universidade do vale do itajaÍsiaibib01.univali.br/pdf/josiani della giustina.pdfverifica-se a...
TRANSCRIPT
0
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
JOSIANI DELLA GIUSTINA
RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES
Biguaçu
2009
1
JOSIANI DELLA GIUSTINA
RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. MSc. Ivori Luis da Silva
Scheffer
Biguaçu 2009
2
JOSIANI DELLA GIUSTINA
RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Processual Penal
Biguaçu, 17 de junho de 2009.
Prof. MSc. Ivori Luis da Silva Scheffer UNIVALI – Campus de Biguaçu
Orientador
Prof. MSc. Alessandra de Souza Trajano
UNIVALI – Campus de Biguaçu Membro
Prof. MSc. Eunice Anisete de Souza Trajano UNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro
4
AGRADECIMENTOS
A minha família que possibilitou com que atingisse a conclusão desse curso
de Direito.
A todos os docentes que contribuíram com seus conhecimentos jurídicos, e,
especialmente, ao Professor Orientador Ivori Luis da Silva Scheffer.
Aos colegas acadêmicos de Direito que me incentivaram na confecção deste
trabalho.
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 17 de junho de 2009.
Josiani Della Giustina
6
RESUMO
A presente Monografia tem como propósito estudar em que situações o Estado pode
ser responsabilizado pela decretação ou manutenção das prisões cautelares. Sob
esse prisma, conceitua responsabilidade, distinguindo responsabilidade civil da
penal, após restringe-se a responsabilidade do Estado. Nesse âmbito, considera a
evolução da responsabilidade com suas fases, os tipos de responsabilidades
existentes no ordenamento jurídico brasileiro, para enfim, tratar da responsabilidade
do Estado por atos relacionados às prisões processuais. Referidos atos, geralmente,
são praticados pelo Poder Judiciário. Distinguem-se as espécies de atos judiciais em
atos jurisdicionais e atos judiciários. Após, estuda-se a responsabilidade do Estado
por atos jurisdicionais, como os atos dolosos e o erro judiciário, e consideram-se os
fundamentos das teorias da irresponsabilidade e da responsabilidade por ato
jurisdicional. Para determinar se uma prisão processual acarreta ou não indenização
não só devem estar presentes os elementos de uma responsabilidade, mas também
o desrespeito aos princípios, pressupostos ou fundamentos das prisões cautelares,
sendo, então, esses abordados. As prisões processuais possuem princípios gerais
que devem ser respeitados, e regras especiais a cada espécie de prisão provisória.
Portanto, consideram-se as modalidades de prisões processuais com suas
peculiaridades. Estudam-se as ações, o dano, o nexo causal que possam acarretar
a responsabilidade do Estado por prisões cautelares, seus fundamentos e
excludentes. Para enfim, determinar os casos possíveis de responsabilidade do
Estado. Então, estuda-se quando ocorre responsabilidade por prisões decretadas
por autoridade incompetente, prisão sem fundamentação ou prisão sem os
requisitos da lei, prisão de homônimo, prisão além do tempo, prisão por mandado já
revogado, prisão sem que ocorra a instauração de ação penal, prisão com sentença
absolutória ao final.
Palavra-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Prisões Cautelares.
7
ABSTRACT
The present Monograph aims is in studying in which situations the State can be
made responsible by the decree or maintenance of the action for precautionary
arrests. Under this prism, we define responsibility, we distingue civil liability from the
criminal one, after we restrict us responsibility of the State. In this scope, we consider
the evolution of the responsibility and its phases, the types of existing responsibilities
in the Brazilian legal system, and lastly, we assess responsibility of the State in the
acts related to the precautionary arrests. Related acts, usually, they are practiced by
the Judiciary Power. We distingue judicial species of acts in jurisdictional acts and
judiciary acts. After, we study responsibility of the State for jurisdictional acts, as the
wilful torts and the judiciary error, and we consider the foundations of the theories of
the irresponsibility and the responsibility for jurisdictional act. In order to know if a
precautionary arrest is a reason for damages the elements of responsibility should
not only be present, but also the disrespect to principles, precepts or foundations of
the action for a precautionary arrest, being them, mentioned. Precautionary arrest
has general principles, they must be respected, and rules special to each species of
precautionary arrest. Therefore, we considerer the modalities of precautionary arrests
and its peculiarities. We study actions, damage and causal nexus that can cause
responsibility of the State for action for precautionary arrests, its foundations and its
exculpatories. Finally, we determine possible cases of responsibility of the State,
such as, arrest decreed by incompetent authority, arrest without legal back up or the
requirements of the law, arrest of homonym, arrest past due time, arrest by revoked
warrant, arrest with the filing of a lawsuit, arrest with acquittal at the end.
Keyword: Civil liability of the State. Precautionary arrests.
8
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CC/2002 – Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002)
CPC – Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1973)
CP – Código Penal (Decreto – Lei 2.848, de 7 de Dezembro de 1940)
CPP – Código de Processo Penal (Decreto – Lei 3.689, de 3 de Outubro de 1941)
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina
TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ......................................................... 15
1.1 CONCEITO ........................................................................................................... 15
1.1.1 Responsabilidade .........................................................................................15
1.1.2 Responsabilidade Civil ..................................................................................16
1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado ..................................................................18
1.2 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO..................... 20
1.2.1 Fase da irresponsabilidade ...........................................................................21
1.2.2 Fase civilista ................................................................................................24
1.2.3 Fase publicista .............................................................................................26
1.2.4 Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro depois da República Federativa
do Brasil de 1988 ........................................................................................................29
1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE.......................................................................... 33
1.3.1 Responsabilidade subjetiva ..........................................................................33
1.3.2 Responsabilidade objetiva ............................................................................35
1.3.2.1 Elementos ...............................................................................................39
1.3.2.1.1 Da ação ..............................................................................................39
1.3.2.2 Do dano .................................................................................................41
1.3.2.3 Do nexo de causalidade ..........................................................................44
1.3.2.4 Excludentes ...........................................................................................45
1.3.2.4.1 Culpa da vítima ...................................................................................45
1.3.2.4.2 Força maior e caso fortuito .................................................................46
1.3.2.4.3 Culpa de terceiro ................................................................................47
1.3.2.4.4 Estado de necessidade ........................................................................48
1.4 RESPONSABILIDADE NOS ATOS JURISDICIONAIS .................................................... 50
1.4.1 Atos praticados pelo poder judiciário ............................................................50
1.4.2 Atos judiciais dolosos ...................................................................................51
1.4.3 Erro judiciário ..............................................................................................52
1.4.4 Teoria da irresponsabilidade ........................................................................55
10
1.4.5 Teoria da responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais .......................56
2 PRISÃO CAUTELAR .......................................................................................... 60
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS PRISÕES CAUTELARES .............. 60
2.1.1 Da dignidade da pessoa humana ..................................................................60
2.1.2 Do estado de inocência – não culpabilidade ..................................................62
2.1.3 Direito à liberdade .......................................................................................68
2.1.4 Da obrigatoriedade da persecução penal .......................................................71
2.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE PRISÃO ............................................................... 75
2.2.1 Prisão pena .................................................................................................77
2.2.2 Prisão processual .........................................................................................79
2.2.2.1 Conceito e finalidade ...............................................................................79
2.2.2.2 Pressupostos e princípios que devem ser respeitados na decretação da prisão
cautelar ..................................................................................................................82
2.3 ESPÉCIES DE PRISAO PROVISÓRIA ........................................................................ 86
2.3.1 Prisão preventiva .........................................................................................86
2.3.1.1 Disposições gerais ...................................................................................86
2.3.1.2 Pressupostos e fundamentos ...................................................................87
2.3.1.2.1 Garantia da ordem pública ..................................................................91
2.3.1.2.2 Garantia da ordem econômica ............................................................93
2.3.1.2.3 Convivência da instrução criminal .......................................................96
2.3.1.2.4 Para assegurar a aplicação da Lei Penal ...............................................97
2.3.2 Prisão em flagrante ......................................................................................99
2.3.3 Prisão temporária ...................................................................................... 103
2.3.4 Prisão decorrente da sentença de pronúncia e decorrente de sentença
condenatória recorrível ............................................................................................ 106
3 INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO PROVISÓRIA .....................109
3.1 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO RELACIONADOS
ÀS PRISÕES CAUTELARES .............................................................................................. 109
3.1.1 Ação ......................................................................................................... 109
3.1.1.1 Desrespeito aos direitos à personalidade - dignidade da pessoa humana .. 110
3.1.1.2 Desrespeito ao direito de liberdade de locomoção .................................. 112
3.1.1.3 Abuso de autoridade .............................................................................. 118
3.1.1.4 Erro judiciário ........................................................................................ 121
11
3.1.1.5 Prisão além do tempo fixado na sentença ............................................... 124
3.1.2 Dano ......................................................................................................... 125
3.1.3 Nexo causal ............................................................................................... 128
3.2 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO ............................................ 129
3.2.1 Fato da vítima ........................................................................................... 130
3.2.2 Culpa de terceiro ....................................................................................... 131
3.2.3 Força maior e caso fortuito ........................................................................ 133
3.2.4 Estado de necessidade/estrito cumprimento do dever legal/legítima defesa . 133
3.3 PRISÕES PROCESSUAIS QUE POSSAM ACARRETAR INDENIZAÇÃO ........................ 135
3.3.1 Prisão decretada por autoridade incompentente ......................................... 135
3.3.2 Prisão sem fundamentação ......................................................................... 137
3.3.3 Prisão sem os requisitos da lei..................................................................... 139
3.3.4 Prisão de homônimo .................................................................................. 141
3.3.5 Prisão além do tempo ................................................................................ 142
3.3.6 Prisão por mandado revogado .................................................................... 144
3.3.7 Prisões processuais sem que ocorra instauração de ação penal .................... 147
3.3.8 Prisões processuais com sentença absolutória ao final ................................. 148
CONCLUSÃO .............................................................................................................151
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................159
12
INTRODUÇÃO
Trata-se de trabalho acadêmico (Monografia) de conclusão de curso de
Direito sobre a responsabilidade do Estado por prisões cautelares.
A importância da pesquisa encontra-se, principalmente, no fato da
ocorrência de conflito entre dois princípios: - o direito a liberdade do indivíduo e a
obrigatoriedade da persecução penal. De um lado, o Estado deve exercer o direito
de punir, podendo decretar ou manter a prisão quando necessária. Por o utro lado, a
liberdade é direito natural da pessoa, mesmo antes de ser garantida pela CRFB/88.
Por se tratar de direitos constitucionais fundamentais – liberdade, dignidade
- e, ainda, em vista da relação de submissão existente entre o cidadão e o Estado,
verifica-se a importância do tema. Observa-se, que cada pessoa, ao longo dos anos,
permitiu com que o Estado restringisse alguns de seus direitos, com a finalidade da
existência da harmonia social. Logo, quando o Estado, por meio de seu poder
jurisdicional, decreta a prisão de alguém, ele interfere sobre o âmbito dos direitos e
garantias constitucionais do cidadão, e, assim, a prisão deve ser feita de forma
devida sob pena de desacreditar no poder Estatal, e querer fazer justiça por contra
própria, sem submissão as regras.
Os motivos fundamentais para o estudo desse tema são: 1) o fato de a
CRFB/88 possibilitar direitos e garantias à pessoa, os quais devem ser respeitados,
principalmente, no Poder Judiciário, visto que a sua finalidade, em regra, é tutelar
bens jurídicos e não infringi-los. 2) Os reflexos que a decretação de uma prisão,
mesmo preventiva, acarreta na vida de um cidadão na sociedade: aquisição de
emprego, convívio com a família, honra perante os amigos. Mesmo a prisão sendo
célere, as conseqüências podem-se perpetuar na vida inteira de um cidadão.
O problema consiste na análise dos casos em que o Estado pode ser
responsabilizado pela prisão cautelar.
Em regra, cabe ao Estado ser responsabilizado por prisão penal nas
situações previstas no inciso LXXV, do artigo 5°, da CRFB (erro judiciário ou preso
além do tempo fixado na sentença). Contudo, discute-se se referido dispositivo
deveria ser interpretado de forma restritiva, entendendo como erro judiciário apenas
a prisão advinda de sentença condenatória transitada em julgado e posterior revisão
13
criminal absolvendo, ou se deveria ter interpretação extensiva. Nesse último caso,
prisões cautelares e posterior sentença absolutória, ou mesmo arquivamento do
processo, sem interposição de denúncia ou queixa, seria um erro judiciário,
possibilitando a responsabilidade do Estado.
Ainda que o inciso LXXV, do artigo 5°, da CRFB/88 seja interpretado de
forma restritiva, outros fundamentos podem ser possíveis de ensejar a
responsabilização do Estado nas prisões processuais. O Estado poderá ser
responsabilizado nas prisões cautelares decretadas: por autoridade incompetente,
sem fundamentação, sem os requisitos da lei, de homônimo, além do tempo, por
mandado já revogado, sem que ocorra a instauração de ação penal, com sentença
absolutória ao final, por outros fundamentos não mencionados no dispositivo supra,
tais como, direito a liberdade, princípio da dignidade da pessoa humana,
responsabilidade estatal.
A presente pesquisa possui como objetivos: institucional, cuja finalidade é
produzir uma Monografia para obtenção do título de bacharel em direito pela
Universidade do Vale do Itajaí; geral, tem por escopo analisar em que casos o
Estado deve ser responsabilizado pelas prisões cautelares; específico, cujos objetos
são: 1) Analisar as fases e a evolução da responsabilidade do Estado; 2) Especificar
os fundamentos e as excludentes para a responsabilização Estatal, as espécies de
responsabilidade; 3) Analisar os princípios, pressupostos e fundamentos das prisões
cautelares, distinguindo-as das prisões penas; 4) Diferenciar os tipos de prisões
cautelares existentes no ordenamento brasileiro e suas peculiaridades; 5) Enfim,
considerar os fundamentos, excludentes da responsabilidade do Estado nas prisões
cautelares e em que situações as prisões processuais podem acarretar
responsabilidade do Estado.
Nesse sentido, visando à consecução dos objetivos acima, a monografia foi
disposta em três capítulos.
O primeiro capítulo destinar-se-á a conceituar responsabilidade,
responsabilidade civil, e verificar sob qual forma o Estado pode ser responsabilizado.
Em seguida, distinguir-se-ão as espécies de responsabilidade contratual e
extracontratual, limitando-se para âmbito deste trabalho a responsabilidade civil do
Estado na esfera extracontratual. Analisar-se-á as fases da responsabilidade do
Estado, e a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, pois, geralmente, as
prisões cautelares advêm desses atos.
14
O segundo capítulo distinguirá a prisão pena da prisão cautelar. Estudará os
princípios, pressupostos, e fundamentos relacionados às prisões processuais.
Explanará acerca das modalidades de prisões cautelares previstas na legislação
brasileira, quais sejam, prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva, e
suas peculiaridades.
O terceiro capítulo estudará em que situações as prisões cautelares poderão
acarretar responsabilização do Estado, analisando os fundamentos, elementos,
excludentes da responsabilidade do Estado por prisões cautelares.
O trabalho acadêmico encerra-se com as considerações finais, na qual são
oferecidos pontos conclusivos destacados. Estimula-se a continuidade dos estudos
e de reflexões sobre o tema.
O método de abordagem utilizado na Monografia foi o dedutivo, pois se
partiu do geral - a responsabilidade civil do Estado e as prisões cautelares - para
alcançar o foco específico a responsabilidade do Estado por prisões cautelares.
As técnicas de pesquisa utilizadas foram de documentação indireta, ou seja,
análise de doutrinadores e jurisprudências, pesquisa documental.
15
1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
1.1 CONCEITO
1.1.1 Responsabilidade
Cuida-se, aqui, de estabelecer a definição de responsabilidade e identificar
por qual forma o Estado pode ser responsabilizado pelas ações de seus agentes.
Há responsabilidade quando uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar
com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. A expressão
responsabilidade tem vários sentidos no âmbito jurídico. Em sentido amplo, se
atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma
ação, por exemplo, quando alguém é responsável por outrem, como o pai pelos
menores etc. Também a responsabilidade reporta-se à acepção de capacidade: o
amental, por exemplo, a princípio não responde por seus atos, porque não possui
capacidade. Há no sentido de responsabilidade de alguém como fato ou ato punível
ou moralmente reprovável, como violação de direito na dicção do presente Código, o
que acarreta reflexos jurídicos1.
Em relação à expressão responsabilidade pode-se dizer que configura:
“Dever Jurídico a todos imposto de responder por ação ou omissão imputável que
signifique lesão ao direito de outrem, protegido por lei” 2. Constituindo a: “Obrigação
de se reparar o mal que se causou aos outros” 3.
Afirma Gonçalves4 que:
A palavra responsabilidade origina-se do latim respondere, que encerra a idéia de segurança ou garantia da restituição ou
1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código
Civil de 2002. São Paulo: Atlas, 2006. p. 1 e 4. 2 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6 ed. rev e atual. São Paulo:
Rideel, 2004. p. 469. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: Dicionário da Língua
Portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1754. 4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo
Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 18.
16
compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir.
Stoco5 entende que a responsabilidade origina-se da imposição estabelecida
pelo meio social regrado de impor a todos o dever de responder por seus atos que
traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado, sendo a
responsabilização o meio e o modo de exteriorização da própria Justiça e a
responsabilidade a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não
prejudicar a outro. Ensina que responsabilidade exprime a idéia de equivalência de
contraprestação, de correspondência, estando relacionada a uma obrigação, ao
afirmar: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem
expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação”6.
Diante das definições supramencionadas, para domínio desse trabalho,
conclui-se que o termo responsabilidade é definido como uma obrigação imposta a
alguém de responder por atos (próprios ou de outrem) lesivos a terceiros.
1.1.2 Responsabilidade Civil
O que define o tipo de responsabilidade é a norma que foi infringida, sendo
que: “O fato gerador da responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma
jurídica que o contempla” 7.
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem o
responsável a reparar o dano moral ou patrimonial causado a outrem, como
conseqüência de ato próprio, de pessoa por quem ele responde, de fato de coisa ou
animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal8.
5 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais Ltda, 2004. p. 117. 6 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais Ltda, 2004. p. 120. 7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.491. 8 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. AMARAL NETO, Francisco dos Santos. BRITTAR, Carlos
Aberto apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed.
rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 34.
17
A responsabilidade civil origina-se de um dever jurídico de não lesionar,
assim, ensina Stoco9:
Se resumir for possível, pode-se dizer que responsabilidade civil traduz a
obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por
conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere)
implícito ou expresso na lei.
Gonçalves10 diferencia a responsabilidade civil da penal, afirmando que
nesta o agente infringe norma de direito público, uma vez que o interesse lesado é
da sociedade. Já no âmbito da responsabilidade civil o interesse diretamente lesado
é o direito privado, cabe ao particular querer ou não pleitear reparação e, assim,
entende: “Enquanto a responsabilidade criminal é pessoal, intransferível,
respondendo o réu com a privação de sua liberdade, a responsabilidade civil é
patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações” 11.
Para existência da responsabilidade civil necessária a ocorrência de um
prejuízo patrimonial, embora no dano moral o que ocorre é uma dor psíquica. Nesse
diapasão, afirma Venosa12:
A responsabilidade civil leva em conta, primordialmente, o dano o prejuízo, o desequilíbrio patrimonial, embora em sede de dano exclusivamente moral, o que se tem em mira é a dor psíquica ou o desconforto comportamental da vítima. No entanto, é básico que, se não houver dano ou prejuízo a ser ressarcido, não temos por que falar em responsabilidade civil: simplesmente não há por que responder. A responsabilidade civil pressupõe um equilíbrio entre dois patrimônios que deve ser restabelecido.
O adjetivo civi l tem a finalidade de estabelecer uma característica quanto ao
tipo de obrigação imposta ao responsável, qual seja, a reparação do dano por meio
de prestação pecuniária.
Reparar o dano consiste em reconstituir a situação anterior, ou seja, voltar
ao status quo, tornar indene o prejuízo13. A sanção é uma medida legal que poderá
9 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais Ltda, 2004. p. 120. 10
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo
Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 19. 11
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 21. 12
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 18. 13
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código
Civil de 2002. São Paulo: Atlas, 2006. p. 272.
18
vir a ser imposta com objetivo de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o
dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica14.
Em que pese a responsabilidade civil acarretar como principal conseqüência
a reparação do dano, a condenação por danos em prestação pecuniária pode
apresentar objetivos da reparação e da sanção. Nesse sentido, ensina Diniz15 ao
escrever sobre dano moral: “Os dois critérios que devem ser utilizados para fixação
[...] são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante [...]”.
Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil, acarreta uma
reparação. Cabe, destacar que haverá responsabilidade civil do Estado, ou seja, a
pessoa jurídica de finalidade pública deverá reparar, tanto em atos lícitos, quanto em
atos ilícitos. Em relação aos atos lícitos ensina Melo 16 que caberá falar em
responsabilidade do Estado por atos lícitos quando o ato legitimamente exercido
pelo Estado acarreta lesão a um direito alheio como conseqüência, não como
finalidade própria.
1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado
Primeiramente, cabe ressaltar que o Estado só pode causar danos por meio
de seus agentes, uma vez que é pessoa criada pelo Direito, não tendo vontade nem
ação próprias, somente existentes através de seus servidores. Assim, entende
Mello17:
Como pessoas jurídicas são seres de razão, entes lógicos, abstratos, compreendem-se que, sobre prisma naturalista, não possuam nem inteligência, nem vontade, nem ação. O Direito, contudo, imputa-lhes diretamente a vontade e a ação das pessoas naturais que procedem na qualidade jurídica de seus agentes. Do conjunto deles, a grande maioria é formada pelos chamados servidores públicos.
14
TELLES JUNIOR, Godofredo apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 7. p. 8. 15
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p.104. 16
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 959. 17
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 133.
19
Logo, o Estado tem responsabilidade civil pelos danos que seus agentes
causarem. Nesse sentido, Carvalho Filho18:
[...] o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível. Somente se faz presente no mundo jurídico através de seus agentes, pessoas físicas cuja conduta é a ele imputada. O Estado, por si só, não pode causar danos a ninguém.
E, ainda, o Estado independente de quando e sob que argumento for
responsabilizado, só poderá ter essa responsabilidade sob o âmbito civil, pois não é
uma pessoa física. Assim, ensina Carvalho19:
[...] a utilização da expressão responsabilidade do Estado talvez fosse mais adequada, em se considerando pleonástico o enunciado responsabilidade civil do Estado, pois, em relação a este, pessoa jurídica de direito público, somente se poderia cogitar a responsabilidade civil, nunca da responsabilidade penal.
Como qualquer outro sujeito de direitos, o Poder Público pode causar
prejuízo a alguém. Daí resultando, a obrigação de recompor o agravo. Todavia, essa
responsabilidade possui peculiaridades, pois é distinta da regida entre particulares,
em vista da posição jurídica do Estado: baseia-se por princípios próprios e é mais
extensa do que aquela que calha às pessoas privadas20.
A responsabilidade no âmbito jurídico seria a obrigação imposta ao Estado
de compensar os danos causados pelos atos decorrentes do exercício de quaisquer
das funções estatais21.
No mesmo sentido acima, entende Di Pietro22 que, em se tratando de danos
resultantes de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a
responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica e tal responsabilidade é sempre civi l,
ou seja, pecuniária. Assim, define como responsabilidade do Estado:
[...] obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.
18
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.493. 19
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 16. 20
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 957 e 961. 21
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 16. 22
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 596.
20
Cabe destacar que a responsabilidade do Estado abrange tanto a
responsabilidade contratual quanto a extracontratual. A diferença entre essas
modalidades encontra-se no seu fato gerador. Nesse diapasão, Diniz23 ensina que a
responsabilidade contratual é oriunda da inexecução de um negócio jurídico bilateral
ou unilateral decorrente da relação obrigacional preexistente, há violação a uma
obrigação anterior. E a obrigação extracontratual origina -se de inadimplemento
normativo, não há vínculo anterior entre as partes.
Na contratual há a existência de contratos com a Administração. A
extracontratual deriva das atividades da administração sem qualquer pacto
anterior24. Para âmbito desse trabalho cingir-se-á a esse último tipo.
Assim, comportamentos de agentes do Executivo, Legislativo ou Judiciário
podem ocasionar a responsabilidade extracontratual do Estado. Melo25 ensina:
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Diante do exposto, pode-se concluir que a responsabilidade civil do Estado
consiste numa obrigação imposta à pessoa jurídica que, por atos ou omissões de
seus agentes, causou prejuízo a outrem.
1.2 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL
O tema responsabilidade do Estado quanto aos danos causados aos
particulares, na Europa, consistiu em fases. Evoluiu da fase da irresponsabilidade,
para fase dos atos de gestão e império, posteriormente, para a fase da culpa
administrativa (faute service). Para enfim, alcançar a fase do risco administrativo e a
23
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 128. 24
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.492. 25
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. Ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 957.
21
fase do risco integral. Dessas fases, algumas, encontram-se vigentes no
ordenamento brasileiro, outras desapareceram ou nem existiram no Brasil.
1.2.1 Fase da Irresponsabilidade
Quanto à fase da irresponsabilidade, fase feudal, o Estado era totalmente
irresponsável por seus atos, pois o poder do Estado advinha de origem divina. Essa
teoria surgiu da concepção “duas espadas”, pela qual se entendia que Deus havia
concedido duas espadas para proteger a cristandade, a espiritual e a terrena, ambas
ao Papa, que ficou com a espiritual e entregou a outra ao soberano. Logo, por o
poder do monarca ter origem divina, impossível o detentor desse poder causar dano
a alguém26.
Por o Estado não poder errar, não poderia ser equiparado ao seu súdito.
Nesse diapasão Di Pietro27:
A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia de soberania: o
Estado de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the King can do no wrong; lê roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.
Uma primeira atenuação dessa concepção deu-se com a responsabilização
pessoal do agente público pelos atos ilegais praticados em nome do Estado. Nesse
sentido, entende Diniz28:
A doutrina mais antiga é da irresponsabilidade absoluta, decorrente da idéia absolutista que apresentava o Estado como um ente todo-poderoso, contra o qual não prevaleciam os direitos individuais. Assim sendo, quem contratava com um funcionário público devia saber que este, enquanto preposto do Estado, não podia violar a
26
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 23. 27
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. Ed.. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 597. 28
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 617.
22
norma, uma vez que o Estado exercia a tutela do direito. Se o funcionário, no desempenho de sua função, lesasse direitos individuais, ele é que, pessoalmente, deveria reparar o dano e não o Estado.
Relata Mello29 que, na fase da irresponsabilidade estatal, só seria possível
responsabilizar um funcionário público na França quando o ato lesivo fosse
diretamente ligado a um comportamento pessoal e necessário antes pedir
autorização ao Conselho de Estado. Porém, tal desproteção aos administrados não
era total, porque se admitia responsabilização, quando: leis específicas expressas
previssem, bem como por danos resultantes da gestão de domínios privados do
Estado, e, ainda, os causados pelas coletividades públicas locais.
O Brasil constituiu sua própria legislação a partir do período imperial, com
sua independência. Na fase colonial, conforme Gasparini30, vigorava a legislação
portuguesa e esta previa a irresponsabilidade do Estado.
Quanto à teoria da irresponsabilidade do Estado: a doutrina afirma que ela
não foi adotada no direito brasileiro.
Di Pietro31 entende: “A teoria da irresponsabilidade do Estado não foi
acolhida pelo direito brasileiro; mesmo não havendo normas legais expressas, os
nossos tribunais e doutrinadores sempre repudiaram aquela orientação”.
Apesar da fase da irresponsabilidade do Estado não ser acolhida no direito
brasileiro, deve-se ter cautela em tal afirmativa, pois a Constituição imperial de 1824
previa a irresponsabilidade do Estado. Nesse diapasão, afirma Dias32:
No entanto, com o devido respeito, entendemos que essa posição deve ser aceita com alguma reserva, a começar pelo exame do texto da Constituição imperial de 25 de março de 1824, que se seguiu a independência do Brasil, em 1822, prescrevendo, justamente o contrário, pois negava a responsabilidade do Estado, atribuindo-a “estritamente” aos funcionários públicos “pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos” (art. 179, inciso XXIX).
29
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. Ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 965. 30
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 981. 31
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 600. 32
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 41.
23
Demais disso, em nítido acatamento ao princípio teocrático da investidura majestática do soberano [...] o art. 99 do texto daquela chamada Constituição imperial estabelecia escancaradamente a irresponsabilidade do Imperador: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”.
Em que pese os dispositivos constitucionais acima mencionados, Di pietro33
afirma que, no período imperial, havia uma responsabilidade do Estado, previstas
em leis ordinárias, como sendo solidária com a dos funcionários.
Em relação à responsabilidade do Estado, no período imperial, entende
Araújo34:
[...] a Constituição do Império, de 25 de março de 1824, excluía a responsabilidade do Imperador mas admitia em certos casos a dos Conselheiros de Estado (art. 99) e, quanto aos agentes públicos (então denominados empregados públicos), estes eram (art. 79, item 29) “estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores”. No entanto, isso não significava a inexistência da aplicação da doutrina da responsabilidade civil do Estado, firmada em várias leis específicas e decretos [...].
Logo, a Constituição de 1824 determinava em seus dispositivos a
irresponsabilidade do Estado, mantendo em seu texto a responsabilidade exclusiva
do funcionário. No mesmo sentido a Constituição de 1891 35. Todavia existiam na
legislação brasileira leis e decretos que já previam a responsabilidade do Estado. O
Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, publicando o novo Código Penal, atribuiu
ao Estado à responsabilidade direta pelos danos decorrentes de erro judiciário
reconhecido em sentença de reabilitação e o Código Civil Brasileiro de 1916 previa a
responsabilização direta do Estado36.
33
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 600. 34
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 745. 35
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 991. 36
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 42. (grifo nosso).
24
1.2.2 Fase Civilista
Com a fase civilista passou-se a responsabilizar o Estado com base em
princípios do Direito Civil, principalmente na culpa.
A fase civilista, conforme Dias37 dividiu-se em duas etapas: a primeira, um
sistema misto em que o Estado era considerado pessoa civil e pessoa soberana,
responsável pelos atos da primeira (atos de gestão), com culpa do funcionário
administrativo; e irresponsável pelos atos da segunda (atos de império); a segunda
etapa adveio com o Código Civil Francês de 1804 fixando a Responsabilidade
Subjetiva do Estado, baseada na culpa da escolha do funcionário administrativo ou
vigilância sobre ele.
A primeira etapa da fase civilista não foi adotada no Brasil. Segundo Mello 38:
“Inicialmente, prevaleceu, como, de resto, sucedia no Exterior, a tese da culpa civil”.
Nessa o Estado respondia pela culpa de seu agente, assim, leciona Dias39:
[...] ocorrido o dano em razão de ato de Estado, o particular podia suscitar sua responsabilidade, desde que evidenciada a culpa do funcionário, agente ou representante da pessoa jurídica de direito público. Como se vê, tratava-se da culpa eminentemente civilista na fixação de responsabilidade do Estado, projetada indiretamente na escolha da pessoa do funcionário administrativo e na vigilância que o Estado deveria exercer em relação ao exercício da atividade do funcionário nomeado [...].
Por isso que, conforme Araújo40, a responsabilidade somente seria referível
ao Estado quando ocorresse culpa estrito sensu. Só poderiam ser considerados
para responsabilizar o Estado, atos praticados pelos agentes públicos, ocasionando
prejuízos, que revelassem imprudência, negligência ou imperícia. Os atos dolosos
seriam imputados diretamente ao servidor.
37
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 23. 38
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 991. 39
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 27. 40
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
734.
25
Sobre a teoria da culpa civil aduz Di Pietro41: “Procurava-se equiparar a
responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados
ou prepostos”.
Observa-se que a teoria da culpa civil encontrava-se no dispositivo do
Código Civil Brasileiro de 1916. Sobre tal dispositivo escreve Meirelles42:
O Código Civil Brasileiro de 1916, acolhendo a doutrina subjetivista dominante em sua época, estabeleceu no art. 15 que as pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever previsto por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. [...] Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado.
Comentando o artigo 15, do Código Civil de 1916 ensina Di Pietro43:
A expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei conduzia à idéia de que deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o Estado respondesse.[...].
As Constituições de 1934 e 1937, ainda no âmbito da responsabilidade por
culpa civil, acolheram o princípio da responsabilidade solidária. Nesse diapasão
afirma Coelho44 que: “A Constituição de 1934 e a de 1937 acolheram o princípio da
responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário, ainda no âmbito da
responsabilidade subjetiva”.
Afirma Dias45 que, com a Constituição de 1934, admitiu-se a
responsabilidade direta e solidária do Estado pelos atos lesivos provocados por seus
funcionários.
Corroborando as afirmações supras, encontrava-se disposto na Constituição
de 1934, em seu artigo 171: “Os funcionários públicos são responsáveis
41
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 598. 42
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p. 660. 43
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 44
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 427. 45
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 42.
26
solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer
prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus
cargos”.46 Esse dispositivo se repetiu na Constituição de 1937.47
1.2.3 Fase publicista
Dias48 afirma que o marco inicial da responsabilidade do Estado, fundado
em princípios de direito público, teve início na construção jurisprudencial francesa a
partir do julgamento do caso Blanco, em 1873 e do caso Pellier, no mesmo ano.
Nesses casos, particulares ingressaram com ação requerendo indenização do
Estado. O primeiro por a menina Agnes Blanco ser atropelada por uma vagonete
estatal, e o segundo por o editor ter seus jornais apreendidos.
Meirelles49 afirma ser incabível aplicar os mesmos princípios que regem as
relações entre particulares, os quais se encontram no mesmo nível, ao Estado, pois
não se pode equipará-lo ao particular, este sem autoridade e nem privilégios. Logo
princípios de direito público é que deveriam orientar a responsabilização do Estado.
Na observação de Mello50, o surgimento das teorias publicistas permitiu a
evolução da responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, para objetiva ancorada
46
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 993. 47
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 601. 48
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 29. Nesse diapasão Di Pietro discorre: O primeiro passo no sentido da
elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de
Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no principio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência da ação danosa de seus agentes. Suscitando conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso
administrativo, o Tribunal de conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente do serviço público. [...] A partir daí começaram a surgir teorias publicistas da responsabilidade do Estado: teoria da culpa do
serviço ou da culpa administrativa e teoria do risco, desdobrada por alguns autores, em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 599). 49
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 657. 50
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 966.
27
na simples relação de causa e efeito, entre o comportamento administrativo e o
evento danoso.
Todavia, Dias51 ensina que nem todas as teorias publicistas sufraguem a
responsabilidade objetiva.
Diante do exposto, conclui-se que como foi eliminada a concepção da
irresponsabilidade do Estado abandonou-se gradativamente as teorias civilistas de
responsabilidade do Estado. Surge, assim, as teorias baseadas em princípios de
direito público, quais sejam, teoria da responsabilidade por culpa administrativa,
teoria do risco administrativo e risco integral.
A fase publicista deu-se no Brasil, a partir da Constituição de 1946, com a
teoria do risco administrativo. Nesse sentido, afirma Dias52 que na Constituição de
1946 a teoria adotada foi a objetiva, mais especificamente a do risco administrativo.
Em relação à Constituição de 1946 entende Mello 53:
A grande alteração legislativa concernente à responsabilidade do Estado ocorreu a partir a Constituição de 1946. O art. 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nós, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta do serviço.
