospara nos ajudar. No h muita coisa que possa-mos dar por certa ou garantida. Assim, a filoso-

    3

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    fia uma atividade um tanto vertiginosa, e pou-cos de seus resultados permanecem incontesta-dos por muito tempo.

    Como acredito que a melhor forma de apren-der filosofia refletir sobre questes particulares,no direi mais nada sobre sua natureza geral. Osnove problemas que vamos examinar so osseguintes:

    o conhecimento do mundo alm da nossa menteO conhecimento de outras mentes alm da nossaA relao entre mente e crebroComo a linguagem 'possvelSe temos livre-arbtrioO fundamento da mora IQue desigualdades so injustasA natureza da morteO significado da vida

    4

    Trata-se apenas de uma seleo, pois h mui-tas outras questes em filosofia.

    ( O que eu disser aqui ser reflexo da minhaprpria viso acerca desses problemas e no re-presentar, necessariamente, o pensamento damaiOria dos filsofos. Seja como for, no h nada,provavelmente, que seja compartilhado pela maio-ria dos filsofos ao refletirem sobres essas ques-tes: os filsofos divergem, e h mais de dois la-dos para cada questo filosfica. Minha opiniopessoal que a maior parte desses problemas

  • INTRODUO

    n foi resolvida, e alguns deles talvez jamais o~ .jarn. Mas o objetivo aqui no fornecer res-P tas - nem mesmo respostas que eu possa, nsiderar corretas - mas apresentar os proble-ma de maneira bastante preliminar, para quev c possa ocupar-se deles por si s. Antes de,Iprender muitas teorias filosficas, melhor en-r dar-se nas questes filosficas a que essas teo-rias buscam responder. E a melhor forma de fa-z -10 examinar algumas solues possveis ev r o que h de errado com elas. Tentarei deixara questes em aberto, mas, ainda que eu diga oue penso, voc no tem por que acreditar em

    mim, a menos que considere meu argumentoonvincent~

    Existem muitos textos introdutrios excelen-L s, que incluem coletneas dos grandes filso-r s do passado e de escritos mais recentes. Estelivro conciso no substitui essa abordagem, masspero que propicie um primeiro contato com oassunto que seja to claro e direto quanto poss-vel. Se, depois de sua leitura, voc resolver apro-fundar-se um pouco mais, ver que h muitomais a dizer sobre esses problemas do que foidito aqui.

    5

  • 2Como sabemosalguma coisa?

    Se voc pensar bem, ver que o interior da suamente a nica coisa da qual pode ter certeza.

    Qualquer coisa em que voc acredite - sejaa respeito do Sol, da Lua, das estrelas, da casa eda vizinhana em que voc vive, seja sobre his-t' ria, cincia, outros povos, at sobre a existn-ia de seu prprio corpo - est baseada em suasxperincias e pensamentos, sentimentos e im-presses sensoriais. Essas so as nicas evidnciasm que voc pode se basear diretamente, seja aov r o livro em suas mos, ao sentir o cho sobs us ps, ou ao lembrar que George Washingtonfoi o primeiro presidente dos Estados Unidos,u que a gua HzO. Todo o resto est maislistante de voc do que suas experincias inter-nas e seus pensamentos, e somente chega a vocatravs deles.

    Geralmente voc no duvida da existncia10 cho sob seus ps, ou da rvore que v pelajanela, ou dos seus dentes. Na verdade, na maior

    7

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    parte das vezes voc nem sequer pensa nos es-tados de esprito que o fazem perceber essas coi-sas: parece que voc as percebe diretamente. Mascomo sabe que elas realmente existem?

    Se tentar argumentar que deve existir ummundo fsico externo, porque, se no houvessecoisas l fora que refletissem ou difundissem luznos seus olhos, produzindo suas experincias vi-suais, voc no poderia ver os edifcios, as pes-soas ou as estrelas, a resposta bvia: Como sa-be dissci apenas mais uma afirmao sobre omundo externo e sua relao com ele, e precisaestar baseada nas evidncias dos seus sentidos.Mas voc s poder confiar nessas evidnciasespecificas sobre como seproduzem as experin-cias visuais se j puder confiar, de maneira ge-ral, no contedo da sua mente para lhe dizercomo o mundo externo. E exatamente issoque est em questo. Se tentar provar a credibili-dade das suas impresses recorrendo a suas im-presses, estar argumentando em crculo e nochegar a lugar algum.

