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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JOSIANI DELLA GIUSTINA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES Biguaçu 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JOSIANI DELLA GIUSTINA

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES

Biguaçu

2009

1

JOSIANI DELLA GIUSTINA

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. MSc. Ivori Luis da Silva

Scheffer

Biguaçu 2009

2

JOSIANI DELLA GIUSTINA

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR PRISÕES CAUTELARES

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal

Biguaçu, 17 de junho de 2009.

Prof. MSc. Ivori Luis da Silva Scheffer UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientador

Prof. MSc. Alessandra de Souza Trajano

UNIVALI – Campus de Biguaçu Membro

Prof. MSc. Eunice Anisete de Souza Trajano UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

3

Dedico este trabalho aos estudantes de

Direito e aos operadores jurídicos.

4

AGRADECIMENTOS

A minha família que possibilitou com que atingisse a conclusão desse curso

de Direito.

A todos os docentes que contribuíram com seus conhecimentos jurídicos, e,

especialmente, ao Professor Orientador Ivori Luis da Silva Scheffer.

Aos colegas acadêmicos de Direito que me incentivaram na confecção deste

trabalho.

5

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 17 de junho de 2009.

Josiani Della Giustina

6

RESUMO

A presente Monografia tem como propósito estudar em que situações o Estado pode

ser responsabilizado pela decretação ou manutenção das prisões cautelares. Sob

esse prisma, conceitua responsabilidade, distinguindo responsabilidade civil da

penal, após restringe-se a responsabilidade do Estado. Nesse âmbito, considera a

evolução da responsabilidade com suas fases, os tipos de responsabilidades

existentes no ordenamento jurídico brasileiro, para enfim, tratar da responsabilidade

do Estado por atos relacionados às prisões processuais. Referidos atos, geralmente,

são praticados pelo Poder Judiciário. Distinguem-se as espécies de atos judiciais em

atos jurisdicionais e atos judiciários. Após, estuda-se a responsabilidade do Estado

por atos jurisdicionais, como os atos dolosos e o erro judiciário, e consideram-se os

fundamentos das teorias da irresponsabilidade e da responsabilidade por ato

jurisdicional. Para determinar se uma prisão processual acarreta ou não indenização

não só devem estar presentes os elementos de uma responsabilidade, mas também

o desrespeito aos princípios, pressupostos ou fundamentos das prisões cautelares,

sendo, então, esses abordados. As prisões processuais possuem princípios gerais

que devem ser respeitados, e regras especiais a cada espécie de prisão provisória.

Portanto, consideram-se as modalidades de prisões processuais com suas

peculiaridades. Estudam-se as ações, o dano, o nexo causal que possam acarretar

a responsabilidade do Estado por prisões cautelares, seus fundamentos e

excludentes. Para enfim, determinar os casos possíveis de responsabilidade do

Estado. Então, estuda-se quando ocorre responsabilidade por prisões decretadas

por autoridade incompetente, prisão sem fundamentação ou prisão sem os

requisitos da lei, prisão de homônimo, prisão além do tempo, prisão por mandado já

revogado, prisão sem que ocorra a instauração de ação penal, prisão com sentença

absolutória ao final.

Palavra-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Prisões Cautelares.

7

ABSTRACT

The present Monograph aims is in studying in which situations the State can be

made responsible by the decree or maintenance of the action for precautionary

arrests. Under this prism, we define responsibility, we distingue civil liability from the

criminal one, after we restrict us responsibility of the State. In this scope, we consider

the evolution of the responsibility and its phases, the types of existing responsibilities

in the Brazilian legal system, and lastly, we assess responsibility of the State in the

acts related to the precautionary arrests. Related acts, usually, they are practiced by

the Judiciary Power. We distingue judicial species of acts in jurisdictional acts and

judiciary acts. After, we study responsibility of the State for jurisdictional acts, as the

wilful torts and the judiciary error, and we consider the foundations of the theories of

the irresponsibility and the responsibility for jurisdictional act. In order to know if a

precautionary arrest is a reason for damages the elements of responsibility should

not only be present, but also the disrespect to principles, precepts or foundations of

the action for a precautionary arrest, being them, mentioned. Precautionary arrest

has general principles, they must be respected, and rules special to each species of

precautionary arrest. Therefore, we considerer the modalities of precautionary arrests

and its peculiarities. We study actions, damage and causal nexus that can cause

responsibility of the State for action for precautionary arrests, its foundations and its

exculpatories. Finally, we determine possible cases of responsibility of the State,

such as, arrest decreed by incompetent authority, arrest without legal back up or the

requirements of the law, arrest of homonym, arrest past due time, arrest by revoked

warrant, arrest with the filing of a lawsuit, arrest with acquittal at the end.

Keyword: Civil liability of the State. Precautionary arrests.

8

ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CC/2002 – Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002)

CPC – Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1973)

CP – Código Penal (Decreto – Lei 2.848, de 7 de Dezembro de 1940)

CPP – Código de Processo Penal (Decreto – Lei 3.689, de 3 de Outubro de 1941)

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina

TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ......................................................... 15

1.1 CONCEITO ........................................................................................................... 15

1.1.1 Responsabilidade .........................................................................................15

1.1.2 Responsabilidade Civil ..................................................................................16

1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado ..................................................................18

1.2 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO..................... 20

1.2.1 Fase da irresponsabilidade ...........................................................................21

1.2.2 Fase civilista ................................................................................................24

1.2.3 Fase publicista .............................................................................................26

1.2.4 Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro depois da República Federativa

do Brasil de 1988 ........................................................................................................29

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE.......................................................................... 33

1.3.1 Responsabilidade subjetiva ..........................................................................33

1.3.2 Responsabilidade objetiva ............................................................................35

1.3.2.1 Elementos ...............................................................................................39

1.3.2.1.1 Da ação ..............................................................................................39

1.3.2.2 Do dano .................................................................................................41

1.3.2.3 Do nexo de causalidade ..........................................................................44

1.3.2.4 Excludentes ...........................................................................................45

1.3.2.4.1 Culpa da vítima ...................................................................................45

1.3.2.4.2 Força maior e caso fortuito .................................................................46

1.3.2.4.3 Culpa de terceiro ................................................................................47

1.3.2.4.4 Estado de necessidade ........................................................................48

1.4 RESPONSABILIDADE NOS ATOS JURISDICIONAIS .................................................... 50

1.4.1 Atos praticados pelo poder judiciário ............................................................50

1.4.2 Atos judiciais dolosos ...................................................................................51

1.4.3 Erro judiciário ..............................................................................................52

1.4.4 Teoria da irresponsabilidade ........................................................................55

10

1.4.5 Teoria da responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais .......................56

2 PRISÃO CAUTELAR .......................................................................................... 60

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS PRISÕES CAUTELARES .............. 60

2.1.1 Da dignidade da pessoa humana ..................................................................60

2.1.2 Do estado de inocência – não culpabilidade ..................................................62

2.1.3 Direito à liberdade .......................................................................................68

2.1.4 Da obrigatoriedade da persecução penal .......................................................71

2.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE PRISÃO ............................................................... 75

2.2.1 Prisão pena .................................................................................................77

2.2.2 Prisão processual .........................................................................................79

2.2.2.1 Conceito e finalidade ...............................................................................79

2.2.2.2 Pressupostos e princípios que devem ser respeitados na decretação da prisão

cautelar ..................................................................................................................82

2.3 ESPÉCIES DE PRISAO PROVISÓRIA ........................................................................ 86

2.3.1 Prisão preventiva .........................................................................................86

2.3.1.1 Disposições gerais ...................................................................................86

2.3.1.2 Pressupostos e fundamentos ...................................................................87

2.3.1.2.1 Garantia da ordem pública ..................................................................91

2.3.1.2.2 Garantia da ordem econômica ............................................................93

2.3.1.2.3 Convivência da instrução criminal .......................................................96

2.3.1.2.4 Para assegurar a aplicação da Lei Penal ...............................................97

2.3.2 Prisão em flagrante ......................................................................................99

2.3.3 Prisão temporária ...................................................................................... 103

2.3.4 Prisão decorrente da sentença de pronúncia e decorrente de sentença

condenatória recorrível ............................................................................................ 106

3 INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO PROVISÓRIA .....................109

3.1 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO RELACIONADOS

ÀS PRISÕES CAUTELARES .............................................................................................. 109

3.1.1 Ação ......................................................................................................... 109

3.1.1.1 Desrespeito aos direitos à personalidade - dignidade da pessoa humana .. 110

3.1.1.2 Desrespeito ao direito de liberdade de locomoção .................................. 112

3.1.1.3 Abuso de autoridade .............................................................................. 118

3.1.1.4 Erro judiciário ........................................................................................ 121

11

3.1.1.5 Prisão além do tempo fixado na sentença ............................................... 124

3.1.2 Dano ......................................................................................................... 125

3.1.3 Nexo causal ............................................................................................... 128

3.2 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO ............................................ 129

3.2.1 Fato da vítima ........................................................................................... 130

3.2.2 Culpa de terceiro ....................................................................................... 131

3.2.3 Força maior e caso fortuito ........................................................................ 133

3.2.4 Estado de necessidade/estrito cumprimento do dever legal/legítima defesa . 133

3.3 PRISÕES PROCESSUAIS QUE POSSAM ACARRETAR INDENIZAÇÃO ........................ 135

3.3.1 Prisão decretada por autoridade incompentente ......................................... 135

3.3.2 Prisão sem fundamentação ......................................................................... 137

3.3.3 Prisão sem os requisitos da lei..................................................................... 139

3.3.4 Prisão de homônimo .................................................................................. 141

3.3.5 Prisão além do tempo ................................................................................ 142

3.3.6 Prisão por mandado revogado .................................................................... 144

3.3.7 Prisões processuais sem que ocorra instauração de ação penal .................... 147

3.3.8 Prisões processuais com sentença absolutória ao final ................................. 148

CONCLUSÃO .............................................................................................................151

REFERÊNCIAS ..........................................................................................................159

12

INTRODUÇÃO

Trata-se de trabalho acadêmico (Monografia) de conclusão de curso de

Direito sobre a responsabilidade do Estado por prisões cautelares.

A importância da pesquisa encontra-se, principalmente, no fato da

ocorrência de conflito entre dois princípios: - o direito a liberdade do indivíduo e a

obrigatoriedade da persecução penal. De um lado, o Estado deve exercer o direito

de punir, podendo decretar ou manter a prisão quando necessária. Por o utro lado, a

liberdade é direito natural da pessoa, mesmo antes de ser garantida pela CRFB/88.

Por se tratar de direitos constitucionais fundamentais – liberdade, dignidade

- e, ainda, em vista da relação de submissão existente entre o cidadão e o Estado,

verifica-se a importância do tema. Observa-se, que cada pessoa, ao longo dos anos,

permitiu com que o Estado restringisse alguns de seus direitos, com a finalidade da

existência da harmonia social. Logo, quando o Estado, por meio de seu poder

jurisdicional, decreta a prisão de alguém, ele interfere sobre o âmbito dos direitos e

garantias constitucionais do cidadão, e, assim, a prisão deve ser feita de forma

devida sob pena de desacreditar no poder Estatal, e querer fazer justiça por contra

própria, sem submissão as regras.

Os motivos fundamentais para o estudo desse tema são: 1) o fato de a

CRFB/88 possibilitar direitos e garantias à pessoa, os quais devem ser respeitados,

principalmente, no Poder Judiciário, visto que a sua finalidade, em regra, é tutelar

bens jurídicos e não infringi-los. 2) Os reflexos que a decretação de uma prisão,

mesmo preventiva, acarreta na vida de um cidadão na sociedade: aquisição de

emprego, convívio com a família, honra perante os amigos. Mesmo a prisão sendo

célere, as conseqüências podem-se perpetuar na vida inteira de um cidadão.

O problema consiste na análise dos casos em que o Estado pode ser

responsabilizado pela prisão cautelar.

Em regra, cabe ao Estado ser responsabilizado por prisão penal nas

situações previstas no inciso LXXV, do artigo 5°, da CRFB (erro judiciário ou preso

além do tempo fixado na sentença). Contudo, discute-se se referido dispositivo

deveria ser interpretado de forma restritiva, entendendo como erro judiciário apenas

a prisão advinda de sentença condenatória transitada em julgado e posterior revisão

13

criminal absolvendo, ou se deveria ter interpretação extensiva. Nesse último caso,

prisões cautelares e posterior sentença absolutória, ou mesmo arquivamento do

processo, sem interposição de denúncia ou queixa, seria um erro judiciário,

possibilitando a responsabilidade do Estado.