O disposto no parágrafo único, do artigo 194, da Constituição de 1946
possibilitava ao Estado, ao ser responsabilizado, a ação regressiva contra os
agentes causadores do dano, quando tiver havido culpa destes54. Assim, substitui-
se a solidariedade entre o agente e o Estado (poder-se-ia responsabilizar qualquer
um dos dois), pela regressividade (responsabilizava o Estado, e, este, em seguida o
agente). Nesse sentido Araújo55:
Finalmente, em 1946, a volta da normalidade democrática nos trouxe, também, com a nova Constituição, de 18 de outubro de 1946, a consagração constitucional do princípio objetivo, firmando a
doutrina e a jurisprudência no equacionamento até hoje vigente em
51
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 30. 52
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 44. 53
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 993. 54
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 601. 55
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
747.
28
termos de responsabilidade do Estado, e adotando definitivamente a “regressividade” ao invés da “solidariedade” entre funcionário e Poder Público.
Em relação à Constituição de 1967, comparada a de 1946, ensina Di Pietro56
que a Constituição de 1967, quanto à responsabilidade do Estado, repete o
dispositivo da Constituição de 1946, acrescentando, no parágrafo único, que a ação
regressiva cabe no caso de culpa ou dolo. Na emenda nº 1, de 1969, o dispositivo
da Constituição de 1967 não foi alterado.
Nesse sentido, afirma Araújo57:
Já a Constituição de 24 de janeiro de 1967 (que entrou em vigor a 15-3-1967), em se art. 105, cuja a redação não foi modificada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, passando apenas a ser o art. 107, manteve a mesma filosofia da Constituição de 1946, apenas melhorando o texto: suprimiu o adjetivo “interno”, ampliando assim o campo da responsabilização a todas a pessoas jurídicas ligadas ao Poder Público, por ele controladas, e incluiu o termo “dolo” no parágrafo único, tornando o dispositivo mais incisivo e esclarecedor.
Diante do exposto, conclui-se que das teorias adotadas na Europa: a teoria
da irresponsabilidade, desde que o Brasil tornou-se independente, não foi
fundamento das decisões nos tribunais, apesar da Constituição de 1824 sobre ela
dispor; a teoria da culpa, responsabilidade subjetiva foi adotada com o Código Civil
de 1916; a teoria do risco administrativo, responsabilidade objetiva adotou-se com a
Constituição Brasileira de 1946. Destaca-se, além das teorias mencionadas, que o
ordenamento brasileiro nas Constituições de 1934 e 1937 adotou a responsabilidade
solidária do funcionário e do Estado, ou seja, a vítima poderia responsabilizar
qualquer um dos dois – funcionário ou Estado, porém nos dos dois casos deveria
demonstrar a culpa.
56
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 57
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
747.
29
1.2.4 Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro depois da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988
Depois de uma retrospectiva da evolução da responsabilidade civil no
Estado brasileiro traz-se o que dispõe a Constituição da República Federativa
Brasileira de 1988 - CRFB/88 e demais leis relevantes e vigentes após 1988.
A CRFB/8858 sobre a responsabilidade civil do Estado dispõe:
Art. 37 [...] § 6º as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.
O Código Civil59, instituído pela Lei 10. 406 de 10.01.2002, que entrou em
vigor 11.01.2003 – CC/2002 segue fielmente a matriz constitucional do art. 37, § 6º,
ao preceituar em seu artigo 43 a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito
público interno, por ato de seus agentes, e o direito de regresso contra o
responsável em caso de dolo ou culpa.
Conforme Carvalho Filho60 as pessoas jurídicas de direito público são os
componentes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as
autarquias e fundações públicas de natureza autárquica. As pessoas jurídicas pela
teoria do órgão61 atuam através de seus agentes públicos. Quem desempenha as
funções estatais é considerado agente público. Nesse sentido, Mello 62 o conceitua:
Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua
58
BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de
Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 36. 59
BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de
Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 167. 60
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.498. 61
Di Pietro afirma que: “pela teoria do órgão, a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio dos órgãos, de tal modo que quando os agentes que os compõe manifestam a sua vontade é como se o
próprio Estado o fizesse [...]”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 470). 62
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 237.
30
vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional e episodicamente. Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público.63
Quanto à responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, há
divergências se para sua ocorrência necessário o agente público encontrar-se ou
não no exercício de suas funções. No sentido de que para responsabilizar o Estado,
não basta o agente público ocasionar dano, ele tem que estar no exercício de suas
funções ensina Gasparini64:
É imprescindível que o agente esteja no desempenho de seu cargo, emprego ou função pública na entidade a que está vinculado (RT 715:258). Sendo, assim não responde o Estado por dano causado por alguém que não é seu agente ou que, embora o seja, não esteja na ocasião do dano, no desempenho as atribuições de seu cargo, função ou emprego público [...]. Cremos, ainda, que o Estado responde objetivamente pelos danos causados pelo servidor de fato [...].
Todavia, ensina Meirelles65 que a responsabilidade do Estado ocorrerá
mesmo que o agente não esteja no exercício de suas funções, porém tem que atuar
como agente público e não como pessoa comum, afirmando:
O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão na qualidade de agente público. Não se exige, pois, que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na qualidade de agente público, e não como pessoa comum. Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à Administração.
Quanto à expressão serviço público, há que concebê-la como gênero.
Assim, o serviço público compreende as espécies: atividade ou função
administrativa, atividade ou função jurisdicional e, também, a legislativa. Desse
modo, abrange o § 6º do art. 37 da CRFB/88 a responsabilidade da União, dos
63
Conforme Di Pietro os agentes públicos classificam-se em quatro categorias, quais sejam: a) agentes políticos (chefes dos poderes Executivo Federal, estadual e municipal, os ministros e secretários de Estado, Senadores, Deputados e Vereadores); b) servidores públicos (em sentido
amplo pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos, ex: membros Ministério Público, Magistratura, polícia civil e militar); c) militares (membros Polícia Militares, Corpo Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e
Territórios, Forças Armadas); e d) particulares em colaboração com o poder público (pres tam serviço ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração, ex: jurados). (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 499/506). 64
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 984. 65
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p. 663.
31
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e autarquias; dos Poderes Executivo,
Judiciário e Legislativo66.
Quanto à interpretação do dispositivo constitucional da responsabilidade do
Estado, Di Pietro67 sustenta que:
[...] a partir da Constituição de 1946, ficou consagrado a teoria da responsabilidade objetiva do Estado; parte-se da idéia de que, se o dispositivo só exige culpa ou dolo para o direito de regresso contra o funcionário, é porque não quis fazer a mesma exigência para as pessoas jurídicas.
Assim, esclarece a referida autora que no artigo 37, § 6º, da CRFB/88 estão
compreendidas duas normas de direito, a da responsabilidade objetiva do Estado
perante o particular lesado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário para fim
da ação de regresso.
Ao interpretar o artigo 37, § 6º, da CRFB/88, Dias68 ensina que o dispositivo,
que impõe a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares,
consagra a responsabilidade objetiva e direta de todas as pessoas jurídicas de
Direito Público, ancorada na teoria do risco administrativo. Logo, dispensa a
necessidade de se perquirir a culpa do serviço público, basta a comprovação do
dano ao particular, em decorrência da prestação de um serviço público qualquer
(liame de causalidade). Evidentemente, alcança as três fundamentais funções
exercidas pelo Estado, a administrativa, a legislativa e a jurisdicional, não havendo
razão para se excluir qualquer delas da sua abrangência.
Diante do exposto a regra constitucional é da responsabilidade objetiva do
Estado. Porém, afirma Mello que a responsabilidade do Estado seria objetiva por
atos comissivos, positivos do agente que acarretam prejuízo a terceiro. Seria
subjetiva por atos omissivos, visto que só pode ocorrer na hipótese de culpa
anônima do serviço, nesse diapasão:
O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha,
66
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 178. 67
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 68
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 45.
32
reveladora de insuficiência em relação a seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva. 69
Quanto à omissão, no mesmo sentido acima mencionado, ensina Di Pietro70
que a omissão na prestação do serviço tem levado aplicação da teoria da culpa do
serviço público. Esta é a culpa não individualizada, pois o dano não decorreu de
atuação de agente público, mas de omissão do poder público.
Também Gasparini71:
O texto Constitucional em apreço exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo “causar” (causarem). Isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissivos.
Por ato omissivo ou comissivo a vítima do dano para ter uma reparação
deverá, conforme Araújo72, interpor uma ação ordinária a ser movida contra o poder
público, não ao agente público que causou o dano.
Em relação à responsabilidade do agente prevista na CRFB/88 e no
CC/2002 entende Dias73 que é subjetiva e que é dever do Estado entrar com ação
regressiva, afirmando:
Entendemos que o ajuizamento da ação regressiva em face do agente público, para obter ressarcimento do que pagou a vítima a título de indenização, é dever do Estado, e não faculdade. Esclareça-se, porém, que esse direito de ação regressiva do Estado em face do agente público poderá ser exercido em processo autônomo ou no próprio processo iniciado pela vítima lesada em face do Estado, por meio da denunciação da lide, figura processual de intervenção de terceiro (Código de Processo Civil, art. 70, inciso III).
Além da possibilidade da ação regressiva ou denunciação da lide para
responsabilizar o agente, afirma Mello74 que a própria vítima pode interpor ação
contra o agente causador. Pois o parágrafo 6º, do artigo 37, da CRFB/88, não tem
69
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 997. 70
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 603. 71
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
983. 72
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 749.. 73
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 48. 74
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 998.
33
caráter defensivo do funcionário perante terceiro. A norma tem objetivo de proteger o
administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da
responsabilidade objetiva. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade
de proceder contra quem lhe causou o dano. Por ser um dispositivo protetor do
administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado.
Weida Zancader mencionada por Mello75 entende ser incabível a
denunciação da lide com grande fundamento:
Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva – a do Estado – com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva – a do funcionário. Procede sua assertiva de que, ademais, haveria prejuízos para o autor, porquanto “procrastinar o reconhecimento de um legítimo direito da vítima, fazendo com que este dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o Estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito.
Conclui-se que com o CC/2002 e a CRFB/88 a responsabilidade civil do
Estado seria objetiva – porém necessário para adotá-la é que estejam presentes
seus elementos – quais sejam - ação, dano e nexo causal. Logo, em relação aos
atos omissivos, não há responsabilidade objetiva, visto que não há existência de um
dos elementos – a ação. Quanto à responsabilidade do funcionário adotou o
ordenamento vigente a responsabilidade subjetiva.
1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE
1.3.1 Responsabilidade Subjetiva
Dividi-se a responsabilidade subjetiva em duas vertentes, uma baseada na
omissão do serviço público, e outra a do agente público.
Assim, sobre a responsabilidade estatal baseada na culpa pela omissão do
serviço público ensina Carvalho Filho76: 75
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed.rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 999.
34
[...] quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir o dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omite diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar o prejuízo. A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso da conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie do descumprimento do dever
legal, atribuído ao poder público, de impedir a consumação do ato.
Já quanto à culpa relacionada com o comportamento do agente pode existir
a culpa em sentido amplo e a culpa em sentido estrito. A primeira consiste na
violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato
intencional ou de omissão de diligência ou cautela. Compreende o dolo, que é a
violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito que se caracteriza
pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer intenção de violar um
dever77.
Stoco78 escreve sobre a culpa stricto sensu:
A culpa pode empenhar ação ou omissão e revelar-se através da imprudência: comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo; negligencia: quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo; e imperícia: a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano.
Para acarretar a responsabilidade do agente, em ação regressiva, interposta
pelo Estado, necessário no dolo ou na culpa (sentido estrito) do agente o elemento
previsibilidade. Assim, ensina Araújo79:
O elemento fundamental da caracterização do ato jurídico prejudicial culposo é a previsibilidade: somente quando é possível prever-se o que não foi previsto é que se poderá responsabilizar alguém por não ter procedido de forma a evitar o evento danoso.
76
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 509. 77
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 41. 78
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 132. 79
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
804.
35
Previsibilidade é a possibilidade de se prever um ato nas condições e circunstancias em que se desenrola a ação, é quando o individuo comum poderia prever razoavelmente as conseqüências do seu ato.
Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade subjetiva baseia-se no
elemento culpa.
1.3.2 Responsabilidade Objetiva
Conforme Dias80 com a responsabilidade objetiva, não se necessita de culpa
para o Estado ser responsabilizado, surge à teoria do risco, basta o dano e o nexo
causal.
Mello81 define responsabilidade objetiva da seguinte forma:
Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.
Di Pietro82 afirma que a responsabilidade objetiva implica averiguar se o
dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, independentemente
se foi regular ou não.
No mesmo sentido Diniz83 ao afirmar que o risco é o fundamento da
responsabilidade civil do Estado por comportamentos administrativos comissivos,
exigindo apenas nexo causal entre a lesão e o ato, basta à comprovação do
prejuízo. Cabe a responsabilidade objetiva mesmo se o ato foi regular.
80
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 22. 81
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 970. 82
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 600. 83
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 619.
36
Leciona Venosa84 que surge entre os elementos da responsabilidade a culpa
presumida, como um dever genérico de não prejudicar, originado a teoria da
responsabilidade objetiva, esta que desconsidera a culpabilidade e afirma:
A insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou a criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Levando-se em conta o rumo que tomou a responsabilidade objetiva, a teoria da responsabilidade civil deixa de ser apoiada unicamente no ato ilícito, mas leva em conta com mais proeminência o ato causador do dano. Busca-se destarte evitar um dano injusto, sem que necessariamente tenha como mote principal o ato ilícito.
A teoria do risco tem os seguintes fundamentos: igualdade dos ônus e
encargos sociais, solidariedade humana, legalidade (Estado de Direito), maior poder
e prerrogativas do Estado em relação ao indivíduo, risco.
Como argumento de que o Estado deve ser responsabilizado pelo dano
causado ao particular ensina Mendes Júnior85:
[...] sendo o objetivo do Estado a realização do bem comum, que é de todos e de cada um, assim como não se pode sacrificar o direito da coletividade em benefício do individuo, também não é lícito o sacrifício do direito individual, em benefício da coletividade, sem a conseqüente reparação. Se o Estado pudesse impunemente oprimir o indivíduo, prejudicando-o em seu direito ou em seus legítimos interesses, em proveito da coletividade, evidentemente a repetição desde gesto importaria, afinal, em ameaça a própria sobrevivência do regime. É que a repetição de fenômeno, em extensão ilimitada, geraria uma diminuição cada vez maior do patrimônio privado, em benefício do patrimônio público.
Quanto ao princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais bem explica
Di Pietro86 ao afirmar que assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal
repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns devem ser divididos.
Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-
84
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 7. 85
MENDES JÚNIOR, Onofre apud COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 426. 86
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 599.
37
se o equilíbrio; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve reparar o
prejudicado, com os recursos do erário público.
Em relação, ao fundamento da solidariedade afirma Coelho 87:
Os serviços públicos nem sempre funcionam como deveriam. Acarretam, por isso, certas disfunções e certos males cujas conseqüências devem ser sofridas por todos, contribuindo cada uma para a indenização do dano que sobre um só incidiu. Por outro lado, se a solidariedade de todos, nasce e floresce a atividade administrativa, do prejuízo ocasionado pelo aparelho público nascerá a obrigação eqüitativa de indenizar, que se difundirá por todos os administrados solidários com aquele que, individualmente, suportou o dano. E a expressão da solidariedade dos administrados outra não é senão o próprio Estado.
Quanto ao fundamento risco ensina Araújo88 que a possibilidade ou risco de
danos, que a atividade do Estado gera para o administrado, cria para este uma
desigualdade se a atividade for danosa e atingir seu patrimônio ou direito. Logo,
cabe ao Estado ser responsabilizado, em termos da justiça distributiva, com
fundamento no risco de sua função.
Ainda, é perceptível que o Estado tem maior poder e mais prerrogativas do
que o administrado. Sendo, realmente, jurídica, política e economicamente mais
poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que
protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Logo, não seria justo que,
diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar
excessivamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Diante disso, por o
Estado ser mais poderoso, deve arcar com um risco natural decorrente de suas
numerosas atividades, na proporção que, à maior quantidade de poderes haveria de
corresponder um risco maior89.
Por vigorar um Estado de Direito deve este estar subordinado ao princípio da
legalidade, logo, entende Dias90 que o Estado tem que se submeter à Lei,
respeitando direitos fundamentais dos indivíduos. Se o indivíduo deve submeter -se a
leis estatais, sendo responsabilizado quando causador de dano, o Estado deve
87
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 425. 88
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 738. 89
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.496. 90
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 31.
38
também respeitá-la, pois tem personalidade jurídica e é sujeito de direitos e
obrigações.
Enfim, sobre os fundamentos da responsabilidade do Estado sintetiza
Gasparini91:
O fundamento da responsabilidade patrimonial do Estado é bipartido, conforme seja ela decorrente de atos lícitos ou ilícitos. No caso dos atos lícitos [...] o fundamento é o principio da distribuição igualitária dos ônus e encargo a que estão sujeitos os administrados , como entre nós, já decretou o STF (RDA, 190:194). Destarte, se o serviço ou obra é de interesse público, mas, mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por ele, e isso, se consegue através da indenização. Para tanto todos concorrem inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também paga tributos. Tratando-se de atos ilícitos (descumprimento de uma lei), o fundamento é a própria violação da legalidade [...].
Diante dessa bipartição dos fundamentos, cabe distinguir atos lícitos dos
ilícitos. Rui Stoco92 ensina que “[...] ato ilícito é aquele praticado com infração de um
dever legal ou contratual. Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está na só
transgressão da norma”.
A teoria do risco compreende duas modalidades: a do risco administrativo e
do risco integral. A primeira admite as excludentes de responsabilidade do Estado, a
segunda não93.
A teoria do risco integral é aquela em que “o Estado responsável por
qualquer dano causado ao indivíduo, na gestão de seus serviços, independente da
culpa da própria vítima ou de caso fortuito ou de força maior”.
Quirino94 afirma em relação a essa teoria:
[...] para que o dano seja reparado, basta ao lesado demonstrar o dano e que o mesmo é de autoria do ofensor, ou decorre atividade exercida por este, contentando-se os adeptos dessa teoria com tais elementos, sem cogitar-se a respeito da existência de culpa, e até mesmo sobre a iliceidade do fato danoso; [...] De fato, a responsabilidade objetiva fundamentada na teoria do risco não depende da existência de culpa e tem com pressuposto o fato de que a pessoa que cria o risco deve indenizar os prejuízos decorrentes de
91
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 967. 92
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais Ltda, 2004. p.124. 93
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 659. 94
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade . São Paulo: Atlas, 1999. p. 49.
39
seu empreendimento, ou do risco por ela criado, caso efetivamente produza algum dano a outrem.
A teoria do risco integral é a modalidade extrema da teoria do risco
administrativo, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por ela, a Administração
seria responsável por todo e qualquer dano suportado por terceiros, mesmo que
resultante de culpa ou dolo da vítima95.
Essa teoria não foi adotada no Brasil96. Mesmo no caso de responsabilidade
objetiva por dano nuclear a teoria do risco integral não é aplicada97.
1.3.2.1 Elementos
1.3.2.1.1 Da ação
Afirma Stoco98 que a ação constitui o primeiro momento da responsabilidade
civil.
Conceitua Diniz99 ação da seguinte forma:
A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.
Importante adaptar tal conceito ao direito administrativo, visto que o Estado é
uma pessoa jurídica, e como antes já mencionado tem ação através de seus
agentes.
95
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 659. 96
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p. 659. 97
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 985. 98
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 131. 99
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 39.
40
Assim, afirma Mello100: “A relação entre a vontade e a ação do Estado e de
seus agentes é uma relação de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado”.
Para caracterizar a responsabilidade objetiva do Estado a conduta tem que
ser comissiva. Nesse sentido Gasparini mencionado no capítulo 1.3.2.1, pois a
CRFB/88 exige o verbo causar.
Sobre os atos (ações) que podem acarretar responsabilidade do Estado
entende Mello101 que pode ser por comportamentos lícitos, materiais ou jurídicos, e
por comportamentos ilícitos, materiais ou jurídicos. Exemplo de comportamento lícito
jurídico seria o fechamento do perímetro central da cidade a veículos automotores,
por razão de tranqüilidade, que acarretaria para os proprietários de edifício garagem,
devidamente licenciados, indiscutível dano patrimonial. Como exemplo, de
comportamento lícito por atos materiais há o nivelamento de uma rua, procedido
com todas as cautelas e recursos técnicos, que, entretanto, pelas características
físicas ambientais, algumas casas ficariam em nível mais elevado ou rebaixado em
relação ao leito da rua, causando desvalorização daqueles imóveis. Como exemplo,
de comportamentos ilícito por atos jurídicos seria a decisão de apreender, fora do
procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista. Enfim, exemplo de
comportamento i lícito por atos materiais – o espancamento de um prisioneiro
causando-lhe lesões definitivas.
Di Pietro102 ensina: “[...] em que se trata de responsabilidade objetiva, que
implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço
público, sem interessar se foi regular ou não”.
Posto isto, para fins de responsabilidade objetiva do Estado (risco
administrativo), a ação do Estado caracteriza-se por uma conduta comissiva, ou
seja, causa algo através de seus agentes. Desta ação independentemente se lícita,
ilícita, material ou jurídica, se acarretar perda da situação juridicamente protegida
caberá responsabilidade do Estado.
100
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 972. 101
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 976. 102
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 599.
41
1.3.2.2 Do dano
Antes de conceituar a expressão dano, primeiramente destaca -se que é por
meio dele que se analisará casos em que caberão a responsabilidade do Estado,
pois o artigo 944, do CC/2002 dispõe que a indenização mede-se pela extensão do
dano, logo só caberá responsabilidade civil se ocorrer prejuízo.
Ensina Diniz103: “O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil,
contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem
a existência de um prejuízo”.
O dano é o elemento essencial da responsabilidade seja ela originária de ato
lícito, nas hipóteses expressamente previstas, de ato ilícito, ou de inadimplemento
contratual, independentemente, se subjetiva ou objetiva. Não há responsabilidade
sem prejuízo104.
Ensina Mello105:
Donde, ante a atuação lesiva do Estado, o problema da responsabilidade resolve-se no lado passivo da relação, não no lado ativo dela. Importa que o dano seja ilegítimo – se assim nos podemos expressar, não que a conduta causadora o seja.
Alguns doutrinadores conceituam dano, em sentido estrito, como lesão ao
patrimônio, ou seja, ao conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em
dinheiro, outros, já em sentido amplo, definem dano como diminuição a um bem
jurídico, abrangendo não só o patrimônio, mas também a honra, o corpo, a vida, a
saúde, o bem estar106.
Diniz107 conceitua dano como uma lesão (diminuição ou destruição) que
devido a uma certa ação, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem
jurídico, patrimonial ou moral.
103
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 59. 104
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais Ltda, 2004. p. 129. 105
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 986. 106
CONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 545. 107
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 62..
42
Mello108 entende que não se deve confundir dano patrimonial, econômico
com o dano em direito, e assim os conceitua:
O primeiro é qualquer prejuízo sofrido por alguém, inclusive por ato de terceiro, consistente em uma perda patrimonial que elide total ou parcialmente algo que se tem ou que se terá. O segundo, ademais de significar subtração de um bem ou consistir em impediente a que se venha a tê-lo, atinge bem a que se faz jus. Portanto, afeta direito a ele. Incide sobre algo que a ordem jurídica considera pertinente ao lesado. Logo, o dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista a agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.
O dano para acarretar responsabilidade deve ter alguns requisitos.
Gonçalves109 ensina que para que exista indenização é necessário que o dano seja
certo e atual, entendendo como atual o dano que já existe no momento da ação de
responsabilidade. Assim, só poderia haver responsabilidade sobre conseqüências
futuras se tiver elementos para apreciá-la, e certo seria o dano fundado sobre um
fato preciso e não uma hipótese.
Melo110 entende para existência da responsabilidade é indispensável a
certeza do dano (pode ser futuro ou atual, mas tem que ser real) e da lesão a um
direito (quem não sofreu gravame a um direito não título para postular indenização)
e ainda em comportamentos estatais lícitos também requer que o dano seja especial
e anormal. Entende que dano especial é aquele que se opera na situação particular
de alguns ou alguns indivíduos, não é um prejuízo genérico, e anormal é aquele que
supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes ao convívio social.
Diniz111 afirma para que o dano seja indenizável necessários os seguintes
requisitos: diminuição ou destruição do bem jurídico, patrimonial ou moral,
pertencente a uma pessoa (não há dano sem lesado, o lesado pode ser direto ou
indireto); efetividade ou certeza do dano (a lesão não pode ser hipotética, tem que
demonstrar o seu acontecimento, pode até se projetar sobre o futuro, mas a
108
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 985. 109
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 546. 110
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 987. 111
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 63 -65.
43
conseqüência é atual); causalidade (em regra, o dano tem que ser direto, ou seja, há
relação imediata entre a ação e o dano); subsistência do dano no momento da
reclamação do lesado (se o responsável já reparou não há dano); legitimidade
(lesado ou beneficiário do lesado); ausência de causas excludentes da
responsabilidade.
A CRFB/88 classifica o dano em seu artigo 5º, incisos V e X, como em dano
moral, dano material e dano à imagem.
Dano moral seria:
O chamado dano moral corresponde à ofensa causada à pessoa a parte subjecti, ou seja, atingindo bens e valores de ordem interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade, enfim todos os atributos da personalidade112.
Diniz113 conceitua patrimônio como sendo uma universalidade jurídica
constituída do conjunto de bens economicamente úteis de uma pessoa e dano
patrimonial da seguinte forma:
O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causado, a incapacitação do lesado para trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.
Conclui-se que dano seria qualquer prejuízo. Para o dano acarretar
responsabilidade necessário que tenha lesionado um bem juridicamente protegido,
principalmente os garantidos constitucionalmente e, ainda, que não sejam meros
inconvenientes originários do convívio em sociedade. Quanto aos requisitos do dano
para ensejar responsabilidade, merecem destaque o de que se deve haver uma
lesão à vítima e tal lesão ser demonstrada, não ser apenas uma hipótese.
112
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 130. 113
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 66.
44
1.3.2.3 Do nexo de causalidade
Nexo causal é o elo entre o dano e a ação do agente, sem ele também não
há responsabilização, pois não basta à existência de um dano ou que tenha ocorrido
uma ação se não ocorrer esta ligação.
Cavalieri Filho mencionado por Stoco114 afirma que: o conceito de nexo
causal não é jurídico; decorre das leis naturais, consistindo apenas o vínculo, a
ligação ou a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
Araújo115, assim, ensina sobre nexo causal:
Nexo causal significa referibilidade jurídica ao Estado do evento danoso, que é básica e fundamental para a fixação da responsabilidade e conseqüente obrigação de indenizar, que deixará de existir sem essa relação, ou a atenuará quando não for a causa única do dano.
Para configurar o nexo causal tem que estar absolutamente certo que sem a
ação o prejuízo não existiria. Quando há causas múltiplas difícil será analisar o nexo
de causalidade. Existem três principais teorias a respeito: a da equivalência das
condições (toda circunstância que concorreu para produzir o dano é uma causa); a
da causalidade adequada (é causadora do dano a condição por si só apta a produzi -
lo); a da que exige que o dano seja conseqüência direta e imediata do fato que o
produziu116.
Diniz117 afirma que nexo causal consiste no vínculo entre o prejuízo e a
ação, de modo que o dano deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua
conseqüência previsível. O nexo é uma relação necessária entre o evento danoso e
ação que o produziu, de tal modo que a ação seja considerada a causa. Portanto, o
dano não precisa ser resultado direto da ação, basta verificar que o prejuízo não
ocorreria se o fato não tivesse acontecido. A ação pode não ser causa imediata, mas
se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.
114
CAVALIERI, Filho apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 145. 115
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 751. 116
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 537- 539. 117
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 108.
45
Entende Di Pietro118 que não existirá nexo de causalidade ou incidirá de
forma atenuada se o serviço público não for causa do dano, ou quando, não for
causa única.
Diante do exposto, conclui-se que o nexo causal, dos três requisitos para se
demonstrar a responsabilidade, é o que vai requerer uma maior análise. É nele que
podem ocorrer as excludentes de responsabilidade do estado.
1.3.2.4 Excludentes
A teoria do risco administrativo faz surgir à responsabilidade de reparar o
dano só pelo ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige
qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Na teoria da culpa
administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo basta o
fato do serviço119.
Apesar de o Estado ser responsabilizado só pelo fato do serviço, é
necessário à existência do nexo de causalidade entre o dano e a atividade do
Estado. Logo, leciona Dias120 que são excludentes da responsabilidade do Estado o
fato da vítima e a força maior, ocasionando a perturbação do liame da causalidade.
1.3.2.4.1 Culpa da vítima
A teoria do risco administrativo embora para ocorrência da responsabilidade
do Estado não exija a culpa da Administração ou de seus agentes, permite que o
Estado demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar sua responsabilidade121.
118
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. p. 602. 119
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 658. 120
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 37. 121
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p. 659.
46
Quanto à culpa da vítima, ensina Di Pietro122 deve-se distinguir se a culpa é
exclusiva da vítima ou concorrente com a do Estado. No primeiro caso não há
responsabilidade do poder público, já no segundo a responsabilidade é dividida.
Em relação à culpa da vítima, escreve Dias123:
O fato da vítima, que alguns doutrinadores classificam como culpa da vítima, é causa de exoneração ou atenuação da responsabilidade do Estado em todos os sistemas jurídicos. Nada há de mais lógico porque, na realidade, bem examinada a questão, o evento danoso é conseqüência do próprio comportamento da vítima, nele não interferindo a atividade do Estado. Sendo assim, correta é a posição doutrinária que sustenta haver certa impropriedade falar-se em culpa da vítima como excludente da responsabilidade do Estado, porque a rigor, a causa do dano seria unicamente o comportamento da vítima. Faltaria, conseqüentemente, o indispensável nexo causal, a ensejar a responsabilidade do Estado.
Melo124 também entende que a culpa exclusiva da vítima não é uma
excludente, mas sim elide a responsabilidade do Estado por barrar o nexo de
causalidade. Quanto às concausas, ensina que pode ocorrer que o dano resulte de
dupla causação, ou seja, o evento lesivo seja conseqüência de ação conjunta do
Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Neste
caso, não haverá de falar em excludente da responsabilidade estatal. Ocorrerá,
apenas, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que
cada qual haja participado para produção do dano.
1.3.2.4.2 Força maior e caso fortuito
Di Pietro125 diferencia força maior de caso fortuito. Força maior é
acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como
acontecimentos da natureza – tempestade, terremoto. Assim, a força maior, não
122
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. p. 603. 123
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 38. 124
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 988. 125
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. p. 603.
47
sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado,
por não haver nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da
Administração. Já no caso fortuito o dano é decorrente de ato humano, de falha da
Administração, não ocorrendo à mesma exclusão. Quando se rompe, por exemplo,
uma adutora ou um cabo elétrico, causando danos a terceiros, não se pode falar em
força maior.
Embora a força maior elida a responsabilidade do Estado, mesmo com a
ocorrência da força maior pode haver a responsabilização em caso de omissão
estatal. Nesse diapasão afirma Dias126:
Evidentemente, esses acontecimentos têm causas conhecidas, mas muitas vezes, são imprevisíveis e irresistíveis, na medida em que não há possibilidade de o ser humano opor-lhes resistência, subjugando pela intensidade da força externa desencadeada pela natureza. Logo, se houver força maior, disto resultando dano ao particular, seu causador, por óbvio, não foi o Estado, que não poderá ser responsabilizado, pois faltará nexo de causalidade. Porém, as doutrinas francesa e brasileira consideram que, em algumas situações, mesmo ocorrendo motivo de força maior, despontaria a responsabilidade do Estado, se ficasse demonstrada a sua omissão em realizar determinados serviços que impedissem a ocorrência dos danos verificados. Entretanto, é mister observar, nesta hipótese considerada de ato ou comportamento omissivo do Estado, a responsabilidade não seria objetiva. [...] Estar-se-ia cogitando, agora, da responsabilidade subjetiva, fundada na culpa do serviço público, a culpa anônima despersonalizada da teoria publicista.
Conclui-se, caso o dano ocorra por força maior não haverá
responsabilidade do Estado. Se ocorrer prejuízo por força maior e, juntamente, a
omissão do Estado em realizar determinados serviços que impedissem os danos
ocasionados haverá responsabilidade do Estado. Responsabilidade esta por
omissão. O caso fortuito não exclui a obrigação do Estado indenizar ou ressarcir.
1.3.2.4.3 Culpa de terceiro
Alguns doutrinadores ainda citam como excludentes da responsabilidade do
Estado à culpa de terceiro e o estado de necessidade.
126
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 39.
48
Na culpa de terceiro o Estado nem sequer agiu ou omitiu-se para acarretar a
responsabilidade, mas sim um terceiro estranho à relação Estado- administrado.
Assim, ensina Araújo127:
A equação dos dados dirigidos à causalidade responsabilizante não chega a se formar, pois não ocorre no caso de culpa devidamente comprovada de terceiro, quer a ação danosa, quer a omissão prejudicial do Estado, mas sim de um terceiro, estranho, naquele exato momento, à relação Estado-administrado.
Quando, o ato de terceiro é causa exclusiva do prejuízo, desaparece a
relação de causalidade entre a ação ou a omissão do agente e o dano. A exclusão
da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características
semelhantes às da força maior, sendo imprevisível e inevitável. Assim, somente
quando o fato de terceiro se revestir da inevitabilidade e imprevisibilidade, e,
portanto, equipara-se à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade
do Estado128.
1.3.2.4.4 Estado de necessidade
Quanto ao estado de necessidade afirma Stoco129 que para alguns autores
seria também causa de exclusão da responsabilidade do Estado, por prevalecer o
interesse geral sobre o pessoal ou mesmo sobre os direitos individuais. Porém,
entende que se tratando de responsabilidade objetiva do Estado, não se pode
considerar as situações personalíssimas como causas excludentes. A legítima
defesa, o estado de necessidade ou o estrito cumprimento de dever legal, na
atuação do agente público não são excludentes da responsabilidade objetiva do
Estado. Se não se caracterizam como ilícito penal ou civi l para o agente, não tem
condão de romper o liame causal para o Estado.
127
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 741. 128
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 746. 129
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais Ltda, 2004. p. 976.
49
O estado de necessidade não é excludente admitida de forma unânime.
Aduz Araújo130:
Realmente, estão presentes, sem exceção, todos os dados necessários ao equacionamento da responsabilidade pública; mas uma circunstância específica, que é o interesse coletivo, elidirá a obrigatoriedade de ressarcimento do dano pelo Estado. No entanto, não se trata de excludente pacificamente admitida. O Estado dispõe de poderes para condicionar e/ou sacrificar direitos, inclusive patrimoniais, para permitir a prevalência de um interesse público ou social, [...]. Ora, o Estado (por seus agentes) tem o dever de prevenir e proteger a coletividade de situações que lhe sejam prejudiciais, concreta e potencialmente, e mesmo no caso de inevitabilidade do sacrifício do bem ameaçado, isto não significa necessariamente que o administrado prejudicado deva arcar sozinho com o ônus: o princípio da solidariedade patrimonial da coletividade frente ao prejuízo suportado por um administrado é exatamente o fundamento da responsabilidade civil objetiva do Estado.
Assim, essa excludente conforme Araújo131 só existiria em casos
excepcionais como guerra, revolução, estado de sítio.
Conclui-se, que pela teoria do risco administrativo o Estado seria
responsabilizado, sem necessidade de se provar que agiu com culpa para causar o
dano, porém necessário a existência do nexo causal, ou seja, o Estado agiu e dessa
ação resultou um dano. A força maior e a culpa exclusiva da vítima não seriam,
então, causas excludentes, pois nem ocorreu o liame entre a ação do Estado. Logo,
o Estado não responderia por que ocorreu excludente, mas sim porque não se
caracterizou a responsabilidade.