    Ser que as coisas lhe pareceriam diferentesse, de fato, todas elas existissem apenas na suamente - se tudo o que voc julgasse ser o mun-do externo real fosse apenas um sonho ou aluci-nao gigante, de que voc jamais fosse desper-tar? Se assim fosse, ento claro que voc nuncapoderia despertar, como faz quando sonha, poissignificaria que no h mundo "real" no qual des-

    8

  • COMO SABEMOS ALGUMA COISA'

    p rtar. Logo, no seria exatamente igual a um so-nho ou alucinao normal. Costumamos pensarn sonhos como algo que acontece na menteIa pessoas quando elas esto deitadas numa'ama real, numa casa real, mesmo que no sonho.stejam fugindo de um cortador de grama assas-xin pelas ruas de Kansas City. Tambm pressu-I mos que os sonhos normais tm a ver com oILI est acontecendo no crebro do sonhador-nquanto ele dorme.

    Mas ser que todas as nossas experinciasn poderiam ser um sonho gigante, sem ne-uburn mundo fora dele? Como voc pode saberIu no assim? Se todas as suas experinciasr s m um sonho e no houvesse nada do ladoI ' fora, ento qualquer evidncia que voc ten-Ias utilizar para provar a si mesmo que h ummundo externo apenas faria parte do sonho. Seo ,A batesse na mesa ou se beliscasse, ouviria a

    batida e sentiria o belisco, mas isso seria ape-nas mais uma coisa acontecendo dentro da sua111 .nt , como tudo o mais. No adianta: se vocqu 'r descobrir se o que h dentro da sua mentes -rv de guia para o que est fora dela, no pode,Ij oiar-se no que as coisas parecem ser - a partirdo int rior da sua mente - para obter uma res-posta.

    Mas onde mais se apoiar? Todas as evidn-('i:ls acerca de qualquer coisa tm de vir atravs(l.I sua mente - seja na forma de percepo, seja

    9

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    como testemunhos de livros e de outras pessoas,seja como memria -, e tudo aquilo de que voctem cincia inteiramente compatvel com a idiade que no existe absolutamente nada que noseja o interior da sua mente.

    possvel at que voc no tenha corpo nemcrebro - j que suas crenas sobre isso vm daevidncia fornecida pelos seus sentidos. Vocnunca viu seu crebro - simplesmente admite quetodos tm um crebro -, mas, ainda que o tenhavisto, ou pense que o viu, seria apenas mais umaexperincia visual. Talvez voc, o sujeito da ex-perincia, seja a nica coisa que existe, e no hajaabsolutamente nenhum mundo fsico - nem es-trelas, nem Terra, nem corpos humanos. Talveznem mesmo o espao exista.

    A concluso mais radical que se poderia tirardisso tudo que sua mente a nica coisa queexiste. Essa viso chamada de solipsismo. umaviso muito solitria, e poucas pessoas a susten-tam. Como voc pode perceber por esse comen-trio, nem mesmo eu a sustento. Se eu fosse umsolipsista, provavelmente no escreveria este li-vro, pois no acreditaria que houvesse outra pes-soa para I-lo. Por outro lado, talvez o escrevessepara tornar minha vida interior mais interessan-te, ao incluir a impresso de ter o livro publica-do, de haver outras pessoas que poderiam l-loe contar-me suas reaes, e assim por diante. Setivesse sorte, poderia at ter a impresso de re-ceber direitos autorais.

    10

  • COMO SABEMOS AlGUMA COISA?

    Talvez voc seja um solipsista: nesse caso,I .n ar que este livro produto de sua prpriam nte, ganhando existncia em sua experincia; medida que voc o l. bvio que nada do[u eu disser poder provar-lhe que eu real-

    111 nte existo, ou que o livro, como objeto fsi-, ,existe.

    Por outro lado, concluir que voc a nic;'o.oisa que existe est alm do que a evidnciaI de comprovar. Voc no pode saber, com basen que se passa dentro da sua mente, que no, iste nenhum mundo fora dela. Talvez a con-'lu o correta seja a mais modesta, a de que vocn10 conhece nada alm de suas impresses e, p rincias. Pode existir ou no um mundo ex-l 'mo, e, se existe, ele pode ser ou no comple-tamente diferente do que lhe parece - voc noI m como saber. Essa viso denominada ceti-

    -/.ismo acerca do mundo externo. possvel uma forma ainda mais acentuada

    I ceticismo. Argumentos similares parecem de-m nstrar que voc no sabe nada nem mesmoa' rca de sua prpria existncia ou experinciaI assada, uma vez que tudo em que voc podese apoiar so os contedos presentes na sua111 mte, incluindo as impresses da memria. Senao pode ter certeza de que o mundo fora da sua111 ente existe agora, como pode ter certeza de quevo ' mesmo existia antes? Como sabe que nopassou a existir alguns minutos atrs, j comple-