Ainda que o inciso LXXV, do artigo 5°, da CRFB/88 seja interpretado de

forma restritiva, outros fundamentos podem ser possíveis de ensejar a

responsabilização do Estado nas prisões processuais. O Estado poderá ser

responsabilizado nas prisões cautelares decretadas: por autoridade incompetente,

sem fundamentação, sem os requisitos da lei, de homônimo, além do tempo, por

mandado já revogado, sem que ocorra a instauração de ação penal, com sentença

absolutória ao final, por outros fundamentos não mencionados no dispositivo supra,

tais como, direito a liberdade, princípio da dignidade da pessoa humana,

responsabilidade estatal.

A presente pesquisa possui como objetivos: institucional, cuja finalidade é

produzir uma Monografia para obtenção do título de bacharel em direito pela

Universidade do Vale do Itajaí; geral, tem por escopo analisar em que casos o

Estado deve ser responsabilizado pelas prisões cautelares; específico, cujos objetos

são: 1) Analisar as fases e a evolução da responsabilidade do Estado; 2) Especificar

os fundamentos e as excludentes para a responsabilização Estatal, as espécies de

responsabilidade; 3) Analisar os princípios, pressupostos e fundamentos das prisões

cautelares, distinguindo-as das prisões penas; 4) Diferenciar os tipos de prisões

cautelares existentes no ordenamento brasileiro e suas peculiaridades; 5) Enfim,

considerar os fundamentos, excludentes da responsabilidade do Estado nas prisões

cautelares e em que situações as prisões processuais podem acarretar

responsabilidade do Estado.

Nesse sentido, visando à consecução dos objetivos acima, a monografia foi

disposta em três capítulos.

O primeiro capítulo destinar-se-á a conceituar responsabilidade,

responsabilidade civil, e verificar sob qual forma o Estado pode ser responsabilizado.

Em seguida, distinguir-se-ão as espécies de responsabilidade contratual e

extracontratual, limitando-se para âmbito deste trabalho a responsabilidade civil do

Estado na esfera extracontratual. Analisar-se-á as fases da responsabilidade do

Estado, e a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, pois, geralmente, as

prisões cautelares advêm desses atos.

14

O segundo capítulo distinguirá a prisão pena da prisão cautelar. Estudará os

princípios, pressupostos, e fundamentos relacionados às prisões processuais.

Explanará acerca das modalidades de prisões cautelares previstas na legislação

brasileira, quais sejam, prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva, e

suas peculiaridades.

O terceiro capítulo estudará em que situações as prisões cautelares poderão

acarretar responsabilização do Estado, analisando os fundamentos, elementos,

excludentes da responsabilidade do Estado por prisões cautelares.

O trabalho acadêmico encerra-se com as considerações finais, na qual são

oferecidos pontos conclusivos destacados. Estimula-se a continuidade dos estudos

e de reflexões sobre o tema.

O método de abordagem utilizado na Monografia foi o dedutivo, pois se

partiu do geral - a responsabilidade civil do Estado e as prisões cautelares - para

alcançar o foco específico a responsabilidade do Estado por prisões cautelares.

As técnicas de pesquisa utilizadas foram de documentação indireta, ou seja,

análise de doutrinadores e jurisprudências, pesquisa documental.

15

1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1.1 CONCEITO

1.1.1 Responsabilidade

Cuida-se, aqui, de estabelecer a definição de responsabilidade e identificar

por qual forma o Estado pode ser responsabilizado pelas ações de seus agentes.

Há responsabilidade quando uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar

com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. A expressão

responsabilidade tem vários sentidos no âmbito jurídico. Em sentido amplo, se

atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma

ação, por exemplo, quando alguém é responsável por outrem, como o pai pelos

menores etc. Também a responsabilidade reporta-se à acepção de capacidade: o

amental, por exemplo, a princípio não responde por seus atos, porque não possui

capacidade. Há no sentido de responsabilidade de alguém como fato ou ato punível

ou moralmente reprovável, como violação de direito na dicção do presente Código, o

que acarreta reflexos jurídicos1.

Em relação à expressão responsabilidade pode-se dizer que configura:

“Dever Jurídico a todos imposto de responder por ação ou omissão imputável que

signifique lesão ao direito de outrem, protegido por lei” 2. Constituindo a: “Obrigação

de se reparar o mal que se causou aos outros” 3.

Afirma Gonçalves4 que:

A palavra responsabilidade origina-se do latim respondere, que encerra a idéia de segurança ou garantia da restituição ou

1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código

Civil de 2002. São Paulo: Atlas, 2006. p. 1 e 4. 2 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6 ed. rev e atual. São Paulo:

Rideel, 2004. p. 469. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: Dicionário da Língua

Portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1754. 4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo

Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 18.

16

compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir.

Stoco5 entende que a responsabilidade origina-se da imposição estabelecida

pelo meio social regrado de impor a todos o dever de responder por seus atos que

traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado, sendo a

responsabilização o meio e o modo de exteriorização da própria Justiça e a

responsabilidade a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não

prejudicar a outro. Ensina que responsabilidade exprime a idéia de equivalência de

contraprestação, de correspondência, estando relacionada a uma obrigação, ao

afirmar: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem

expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação”6.

Diante das definições supramencionadas, para domínio desse trabalho,

conclui-se que o termo responsabilidade é definido como uma obrigação imposta a

alguém de responder por atos (próprios ou de outrem) lesivos a terceiros.

1.1.2 Responsabilidade Civil

O que define o tipo de responsabilidade é a norma que foi infringida, sendo

que: “O fato gerador da responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma

jurídica que o contempla” 7.

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem o

responsável a reparar o dano moral ou patrimonial causado a outrem, como

conseqüência de ato próprio, de pessoa por quem ele responde, de fato de coisa ou

animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal8.

5 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais Ltda, 2004. p. 117. 6 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais Ltda, 2004. p. 120. 7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.491. 8 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. AMARAL NETO, Francisco dos Santos. BRITTAR, Carlos

Aberto apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed.

rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 34.

17

A responsabilidade civil origina-se de um dever jurídico de não lesionar,

assim, ensina Stoco9:

Se resumir for possível, pode-se dizer que responsabilidade civil traduz a

obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por

conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere)

implícito ou expresso na lei.

Gonçalves10 diferencia a responsabilidade civil da penal, afirmando que

nesta o agente infringe norma de direito público, uma vez que o interesse lesado é

da sociedade. Já no âmbito da responsabilidade civil o interesse diretamente lesado

é o direito privado, cabe ao particular querer ou não pleitear reparação e, assim,

entende: “Enquanto a responsabilidade criminal é pessoal, intransferível,

respondendo o réu com a privação de sua liberdade, a responsabilidade civil é

patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações” 11.

Para existência da responsabilidade civil necessária a ocorrência de um

prejuízo patrimonial, embora no dano moral o que ocorre é uma dor psíquica. Nesse

diapasão, afirma Venosa12:

A responsabilidade civil leva em conta, primordialmente, o dano o prejuízo, o desequilíbrio patrimonial, embora em sede de dano exclusivamente moral, o que se tem em mira é a dor psíquica ou o desconforto comportamental da vítima. No entanto, é básico que, se não houver dano ou prejuízo a ser ressarcido, não temos por que falar em responsabilidade civil: simplesmente não há por que responder. A responsabilidade civil pressupõe um equilíbrio entre dois patrimônios que deve ser restabelecido.

O adjetivo civi l tem a finalidade de estabelecer uma característica quanto ao

tipo de obrigação imposta ao responsável, qual seja, a reparação do dano por meio

de prestação pecuniária.

Reparar o dano consiste em reconstituir a situação anterior, ou seja, voltar

ao status quo, tornar indene o prejuízo13. A sanção é uma medida legal que poderá

9 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais Ltda, 2004. p. 120. 10

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo

Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 19. 11

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 21. 12

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 18. 13

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. atual. de acordo com Código

Civil de 2002. São Paulo: Atlas, 2006. p. 272.

18

vir a ser imposta com objetivo de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o

dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica14.

Em que pese a responsabilidade civil acarretar como principal conseqüência

a reparação do dano, a condenação por danos em prestação pecuniária pode

apresentar objetivos da reparação e da sanção. Nesse sentido, ensina Diniz15 ao

escrever sobre dano moral: “Os dois critérios que devem ser utilizados para fixação

[...] são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante [...]”.

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil, acarreta uma

reparação. Cabe, destacar que haverá responsabilidade civil do Estado, ou seja, a

pessoa jurídica de finalidade pública deverá reparar, tanto em atos lícitos, quanto em

atos ilícitos. Em relação aos atos lícitos ensina Melo 16 que caberá falar em

responsabilidade do Estado por atos lícitos quando o ato legitimamente exercido

pelo Estado acarreta lesão a um direito alheio como conseqüência, não como

finalidade própria.

1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado

Primeiramente, cabe ressaltar que o Estado só pode causar danos por meio

de seus agentes, uma vez que é pessoa criada pelo Direito, não tendo vontade nem

ação próprias, somente existentes através de seus servidores. Assim, entende

Mello17:

Como pessoas jurídicas são seres de razão, entes lógicos, abstratos, compreendem-se que, sobre prisma naturalista, não possuam nem inteligência, nem vontade, nem ação. O Direito, contudo, imputa-lhes diretamente a vontade e a ação das pessoas naturais que procedem na qualidade jurídica de seus agentes. Do conjunto deles, a grande maioria é formada pelos chamados servidores públicos.

14

TELLES JUNIOR, Godofredo apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva,

2007. v. 7. p. 8. 15

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p.104. 16

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 959. 17

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 133.

19

Logo, o Estado tem responsabilidade civil pelos danos que seus agentes

causarem. Nesse sentido, Carvalho Filho18:

[...] o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível. Somente se faz presente no mundo jurídico através de seus agentes, pessoas físicas cuja conduta é a ele imputada. O Estado, por si só, não pode causar danos a ninguém.

E, ainda, o Estado independente de quando e sob que argumento for

responsabilizado, só poderá ter essa responsabilidade sob o âmbito civil, pois não é

uma pessoa física. Assim, ensina Carvalho19:

[...] a utilização da expressão responsabilidade do Estado talvez fosse mais adequada, em se considerando pleonástico o enunciado responsabilidade civil do Estado, pois, em relação a este, pessoa jurídica de direito público, somente se poderia cogitar a responsabilidade civil, nunca da responsabilidade penal.

Como qualquer outro sujeito de direitos, o Poder Público pode causar

prejuízo a alguém. Daí resultando, a obrigação de recompor o agravo. Todavia, essa

responsabilidade possui peculiaridades, pois é distinta da regida entre particulares,

em vista da posição jurídica do Estado: baseia-se por princípios próprios e é mais

extensa do que aquela que calha às pessoas privadas20.

A responsabilidade no âmbito jurídico seria a obrigação imposta ao Estado

de compensar os danos causados pelos atos decorrentes do exercício de quaisquer

das funções estatais21.

No mesmo sentido acima, entende Di Pietro22 que, em se tratando de danos

resultantes de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a

responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica e tal responsabilidade é sempre civi l,

ou seja, pecuniária. Assim, define como responsabilidade do Estado:

[...] obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.

18

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.493. 19

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 16. 20

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 957 e 961. 21

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 16. 22

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 596.

20

Cabe destacar que a responsabilidade do Estado abrange tanto a

responsabilidade contratual quanto a extracontratual. A diferença entre essas

modalidades encontra-se no seu fato gerador. Nesse diapasão, Diniz23 ensina que a

responsabilidade contratual é oriunda da inexecução de um negócio jurídico bilateral

ou unilateral decorrente da relação obrigacional preexistente, há violação a uma

obrigação anterior. E a obrigação extracontratual origina -se de inadimplemento

normativo, não há vínculo anterior entre as partes.

Na contratual há a existência de contratos com a Administração. A

extracontratual deriva das atividades da administração sem qualquer pacto

anterior24. Para âmbito desse trabalho cingir-se-á a esse último tipo.