Alguns doutrinadores acima mencionados entendem que pela teoria do
risco administrativo o Estado não seria responsabilizado não só quando ocorresse
culpa exclusiva da vítima e força maior, mas também quando houvesse culpa de
terceiro ou estado de necessidade.
130
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 744. 131
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
744.
50
1.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS
1.4.1 Atos praticados pelo Poder Judiciário
No exercício de sua função o Poder Judiciário pratica atos típicos e atípicos.
Seriam atos típicos proceder a julgamentos e atípicos atos de natureza
administrativa e legislativa.132
Carvalho Filho133 considera os atos típicos como atos jurisdicionais e os atos
atípicos como atos judiciários. Cabe ressaltar a distinção feita pelo doutrinador
quanto aos atos jurisdicionais e atos judiciários, que assim os define:
[...] atos jurisdicionais do juiz (aqueles relativos ao exercício especifico da função do juiz). Atos judiciários é a expressão que tem sido normalmente reservada aos atos administrativos de apoio praticados no Judiciário. [...] Como todo Poder do Estado, o Judiciário produz inúmeros atos de administração além daqueles que correspondem efetivamente a sua função típica. São, portanto, atos administrativos, diversos de atos jurisdicionais, esses peculiares ao exercício de sua função. [...].
O Poder Judiciário realiza uma série de atividades que não se enquadram no
conceito de atos jurisdicionais. Tais são, por exemplo, atos de administração geral
de seus serviços (pessoal, transportes, material, comunicações, finanças, licitações,
etc.). Os atos jurisdicionais restringem-se a atividade fim do Judiciário - a aplicação
da lei ao caso concreto134.
Assim, os atos jurisdicionais são os praticados pelo magistrado no exercício
da respectiva função, quais sejam, despachos, decisões interlocutórias, sentenças.
Denota-se, portanto, que para os atos judiciários, que são atos
administrativos praticados no âmbito do Poder Judiciário, a responsabilidade do
Estado é objetiva. Já quanto aos atos jurisdicionais há divergência. Existem
entendimentos que não aceitam a responsabilidade do Estado por atos
jurisdicionais, outros admitem. E, ainda, ocorre uma terceira corrente no sentido de 132
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 33. 133
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.515. 134
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
794.
51
que, para condutas dolosas do magistrado há responsabilidade objetiva do Estado, e
nas condutas culposas na esfera penal ocorre responsabilização por danos (artigo
5º, inciso LXXV, da CRFB/88)135.
1.4.2 Atos judiciais dolosos
Quantos aos atos judiciais dolosos ou culposos praticados por agentes
públicos a CRFB/88 possibilita a responsabilidade do Estado, assegurando o direito
de regresso contra os agentes (§ 6º, artigo 37). Todavia, a legislação ordinária
dispõe sobre a responsabilidade pessoal do agente público em alguns casos, tais
como artigo 133, do Código de Processo Civil - CPC136, artigo 954, caput e seu
parágrafo único, que deve ser entendido em conjunto com artigo 927, ambos do
CC/2002137, inciso I, do artigo 1744, CC/2002138.
Tais dispositivos visam à responsabilidade pessoal do juiz, sem que o
Estado seja responsabilizado. Há quem entenda (Araújo) que essas disposições são
incompatíveis com a CRFB/88. Esta prevê a responsabilidade civil do Estado por
atos dolosos e culposos de seus agentes. Ainda, caso interpretasse o disposto no
135
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 689/690. 136
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Repurtar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no número II, só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez (10) dias. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed.
São Paulo: Rideel, 2009.Código de Processo Civil. p. 275). 137
Art. 927. Aquele que, por ato il ícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. [...] (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel,
2009.Código de Processo Civil. p. 275). Art. 954. A indenização por ofensa a liberdade pessoal consistirá no pagamento de perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar o prejuízo, tem aplicação o disposto no
parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos a liberdade pessoal: I - Cárcere privado;
II - A prisão por queixa ou denúncia falsa e de má – fé; II I- A prisão ilegal. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.Código Civil. p. 186). 138
1.744. A responsabilidade do Juiz será: I – direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente; [...] (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.Código
Civil. p. 229).
52
inciso I, do artigo 133, do CPC de forma literal o Estado não seria acionado nem por
danos causados pelo magistrado em seus atos administrativos 139.
Nos casos de dolo do magistrado o Estado responderá, e, por meio de ação
regressiva, cobrará do magistrado o valor que despendeu. Nesse diapasão, entende
Meirelles140:
Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de ofício, nos expressos termos do art. 133, do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado.
Dispositivos de leis ordinárias (CC/2002, CPC) que prevêem a
responsabilidade do magistrado, não o responsabilizam de forma isolada, apenas
criam um novo caso de responsabilidade do Estado141.
1.4.3 Erro judiciário
A CRFB/88 alcançou direito à indenização por erro judiciário à condição de
garantia fundamental do cidadão ao dispor em seu artigo 5º, LXXV142: “O Estado
indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do
tempo fixado na sentença”.
Entende Meirelles143:
O ato judicial típico, que é a sentença ou a decisão, enseja responsabilidade civil da Fazenda pública, nas hipóteses do art. 5º, LXXV, CF/88. Nos demais casos tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão está suficiente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam.
139
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
798. 140
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 667. 141
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 641. 142
Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Processo
Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 15. 143
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p. 667.
53
Ensina Araújo144 que apesar do dispositivo constitucional ser elaborado
provavelmente para erro judiciário penal, ele abrange erros em outros ramos do
direito e sintetiza os casos de erro judiciário: dolo do juiz; culpa do juiz (negligência e
imprudência); decisão contrária às provas dos autos ; indução a erro, através de
elementos juntados ou não aos autos; erro na análise das provas, na aplicação do
direito cabível, ou até erro profissional; aparecimento de fatos ou elementos que
venham contradizer ou anular provas relevantes dos autos.
Dias145 ensina que o erro judiciário pode ter origem em múltiplas situações
agrupando-as da seguinte forma: a) dolo do agente julgador, provocando o erro de
forma consciente com objetivo de prejudicar partes ou terceiros; b) culpa do agente
público julgador, imperícia (obtusidade ou despreparo técnico), negligência
(desatenção, desídia), desconhecendo o julgador o direito a ser aplicado no caso ou
interpretando mal ou proferindo decisão sem sustentação no ordenamento jurídico,
leviano na valorização das provas, fazendo com que os fatos da causa fiquem
truncados na decisão, admitindo fatos inexistentes, porque não confortados pelas
provas produzidas, ou considerando inexistentes fatos provados, tudo isso não
fundamentando as decisões, não analisando os argumentos das partes; c) dolo ou
culpa dos agentes auxiliares dos órgãos jurisdicionais, como a autoridade policial, o
escrivão, o oficial de justiça, quando apresentam, no processo, elementos
mentirosos, errôneos, deturpados, deficientes ou falsos, induzindo o agente julgador
a cometer erros; d) surgimento posterior de fatos relevantes e comprovados que
possam contradizer ou anular elementos, que modificam a decisão em sentido
contrário.
Importante trazer o que Dias146 comenta sobre a sua classificação das
modalidades de erro judiciário. Ele afirma que as situações descritas nas
enumerações das letras a, b e c do parágrafo anterior configuram erros judiciários
que acarretam responsabilidade do Estado, eis que causados pelos agentes
públicos escolhidos e nomeados pelo Estado. Porém, na hipótese da letra d há o
erro escusável, se ocorrente no processo civil, desonerando o Estado da obrigação
144
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 807. 145
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 188-189. 146
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 190-191.
54
indenizatória, porque os fatos posteriormente descobertos não afloram no processo
onde despontou o erro judiciário. Entretanto, na mesma situação retratada na
indicada letra d, retro, fatos e elementos de prova somente descobertos após a
sentença condenatória, que acarretariam a absolvição, se considerados no processo
penal, haverá obrigação reparatória do Estado pelos prejuízos causados, devido ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
Relacionado ao erro judiciário penal encontra-se a revisão criminal, instituto
que tem por finalidade atacar erro judiciário penal com sentença transitada em
julgado, previsto nos artigos 621 a 631, do Código de Processo Penal - CPP.
Dispõe o artigo 621, do CPP147:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Necessário mencionar que apesar da revisão criminal estar ligada a erro
judiciário, há entendimentos que ela não é requisito para reconhecimento do mesmo,
ou seja, pode haver responsabilização do Estado por erro judiciário sem existir a
ação de revisão criminal. Neste sentido entende Cahali148:
Na realidade, embora aparentemente restritivo o art. 630 do estatuto processual penal, ao condicionar a responsabilidade indenizatória à revisão criminal, ainda assim prestava-se para determinar essa responsabilidade que teve como causa o erro judiciário decorrente de falha do aparelhamento policial, acolitada pela Justiça, como aconteceu no Caso Naves. De qualquer forma, a ausência de pedido incidente na revisão criminal, ou mesmo a própria inexistência de uma prévia revisão criminal, jamais constituiu óbice para exercício da ação indenizatória por erro judiciário.
Com a ação de revisão criminal tem-se já o direito de pedir indenização ao
Estado por erro judiciário, todavia mesmo sem tal ação como no caso das prisões
147
ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Universitário de Direito. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 425. 148
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2005. p. 777–778.
55
processuais em que ocorreu erro judiciário há interpretação que já cabe ação de
indenização contra o Estado.
1.4.4 Teoria da Irresponsabilidade
Di Pietro149 ensina que os que refutam a responsabilidade do Estado por
atos jurisdicionais fundamentam-se na alegação da soberania do Poder Judiciário,
na independência dos magistrados no exercício de suas funções, sem temor de
responsabilização, no fato do juiz não ser funcionário público, no desrespeito à coisa
julgada. Ainda, arrolam como fundamento da irresponsabilidade do Estado nos atos
jurisdicionais o fato de não haver lei específica e na falibilidade do magistrado 150.
Também, existe como fundamento para irresponsabilidade do Estado por ato
jurisdicional a afirmação de ser este extensão dos atos do Poder Legislativo. Nesse
sentido, ensina Diniz mencionando Leme151:
A irresponsabilidade do Estado por atos do judiciário é extensão da irresponsabilidade legislativa, porque o órgão judicante, ao sentenciar, indica a lei aplicável ao caso sub judice e a autoridade da res judicata é extensão da autoridade da lei.
Araújo152 afirma que os que defendem a irresponsabilidade do Estado
entendem que a possibilidade de responder regressivamente seria uma “espada” na
cabeça dos juízes, lhes retirando a tranqüilidade e a independência ao julgar.
Sobre o fundamento da soberania do Estado afirma Carvalho Filho 153 “sendo
atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da
própria soberania”.
149
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 606. 150
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 691. 151
LEME, LINO. Da responsabilidade civil fora do contrato, 1917, p. 102 e 103; DIAS, Aguiar, op. cit.,
v. 2, p. 323; LESSA, Pedro, Do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1915, p. 164 e 165 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 635. 152
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 790. 153
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.515.
56
Ainda, em relação aos que acolhem a teoria da irresponsabilidade
argumentam à soberania no seguinte sentido: “o Poder Judiciário é soberano, pois o
exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei, logo sua atuação não
poderá resultar responsabilidade do Estado” 154.
Assim, excetuando as condenações penais injustas (art. 630, CPP) e atos
dolosos do magistrado (art. 130, CPC), afirma Gasparini 155: “A sentença não pode
propiciar qualquer indenização por eventuais danos que possa acarretar às partes
ou a terceiros, dado que ato da essência da soberania (RDA, 105:217, 114:298)”.
Segundo Diniz156, os que argumentam a favor da irresponsabilidade
baseado na independência, assim, fundamentam:
Os juízes agem com absoluta independência, não sofrendo nenhuma pressão que empate sua autonomia funcional. A irresponsabilidade do Estado por ato jurisdicional decorreria da independência funcional da magistratura, pois, se assim não fosse o órgão judicante poderia se atemorizar ao prolatar sentenças [...].
Ainda, admitir-se a responsabilidade do Estado por dano decorrente de
sentença, estar-se-ia infringindo a regra da imutabilidade da coisa julgada. Esta tem
em seu teor uma presunção de verdade que não admite contestação157.
Diante do exposto, conclui-se que há doutrinadores que argumentam pela
irresponsabilidade do Estado nos atos jurisdicionais.
1.4.5 Teoria da Responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais
Os fundamentos da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais são
desmontados um a um por aqueles que entendem cabível a responsabilidade.
Há uma corrente que postula que a soberania do Judiciário não é
fundamento para irresponsabilidade do Estado. Nesse sentido Coelho158:
154
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 634. 155
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 975. 156
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 634. 157
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. p. 606.
57
Os argumentos da soberania não procedem. Com efeito, os Poderes, conquanto independentes, não são soberanos, não exercem a soberania incontrastável, mas encontram limites nas competências constitucionais. A soberania, lembre-se, é atributo do Estado na perspectiva do direito internacional e do direito interno, e não pode ser confundida com atuação arbitrária, ilegal, inconstitucional dos Poderes. A admitir essa estranha tese, como às vezes o fez o Supremo Tribunal Federal, não seria o caso de argüir se soberanos também não seriam os poderes Executivo e Legislativo? Por que só os atos do Poder Judiciário seriam insuscetíveis de gerar reparação a pretexto de sua soberania? Acaso os demais Poderes não seriam também soberanos? [...] Não a de confundir independência com soberania. E nenhum exercício da soberania pode sobrepor-se a Constituição da República.
A independência dos poderes não exclui a responsabilidade do Estado por
atos do Poder Judiciário. Justifica Di Pietro159: “[...] porque se trata de atributo
inerente a cada um dos Poderes. O mesmo temor de causar o dano poderia
pressionar o Executivo e Legislativo”.
Ainda, a responsabilidade é do Estado e não do juiz. Portanto, a
independência do magistrado estaria assegurada. Nesse diapasão, aduz Diniz160:
A independência da magistratura não é argumento viável para afirmar a irresponsabilidade do Estado, pois é precisamente porque a responsabilidade seria do Estado e não do Juiz que a independência deste estaria assegurada. Não há oposição entre a independência do Juiz e a responsabilidade estatal, uma vez que esta não atinge, de modo algum, a independência funcional do magistrado.
Em relação ao fundamento do juiz não ser funcionário público entende Di
Pietro161:
Quanto não ser o juiz funcionário público, o argumento não é aceitável no direito brasileiro, em que ele ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria profissional. Ainda que se entendesse ser ele agente político, seria abrangido pela norma do artigo 37,§ 6º, da Constituição Federal que emprega precisamente o vocábulo agente para abranger todas as categorias de pessoas que, a qualquer título prestam serviços ao Estado.
158
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 438. 159
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 628. 160
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 636. 161
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 628.
58
É uma das prerrogativas do Poder Público “dizer o Direito”, ou seja, aplicar
contenciosamente a lei ao caso concreto, o que o Estado faz, em nosso regime
constitucional, através do Poder Judiciário. Assim, o magistrado, ao exercer sua
função, estará desempenhando atividade de competência privativa do Estado,
aplicando a lei a casos particulares, além das atividades administrativas que exerce.
É o juiz, portanto, agente público, e só isso bastaria na redação do § 6º, do artigo 37,
da CRFB/88 para configurar a responsabilidade do Estado pelo serviço público
judiciário162.
Quanto à ofensa a coisa julgada, ensina Di Pietro163 que uma coisa é admitir
a coisa julgada, outra é responsabilizar o Estado, o que se pretende é uma
indenização e não que a coisa julgada seja modificada, assim dispondo:
Com efeito, o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes, a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência do erro judiciário.
A falibilidade dos juízes não pode ser argumento para o Estado não ser
responsabilizado. Se os juízes erram é porque são seres humanos. Caso a
falibilidade fosse argumento, qualquer outra pessoa (até mesmo outro agente
público) poderia causar dano e não responder civilmente 164.
O argumento de ausência de lei específica dispondo sobre a
responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais não merece prosperar com
suporte de que existem normas convergentes no sentido de conferir tal
responsabilidade. A começar pelo § 6º, do artigo 37, da CRFB/88 que dispõe sobre a
responsabilidade do Estado, independentemente, do exercício de qual função.
Ainda, há fulcro para a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais nos
162
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 791. 163
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 629. 164
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito
Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 693.
59
dispositivos: incisos LXXV e LXXVIII, artigo 5º, da CRFB/88; artigo 133 do CPC;
artigo 630 do CPP; artigo 1744 do CC/2002165.
Diante do analisado acima, conclui-se que tanto há fundamentos para a
irresponsabilidade do Estado quanto para a responsabilidade do Estado por atos
jurisdicionais. Uma coisa é certa, ou seja, caberá responsabilidade do Estado por
atos jurisdicionais com fulcro no art. 5º, LXXV, CF/88.
Assim, no capítulo seguinte, tratar-se-á das modalidades de prisões
processuais e os fundamentos para sua decretação. Com a finalidade de saber
quando as prisões cautelares, advindas de atos judiciais ou judiciários, desrespeitam
princípios, pressupostos e/ou fundamentos. Para, enfim, concluir em que casos as
prisões cautelares poderão acarretar a responsabilidade do Estado.
165
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito
Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 693.
60
2 PRISÃO CAUTELAR
Neste capítulo, trar-se-ão considerações gerais relativas às prisões
processuais. Para um melhor entendimento da pesquisa ora realizada, é importante
destacar o conceito de prisão cautelar, diferenciando-a da prisão-pena.
Posteriormente, abordar-se-ão as modalidades de prisões processuais e suas
peculiaridades. Bem como, os princípios, os pressupostos e os fundamentos dessas
prisões.
Inicia-se o presente capítulo com os princípios relacionados às prisões
cautelares, pelo motivo de eles serem normas basilares que regem todo o
ordenamento jurídico.
As prisões processuais objetivam auxiliar o curso do processo penal para
uma aplicação da pena ao final. Tanto no curso, quanto ao final do processo, devem
ser observados os princípios, evitando-se prisões arbitrárias.
Os princípios pelo motivo de serem normas basilares que regem todo
ordenamento são de fundamental importância para saber em que momento uma
prisão processual é necessária. Não adianta respeitar os requisitos de uma medida
cautelar e se esquecer dos princípios.
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS PRISÕES
CAUTELARES
2.1.1 Da dignidade da pessoa humana
Esse princípio é previsto na CRFB/88, em seu artigo 1º, inciso III. A
dignidade da pessoa humana pressupõe a ocorrência de respeito à existência, à
vida e à integridade física do ser humano, como condições mínimas. Bem como,
devem ser resguardadas a intimidade e a identidade do indivíduo, com a garantia da
igualdade para outrem, sem que se possa excluir também sua condição psicofísica.
61
A dignidade é um predicado inerente à condição do homem, uma condição essencial
à sua auto-estima, ao respeito por parte de outrem, uma qualidade que é
absolutamente fundamental ao gozo pleno da vida 166.
O princípio da dignidade da pessoa humana origina-se do direito à vida
protegido constitucionalmente, pois o direito à vida deve ser assegurado na acepção
do direito de continuar vivo e ter vida digna167.
Sendo fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da
pessoa serve como objetivo e limite da ação dos poderes estatais. Nesse sentido,
ensina Dalabrida168:
Reconhecida expressamente como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, inc. III), a dignidade da pessoa humana passa a funcionar simultaneamente como objetivo e limite da ação dos poderes estatais, reclamando que toda ordem de intervenção, notadamente no campo penal, preserve a dignidade existente, respeitando a integridade física, corporal, moral [...].
Sobre a dignidade da pessoa humana, Peixinho, Guerra e Nascimento
Filho169 aduzem que é a base de todo o ordenamento jurídico, in verbis:
A dignidade da pessoa humana é o princípio que perpassa todo o ordenamento constitucional. Tudo o que se expressa constitucionalmente tem por fundamento a dignidade da pessoa humana. Esta se exprime a partir do momento em que são garantidas condições de vida digna para todos os cidadãos, aberto os canais de participação da cidadania nos assuntos públicos e conferidos condições para que se exerça em graus cada vez maiores a potencia criativa, através de um processo de liberação e autodeterminação do ser humano.
Também no sentido que a dignidade é um princípio basilar do ordenamento,
ensina Dalabrida170 que o direito à vida, à liberdade e à igualdade correspondem
diretamente as exigências mais elementares da dignidade humana. Assim, ela
constitui num valor guia não apenas dos direitos fundamentais, mas também de toda
ordem constitucional.
166
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 38. 167
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo: Atlas,
2006. p. 31. 168
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 68. 169
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 468. 170
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 71.
62
Quanto à dignidade da pessoa humana ligada ao processo penal,
Dalabrida171 aduz:
Ligado diretamente ao campo processual penal e ao foco da investigação, o princípio da dignidade da Pessoa Humana obriga que toda e qualquer intervenção estatal cautelar constritiva da liberdade pessoal somente se concretize quando absolutamente inexistentes alternativas menos danosas e ultrajantes ao indivíduo e, mesmo quando imprescindível, opere-se de modo a preservar a condição do homem como pessoa, livre de atentados à sua integridade física, corporal, à sua imagem e todos os demais efeitos deletérios de uma prisionização prematura.
Martins172 afirma que o princípio da dignidade abrange diversas áreas do
direito, no processo penal, a repercussão impõe que o acusado deixa de ser um
objeto de direito para ser um sujeito, sendo-lhe garantidos direitos como a prova e
contraprova, ampla defesa e:
Também lhe garante o Direito de não vir a ser preso sem que tenha sido surpreendido em flagrante delito ou ausente ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ou ainda, quando inexistente condenação criminal à pena privativa de liberdade, transitada em julgado.
Pelas definições, conclui-se que a dignidade da pessoa humana é o princípio
raiz de todo ordenamento jurídico. Desse princípio originam-se todas as garantias e
direitos do ser humano, principalmente, no direito processual penal, impondo, então,
um limite ao poder estatal – ou seja, o Estado pode exercer sua soberania deste que
respeite os direitos (vida, honra, dignidade) de cada cidadão. Assim, por tal princípio
incabível restringir a liberdade sem fundamento, pois tal restrição violaria a
dignidade da pessoa humana.
2.1.2 Do Estado de inocência – não culpabilidade
Dispõe o inciso LVII, do artigo 5º, da CRFB/88 173, que: “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
171
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 69. 172
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 42. 173
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal. p. 28.
63
Com essa disposição origina-se no ordenamento brasileiro o princípio conhecido
como da presunção da inocência.
Tal princípio originou-se devido a conquistas do homem com as idéias
iluministas, na Revolução Francesa, que lutaram por liberdade, democracia e
valores fundamentais do ser humano. Antes, imperava no processo penal uma
estrutura inquisitória. Sobre tal estrutura afirmam Peixinho, Guerra e Nascimento
Filho174:
Prevalecia, na verdade, uma verdadeira presunção de culpa, onde devia o acusado provar sua inocência. A simples instauração de um processo penal já era suficiente para tratar o acusado como culpado e este deveria, ao longo do processo lutar de forma desigual, para se ver livre das sanções já impostas. E esta tarefa revelava-se extremamente árdua, uma vez que ele próprio além de defender-se sozinho, não tinha conhecimento do conteúdo das acusações nem das provas apresentadas contra ele [...] Em relação a apreciação da prova prevalecia de forma plena o livre convencimento do julgador. Este expressava seu convencimento na sentença, mas não tinha obrigação de expor as razões que levaram-no a impor a condenação ao réu.
Ainda, ensinam os mesmos doutrinadores175 que com o Iluminismo:
“Substituiu-se, então, o favor societate pelo favor rei da mesma forma que a
presunção de culpa perdeu lugar para a presunção de inocência”.
Todavia, mesmo com a Revolução Francesa, o princípio sofreu forte repulsa,
sendo considerado uma “fórmula vazia, absurda e ilógica”. Essa concepção acabou
influenciando o CPP, ainda vigente, que permaneceu com ação repressiva 176.
Repudiando o princípio da presunção de inocência existiam críticas da
escola positivista e da escola técnico jurídica, e na defesa do princípio havia a teoria
da escola liberal clássica. Manzini, Bettioo, críticos de tal princípio, entendiam a
presunção como uma probabilidade baseada no que geralmente ocorre, e que,
quando alguém é acusado, as estatísticas de condenação são maiores do que de
uma absolvição. Haveria, assim, uma presunção de culpa. Também críticos, da
escola técnico jurídico, como Mortara, defendiam que o CPP é um sistema de
174
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 408. 175
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 409. 176
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba:
Juruá, 2004. p. 71.
64
defesa social – interesse público de punição do acusado - não cabendo princípio da
presunção de inocência no ordenamento jurídico177.
Ainda quanto aos precedentes históricos, ensina Bonfim178:
O princípio se positiva pela primeira vez no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 26. 8. 1789), inspirado na razão iluminista (Voltaire, Rousseau etc.). Posteriormente, foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (22.5.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembléia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).
Afirmam Peixinho, Guerra e Nascimento Filho 179 que tal princípio foi motivo
de preocupação em dois momentos, um na Revolução Francesa e outro depois da
segunda guerra mundial. Sendo previsto no Pacto Internacional relativos aos direitos
civis e políticos, adaptado pela Organização das Nações Unidas em 1966, e, em
1968, pela Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da
Costa Rica, aprovada em 1969, ratificada pelo Brasil, também prevê o princípio do
estado de inocência180.
Quanto ao termo presunção de inocência, na CRFB/88 não há presunção,
mas sim afirmação da inocência, ao garantir que ninguém pode ser considerado
culpado até o trânsito em julgado antes da sentença condenatória. O princípio
presunção de inocência recebeu tratamento distinto na CRFB/88. Porquanto, com
efeito, não se fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela,
como valor normativo a ser considerado em todas as fases da persecução penal,
abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré - processual) quanto a fase
processual propriamente dita (ação penal)181.
Nesse diapasão, ensina Bonfim182:
177
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 409. 178
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44. 179
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os
princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 410. 180
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 72. 181
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 415. 182
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 45.
65
Sustenta a boa doutrina que a expressão “presunção de inocência” é de utilização vulgar, já que não é tecnicamente correta. É verdade. Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico – dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente deste liame entre ambos. No caso, o que se tem mais propriamente é a consagração de um princípio de não culpabilidade, até porque a Constituição Federal (art. 5º, LVII), não afirma presumir uma inocência, mas sim garantir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Assim, o princípio em questão alberga uma garantia constitucional, referindo-se, pois a um “estado de inocência” ou de “não culpabilidade”: vale dizer, ninguém pode ser reputado culpado até que transite em julgado sentença penal condenatória.
No sentido de que a denominação correta seria princípio da não
culpabilidade, ensina Mirabete183 que a CRFB/88 em seu dispositivo não “presume”
a inocência, apenas afirma que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do
processo, e seu estado só se modifica com uma sentença final condenatória. Para o
doutrinador, com a idéia de Carlos J. Rubianes há uma presunção de culpabilidade
ao se instaurar a ação penal, pois se não tira a inocência a coloca em dúvida, e,
diante disso, afirma que as prisões cautelares não infringem tal princípio.
Peixinho, Guerra e Nascimento Filho184 interpretam o termo presunção como
um raciocínio indutivo assente na idéia de probabilidade, ou seja, presume-se algo
que tenha possibilidade de acontecer e afirmam que: “Assim, a antecipação de uma
consideração final de inocência é o expediente prático para garantir o maior número
de direitos fundamentais possíveis ao réu”.
O princípio da presunção de inocência não deve ser interpretado
literalmente, pois se fosse ninguém poderia ser processado. A finalidade de referido
princípio é que nenhuma pena possa ser imposta antecipadamente . Ensina Tourinho
Filho185:
Contudo a expressão presunção de inocência não deve ter seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado – mas no sentido em que foi concebido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1989: nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. E a melhor doutrina acrescenta: a prisão antecipada se justifica como providência exclusivamente cautelar, vale dizer, para impedir que a
183
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23. 184
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 412. 185
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. 29. ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 62.
66
instrução criminal seja perturbada, ou, então, para assegurar a efetivação da pena.
Assim, a presunção de inocência impede de dizer que alguém é culpado, e
contra ele aplicar a sanção antecipadamente, sem que se tenha percorrido todo o
iter necessário para a sua declaração, por intermédio do processo-crime com
garantias constitucionais, culminando com a prolação da sentença criminal
condenatória transitada em julgado186.
Há duas vertentes básicas para o significado de presunção de inocência
como garantia constitucional uma, norteia o legislador para elaboração de normas
que lidem com o tratamento processual de um acusado, evitando que surjam leis
que desprezem o estado de inocência do acusado; e a outra, orienta o processo
penal no sentido de que a presunção de inocência acompanha o acusado em todo
trâmite do processo penal187.
Em relação à finalidade de tal princípio, ensina Dalabrida188:
Nascido para dar cobro ao uso indiscriminado de medidas odiosas contra a pessoa do acusado, inclusive com o emprego da tortura, e em reação a um sistema processual fundado nas provas legais, da própria fórmula anunciada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é possível entrever o dublo significado do princípio: a) desobrigar o acusado do fornecimento de provas da sua inocência; b) impedir a adoção de medidas constritivas da liberdade pessoal do acusado antes do reconhecimento da sua culpabilidade, salvo hipóteses de absoluta necessidade.
Apresentados os dois objetivos do princípio do estado de inocência. Afirma
Bonfim189, com base no doutrinador Manuel Jaén Vallejo, que o princípio vai se
referir aos fatos, pois será ônus da acusação demonstrar a ocorrência do delito e
sua autoria, e, ainda, sobre o segundo objetivo ensina que decorre a
excepcionalidade de qualquer modalidade de prisão processual.
Mirabete 190 entende que decorrem de tal princípio:
186
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 49. 187
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 411. 188
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 71. 189
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 46. 190
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 24.
67
Em decorrência do princípio do estado de inocência deve-se concluir que: (a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever de provar sua inocência, cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para condenar o acusado o juiz deve ter convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in dúbio pro reo).
Em relação ao ônus da prova, advindo do princípio do estado de inocência,
ensina Moraes191: “Dessa forma, há necessidade de o Estado comprovar a
culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena
de voltarmos ao total arbítrio estatal”.
O princípio in dubio pro reo decorre do princípio do estado de inocência.
Neste sentido, Peixinho, Guerra e Nascimento Filho 192:
Desta forma, se depois de toda prova colhida, não possa ser subtraída a dúvida razoável e como o princípio da investigação impõe que o julgador reúna todas as provas necessárias a se chegar uma decisão, esta não pode vir a condenar o réu, à luz da presunção de inocência. Caso contrário teríamos um ônus da prova a cargo do acusado, que, não provando a sua inocência seria condenado. Teríamos então uma verdadeira presunção de culpa reinando no processo. Poderíamos dizer, dessa forma, que o in dubio pro reo encontra respaldo na isenção de qualquer ônus de prova para o acusado, ou seja, na presunção de inocência.
O princípio da presunção de inocência adveio da opção garantista a favor
da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que isso acarrete a impunidade de
algum culpado193.
Logo, com o princípio da presunção de inocência afastaram-se as prisões
antecipadas que tinham por finalidade uma aplicação da pena, presentes num
processo penal de estrutura inquisitória, em que bastava a simples acusação para
que fosse decretada a prisão processual194.
Conclui-se que, a denominação presunção de inocência, acarreta críticas se
seria adequado o vocábulo presunção, este pode ser interpretado de diversas
191
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo:Atlas,
2006. p. 103. 192
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 418. 193
FERRAJOLI, Luigi apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 75 194
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os
princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 419.
68
maneiras: entende-se pela palavra que seria uma operação lógico – dedutiva,
ligando um fato provado (um indício) a outro a ser provado; em segundo sentido,
interpreta-se que seria uma probabilidade de o acusado ser inocente ao final do
trâmite processual. Todavia, independente de qual semântica se queira adotar a
CRFB/88 não presume, ela afirma que ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado. Então, a CRFB/88 tutela um estado de não culpabilidade.
Durante todo o trâmite processual, mesmo sendo acusado, o denunciado ou
querelado tem status de inocente, devendo seus direitos e garantias serem
respeitados, tanto pelo legislador ao criar leis, quanto pelos juristas no trâmite do
processo, e até mesmo pelos agentes prisionais na fase inquisitória. Como
conseqüência disso, impossível aplicar-se uma pena com caráter punitivo se não foi
prolatada uma sentença condenatória. Assim, a prisão preventiva passou a ter
caráter, realmente, cautelar, servindo para instrução e trâmite do processo, como
uma medida excepcional.
2.1.3 Do direito à liberdade
O texto constitucional em seu dispositivo 5º, caput, CRFB/88195 garante aos
brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, entre outros direitos, o direito à
liberdade.
O direito à liberdade pode ser interpretado por diversas vertentes, como
liberdade de crença (inciso VI, artigo 5º, CRFB/88), liberdade da atividade
profissional (inciso XIII, artigo 5º, CRFB/88), liberdade do pensamento (inciso IV,
artigo 5º, CRFB/88), liberdade de reunião (inciso XVI, artigo 5º, CRFB/88), liberdade
de expressão (inciso IX, artigo 5º, CRFB/88), liberdade de associação ( inciso XVII,
artigo 5º, CRFB/88). Em relação às prisões cautelares destaca-se a liberdade de
locomoção, prevista no inciso XV, artigo 5º, CRFB/88 196 da seguinte forma: “é livre a
195
Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...].Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Consti tuição Federal. p. 24. 196
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal .p. 26.
69
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Moraes197 conclui que o dispositivo supramencionado engloba quatro
situações: direito de acesso e ingresso no território nacional, direito de saída do
território nacional, direito de permanência no território nacional e direito de
deslocamento no território nacional.
Quanto à interpretação de tal dispositivo, ensina Rangel198:
Tratando-se de normas restritivas de um direito qual seja o direito constitucional de liberdade de locomoção (cf. art. 5 º, XV, da CRFB) a interpretação deve ser estrita. Em outras palavras, não há que se estender seu alcance nem restringi-lo, muito menos admitir-se a analogia, salvo se esta for in bonam partem. [...] Trata-se da adoção, no campo das liberdades públicas, do princípio da proibição do excesso, ou seja, uma limitação preventiva feita aos poderes públicos quando se tratar de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais, embasando, assim, o Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, as medidas inerentes ao poder de polícia do Estado são as previstas em lei (devido processo legal), não sendo utilizadas além do estritamente necessário.
A liberdade é um atributo do indivíduo, um direito assegurado ao ser humano
em sua essência. Pode, no entanto, vir a ser cerceada em condições
especialíssimas, desde que seja fundamentada nas razões legais, previamente
definidas, que justifique a restrição199.
A liberdade pessoal, considerada em stricto sensu, como direito de liberdade
de locomoção, antes mesmo de ser reconhecida como um direito institucional, já era
tida como direito natural do homem. O homem em sua essência é habituado a viver
livre e com plena autonomia das suas faculdades para satisfazer da forma como
melhor lhe aprouver às necessidades do espírito e de seu próprio ser. Todavia, a
vida em sociedade impõe determinadas regras de convívio, muitas vezes, limitando
a liberdade, com a finalidade maior de manutenção do equilíbrio do corpo social e o
respeito ao direito do outro. O ser humano pode tornar-se um desagregador dos
interesses e da paz social por meio de ações, que não podem passar
197
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo:Atlas, 2006. p. 112. 198
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 588. 199
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito
Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 44.
70
despercebidas, merecendo a repulsa da comunidade que deve valer-se dos mais
diversos meios para que seja mantida a ordem.