    11

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    to, com todas as suas memrias presentes? A ni-ca evidncia de que voc no poderia ter come-ado a existir h alguns minutos baseia-se emcrenas sobre como as pessoas e suas memriasso produzidas, o que, por sua vez, baseia-se emcrenas sobre o que aconteceu no passado. Masapoiar-se nessas crenas para provar que vocexistia no passado seria, mais uma vez, argumen-tar em crculo. Seria pressupor a realidade do pas-sado para provar a realidade do passado.

    Parece que voc no consegue livrar-se dofato de que no pode ter certeza de nada, a noser dos contedos d sua prpria mente no mo-mento presente. E parece que qualquer argumen-to que voc tente usar para sair desse impasseir falhar, pois o argumento ter de pressupor oque voc est tentando provar ~ a existncia domundo externo sua mente ..

    Suponha, por exemplo, que voc argumenteque deve haver um mundo externo, porque impossvel acreditar que voc tenha todas essasexperincias sem que haja alguma explicaoem termos de causas externas. O ctico poderesponder a isso de duas formas. Primeiro, mes-mo que existam causas externas, como voc podesaber, pelo contedo da sua experincia, quecausas so essas? Voc nunca observou nenhu-ma delas diretamente. Segundo, em que se ba-seia sua idia de que deve haver uma explicaopara tudo? verdade que, em sua concepo no r-

    12

  • COMO SABEMOS ALGUMA COISA?

    mal e no filosfica do mundo, processos coms que se desenrolam em sua mente so ocasio-

    nados, pelo menos em parte, por coisas exter-nas. Mas voc no pode pressupor que isso seja

    rdade, se o que est tentando descobrir , mo sabe alguma coisa sobre o mundo fora daS I mente. No h como provar tal princpio sim-I 1 smente examinando o que vai dentro da sua111 nte. Por mais plausvel que o princpio possaparecer, que razes voc tem para acreditar que'I se aplica ao mundo?

    A cincia tambm no nos ajudar a resolvere problema, ao contrrio do que pode pare-r. No pensamento cientfico usual, confiamosm princpios gerais de explicao para passar-mos da maneira como o mundo nos parece pri-111 ira vista para uma concepo diferente sobreaquilo que ele realmente . Tentamos explicara aparncias em termos de-urna teoria que des-reva a realidade por trs delas, uma realidadeque no podemos observar diretamente. assimque a fsica e a qumica concluem que todas as. isas que vemos nossa volta so compostasde tomos invisivelmente pequenos. Poderamosargumentar que a crena geral no mundo exter-no tem o mesmo tipo de respaldo cientfico quea crena nos tomos?

    O ctico responderia que o processo do ra-ciocnio cientfico levanta o mesmo problema c-tico que estivemos examinando desde o incio: a

    13

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    cincia to vulnervel quanto a percepo. Co-mo saber que o mundo fora de nossas mentescorresponde a nossas idias do que seria umaboa explicao terica para nossas observaes?"'Se no podemos estabelecer a confiabilidade denossas experincias sensoriais em relao ao mun-do externo, tambm no h razo para pensarmosaue podemos confiar em nossas teorias cientficas.

    H uma outra resposta, muito diferente, parao problema. Alguns diriam que esse tipo de ceti-cismo radical que mencionei no faz sentido,pois a idia de uma realidade externa que nin-gum nunca pudesse descobrir no faz sentido.Argumenta-se queo sonho, por exemplo, tem deser algo do qual voc possa acordar para desco-brir que esteve dormindo; uma alucinao temde ser algo que os outros (ou voc, mais tarde)'possam ver que no est ali de fatorAs impres-ses e aparncias que no correspondem rea-lidade tm de ser comparadas com outras quecorrespondam de fato realidade; do contrrio,a distino entre aparncia e realidade no fazsentido j,

    Segundo esse ponto de vista, a idia de umsonho do qual nunca se pode acordar no , emabsoluto, a idia de sonho: a idia de realida-de - o mundo real em que se vive. Nossa idiaacerca das coisas que existem simplesmentenossa idia do que podemos observar. (Essa vi-so chamada, s vezes, de verificacionismo.)

    14

  • COMO SABEMOS ALGUMA COISA?