Assim, comportamentos de agentes do Executivo, Legislativo ou Judiciário

podem ocasionar a responsabilidade extracontratual do Estado. Melo25 ensina:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

Diante do exposto, pode-se concluir que a responsabilidade civil do Estado

consiste numa obrigação imposta à pessoa jurídica que, por atos ou omissões de

seus agentes, causou prejuízo a outrem.

1.2 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL

O tema responsabilidade do Estado quanto aos danos causados aos

particulares, na Europa, consistiu em fases. Evoluiu da fase da irresponsabilidade,

para fase dos atos de gestão e império, posteriormente, para a fase da culpa

administrativa (faute service). Para enfim, alcançar a fase do risco administrativo e a

23

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 128. 24

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.492. 25

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. Ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 957.

21

fase do risco integral. Dessas fases, algumas, encontram-se vigentes no

ordenamento brasileiro, outras desapareceram ou nem existiram no Brasil.

1.2.1 Fase da Irresponsabilidade

Quanto à fase da irresponsabilidade, fase feudal, o Estado era totalmente

irresponsável por seus atos, pois o poder do Estado advinha de origem divina. Essa

teoria surgiu da concepção “duas espadas”, pela qual se entendia que Deus havia

concedido duas espadas para proteger a cristandade, a espiritual e a terrena, ambas

ao Papa, que ficou com a espiritual e entregou a outra ao soberano. Logo, por o

poder do monarca ter origem divina, impossível o detentor desse poder causar dano

a alguém26.

Por o Estado não poder errar, não poderia ser equiparado ao seu súdito.

Nesse diapasão Di Pietro27:

A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia de soberania: o

Estado de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the King can do no wrong; lê roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.

Uma primeira atenuação dessa concepção deu-se com a responsabilização

pessoal do agente público pelos atos ilegais praticados em nome do Estado. Nesse

sentido, entende Diniz28:

A doutrina mais antiga é da irresponsabilidade absoluta, decorrente da idéia absolutista que apresentava o Estado como um ente todo-poderoso, contra o qual não prevaleciam os direitos individuais. Assim sendo, quem contratava com um funcionário público devia saber que este, enquanto preposto do Estado, não podia violar a

26

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 23. 27

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. Ed.. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 597. 28

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 617.

22

norma, uma vez que o Estado exercia a tutela do direito. Se o funcionário, no desempenho de sua função, lesasse direitos individuais, ele é que, pessoalmente, deveria reparar o dano e não o Estado.

Relata Mello29 que, na fase da irresponsabilidade estatal, só seria possível

responsabilizar um funcionário público na França quando o ato lesivo fosse

diretamente ligado a um comportamento pessoal e necessário antes pedir

autorização ao Conselho de Estado. Porém, tal desproteção aos administrados não

era total, porque se admitia responsabilização, quando: leis específicas expressas

previssem, bem como por danos resultantes da gestão de domínios privados do

Estado, e, ainda, os causados pelas coletividades públicas locais.

O Brasil constituiu sua própria legislação a partir do período imperial, com

sua independência. Na fase colonial, conforme Gasparini30, vigorava a legislação

portuguesa e esta previa a irresponsabilidade do Estado.

Quanto à teoria da irresponsabilidade do Estado: a doutrina afirma que ela

não foi adotada no direito brasileiro.

Di Pietro31 entende: “A teoria da irresponsabilidade do Estado não foi

acolhida pelo direito brasileiro; mesmo não havendo normas legais expressas, os

nossos tribunais e doutrinadores sempre repudiaram aquela orientação”.

Apesar da fase da irresponsabilidade do Estado não ser acolhida no direito

brasileiro, deve-se ter cautela em tal afirmativa, pois a Constituição imperial de 1824

previa a irresponsabilidade do Estado. Nesse diapasão, afirma Dias32:

No entanto, com o devido respeito, entendemos que essa posição deve ser aceita com alguma reserva, a começar pelo exame do texto da Constituição imperial de 25 de março de 1824, que se seguiu a independência do Brasil, em 1822, prescrevendo, justamente o contrário, pois negava a responsabilidade do Estado, atribuindo-a “estritamente” aos funcionários públicos “pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos” (art. 179, inciso XXIX).

29

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. Ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 965. 30

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 981. 31

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 600. 32

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 41.

23

Demais disso, em nítido acatamento ao princípio teocrático da investidura majestática do soberano [...] o art. 99 do texto daquela chamada Constituição imperial estabelecia escancaradamente a irresponsabilidade do Imperador: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”.

Em que pese os dispositivos constitucionais acima mencionados, Di pietro33

afirma que, no período imperial, havia uma responsabilidade do Estado, previstas

em leis ordinárias, como sendo solidária com a dos funcionários.

Em relação à responsabilidade do Estado, no período imperial, entende

Araújo34:

[...] a Constituição do Império, de 25 de março de 1824, excluía a responsabilidade do Imperador mas admitia em certos casos a dos Conselheiros de Estado (art. 99) e, quanto aos agentes públicos (então denominados empregados públicos), estes eram (art. 79, item 29) “estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores”. No entanto, isso não significava a inexistência da aplicação da doutrina da responsabilidade civil do Estado, firmada em várias leis específicas e decretos [...].

Logo, a Constituição de 1824 determinava em seus dispositivos a

irresponsabilidade do Estado, mantendo em seu texto a responsabilidade exclusiva

do funcionário. No mesmo sentido a Constituição de 1891 35. Todavia existiam na

legislação brasileira leis e decretos que já previam a responsabilidade do Estado. O

Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, publicando o novo Código Penal, atribuiu

ao Estado à responsabilidade direta pelos danos decorrentes de erro judiciário

reconhecido em sentença de reabilitação e o Código Civil Brasileiro de 1916 previa a

responsabilização direta do Estado36.

33

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 600. 34

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 745. 35

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 991. 36

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 42. (grifo nosso).

24

1.2.2 Fase Civilista

Com a fase civilista passou-se a responsabilizar o Estado com base em

princípios do Direito Civil, principalmente na culpa.

A fase civilista, conforme Dias37 dividiu-se em duas etapas: a primeira, um

sistema misto em que o Estado era considerado pessoa civil e pessoa soberana,

responsável pelos atos da primeira (atos de gestão), com culpa do funcionário

administrativo; e irresponsável pelos atos da segunda (atos de império); a segunda

etapa adveio com o Código Civil Francês de 1804 fixando a Responsabilidade

Subjetiva do Estado, baseada na culpa da escolha do funcionário administrativo ou

vigilância sobre ele.

A primeira etapa da fase civilista não foi adotada no Brasil. Segundo Mello 38:

“Inicialmente, prevaleceu, como, de resto, sucedia no Exterior, a tese da culpa civil”.

Nessa o Estado respondia pela culpa de seu agente, assim, leciona Dias39:

[...] ocorrido o dano em razão de ato de Estado, o particular podia suscitar sua responsabilidade, desde que evidenciada a culpa do funcionário, agente ou representante da pessoa jurídica de direito público. Como se vê, tratava-se da culpa eminentemente civilista na fixação de responsabilidade do Estado, projetada indiretamente na escolha da pessoa do funcionário administrativo e na vigilância que o Estado deveria exercer em relação ao exercício da atividade do funcionário nomeado [...].

Por isso que, conforme Araújo40, a responsabilidade somente seria referível

ao Estado quando ocorresse culpa estrito sensu. Só poderiam ser considerados

para responsabilizar o Estado, atos praticados pelos agentes públicos, ocasionando

prejuízos, que revelassem imprudência, negligência ou imperícia. Os atos dolosos

seriam imputados diretamente ao servidor.

37

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 23. 38

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 991. 39

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 27. 40

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

734.

25

Sobre a teoria da culpa civil aduz Di Pietro41: “Procurava-se equiparar a

responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados

ou prepostos”.

Observa-se que a teoria da culpa civil encontrava-se no dispositivo do

Código Civil Brasileiro de 1916. Sobre tal dispositivo escreve Meirelles42:

O Código Civil Brasileiro de 1916, acolhendo a doutrina subjetivista dominante em sua época, estabeleceu no art. 15 que as pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever previsto por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. [...] Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado.

Comentando o artigo 15, do Código Civil de 1916 ensina Di Pietro43:

A expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei conduzia à idéia de que deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o Estado respondesse.[...].

As Constituições de 1934 e 1937, ainda no âmbito da responsabilidade por

culpa civil, acolheram o princípio da responsabilidade solidária. Nesse diapasão

afirma Coelho44 que: “A Constituição de 1934 e a de 1937 acolheram o princípio da

responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário, ainda no âmbito da

responsabilidade subjetiva”.

Afirma Dias45 que, com a Constituição de 1934, admitiu-se a

responsabilidade direta e solidária do Estado pelos atos lesivos provocados por seus

funcionários.

Corroborando as afirmações supras, encontrava-se disposto na Constituição

de 1934, em seu artigo 171: “Os funcionários públicos são responsáveis

41

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 598. 42

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 660. 43

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 44

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 427. 45

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 42.

26

solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer

prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus

cargos”.46 Esse dispositivo se repetiu na Constituição de 1937.47

1.2.3 Fase publicista

Dias48 afirma que o marco inicial da responsabilidade do Estado, fundado

em princípios de direito público, teve início na construção jurisprudencial francesa a

partir do julgamento do caso Blanco, em 1873 e do caso Pellier, no mesmo ano.

Nesses casos, particulares ingressaram com ação requerendo indenização do

Estado. O primeiro por a menina Agnes Blanco ser atropelada por uma vagonete

estatal, e o segundo por o editor ter seus jornais apreendidos.

Meirelles49 afirma ser incabível aplicar os mesmos princípios que regem as

relações entre particulares, os quais se encontram no mesmo nível, ao Estado, pois

não se pode equipará-lo ao particular, este sem autoridade e nem privilégios. Logo

princípios de direito público é que deveriam orientar a responsabilização do Estado.

Na observação de Mello50, o surgimento das teorias publicistas permitiu a

evolução da responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, para objetiva ancorada

46

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 993. 47

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 601. 48

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 29. Nesse diapasão Di Pietro discorre: O primeiro passo no sentido da

elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de

Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no principio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência da ação danosa de seus agentes. Suscitando conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso

administrativo, o Tribunal de conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente do serviço público. [...] A partir daí começaram a surgir teorias publicistas da responsabilidade do Estado: teoria da culpa do

serviço ou da culpa administrativa e teoria do risco, desdobrada por alguns autores, em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 599). 49

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 657. 50

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 966.

27

na simples relação de causa e efeito, entre o comportamento administrativo e o

evento danoso.

Todavia, Dias51 ensina que nem todas as teorias publicistas sufraguem a

responsabilidade objetiva.

Diante do exposto, conclui-se que como foi eliminada a concepção da

irresponsabilidade do Estado abandonou-se gradativamente as teorias civilistas de

responsabilidade do Estado. Surge, assim, as teorias baseadas em princípios de

direito público, quais sejam, teoria da responsabilidade por culpa administrativa,

teoria do risco administrativo e risco integral.

A fase publicista deu-se no Brasil, a partir da Constituição de 1946, com a

teoria do risco administrativo. Nesse sentido, afirma Dias52 que na Constituição de

1946 a teoria adotada foi a objetiva, mais especificamente a do risco administrativo.

Em relação à Constituição de 1946 entende Mello 53:

A grande alteração legislativa concernente à responsabilidade do Estado ocorreu a partir a Constituição de 1946. O art. 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nós, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta do serviço.

O disposto no parágrafo único, do artigo 194, da Constituição de 1946

possibilitava ao Estado, ao ser responsabilizado, a ação regressiva contra os

agentes causadores do dano, quando tiver havido culpa destes54. Assim, substitui-

se a solidariedade entre o agente e o Estado (poder-se-ia responsabilizar qualquer

um dos dois), pela regressividade (responsabilizava o Estado, e, este, em seguida o

agente). Nesse sentido Araújo55:

Finalmente, em 1946, a volta da normalidade democrática nos trouxe, também, com a nova Constituição, de 18 de outubro de 1946, a consagração constitucional do princípio objetivo, firmando a

doutrina e a jurisprudência no equacionamento até hoje vigente em

51

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 30. 52

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 44. 53

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 993. 54

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 601. 55

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

747.

28

termos de responsabilidade do Estado, e adotando definitivamente a “regressividade” ao invés da “solidariedade” entre funcionário e Poder Público.