Assim é que, reconhecendo ser a liberdade pessoal antes de tudo um direito
natural e intangível do indivíduo, ao longo do desenvolvimento da humanidade e da
ciência jurídica, essa noção foi-se fortalecendo e hoje a liberdade da pessoa
humana ganhou total proteção do Estado200.
A liberdade de locomoção consiste no fundamento e o fim da atuação do
Estado. Afirma Dalabrida201:
Apresenta-se, pois, como um postulado fundamental do Estado Democrático de Direito, cuja a restrição só poderá ser admitida legitimamente em situações excepcionais. [...] Segue-se assim que toda e qualquer medida constritiva da liberdade, e, em especial, as de cunho jurídico penal, visto que são as que mais gravemente a oneram, somente pode ser admitida e tolerada quando sirvam a afirmação da própria liberdade mesma. Quer isso significar que a liberdade é a um só tempo o fundamento e o fim da potestade punitiva.
Assim, pela perspectiva constitucional, a regra é a liberdade. Ela só pode ser
excepcionada se, em decisão fundamentada pela autoridade judiciária competente,
forem demonstradas as razões fáticas e legais da necessidade, proporcionalidade e
utilidade, e, outrossim, a finalidade processual que toda medida cautelar deve
possuir, principalmente, as prisões processuais no processo penal202.
Conclui-se que a CRFB/88 garante aos indivíduos liberdades, dentre elas, a
liberdade de locomoção. A regra é que o indivíduo possa livremente utilizar de seu
direito de ir e vir, movimentar-se. Só em casos previstos na lei o Estado pode
restringir tal direito de forma temporária e justificada, não excluí-lo ou eliminá-lo.
Uma vez que, a liberdade é um atributo do ser humano, sendo inerente ao homem.
Diante do exposto, há mais um fundamento que obriga a excepcionalidade das
prisões cautelares.
200
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 11. 201
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 68. 202
FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência : Parte Processual Penal (arts. 251 a 393). v. 3. 2. ed.
rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 783
71
2.1.4 Da obrigatoriedade da persecução penal
A expressão latina jus puniendi significa direito de punir203. Pela
obrigatoriedade da persecução penal o Estado não tem só o direito de punir, mas
também o dever de punir. Diante de um crime de ação penal pública incondicionada
a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial e o Ministério Público
promover a ação penal.
Nesse sentido, ensina Mirabete204 que pelo princípio da obrigatoriedade o
Estado é obrigado a exercer o jus puniendi:
Por ser praticamente indispensável que os delitos não fiquem impunes (nec delict meneant impunita), no momento em que ocorre a infração penal é necessário que o Estado promova o jus puniendi, sem que se conceda aos órgãos encarregados da perseguição penal poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade de apresentar sua pretensão punitiva ao Estado – Juiz. O princípio da obrigatoriedade (ou da legalidade) que vigora entre nós obriga a autoridade policial a instaurar o inquérito policial e o órgão do Ministério Público a promover a ação penal quando da ocorrência da prática de crime que se apure mediante ação penal pública (arts. 5º, 6º e 24, CPP). [...].
Assim, o Estado não tem opção se deve punir ou não, ele tem o dever. O
princípio da obrigatoriedade da ação penal pública não é uma escolha arbit rária do
legislador, mas está inserido dentro de um contexto democrático, na qual o
funcionário do Estado não é dado dispor do interesse coletivo205.
Com finalidade de regular as relações entre as pessoas e o bem estar social
– originou-se o direito imposto pelo Estado, e esse soberano, porque se não o fosse
não teria legitimidade para impor aos particulares sua vontade. A soberania Estatal
adveio da reunião de um pouco de cada poder que tinha um particular, assim, os
particulares admitiram restrição aos seus direitos em prol da coletividade, pois o
Estado representa a sociedade206.
203
LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 166. 204
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 27. 205
JARDIM, Alfrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 76. 206
BECCARIA. Cessari. Dos delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2006. Tradução:
Torrieri Guimarães. p. 20.
72
Aduz Capez207 que, a partir do momento que o homem começou a viver em
sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer um controle, solucionando
interesses antagônicos, de forma imparcial e realizado ideais coletivos, sem tal
controle, seria o caos, pois cada um faria o que lhe achasse direito não respeitando
o dos outros, diante disso, origina-se o direito que é imposto pelo Estado.
Logo, originou-se o direito-dever de punir do Estado visando a proteção da
sociedade. Nesse sentido, Streck208 afirma que o dever de proteção estatal não
somente vale no sentido clássico (proteção negativa) como limite do sistema
punitivo, mas também, no sentido de uma proteção positiva por parte do Estado,
sendo a tarefa do Estado defender a sociedade. O direito penal tutela o indivíduo de
uma repressão desmesurada do Estado e protege, igualmente, a sociedade e os
seus membros dos abusos do indivíduo. São os dois componentes do direito penal:
a) o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual; e b) o
correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social, mesmo à custa
da liberdade do indivíduo. Tem-se, assim, a proteção positiva e a proteção contra
omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso
do Estado, como também por deficiência na proteção. Pois bem, isso significa
afirmar e admitir que a CRFB/88 determina – explícita ou implicitamente – que a
proteção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas: por um lado,
protege o cidadão frente ao Estado; por outro, protege-o por meio do direito punitivo
do Estado, uma vez que o cidadão também tem o direito de ver seus direitos
fundamentais tutelados.
Tourinho Filho209 ao mencionar Bustamante afirma:
Nota muito bem Gonzáles Bustamante que o jus puniendi equivale à legítima defesa que se reconhece aos particulares. A sociedade tem o direito de defender-se, adotando contra qualquer pessoa que ponha em perigo sua tranqüilidade as medidas preventivas e repressivas que sejam condizentes (Princípios de derecho penal mexicano, Porrúa, p. 3).
Quando se lesa ou põe em perigo o direito que interessa à própria
sociedade, o Estado, cuja finalidade é conseguir o bem comum, investido por isso no
207
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 4. 208
STRECK, Lenio. O dever de proteção do Estado (schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos
fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”?. Lenio Streck. Disponível em: < www.leniostreck.com.br>. Acesso em: 09/12/2008 209
BUSTAMANTE, Gonzales apud TOURINHO FILHO, Fernado da Costa. Processo Penal. v.1.29
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 10.
73
direito de punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator. O direito
penal, em sentido objetivo, é o conjunto de normas que descrevem os delitos e
estabelecem as sanções, e, em sentido subjetivo, o direito de punir do Estado.
Definindo abstratamente os fatos que devem ser considerados como infrações
penais e cominando para seus autores as sanções correspondentes, estabelece o
Estado os limites do jus puniendi em um plano abstrato. No momento, porém, em
que alguém prática um fato previsto na lei penal, o jus puniendi do plano abstrato
passa ao concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao infrator.
O jus puniendi, portanto, pode ser definido como o direito – dever que tem o Estado
de aplicar a pena cominada aquele que infringiu a norma210.
No momento em que o Estado proibiu a vingança privada, assumiu o dever
de prestar jurisdição, monopolizando esta atividade pública. Percebeu-se em
determinado momento histórico, que ao Estado deve caber o combate à
criminalidade, seja preventiva, seja repressivamente. O Estado tem o dever de punir.
Entretanto, valores socialmente relevantes determinam que o ius puniendi do Estado
não se realize ou concretize administrativamente. Aqui, percebe-se o duplo aspecto
do Estado de Direito: o poder público tem que agir, mas sua atividade está também
vinculada ou disciplinada pela ordem jurídica [...]211.
Assim, o Estado ao exercer o direito de punir, não o faz por simples
atividade administrativa, mas sim por meio do processo, respeitando direitos, como
contraditório e ampla defesa.
Nesse sentido ensina Tourinho Filho212:
O Estado é titular único e exclusivo do direito de punir. Poderia reprimir os delitos pelos seus órgãos administrativos, ou pelos seus Juízes, como acontecia no processo inquisitivo, mas, como ninguém suportaria viver num Estado em que o titular do direito de punir pudesse exercê-lo desenfreadamente, ele autolimitou o seu poder repressivo, preferindo, tal como se dá no nível cível, o uso das vias judiciárias para julgar o seu interesse na repressão, e, ao mesmo tempo, tutelando o direito de liberdade, exigindo a pariedade de armas, o contraditório e a ampla defesa, não admitindo que o autor da conduta punível se submeta à pena sem reação, criou um verdadeiro processo de partes. Sua pretensão punitiva, nascida no instante mesmo em que se verifica a infração, deve ser resistida. [...].
210
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 04. 211
JARDIM, Alfrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 76. 212
TOURINHO FILHO, Fernado da Costa. Processo Penal. v.1. 29 ed. rev. e atual .São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 11.
74
O instrumento utilizado pelo Estado para exercer o jus puniendi é o
processo, voltado para o descobrimento da verdade acerca dos fatos, e, ao mesmo
tempo, proporciona garantias ao acusado para defender-se213.
Praticado um fato que, aparentemente, constitui um ilícito penal, surge o
conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do
acusado. Esse conflito não pode ser resolvido pela auto-defesa, tampouco se pode
empregar a auto-composição, tal solução exerce-se através da função jurisdicional
do Estado – o processo214.
Ensina Jardim215:
[...] o Estado deve pôr-se em atividade persecutória sempre que uma conduta penalmente típica seja praticada, postulando judicialmente a pretensão punitiva do seu autor. O Estado de Direito não deve ficar inerte em situação como esta, mas deve agir em busca da verdade de forma segura para atingir a desejada justiça, sendo o processo penal acusatório o instrumento adequado para o fim cominado.
O jus puniendi atribuído ao Estado é uma forma de regular as relações entre
os homens podendo atingir direitos fundamentais do homem. Contudo, referido
direito-dever de punir tem limites - a lei, devendo existir um equilíbrio entre o Estado
e o acusado, de modo a não permitir que a pessoa jurídica pública, por qualquer de
seus agentes, venha agir de modo arbitrário ou em condição de superioridade.
Assim, deve haver um embate entre o bem comum e o interesse individual, para
prevenir ou remediar abuso ou excesso de poder216.
Mirabete217 também entende que o jus puniendi é limitado pela lei:
Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado nos países civilizados pelo princípio de reserva legal e, no Brasil, é previsto na Constituição Federal de 1988: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX).
O jus puniendi é o direito - dever de punir e esse, mediante a um acordo de
vontades, pertence ao Estado. Assim, os indivíduos, com finalidade do bem estar
social, consentiram a restrição de determinados direitos seus em prol da
213
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 6. 214
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 06. 215
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 82. 216
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 48-49. 217
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 04.
75
coletividade. Deve o Estado perseguir e punir o infrator da norma. O Estado exerce
o seu direito de punir por meio do processo e tem como limite a lei, visto que através
do jus puniendi pode-se restringir direitos individuais e tal restrição não se pode
ocorrer de forma arbitrária. Então, uma prisão cautelar, um dos instrumentos, muitas
vezes, necessário à aplicação do jus puniendi, deve ser fundamentada.
2.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE PRISÃO
Tendo em vista a possibilidade da ocorrência no ordenamento brasileiro de
prisões processuais, necessário, para âmbito deste trabalho, a definição de prisão e
de prisão processual, destacando-se a diferença desta da prisão - pena. Estudar-se-
ão quais as modalidades de prisões processuais vigentes na legislação brasileira.
Como demonstrado no item 2.1 do presente capítulo a prisão cautelar
devido aos princípios constitucionais é uma exceção. Assim, mencionar-se-á os
requisitos e pressupostos mínimos para decretação de uma prisão no curso do
processo penal, antes de uma sentença condenatória transitada em julgado.
A prisão, independentemente se processual ou penal, é uma antítese da
liberdade, consiste na privação dos movimentos do indivíduo, no desrespeito ao
direito de ir e vir, fazer o que lhe aprouver, sendo recolhido por decisão estatal, justa
ou injusta218.
Tourinho Filho219 conceitua prisão da seguinte forma:
Em princípio, prisão é a supressão da liberdade individual, mediante clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir, e, tendo em vista a denominada prisão-albergue, podemos definir a prisão como a privação, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatória. Esse conceito abrange as duas espécies de prisão: a prisão como pena, ou prisão – sanção, isto é, a decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível, utilizada como meio de repressão aos crimes e contravenções, e a prisão sem caráter de pena, também conhecida sob denominação genérica prisão sem pena.
218
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 67. 219
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 392.
76
O termo prisão pode apresentar vários significados. No sentido jurídico, é a
privação da liberdade de locomoção. Nesse diapasão, afirma Mirabete 220:
A prisão, em sentido jurídico, é a privação de liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo ilícito ou por ordem legal. Entretanto o termo tem significado vários no direito pátrio, pois pode significar a pena privativa de liberdade (“prisão simples” para o autor de contravenções, “prisão” para crimes militares, além de sinônimo de “reclusão” e “detenção”), o ato da captura (prisão em flagrante ou em cumprimento de mandado) e a custódia (recolhimento da pessoa ao cárcere). Assim, embora seja tradição no direito objetivo o uso da palavra em todos os seus sentidos, nada impede se utilize os termos captura e custódia, com os significados mencionados em substituição ao termo prisão. Também se faz distinção das espécies de prisão no direito brasileiro: a prisão-pena (penal) e a prisão sem pena (processual penal, civil, administrativa e disciplinar).
Bonfim221 entende que há duas modalidades de prisão no ordenamento
jurídico brasileiro: a prisão - pena, essa decorrente da sentença condenatória com
pena privativa de liberdade transitada em julgado; e a prisão sem pena dividida em
quatro tipos – prisão civil (devedor de alimentos), prisão administrativa (artigo 319,
CPP), prisão disciplinar (existente no âmbito militar) e prisão processual.
Na esfera deste trabalho, importante saber em que situações é permitida
uma prisão processual. Mirabete222 afirma que a prisão só pode efetuar-se mediante
ordem escrita da autoridade judiciária, todavia ensina que a CRFB/88 prevê
exceções nas hipóteses de flagrante (inciso LXI, artigo 5º), transgressão militar o u
crime propriamente militar (inciso LXI, artigo 5º), prisão durante o Estado de Defesa (
§3 º, inciso I, artigo 136), e do Estado de Sítio (inciso II, artigo 139), além de se
permitir pela lei processual a recaptura do foragido (artigo 684, CPP).
Conclui-se que prisão é a restrição do direito de liberdade de locomoção
imposta a um indivíduo. Quanto às espécies pode ser prisão - pena (punição
advinda de sentença penal condenatória de privação da liberdade) e prisão sem
pena. Esta se dividindo em civil, administrativa, processual, disciplinar. Para o
âmbito deste trabalho dar-se-á importância a uma das modalidades da prisão sem
220
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 221
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 369. 222
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 362.
77
pena, qual seja, a prisão processual. A prisão processual, ainda, apresenta divisões
que serão analisadas adiante.
2.2.1 Prisão-pena
Independentemente da finalidade da pena, a prisão-pena é aquela que se
origina com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória que impõe pena
privativa de liberdade.
Conforme dispõe o CPP223: “Art. 674. Transitando em julgado a sentença
que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser
preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena”.
Com a sentença condenatória transitada em julgado, inicia-se o cumprimento da
pena, que ser for privativa de liberdade culmina com o recolhimento do condenado.
Mirabete224 define a prisão-pena da seguinte forma: “A prisão penal, cuja
finalidade manifesta é repressiva, é a que ocorre após o trânsito em julgado da
sentença condenatória em que se impôs pena privativa de liberdade”.
Tourinho Filho225 ensina que a prisão-pena consiste na execução de uma
sentença imposta pelo Estado ao culpado de uma infração penal, assim, afirmando:
[...] a pena é um castigo: se o cidadão cometeu uma infração penal sujeita a pena privativa de liberdade, proferida sentença condenatória, uma vez transitada em julgado, deverá ele ser segregado, afastado do convívio social, como retribuição pelo mal cometido, e, ao mesmo tempo, serve de intimação a todos os possíveis e futuros infratores da lei penal.
A prisão-pena é, portanto, a restrição da liberdade individual em razão da
aplicação de uma pena ou sanção definitiva ao infrator da lei penal, decorrente do
legítimo exercício do direito punitivo do Estado. Referida prisão tem como premissa
maior a proteção da sociedade, protegendo-a dos transgressores da norma penal, e
223
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Código de Processo Penal. p. 438. 224
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 225
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 392.
78
num segundo plano, tentar a reabilitação e reintegração dos infratores à vida
social226.
Quanto à finalidade da pena em nosso ordenamento jurídico, Nucci227
ensina:
[...] a pena tem vários fins comuns e não excludentes: retribuição e prevenção. Na ótica da prevenção, sem dúvida, há o aspecto preventivo individual positivo, que significa a reeducação ou ressocialização. Uma das importantes metas da execução penal é promover a reintegração do preso à sociedade.
A prisão resultante da sentença penal condenatória transitada em julgado
pode ser advinda de uma pena de reclusão, de detenção, de prisão simples, de
prisão militar, ou de prisão especialíssima de jornalistas. Nesse sentido, afirma
Tourinho Filho228:
A prisão ad poenam, isto é, resultante da sentença penal condenatória, apresenta-se no direito sobre várias formas: a) pena de reclusão e pena de detenção, previstas no CP; b) prisão simples, disciplinada na Lei de Contravenções Penais; c) prisão referida no art. 240 do CPPM; e, finalmente, d) a prisão especialíssima dos jornalistas, de que cuida o parágrafo único do art. 66 da Lei n. 5.250, de 9-2-1967.
Por fim, a prisão-pena é a sanção jurídica penal privativa da liberdade
imposta a um indivíduo que cometeu uma infração, obtendo uma sentença penal
condenatória transitada em julgado, com certeza da materialidade e autoria do
crime. O requisito essencial para existência da prisão-pena é uma sentença
condenatória transitada em julgado.
226
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 22. 227
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 402. 228
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 393.
79
2.2.2 Prisão processual
2.2.2.1 Conceito e finalidade
A prisão processual, também chamada de provisória, cautelar tem como
principal distinção da prisão pena o fato de ocorrer antes do trânsito em julgado de
uma sentença condenatória, e por sua finalidade, ou seja, por não haver a certeza
da materialidade e autoria, não tem caráter punitivo.
As prisões processuais estão previstas no CPP (prisão em flagrante no
capítulo II, prisão preventiva no capítulo III, ambos do título IX) e na Lei 7290 de 21
de dezembro de 1989 (prisão temporária). Importante destacar que o dispositivo
(parágrafo 1°, artigo 408, do CPP) que previa a prisão advinda da sentença de
pronúncia sofreu alteração pelo parágrafo 3°, artigo 413, da Lei 11689 de 09 de
Julho de 2008229, e, também, a prisão advinda da sentença condenatória recorrível
foi revogada, conforme artigo 3°, da Lei 11719, de 20 de Junho de 2008, que
revogou, entre outros dispositivos do CPP, o artigo 594.
Antes de tais alterações, no que diz respeito à prisão processual penal, a
doutrina identificava cinco modalidades: prisão em flagrante, prisão preventiva,
prisão decorrente de decisão de pronúncia, prisão em virtude de sentença penal
condenatória, prisão temporária230.
Tourinho Filho231 coloca a prisão processual como um dos exemplos da
prisão sem pena, e, assim, a define:
É aquela prisão anterior à condenação [...] nada mais é do que uma execução cautelar de natureza pessoal (em oposição à coerção processual de natureza real – como as buscas e apreensões,
229
Art. 408 - [...] §1º Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias
para sua captura. Ao tratar sobre a sentença de pronúncia dispõe: Art. 413. [...] §3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade de
decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Estudo Comparativo da Reforma do Código de Processo Penal. p. IX). 230
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 370. 231
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 401.
80
seqüestro, arresto etc.) e que se justifica como medida imprescindível para assegurar o império da lei penal.
A prisão provisória é o aprisionamento de uma pessoa antes de se poder
afirmar que é culpada pela prática da infração penal, por ausente decisão a respeito
ou por, ainda, não ter transitado em julgado a sentença condenatória. Consiste
numa medida de prevenção, de acautelamento de uma eventual e futura
condenação, sem representar uma antecipação dos efeitos da sentença, pois não se
sabe qual o resultado final do processo232.
Sobre o conceito e a finalidade da prisão processual ensina Rangel233:
A prisão cautelar é uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando de sua liberdade de locomoção, mesmo sem sentença definitiva. É cediço que a medida cautelar pode recair sobre a coisa (res) v.g., busca e apreensão, seqüestro, arresto, e sobre a pessoa (personae) [...]. A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento, pois, se não for adotada, privando o indivíduo de sua liberdade, mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal. Assim, o caráter da urgência e necessidade informa a prisão cautelar de natureza processual. [...] é bom frisar que o processo cautelar consiste não só em assegurar o processo de conhecimento, mas, também, o processo de execução. [...].
Toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória deve ser
considerada uma prisão provisória e cautelar. Provisória, unicamente, porque não se
trata de prisão pena, também chamada de prisão definitiva, embora se saiba que
não existe prisão por tempo indeterminado (perpétua) no ordenamento jurídico
brasileiro. E cautelar no que se refere à sua função de instrumentalidade, de
acautelamento de determinados e específicos interesses de ordem pública. Assim, a
prisão que não decorra de sentença passada em julgado será, sempre, cautelar e
também provisória234.
232
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 71. 233
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 583. 234
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. p. 414.
81
A prisão processual, também chamada de provisória em sentido amplo, é a
prisão cautelar que inclui os tipos de prisões existentes no trâmite do processo
penal235.
Afirma Franco et al236 que a prisão cautelar é aquela determinada em caráter
provisório até a sentença penal definitiva (condenatória, absolutória ou extintiva sem
julgamento de mérito) e ensina:
A prisão cautelar, por ter feições não definitivas, já que não é resultado de uma condenação penal transitada em julgado e obtida após um devido processo penal legal, notabiliza-se por ser uma providência excepcional da autoridade judiciária com objetivos unicamente processuais. A prisão cautelar [...] serve, portanto para fins processuais, ou seja, para ser utilizada apenas como instrumento de garantia e proficuidade do processo penal. Não pode ser medida de antecipação e eventual e incerta pena futura, também não serve para dar satisfação a sociedade, à opinião pública e à opinião publicada.
São características da prisão cautelar: a) jurisdicionalidade - por a prisão
cautelar ser restrição de direitos consagrados na Constituição, ela deve ser sempre
fundamentada por decisão judicial da autoridade competente, excepcionalmente,
determinadas medidas podem ser feitas sem ordem judicial, como a prisão em
flagrante, mas depois serão submetidas ao judiciário para verificá-las; b)
acessoriedade – a medida cautelar depende do processo principal, pois havendo
resultado neste, aquela deixa de existir; c) instrumentalidade hipotética – a prisão
provisória serve de instrumento para se atingir a medida principal, hipotética, no
sentido, de que o direito material discutido no processo principal é provável ao autor;
d) provisoriedade – a prisão processual dura enquanto não for proferida a medida
principal e seus requisitos estiverem presentes; e) homogeneidade – a medida
cautelar deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor,
não podendo a prisão processual ser mais severa do que a prisão aplicada se
houver sentença condenatória237.
Pelas características supramencionadas extraem-se os pressupostos e
princípios orientadores de uma prisão cautelar.
235
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 236
FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. rev atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 197. 237
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2007. p. 584-586.
82
2.2.2.2 Pressupostos e princípios que devem ser respeitados na decretação da
prisão cautelar
Por ter a prisão cautelar caráter excepcional, restringindo o direito à
liberdade, previsto constitucionalmente, sem um trâmite processual pleno que
garante direitos como ampla defesa, contraditório, apresenta pressupostos e
princípios que devem ser respeitados.
Em relação aos princípios, dispõe um dos incisos do artigo 5° da
CRFB/88238: “LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei”. Nesse
dispositivo encontra-se presente o primeiro requisito da prisão cautelar, qual seja, a
necessidade de fundamentação. Outrossim, o inciso IX, artigo 93, CRFB/88 239,
afirma que todas as decisões do poder judiciário devem ser fundamentadas.
A fundamentação das decisões serve para permitir às partes, diretamente
interessadas no processo, o conhecimento e a compreensão da decisão do
magistrado, e, em segundo plano, é uma forma de controle pela própria sociedade,
que conhecendo como o magistrado decide, possa fiscalizar. Fundamentar é indicar
a presença dos requisitos básicos e pressupostos específicos, dizendo o porquê de
ter optado por tal solução. Assim, o juiz tem o poder de decidir, contudo terá que
dizer a razão de entender de tal forma, e não fazendo estará utilizando
arbitrariamente a prerrogativa legal que lhe é atribuída 240.
Sobre a fundamentação das decisões ensina Silva Franco et al241 ao
mencionar decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ:
Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao o que o juiz decidir sem fundamentação. Pressuposto de toda decisão é a
238
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 239
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 53. 240
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito
Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 57-60. 241
STJ - HC 3871 – Rel. Edson Vidigal – DJU 13.11.1995, p. 38684 apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência .
2. ed. rev atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1, p. 795.
83
motivação; logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir, gerando na decisão a eficácia pretendida pelo juiz, se amalgamadas com suficientes razões.
O reconhecimento da situação jurídica de inocente (inciso LVII, artigo 5°,
CRFB/88) impõe a necessidade de fundamentação judicial para privação da
liberdade. E mais: a fundamentação deverá possuir bases cautelares. A exigência
da ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente não é aplicada
a denominada prisão em flagrante, por haver urgência da intervenção prisional. Mas,
ainda, assim, também a prisão em flagrante, logo após a sua conclusão, deverá se
submeter a verificação do Judiciário, sendo indispensável a fundamentação para
manutenção da prisão242.
Outro princípio na decretação ou manutenção da prisão cautelar que deve
ser respeitado é o da proporcionalidade.
Ensina Oliveira243 que existem, no ordenamento jurídico, novas medidas
com conteúdo descarcerizador, como a Lei 9099/95, que permitiu a suspensão
condicional do processo, e a Lei 9714/98, que alterou o artigo 43 e seguintes do
Código Penal – CP, dispondo sobre penas alternativas. A necessidade da prisão
provisória, portanto, deverá ser aferida com maiores cuidados, para evitar a
desproporção entre o processo cautelar e o principal. Além dos pressupostos e
fundamentos exigíveis, deverá levar-se em consideração a natureza do delito e a
efetiva viabilidade de imposição de uma sanção privativa de liberdade ao final do
processo.
O princípio da proporcionalidade é de grande importância, pois necessário
contrabalancear o direito à liberdade e o direito do Estado de punir. Nesse sentido,
ensina Bonfim244:
Objetiva ser uma restrição às restrições dos direitos fundamentais por parte do Estado. Como o processo penal constantemente necessita contrabalançar valores e princípios que rotineiramente se opõem (ex.:direito à liberdade do indivíduo e dever do Estado de punir o culpado), o princípio da proporcionalidade tem grande e variada aplicação no processo penal, ainda que parte da doutrina e jurisprudência resistem em aceitá-lo.
242
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 414. 243
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 418. 244
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 61
84
O princípio da proporcionalidade não determina o desprezo de um princípio
constitucional em detrimento de outro, apenas, autoriza, que na análise de uma
situação determinada, possa-se reconhecer a relevância de determinado princípio
naquele caso, fundamentando, sem ficar vinculado tal fundamento, em outra
situação semelhante245.
Franco et al ao ensinar sobre o princípio da proporcionalidade menciona o
que entende o Professor Odone Sanguiné246:
Por ser a prisão provisória um mal, que supõe a limitação de um direito fundamental, tal limitação somente se justifica: 1) se é necessária e imprescindível para a defesa de bens jurídicos fundamentais; 2) se é proporcionada à ofensa cometida contra esses bens jurídicos; 3) se não há outros meios jurídicos menos radicais para conseguir a defesa desses bens jurídicos.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, aduz Bonfim247 que ele se
subdivide em três subprincípios que concomitantemente e sucessivamente devem
ser atendidos: adequação (medida apta a alcançar o objetivo visado), necessidade
(medida adotada menos grave que o interesse que se queira tutelar) e
proporcionalidade stricto sensu (equilíbrio entre os interesses). Em relação a este
último, afirma que se deve prevalecer o interesse público.
Quanto aos pressupostos e fundamentos, as espécies de prisão cautelares
só poderão existir quando suas exigências legais forem compatíveis com: periculum
libertatis, ou seja, perigo que a liberdade do investigado traria para a proficuidade
processual; fumus comissi delicti, indícios de autoria e prova da materialidade do
fato; e, também, a medida se mostrar necessária248.
Rangel249 conceitua o periculum in mora e o fumus bonis iuris da seguinte
forma:
245
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 65. 246
SANGUNÉ, Odone apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 709. 247
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62-63. 248
FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial :
Doutrina e Jurisprudência . 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 200. 249
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2007. p. 587.
85
Periculum in mora traduz-se no fato que a demora no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser dada, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez com que a prestação jurisdicional se tornasse inócua. Assim, o perigo que a prestação jurisdicional futura demore faz com que se autorize a decretação da medida cautelar. Trata-se da probabilidade de uma lesão ou um dano, a prestação jurisdicional futura que deve ser tutelada pela medida cautelar. O periculum traduz-se pelo binômio urgência e necessidade. O fumus bonis iuris é a fumaça do bom direito. A probabilidade de uma sentença favorável, no processo principal, ao requerente da medida. [...] O fumus traduz-se no binômio prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Portanto, o fumus bonis iuris exige a prova de existência do delito e indícios
de autoria. Esta prova seria a não – plena, semiplena, ou seja, aponta um juízo de
probabilidade baseada em fatos concretos, não em meras suposições e nem requer
a certeza de uma condenação. Assim, as prisões processuais exigem a
demonstração da ocorrência do fato delituoso, além da indicação, mesmo que
precária, de quem seja o responsável ou tenha tido algum tipo de atuação no
ilícito250.
Diante do exposto, conclui-se que uma prisão cautelar, independentemente
de qual seja sua espécie, em vista de sua excepcionalidade, deve ser:
fundamentada, pois uma sentença, um acórdão já tem essa obrigação, com muito
mais razão deve-se fundamentar a privação da liberdade de forma cautelar;
proporcional, avaliando o que é mais importante no caso concreto, à prisão de,
talvez, um inocente ou a tutela da coletividade, por meio do jus puniendi do Estado;
fumus bonis iuris, como qualquer medida cautelar deve também existir este
pressuposto na prisão, adaptando ao processo penal, é a existência de prova da
materialidade e indícios de autoria, não é necessário que esta prova e esses indícios
já sejam os fundamentos de uma condenação, mas que pelo menos o magistrado
entenda que no caso a probabilidade do inocente, talvez, ser condenado ao final
seja maior que cinqüenta por cento; periculum in mora, a certeza de que se solto
poderá atrapalhar o trâmite processual, como omitindo provas, evadindo-se, não
prestando depoimento, cometendo mais delitos.
250
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito
Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 106.
86
2.3 ESPÉCIES PRISÃO PROVISÓRIA
2.3.1 Prisão preventiva
2.3.1.1 Disposições gerais
Em geral, os livros sobre prisão provisória iniciam o ensino com a prisão em
flagrante. Entretanto, neste escrito, optou-se em começar com a prisão preventiva,
pelo fato de ser ela o fundamento de todas as demais prisões cautelares. Em regra,
se não existirem nas outras prisões processuais os pressupostos e fundamentos de
uma prisão preventiva, deve ser o acusado posto em liberdade.
Nesse diapasão, Rangel251 ao tratar da prisão preventiva (prevista nos
artigos 311 e seguintes do CPP) destaca o fato de que essa modalidade de prisão
deve ser vista como o ponto central de toda e qualquer prisão processual, pois se
não houver necessidade de decretar a prisão preventiva não há fundamento para
decretar outras prisões cautelares, assim, afirmando: “Destarte, no “universo” da
prisão cautelar de natureza processual, a prisão preventiva seria o sol e as demais
prisões [...] seriam os planetas que o cercam e buscam nele sua fonte de luz, de
energia, de sustento de vida”.
Quanto ao conceito de prisão preventiva, ensina Mirabete 252:
A expressão prisão preventiva tem uma acepção ampla para designar a custódia verificada antes do trânsito em julgado da sentença. É a prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no Código Penal (art. 42) e que inclui a prisão em flagrante [...], a prisão temporária e a prisão preventiva em sentido estrito. Neste sentido restrito, é uma medida cautelar, constituída da privação da liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais de segurança.
251
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 611. 252
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 389.
87
Outrossim, Tourinho Filho253 ensina que a prisão preventiva é, em sentido
amplo, toda prisão que antecede a uma condenação definitiva; e, em sentido restrito,
consiste medida privativa de liberdade determinada pelo juiz, em qualquer fase do
inquérito ou instrução criminal, com fundamento para assegurar a aplicação da lei
penal, para garantir eventual execução da pena, para preservar a ordem pública ou
por conveniência da instrução criminal.
Conforme o disposto no artigo 311 do CPP254 a prisão preventiva será
decretada pelo juiz, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, e
pode ser decretada de ofício ou a requerimento da parte ou, ainda, mediante
representação da autoridade policial.
Assim, a prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz de ofício, ou seja,
independentemente do requerimento das partes ou de representação da autoridade
policial. Requerimento é pedido, solicitação, que pode ou não ser aceito. A
representação é uma exposição articulada dos fatos feita pelo delegado de polícia,
mostrando a necessidade de decretação da medida255.
Ensina Bonfim256 ao escrever sobre prisão preventiva: “De acordo com a lei,
o assistente de acusação não pode requerê-la”.
Conclui-se, então, que a prisão preventiva pode ser conceituada num
sentido amplo, como sinônima de prisão processual, e num sentido restrito aquela
inserida no capítulo III, do título IX, do CPP. Em relação às pessoas legitimadas para
requerer ou representar pela prisão preventiva o rol do art. 311, do CPP é taxativo,
por a prisão preventiva ter caráter excepcional.
2.3.1.2 Pressupostos e fundamentos
O artigo 312, do CPP dispõe, na última parte, sobre os pressupostos (fumus
boni júris, no processo penal denomina-se fumus comissi delecti), e, na parte inicial, 253
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 493. 254
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 418. 255
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 617. 256
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 385.
88
sobre os fundamentos (periculum in mora, no processo penal denominado periculum
libertatis) da prisão preventiva. Consistem pressupostos da prisão preventiva: a
prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, e fundamentos da
prisão preventiva: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência
da instrução criminal, ou para assegurar aplicação da lei penal.
Ensina Dalabrida257: “A aparência do delito (fumus comissi delicti) deve estar
presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar) como verdadeiro
pressuposto da decretação da medida cautelatória”.
A prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria são
constatações fáticas prévias que o julgador deverá examinar antes de verificar se há
ou não necessidade ou utilidade de se decretar a medida cautelar. Primeiro o
julgador deverá examinar se há aparência (fumus) de que foi cometido um delito
(comissi delicti), para só depois observar se há risco na liberdade do indiciado ou do
acusado (periculum libertatis). Desse modo, antes de se constatar a existência ou
não dos fundamentos do decreto da prisão preventiva, o juiz averiguará se está
diante de elementos objetivos que lhe assegurem, ao menos, em tese, daquele ato
imputado a alguém ser crime, e verificará se possui indícios suficientes para ligar
alguém aquele fato tido como criminoso. Para essa verificação não se exige um
exame tão aprofundado quanto aquele realizado no momento de se proferir uma
sentença. Porém, por ser preliminar, e, muitas vezes, no início da investigação
criminal, isso não significa que a responsabilidade do julgador diminua ou se
apequene diante da representação ou requerimento, da autoridade policial ou do
Ministério Público. Muito ao contrário. É, exatamente, neste instante inicial que o
julgador deverá exigir os pressupostos, para que os examine sob o crivo da
necessidade e proporcionalidade da medida258.