    AI umas vezes, nossas observaes so equivo-'adas, mas isso significa que podem ser corrigi-Ias por outras observaes - como acontece[uando voc desperta de um sonho ou descobrelue o que pensava ser uma cobra era apenasuma sombra na relva. Contudo, se no houveralguma possibilidade de existir uma viso corre-ta (sua ou de outra pessoa) acerca de como as

    isas so, no far sentido a idia de que suasimpresses do mundo no so verdadeiras.

    Se isso est certo, ento o ctico se ilude aoimaginar que a nica coisa que existe sua pr-pria mente. Ele se ilude porque no poderia serverdade que o mundo fsico realmente no exis-te, a menos que algum pudesse observar queno existe. E o que o ctico tenta imaginar pre-cisamente que no h ningum para observar issoou qualquer outra coisa - exceto, claro, o pr-prio ctico, e tudo o que ele pode observar ointerior de sua prpria mente. Assim, o solipsismono faz sentido. Ele tenta subtrair o mundo ex-terno da totalidade das minhas impresses; masfracassa, porque, se o mundo externo suprimido,elas deixam de ser meras impresses para tor-nar-se, em vez disso, percepes da realidade.

    fEsse argumento contra o solipsismo e o ceti-cismo tem alguma serventia? No, a menos quea realidade possa ser definida como aquilo quepodemos observar. Mas seremos mesmo incapa-zes de entender a idia de um mundo real, ou

    15

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    um fato acerca da realidade, que no pode serobservado por ningum, humano ou no?

    O ctico dir que, se existe um mundo ex-terno, as coisas nele so observveis porque exis-tem, e no o contrrio: existncia no o mes-mo que observabilidade. E, embora nossa idiasobre sonhos e alucinaes se baseie em situa-es nas quais julgamos poder observar o con-traste entre as nossas experincias e a realidade,temos a impresso de que a mesma idia podeestender-se a situaes nas quais a realidade no observ vel.

    Se assim, no parece ento absurdo pensarque o mundo pode consistir apenas no interiorda sua mente, ainda que nem voc nem ningumpossa descobrir se isso verdade. E, se isso no absurdo, mas uma possibilidade a ser conside-rada, parece que no existe maneira de provarque ela falsa sem argumentar em crculo. Por-tanto, talvez no haja como escapar da priso desua mente. Isso o que se chama, s vezes, dedilema egocntrico.r Dito tudo isso, no entanto, tenho de admitirque praticamente impossvel levar a srio a idiade que todas as coisas que vemos no mundo nossa volta na realidade podem no existir. Nos-sa aceitao do mundo externo instintiva e po-derosa: argumentaes filosficas no bastampara livrar-nos dela. No apenas continuamos aagir como se as outras pessoas e coisas existis-

    16

  • COMO SABEMOS ALGUMA COISA?

    ,', -m. acreditamos que existem mesmo depois deI 'I'In aceitado argumentos que paream mos-I I.r r ue no temos razo para sustentar tal cren-.r. No mbito do nosso sistema geral de crenas

    .'l( lhr o mundo, podemos ter razes para susten-1.1 r .r nas mais particulares sobre a existncia(I . , isas particulares, como um rato numa testaII ' l, por exemplo. Mas isso outra coi-sa. TalI r 'r a pressupe a existncia do mundo externo.)

    uma crena no mundo fora de nossas111 -nt s se apresenta a ns de maneira to natu-.r, ri, talvez no necessitemos de razes para sus-'I '111ft-Ia.Podemos simplesmente aceit-Ia e es-I 'ra r que estejamos certos. isso que a maioriad,IS p ssoas faz, na verdade, depois que desis-11'1ll I tentar prov-Ia: embora no possam oporI.IZ(' ao ceticismo, tambm no conseguem. 'il'-JO. Isso quer dizer, porm, que nos agarra-111( >s nossas crenas habituais sobre o mundo,I (I .speito do fato de que (a) elas podem ser to-r.rlm .nte falsas, e (b) no temos fundamento1>,1 r;r lescartar essa possibilidade.

    I~estam-nos, portanto, trs questes:

    I. Existe uma possibilidade significativa deque o interior da sua mente seja a nica coi-sa que existe? Ou, mesmo que exista ummundo fora da sua mente, que ele sejacompletamente diferente daquilo em quevoc acredita?

    17

  • UMA BREVE INTRODUO FILOSOFIA

    2. Se essas coisas so possveis, h algumamaneira de provar para voc mesmo queelas no so, de fato, verdadeiras?

    3. Se voc no pode provar que existe algu-ma coisa fora da sua mente, certo conti-nuar acreditando no mundo externo, mes-mo assim?

    18