Em relação à Constituição de 1967, comparada a de 1946, ensina Di Pietro56

que a Constituição de 1967, quanto à responsabilidade do Estado, repete o

dispositivo da Constituição de 1946, acrescentando, no parágrafo único, que a ação

regressiva cabe no caso de culpa ou dolo. Na emenda nº 1, de 1969, o dispositivo

da Constituição de 1967 não foi alterado.

Nesse sentido, afirma Araújo57:

Já a Constituição de 24 de janeiro de 1967 (que entrou em vigor a 15-3-1967), em se art. 105, cuja a redação não foi modificada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, passando apenas a ser o art. 107, manteve a mesma filosofia da Constituição de 1946, apenas melhorando o texto: suprimiu o adjetivo “interno”, ampliando assim o campo da responsabilização a todas a pessoas jurídicas ligadas ao Poder Público, por ele controladas, e incluiu o termo “dolo” no parágrafo único, tornando o dispositivo mais incisivo e esclarecedor.

Diante do exposto, conclui-se que das teorias adotadas na Europa: a teoria

da irresponsabilidade, desde que o Brasil tornou-se independente, não foi

fundamento das decisões nos tribunais, apesar da Constituição de 1824 sobre ela

dispor; a teoria da culpa, responsabilidade subjetiva foi adotada com o Código Civil

de 1916; a teoria do risco administrativo, responsabilidade objetiva adotou-se com a

Constituição Brasileira de 1946. Destaca-se, além das teorias mencionadas, que o

ordenamento brasileiro nas Constituições de 1934 e 1937 adotou a responsabilidade

solidária do funcionário e do Estado, ou seja, a vítima poderia responsabilizar

qualquer um dos dois – funcionário ou Estado, porém nos dos dois casos deveria

demonstrar a culpa.

56

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 57

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

747.

29

1.2.4 Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro depois da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988

Depois de uma retrospectiva da evolução da responsabilidade civil no

Estado brasileiro traz-se o que dispõe a Constituição da República Federativa

Brasileira de 1988 - CRFB/88 e demais leis relevantes e vigentes após 1988.

A CRFB/8858 sobre a responsabilidade civil do Estado dispõe:

Art. 37 [...] § 6º as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.

O Código Civil59, instituído pela Lei 10. 406 de 10.01.2002, que entrou em

vigor 11.01.2003 – CC/2002 segue fielmente a matriz constitucional do art. 37, § 6º,

ao preceituar em seu artigo 43 a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito

público interno, por ato de seus agentes, e o direito de regresso contra o

responsável em caso de dolo ou culpa.

Conforme Carvalho Filho60 as pessoas jurídicas de direito público são os

componentes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as

autarquias e fundações públicas de natureza autárquica. As pessoas jurídicas pela

teoria do órgão61 atuam através de seus agentes públicos. Quem desempenha as

funções estatais é considerado agente público. Nesse sentido, Mello 62 o conceitua:

Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua

58

BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de

Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 36. 59

BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de

Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 167. 60

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.498. 61

Di Pietro afirma que: “pela teoria do órgão, a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio dos órgãos, de tal modo que quando os agentes que os compõe manifestam a sua vontade é como se o

próprio Estado o fizesse [...]”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 470). 62

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 237.

30

vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional e episodicamente. Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público.63

Quanto à responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, há

divergências se para sua ocorrência necessário o agente público encontrar-se ou

não no exercício de suas funções. No sentido de que para responsabilizar o Estado,

não basta o agente público ocasionar dano, ele tem que estar no exercício de suas

funções ensina Gasparini64:

É imprescindível que o agente esteja no desempenho de seu cargo, emprego ou função pública na entidade a que está vinculado (RT 715:258). Sendo, assim não responde o Estado por dano causado por alguém que não é seu agente ou que, embora o seja, não esteja na ocasião do dano, no desempenho as atribuições de seu cargo, função ou emprego público [...]. Cremos, ainda, que o Estado responde objetivamente pelos danos causados pelo servidor de fato [...].

Todavia, ensina Meirelles65 que a responsabilidade do Estado ocorrerá

mesmo que o agente não esteja no exercício de suas funções, porém tem que atuar

como agente público e não como pessoa comum, afirmando:

O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão na qualidade de agente público. Não se exige, pois, que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na qualidade de agente público, e não como pessoa comum. Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à Administração.

Quanto à expressão serviço público, há que concebê-la como gênero.

Assim, o serviço público compreende as espécies: atividade ou função

administrativa, atividade ou função jurisdicional e, também, a legislativa. Desse

modo, abrange o § 6º do art. 37 da CRFB/88 a responsabilidade da União, dos

63

Conforme Di Pietro os agentes públicos classificam-se em quatro categorias, quais sejam: a) agentes políticos (chefes dos poderes Executivo Federal, estadual e municipal, os ministros e secretários de Estado, Senadores, Deputados e Vereadores); b) servidores públicos (em sentido

amplo pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos, ex: membros Ministério Público, Magistratura, polícia civil e militar); c) militares (membros Polícia Militares, Corpo Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e

Territórios, Forças Armadas); e d) particulares em colaboração com o poder público (pres tam serviço ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração, ex: jurados). (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 499/506). 64

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 984. 65

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 663.

31

Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e autarquias; dos Poderes Executivo,

Judiciário e Legislativo66.

Quanto à interpretação do dispositivo constitucional da responsabilidade do

Estado, Di Pietro67 sustenta que:

[...] a partir da Constituição de 1946, ficou consagrado a teoria da responsabilidade objetiva do Estado; parte-se da idéia de que, se o dispositivo só exige culpa ou dolo para o direito de regresso contra o funcionário, é porque não quis fazer a mesma exigência para as pessoas jurídicas.

Assim, esclarece a referida autora que no artigo 37, § 6º, da CRFB/88 estão

compreendidas duas normas de direito, a da responsabilidade objetiva do Estado

perante o particular lesado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário para fim

da ação de regresso.

Ao interpretar o artigo 37, § 6º, da CRFB/88, Dias68 ensina que o dispositivo,

que impõe a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares,

consagra a responsabilidade objetiva e direta de todas as pessoas jurídicas de

Direito Público, ancorada na teoria do risco administrativo. Logo, dispensa a

necessidade de se perquirir a culpa do serviço público, basta a comprovação do

dano ao particular, em decorrência da prestação de um serviço público qualquer

(liame de causalidade). Evidentemente, alcança as três fundamentais funções

exercidas pelo Estado, a administrativa, a legislativa e a jurisdicional, não havendo

razão para se excluir qualquer delas da sua abrangência.

Diante do exposto a regra constitucional é da responsabilidade objetiva do

Estado. Porém, afirma Mello que a responsabilidade do Estado seria objetiva por

atos comissivos, positivos do agente que acarretam prejuízo a terceiro. Seria

subjetiva por atos omissivos, visto que só pode ocorrer na hipótese de culpa

anônima do serviço, nesse diapasão:

O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha,

66

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 178. 67

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 601. 68

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 45.

32

reveladora de insuficiência em relação a seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva. 69

Quanto à omissão, no mesmo sentido acima mencionado, ensina Di Pietro70

que a omissão na prestação do serviço tem levado aplicação da teoria da culpa do

serviço público. Esta é a culpa não individualizada, pois o dano não decorreu de

atuação de agente público, mas de omissão do poder público.

Também Gasparini71:

O texto Constitucional em apreço exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo “causar” (causarem). Isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissivos.

Por ato omissivo ou comissivo a vítima do dano para ter uma reparação

deverá, conforme Araújo72, interpor uma ação ordinária a ser movida contra o poder

público, não ao agente público que causou o dano.

Em relação à responsabilidade do agente prevista na CRFB/88 e no

CC/2002 entende Dias73 que é subjetiva e que é dever do Estado entrar com ação

regressiva, afirmando:

Entendemos que o ajuizamento da ação regressiva em face do agente público, para obter ressarcimento do que pagou a vítima a título de indenização, é dever do Estado, e não faculdade. Esclareça-se, porém, que esse direito de ação regressiva do Estado em face do agente público poderá ser exercido em processo autônomo ou no próprio processo iniciado pela vítima lesada em face do Estado, por meio da denunciação da lide, figura processual de intervenção de terceiro (Código de Processo Civil, art. 70, inciso III).

Além da possibilidade da ação regressiva ou denunciação da lide para

responsabilizar o agente, afirma Mello74 que a própria vítima pode interpor ação

contra o agente causador. Pois o parágrafo 6º, do artigo 37, da CRFB/88, não tem

69

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 997. 70

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 603. 71

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

983. 72

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 749.. 73

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 48. 74

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 998.

33

caráter defensivo do funcionário perante terceiro. A norma tem objetivo de proteger o

administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da

responsabilidade objetiva. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade

de proceder contra quem lhe causou o dano. Por ser um dispositivo protetor do

administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado.

Weida Zancader mencionada por Mello75 entende ser incabível a

denunciação da lide com grande fundamento:

Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva – a do Estado – com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva – a do funcionário. Procede sua assertiva de que, ademais, haveria prejuízos para o autor, porquanto “procrastinar o reconhecimento de um legítimo direito da vítima, fazendo com que este dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o Estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito.

Conclui-se que com o CC/2002 e a CRFB/88 a responsabilidade civil do

Estado seria objetiva – porém necessário para adotá-la é que estejam presentes

seus elementos – quais sejam - ação, dano e nexo causal. Logo, em relação aos

atos omissivos, não há responsabilidade objetiva, visto que não há existência de um

dos elementos – a ação. Quanto à responsabilidade do funcionário adotou o

ordenamento vigente a responsabilidade subjetiva.

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

1.3.1 Responsabilidade Subjetiva

Dividi-se a responsabilidade subjetiva em duas vertentes, uma baseada na

omissão do serviço público, e outra a do agente público.

Assim, sobre a responsabilidade estatal baseada na culpa pela omissão do

serviço público ensina Carvalho Filho76: 75

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed.rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 999.

34

[...] quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir o dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omite diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar o prejuízo. A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso da conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie do descumprimento do dever

legal, atribuído ao poder público, de impedir a consumação do ato.

Já quanto à culpa relacionada com o comportamento do agente pode existir

a culpa em sentido amplo e a culpa em sentido estrito. A primeira consiste na

violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato

intencional ou de omissão de diligência ou cautela. Compreende o dolo, que é a

violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito que se caracteriza

pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer intenção de violar um

dever77.

Stoco78 escreve sobre a culpa stricto sensu:

A culpa pode empenhar ação ou omissão e revelar-se através da imprudência: comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo; negligencia: quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo; e imperícia: a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano.

Para acarretar a responsabilidade do agente, em ação regressiva, interposta

pelo Estado, necessário no dolo ou na culpa (sentido estrito) do agente o elemento

previsibilidade. Assim, ensina Araújo79:

O elemento fundamental da caracterização do ato jurídico prejudicial culposo é a previsibilidade: somente quando é possível prever-se o que não foi previsto é que se poderá responsabilizar alguém por não ter procedido de forma a evitar o evento danoso.

76

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 509. 77

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 41. 78

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 132. 79

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

804.

35

Previsibilidade é a possibilidade de se prever um ato nas condições e circunstancias em que se desenrola a ação, é quando o individuo comum poderia prever razoavelmente as conseqüências do seu ato.

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade subjetiva baseia-se no

elemento culpa.

1.3.2 Responsabilidade Objetiva

Conforme Dias80 com a responsabilidade objetiva, não se necessita de culpa

para o Estado ser responsabilizado, surge à teoria do risco, basta o dano e o nexo

causal.

Mello81 define responsabilidade objetiva da seguinte forma:

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

Di Pietro82 afirma que a responsabilidade objetiva implica averiguar se o

dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, independentemente

se foi regular ou não.

No mesmo sentido Diniz83 ao afirmar que o risco é o fundamento da

responsabilidade civil do Estado por comportamentos administrativos comissivos,

exigindo apenas nexo causal entre a lesão e o ato, basta à comprovação do

prejuízo. Cabe a responsabilidade objetiva mesmo se o ato foi regular.

80

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 22. 81

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 970. 82

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 600. 83

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual.

de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 619.