Para decretação da prisão cautelar necessário que exista tanto a
demonstração da materialidade quanto indícios de autoria, não basta um. Hipótese
alguma se pode decretar a prisão preventiva se ausentes qualquer dos dois de seus
pressupostos259.
257
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 91. 258
FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 438. 259
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 501.
89
A materialidade do crime refere-se à existência do corpo delito que
demonstra a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo delito,
documentos, prova testemunhal, etc.). Exigindo-se “prova”, não se justifica a
decretação da prisão preventiva diante de mera suspeita ou indícios da ocorrência
do delito260.
Pode-se não saber, com inteira certeza, se o indiciado é autor do crime,
todavia é indeclinável a demonstração do fato criminoso enquadrável no tipo
penal261.
A materialidade demonstra-se pelos meios de provas. Meio de prova
compreende tudo que possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da
verdade, como provas testemunhais, documental262 . Cabe destacar que exige a lei
prova pericial nos delitos que deixam vestígios, porém se tais desaparecerem é
possível prova testemunhal (artigo 157 c/c artigo 168, ambos do CPP).
Martins263 ensina que para decretação da prisão preventiva devem-se
verificar os elementos que indiquem a ocorrência do fato que, em tese, se adapta ao
tipo penal.
Assim, além de se verificar a materialidade do delito, deve-se observar se o
fato enquadra-se na norma penal.
No mesmo sentido, afirma Dalabrida264:
Porquanto reservada para as hipóteses em que se tenha como provada a existência do crime, ainda que em juízo cautelar, necessária se faz a verificação dos elementos que integram a figura típica, visto que somente existe prova da existência do crime quando presentes estiverem todos os elementos que o integram. Desta forma, insta averiguar a possibilidade de conformação da conduta típica com o preceito primário da norma penal incriminadora, com a conseqüente identificação de todos os seus elementos, objetivos, subjetivos ou normativos. Não sendo possível a perfeita adequação típica, incogitável a prisão preventiva. Do mesmo modo, constituindo um dos elementos da infração penal, a antijuridicidade, uma vez ausente, obstrui qualquer possibilidade de custódia cautelar [...].
260
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 390. 261
BASILEU, Garcia apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do
garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 91 262
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 310. 263
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 88. 264
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 91.
90
O fato tem que possuir a aparência de delito. Por essa razão, quando o juiz
verificar pelas provas constantes nos autos que o agente praticou o fato em legítima
defesa, ou estado de necessidade ou qualquer outra excludente de i licitude (art. 19,
do CP), não será decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 314 do CPP265.
Quanto aos indícios de autoria, traz-se a definição de Capez266 sobre
indícios:
Indício é toda circunstância conhecida e provada, a partir da qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a conclusão sobre um outro fato [...] a partir de um fato conhecido, deflui-se a existência do que se pretende provar. Indício é o sinal demonstrativo do crime: signum demonstrativum delecti.
Os indícios são suficientes de autoria quando constituem elementos idôneos,
convincentes, capazes de criar no juiz a convicção provisória de que o imputado é
autor da infração. A suficiência do indício é aferida caso a caso267.
Esses indícios consistem um juízo provisório, não geram a certeza absoluta
e definitiva de ser o acusado autor da infração. Nesse sentido, Rangel268 afirma:
Indícios suficientes de autoria não são provas continentes, robustas e que geram a certeza absoluta da autoria do indiciado ou acusado. Bastam apontamentos de que o indigitado ou acusado é autor do fato. Elementos que apontem a fumaça no sentido de que o acusado é autor do ilícito penal que ora se apura. São indicações. Não é necessário o fogo da certeza, mas sim a mera fumaça de que ele pode ser o autor do fato.
Assim, na decretação da prisão preventiva, não se exige prova plena da
autoria, bastam meros indícios que demonstram a probabilidade do acusado ou
indiciado ter sido autor do fato delituoso. A dúvida, portanto, milita em favor da
sociedade (princípio in dubio pro societate)269.
265
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 434. 266
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
362. 267
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 386. 268
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 621. 269
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
268.
91
Porém, por a decretação da prisão preventiva exigir que os indícios sejam
suficientes, estes não devem ser mera possibilidade. Tem que haver uma forte
probabilidade de que o indiciado seja autor da infração penal270.
Exige-se forte probabilidade em torno da autoria e não meras suspeitas271.
Nesse sentido Tourinho Filho272: “Não se trata, quando a lei fala em “indícios
suficientes de autoria”, de prova levior, mas de probabilidade tal que convença o
Magistrado”.
A presença do fumus bonis iuris não é suficiente para que seja decretada a
prisão preventiva, necessário à existência do perigo de liberdade do acusado pelos
fundamentos do artigo 312, do CPP273.
Diversamente do fumus commisi delicti que exige os dois pressupostos, para
que se tenha o periculum libertatis, basta que ao menos um dos fundamentos seja
comprovado no caso concreto274.
2.3.1.2.1 Garantia da ordem pública
Pode- se definir ordem pública da seguinte forma:
Por ordem pública, deve-se entender a paz e a tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais275.
Percebe-se, que a prisão para garantia da ordem pública não se destina a
proteger o processo penal, enquanto instrumento da aplicação da lei penal. Dirige-se
270
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 93-94. 271
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 94 272
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 401. 273
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 386. 274
FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 438. 275
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2007. p. 618.
92
à proteção da própria comunidade, pois, supõe-se, que ela seria atingida pelo não
aprisionamento dos autores de crimes que causarem a intranqüilidade social 276.
O fundamento garantia da ordem pública possibilita que a prisão cautelar
seja decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir,
ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que
provoquem grande clamor popular. No primeiro caso, há evidente periculum
libertatis, porque até o trânsito em julgado da decisão condenatória o sujeito já terá
cometido inúmeros delitos. Os maus antecedentes ou a reincidência são
circunstâncias que evidenciam a provável prática de novos delitos, e, portanto,
autorizam a decretação da prisão preventiva com base nessa hipótese. No segundo,
a brutalidade do delito provoca comoção no meio social, gerando sensação de
impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional277.
Assim, pela garantia da ordem pública haveria duas vertentes: uma impedir
que o acusado continue a cometer delitos, e a segunda pela gravidade do delito.
Nesta última, entende Oliveira278 que a gravidade do crime não se revela apenas
pela pena, mas também pelos meios de execução, quando presentes a barbárie e o
desprezo ao bem jurídico atingido, reclamando uma providencia imediata do poder
público, sob risco da legitimidade da jurisdição.
A gravidade do delito, por si só, não basta para decretação da custódia
provisória. A simples repercussão do fato, sem outras conseqüências, não constitui
circunstância suficiente para decretação da medida cautelar. Nem mesmo a prática
do crime definido como hediondo justifica a prisão preventiva, se não há fulcro no
artigo 312, do CPP. Mas, sem dúvida, está ela justificada no caso de ser o acusado
dotado de periculosidade, na perseverança da prática delituosa, quando se observa
torpeza, perversão, malvadez, cupidez e insensibilidade moral279.
276
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 436. 277
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
269. 278
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 437. 279
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 391. Nesse sentido, também decisões do STJ: [...] ACÓRDÃO QUE REVOGOU A PRISÃO CAUTELAR DO RECORRIDO SOB O FUNDAMENTO DE MOTIVAÇÃO BASEADA UNICAMENTE NA GRAVIDADE
DO DELITO. DECISÃO COLEGIADA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA DA SEXTA TURMA DO STJ.1. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado aos pacientes, a existência de prova da autoria e materialidade do crime, a credibilidade do
Poder Judiciário, bem como a intranqüilidade social não constituem fundamentação idônea a
93
No mesmo sentido, Rangel280 afirma: “O clamor público, no sentido da
comunidade local revoltar-se contra o acusado e querer linchá-lo, não pode autorizar
sua prisão preventiva”.
Por fim, ainda, entende-se que a garantia da ordem pública não seria
fundamento de uma prisão preventiva, pois não teria finalidade de medida cautelar.
Nesse sentido, Tourinho281 ensina que garantia da ordem pública não seria
fundamento para decretação da prisão cautelar por a ordem pública ser a paz, a
tranqüilidade no meio social, em que o Estado dita suas regras e os cidadãos as
respeitam sem protesto, consistindo numa expressão vaga facilmente enquadrável
em qualquer situação, como perigosidade do acusado, crime perverso,
insensibilidade moral, reiteradas divulgações pela mídia, rádio, sendo que por tal
fundamento o acusado é condenado antes de ser julgado, uma vez que tais
situações nada têm de cautelar.
2.3.1.2.2 Garantia da ordem econômica
O fundamento garantia da ordem econômica possui a mesma finalidade da
garantia da ordem pública, de uma forma mais restrita. Ou seja, visa impedir que o
investigado continue a cometer delitos ou é decretada devido à gravidade dos
autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria conduta, em tese, delituosa. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos
já subsumidos no próprio tipo penal, além do que qualquer prática criminosa, por si só, intranqüiliza a sociedade.2. Agravo a que se nega provimento. STJ. AgRg no REsp 1073497 / RS, 2008/0151175-0, Relator(a) Ministra JANE SILVA, T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2009, Data da
Publicação/Fonte DJe 16/02/2009. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO PACIENTE.
PERSONALIDADE VOLTADA À DELINQÜÊNCIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.1. A prisão preventiva do acusado está satisfatoriamente justificada na garantia da ordem pública, pois os autos retratam, com elementos concretos, a necessidade da segregação do réu, diante de sua
periculosidade, evidenciada pelas circunstâncias do delito. 2. O modus operandi do crime de homicídio qualificado, praticado friamente, por motivo fútil e contra menor, demonstra a personalidade do acusado voltada para a prática criminosa, a ponto de justificar a sua custódia
preventiva, eis que indicativa de afronta a ordem pública. 3. Recurso desprovido. RHC 23358/ 2008/0073346-7, Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) , T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 02/10/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 28/10/2008. 280
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 618. 281
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 511-512.
94
mesmos, todavia restringe-se a delitos relacionados à ordem econômica. A garantia
da ordem econômica trata-se de uma repetição da garantia da ordem pública282.
Esse fundamento tem finalidade de impedir que o indiciado continue sua
atividade prejudicial à ordem econômica e financeira, e assegurar a credibilidade da
justiça, com justificativa também na magnitude da lesão econômica, gravidade
concreta do delito283.
Tal fundamento foi incluído no artigo 312 do CPP, pela Lei 8.884, de
11 de junho de 1994, lei que cuida de ilícitos administrativos e civis, contrários à
ordem econômica. Para tutelar a ordem econômica, já havia, no artigo 30 da Lei n.
7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei do
Colarinho Branco), a previsão de decretação de prisão preventiva em razão da
magnitude da lesão causada. A magnitude da lesão não seria amenizada nem seus
efeitos diminuídos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco
é contra a ordem econômica, a medida cautelar mais adequada é o seqüestro e a
indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. É dessa
maneira que se poderia melhor tutelar a ordem financeira. Se, no entanto, o fato do
acusado encontrar-se em liberdade puder significar risco à ordem econômica, pela
possibilidade de repetição de condutas e, assim, de ampliação dos danos, a prisão
preventiva já estaria fundamentada na garantia da ordem pública 284.
No mesmo sentido, afirma Tourinho Filho285:
[...] a prisão decretada como garantia da ordem econômica não apresenta caráter cautelar, é medida esdrúxula. Sua esdruxularia repousa na circunstancia de ser ela a medida ideal para coibir os abusos contra a ordem econômica. Antes, tem acentuadas e inequívocas funções repressivas. Se a medida visa a preservá-la, evitando a ganância, a auri sacra fames, o certo seria adotar uma espécie de medida de segurança à maneira daquelas que havia, entre nós, até antes da reforma da Parte Geral do nosso Código Penal. Que se estabeleçam sanções contra a empresa. Para nós trata-se de medida sem nexo e inútil. [...] A multa para os que têm apego ao dinheiro é pior que o cárcere... Por outro lado, pode-se dizer até ter sido desnecessária essa alteração do art. 312 do CPP. Na verdade, se, por acaso, o comércio
282
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
269. 283
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 387. 284
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 436. 285
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 517.
95
passar a servir-se da lei do abuso, com remarcações não autorizadas, se as indústrias passarem à exploração, a prisão preventiva pode ser decretada para garantia da ordem pública... expressão que abrange a própria ordem econômica.
Garantia da ordem econômica permite a prisão do autor do fato por crime
que perturbe o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso de poder
econômico, visando à dominação dos mercados, a eliminação de concorrência e o
aumento arbitrário dos lucros. A prisão para garantir a ordem econômica somente
poderá ser decretada nos casos de crimes previstos nas Leis números 8.137/90,
8.176/91, 8.078/90 e 7.492/86 e demais normas que se referem à ordem econômica,
como quer o artigo 170 da Constituição Federal e seguintes c/c artigo 20 da Lei nº
8.884/94286.
Quanto aos crimes que o fundamento da ordem econômica abrange, ensina
Tourinho Filho287:
[...] é defensável a prisão do comerciante que “açambarca, sonega, destrói ou inutiliza bens de produção ou de consumo, com fim de estabelecer o monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente a concorrência” (art. 4º, IV, da Lei n. 8.137/90), “eleva, sem justa causa, o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado” (art. 4º, VII, do mesmo diploma). Há, também, algumas condutas previstas no art. 21 da Lei Antitruste (Lei n. 8884/94) que podem ensejar a prisão preventiva para a garantia da ordem econômica, desde que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos. Verbis: “Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar o mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante”.
A definição dos crimes que admitem a prisão preventiva com fundamento na
ordem econômica é de extrema importância, pois, não raro, se busca a medida
prisional contra pessoas indicadas como autoras de crimes contra a ordem tributária,
sob argumento de que tal conduta infringiria a ordem econômica288.
286
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. 287
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 516. 288
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito
Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 111.
96
2.3.1.2.3 Convivência da instrução criminal
Sobre a conveniência da instrução criminal, afirma Bonfim289:
Trata-se de segregar o acusado para impedir sua atuação com vista a influenciar a colheita de provas. Deve-se demonstrar com dados concretos, que, solto, o indiciado ou acusado pode suprimir os elementos probatórios indicadores de sua culpabilidade, ameaçando vítimas e testemunhas, destruindo evidências materiais etc.
Por esse fundamento é evidente o periculum in mora, pois não se chegará
ao que, realmente, aconteceu nos fatos, se o acusado continuar solto até o final do
processo290.
As prisões preventivas por conveniência da instrução criminal se dirigem
diretamente à tutela do processo, funcionando como medida cautelar para garantia
da efetividade do processo principal (a ação penal). São prisões decretadas em
razão de perturbação ao regular andamento do processo o que ocorrerá, por
exemplo, quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, estiver
ameaçando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou provocando qualquer
incidente do qual resulte prejuízo manifesto para instrução criminal. Cabe destacar
que à eventual atuação do acusado e de seu defensor, cujo objetivo seja a
procrastinação da instrução, pode ser feita nos limites da própria lei, não
acarretando prisão preventiva por conveniência da instrução criminal291.
A importância da decretação da prisão preventiva para assegurar a instrução
criminal está no fato desta não ser apenas conveniente, mas sim necessária. Nesse
diapasão, Rangel292:
Devemos inicialmente dizer que a instrução criminal não é conveniente, mas, sim, necessária, pois diante dos princípios da verdade processual, do contraditório e do devido processo legal, a instrução criminal é imprescindível para que se possa assegurar ao acusado todos os meios constitucionais de defesa, demonstrando existir um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Assim, decreta-se a prisão do autor do fato se, em liberdade, ameaçar as
289
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 387. 290
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 269. 291
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 435. 292
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2007. p. 619.
97
testemunhas, tentar subornar o perito que irá subscrever o laudo, ameaçar o juiz ou promotor de justiça que funciona no processo, subtrair documentos imprescindíveis para comprovação do injusto penal etc. Neste caso, a custódia cautelar justifica-se com escopo de se garantir um processo justo, livre de contaminação probatória e seguro para que o juiz forme, honesta e lealmente sua convicção (cf. item VII da Exposição de Motivos do CPP).
2.3.1.2.4 Para assegurar a aplicação da Lei Penal
Por esse fundamento busca-se assegurar que o acusado estará presente
para cumprir a pena que lhe for imposta. Por meio dele pode-se decretar a
preventiva quando ocorrer à fuga do indiciado, logo após a prática do delito, a
ausência de residência fixa, facilidade de fuga para o exterior etc 293.
Se não existe um elo que radique o acusado ou indiciado ao distrito da
culpa, existindo demonstração que se solto, provavelmente, ocultar-se-á com
finalidade de não lhe ser aplicada uma pena, poderá ser decretada a prisão
preventiva com fundamento na aplicação da lei penal. Nesse sentido, entende
Capez294:
Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão.
Justifica a custódia preventiva a fuga ou a escusa em atender ao
chamamento judicial que retarda e torna incerta a aplicação da lei penal. O
fundamento para assegurar a aplicação da lei penal visa impedir o desaparecimento
do autor da infração295.
A prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal é cabível quando
há risco real de fuga, fundada em dados concretos, não mera especulação teórica,
como a simples verificação de ser o réu desempregado.
293
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 387. 294
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 269. 295
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 391
98
Nesse diapasão, Rangel296 afirma:
A fuga não pode ser presunção judicial, mas sim fruto de elementos nos autos do processo que demonstrem, cabalmente, que o acusado deseja se subtrair a ação da justiça. O simples poder econômico do réu não pode autorizar o juiz a decretar sua prisão preventiva. Mister se faz que haja informações, nos autos de que pretende fugir para impedir o império da lei. No mesmo sentido, o simples fato do réu encontrar-se desempregado [...].
Preenchidos os pressupostos e um dos fundamentos, ainda, exige o artigo
313, do CPP297, por respeito ao princípio da proporcionalidade, que a prisão
preventiva somente poderá ser decretada a determinados crimes.
Conclui-se que, os pressupostos da prisão preventiva são a demonstração
da materialidade de um fato enquadrável na norma penal como crime e a existência
de indícios suficientes de autoria. Os fundamentos consistem na aplicação da lei
penal, na conveniência da instrução criminal, na garantia da ordem pública, na
garantia da ordem econômica. Os pressupostos são obrigatórios os dois estarem
presentes, todavia, quando aos fundamentos basta que um deles esteja. Ainda,
como toda prisão cautelar, a prisão preventiva deve respeitar princípios, tais como
fundamentação das decisões e proporcionalidade. Sempre deverá haver
fundamentação na decretação ou não de uma prisão preventiva, com fulcro no artigo
93, IX, da CRFB/88 e no artigo 315, do CPP. Ainda cabe destacar, que somente em
alguns crimes pode-se decretar a prisão preventiva, devido ao princípio da
proporcionalidade.
296
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 435. 297
Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo anterior, será a dmitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I – punidos com reclusão;
II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitado em julgado,
ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46 do Código Penal; IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (Vade Mecum Universitário de Direito.
ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Penal. p. 418).
99
2.3.2 Prisão em flagrante
A prisão em flagrante foi permitida pela CRFB/88, no seu artigo 5º, inciso
LXI. O próprio legislador definiu, no artigo 302 do CPP298, o que se considera
flagrante delito. A palavra flagrante é derivada do latim flagrare (queimar) e flagrans
(ardente, brilhante). Em sentido jurídico, significa a qualidade do delito irrecusável,
que permite a prisão de seu autor, é a “certeza visual do crime” 299.
Para configurar a prisão em flagrante necessário dois elementos a
atualidade e visibilidade. Nesse sentido, ensina Rangel300:
[...] a prisão em flagrante exige, para sua configuração, dois elementos imprescindíveis: a atualidade e visibilidade. A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que esta acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somada a atualidade e visibilidade tem-se o flagrante delito.
A prisão em flagrante não depende de ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, tendo, por isso, caráter administrativo. Entretanto,
a fim de evitar abusos, ela deve ser ato cercado de formalidades legais, tais como,
as dispostas nos artigos 304, 305, 306 e 307 do CPP301.
Os artigos 304 a 307, do CPP dispõe sobre as etapas (formalidades) da
prisão em flagrante, em síntese, ensina Capez302: 1- apresenta-se o preso à
autoridade competente; 2- oitiva do condutor, colhendo sua assinatura, e o
entregando cópia do termo e recibo de entrega do preso; 3- oitiva de testemunhas
do flagrante ou do instrumento, com respectivas assinaturas; 4 – interrogatório do
298
Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser
ele autor da infração. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418). 299
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 374. 300
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 589. 301
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 375. 302
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
258 – 264.
100
acusado, com sua assinatura, caso não assine, duas testemunhas que ouviram a
leitura do auto na presença do acusado assinam; 5 – lavratura do auto; 6 – se
houver fundadas suspeitas contra o acusado prende-se, exceto se livrar-se solto ou
prestar fiança; 7- em vinte e quatro horas depois da prisão, entrega ao acusado nota
de culpa, assinada pela autoridade, com motivo da prisão, nome do condutor e
testemunhas, bem como será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em
flagrante, acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o acusado não tenha
advogado, cópia para Defensoria Pública. Ainda, conforme inciso LXII , do artigo 5º,
da CRFB/ 88303, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados, imediatamente, além do juiz competente, à família do preso ou
pessoa por ele indicada.
Devem-se respeitar as formalidades acima mencionadas, sob pena de
prisão em flagrante ser ilegal, ou seja, sem os requisitos da lei. Nesse diapasão,
ensina Tourinho Filho304:
Enfim, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, devem ser obedecidas todas as formalidades legais, sob pena de o auto tornar-se imprestável como peça coercitiva, sem prejuízo, entretanto, do seu valor como peça informativa, apta a instruir a propositura da ação penal. Às vezes, o Juiz percebe não terem sido obedecidas as formalidades da lavratura do flagrante e, conforme a natureza do crime e outras circunstancias (art. 313), relaxa a prisão em flagrante e decreta a prisão preventiva, ficando, destarte, legalizado o encarceramento. É de ponderar que toda prisão preventiva deve ser prescindida de ordem escrita da autoridade competente. O flagrante, por razões já esclarecidas, constitui uma exceção. O legislador, todavia, para evitar abusos e descomedimentos das autoridades, mormente policiais, que, em regra, lavram os autos de prisão em flagrante, estabeleceu uma série de formalidades que devem ser observadas, e nessas formalidades reside a garantia do cidadão.
Havendo ausência das formalidades legais exigidas na prisão em flagrante,
deverá ela ser relaxada. E ainda, se na prisão em flagrante não se encontrarem os
pressupostos ou um dos fundamentos da prisão preventiva deverá o acusado ser
posto em liberdade. Nesse sentido, escreve Bonfim305:
303
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 304
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 468. 305
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 383.
101
Dispõe o art. 310 e parágrafo único do CPP que o Juiz, à vista dos elementos contidos no auto de prisão em flagrante, depois de ouvir o Ministério Público, concederá, desde logo e independentemente de requerimento da defesa, liberdade provisória ao réu se: a) verificar inequivocamente que o agente praticou o crime acobertado por excludente de ilicitude (art. 23 do CP: legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal); b) verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Além da concessão da liberdade provisória de ofício nas hipóteses citadas, a prisão ilegal deverá ser relaxada pelo juiz quando: a) o auto de prisão em flagrante não noticiar a prática de ilícito penal; b) o agente não tiver sido preso em situação de flagrante (art. 302 do CPP); c) alguma formalidade legal não tiver sido observada. [...] Nestes casos, somente o juiz poderá relaxar a prisão em flagrante ou conceder liberdade provisória ao indiciado, após manifestação do Ministério Público.
Quanto às formalidades, ainda, cabe destacar o ensinamento de Rangel306
nos delitos de ação privada e pública condicionada demonstrando que só com a
manifestação da vontade do ofendido é que poderá haver prisão em flagrante, caso
contrário será ilegal.
Apesar das formalidades que devem ser respeitadas, qualquer pessoa pode
ser sujeitos ativo da prisão em flagrante. Bonfim307 ensina:
Qualquer pessoa do povo poderá prender (capturar) quem se encontrar em situação de flagrância. Essa determinação do art. 301, do CPP, é chamado flagrante facultativo, já que não existe o dever de realizar a captura. Diferentemente, as autoridades policiais e seus agentes que presenciarem a prática de um delito penal terão o dever de capturar o delinqüente.
A prisão em flagrante é híbrida ou complexa, pois a autoridade policial faz
um juízo instantâneo se prende ou não, e depois, o juiz analisará se foram
preenchidos os requisitos de ordem constitucional e processual. Como também,
deverá analisar se existiu a situação de flagrância. Depois, de observada a
legalidade do flagrante, o magistrado decidirá sobre a necessidade ou não da
manutenção do flagrante. A apreciação valorativa do juiz deve ser fundamentada,
pois não se trata de despacho de mera condução do processado, por conter caráter
306
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 600. 307
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 384.
102
eminentemente decisório e, o que é mais grave, por importar na privação da
liberdade308.
Quanto à análise da situação de flagrância, deverá o magistrado observar
em quais das modalidades de flagrante previsto no CPP a situação é caracterizada,
para após ver se há enquadramento.
A doutrina denomina flagrante próprio, real, ou flagrante propriamente dito o
disposto nos incisos I e II, do artigo 302, do CPP. Considera-se em situação de
flagrante (próprio) quem é surpreendido no ato da execução do crime (desfechando
golpes na vítima, destruindo ou subtraindo coisa alheia, etc. e a quem já esgotou os
atos da execução, causando o resultado jurídico, de dano e de perigo (morte,
lesões, dano material etc.), encontrando-se ainda no local do fato ou nas suas
proximidades 309.
O flagrante impróprio encontra-se disposto no artigo 302, inciso III, do
CPP310. Neste o indivíduo é perseguido, logo após, em situação que se faça
presumir ser autor da infração.
Quanto à expressão logo após, ensina Capez311:
No caso de flagrante impróprio, a expressão “logo após” não tem o mesmo rigor do inciso precedente (“acaba de cometê-la”). Admite um intervalo de tempo maior entre a prática do delito, a apuração dos fatos e o início da perseguição. Assim, “logo após” compreende todo o espaço de tempo necessário para a polícia chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e dar início a perseguição do autor. Não tem qualquer fundamento a regra popular de que é de vinte e quatro horas o prazo entre a hora do crime e a prisão em flagrante, pois, no caso do flagrante impróprio, a perseguição pode levar até dias, desde que ininterrupta.
O flagrante presumido é a situação que o suposto agente é encontrado, logo
depois da ocorrência do fato delituoso, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele autor da infração, neste não há perseguição, o agente é
encontrado com objetos que façam presumir ser o autor do delito 312.
308
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 75-79. 309
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 375 310
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418 311
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 252. 312
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2 ed. rev. aum. atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 376.
103
Ainda, há outras espécies de flagrante, como o flagrante preparado313. Sobre
este dispõe a súmula 145, do Supremo Tribunal Federal -STF314, se consumado o
delito em tal flagrante há crime, caso contrário não, consequentemente, devendo a
prisão ser relaxada. Flagrante esperado315 é legal, a contracautela é a liberdade
provisória. O flagrante forjado316 é ilegal, portanto deve ser relaxado. Ainda, há o
flagrante retardado317 previsto no artigo 2º, II, da Lei 9034/95318.
2.3.3 Prisão temporária
Esta modalidade de prisão cautelar encontra - se disposta na Lei 7.960, de
21 de dezembro de 1989.
A prisão temporária é uma “[...] medida acauteladora, de restrição da
liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as
investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial” 319.
Quanto aos requisitos, dispõe o artigo da Lei 7960/1989320:
Art. 1º. Caberá prisão temporária: I – quando imprescindível para investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: [...].
313
Ocorre quando o agente é impelido, insidiosamente, por terceiros, a praticar um crime, ou seja,
prepara-se a situação para o acontecimento do delito. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 604). 314
“145. Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua
consumação”. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Súmulas do STF. p. 1143. 315
Neste o sujeito age, independente de provocação ou induzimento, sendo preso por policiais ou
terceiros, que simplesmente aguardavam. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 605). 316
Realizam-se situações para caracterizar que determinada pessoa cometeu o delito. (RANGEL,
Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 606). 317
Procedimento policial que tem finalidade de observar e acompanhar determinada empreitada
criminosa. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 606). 318
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2007. p. 604- 606. 319
MIRABETTE, Julio Fabbrin i. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 398. 320
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação
Complementar. p. 834.
104
Há divergências em relação aos requisitos se seriam cumulativos ou
alternativos, ou seja, para que o magistrado decrete a prisão temporária basta um
deles ou tem que haver os três ou, ainda, se dois deles estiverem presentes já pode
ser decretada.
Ensina Nucci321 :
[...] muito se discute a respeito dos requisitos para a decretação da prisão temporária. Seriam os incisos I, II e III, do art. 1º, desta Lei cumulativos ou alternativos? Se, forem considerados cumulativos, a prisão temporária praticamente desaparece do cenário processual, pois tornar-se-ia muito difícil localizar uma situação em que alguém cometa um dos delitos descritos no inciso III, além de ser imprescindível para a investigação e não possua o suspeito residência fixa ou elementos para estabelecer sua identidade. Por outro lado, se forem considerados alternativos, tornar-se-ia banal a decretação da prisão temporária. Bastaria que ele não tivesse residência fixa e por mais ínfima que fosse a infração pena cometida comportaria a decretação da prisão temporária. Nem uma solução nem outra se afigura razoável. Por isso, concordamos com a doutrina que procura, como sempre, consertar os equívocos legislativos e fixa como parâmetro a reunião do inciso III com inciso I ou com inciso II.
Para decretação da prisão temporária, como de toda prisão cautelar, deve
haver a existência do periculum in mora e fumus boni iuris. O periculum in mora se
caracteriza com a imprescindibilidade para a investigação ou com o fato de não
possuir o suspeito residência fixa ou elementos para estabelecer sua identidade. O
fumus boni iuris está caracterizado no inciso III, quando houver probabilidade de o
indiciado ser autor ou participe de alguns daqueles delitos referidos 322.
Importante mencionar o entendimento de Mirabete 323 sobre o fundamento
“quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”:
Refere-se a eventuais entraves que impedem se possa esclarecer devidamente o fato criminoso e suas circunstâncias, bem como sua autoria. Verificando-se, assim, a imprescindibilidade da prisão para a investigação policial pode ser ela decretada. Nessa hipótese, somente com a demonstração de que, sem a prisão, é impossível ou improvável que se leve a bom termo as investigações, com o esclarecimento dos fatos, é possível a decretação da prisão temporária.
321
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas . 3 ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008. 322
RANGEL, Pau lo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p.
648. 323
MIRABETTE, Julio Fabbrin i. Processo Penal. 18 ed. São Pau lo: Atlas S.A., 2006. p. 398.
105
O rol dos delitos previstos como fundamento da prisão temporária (inciso III,
artigo 1º, Lei 7.960) foi ampliado por força do artigo 2º, § 4º, da Lei n. 8072/90,
incluindo os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins
(conceito amplo), a prática de tortura e terrorismo, não elencados na redação
original da Lei n. 7960/89324.
Presentes os fundamentos (I ou II, e III do art. 1º, da Lei 7960/1989) da
prisão temporária cabível sua decretação. Importante destacar que para se decretar
a prisão temporária não são necessários indícios de autoria e a prova da
materialidade, pois se trata de uma medida de urgência, e, ainda, não há
necessidade de que o preso preventivo seja o indiciado, basta que seja mero
suspeito325.
Todavia, mesmo tal prisão tendo caráter de urgência ela deve ser
fundamentada. Ensina Franco et al326:
No § 2.º do art. 2.º da Lei 7.960, dispõe o Legislador: “O „despacho‟ que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro de 24 (vinte quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do requerimento”.[...] E por que teria o legislador, em bom tempo, exigido que esse ato fosse fundamentado? A resposta emerge simples, qual seja, porque a Constituição assim o impõe: a) de modo genérico, pelo seu art. 93, IX; e b) especificamente para as prisões cautelares, em seu art. 5.º, LXI. [...].
Com a decretação da prisão temporária, devem-se respeitar os prazos, para
que não ocorra prisão ilegal. Tratando-se dos crimes previstos no rol da Lei n.
7.960/89, o prazo de duração será de 5 dias, (artigo 2º, caput)327; cuidando-se de
crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e
drogas afins, e terrorismo, o prazo será de 30 dias (artigo 2º, § 4º, da Lei n.
324
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2 ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
394. 325
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas . 3 ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008 – 1009. 326
FRANCO, A lberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e
Jurisprudência: Parte Processual Penal (arts. 251 a 393). V. 3. 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 942. 327
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição
Federal. p. 28.
106
8.072/90)328, ambos prorrogável por igual período (cinco ou trinta dias), em caso de
extrema e comprovada necessidade.
Finalmente, destaca-se que a prisão temporária como qualquer prisão
provisória deve respeitar os direitos constitucionais do preso, como comunicação da
prisão ao juiz competente e à família do preso ou pessoa por ele indicada (artigo 5º,
LXII, CRFB/88)329, informação de que pode permanecer calado, sendo - lhe
assegurada assistência tanto da família quanto de advogado (inciso LXIII, artigo 5.º,
CRFB/88)330, identificação dos responsáveis por sua prisão e por seu interrogatório
policial (inciso LXIV, artigo 5.º, CRFB/88)331. Ainda, os presos temporários devem
ficar separados dos demais detentos (artigo 3º, da Lei 7.960/1989)332.
2.3.4 Prisão decorrente da decisão de pronúncia e decorrente de sentença
condenatória recorrível
A prisão decorrente da decisão interlocutória de pronúncia333 e decorrente
de sentença condenatória recorrível334, antes das alterações trazidas pela lei 11.689
de 09 de Junho de 2008 e pela lei 11.719, de 20 de Junho de 2008, eram regra, no
ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, bastava tais decisões para serem
decretadas.
De acordo com § 1º do artigo 408 do CPP o juiz pronunciando o acusado
deveria recomendá-lo a prisão em que se achar ou expediria ordens necessárias
para sua captura. A exceção a ta l prisão encontrava-se disposta no § 2º do mesmo
328
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição
Federal. p. 28. 329
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição
Federal. p. 28. 330
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação
Complementar. p. 834. 331
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação
Complementar. p. 834. 332
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação
Complementar. p. 834. 333
Decisão de pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação, por estar presente a demonstração da materialidade do delito e a indícios suficientes de autoria, reconhecendo a competência do Tribunal do Júri para o julgam ento de fato do crime, em tese, doloso contra vida.
(MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 89). 334
Sentença condenatória recorrível é uma sentença da qual ainda cabe recurso. (RANGEL, Paulo.
Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 632).
107
artigo, ou seja, não se decretaria a prisão ou soltaria o acusado se este fosse
primário e de bons antecedentes335.
No sentido da decisão de pronúncia acarretaria automática prisão, ensina
Capez336:
Em caso de pronúncia, o art. 408, § 2º, do CPP autoriza o juiz a decretar a prisão provisória, quando o réu for reincidente ou tiver maus antecedentes. Se estiver preso, continua; se vinha respondendo solto ao processo, será expedido competente mandado de prisão. Essa custódia é conseqüência automática da sentença de pronúncia, não havendo nada a justificar a permanência do acusado em liberdade até a data de seu julgamento. [...].
Também, o artigo 594 do CPP337 dispunha que o réu não poderia apelar sem
recolher-se a prisão, ou prestar fiança, salvo se primário e com bons antecedentes
ou condenado por crime que se livre solto.
Diante do exposto, pela só superveniência da decisão de pronúncia ou de
sentença condenatória recorrível já havia fundamento para a prisão. Porém, já
existiam críticas a tais prisões. Oliveira338 afirma:
[...] a própria lei estaria a reconhecer a necessidade de se manter (se já preso) ou de se impor a prisão (se solto), com a só superveniência da decisão de pronúncia (art. 408) ou de sentença condenatória (art. 594), ainda recorrível. Todavia, assim não nos parece que possa ocorrer. As prisões cautelares, como exaustivamente analisado, prestam-se a tutelar interesses ligados à jurisdição penal, acautelando, sobretudo, o regular andamento do processo. E, assim, como toda medida cautelar, podem ter como conseqüência a própria antecipação do resultado final pretendido, daí porque somente serem concedidas quando se mostrarem concretamente indispensáveis. E essa tarefa, a de identificar a necessidade de proteção do processo, diante de eventual risco à sua efetividade, somente haverá de ser exercida pelo judiciário, jamais pelo Legislativo.
O artigo 3º da lei 11.719/ 2008 revogou expressamente o artigo 594 do CPP.
E o artigo 413 do CPP339, com redação dada pela lei 11.689/ 2008, dispõe:
335
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Estudo Comparado da Reforma do Código de Processo Penal. p. IX. 336
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 670. 337
BRASIL. Consti tuição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código
de Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 674. 338
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. p. 449.
108
§ 3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de qualquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
Ainda a reforma do CPP passou a prever no parágrafo único, do artigo
387340, e parágrafo 3º, do artigo 413341, que há a necessidade de análise dos
requisitos da prisão preventiva elencados no art. 312 do CPP para fixar as prisões
decorrentes de sentença condenatória recorrível e de sentença de pronúncia342.
Assim, para o acusado ter restringida a sua liberdade não basta uma
sentença condenatória recorrível ou uma sentença de pronúncia, necessário a
existência dos pressupostos e fundamentos de uma prisão preventiva.
Neste capítulo abordou-se os princípios, pressupostos e fundamentos de
quaisquer das modalidades de prisão cautelar. Necessário, antes de saber em que
casos uma prisão processual pode acarretar responsabilidade extracontratual do
Estado, ter o domínio dos elementos de uma prisão cautelar. Não se pode afirmar
que o Estado é responsável por tal prisão, sem primeiro verificar seus princípios,
pressupostos e fundamentos. Assim, trazidas as considerações sobre o objeto
(prisões processuais) que acarretará a responsabilidade do Estado, na seção
seguinte tratar-se-á da responsabilidade do Estado em tais prisões.
339
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Código de Processo Penal. p. 424. 340
Art. 387. [...] Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição
de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser imposta. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 422). 341
Art. 413. [...] 3° O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou subst ituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a
necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 424). 342
PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. A prisão preventiva a partir da reforma do Código de Processo Penal. Alargamento das hipóteses de incidência e ausência de fixação de um prazo razoável. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2098, 30 mar. 2009. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12553>. Acesso em: 13 mai. 2009.
109
3 INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO PROVISÓRIA
3.1 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
RELACIONADOS ÀS PRISÕES CAUTELARES
Neste capítulo é feito o confronto entre as hipóteses de prisão processual
indevida e as formas de responsabilidade estatal, procurando identificar a
possibilidade de indenização por danos resultantes da prisão cautelar.
As prisões processuais serão decretadas ou mantidas, em regra, devido a
ato jurisdicional, ou seja, necessário uma decisão do magistrado fundamentada.
Como mencionado no primeiro capítulo desta monografia, quanto aos atos
jurisdicionais há divergências se existe responsabilidade do Estado ou não.
Independentemente da referida divergência, neste capítulo serão considerados os
fundamentos para a imputação de responsabilidade do Estado nas prisões
cautelares.
Antes de tratar dos fundamentos para responsabilizar o Estado na
decretação ou manutenção de uma prisão cautelar, necessário considerar os
elementos mínimos de uma responsabilidade, quais sejam: ação, dano e nexo de
causalidade, e, principalmente, relacioná-los as prisões cautelares.
Demonstrados os elementos e fundamentos da responsabilidade do Estado
nas prisões cautelares, por fim, serão identificadas as situações nas quais uma
prisão cautelar pode acarretar a responsabilidade estatal.
3.1.1 Ação
O Estado possui ação através de seus agentes343. As prisões cautelares,
como analisado no capítulo segundo, são decretadas, em regra, pelo juiz, exceto a
prisão em flagrante que só depois é homologada pelo magistrado.
343
Afirmação com fulc ro no capítulo primeiro, item 1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado.
110
Assim, a ação que pode acarretar responsabilidade ao Estado decorre de
atos de seus servidores, e os agentes do Estado relacionados às prisões
processuais podem ser magistrados, desembargadores, servidores do cartório ou
autoridades policiais. Conforme conceito de Di Pietro344, eles são agentes do Estado
por prestarem serviço ao Estado.
Copola345 assim define agentes:
O vocábulo agentes foi acertadamente empregado pelo indigitado dispositivo constitucional para denotar o sentido genérico e lato de “atuador” público, para, com isso, abranger todos os que realizam alguma espécie ou forma de serviço público.
Não seria razoável que o Estado deixasse de responder por danos causados
por quem atuou munido de atribuições ou poderes oriundos da esfera pública346.
Identificados os agentes públicos que são sujeitos a persecução penal,
passa-se a estudar os atos que poderiam ensejar a responsabilidade estatal.
3.1.1.1 Desrespeitos aos direitos à personalidade – dignidade da pessoa
humana
Dispõe o artigo 5º da CRFB/88347: “X - são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização por
dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A prisão processual sem justificativa plausível constitui uma ofensa à honra,
à vida, à imagem. A finalidade do dispositivo supramencionado é resguardar os
direitos do cidadão, sobretudo quando o Estado atuar causando prejuízos.
Albrecht348 aduz:
344
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,
2006. p. 628. 345
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo: Doutrina, pareceres, jurisprudência, legislação, tribunais de contas (decisões e
orientações). São Paulo: NDJ Ltda, junho 2008. ano XXIV. Nº 6. 346
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 238. 347
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 25. 348
ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever de indenizar a vítima de
prisão injusta. Julho, 2004. p. 152.
111
De fato, como resta claro, o cidadão brasileiro tem assegurado por força de norma constitucional – cláusula pétrea – o direito à inviolabilidade da imagem, da vida privada, da honra e de uma gama de direitos que se difundem sobre o conceito de direitos fundamentais. Em lhe sendo agredido qualquer destes direitos, lhe é assegurado, pela mesma norma, o direito de ser reparado, não somente pelos prejuízos materiais, mas também daqueles chamados de extrapatrimoniais, que certamente socorrem ao cidadão mantido injustamente preso.
Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de
defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a
reputação, a honra, a autoria etc. Destinam-se a resguardar a dignidade humana.
Por tal razão prescreve o artigo 12 do Código Civil: “Pode-se exigir que cesse a
ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei”349.
As ações que acarretarem injustificado dano a qualquer aspecto da
dignidade da pessoa humana, abrangendo a honra, a imagem, a vida privada,
autorizam a condenação em indenização por danos morais e materiais350.
Habib351 afirma o surgimento de uma nova modalidade de prisão – a prisão
midiática- ensinado que não adianta a CRFB/88 asseverar garantias, se na prática
“prende-se, algema-se, humilha-se, desmoraliza-se, e, depois, solta-se, esquiva-se,
e, em alguns casos simplesmente informa-se que os indícios não eram suficientes
para manterem-se presos os investigados”, desrespeitando, assim, os direitos da
personalidade, visto que a honra, a dignidade, a moral estarão abalados por um
equívoco praticado pelo Estado e aduz:
De que adianta, pois, provar-se em juízo a inocência, ao fim e ao cabo de um processo penoso, que normalmente se arrasta por anos a fio, se o réu foi preso midiaticamente [...]. Se vier a ser absolvido de nada adiantará, porque a condenação midiática tem muito mais efeitos práticos, vale dizer, é muito mais eficaz do que a absolvição processual.
A violação aos direitos da personalidade, com restrição indevida da
liberdade, seja por prisão decretada ilegalmente quando, ainda, não existe sentença
condenatória, como nos casos de prisões preventivas, temporárias ou em razão de
349
TELLES Jr., Goffredo apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 72-74. 350
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 48. 351
HABIB, Sérgio. Prisão Midiática: O caso da procuradora Federal. Revista Jurídica Consulex . Ano
XII - nº 265 – 31 de Janeiro de 2008.
112
flagrante, seja nos casos de excesso de prisão ou erro judicial, afronta o direito
fundamental de liberdade e a dignidade da pessoa humana 352.
Assim, tais restrições indevidas da liberdade afrontam a dignidade da
pessoa humana e acarretam indenização. Neste diapasão, Cahali353 ensina que:
Julgados existem a considerar que, preso a qualquer título (antes ou no curso do processo crime) o denunciado, com sua absolvição ao final (na ação penal ou em revisão) e conseqüente soltura, a intercorrência de qualquer forma de privação da liberdade caracterizaria, objetivamente, prisão indevida e, sob a perspectiva do dano injusto, seria suficiente para assegurar ao sentenciado o direito de ser indenizado pelo Estado.
A seguir serão analisados em que casos a prisão provisória viola direitos da
personalidade, causando danos indenizáveis, visto que quando a prisão preencher
seus requisitos legais, em regra, não pode ser fundamento de indenização, pois
configura o exercício de uma das facetas do jus puniendi, confirmando o explanado
no segundo capítulo.
3.1.1.2 Desrespeito ao direito de liberdade de locomoção
A CRFB/88, em vários de seus dispositivos protege a liberdade de
locomoção do cidadão como no caput do artigo 5º, e, especificamente, nos incisos
do mesmo dispositivo: inciso XV: garante a liberdade de locomoção no território
nacional; inciso LXI: assegura que ninguém será preso, exceto em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente; também por meio de
garantias, como o inciso LIV: exigência do devido processo legal para restringir a
liberdade; e ainda, o inciso LXVII, garantido o habeas corpus, e o inciso LXV,
garantindo o relaxamento de prisão.
352
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão
ilegal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 09 fev. 2009. 353
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 480.
113
O Estado deve garantir os direitos individuais do cidadão, coibindo a prática
de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da
autoridade. Resulta, assim, a responsabilidade do Estado pelos danos causados 354.
A inviolabilidade da liberdade pessoal deve ser garantida, por meio de uma
indenização. A prisão constitui exceção e a única justificativa para sua ocorrência é
quando a pessoa humana não possui mais dignidade para desfrutar do convívio
social. Nesse sentido, ensina Stoco355:
A inviolabilidade da liberdade pessoal assegurada pela Constituição da República não traduz mero preceito enunciativo. Resguarda efetivamente esse direito, cuja ofensa acarreta sanção de natureza penal, civil e administrativa, quando for o caso. Aliás, ao mesmo tempo em que erigiu a liberdade como direito fundamental, tratou a Lei Maior, no mesmo art. 5º, de assegurar indenização quando esta for violada, quer havendo prejuízo material, quer apenas moral (inc. X). A liberdade da pessoa física, impropriamente denominada “liberdade individual”, constitui a primeira forma de liberdade que a pessoa teve que conquistar, posto que se opõe ao estado de escravidão e de prisão, que constitui exceção e só encontra justificativa quando a pessoa humana já não mais detém dignidade suficiente para desfrutar do convívio social.
Todavia, mesmo que observadas as condições de legalidade da prisão
cautelar, esta prisão pode acarretar indenização se, por exemplo, o acusado for
condenado a infração que não corresponda a pena privativa de liberdade, ou a pena
for inferior a detenção sofrida. Nesse aspecto, para justificar a indenização pela
prisão cautelar, observa-se que a lei constitucional condiciona a expropriação da
propriedade à paga de uma prévia e justa indenização, não podendo, destarte, esta
mesma lei desproteger bem axiologicamente superior (no mínimo legal igual): a
liberdade356.
O poder de o Estado restringir a liberdade de locomoção não é absoluto,
pois a CRFB/88 protege a liberdade de locomoção, por meio de indenização quanto
desrespeitada. Nesse sentido:
Mesmo diante da imprecisão da Lei maior em alguns aspectos sobre o tema, entendemos que o direito brasileiro assegura amplamente a
354
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed. rev. ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 75. 355
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 903. 356
CANOTILHO, José Joaquim Gomes apud ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do
Estado: o dever de indenizar a vítima de prisão injusta. Julho, 2004. p. 152.
114
indenização nos casos de prisão ilegal, pois a liberdade pessoal goza de total proteção da Constituição Federal, que previu a possibilidade de indenização por danos morais e patrimoniais em que sejam lesados referidos direitos. Dessa forma, o poder que tem o Estado de restringir a liberdade pessoal, via prisão, não é absoluto e caso esse poder seja utilizado sem a observância das normas previstas, o ente estatal ficará obrigado a indenizar os danos causados ao particular357.
O CC/2002 358 possibilita indenização por ofensa à liberdade pessoal:
Art. 954 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I - o cárcere privado; II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III - a prisão ilegal.
Como o artigo 954, do CC/2002 se refere ao parágrafo único do artigo
antecedente, cabe escrever o que contem tal dispositivo do Código Civil359:
Art. 953 - [...] Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.
O parágrafo único do artigo 954, do CC/2002, dispõe casos de ofensas à
liberdade pessoal e ao direito de ir e vir, voltadas à locomoção. Cabe destacar
dentre os casos citados no artigo 954, do CC/2002 o que poderá acarretar a
responsabilidade do Estado é a prisão ilegal, que consiste na “[...] detenção feita
sem qualquer ordem de autoridade competente, ou sem que haja flagrante, por
autoridade pública no desempenho de sua atividade funcional [...]” 360.
357
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov 2004. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961. Acesso em: 15 nov. 2008. 358
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Civil. p. 186. 359
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Civil. p. 186. 360
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 156.
115
O CC/2002 indica apenas alguns casos de ofensa à liberdade pessoal essa
enumeração não é taxativa, nesses casos declarados há sempre ofensa à liberdade
pessoal361.
No mesmo sentido supra mencionado, Venosa362 entende que o rol do artigo
954, do CC/2002 não é exaustivo, sempre que algum ato atentar contra a liberdade
de outrem haverá o dever de indenizar.
Também, Stoco363 com fundamento que a CRFB/88 assegurou a
inviolabilidade a qualquer ofensa a liberdade pessoal, afirma que o artigo 954, do
CC/2002 não pode ser interpretado como taxativo, pois esqueceu a prisão além do
tempo fixada na sentença, prevista na CRFB/88. O doutrinador enume ra algumas
hipóteses de ofensa à liberdade pessoal:
[...] alguns casos de prisão indevida, [...], como, ad exemplum, o indivíduo mantido preso injustamente, sem motivação aparente, ou que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou ainda esteve cumprindo pena de outro indivíduo, seu homônimo. A prisão temporária (Lei 7.960, de 21.12.89), a prisão em flagrante (CPP, art.301) efetivada por agente público e a prisão preventiva (CPP, art. 312) sem que ocorra a instauração de ação penal poderão conforme o caso e as circunstâncias, converter-se em erro judicial, ensejador da prisão indevida. São, portanto, hipóteses de prisão indevida por erro judicial (e não judiciário) que traduzem em ofensa à liberdade pessoal e que também empenham a responsabilidade do Estado, por força das garantias asseguradas no art. 5º da CF/88 e art. 954 do CC, pois, como estabelece o § 2º daquela Carta, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados [...]”.
Os casos mais comuns, dentre os previstos no artigo 954, do CC/2002, e
que se encontram nos precedentes jurisprudenciais decorrem da ação do Estado por
meio de seus agentes, como, a prisão ilegal ou abusiva, as condenações
decorrentes de erro judiciário, o cumprimento da pena por inocente em lugar de seu
homônimo, e outros364.
361
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2005. p. 772. 362
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4. p. 308. 363
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 904 e 1066. 364
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 903.
116
De acordo com a CRFB/88, o Estado é responsável direto por prisão ilegal
ocorrida por ato de seus agentes, tendo ação regressiva contra os servidores
públicos, para se ressarcir do pagamento efetuado365.
Outrossim, afirma Diniz366:
No caso de prisão ilegal, por ser crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65), pelo preceito constitucional, art. 37, § 6º, a pessoa jurídica de direito público é que será a responsável direta pelo dano causado, tendo, porém ação regressiva contra a autoridade [...].
Ainda, quanto às ações dos agentes que desrespeitarem o direito à
liberdade de locomoção, apesar de pela leitura dos dispositivos acima escritos
(artigo 954 e parágrafo único do artigo 953, ambos do CC/2002), induzirem a
interpretação de que por tal restrição somente caberia o dano material, a ofensa à
liberdade de locomoção permite que se cumule indenização por danos materiais e
morais367.
Também, ensina Quirino368 que a privação indevida da liberdade pessoal
impõe ao Estado o dever de indenizar os danos morais do fato injusto, podendo o
dano ter reflexos patrimoniais.
Ainda, cabe destacar o que dispõe a Súmula 37 do STJ 369: “São cumuláveis
as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
No âmbito internacional a liberdade de locomoção também é tutelada. A
CRFB/88 acolheu os pactos internacionais370.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (aprovado pelo Decreto
legislativo número 226 de 12.12.1991, e promulgado pelo Presidente da República
365
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2006. p. 726. 366
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e
atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 157. 367
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4. p. 310. 368
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 57. 369
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Súmulas do Superior Tribunal de Justiça . p. 1156. 370
Art. 5º [...]
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo:
Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 29.
117
através do Decreto número 592, de 6.7.1992) protege a liberdade dos cidadãos em
seus dispositivos nono e quatorze371.
Os direitos previstos nos artigos nono e quatorze do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos demonstram a vedação ao encarceramento arbitrário,
garantido a estrita legalidade na adoção de medidas constritivas da liberdade, bem
como permitindo a privação da liberdade só quando verificados os motivos
autorizados em lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos. Desta
feita, decretada qualquer prisão sem os princípios, pressupostos e fundamentos
estabelecidos em lei, a prisão será tida como ilegal. O pacto reforça que a prisão
preventiva deve funcionar como exceção, dando proteção mais uma vez ao direito
de liberdade que deve constituir a regra geral. O Pacto Internacional foi mais além
que a CRFB/88, pois além da indenização por erro judiciário, previu reparação para
qualquer espécie de prisão ilegal372.
Ainda, sobre tais dispositivos afirma Delmanto Júnior373:
Ao passo que nossa lei maior fala em indenização somente em virtude do erro judiciário, ou de restar preso por tempo além daquele fixado em sentença (art. 5º, LXXV), o diploma internacional avança mais: expressamente determina a reparação para qualquer prisão ou encarceramento ilegal (art. 9º, 5), não obstante também faça referência, em outro artigo, à indenização por erro judiciário (art.14,6).
Pelo exposto, para que a restrição da liberdade acarrete responsabilidade do
Estado, basta o desrespeito aos princípios, pressupostos, fundamentos das prisões.
Se, por um lado, ao Estado é conferido o poder de restringir a liberdade pessoal,
esse poder não é absoluto. A pessoa jurídica de direito público fica adstrita as regras 371
Art. 9º - 1.Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou
encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos. 3.A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas
a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. 4.Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito a reparação. [...]
Art.14: 6.Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou quando um indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos...
Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm> Acesso em: 10 fev. 2009. 372
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão
ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http: //jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>acesso em: 15 nov. 2008. 373
DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração .
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 37.
118
fixadas pelo legislador. Essas regras limitadoras da atuação do Estado, caso não
respeitadas, seja por erro ou omissão, acarretam-lhe a obrigação de indenizar o
particular374.
Considerando a CRFB/88, juntamente com o Pacto Internacional, conclui-se
que ações que causarem restrição da liberdade de locomoção sem respaldo legal,
mesmo sem a ocorrência de um erro judicial (sentença condenatória e posterior
absolvição por revisão criminal), são fundamento para responsabilização do Estado.
Logo, desrespeitados princípios, pressupostos e fundamentos da prisão processual
não há dúvida que caberá ao Estado indenizar. Contudo, ainda, analisar-se-ão, com
maior cautela, em que casos a prisão cautelar gerará indenização.
3.1.1.3 Abuso de autoridade
O abuso, desvio ou excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora
adequada para a prática do ato administrativo, ultrapassa os limites de sua
atribuição, desvirtua o próprio ato ou se desvia dos fins estabelecidos pela
administração ou exigidos pelo interesse público. O abuso de poder, por parte da
Administração, ou abuso de autoridade, por parte dos seus agentes, poderá ensejar
reparação quando atingir direitos do próprio poder público, direitos individuais ou
direitos coletivos dos administrados ou de terceiros375.
Os artigos 3º e 4º da Lei 4.898/1965 apresentam casos de abuso de
autoridade. Os referidos dispositivos estabelecem o fundamento para que o Estado
seja responsabilizado por ações que desrespeitem o direito à liberdade de
locomoção.
Em relação à liberdade de locomoção, constituem abuso de autoridade as
seguintes alíneas dos referidos dispositivos:
Art. 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; [...]
374
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 44. 375
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 12007.
119
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; [...] c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer se proponha a prestar fiança, permitida em lei; [...] i) prolongar a execução da prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade376.
Ainda, o artigo 6º da Lei 4.898/1965377 menciona que o abuso de autoridade
sujeitará o autor da infração à sanção administrativa, penal e civil, podendo ser
aplicada cumulativamente ou de forma autônoma.
Importante destacar que a seguir identificar-se-á quando se caracteriza o
abuso de autoridade no âmbito penal.
Em relação à ocorrência de atentado à liberdade de locomoção (alínea a, do
artigo 3º, da Lei 4.898/1965), é preciso que a autoridade restrinja, sem respaldo
legal, com intenção de abusar do poder, a liberdade do indivíduo. Por se tratar de
delito de atentado, não é necessário consumar-se a privação da liberdade (o que
poderia incidir na figura típica descrita na alínea a, artigo 4º, desta Lei), basta à
turbação do direito de se locomover, bem como o de permanecer em algum lugar
público378.
Ensina Capez379 que para se configurar abuso de autoridade deve existir a
intenção de abusar.
Em comentários a alínea a, do artigo 4º, da Lei de Abuso de Autoridade,
Nucci380 afirma:
[...] ordenar significa determinar ou mandar que se faça; executar quer dizer realizar, efetivar ou cumprir. O objeto das condutas é a medida privativa de liberdade individual (prisão). Nota-se, pois, que o
376
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Legislação Complementar. p. 723. 377
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Legislação Complementar. p. 723. 378
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 37. 379
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 22. 380
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual.
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46.
120
tipo penal envolve tanto o mandante quanto o executor da ordem de prisão ilegal ou abusiva. Aliás, vale ressaltar, desde logo, que a redação desde dispositivo não nos parece tenha sido a ideal. O abuso de autoridade, na realização de uma prisão, ocorrerá sempre que houver o descumprimento das formalidades impostas por lei, o que, por conseqüência natural, implica em abuso de poder. Logo, não haveria necessidade de se mencionar as duas expressões: “sem as formalidades legais” ou “com abuso de poder”. Se não respeitou a lei, houve abuso; se houve abuso é porque não cumpriu a lei.[...].
O delito comentado acima absorve o de deixar de comunicar a prisão ao
juiz381. Em que pese o inciso LXII, do artigo 5º, da CRFB/88 382 dispor que: “a prisão
de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz e à família do preso ou pessoa por ele indicada”, somente ocorre abuso de
autoridade com a falta de comunicação da prisão ao juiz. E, ainda que detenção,
retenção de alguém por curto espaço de tempo, não necessita ser comunicada ao
magistrado383.
Para que a alínea d, do artigo 4º, da Lei 4.898/1965 constitua abuso de
autoridade ensina Capez384 que necessário o dolo do magistrado.
Configura-se abuso de autoridade o fato de levar à prisão ou nela deter
quem se proponha a prestar fiança permitida em lei. Para caracterizar o abuso de
autoridade necessário manter preso ou levar a prisão quem se proponha a prestar
fiança permitida. Não caracteriza o delito de abuso de autoridade a deixar de
conceder a liberdade provisória, sem fiança, ainda que cabível a liberdade, pois é
vedada a aplicação do dispositivo para prejudicar o réu385. Neste caso, mesmo não
configurando delito de abuso de autoridade, poderá ocorrer a responsabilização do
Estado, uma vez que infringiu o direito a liberdade de locomoção .
Acima se referiu as condutas que relacionadas à prisão caracterizam abuso
de autoridade, importante destacar que a sanção civil independe da penal (esta que
381
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 23-24. 382
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal. p. 28.. 383
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 50. 384
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 25. 385
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3 ed. ver. Atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 53.
121
exige o dolo), porém se demonstrado o abuso de autoridade mais facilidade haverá
para responsabilizar o Estado. Nesse sentido, ensina Capez386:
De acordo com o art. 6º, §2º, da Lei, “a sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros”. A prefixação do valor da indenização, em face da desvalorização da moeda, tornou-se letra morta. O agente responsável pelo abuso fica obrigado, entretanto, à reparação do dano. Não se deve esquecer que um dos efeitos da condenação definitiva é tornar certa a obrigação de reparar o dano (CP, art. 91, I), e que a sentença condenatória transitada em julgado é título executivo judicial no juízo cível (CPP, art. 63 e CPC, art. 584,II). Se o ofendido ou seu representante legal preferirem, não será necessário aguardar o trânsito em julgado da sentença, podendo ser ajuizada desde logo a actio civilis ex delicto. Nesse caso, a ação deverá ser promovida em face da pessoa jurídica de direito público em nome da qual a função era exercida (CF, art. 37, §6º), ficando dispensada a prova do dolo e da culpa (basta provar o nexo causal entre o abuso e o dano).
Diante do exposto, conclui-se que para a existência da responsabilização do
Estado por abuso de autoridade basta demonstrar o nexo causal entre o abuso e o
dano, não havendo necessidade do dolo ou culpa na esfera civil.
3.1.1.4 Erro judiciário
Caso interpretasse que para a ocorrência de erro judiciário necessário
revisão criminal só nas hipóteses do artigo 621, do CPP haveria erro judiciário.
Como demonstrado no capítulo primeiro (item 1.4.3) com a ação de revisão
criminal tem-se já o direito de pedir indenização ao Estado por erro judiciário. Sem a
revisão criminal, como no caso das prisões processuais em que supostamente
ocorreu erro judiciário (se interpretado em sentido amplo), há divergências se cabe
ação de indenização contra o Estado.
Há entendimento de que a revisão criminal não é requisito para interpor ação
de indenização contra o Estado387.
386
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 34-35. 387
Já mencionado no capítulo primeiro (item erro judicial). CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev.
amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 777 – 778.
122
Assim, o erro judiciário poderia abranger outras hipóteses além do erro na
condenação, como o erro no recebimento da denúncia, na decretação da prisão
cautelar, no arresto e na busca e apreensão388.
Todavia, Stoco389 ensina que a desconstituição do julgado é condição para
ação de indenização sob pena de estar instalada a incerteza jurídica. Entende como
condição à reparabilidade do erro judiciário, a necessidade indispensável de revisão
ou rescisão do julgado, ou seja, a desconstituição do julgado pela via própria.
Destaca, entretanto, que a exigência de desconstituição do julgado só se refere a
decisão de mérito, ao assim ensinar:
A exigência da desconstituição do julgado, como precondição, só se refere à decisão de mérito. O indivíduo, ad exemplum, que permaneceu preso injustamente, sem motivação aparente, que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou que cumpriu pena de outro indivíduo, seu homônimo, poderá a qualquer tempo exigir reparação do Estado. Mas aqui não se trata de erro judiciário, mas de má atuação do Estado-Administração. A permanência na prisão, decorrente de sentença condenatória, além do prazo nela estipulado poderá até decorrer de erro judiciário, em razão de erro de cálculo ou mesmo de incorreto critério na apuração, in concreto, da pena exeqüenda ou na sua unificação. Evidentemente que nessa hipótese a só comprovação do erro e a existência de nexo causal entre este e o dano ensejerá a indenização. O erro, na hipótese, não decorre da decisão de mérito, mas localiza-se na execução da pena, fase posterior ao iudicium causae.
Entende Dias390 que se o acusado que foi preso no trâmite do processo
penal for absolvido ao final já gera responsabilidade ao Estado. Menciona que não
se pode restringir o erro judiciário penal às hipóteses de condenação injusta ou de
manutenção do condenado preso além do tempo devido. Configura-se erro
judiciário, ainda, por exemplo, o erro no recebimento da denúncia ou da queixa, da
prisão cautelar ou preventiva, na recusa do relaxamento do flagrante ou da liberdade
provisória. Todos esses erros judiciários são causadores de danos, se o acusado for
posteriormente absolvido ou se despontarem reconhecidos no duplo grau de
388
PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 mai. 2009. 389
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1050. 390
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 193.
123
jurisdição, mediante a interposição de recursos adequados, situações que acarretem
a responsabilidade do Estado.
Entretanto, há posição no sentido de que a simples absolvição do acusado
que permaneceu preso não gera erro judiciário. A prisão cautelar, pelo só fato da
prisão, seja temporária, em flagrante ou preventiva, ou, ainda, qualquer outra
medida de caráter provisório, não enseja reparação apenas em razão de o indiciado
ou acusado ter sido absolvido. Contudo, havendo excesso ou abuso da autoridade,
erro inescusável ou vício que contamine o ato de constrição e de restrição da
liberdade, esses serão considerados ato ilícito e poderão ensejar reparação. Quando
a prisão cautelar for erro judiciário apenas em razão da absolvição, todo o
arcabouço e o sistema jurídico penal estarão desacreditados. Nenhuma cautelar
poderá ocorrer fora das hipóteses previstas na lei, sob pena de se responsabilizar o
Estado. Todavia, preenchidas as condições da lei, não há como vislumbrar direito de
reparação pelo só fato da prisão que não se converteu em definitiva pela
condenação. O Direito Positivo, expresso na lei processual penal, perderá
efetividade e se instalará o medo e se incentivará a criminalidade. Não haverá
segurança jurídica para a sociedade, nem mesmo para o aplicador da lei. Se as
medidas de caráter cautelar são previstas e permitidas, não podem se transmutar
em ato ilícito apenas porque houve a absolvição posterior. Somente quando a prisão
se transporte para a ilicitude é que poderá ensejar reparação391.
A CRFB/88 garante o direito da liberdade de locomoção ao responsabilizar o
Estado por erro judiciário. As divergências entre os doutrinadores encontram-se em
definir o que consiste o erro judiciário penal. Uns entendem que só há erro judiciário
no âmbito penal com uma sentença condenatória e posterior revisão criminal
acarretando a absolvição. Outros interpretam erro judiciário penal de forma
extensiva, ou seja, entendem que só o fato de uma prisão cautelar e posterior
absolvição ou não instauração da ação penal já ensejam uma indenização.
Deve-se analisar o caso concreto, o simples fato de absolvição ao final não
deve ser interpretado como um erro. Além disso, as prisões processuais decretadas
sem requisitos legais, mesmo não reconhecidas como erro judiciário, podem
acarretar responsabilização do estado por desrespeito à liberdade de locomoção,
dano moral, abuso de autoridade ou outros fundamentos antes mencionados.
391
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1074.
124
3.1.1.5 Prisão além do tempo fixado na sentença
A CRFB/88 também garante o direito à liberdade de locomoção
possibilitando indenização ao cidadão que ficar preso além do tempo fixado na
sentença, em seu inciso LXXV, artigo 5º.
Há diferença entre erro judiciário e prisão além do tempo, podendo ocorrer
erro judiciário sem prisão além do tempo e vice-versa. A prisão além do tempo não
decorre do clássico erro judiciário, nem assim se caracteriza, pois ocorre não em
razão de uma decisão, mas em função da incorreta execução da pena ou da desídia
dos agentes públicos392.
Ao impor-se ao Estado a obrigação de indenizar aquele que “ficar preso
além do tempo fixado na sentença”, estaria também implicitamente assegurando à
pessoa o direito de ser indenizada em virtude de ordem de prisão cumprida sem
sentença condenatória. Sendo injusta ou ilegal a prisão no que exceder o prazo
fixado na sentença de condenação, seja menos injusta ou ilegal a prisão do réu que
é nela mantido se ao final ocorre uma sentença absolutória. Todavia, a questão
revela-se complexa na medida em que a CRFB/88 permite as prisões cautelares.
Impende levar em consideração para definir a responsabilidade civil do Estado o
exame da legalidade ou regularidade da prisão em flagrante do autuado, e não
necessariamente a sentença absolutória393.
Na hipótese de o preso ficar retido além do tempo fixado na sentença
deverá pleitear seu direito em ação própria no juízo civil394.
Cabe destacar que, geralmente, nos casos de excesso de prisão, a
responsabilidade do Estado poderá ser interpretada por duas vertentes: 1) decorrerá
não de uma ação, mas sim de uma omissão do agente público que deveria soltar,
mas não agiu; 2) decorrerá de uma ação do agente ao manter preso o acusado. Se
interpretado como uma omissão, conforme a doutrina relatada, no capítulo primeiro
392
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1065. 393
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 787. 394
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.
261.
125
desta obra395, a responsabilidade seria subjetiva. Se entendido como uma ação, a
responsabilidade seria objetiva, e, ainda, por ser tratar em desrespeito ao direito à
liberdade do cidadão neste caso independeria da demonstração de culpa.
3.1.2 Dano
No capítulo primeiro desta obra mencionou-se que dano é um prejuízo,
podendo ser, conforme CRFB/88, dano moral, dano patrimonial e/ou dano a
imagem. A prisão (mesmo legal), geralmente, acarreta prejuízos aos acusados e a
suposta compensação destes prejuízos, normalmente se dá por meio de uma
indenização.
Cabe destacar que a indenização além de ter caráter de reparação,
compensatório, deve imprimir ao ofensor um caráter punitivo 396.
Não havendo dano não há o que reparar, indenização sem dano é
enriquecimento ilícito para quem recebe e pena injustamente imposta a quem
paga397.
É certo que se for o acusado considerado culpado na sentença condenatória
o Estado tem o direito de exercer o jus puniendi, não havendo indenização pela
prisão. É, também, certo que se comprovado a inocência do acusado por meio de
revisão há obrigação indenizatória398.
Diante do direito do Estado exercer o jus puniendi convém analisar em que
casos o dano será indenizável.
No capítulo primeiro trouxe os requisitos necessários para que o dano seja
indenizável, em síntese: a certeza do dano (tem que ser real) e da lesão a um
direito.
395
GASPARI, Diógenes. MELLO, Celso Antônio Bandeira. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Capítulo primeiro Item 1.2.4. 396
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão
ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 397
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão
ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 398
CANOTILHO in DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função
jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 191.
126
A prisão presumidamente já acarreta um dano moral. Nos casos de prisão
parece-nos dispensável avaliar a ocorrência ou não do dano moral. Não resta
dúvida: o sofrimento moral é inerente à prisão399.
A existência de dano contra o direito de liberdade pessoal é um dos
elementos necessários para a caracterização da responsabilidade civil do Estado. A
liberdade é direito inerente à personalidade do indivíduo. Somente pelo fato da
prisão ilegal já fará jus o lesado a pelo menos uma indenização por danos morais
(“presumido”) 400.
No mesmo sentido, ensina Desembargador Sergio Pitombo 401:
A prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta. [...] Prisão é o constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa.Vale assentar: surge inerente a própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois.