36

Leciona Venosa84 que surge entre os elementos da responsabilidade a culpa

presumida, como um dever genérico de não prejudicar, originado a teoria da

responsabilidade objetiva, esta que desconsidera a culpabilidade e afirma:

A insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou a criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Levando-se em conta o rumo que tomou a responsabilidade objetiva, a teoria da responsabilidade civil deixa de ser apoiada unicamente no ato ilícito, mas leva em conta com mais proeminência o ato causador do dano. Busca-se destarte evitar um dano injusto, sem que necessariamente tenha como mote principal o ato ilícito.

A teoria do risco tem os seguintes fundamentos: igualdade dos ônus e

encargos sociais, solidariedade humana, legalidade (Estado de Direito), maior poder

e prerrogativas do Estado em relação ao indivíduo, risco.

Como argumento de que o Estado deve ser responsabilizado pelo dano

causado ao particular ensina Mendes Júnior85:

[...] sendo o objetivo do Estado a realização do bem comum, que é de todos e de cada um, assim como não se pode sacrificar o direito da coletividade em benefício do individuo, também não é lícito o sacrifício do direito individual, em benefício da coletividade, sem a conseqüente reparação. Se o Estado pudesse impunemente oprimir o indivíduo, prejudicando-o em seu direito ou em seus legítimos interesses, em proveito da coletividade, evidentemente a repetição desde gesto importaria, afinal, em ameaça a própria sobrevivência do regime. É que a repetição de fenômeno, em extensão ilimitada, geraria uma diminuição cada vez maior do patrimônio privado, em benefício do patrimônio público.

Quanto ao princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais bem explica

Di Pietro86 ao afirmar que assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal

repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns devem ser divididos.

Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-

84

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 7. 85

MENDES JÚNIOR, Onofre apud COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 426. 86

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 599.

37

se o equilíbrio; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve reparar o

prejudicado, com os recursos do erário público.

Em relação, ao fundamento da solidariedade afirma Coelho 87:

Os serviços públicos nem sempre funcionam como deveriam. Acarretam, por isso, certas disfunções e certos males cujas conseqüências devem ser sofridas por todos, contribuindo cada uma para a indenização do dano que sobre um só incidiu. Por outro lado, se a solidariedade de todos, nasce e floresce a atividade administrativa, do prejuízo ocasionado pelo aparelho público nascerá a obrigação eqüitativa de indenizar, que se difundirá por todos os administrados solidários com aquele que, individualmente, suportou o dano. E a expressão da solidariedade dos administrados outra não é senão o próprio Estado.

Quanto ao fundamento risco ensina Araújo88 que a possibilidade ou risco de

danos, que a atividade do Estado gera para o administrado, cria para este uma

desigualdade se a atividade for danosa e atingir seu patrimônio ou direito. Logo,

cabe ao Estado ser responsabilizado, em termos da justiça distributiva, com

fundamento no risco de sua função.

Ainda, é perceptível que o Estado tem maior poder e mais prerrogativas do

que o administrado. Sendo, realmente, jurídica, política e economicamente mais

poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que

protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Logo, não seria justo que,

diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar

excessivamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Diante disso, por o

Estado ser mais poderoso, deve arcar com um risco natural decorrente de suas

numerosas atividades, na proporção que, à maior quantidade de poderes haveria de

corresponder um risco maior89.

Por vigorar um Estado de Direito deve este estar subordinado ao princípio da

legalidade, logo, entende Dias90 que o Estado tem que se submeter à Lei,

respeitando direitos fundamentais dos indivíduos. Se o indivíduo deve submeter -se a

leis estatais, sendo responsabilizado quando causador de dano, o Estado deve

87

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,

2004. p. 425. 88

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 738. 89

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.496. 90

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo

Horizonte: Del Rey, 2004. p. 31.

38

também respeitá-la, pois tem personalidade jurídica e é sujeito de direitos e

obrigações.

Enfim, sobre os fundamentos da responsabilidade do Estado sintetiza

Gasparini91:

O fundamento da responsabilidade patrimonial do Estado é bipartido, conforme seja ela decorrente de atos lícitos ou ilícitos. No caso dos atos lícitos [...] o fundamento é o principio da distribuição igualitária dos ônus e encargo a que estão sujeitos os administrados , como entre nós, já decretou o STF (RDA, 190:194). Destarte, se o serviço ou obra é de interesse público, mas, mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por ele, e isso, se consegue através da indenização. Para tanto todos concorrem inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também paga tributos. Tratando-se de atos ilícitos (descumprimento de uma lei), o fundamento é a própria violação da legalidade [...].

Diante dessa bipartição dos fundamentos, cabe distinguir atos lícitos dos

ilícitos. Rui Stoco92 ensina que “[...] ato ilícito é aquele praticado com infração de um

dever legal ou contratual. Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está na só

transgressão da norma”.

A teoria do risco compreende duas modalidades: a do risco administrativo e

do risco integral. A primeira admite as excludentes de responsabilidade do Estado, a

segunda não93.

A teoria do risco integral é aquela em que “o Estado responsável por

qualquer dano causado ao indivíduo, na gestão de seus serviços, independente da

culpa da própria vítima ou de caso fortuito ou de força maior”.

Quirino94 afirma em relação a essa teoria:

[...] para que o dano seja reparado, basta ao lesado demonstrar o dano e que o mesmo é de autoria do ofensor, ou decorre atividade exercida por este, contentando-se os adeptos dessa teoria com tais elementos, sem cogitar-se a respeito da existência de culpa, e até mesmo sobre a iliceidade do fato danoso; [...] De fato, a responsabilidade objetiva fundamentada na teoria do risco não depende da existência de culpa e tem com pressuposto o fato de que a pessoa que cria o risco deve indenizar os prejuízos decorrentes de

91

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 967. 92

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais Ltda, 2004. p.124. 93

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 659. 94

QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade . São Paulo: Atlas, 1999. p. 49.

39

seu empreendimento, ou do risco por ela criado, caso efetivamente produza algum dano a outrem.

A teoria do risco integral é a modalidade extrema da teoria do risco

administrativo, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por ela, a Administração

seria responsável por todo e qualquer dano suportado por terceiros, mesmo que

resultante de culpa ou dolo da vítima95.

Essa teoria não foi adotada no Brasil96. Mesmo no caso de responsabilidade

objetiva por dano nuclear a teoria do risco integral não é aplicada97.

1.3.2.1 Elementos

1.3.2.1.1 Da ação

Afirma Stoco98 que a ação constitui o primeiro momento da responsabilidade

civil.

Conceitua Diniz99 ação da seguinte forma:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

Importante adaptar tal conceito ao direito administrativo, visto que o Estado é

uma pessoa jurídica, e como antes já mencionado tem ação através de seus

agentes.

95

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 659. 96

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 659. 97

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 985. 98

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 131. 99

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 39.

40

Assim, afirma Mello100: “A relação entre a vontade e a ação do Estado e de

seus agentes é uma relação de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado”.

Para caracterizar a responsabilidade objetiva do Estado a conduta tem que

ser comissiva. Nesse sentido Gasparini mencionado no capítulo 1.3.2.1, pois a

CRFB/88 exige o verbo causar.

Sobre os atos (ações) que podem acarretar responsabilidade do Estado

entende Mello101 que pode ser por comportamentos lícitos, materiais ou jurídicos, e

por comportamentos ilícitos, materiais ou jurídicos. Exemplo de comportamento lícito

jurídico seria o fechamento do perímetro central da cidade a veículos automotores,

por razão de tranqüilidade, que acarretaria para os proprietários de edifício garagem,

devidamente licenciados, indiscutível dano patrimonial. Como exemplo, de

comportamento lícito por atos materiais há o nivelamento de uma rua, procedido

com todas as cautelas e recursos técnicos, que, entretanto, pelas características

físicas ambientais, algumas casas ficariam em nível mais elevado ou rebaixado em

relação ao leito da rua, causando desvalorização daqueles imóveis. Como exemplo,

de comportamentos ilícito por atos jurídicos seria a decisão de apreender, fora do

procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista. Enfim, exemplo de

comportamento i lícito por atos materiais – o espancamento de um prisioneiro

causando-lhe lesões definitivas.

Di Pietro102 ensina: “[...] em que se trata de responsabilidade objetiva, que

implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço

público, sem interessar se foi regular ou não”.

Posto isto, para fins de responsabilidade objetiva do Estado (risco

administrativo), a ação do Estado caracteriza-se por uma conduta comissiva, ou

seja, causa algo através de seus agentes. Desta ação independentemente se lícita,

ilícita, material ou jurídica, se acarretar perda da situação juridicamente protegida

caberá responsabilidade do Estado.

100

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 972. 101

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 976. 102

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 599.

41

1.3.2.2 Do dano

Antes de conceituar a expressão dano, primeiramente destaca -se que é por

meio dele que se analisará casos em que caberão a responsabilidade do Estado,

pois o artigo 944, do CC/2002 dispõe que a indenização mede-se pela extensão do

dano, logo só caberá responsabilidade civil se ocorrer prejuízo.

Ensina Diniz103: “O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil,

contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem

a existência de um prejuízo”.

O dano é o elemento essencial da responsabilidade seja ela originária de ato

lícito, nas hipóteses expressamente previstas, de ato ilícito, ou de inadimplemento

contratual, independentemente, se subjetiva ou objetiva. Não há responsabilidade

sem prejuízo104.

Ensina Mello105:

Donde, ante a atuação lesiva do Estado, o problema da responsabilidade resolve-se no lado passivo da relação, não no lado ativo dela. Importa que o dano seja ilegítimo – se assim nos podemos expressar, não que a conduta causadora o seja.

Alguns doutrinadores conceituam dano, em sentido estrito, como lesão ao

patrimônio, ou seja, ao conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em

dinheiro, outros, já em sentido amplo, definem dano como diminuição a um bem

jurídico, abrangendo não só o patrimônio, mas também a honra, o corpo, a vida, a

saúde, o bem estar106.

Diniz107 conceitua dano como uma lesão (diminuição ou destruição) que

devido a uma certa ação, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem

jurídico, patrimonial ou moral.

103

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 59. 104

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais Ltda, 2004. p. 129. 105

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 986. 106

CONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 545. 107

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 62..

42

Mello108 entende que não se deve confundir dano patrimonial, econômico

com o dano em direito, e assim os conceitua:

O primeiro é qualquer prejuízo sofrido por alguém, inclusive por ato de terceiro, consistente em uma perda patrimonial que elide total ou parcialmente algo que se tem ou que se terá. O segundo, ademais de significar subtração de um bem ou consistir em impediente a que se venha a tê-lo, atinge bem a que se faz jus. Portanto, afeta direito a ele. Incide sobre algo que a ordem jurídica considera pertinente ao lesado. Logo, o dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista a agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.

O dano para acarretar responsabilidade deve ter alguns requisitos.

Gonçalves109 ensina que para que exista indenização é necessário que o dano seja

certo e atual, entendendo como atual o dano que já existe no momento da ação de

responsabilidade. Assim, só poderia haver responsabilidade sobre conseqüências

futuras se tiver elementos para apreciá-la, e certo seria o dano fundado sobre um

fato preciso e não uma hipótese.

Melo110 entende para existência da responsabilidade é indispensável a

certeza do dano (pode ser futuro ou atual, mas tem que ser real) e da lesão a um

direito (quem não sofreu gravame a um direito não título para postular indenização)

e ainda em comportamentos estatais lícitos também requer que o dano seja especial

e anormal. Entende que dano especial é aquele que se opera na situação particular

de alguns ou alguns indivíduos, não é um prejuízo genérico, e anormal é aquele que

supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes ao convívio social.

Diniz111 afirma para que o dano seja indenizável necessários os seguintes

requisitos: diminuição ou destruição do bem jurídico, patrimonial ou moral,

pertencente a uma pessoa (não há dano sem lesado, o lesado pode ser direto ou

indireto); efetividade ou certeza do dano (a lesão não pode ser hipotética, tem que

demonstrar o seu acontecimento, pode até se projetar sobre o futuro, mas a

108

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 985. 109

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 546. 110

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 987. 111

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 63 -65.

43

conseqüência é atual); causalidade (em regra, o dano tem que ser direto, ou seja, há

relação imediata entre a ação e o dano); subsistência do dano no momento da

reclamação do lesado (se o responsável já reparou não há dano); legitimidade

(lesado ou beneficiário do lesado); ausência de causas excludentes da

responsabilidade.