Quanto ao dano material na prisão ilegal, deve-se analisar caso a caso, com
a finalidade de avaliar a real existência do prejuízo e o valor da indenização. Nesse
sentido:
Dando destaque à prisão ilegal e relacionando-a ao dano patrimonial, cabe assegurar que os danos dela decorrentes, devem ser analisados particularmente em cada caso, com o fim de aquilatar a real existência do prejuízo sofrido e o quantum indenizatório. A título de exemplo, podemos citar a prisão ilegalmente decretada de um grande comerciante que pode produzir, sem sombra de dúvidas um formidável abalo de crédito e sendo o crédito, instrumento utilizado pela maioria dos comerciantes no exercício da atividade comercial, pode decorrer de tal acontecimento a falência. Com isso, deve ser prestado, pelo Estado, indenização correspondente aos danos
399
AMARAL, Sylvia Maria Mendonça do..Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios. Jus
Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out.. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009. 400
QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.
p. 59. 401
Voto nº 6276 – Desembargador Sergio Pitombo, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 054.432.5/0-00, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo VER ORIGINAL TJSP In AMARAL,
Sylvia Maria Mendonça do. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios. Jus Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out.. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso
em: 23 jan. 2009.
127
morais, e materiais, inclusive, o dano emergente e o lucro cessante402.
Em se tratando de prisão ilegal e no que diz respeito ao dano patrimonial,
deverá ser avaliado o prejuízo efetivo sentido pelo lesado, conforme a realidade do
caso concreto. Pode a indenização ter caráter alimentar ou ter natureza de
recomposição patrimonial propriamente dita, restringindo-se nessa última hipótese
ao restabelecimento do statu quo ante 403.
Hentz404, ainda, entende que a prisão acarreta dano pessoal ao afirmar:
A prisão indevida é passível de gerar os danos patrimonial e moral, sem dúvida, mas nem só nesses se encerram os danos passíveis de serem sentidos por aquele que sofre a perda da sua liberdade física indevidamente. A natureza da liberdade pessoal e a sua importância para o homem faz gerar um prejuízo especial a sua perda, impondo ao Estado a responsabilidade de indenizar também o dano pessoal em que se consubstancia tal perda.
O primeiro requisito do dano (real - certo) só pelo fato da prisão já está
cumprido. Cabe demonstrar a ocorrência de lesão a um direito, como o desrespeito
à liberdade de locomoção de forma ilegal ou desnecessária, e esse segundo
requisito deverá ser analisado caso a caso.
Pode ocorrer responsabilidade do Estado conseqüente de prisão ilegal, erro
judiciário, prisão além do tempo, também por decisão de prisão sem sentença
condenatória, prisão de terceiro, pessoa diversa do suposto infrator por equívoco da
autoridade em razão da homonímia, falsa identificação, semelhança ou parentesco,
ou em cumprimento a mandado de prisão já revogado, condenação imposta na
sentença inferior ao tempo que o réu ficou preso 405. Nesses casos, supostamente,
ocorreram a certeza do dano e a lesão a um direito – liberdade de locomoção.
Em matéria de indenização o dano passível de invocar a responsabilidade
do causador deve consistir em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como
garantido em favor de alguém, não bastando para caracterizá-lo mero prejuízo, e
402
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 403
QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 61. 404
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Responsabilidade civil do Estado por prisão indevida. p. 8. Unesp.
Disponível em:<http://www.franca.unesp.br/Responsabilidade%20do%20Estado.pdf> Acesso em: 03 fev. 2009. 405
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2005. p. 787-789.
128
ainda, mesmo esse prejuízo reconhecido pela ordem jurídica, ele, às vezes, é
sufocado, pela proteção ao interesse maior do Estado a coletividade406.
Para existir a responsabilização do Estado necessária a ocorrência do dano,
além dos prejuízos inerentes a uma prisão: “Por lastimável que seja a prisão ilegal,
nem por isso a indenização dos danos se transforma numa punição econômica
infligida ao Estado, sem qualquer correspondência com os prejuízos que o autor
tenha sofrido” 407.
Para ocorrência de indenização por dano, tanto patrimonial, como moral,
necessária a existência de: resultado danoso, conduta omissiva ou comissiva do
Estado, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado 408.
Diante de todo o exposto, conclui-se que para ocorrer a responsabilização
do Estado necessário junto a outros elementos (conduta, nexo causal), o dano. Se
não existe dano, desnecessário ver se ocorreu ou não o nexo causal. Quanto ao
dano advindo da prisão cautelar cabe considerar em que casos ele será indenizável.
Por o Estado possuir o jus puniendi poderá, por meio do processo ou em seu
trâmite, para assegurar esse direito restringir a liberdade de um cidadão. Logo, como
mencionaram os doutrinadores que só pelo fato da prisão já há dano, deve-se
analisar se este é indenizável.
3.1.3 Nexo causal
Como exposto no capítulo primeiro, nexo causal é o elo entre a conduta do
agente do Estado (ação ou omissão) e o dano. Se não existir ligação entre a causa
(conduta) e o efeito (dano) não há responsabilização.
Não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um “erro de
conduta”. Não basta, ainda, que a vítima sofra um dano, que é o elemento objetivo
do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta não gera 406
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora
Universitária de Direito Ltda, 1995. p.113-114. 407
TJSP. 5ª C. Ap. 162.750 – Rel.Rodrigues de Alckmim – j. 21.07.67 – RJTJSP 5/97 in STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 1067. 408
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009.
129
responsabilidade. É necessário, além da ocorrência dos dois elementos
precedentes, que se estabeleça uma relação de causalidade entre a ação e o mal
causado. É preciso a certeza que, sem o fato, o dano não teria acontecido 409.
A presença do nexo causal não significa a certeza de indenização, pois
pode ocorrer exclusão da responsabilidade do Estado, em face das excludentes do
dever de indenizar410.
Para haver responsabilização do Estado tem que existir a causa direta do
fato que causou o dano devido à ação do Estado. Logo, há excludentes que por
rompimento ou inexistência do nexo causal não acarretam responsabilização do
Estado.
3.2 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Neste item, são estudadas as causas que possam elidir, excluir ou atenuar a
responsabilização do Estado em relação à decretação ou à manutenção das prisões
processuais. Cabe destacar que, no capítulo primeiro do presente trabalho foram
expostas as seguintes causas com as funções acima mencionadas: fato da vítima,
força maior, caso fortuito, culpa de terceiro, estado de necessidade. Neste capítulo,
pretendem-se analisar em que situações referidas causas estarão presentes quando
da responsabilização do Estado na prisão cautelar.
Ensina Quirino411:
O direito brasileiro adotou a teoria do risco administrativo (que comporta restrições) em matéria de responsabilidade do Estado, em detrimento da teoria do risco total (sem restrições), pois aquela primeira teoria admite a existência de excludentes do dever de indenizar. Esta é a posição da maioria da doutrina mais recente sobre o tema. Dessa forma, para que a obrigação estatal se perfaça, além do nexo causal entre a sua autuação e o dano respectivo, também é necessário que não tenham contribuído para o prejuízo a própria vítima ou terceiro, nem decorra de caso fortuito ou força maior; essas excludentes são motivos que afastam a obrigação do
409
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 151. 410
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.106. 411
QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.
p. 58.
130
Estado de indenizar, por descaracterizarem o próprio nexo causal. [...].
Pelo fato do direito à liberdade ser personalíssimo poder-se-ia dizer que em
relação à prisão o legislador constitucional deu azo à invocação do risco integral, ou
seja, a responsabilidade do Estado pela prisão não admitiria excludentes. Todavia,
não parece ser essa a interpretação pertinente. Para que se tenha o dever de
indenizar derivado dessa especial ocorrência como responsabi lidade do Estado, em
primeiro lugar é necessário admitir o poder de suprimir a liberdade de alguém como
uma atividade estatal organizada no interesse público 412.
3.2.1 Fato da vítima
Importante mencionar a excludente, disposta no artigo 630 do CPP413, do
erro judiciário:
Art. 630 - [...] § 2° A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; [...].
Diante disso, se depara com a primeira excludente da responsabilização do
Estado, qual seja: a culpa da vítima. O dano ocorreu, a prisão processual, o Estado
por meio de seus agentes errou ao decretá-la ou mantê-la, porém por culpa da
vítima decretou-se ou manteve-se a prisão cautelar.
Ensina Hentz414: “o que existe é a quebra do nexo causal que ligaria a
conduta do imputado, potencialmente lesiva, ao dano verificado, porque a postura do
ofendido foi bastante para a verificação do resultado”.
Em relação à referida excludente, ensina Mirabete415:
412
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.124. 413
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Código de Processo Penal. p. 436. 414
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.132. 415
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 715.
131
Nesta hipótese a culpa é do próprio interessado, não se podendo permitir que se valha da fraude em benefício próprio. Entretanto, ausente esta, como ocorre, por exemplo, em uma confissão obtida por coação, a culpa do Estado é manifesta e, positivada a ausência de fraude do réu, a indenização se impõe.
Nessa espécie, nota-se uma excludente de responsabilidade do Estado,
caracterizada pela culpa exclusiva do preso, consistente na propositada fraude à
correta administração da justiça. Não pode, assim, o acusado beneficiar-se da
própria torpeza. Cumpre consignar que a indicação no texto legal da confissão ou
ocultação de prova pelo acusado é meramente exemplificativa, admitindo-se outras
situações hipotéticas416.
Quando se tratar de culpa concorrente da vítima (ou terceiro), a obrigação
do Estado é reduzida na mesma proporção417.
Conclui-se que se a vítima que fez com que o Estado decretasse sua prisão,
não há motivo para que o Estado seja responsabilizado, uma vez que se rompeu o
nexo de causalidade entre a ação do agente público e o dano, devido a ação da
vítima. Por exemplo, poderíamos citar a decretação de prisão preventiva, cumprido
os seus pressupostos e o fundamento da aplicação da lei penal, ao acusado que se
omite da justiça sempre quando esta tenta localizá-lo para o tramite processual e
futura aplicação da pena. Todavia, no mesmo caso se além de o acusado se omitir
(culpa da vítima – acusado) não havia os pressupostos para a decretação de uma
prisão preventiva, haverá a responsabilidade do Estado, porém esta será reduzida.
3.2.2 Culpa de terceiro
No mesmo caso que a culpa da vítima, a culpa de terceiro rompe ou atenua
a responsabilidade do Estado, pois se rompe o nexo entre a ação dos agentes do
Estado e o dano.
Entende-se por terceiro alguém diferente das partes418. No caso do tema
em estudo, terceiro seria a pessoa diversa do Estado e do preso. 416
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 743. 417
QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.
p. 58.
132
A CRFB/88 é explícita ao fixar a responsabilidade do Estado pelos atos
praticados por seu funcionário. Assim, se o terceiro causador do dano não exercer
função pública, cumpre ao lesado buscar a devida reparação contra este e não
contra o Estado419.
O parágrafo 2º do artigo 630 do CPP420, em relação ao erro judiciário, dispõe
que “a indenização não será devida: [...] b) se a acusação houver sido meramente
privada”.
Em relação ao fato da acusação ser meramente privada, tal fato não exclui a
responsabilização do Estado, assim, entende Mirabete 421:
O código nega também a indenização “se a acusação houver sido meramente privada”, o que não apresenta justificativa, uma vez que a condenação foi proferida em ação penal, de responsabilidade do Estado. A proibição, entretanto, não mais subsiste porque a Constituição Federal, ao determinar a indenização pelo erro judiciário, não faz qualquer restrição ao fato de ter ele ocorrido em ação de iniciativa privada.
Ensina Rui Stoco422 ao mencionar a responsabilização do Estado por abuso
de autoridade:
Se o preposto cometer abuso de autoridade fora de suas funções, inexistirá nexo causal que conduza à responsabilização do Estado. Se, porém, embora fora das funções, atua em razão delas, responderá o poder público. Se um policial, embora fardado e com arma da corporação, mas fora de suas funções, agride e fere uma pessoa por razões pessoais, não se configura o abuso de autoridade, pois naquele momento não agiu nesta qualidade.
Em relação à culpa de terceiro, Hentz423 exemplifica com o falso testemunho
e afirma que só na prática pode constatá-la. Ainda, menciona como culpa de terceiro
a falha de advogado.
418
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 53. 419
PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 29 jan. 200 9. 420
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 436. 421
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 715. 422
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1208. 423
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora
Universitária de Direito Ltda, 1995. p.133-134.
133
Logo, o Estado exerce suas funções através dos agentes públicos, quando
não forem estes os causadores do dano não há motivo de responsabilização do
Estado.
3.2.3 Força maior e caso fortuito
Apesar de caso fortuito e força maior está inserido no mesmo tópico, cabe
destacar, como mencionado no capítulo primeiro, que possuem distinções. A força
maior é um acontecimento inevitável, sendo uma excludente. Já no caso fortuito, o
dano decorre de ato humano, falha da administração, não há excludente.
Os motivos alheios à vontade humana podem em geral ser causas de
danos, mas não implicarão, em regra, em obrigação por parte do ente público 424.
Ensina Mello425 que a força maior será relevante na medida em que se pode
comprovar a ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido e
o caso fortuito não exime a responsabilidade do Estado ao explicar: “[...] se alguma
falta técnica, de razão inapreensível, implica a omissão de um comportamento
possível, a impossibilidade de descobri-la, por seu caráter acidental, não elide o
defeito do funcionamento do serviço devido pelo Estado”.
Na responsabilidade do Estado por prisões cautelares, no caso concreto,
dever-se-á observar se ocorre força maior ou caso fortuito.
3.2.4 Estado de necessidade/estrito cumprimento do dever legal/legítima
defesa
O Código Civil não considera ato ilícito ações praticadas em estado de
necessidade, estrito cumprimento do dever legal, legítima defesa, conforme abaixo
424
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p. 134-135. 425
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed rev., atual. e ampl. até
emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 989.
134
demonstrará. Deve-se verificar se mesmo que essas condutas sejam consideradas
lícitas tiram ou não a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público.
Dispõe o Código Civil426, em seu artigo 188:
Art. 188 - Não constituem atos ilícitos: I- os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II- a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inc.II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessários, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Ensina Gonçalves427 que o inciso II e o parágrafo único do artigo supra
citado é o estado de necessidade no âmbito civil e que o ato praticado em estado de
necessidade não é ato ilícito, porém nem por isso libera quem pratica de reparar o
dano que causou. Já quem pratica o ato em legítima defesa contra o agressor,
exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever legal não é obrigado
a reparar o dano, mas ainda, a vítima pode obter ressarcimento do Estado.
Em relação ao estado de necessidade Stoco, como mencionado no capítulo
primeiro, ensina que não se pode considerar as situações personalíssimas da
legítima defesa, do estado de necessidade ou de estrito cumprimento de dever legal,
na atuação do agente público, como excludentes de responsabilidade da pessoa
jurídica de direito público, se não se provar culpa exclusiva da vítima.
O estado de necessidade somente excluiria o dever de reparação estatal
nos casos de estado de sítio ou estado de defesa428.
Diante do exposto, por o Estado ser uma pessoa jurídica, mesmo que atue
através de seus agentes, essas excludentes por terem características
personalíssimas não poderiam elidir sua responsabilidade.
426
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Código Civil. p. 154. 427
CONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 734- 136. 428
PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 29 jan. 2009. No mesmo sentido
Araújo mencionado na seção primeira.
135
3.3 PRISÕES PROCESSUAIS QUE POSSAM ACARRETAR INDENIZAÇÃO
Adiante serão identificados os casos que possam acarretar a
responsabilidade do Estado pelo fato da prisão processual. Importante mencionar
que em algumas hipóteses de prisões a lei já prevê como coação ilegal
possibilitando até habeas corpus, relaxamento de prisão e liberdade provisória, com
a finalidade de que a restrição da liberdade do acusado seja elidida o mais rápido,
amenizando os danos ao acusado.
Comenta Quirino429 que deveria haver na lei, de forma concreta,
mecanismos de reparação dos danos morais e patrimoniais advindos da prisão
ilegal, inclusive, com a previsão de parâmetros mínimos para fixação da indenização
pelos danos, à semelhança do previsto no art. 630 do CPP. Justifica no fato de que
se houve a prática de um constrangimento ilegal que acarretou a efetivação de uma
prisão ilegal, conduta arbitrária, que merece ser amplamente reparada.
3.3.1 Prisão decretada por autoridade incompetente
Dispõe o artigo 5º, da CRFB/88430: “LXI - ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei”. Em consonância com a Constituição, prevê o CPP431: “Art. 648. A
coação considerar-se-á ilegal: [...] quando quem ordenar a coação não tiver
competência para fazê-lo”. Conclui-se, com referidos dispositivos, que haverá prisão
ilegal quando a restrição à liberdade de locomoção ocorrer por autoridade
incompetente.
429
QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 89. 430
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 431
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal. p. 28.
136
Ensina Nucci432: “quem ordena a constrição à liberdade, por certo, precisa
ter competência a tanto. Do contrário, é nítido o constrangimento ilegal [...]”.
Mesmo no caso da prisão em flagrante que não exige autoridade
competente para restringir a liberdade, ela deverá ser imediatamente levada para
sua convalidação ou ratificação ao conhecimento da autoridade judiciária
competente, conforme artigo 5°, inciso LXII, da CRFB/88433.
Haverá constrangimento ilegal se a prisão em flagrante for homologada por
autoridade judiciária incompetente. Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de
Justiça - STJ434:
Flagrante (competência). Ação penal pública (incompetência). Prisão (ilegalidade). 1. Quem há de tomar conhecimento da prisão em flagrante delito é a autoridade judiciária competente.2. Declarada a incompetência para a ação penal, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da prisão então homologada por autoridade judiciária incompetente.3. Habeas corpus deferido a fim de se relaxar a prisão. Ordem estendida aos co-réus.
Todavia, em sentido contrário, entendimento do Supremo Tribunal Federal -
STF que a declaração de incompetência do juízo não tem condão de atingir
automaticamente a prisão em flagrante, visto que referida prisão é baseada não no
juízo cognitivo do judiciário, mas na situação de fato constatada pela autoridade
judiciária. Então, mesmo que declarada a nulidade de atos processuais por
incompetência, a prisão em flagrante pode ser ratificada, nesse sentido decisão do
STF435.
432
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1004. 433
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 434
HC 39146 / BA HABEAS CORPUS 2004/0153018-1,Relator(a) Ministro NILSON NAVES (361),
Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 20/03/2006 p. 358. Acesso em: 16 de janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?li vre=pris%E3o+incompetente&&b=ACOR&p=tru
e&t=&l=10&i=18>. 435
[...] JUÍZO INCOMPETENTE - PRISÃO PREVENTIVA E PRISÃO EM FLAGRANTE - MODALIDADES DE TUTELA CAUTELAR PENAL - INAPLICABILIDADE DO ART. 567 DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL A PRISÃO EM FLAGRANTE - INOCORRENCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - PEDIDO INDEFERIDO. - O artigo 27 da Lei n. 6.308/76 esta em pleno vigor. Foi ele integralmente recebido pela nova ordem constitucional. - A prisão em flagrante e a prisão preventiva
constituem modalidades que realizam, no pl ano de nosso direito positivo, a tutela cautelar penal. Muito embora ambas constituam espécies de prisão provisoria, há, entre elas, substanciais diferencas. A prisão preventiva decorre de ato necessariamente judicial que se reveste, quanto ao
seu conteudo, de inquestionavel carga decisoria. O decreto judicial de prisão preventiva, emanado de autoridade judiciária incompetente, e insuscetivel de ratificação. A prisão em flagrante, mesmo quando executada por particulares, qualifica-se, juridicamente, como ato de indole administrativa,
desprovido de qualquer conteudo decisorio. Constitui caracteristica inerente a prisão em flagrante a
137
Excluída a hipótese de flagrante delito, a prisão só pode ser determinada por
despacho fundamentado da autoridade judiciária competente. Pode ocorrer a
ilegalidade da prisão por falta de competência em razão do lugar, em razão da
matéria ou por prerrogativa de função436.
No mesmo sentido, Bonfim437 afirma:
Ressalvada a prisão disciplinar militar, depreende-se do dispositivo constitucional que os casos de prisões se limitam a dois: prisão em flagrante e por mandado judicial da autoridade competente. Com efeito, sempre que a prisão advier de órgão jurisdicional, cumpre observar as regras de competência material (ratione materie), territorial (ratione loci) ou por prerrogativa de função (ratione persone). A incompetência acarreta a ilegitimidade da constrição da liberdade física.
O decreto judicial de prisão preventiva ou temporária, emanado de
autoridade judiciária incompetente, será nulo e haverá constrangimento ilegal. Já a
prisão em flagrante possui característica inerente a inexigibilidade, em face de sua
natureza, da análise prévia do magistrado. Desse modo, não se desconstitui a prisão
em flagrante do acusado só pelo fato de a "persecutio criminis" haver sido instaurada
contra ele perante órgão judiciário incompetente. Nesse caso, em regra, não há
responsabilização do Estado.
3.3.2 Prisão sem fundamentação
Dispõe o inciso IX, do artigo 93, da CRFB/88438 que todas as decisões dos
órgãos do Poder Judiciário serão fundamentadas sob pena de nulidade.
inexigibilidade, em face de sua natureza mesma, do "judicium" previo do magistrado. Desse modo,
não se desconstitui a prisão em flagrante do réu pelo só fato de a "persecutio criminis" haver sido instaurada contra ele perante órgão judiciario incompetente. Não se revela aplicavel a prisão em flagrante, em consequencia, a norma inscrita no art. 567 do Código de Processo Penal. (STF. HC
69509 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 01/09/1992 Órgão Julgador: Primeira Turma). 436
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 752. 437
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. rev, aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.760. 438
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal. p. 53.
138
A previsão constitucional encontra respaldo na legislação ordinária, como no
artigo 315, do CPP439 que dispõe: “O despacho que decretar ou denegar a prisão
preventiva será sempre fundamentado”.
A fundamentação serve, em primeiro plano, para permitir que as partes
saibam o motivo da decisão, e caso queiram possam recorrer. Em segundo plano,
como possibilidade de controle e fiscalização pela própria sociedade de como o
magistrado decide440.
Logo, obrigatoriamente o juiz deverá fundamentar as decisões que optem
pelo encarceramento antecipado. Colaciona-se decisão do STF441:
Habeas Corpus. [...] 2. Alegação de falta de fundamentação da prisão preventiva. [...] 4. Ausência de indicação de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar. 5. A jurisprudência consolidada do STF entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da CF c/c art. 312 do CPP. Precedentes. 6. Não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP, mas é indispensável a indicação de elementos concretos que demonstrem a necessidade da segregação preventiva. Precedentes. 7. Ordem deferida para revogar o decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente, determinando-se a expedição de alvará de soltura, se por outra razão não estiver preso.
A fundamentação deve ser ampla, não basta somente a menção a artigo de
lei ou a elementos dos autos. Desatende a exigência de fundamentação nas
decisões a simples alusão pelo magistrado de que há nos autos elementos que
justificam a medida. Impõe-se-lhe que os indique expressamente. A simples
invocação dos dizeres da lei, à evidência, também não satisfaz, como emprego de
fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se coadunam com a
gravidade e o caráter excepcional da medida cautelar442.
439
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Pa ulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 419. 440
Já mencionado no capítulo segundo, item 2.2.2.2 (Pressupostos e princ ípios que devem ser
respeitados na decretação da prisão cautelar).MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 57. 441
HC 92842 / MT - MATO GROSSO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/03/2008,
Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=++pris%E3o++e++constrangimento++e++ilegal++e++fundamenta%E7%E3o++e+aus%EAncia%28%40JULG+%3E%3D+2006010
1%29%28%40JULG+%3C%3D+20090117%29&pagina=3&base=baseAcordaos> Acesso em: 17 de Fevereiro de 2009. (grifo nosso). 442
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 115.
139
Se a ausência de fundamentação já acarreta um constrangimento ilegal para
o cidadão, com muito mais razão haverá constrangimento ilegal com conseqüente
indenização uma prisão desmotivada. Nesse sentido, entende Rui Stoco 443:
Se uma pessoa encarcerada, injustamente, sem qualquer motivo, e se, em tal situação, tinha o Poder Público a obrigação de manter e assegurar sua incolumidade física, por certo que deve responder pelas conseqüências dos danos que ele sofreu [...] pagando-lhe uma indenização que há de ser a mais completa possível.
Portanto, uma prisão cautelar deve ser fundamentada de uma forma ampla,
de forma que se relacione os fatos concretos ao direito. Mesmo que a prisão
processual seja necessária, se não existir fundamentação, será considerada nula. A
ausência de fundamentação desrespeita, além de dispositivo constitucional (inciso
IX, artigo 93) à dignidade da pessoa humana.
3.3.3 Prisão sem os requisitos da lei
A doutrina denomina a prisão decretada sem os requisitos da lei como prisão
com falta de justa causa. A falta de justa causa nas prisões cautelares ocorrerá
quando houver desrespeitos aos princípios (fundamentação e proporcionalidade),
pressupostos (fumus bonis iuris) ou fundamentos (periculum in mora).
A justa causa é a ausência de razão para a imposição de constrangimento
ou violência, é o constrangimento ou violência sem respaldo legal que os autorize444.
Sobre a ausência de justa causa, conseqüentemente dos requisitos legais,
Nucci445 ensina que pode ser analisada sob dois ângulos:
[...] desdobra-se a questão em dois aspectos: a) justa causa para ordem proferida, que resultou em coação contra alguém; b) justa causa para existência de processo ou investigação contra alguém, sem que haja lastro probatório suficiente. Na primeira situação, a falta de justa causa baseia-se na inexistência de provas ou de
443
TJSP – 3ª C. Dir. Público – Ap. 74.020-5/6 – Rel. Laerte Sampaio – j.08.08.200 – Voto 5.890 apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1069. 444
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev, aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.757. 445
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e amp.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1002.
140
requisitos legais para que alguém seja detido ou submetido a constrangimento (ex.: decreta-se a preventiva sem que os motivos do art. 312 do CPP estejam nitidamente demonstrados nos autos). Na segunda hipótese, a ausência de justa causa concentra-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção da investigação policial ou do processo criminal. [...].
No mesmo sentido, ensina Capez446 que pode ocorrer falta de justa causa
para prisão ou para a investigação criminal, afirmando:
Só há justa causa para a prisão no caso de flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão ou crime militar (CF, art. 5°, LXI). [...] Falta de justa causa para o inquérito policial quando este investiga fato atípico ou quando já estiver extinta a punibilidade do indiciado. [...].
Em relação a prisão decretada sem os requisitos legais, não se trata de
saber se a coação é justa ou injusta, apenas analisa-se se o constrangimento é ou
não é legal, e em termos constitucionais, o recolhimento de qualquer pessoa ao
cárcere só é legal quando houver flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada
da autoridade competente, advinda da prisão provisória ou definitiva 447.
As prisões processuais, como exemplo, a prisão em flagrante, são
expressamente excepcionadas no artigo 5º, da CRFB/88. As prisões cautelares são
formas legais de restrição da liberdade, somente quando presentes os requisitos
legais. Descabe indenização só pelo fato da absolvição. A prisão que é legal não
comporta danos morais, pois o acolhimento de indenização da prisão necessária a
investigação criminal, inviabilizaria qualquer processo investigatório, que é contrário
ao interesse público. Haverá responsabilidade civil do Estado pela prisão processual
decretada sem os requisitos mínimos exigidos em lei448.
Cabe mencionar que haverá constrangimento ilegal também por prisão
cautelar decretada ou mantida em que caberia a liberdade provisória e esta não foi
admitida, pois estabelece o inciso LXVI, do artigo 5º, da CRFB/88449 que: “ninguém
será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
446
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 525-526. 447
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 748. 448
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 783. 449
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Constituição Federal. p. 28.
141
com ou sem fiança”. Nesse caso ocorre também desrespeito aos requisitos legais
(artigo 310, do CPP)450.
Diante do exposto, as prisões cautelares são uma exceção em nosso
ordenamento jurídico. Logo, antes de restringir a liberdade de alguém se deve
analisar com cautela os requisitos legais sob pena de restringir a liberdade de forma
indevida, causando danos indenizáveis. Uma prisão decretada sem os requisitos
legais, poderá até caracterizar abuso de autoridade, acarretando além de reparação
civil, responsabilidade penal e/ou administrativa.
3.3.4 Prisão de homônimo
Não existe lei dizendo de forma direta que o Estado é obrigado a indenizar
por prisão de homônimo. Todavia, como adiante demonstrará, a doutrina é pacífica
no sentido de que a prisão de cidadão que não cometeu o delito com mesmo nome
daquele que deveria ser preso, no caso, provisoriamente, acarreta indenização.
Tamanha é a importância de se identificar e qualificar o acusado, evitando a
prisão de alguém que não possui relação com os fatos narrados na exordial, que o
CPP451, em seu artigo 41, exige a qualificação do acusado, sob pena de a denúncia
ou a queixa não ser recebida: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, [...]”.
Sobre a prisão de homônimo, ensina Cahali452:
[...] se dá conta, em termos incontroversos, da responsabilidade civil do Estado em caso de: [...] prisão de terceiro, pessoa diversa do
450
Art. 310 - Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do artigo 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público,
conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento de todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em
flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (artigos 311 e 312). Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418. 451
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 403. 452
CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2005. p. 779.
142
suposto infrator, por equívoco da autoridade, em razão da homonímia, falsa identificação, semelhança ou parentesco [...].
Em relação à pessoa presa em lugar de outrem resta indiscutível a
reparação, uma vez que ocorreu falha no serviço público. Nesse sentido, afirma
Gonçalves453 ao trazer em sua obra decisões dos Tribunais:
Indenização – Fazenda Pública – [...] Autor em lugar de outrem – Confusão com outra pessoa – Falha do serviço público quando do indiciamento do verdadeiro autor do delito – [...] – Reparação inquestionável (JTJ, Lex, 200:91).
No mesmo sentido, Rui Stoco454 afirma que cidadão que cumpriu pena de
outro indivíduo, seu homônimo, poderá exigir reparação do Estado, com fundamento
na sua má – atuação.
Conclui-se que, pessoa presa, devido a ter o mesmo nome daquele que
realmente deveria ser preso terá direito a indenização por vários fundamentos tais
como desrespeito a dignidade da pessoa humana, desrespeito a liberdade de
locomoção e, por falha do serviço público. Os órgãos do Estado devem ter maior
cautela ao indiciar uma pessoa, a qualificando, utilizando dos meios de provas
permitidos em nosso ordenamento, como reconhecimento, sob pena de serem
responsabilizados.
3.3.5 Prisão além do tempo
Cabe salientar que a prisão além do tempo pode ser analisada pelas
seguintes vertentes: a) execução superior ao prazo de prisão fixado na sentença; b)
pena da sentença condenatória inferior ao tempo em que o acusado ficou preso
provisoriamente; c) acusado preso por mais tempo em que a lei determina. Como o
presente trabalho trata de prisões cautelares será analisado adiante, apenas os itens
b e c.
453
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo
Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 221. 454
Já mencionado neste capítulo no item do erro judiciário. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 1050.
143
Na prisão provisória demonstra-se a importância do princípio da
razoabilidade e proporcionalidade. Processos que possuem delitos mais gravemente
apenados devem durar mais tempo do que outros menos graves. A prisão cautelar
deve ser proporcional ao tempo de duração da instrução processual, e a pena do
delito prevista na lei penal.
Em relação ao item c, haverá prisão além do tempo determinado em lei
quando a instrução do processo de acusado preso excede o prazo determinado em
lei ou o obtido pela soma dos prazos processuais455.
Ainda, quanto ao excesso de prazo na instrução cabe destacar Súmula do
STJ456 que menciona que não poderá ser alegado constrangimento ilegal se o
excesso foi provocado pela defesa.
Ensina Mirabete457 que para ocorrer o constrangimento ilegal o prazo da
instrução não deve ser contado separadamente, mas se a soma de todos não foi
respeitada, e, ainda, afirma como excludente de constrangimento ilegal:
[...] não há constrangimento ilegal se o excesso de prazo para o encerramento do processo é justificado porque provocado por incidentes processuais não imputáveis ao juiz, ou resultante de diligências demoradas (complexidade do processo com vários réus, necessidade de expedição de carta precatória, defensores residentes em cidades obrigando diligências de intimação, incidente de insanidade mental etc.). Entretanto, não vale alegar acúmulo de processos como explicação para o fato de um acusado ficar na prisão além do prazo permitido em lei.
Stoco458 ensina que haverá responsabilização do Estado por excesso de
prazo para conclusão da instrução criminal em processo de réu preso.
Quanto ao item b, nos casos em que o acusado é condenado, caso ele
tenha ficado preso provisoriamente, o tempo da medida cautelar será considerado
no cumprimento da pena definitiva. Contudo, quando o acusado, preso
provisoriamente, é absolvido ou tem pena menor do que aquele tempo em que
455
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev, aum. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p.759. 456
64. Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Súmulas do STJ. p. 1157. 457
MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 751. 458
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1076.
144
permaneceu preso a única forma de compensação é por meio de uma indenização.
Nesse diapasão, ensina Albrecht459 mencionando Serrano Júnior:
Nos casos de futura condenação, o tempo da prisão provisória é detraído do tempo da pena imposta, sendo para os fins legais da execução, sendo para os fins legais da execução penal, computado como pena já cumprida por antecipação. Mas nos casos em que é condenado, mas não à pena privativa de liberdade; nos casos em que, embora condenado, a pena lhe é imposta é inferior ao tempo que já passou preso; ou nos casos em que é absolvido, como se dará a compensação? Somente através de justa indenização, pela liberdade temporariamente expropriada no benefício do interesse coletivo. Outra saída, de fato, não há senão a satisfação dos danos [...].
Diante do exposto, ocorrerá excesso de prazo na prisão cautelar: 1) se a
pena prolatada em sentença condenatória for menor que o tempo que o acusado
ficou preso; 2) se desrespeitado o prazo determinado em lei, como o da prisão
temporária cinco dias ou trinta para hediondos, prorrogáveis; ou 3) se desrespeitado
a soma dos prazos para o término da instrução. Nesses casos ocorre
constrangimento ilegal, e poderá acarretar responsabilização do Estado.
3.3.6 Prisão por mandado revogado
Configura constrangimento ilegal à pessoa e afronta à garantia constitucional
de liberdade (caput, do artigo 5°, da CRFB/88) a prisão por mandado revogado,
devendo o Poder Público, por conseguinte, compensar o dano moral advindo do ato
praticado ou omissão de seus agentes.
Nessa espécie de prisão, assim como a prisão além do tempo, pode-se
analisar a responsabilidade do Estado sob duas vertentes: ação dos agentes ao
prenderem ou omissão por não ser recolhido o mandado de prisão revogado. Uma
coisa é certa, nessa prisão ocorre à responsabilidade do Estado.
459
SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. 1 ed. Curitiba: Juruá, 1996. p. 157. apud ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever do estado de indenizar a vítima de prisão injusta. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil .
Porto Alegre: Síntese. v. 30. jul – ago/2004. p. 155.