A CRFB/88 classifica o dano em seu artigo 5º, incisos V e X, como em dano

moral, dano material e dano à imagem.

Dano moral seria:

O chamado dano moral corresponde à ofensa causada à pessoa a parte subjecti, ou seja, atingindo bens e valores de ordem interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade, enfim todos os atributos da personalidade112.

Diniz113 conceitua patrimônio como sendo uma universalidade jurídica

constituída do conjunto de bens economicamente úteis de uma pessoa e dano

patrimonial da seguinte forma:

O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causado, a incapacitação do lesado para trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.

Conclui-se que dano seria qualquer prejuízo. Para o dano acarretar

responsabilidade necessário que tenha lesionado um bem juridicamente protegido,

principalmente os garantidos constitucionalmente e, ainda, que não sejam meros

inconvenientes originários do convívio em sociedade. Quanto aos requisitos do dano

para ensejar responsabilidade, merecem destaque o de que se deve haver uma

lesão à vítima e tal lesão ser demonstrada, não ser apenas uma hipótese.

112

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 130. 113

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 66.

44

1.3.2.3 Do nexo de causalidade

Nexo causal é o elo entre o dano e a ação do agente, sem ele também não

há responsabilização, pois não basta à existência de um dano ou que tenha ocorrido

uma ação se não ocorrer esta ligação.

Cavalieri Filho mencionado por Stoco114 afirma que: o conceito de nexo

causal não é jurídico; decorre das leis naturais, consistindo apenas o vínculo, a

ligação ou a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.

Araújo115, assim, ensina sobre nexo causal:

Nexo causal significa referibilidade jurídica ao Estado do evento danoso, que é básica e fundamental para a fixação da responsabilidade e conseqüente obrigação de indenizar, que deixará de existir sem essa relação, ou a atenuará quando não for a causa única do dano.

Para configurar o nexo causal tem que estar absolutamente certo que sem a

ação o prejuízo não existiria. Quando há causas múltiplas difícil será analisar o nexo

de causalidade. Existem três principais teorias a respeito: a da equivalência das

condições (toda circunstância que concorreu para produzir o dano é uma causa); a

da causalidade adequada (é causadora do dano a condição por si só apta a produzi -

lo); a da que exige que o dano seja conseqüência direta e imediata do fato que o

produziu116.

Diniz117 afirma que nexo causal consiste no vínculo entre o prejuízo e a

ação, de modo que o dano deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua

conseqüência previsível. O nexo é uma relação necessária entre o evento danoso e

ação que o produziu, de tal modo que a ação seja considerada a causa. Portanto, o

dano não precisa ser resultado direto da ação, basta verificar que o prejuízo não

ocorreria se o fato não tivesse acontecido. A ação pode não ser causa imediata, mas

se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.

114

CAVALIERI, Filho apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2004. p. 145. 115

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 751. 116

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 537- 539. 117

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 108.

45

Entende Di Pietro118 que não existirá nexo de causalidade ou incidirá de

forma atenuada se o serviço público não for causa do dano, ou quando, não for

causa única.

Diante do exposto, conclui-se que o nexo causal, dos três requisitos para se

demonstrar a responsabilidade, é o que vai requerer uma maior análise. É nele que

podem ocorrer as excludentes de responsabilidade do estado.

1.3.2.4 Excludentes

A teoria do risco administrativo faz surgir à responsabilidade de reparar o

dano só pelo ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige

qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Na teoria da culpa

administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo basta o

fato do serviço119.

Apesar de o Estado ser responsabilizado só pelo fato do serviço, é

necessário à existência do nexo de causalidade entre o dano e a atividade do

Estado. Logo, leciona Dias120 que são excludentes da responsabilidade do Estado o

fato da vítima e a força maior, ocasionando a perturbação do liame da causalidade.

1.3.2.4.1 Culpa da vítima

A teoria do risco administrativo embora para ocorrência da responsabilidade

do Estado não exija a culpa da Administração ou de seus agentes, permite que o

Estado demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar sua responsabilidade121.

118

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,

2007. p. 602. 119

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 658. 120

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 37. 121

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 659.

46

Quanto à culpa da vítima, ensina Di Pietro122 deve-se distinguir se a culpa é

exclusiva da vítima ou concorrente com a do Estado. No primeiro caso não há

responsabilidade do poder público, já no segundo a responsabilidade é dividida.

Em relação à culpa da vítima, escreve Dias123:

O fato da vítima, que alguns doutrinadores classificam como culpa da vítima, é causa de exoneração ou atenuação da responsabilidade do Estado em todos os sistemas jurídicos. Nada há de mais lógico porque, na realidade, bem examinada a questão, o evento danoso é conseqüência do próprio comportamento da vítima, nele não interferindo a atividade do Estado. Sendo assim, correta é a posição doutrinária que sustenta haver certa impropriedade falar-se em culpa da vítima como excludente da responsabilidade do Estado, porque a rigor, a causa do dano seria unicamente o comportamento da vítima. Faltaria, conseqüentemente, o indispensável nexo causal, a ensejar a responsabilidade do Estado.

Melo124 também entende que a culpa exclusiva da vítima não é uma

excludente, mas sim elide a responsabilidade do Estado por barrar o nexo de

causalidade. Quanto às concausas, ensina que pode ocorrer que o dano resulte de

dupla causação, ou seja, o evento lesivo seja conseqüência de ação conjunta do

Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Neste

caso, não haverá de falar em excludente da responsabilidade estatal. Ocorrerá,

apenas, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que

cada qual haja participado para produção do dano.

1.3.2.4.2 Força maior e caso fortuito

Di Pietro125 diferencia força maior de caso fortuito. Força maior é

acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como

acontecimentos da natureza – tempestade, terremoto. Assim, a força maior, não

122

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,

2007. p. 603. 123

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 38. 124

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 988. 125

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,

2007. p. 603.

47

sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado,

por não haver nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da

Administração. Já no caso fortuito o dano é decorrente de ato humano, de falha da

Administração, não ocorrendo à mesma exclusão. Quando se rompe, por exemplo,

uma adutora ou um cabo elétrico, causando danos a terceiros, não se pode falar em

força maior.

Embora a força maior elida a responsabilidade do Estado, mesmo com a

ocorrência da força maior pode haver a responsabilização em caso de omissão

estatal. Nesse diapasão afirma Dias126:

Evidentemente, esses acontecimentos têm causas conhecidas, mas muitas vezes, são imprevisíveis e irresistíveis, na medida em que não há possibilidade de o ser humano opor-lhes resistência, subjugando pela intensidade da força externa desencadeada pela natureza. Logo, se houver força maior, disto resultando dano ao particular, seu causador, por óbvio, não foi o Estado, que não poderá ser responsabilizado, pois faltará nexo de causalidade. Porém, as doutrinas francesa e brasileira consideram que, em algumas situações, mesmo ocorrendo motivo de força maior, despontaria a responsabilidade do Estado, se ficasse demonstrada a sua omissão em realizar determinados serviços que impedissem a ocorrência dos danos verificados. Entretanto, é mister observar, nesta hipótese considerada de ato ou comportamento omissivo do Estado, a responsabilidade não seria objetiva. [...] Estar-se-ia cogitando, agora, da responsabilidade subjetiva, fundada na culpa do serviço público, a culpa anônima despersonalizada da teoria publicista.

Conclui-se, caso o dano ocorra por força maior não haverá

responsabilidade do Estado. Se ocorrer prejuízo por força maior e, juntamente, a

omissão do Estado em realizar determinados serviços que impedissem os danos

ocasionados haverá responsabilidade do Estado. Responsabilidade esta por

omissão. O caso fortuito não exclui a obrigação do Estado indenizar ou ressarcir.

1.3.2.4.3 Culpa de terceiro

Alguns doutrinadores ainda citam como excludentes da responsabilidade do

Estado à culpa de terceiro e o estado de necessidade.

126

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .

Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 39.

48

Na culpa de terceiro o Estado nem sequer agiu ou omitiu-se para acarretar a

responsabilidade, mas sim um terceiro estranho à relação Estado- administrado.

Assim, ensina Araújo127:

A equação dos dados dirigidos à causalidade responsabilizante não chega a se formar, pois não ocorre no caso de culpa devidamente comprovada de terceiro, quer a ação danosa, quer a omissão prejudicial do Estado, mas sim de um terceiro, estranho, naquele exato momento, à relação Estado-administrado.

Quando, o ato de terceiro é causa exclusiva do prejuízo, desaparece a

relação de causalidade entre a ação ou a omissão do agente e o dano. A exclusão

da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características

semelhantes às da força maior, sendo imprevisível e inevitável. Assim, somente

quando o fato de terceiro se revestir da inevitabilidade e imprevisibilidade, e,

portanto, equipara-se à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade

do Estado128.

1.3.2.4.4 Estado de necessidade

Quanto ao estado de necessidade afirma Stoco129 que para alguns autores

seria também causa de exclusão da responsabilidade do Estado, por prevalecer o

interesse geral sobre o pessoal ou mesmo sobre os direitos individuais. Porém,

entende que se tratando de responsabilidade objetiva do Estado, não se pode

considerar as situações personalíssimas como causas excludentes. A legítima

defesa, o estado de necessidade ou o estrito cumprimento de dever legal, na

atuação do agente público não são excludentes da responsabilidade objetiva do

Estado. Se não se caracterizam como ilícito penal ou civi l para o agente, não tem

condão de romper o liame causal para o Estado.

127

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 741. 128

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 746. 129

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais Ltda, 2004. p. 976.

49

O estado de necessidade não é excludente admitida de forma unânime.

Aduz Araújo130:

Realmente, estão presentes, sem exceção, todos os dados necessários ao equacionamento da responsabilidade pública; mas uma circunstância específica, que é o interesse coletivo, elidirá a obrigatoriedade de ressarcimento do dano pelo Estado. No entanto, não se trata de excludente pacificamente admitida. O Estado dispõe de poderes para condicionar e/ou sacrificar direitos, inclusive patrimoniais, para permitir a prevalência de um interesse público ou social, [...]. Ora, o Estado (por seus agentes) tem o dever de prevenir e proteger a coletividade de situações que lhe sejam prejudiciais, concreta e potencialmente, e mesmo no caso de inevitabilidade do sacrifício do bem ameaçado, isto não significa necessariamente que o administrado prejudicado deva arcar sozinho com o ônus: o princípio da solidariedade patrimonial da coletividade frente ao prejuízo suportado por um administrado é exatamente o fundamento da responsabilidade civil objetiva do Estado.

Assim, essa excludente conforme Araújo131 só existiria em casos

excepcionais como guerra, revolução, estado de sítio.

Conclui-se, que pela teoria do risco administrativo o Estado seria

responsabilizado, sem necessidade de se provar que agiu com culpa para causar o

dano, porém necessário a existência do nexo causal, ou seja, o Estado agiu e dessa

ação resultou um dano. A força maior e a culpa exclusiva da vítima não seriam,

então, causas excludentes, pois nem ocorreu o liame entre a ação do Estado. Logo,

o Estado não responderia por que ocorreu excludente, mas sim porque não se

caracterizou a responsabilidade.

Alguns doutrinadores acima mencionados entendem que pela teoria do

risco administrativo o Estado não seria responsabilizado não só quando ocorresse

culpa exclusiva da vítima e força maior, mas também quando houvesse culpa de

terceiro ou estado de necessidade.

130

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 744. 131

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

744.

50

1.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS

1.4.1 Atos praticados pelo Poder Judiciário

No exercício de sua função o Poder Judiciário pratica atos típicos e atípicos.

Seriam atos típicos proceder a julgamentos e atípicos atos de natureza

administrativa e legislativa.132

Carvalho Filho133 considera os atos típicos como atos jurisdicionais e os atos

atípicos como atos judiciários. Cabe ressaltar a distinção feita pelo doutrinador

quanto aos atos jurisdicionais e atos judiciários, que assim os define:

[...] atos jurisdicionais do juiz (aqueles relativos ao exercício especifico da função do juiz). Atos judiciários é a expressão que tem sido normalmente reservada aos atos administrativos de apoio praticados no Judiciário. [...] Como todo Poder do Estado, o Judiciário produz inúmeros atos de administração além daqueles que correspondem efetivamente a sua função típica. São, portanto, atos administrativos, diversos de atos jurisdicionais, esses peculiares ao exercício de sua função. [...].

O Poder Judiciário realiza uma série de atividades que não se enquadram no

conceito de atos jurisdicionais. Tais são, por exemplo, atos de administração geral

de seus serviços (pessoal, transportes, material, comunicações, finanças, licitações,

etc.). Os atos jurisdicionais restringem-se a atividade fim do Judiciário - a aplicação

da lei ao caso concreto134.

Assim, os atos jurisdicionais são os praticados pelo magistrado no exercício

da respectiva função, quais sejam, despachos, decisões interlocutórias, sentenças.

Denota-se, portanto, que para os atos judiciários, que são atos

administrativos praticados no âmbito do Poder Judiciário, a responsabilidade do

Estado é objetiva. Já quanto aos atos jurisdicionais há divergência. Existem

entendimentos que não aceitam a responsabilidade do Estado por atos

jurisdicionais, outros admitem. E, ainda, ocorre uma terceira corrente no sentido de 132

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 33. 133

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.515. 134

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

794.

51

que, para condutas dolosas do magistrado há responsabilidade objetiva do Estado, e

nas condutas culposas na esfera penal ocorre responsabilização por danos (artigo

5º, inciso LXXV, da CRFB/88)135.

1.4.2 Atos judiciais dolosos

Quantos aos atos judiciais dolosos ou culposos praticados por agentes

públicos a CRFB/88 possibilita a responsabilidade do Estado, assegurando o direito

de regresso contra os agentes (§ 6º, artigo 37). Todavia, a legislação ordinária

dispõe sobre a responsabilidade pessoal do agente público em alguns casos, tais

como artigo 133, do Código de Processo Civil - CPC136, artigo 954, caput e seu

parágrafo único, que deve ser entendido em conjunto com artigo 927, ambos do

CC/2002137, inciso I, do artigo 1744, CC/2002138.

Tais dispositivos visam à responsabilidade pessoal do juiz, sem que o

Estado seja responsabilizado. Há quem entenda (Araújo) que essas disposições são

incompatíveis com a CRFB/88. Esta prevê a responsabilidade civil do Estado por

atos dolosos e culposos de seus agentes. Ainda, caso interpretasse o disposto no

135

COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 689/690. 136

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz quando:

I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Repurtar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no número II, só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez (10) dias. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed.

São Paulo: Rideel, 2009.Código de Processo Civil. p. 275). 137

Art. 927. Aquele que, por ato il ícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. [...] (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel,

2009.Código de Processo Civil. p. 275). Art. 954. A indenização por ofensa a liberdade pessoal consistirá no pagamento de perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar o prejuízo, tem aplicação o disposto no

parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos a liberdade pessoal: I - Cárcere privado;

II - A prisão por queixa ou denúncia falsa e de má – fé; II I- A prisão ilegal. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.Código Civil. p. 186). 138

1.744. A responsabilidade do Juiz será: I – direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente; [...] (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.Código

Civil. p. 229).

52

inciso I, do artigo 133, do CPC de forma literal o Estado não seria acionado nem por

danos causados pelo magistrado em seus atos administrativos 139.

Nos casos de dolo do magistrado o Estado responderá, e, por meio de ação

regressiva, cobrará do magistrado o valor que despendeu. Nesse diapasão, entende

Meirelles140:

Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de ofício, nos expressos termos do art. 133, do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado.

Dispositivos de leis ordinárias (CC/2002, CPC) que prevêem a

responsabilidade do magistrado, não o responsabilizam de forma isolada, apenas

criam um novo caso de responsabilidade do Estado141.

1.4.3 Erro judiciário

A CRFB/88 alcançou direito à indenização por erro judiciário à condição de

garantia fundamental do cidadão ao dispor em seu artigo 5º, LXXV142: “O Estado

indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do

tempo fixado na sentença”.

Entende Meirelles143:

O ato judicial típico, que é a sentença ou a decisão, enseja responsabilidade civil da Fazenda pública, nas hipóteses do art. 5º, LXXV, CF/88. Nos demais casos tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão está suficiente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam.

139

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

798. 140

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 667. 141

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 641. 142

Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Processo

Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 15. 143

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 667.

53

Ensina Araújo144 que apesar do dispositivo constitucional ser elaborado

provavelmente para erro judiciário penal, ele abrange erros em outros ramos do

direito e sintetiza os casos de erro judiciário: dolo do juiz; culpa do juiz (negligência e

imprudência); decisão contrária às provas dos autos ; indução a erro, através de

elementos juntados ou não aos autos; erro na análise das provas, na aplicação do

direito cabível, ou até erro profissional; aparecimento de fatos ou elementos que

venham contradizer ou anular provas relevantes dos autos.

Dias145 ensina que o erro judiciário pode ter origem em múltiplas situações

agrupando-as da seguinte forma: a) dolo do agente julgador, provocando o erro de

forma consciente com objetivo de prejudicar partes ou terceiros; b) culpa do agente

público julgador, imperícia (obtusidade ou despreparo técnico), negligência

(desatenção, desídia), desconhecendo o julgador o direito a ser aplicado no caso ou

interpretando mal ou proferindo decisão sem sustentação no ordenamento jurídico,

leviano na valorização das provas, fazendo com que os fatos da causa fiquem

truncados na decisão, admitindo fatos inexistentes, porque não confortados pelas

provas produzidas, ou considerando inexistentes fatos provados, tudo isso não

fundamentando as decisões, não analisando os argumentos das partes; c) dolo ou

culpa dos agentes auxiliares dos órgãos jurisdicionais, como a autoridade policial, o

escrivão, o oficial de justiça, quando apresentam, no processo, elementos

mentirosos, errôneos, deturpados, deficientes ou falsos, induzindo o agente julgador

a cometer erros; d) surgimento posterior de fatos relevantes e comprovados que

possam contradizer ou anular elementos, que modificam a decisão em sentido

contrário.

Importante trazer o que Dias146 comenta sobre a sua classificação das

modalidades de erro judiciário. Ele afirma que as situações descritas nas

enumerações das letras a, b e c do parágrafo anterior configuram erros judiciários

que acarretam responsabilidade do Estado, eis que causados pelos agentes

públicos escolhidos e nomeados pelo Estado. Porém, na hipótese da letra d há o

erro escusável, se ocorrente no processo civil, desonerando o Estado da obrigação

144

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 807. 145

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 188-189. 146

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .

Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 190-191.

54

indenizatória, porque os fatos posteriormente descobertos não afloram no processo

onde despontou o erro judiciário. Entretanto, na mesma situação retratada na

indicada letra d, retro, fatos e elementos de prova somente descobertos após a

sentença condenatória, que acarretariam a absolvição, se considerados no processo

penal, haverá obrigação reparatória do Estado pelos prejuízos causados, devido ao

princípio da dignidade da pessoa humana.

Relacionado ao erro judiciário penal encontra-se a revisão criminal, instituto

que tem por finalidade atacar erro judiciário penal com sentença transitada em

julgado, previsto nos artigos 621 a 631, do Código de Processo Penal - CPP.

Dispõe o artigo 621, do CPP147:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Necessário mencionar que apesar da revisão criminal estar ligada a erro

judiciário, há entendimentos que ela não é requisito para reconhecimento do mesmo,

ou seja, pode haver responsabilização do Estado por erro judiciário sem existir a

ação de revisão criminal. Neste sentido entende Cahali148:

Na realidade, embora aparentemente restritivo o art. 630 do estatuto processual penal, ao condicionar a responsabilidade indenizatória à revisão criminal, ainda assim prestava-se para determinar essa responsabilidade que teve como causa o erro judiciário decorrente de falha do aparelhamento policial, acolitada pela Justiça, como aconteceu no Caso Naves. De qualquer forma, a ausência de pedido incidente na revisão criminal, ou mesmo a própria inexistência de uma prévia revisão criminal, jamais constituiu óbice para exercício da ação indenizatória por erro judiciário.

Com a ação de revisão criminal tem-se já o direito de pedir indenização ao

Estado por erro judiciário, todavia mesmo sem tal ação como no caso das prisões

147

ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Universitário de Direito. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 425. 148

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:

Revista do Tribunais, 2005. p. 777–778.

55

processuais em que ocorreu erro judiciário há interpretação que já cabe ação de

indenização contra o Estado.

1.4.4 Teoria da Irresponsabilidade

Di Pietro149 ensina que os que refutam a responsabilidade do Estado por

atos jurisdicionais fundamentam-se na alegação da soberania do Poder Judiciário,

na independência dos magistrados no exercício de suas funções, sem temor de

responsabilização, no fato do juiz não ser funcionário público, no desrespeito à coisa

julgada. Ainda, arrolam como fundamento da irresponsabilidade do Estado nos atos

jurisdicionais o fato de não haver lei específica e na falibilidade do magistrado 150.

Também, existe como fundamento para irresponsabilidade do Estado por ato

jurisdicional a afirmação de ser este extensão dos atos do Poder Legislativo. Nesse

sentido, ensina Diniz mencionando Leme151:

A irresponsabilidade do Estado por atos do judiciário é extensão da irresponsabilidade legislativa, porque o órgão judicante, ao sentenciar, indica a lei aplicável ao caso sub judice e a autoridade da res judicata é extensão da autoridade da lei.

Araújo152 afirma que os que defendem a irresponsabilidade do Estado

entendem que a possibilidade de responder regressivamente seria uma “espada” na

cabeça dos juízes, lhes retirando a tranqüilidade e a independência ao julgar.

Sobre o fundamento da soberania do Estado afirma Carvalho Filho 153 “sendo

atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da

própria soberania”.

149

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 606. 150

COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 691. 151

LEME, LINO. Da responsabilidade civil fora do contrato, 1917, p. 102 e 103; DIAS, Aguiar, op. cit.,

v. 2, p. 323; LESSA, Pedro, Do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1915, p. 164 e 165 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 635. 152

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 790. 153

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.515.

56

Ainda, em relação aos que acolhem a teoria da irresponsabilidade

argumentam à soberania no seguinte sentido: “o Poder Judiciário é soberano, pois o

exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei, logo sua atuação não

poderá resultar responsabilidade do Estado” 154.

Assim, excetuando as condenações penais injustas (art. 630, CPP) e atos

dolosos do magistrado (art. 130, CPC), afirma Gasparini 155: “A sentença não pode

propiciar qualquer indenização por eventuais danos que possa acarretar às partes

ou a terceiros, dado que ato da essência da soberania (RDA, 105:217, 114:298)”.

Segundo Diniz156, os que argumentam a favor da irresponsabilidade

baseado na independência, assim, fundamentam:

Os juízes agem com absoluta independência, não sofrendo nenhuma pressão que empate sua autonomia funcional. A irresponsabilidade do Estado por ato jurisdicional decorreria da independência funcional da magistratura, pois, se assim não fosse o órgão judicante poderia se atemorizar ao prolatar sentenças [...].

Ainda, admitir-se a responsabilidade do Estado por dano decorrente de

sentença, estar-se-ia infringindo a regra da imutabilidade da coisa julgada. Esta tem

em seu teor uma presunção de verdade que não admite contestação157.

Diante do exposto, conclui-se que há doutrinadores que argumentam pela

irresponsabilidade do Estado nos atos jurisdicionais.

1.4.5 Teoria da Responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais

Os fundamentos da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais são

desmontados um a um por aqueles que entendem cabível a responsabilidade.

Há uma corrente que postula que a soberania do Judiciário não é

fundamento para irresponsabilidade do Estado. Nesse sentido Coelho158:

154

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 634. 155

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 975. 156

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 634. 157

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,

2007. p. 606.

57

Os argumentos da soberania não procedem. Com efeito, os Poderes, conquanto independentes, não são soberanos, não exercem a soberania incontrastável, mas encontram limites nas competências constitucionais. A soberania, lembre-se, é atributo do Estado na perspectiva do direito internacional e do direito interno, e não pode ser confundida com atuação arbitrária, ilegal, inconstitucional dos Poderes. A admitir essa estranha tese, como às vezes o fez o Supremo Tribunal Federal, não seria o caso de argüir se soberanos também não seriam os poderes Executivo e Legislativo? Por que só os atos do Poder Judiciário seriam insuscetíveis de gerar reparação a pretexto de sua soberania? Acaso os demais Poderes não seriam também soberanos? [...] Não a de confundir independência com soberania. E nenhum exercício da soberania pode sobrepor-se a Constituição da República.