145
Colaciona-se decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul -TJRS460
com as duas vertentes acima mencionadas demonstrando que há responsabilidade
do Estado:
Sob o fundamento na omissão:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. RECOLHIMENTO DOS MANDADOS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. PRISÃO INDEVIDA EM DUAS OPORTUNIDADES. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. DENUNCIAÇÃO À LIDE. 1. Trata-se de indenização por danos materiais e morais contra o Estado do Rio Grande do Sul, sob a alegação de omissão do ente estatal, tendo em vista que não foram recolhidos os mandados de prisão expedidos contra o demandante, mesmo após a decisão que revogou a prisão preventiva inicialmente decretada, o que deu causa a prisão indevida, em duas oportunidades, do ora autor. 2. De início, impende ressaltar que o objeto da presente demanda consiste na existência de conduta omissiva do serviço judiciário, em razão de não ter procedido ao recolhimento dos mandados de prisão, junto às autoridades competentes, quando da revogação da decisão judicial que determinou a custódia cautelar do demandante, acarretando prejuízos de ordem moral e material à parte autora. 3. Com efeito, no caso em comento, não trata de responsabilidade do ente estatal por ato jurisdicional, nem tampouco por erro judiciário, mas sim, em virtude da omissão referente ao não recolhimento dos mandados de prisão anteriormente expedidos. [...]. 7. Destarte, a irresignação do demandante cinge-se ao fato de haver sido preso em duas oportunidades distintas, sem que houvesse ordem judicial estabelecendo tal providência, já que a decisão que determinara a prisão preventiva havia sido revogada. Logo, tratando-se de omissão no âmbito da atuação administrativa do poder judiciário, é nessa seara que dever ser perquirida a responsabilidade estatal. 8. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da CF/88. Todavia, quando o dano acontece em decorrência de uma omissão do Estado é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. 9. In casu, restaram demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil do estado. Evidente a conduta negligente omissiva do estado demandado, que não procedeu ao recolhimento dos mandados de prisão expedidos quando da prisão preventiva. De igual sorte, não há como afastar os prejuízos de ordem moral e material decorrentes da prisão indevida em duas oportunidades distintas. Ainda, comprovada a culpa do ente público, uma vez que mesmo tendo sido revogado o decreto prisional cautelar, não providenciou o recolhimento dos
460
Apelação Cível Nº 70021094776, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone
Sanguiné, Julgado em 20/02/2008 e Apelação Cível Nº 70021414552, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 07/11/2007. Tribunal de Justiça/RS. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php> Acesso em:
02/03/2009.
146
mandados de prisão e, ainda, mesmo ciente do equívoco quando da primeira prisão indevida, não diligenciou no sentido de recolher os referidos mandados ensejando nova constrição da liberdade do demandante. Por derradeiro, inegável o nexo de causalidade existente entre a conduta omissiva do estado e as prisões indevidas do demandante. 10. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. Suficiente a prova da existência do ato ilícito, pois o dano moral existe in re ipsa. [...].
Sob o fundamento na ação:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRISÃO ILEGAL. FALHA DE COMUNICAÇÃO ACERCA DE REVOGAÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O autor ajuizou a presente demanda visando à condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Embasou a pretensão no agir pretensamente indevido de agentes do réu (policiais civis) que, com base em ordem judicial revogada, em ambiente de grande circulação, efetuaram sua prisão bem como seu recolhimento para a delegacia de polícia mais próxima. Merece prosperar a pretensão do demandante, com a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que presentes, no caso concreto, os pressupostos caracterizadores do dever de indenizar. O réu, na condição de pessoa jurídica de Direito Público interno (Estado do Rio Grande do Sul), tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6° da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. [...] Os policiais civis, ignorando a revogação da ordem judicial que determinava a prisão, constrangeram o autor, uma vez que o mesmo se encontrava em ambiente público de grande circulação, e levaram a cabo sua prisão. [...].
Decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC461 com fundamento
no constrangimento ilegal também se manifesta pela responsabilização do Estado
por prisão com mandado revogado:
[...] RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DEPOSITÁRIO INFIEL - MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO PELA JUSTIÇA DO TRABALHO IMEDIATAMENTE REVOGADO - CUMPRIMENTO POSTERIOR - SEGREGAÇÃO ILEGAL - DANO MORAL - REPARAÇÃO DEVIDA - AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE LIBERDADE (ART. 5° DA CRFB). Configura constrangimento ilegal à pessoa e afronta à garantia constitucional de liberdade (art. 5°, caput, da CRFB) [...] quando a
461
Apelação Cível n. 2007.047248-4, de Içara, Relator: Volnei Carlin, Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público, Data: 19/12/2007. Tribunal de Justiça/SC. Disponível em:
<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=pris%E3o+mandado+revogado+responsabilidade+estado&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&page
Count=10> Acesso em: 02 mar. 2009.
147
segregação se funda em mandado de prisão expedido e revogado pela Justiça do Trabalho, devendo o Poder Público, por conseguinte, compensar o dano moral advindo do ato praticado por seus agentes.
Diante do exposto, por mandado de prisão já revogado, independentemente
do fundamento, haverá responsabilização do Estado. Cabe destacar, que a
responsabilidade por omissão é subjetiva, e necessária a demonstração da culpa.
Já a responsabilidade por atos de agentes públicos é objetiva, bastando o nexo
causal entre a ação e o dano.
3.3.7 Prisões processuais sem que ocorra instauração de ação penal
A princípio os requisitos necessários para instauração de uma ação penal
seriam os mesmos para decretação de uma prisão cautelar, quais sejam, indícios de
autoria e prova da materialidade. Entretanto, pode ocorrer uma prisão processual
sem a instauração de uma ação penal.
Poderá haver responsabilização do Estado por prisões cautelares sem que
ocorra a instauração da ação penal 462.
Cabe destacar que, em regra, as prisões cautelares exigem indícios de
autoria e prova da materialidade. Entretanto, para decretação de uma prisão
temporária não é necessário indícios de autoria e nem prova da materialidade463.
Nesse caso, se fosse decretada uma prisão temporária sem a instauração de uma
ação penal, só por esse fato não se poderia responsabilizar o Estado.
Logo, quanto à responsabilidade do Estado por prisões processuais sem que
ocorra a instauração de ação penal, se a medida cautelar respeitou seus princípios,
pressupostos e fundamentos, não há responsabilidade do Estado.
Neste sentido, decisão do TJSC 464:
462
Conforme mencionado nesta seção no item da ofensa a liberdade de locomoção. STOCO, Rui.
Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 904 e 1066. 463
Já ensinado na seção dois no item da prisão temporária. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis
Penais e Processuais Penais Comentadas. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008–1009. 464
TJSC. Acórdão: Apelação Cível 2003.017458-3 Relator: Nicanor Calirio Da Silveira Data da
Decisão: 31/03/2005.
148
INDENIZAÇÃO - PRISÃO TEMPORÁRIA DECRETADA POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES -POSTERIOR REVOGAÇÃO DO ATO POR INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA - ERRO JUDICIAL INEXISTENTE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EM FACE DO JUS PUNIENDI ESTATAL, ATRAVÉS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL - FATOS QUE EXIGIAM APURAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. A prisão temporária, assim como as outras modalidades de prisão cautelar, é provisória. Por isso, se o ato de decretação foi fundamentado, não gera para o Estado obrigação alguma de indenizar por dano moral, a posterior revogação por ausência de provas da materialidade do delito, tendo em vista ser ato de persecução penal, em face do poder punitivo do estatal. Portanto, não obstante descaracterizada a prisão provisória decretada pelo juiz, em face da representação feita pela autoridade policial, ficando o apelante preso por um dia, o ato do agente estatal, decorrente da fundada suspeita da prática do ilícito penal, não foi abusivo passível de gerar para o Estado obrigação de indenizar por dano moral”.
Conclui-se que a responsabilidade do Estado independe se foi instaurada
ação penal ou não. O que acarreta indenização é o fato de no momento da prisão
não ser observados princípios, pressupostos e fundamentos da medida.
3.3.8 Prisões processuais com sentença absolutória ao final
Em relação às prisões processuais com sentença absolutória ao final, há
divergências se ocorre ou não a responsabilidade do Estado. Dias465 e Cahali466
entendem que gera indenização e Rui Stoco467 ensina em sentido contrário.
No mesmo sentido de Dias e Cahali, Albrecht entende que a prisão cautelar
do acusado, e sua posterior absolvição ocasiona a responsabilidade do Estado.
Albrecht468 afirma que quando o agir deriva de um ato lícito, e em que pese à justiça
(aparente e provisória) dele, se este ato importar em dano a alguém deve-se
indenizar. A prisão cautelar do acusado, e sua posterior absolvição acarreta
465
Mencionado neste capítulo item erro judicial. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 193. 466
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 480. 467
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1074. 468
ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever do estado de indenizar a vítima de prisão injusta. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil . Porto Alegre: Síntese.
v. 30. jul – ago/2004. p. 153-154.
149
indenização, não porque decorreu de ato ilícito, mas porque importou em dano a
alguém, e este resultado nocivo, esta invasão na esfera jurídica de outrem
independe da ação original ajustada ao direito: o resultado danoso como que se
desprende da ação original lícita porque, por si só, produz efeitos no mundo jurídico
e, notadamente, efeitos nocivos. No caso, a injustiça do dano, em que pese à
licitude do ato, é que gera o direito à compensação que se funda nos princípios da
igualdade e solidariedade, pois o dever de indenizar, não nasce da anti juridicidade
da conduta, senão da injustiça do dano.
Nesse caso a prisão cautelar com posterior sentença absolutória seria ato
lícito indenizável. Na esfera penal, os atos lícitos indenizáveis podem ser
decorrentes de erro judiciário, no caso de sentença criminal condenatória com
posterior absolvição, bem como, no caso de medida cautelar, cujo fumus boni iuris
não é confirmado ao final do processo, sendo o réu absolvido ou obtém decisão
favorável em revisão criminal 469.
Cabe, ainda mencionar que a sentença absolutória pode possuir um dos
seguintes fundamentos, conforme CPP470:
Art. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para infração; V – não existir prova de ter o réu concorrido para infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal); VII – não existir prova suficiente para condenação. [...].
Em decisão do TJRS471 menciona-se que dependendo do fundamento da
absolvição pode-se ou não ocorrer responsabilidade civil do Estado pela prisão
preventiva:
469
GAZOTO, Luís Wanderley. Responsabilidade, cit. p. 58. apud PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina,
ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 mai. 2009. 470
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Código de Processo Penal. p. 422. 471
Apelação Cível Nº 70019318971, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/09/2008. Tribunal de Justiça/RS. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 03 fev. 2009.
150
[...] A ABSOLVIÇÃO COMO CAUSA DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA INJUSTA. É cabível indenização por prisão preventiva injusta se comprovada categoricamente na sentença criminal absolutória a inexistência do fato ou de comprovada não-participação no fato delitivo, mas, pelo contrário, não é admissível a reparação se o acusado foi absolvido por falta de prova da participação do acusado no fato imputado (art. 386, inc. II, CPP) ou por falta de provas (art. 386, VI, CPP), porquanto em hipótese de incerteza jurídica e onde não há óbice à reparação na esfera civil contra o autor do ilícito, resulta incabível cogitar de valoração sobre eventual erro judiciário. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÃNIME.
Já o STF472 decidiu que a prisão preventiva com a posterior absolvição não
acarreta indenização:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: [...] II. - Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário ¾ C.F., art. 5º, LXXV ¾ mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.
Do julgado supramencionado colhe-se no voto do Ministro Carlos Velloso
decisão do TJSC:
CIVIL – REPARAÇÃO DE DANOS – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ESTADO – PRISÃO PREVENTIVA – POSTERIOR DECISÃO ABSOLUTÓRIA – PRISÃO EFETUADA DENTRO DOS LIMITES LEGAIS – ERRO JUDICIÁRIO NÃO CARACTERIZADO. O decreto judicial de prisão preventiva, quando suficiente fundamentado e obediente aos pressupostos que o autorizam, não se confunde com o erro judiciário a que alude o inc. LXXV do art. 5º da Constituição da República, mesmo que o réu ao final do processo venha a ser absolvido ou tenha sua sentença condenatória reformada na instância superior. Interpretação diferenta implicaria a total quebra do livre convencimento do juiz e afetaria irremediavelmente sua segurança para avaliar e valorar as provas, bem assim para adotar a interpretação da lei que entendesse mais adequada ao caso concreto.
Diante do exposto, há entendimentos em que a prisão preventiva e posterior
absolvição pode ou não acarretar a responsabilidade civil do Estado. Cabe destacar
que se deve analisar a responsabilidade civil do Estado já na ação do mesmo, logo
se a ação de prender preventivamente possuía respaldo na legislação, posterior
absolvição (dano), por si só não deve acarretar indenização. 472
RE-AgR 429518 / SC - SANTA CATARINA, AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 05/10/2004, Órgão Julgador: Segunda Turma.
Superior Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=prisão%20%20e%20%20preventiva%20%20e%20%20absolvição%20%20%20e%20%20responsabilidad e&base=baseAcordaos>
Acesso em: 03/03/2008.
151
CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico brasileiro tutela vários princípios, podendo ocorrer
conflitos entre eles, como a liberdade de locomoção e a obrigatoriedade da
persecução penal são princípios que se contrapõem. De um lado encontra-se o
direito a liberdade de locomoção do indivíduo, garantia assegurada pela CRFB/88
como um direito fundamental, só podendo ser restringido de forma temporária e com
amparo legal. Todavia, por outro lado impõe-se a obrigatoriedade de persecução
penal, podendo o Estado utilizar das medidas cautelares privativas da liberdade.
Existe uma balança que se deve sempre utilizar no caso concreto.
No capítulo primeiro abordou-se a responsabilidade do Estado como uma
obrigação de responder por seus atos. A finalidade de responsabilizar a pessoa
física ou jurídica é o respeito aos direitos de outrem, podendo a responsabilidade
acarretar a reparação, como também importar uma sanção. Enquanto a
responsabilidade penal ocasiona restrição da liberdade, a responsabilidade civil é
patrimonial. Assim, o Estado, pessoa jurídica criada pelo direito, pode responder
pelos atos praticados por seus agentes.
A responsabilidade do Estado passou por diversas fases na Europa. Evolui -
se da irresponsabilidade para uma responsabilidade civilista, primeiramente
separando os atos de império (os quais, ainda, perpetuava a teoria da
irresponsabilidade) e atos de gestão (os quais acarretavam a responsabilidade se
houvesse culpa). Após, abrangendo todos os atos do Estado, a responsabilidade
passou a diretrizes da culpa. E, por fim, com o fundamento de que a
responsabilidade do Estado não pode ser a mesma que se há na relação entre
particulares, evolui-se para a responsabilidade publicista (teoria da culpa
administrativa, teoria do risco administrativo, teoria do risco integral).
Das fases da responsabilidade ocorridas na Europa, algumas refletiram no
ordenamento jurídico do Brasil. Desde o período imperial, no Brasil, defendia-se a
responsabilidade do Estado. Enquanto a responsabilidade subjetiva foi adotada com
o Código Civil de 1916, a responsabilidade objetiva foi disposta na Constituição
Brasileira de 1946. Hoje a responsabilidade do Estado por ação de seus servidores
é objetiva (teoria do risco administrativo, admitindo excludentes), e a
152
responsabilidade de seus agentes é subjetiva. Tais responsabilidades (subjetiva e
objetiva) são previstas não só na CRFB/88, mas também em leis ordinárias, como
no CC/2002. Todavia, quando há omissão dos agentes públicos no serviço, ainda,
entende-se, majoritariamente, que a responsabilidade do Estado é subjetiva.
Em relação à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais (atividade
judiciária típica - aplicação da lei ao caso concreto), há divergências. Alguns
doutrinadores adotam a teoria da irresponsabilidade com fundamento na soberania
do Poder Judiciário, na independência dos magistrados no exercício de suas
funções, no fato do juiz não ser funcionário público, no desrespeito à coisa julgada,
na ausência de lei específica, na falibilidade do magistrado. Outros se posicionam
pela responsabilidade do Estado, repudiando os argumentos da irresponsabilidade
um a um. Não é coerente num Estado Democrático de Direito o Estado ainda ser
irresponsabilizado por seus atos jurisdicionais. Independentemente de qualquer
posição, conforme a CRFB/88 a dignidade e a liberdade da pessoa deve ser
respeitada, podendo esta última ser restringida temporariamente, e só em casos
excepcionais. Logo, quando atos jurisdicionais ou não jurisdicionais (basta serem
cometidos por agentes do Estado) infringirem direitos fundamentais, o Estado pode
ser responsabilizado.
No tocante ao segundo capítulo buscou-se analisar em que situações as
prisões cautelares são permitidas. Antes de verificar os pressupostos e fundamentos
de cada uma, foram explicitados os princípios relacionados às prisões processuais
por serem a base de todo ordenamento jurídico.
Destaca-se que o bem maior do ser humano é a vida, assegurada no direito
de continuar vivo e ter vida digna. A dignidade do ser humano pode ser entendida
como respeito pelo Estado ao cidadão, colocando-o como sujeito de direitos, e
impondo limites à atuação do próprio Estado. Na esfera penal, a dignidade da
pessoa humana reflete-se no princípio da legalidade, garantindo o direito de não vir
a ser preso sem que haja previsão legal de crime, e após o devido processo legal.
Em razão da CRFB/88 não contemplar o termo presunção de inocência,
verificou-se que o referido termo deve ser entendido como presunção de não
culpabilidade. As conseqüências da presunção de não culpabilidade consistem no
fato de nortear o legislador, possibilitando garantias ao acusado; no ônus da prova
ser da acusação; na dúvida em uma sentença decidir-se a favor do réu; e,
153
principalmente, no fato que as prisões processuais só podem ser decretadas quando
tiverem caráter cautelar, e não como pena.
Além dos dois princípios antes mencionados que exigem extrema cautela do
julgador para decretar ou manter a prisão processual, a CRFB/88 dispõe
expressamente sobre a proteção a liberdade de locomoção - corroborando que
somente poderá ocorrer a supressão do direito de ir e vir do cidadão em casos
excepcionais.
Embora exista a garantia de liberdade, que mesmo antes do ordenamento
jurídico protegê-la já era inerente ao ser humano, o Estado possui a obrigatoriedade
da persecução penal. Cada cidadão aceitou que sua liberdade fosse restringida,
quando necessária, com a finalidade do bem estar social, e desde que respeitados
os direitos contemplados na CRFB/88. Assim, o Estado que garante direitos, ao
serem infringidos, não pode ser omisso, ele tem o dever de restringir a liberdade
daquele que está os desrespeitando, em prol da coletividade.
Para o direito de punir (também entendido como dever e poder de punir) não
ser exercido de forma arbitrária, deve-se observar a lei. As prisões cautelares
possuem condições que devem ser cumpridas, tais como: fundamentação,
proporcionalidade, periculum in mora e fumus bonis iuris.
Toda decisão, principalmente as que decidirem pela prisão processual, deve
ser fundamentada. Mesmo a prisão em flagrante é remetida ao Judiciário para
verificação e fundamentação em sua manutenção. Pelo princípio da
proporcionalidade coloca-se numa balança o direito a liberdade e a obrigatoriedade
da persecução penal, analisando-se o que é mais importante no momento.
No processo penal, periculum in mora é conhecido como periculum libertatis,
o qual consiste no perigo da liberdade do acusado. Da mesma forma, o fumus bonis
iuris é denominado fumus comissi delicti, ou seja, é a fumaça de que o delito foi
cometido, demonstrada por meio de indícios suficientes de autoria e prova da
materialidade.
Em que pese os fundamentos do artigo 312 do CPP serem condições
específicas das prisões preventivas, eles devem estar previstos para a decretação
ou manutenção das outras modalidades de prisões processuais, pois a prisão
preventiva é o ponto central. São fundamentos das prisões preventivas: garantia da
ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e
aplicação da lei penal.
154
A prisão em flagrante é a modalidade de prisão processual efetivada no
momento da infração, pois é a certeza visual do crime. Assim, para sua ocorrência
não se depende de decisão fundamentada do órgão judicial. Todavia, deve-se
observar diversas formalidades, e só pode ser mantida se cumprir os princípios,
pressupostos e um dos fundamentos da prisão preventiva.
A prisão temporária tem suas peculiaridades quanto ao fumus boni iuris e
periculum in mora. O periculum in mora caracteriza-se com a imprescindibilidade
para a investigação ou com o fato do suspeito não possuir residência fixa ou
elementos para estabelecer sua identidade. O fumus boni iuris ocorre quando
houver probabilidade do indiciado ser autor ou participe de alguns dos delitos
referidos no inciso III do artigo 1º da Lei 7960/1989.
Com as alterações do CPP introduzidas pela Lei 11.689 de 09 de Junho de
2008, e pela Lei 11.719 de 20 de Junho de 2008, corroborou-se que a finalidade das
prisões ocorridas antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória
é simplesmente a cautela do processo para, em tese, uma futura aplicação da pena.
A simples sentença de pronúncia, antes da reforma do CPP, era regra para a
privação da liberdade do acusado, e, outrossim, a sentença condenatória, pois o
acusado não poderia apelar sem recolher-se a prisão. Com as alterações
introduzidas ao CPP, mesmo que ocorra uma sentença de pronúncia ou uma
sentença condenatória, necessário estar presentes os pressupostos e um dos
fundamentos da preventiva para decretar-se ou manter-se a prisão.
O terceiro capítulo, objeto do presente estudo, estudou em que situações as
modalidades de prisões processuais podem acarretar a responsabilidade do Estado.
Analisou-se com cautela todos os elementos necessários da responsabilidade, os
fundamentos e as excludentes, relacionando-os com as prisões cautelares.
Pode-se responsabilizar o Estado por diversos fundamentos quando se tratar
de prisões cautelares, pois a liberdade é direito fundamental de todo ser humano
que deve ser respeitado. Contudo, deve-se ter prudência, uma vez que ao
responsabilizar o Estado, também, questiona-se o direito de toda coletividade – a
obrigatoriedade de punir o infrator de uma norma.
A responsabilidade do Estado por prisões cautelares enseja além de uma
compensação ao preso que sofreu prejuízos com a privação de sua liberdade, uma
sanção ao Estado para que não cometa mais ações semelhantes. Portanto, a
responsabilidade do Estado reflete na obrigatoriedade da persecução penal. Caso
155
qualquer prisão cautelar já acarretasse indenização, o Poder Estatal omitir-se-ia
quando necessária à persecução criminal, não decretando prisões cautelares,
deixando muitos crimes impunes e a sociedade desprotegida.
Por outro lado, a liberdade de locomoção é direito fundamental protegido e
garantido pela CRFB/88 em diversos dispositivos – habeas corpus, devido processo
legal, presunção de inocência, dignidade da pessoa. A prisão antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória só pode ocorrer nos casos elencados na lei.
Apenas o fato da prisão já acarreta prejuízos. De que adiantaria provar-se a
inocência se o acusado ao ser preso já sofreu as sanções de um condenado.
Deve-se estudar todos os elementos da responsabilidade do Estado,
princípios, pressupostos e fundamentos das prisões processuais, e analisar o caso
concreto para saber se há responsabilidade do Estado ou não.
Tanto a responsabilidade objetiva, quanto a responsabilidade subjetiva possui
elementos comuns ou especiais. Os comuns estão presentes em ambas as
responsabilidades, quais sejam: a ação, o dano indenizável e o nexo de
causalidade. Os especiais, na teoria subjetiva, perfazem-se no dolo ou na culpa do
agente, e na teoria objetiva, na previsão legal ou na abrangência de um dos
fundamentos da responsabilidade objetiva, tais como, no risco da exploração da
atividade, infringência aos princípios da igualdade ou da solidariedade.
Ações praticadas por agentes do Estado, podendo acarretar indenização,
relacionadas às prisões cautelares são: desrespeito à dignidade da pessoa,
desrespeito ao direito a liberdade de locomoção, abuso de autoridade, erro judiciário
e prisão fixada além do tempo.
A CRFB/88 protege a dignidade da pessoa, sua honra, sua imagem e seu
direito de ir e vir que são atingidos no momento de uma prisão, mesmo que devida.
Contudo, somente o desrespeito a esses princípios não acarreta a responsabilidade
do Estado, pois ele possui o jus puniendi.
O abuso de autoridade ocorre quando o agente público ultrapassa os limites
de sua atribuição, desvirtua o próprio ato ou se desvia dos fins estabelecidos pelo
interesse público. Quanto às prisões cautelares, ocorrerá responsabilização do
Estado, no momento que o agente público agir sem o respaldo legal, ou seja, de
forma arbitrária.
Quanto ao erro judiciário, é que ocorre a principal divergência se cabe
indenização ou não nas prisões cautelares. Há posições no sentido de que só com a
156
existência de revisão criminal ou ação rescisória pode configurar o erro judiciário.
Outras no sentido de que a decretação de prisão cautelar e posterior absolvição do
acusado ou não instauração ou trancamento da ação penal já caracterizam o erro
judiciário. Conclui-se que, para configuração do mesmo não é necessária a revisão
criminal ou a ação rescisória. Contudo, tão somente a posterior absolvição, não
instauração ou trancamento da ação penal, não configura o erro judiciário.
Necessário analisar caso a caso, se realmente, houve um erro, ou seja, se no
momento da manutenção ou decretação da prisão processual infringiu-se seus
fundamentos, pressupostos ou princípios.
A prisão além do tempo fixada na sentença (artigo LXXV, CRFB/88) pode ser
interpretada por duas vertentes. Uma como ação do agente público ao manter a
prisão, sendo a responsabilidade objetiva. Outra como omissão do agente, sendo a
responsabilidade subjetiva. Entendida como subjetiva ou objetiva, a
responsabilidade é cabível. Por ser um direito ao acusado referido dispositivo
deveria ser interpretado de forma extensiva, ou seja, se ocorre indenização por
prisão além do tempo fixado numa sentença, com muito mais razão deveria haver
responsabilidade do Estado quando o acusado ficou na prisão e foi absolvido.
Contudo, só o fato da absolvição não deve acarretar a responsabilidade porque a
CRFB/88 permite prisões cautelares. Se as prisões processuais são previstas e
permitidas, não podem ensejar responsabilidade apenas porque houve a absolvição
posterior.
A prisão por si só já acarreta um prejuízo. Contudo, o dano deve ser
indenizável. O Estado possui o jus puniendi, logo para o dano ser indenizável exige-
se mais do que uma prisão, ou seja, necessário que o Estado lesione um direito de
alguém ao exercer a persecução penal de forma incorreta.
O nexo causal, mesmo tratando-se de liberdade de locomoção, admite
excludentes, previstas na própria legislação (parágrafo 2º, artigo 630, CPP) ou
doutrinárias. As excludentes não são taxativas, deve-se analisar o caso concreto,
quando não ocorrer o elo entre o dano e a ação do Estado não haverá
responsabilidade.
A prisão decretada por autoridade incompetente é considerada ilegal,
conseqüentemente há responsabilidade Estatal. Nessa cabe mencionar, que o
flagrante, no momento de sua ocorrência, não exige agente competente.
157
A prisão cautelar sem fundamentação ocasiona indenização. Fundamentar
consiste em mencionar os argumentos que direcionaram o magistrado a tomar a
decisão, e demonstrar o elo entre o caso concreto e o ordenamento jurídico.
Fundamentar é necessário, pois caso contrário presume-se que a privação da
liberdade foi arbitrária.
A prisão sem os requisitos legais, entendida como aquela com falta de justa
causa, pode acarretar a responsabilidade do Estado. Não preenche os requisitos da
lei a prisão cautelar que não respeita os princípios (proporcionalidade,
fundamentação), os pressupostos e os fundamentos e, também, aquela decretada
quando há carência de provas para uma investigação. Nesse último caso, ressalta-
se que para a prisão temporária não é necessária a existência de um contexto
probatório amplo, uma vez que sua finalidade é colher provas.
A prisão sem a instauração de uma ação penal tem relação com a prisão por
falta de justa causa, pois um dos motivos da não instauração da ação penal pode
ser a carência de provas para investigação criminal.
Uma prisão que não deveria ser mantida ou decretada pode possuir diversos
fundamentos, como na prisão por mandado já revogado fundamenta-se na ação, na
omissão ou na afronta ao direito à liberdade.
A CRFB/88 é garantista, porquanto tutela direitos do indivíduo perante ao
Estado e perante a outro cidadão. A legislação ordinária deve ser interpretada de
forma coerente com a CRFB/88. Não se deve uti lizar a expressão “ordem pública”
como vaga e sem referencial semântico para fundamentar uma prisão preventiva.
Assim, como os outros pressupostos e fundamentos de uma prisão cautelar devem-
se restringir tais conceitos o maior possível, para que não ocorra privação da
liberdade de forma indevida. Na dúvida da decretação de uma prisão preventiva,
não se deve decretá-la. Melhor que não exista uma prisão sem observância de seus
princípios, pressupostos e fundamentos, do que uma prisão preventiva, mesmo que
necessária.
A finalidade da responsabilização do Estado além de uma simples
compensação aos prejuízos de um cidadão que foi preso sem necessidade, é uma
sanção para que os agentes do Estado respeitem as regras das prisões cautelares,
decretando-as só em casos de extrema necessidade.
Enfim, apesar da CRFB/88 não possuir um dispositivo afirmando a
possibilidade de se responsabilizar o Estado nas prisões cautelares, orienta-se por
158
regras (dignidade da pessoa, direito a liberdade de locomoção, responsabilidade do
Estado objetiva, responsabilidade da pessoa jurídica de direito público no erro
judiciário e no excesso na prisão) que possibilitam a referida responsabilização.
Igualmente, por leis ordinárias (CC/20002, CPP) e por leis internacionais ratificadas
pela CRFB/88, que prevêem a responsabilização do Estado. Conclui-se que, apesar
de não haver previsão expressa da responsabilidade do Estado nas prisões
cautelares, existe um amparo jurídico para ocorrência da mesma.
159
REFERÊNCIAS
AMARAL, Sylvia Maria Mendonça do. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios. Jus Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out.. 2001.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009.
ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever do estado de indenizar a vítima de prisão injusta. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese. v. 30. jul – ago/2004.
ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 745.
BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código
Penal, Código de Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 674.
BASILEU, Garcia apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a
luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 91 BECCARIA. Cessari. Dos delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret Ltda,
2006. Tradução: Torrieri Guimarães.
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2 ed. rev. aum. atual. São
Paulo: Saraiva, 2007.
BUSTAMANTE, Gonzales apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. 29 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed. rev. ampl. e atual. conforme Código Civil
de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3 ed. rev. atual. ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
160
CANOTILHO, José Joaquim Gomes apud ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever de indenizar a vítima de prisão injusta.
Julho, 2004.
CANOTILHO apud DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do
Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14 ed. rev e atual. São Paulo:
Saraiva, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed.
rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
CAVALIERI, Filho apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed.
rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2004.
COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de
Direito Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p.
689/690.
DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo
penal. Curitiba: Juruá, 2004.
Decreto legislativo número 226 de 12.12.1991, e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto número 592, de 6.7.1992. Planalto. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm> Acesso em: 10/02/2009.
DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo
de duração. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v.
7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007.
161
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo . 20 ed. 2 reimpr. São
Paulo: Atlas, 2007.
FERRAJOLI, Luigi apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise
a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: Dicionário da
Língua Portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1999.
FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência: Parte Processual Penal
(arts. 251 a 393). V. 3. 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006.
GAZOTO, Luís Wanderley. Responsabilidade, cit. p. 58. apud PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 mai. 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com
novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6. ed. rev. e atual.
São Paulo: Rideel, 2004.
HABIB, Sérgio. Prisão Midiática: O caso da procuradora Federal. Revista Jurídica
Consulex. Ano XII - nº 265 – 31 de Janeiro de 2008. HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito Ltda, 1995.
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Responsabilidade civil do Estado por prisão indevida. p. 8. Unesp. Disponível em:
<http://www.franca.unesp.br/Responsabilidade%20do%20Estado.pdf> Acesso em:
03 fev. 2009.
162
JARDIM, Alfrânio Silva. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro. Forense,
2005.
LEME, LINO. Da responsabilidade civil fora do contrato, 1917, p. 102 e 103; DIAS, Aguiar, op. cit., v. 2, p. 323; LESSA, Pedro, Do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1915, p. 164 e 165 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro : Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a
reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2002.
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no
Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004.
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008.
MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 09 fev. 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev.,
atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007.
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. AMARAL NETO, Francisco dos Santos. BRITTAR, Carlos Aberto apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a
reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007.
MENDES JÚNIOR, Onofre apud COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas,
2006.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São
Paulo: Atlas, 2006.
163
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3.
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 maio 2009.
PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006.
PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. A prisão preventiva a partir da reforma do Código de Processo Penal. Alargamento das hipóteses de incidência e ausência de fixação de um prazo razoável. Jus Navigandi, Teresina,
ano 13, n. 2098, 30 mar. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12553>. Acesso em: 13 mai. 2009.
QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 1999.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Lumem Júris, 2007.
SANGUNÉ, Odone apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal
e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. v. 3. 2. ed. rev.
atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
STF. HC 69509 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 01/09/1992 Órgão Julgador: Primeira Turma.
STF. HC 92842 / MT - MATO GROSSO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/03/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma. Superior Tribunal
Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=++pris%E3o++e++constrangimento++e++ilegal++e++fundamenta%E7%E3o++e+aus%EAncia%2
8%40JULG+%3E%3D+20060101%29%28%40JULG+%3C%3D+20090117%29&pagina=3&base=baseAcordaos> Acesso em: 17 de Fevereiro de 2009.
164
STJ. HC 39146 / BA HABEAS CORPUS 2004/0153018-1,Relator(a) Ministro
NILSON NAVES, Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 20/03/2006 p. 358. Superior Tribunal de
Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=pris%E3o+incompetente&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=18>, Acesso em: 16 de janeiro de 2009.
STJ. AgRg no REsp 1073497 / RS, Agravo Regimental em recurso especial
2008/0151175-0, Relator(a) Ministra JANE SILVA, Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2009, Data da Publicação/Fonte DJe 16/02/2009. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1073497+&b=ACOR> Acesso em: 18 de junho 2009.
STJ. RHC 23358/ Recurso ordinário em Habeas Corpus 2008/0073346-7, Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) , Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 02/10/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 28/10/2008. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=23358&b=ACOR> Acesso em: 18 de junho de 2009.
STJ - HC 3871 – Rel. Edson Vidigal – DJU 13.11.1995, p. 38684 in FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. rev atual ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. v. 1, p. 795.
STJ – 1ª T.- REsp. 220.982 – Rel. José Delgado – j. 22.02.2000 – RSTJ 134/94 in STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed.
rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004.
STRECK, Lenio. O dever de proteção do Estado (schutzpflicht): o lado esquecido
dos direitos fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”?. Lenio Strek. Disponível em:
<www.leniostreck.com.br>. Acesso em: 09 dez. 2008.
TELLES JUNIOR, Godofredo apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a
reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007.
TJRS.Apelação Cível Nº 70021094776, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 20/02/2008 e Apelação Cível Nº
165
70021414552, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 07/11/2007. Tribunal de Justiça/RS. Disponível
em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>
Acesso em: 02 mar. 2009.
TJRS. Apelação Cível Nº 70019318971, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/09/2008. Tribunal de Justiça/RS.
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php> Acesso em: 03 fev. 2009.
TJSC. RE-AgR 429518 / SC - SANTA CATARINA, AG.REG.NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 05/10/2004, Órgão Julgador: Segunda Turma. Tribunal de Justiça/SC. Disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=prisão%20%20e%20%20preventiva%20%20e%20%20absolvição%20%20%20e%20%20responsa
bilidade&base=baseAcordaos> Acesso em: 03 mar. 2008.
TJSC. Apelação Cível n. 2007.047248-4, de Içara, Relator: Volnei Carlin, Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público, Data: 19/12/2007. Tribunal de
Justiça/SC. Disponível em:
<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=pris%E3o+mandado+revogado+responsabilidade+estado&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni
=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10> Acesso em:
02/03/2009.
TJSC. Acórdão: Apelação Cível 2003.017458-3 Relator: Nicanor Calirio Da Silveira Data da Decisão: 31/03/2005.
TJSP. 5ª C. Ap. 162.750 – Rel.Rodrigues de Alckmim – j. 21.07.67 –RJTJSP 5/97) in STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed.
rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
TJSP – 3ª C. Dir. Público – Ap. 74.020-5/6 – Rel. Laerte Sampaio – j.08.08.200 – Voto 5.890 in STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.
1069. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. 29. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2007.
166
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Civil.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Civil.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Penal.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Estudo Comparado da Reforma do Código de Processo Penal.
Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Legislação Complementar.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de
acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006.