A independência dos poderes não exclui a responsabilidade do Estado por

atos do Poder Judiciário. Justifica Di Pietro159: “[...] porque se trata de atributo

inerente a cada um dos Poderes. O mesmo temor de causar o dano poderia

pressionar o Executivo e Legislativo”.

Ainda, a responsabilidade é do Estado e não do juiz. Portanto, a

independência do magistrado estaria assegurada. Nesse diapasão, aduz Diniz160:

A independência da magistratura não é argumento viável para afirmar a irresponsabilidade do Estado, pois é precisamente porque a responsabilidade seria do Estado e não do Juiz que a independência deste estaria assegurada. Não há oposição entre a independência do Juiz e a responsabilidade estatal, uma vez que esta não atinge, de modo algum, a independência funcional do magistrado.

Em relação ao fundamento do juiz não ser funcionário público entende Di

Pietro161:

Quanto não ser o juiz funcionário público, o argumento não é aceitável no direito brasileiro, em que ele ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria profissional. Ainda que se entendesse ser ele agente político, seria abrangido pela norma do artigo 37,§ 6º, da Constituição Federal que emprega precisamente o vocábulo agente para abranger todas as categorias de pessoas que, a qualquer título prestam serviços ao Estado.

158

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,

2004. p. 438. 159

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 628. 160

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7. p. 636. 161

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 628.

58

É uma das prerrogativas do Poder Público “dizer o Direito”, ou seja, aplicar

contenciosamente a lei ao caso concreto, o que o Estado faz, em nosso regime

constitucional, através do Poder Judiciário. Assim, o magistrado, ao exercer sua

função, estará desempenhando atividade de competência privativa do Estado,

aplicando a lei a casos particulares, além das atividades administrativas que exerce.

É o juiz, portanto, agente público, e só isso bastaria na redação do § 6º, do artigo 37,

da CRFB/88 para configurar a responsabilidade do Estado pelo serviço público

judiciário162.

Quanto à ofensa a coisa julgada, ensina Di Pietro163 que uma coisa é admitir

a coisa julgada, outra é responsabilizar o Estado, o que se pretende é uma

indenização e não que a coisa julgada seja modificada, assim dispondo:

Com efeito, o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes, a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência do erro judiciário.

A falibilidade dos juízes não pode ser argumento para o Estado não ser

responsabilizado. Se os juízes erram é porque são seres humanos. Caso a

falibilidade fosse argumento, qualquer outra pessoa (até mesmo outro agente

público) poderia causar dano e não responder civilmente 164.

O argumento de ausência de lei específica dispondo sobre a

responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais não merece prosperar com

suporte de que existem normas convergentes no sentido de conferir tal

responsabilidade. A começar pelo § 6º, do artigo 37, da CRFB/88 que dispõe sobre a

responsabilidade do Estado, independentemente, do exercício de qual função.

Ainda, há fulcro para a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais nos

162

ARAÚJO, Edmir netto de. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 791. 163

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 629. 164

COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito

Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 693.

59

dispositivos: incisos LXXV e LXXVIII, artigo 5º, da CRFB/88; artigo 133 do CPC;

artigo 630 do CPP; artigo 1744 do CC/2002165.

Diante do analisado acima, conclui-se que tanto há fundamentos para a

irresponsabilidade do Estado quanto para a responsabilidade do Estado por atos

jurisdicionais. Uma coisa é certa, ou seja, caberá responsabilidade do Estado por

atos jurisdicionais com fulcro no art. 5º, LXXV, CF/88.

Assim, no capítulo seguinte, tratar-se-á das modalidades de prisões

processuais e os fundamentos para sua decretação. Com a finalidade de saber

quando as prisões cautelares, advindas de atos judiciais ou judiciários, desrespeitam

princípios, pressupostos e/ou fundamentos. Para, enfim, concluir em que casos as

prisões cautelares poderão acarretar a responsabilidade do Estado.

165

COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito

Administrativo. São Paulo: NDJ Ltda. Ano XXIV, nº 6, junho 2008. p. 693.

60

2 PRISÃO CAUTELAR

Neste capítulo, trar-se-ão considerações gerais relativas às prisões

processuais. Para um melhor entendimento da pesquisa ora realizada, é importante

destacar o conceito de prisão cautelar, diferenciando-a da prisão-pena.

Posteriormente, abordar-se-ão as modalidades de prisões processuais e suas

peculiaridades. Bem como, os princípios, os pressupostos e os fundamentos dessas

prisões.

Inicia-se o presente capítulo com os princípios relacionados às prisões

cautelares, pelo motivo de eles serem normas basilares que regem todo o

ordenamento jurídico.

As prisões processuais objetivam auxiliar o curso do processo penal para

uma aplicação da pena ao final. Tanto no curso, quanto ao final do processo, devem

ser observados os princípios, evitando-se prisões arbitrárias.

Os princípios pelo motivo de serem normas basilares que regem todo

ordenamento são de fundamental importância para saber em que momento uma

prisão processual é necessária. Não adianta respeitar os requisitos de uma medida

cautelar e se esquecer dos princípios.

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS PRISÕES

CAUTELARES

2.1.1 Da dignidade da pessoa humana

Esse princípio é previsto na CRFB/88, em seu artigo 1º, inciso III. A

dignidade da pessoa humana pressupõe a ocorrência de respeito à existência, à

vida e à integridade física do ser humano, como condições mínimas. Bem como,

devem ser resguardadas a intimidade e a identidade do indivíduo, com a garantia da

igualdade para outrem, sem que se possa excluir também sua condição psicofísica.

61

A dignidade é um predicado inerente à condição do homem, uma condição essencial

à sua auto-estima, ao respeito por parte de outrem, uma qualidade que é

absolutamente fundamental ao gozo pleno da vida 166.

O princípio da dignidade da pessoa humana origina-se do direito à vida

protegido constitucionalmente, pois o direito à vida deve ser assegurado na acepção

do direito de continuar vivo e ter vida digna167.

Sendo fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da

pessoa serve como objetivo e limite da ação dos poderes estatais. Nesse sentido,

ensina Dalabrida168:

Reconhecida expressamente como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, inc. III), a dignidade da pessoa humana passa a funcionar simultaneamente como objetivo e limite da ação dos poderes estatais, reclamando que toda ordem de intervenção, notadamente no campo penal, preserve a dignidade existente, respeitando a integridade física, corporal, moral [...].

Sobre a dignidade da pessoa humana, Peixinho, Guerra e Nascimento

Filho169 aduzem que é a base de todo o ordenamento jurídico, in verbis:

A dignidade da pessoa humana é o princípio que perpassa todo o ordenamento constitucional. Tudo o que se expressa constitucionalmente tem por fundamento a dignidade da pessoa humana. Esta se exprime a partir do momento em que são garantidas condições de vida digna para todos os cidadãos, aberto os canais de participação da cidadania nos assuntos públicos e conferidos condições para que se exerça em graus cada vez maiores a potencia criativa, através de um processo de liberação e autodeterminação do ser humano.

Também no sentido que a dignidade é um princípio basilar do ordenamento,

ensina Dalabrida170 que o direito à vida, à liberdade e à igualdade correspondem

diretamente as exigências mais elementares da dignidade humana. Assim, ela

constitui num valor guia não apenas dos direitos fundamentais, mas também de toda

ordem constitucional.

166

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 38. 167

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo: Atlas,

2006. p. 31. 168

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 68. 169

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 468. 170

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 71.

62

Quanto à dignidade da pessoa humana ligada ao processo penal,

Dalabrida171 aduz:

Ligado diretamente ao campo processual penal e ao foco da investigação, o princípio da dignidade da Pessoa Humana obriga que toda e qualquer intervenção estatal cautelar constritiva da liberdade pessoal somente se concretize quando absolutamente inexistentes alternativas menos danosas e ultrajantes ao indivíduo e, mesmo quando imprescindível, opere-se de modo a preservar a condição do homem como pessoa, livre de atentados à sua integridade física, corporal, à sua imagem e todos os demais efeitos deletérios de uma prisionização prematura.

Martins172 afirma que o princípio da dignidade abrange diversas áreas do

direito, no processo penal, a repercussão impõe que o acusado deixa de ser um

objeto de direito para ser um sujeito, sendo-lhe garantidos direitos como a prova e

contraprova, ampla defesa e:

Também lhe garante o Direito de não vir a ser preso sem que tenha sido surpreendido em flagrante delito ou ausente ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ou ainda, quando inexistente condenação criminal à pena privativa de liberdade, transitada em julgado.

Pelas definições, conclui-se que a dignidade da pessoa humana é o princípio

raiz de todo ordenamento jurídico. Desse princípio originam-se todas as garantias e

direitos do ser humano, principalmente, no direito processual penal, impondo, então,

um limite ao poder estatal – ou seja, o Estado pode exercer sua soberania deste que

respeite os direitos (vida, honra, dignidade) de cada cidadão. Assim, por tal princípio

incabível restringir a liberdade sem fundamento, pois tal restrição violaria a

dignidade da pessoa humana.

2.1.2 Do Estado de inocência – não culpabilidade

Dispõe o inciso LVII, do artigo 5º, da CRFB/88 173, que: “ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

171

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 69. 172

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 42. 173

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal. p. 28.

63

Com essa disposição origina-se no ordenamento brasileiro o princípio conhecido

como da presunção da inocência.

Tal princípio originou-se devido a conquistas do homem com as idéias

iluministas, na Revolução Francesa, que lutaram por liberdade, democracia e

valores fundamentais do ser humano. Antes, imperava no processo penal uma

estrutura inquisitória. Sobre tal estrutura afirmam Peixinho, Guerra e Nascimento

Filho174:

Prevalecia, na verdade, uma verdadeira presunção de culpa, onde devia o acusado provar sua inocência. A simples instauração de um processo penal já era suficiente para tratar o acusado como culpado e este deveria, ao longo do processo lutar de forma desigual, para se ver livre das sanções já impostas. E esta tarefa revelava-se extremamente árdua, uma vez que ele próprio além de defender-se sozinho, não tinha conhecimento do conteúdo das acusações nem das provas apresentadas contra ele [...] Em relação a apreciação da prova prevalecia de forma plena o livre convencimento do julgador. Este expressava seu convencimento na sentença, mas não tinha obrigação de expor as razões que levaram-no a impor a condenação ao réu.

Ainda, ensinam os mesmos doutrinadores175 que com o Iluminismo:

“Substituiu-se, então, o favor societate pelo favor rei da mesma forma que a

presunção de culpa perdeu lugar para a presunção de inocência”.

Todavia, mesmo com a Revolução Francesa, o princípio sofreu forte repulsa,

sendo considerado uma “fórmula vazia, absurda e ilógica”. Essa concepção acabou

influenciando o CPP, ainda vigente, que permaneceu com ação repressiva 176.

Repudiando o princípio da presunção de inocência existiam críticas da

escola positivista e da escola técnico jurídica, e na defesa do princípio havia a teoria

da escola liberal clássica. Manzini, Bettioo, críticos de tal princípio, entendiam a

presunção como uma probabilidade baseada no que geralmente ocorre, e que,

quando alguém é acusado, as estatísticas de condenação são maiores do que de

uma absolvição. Haveria, assim, uma presunção de culpa. Também críticos, da

escola técnico jurídico, como Mortara, defendiam que o CPP é um sistema de

174

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 408. 175

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 409. 176

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba:

Juruá, 2004. p. 71.

64

defesa social – interesse público de punição do acusado - não cabendo princípio da

presunção de inocência no ordenamento jurídico177.

Ainda quanto aos precedentes históricos, ensina Bonfim178:

O princípio se positiva pela primeira vez no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 26. 8. 1789), inspirado na razão iluminista (Voltaire, Rousseau etc.). Posteriormente, foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (22.5.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembléia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).

Afirmam Peixinho, Guerra e Nascimento Filho 179 que tal princípio foi motivo

de preocupação em dois momentos, um na Revolução Francesa e outro depois da

segunda guerra mundial. Sendo previsto no Pacto Internacional relativos aos direitos

civis e políticos, adaptado pela Organização das Nações Unidas em 1966, e, em

1968, pela Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da

Costa Rica, aprovada em 1969, ratificada pelo Brasil, também prevê o princípio do

estado de inocência180.

Quanto ao termo presunção de inocência, na CRFB/88 não há presunção,

mas sim afirmação da inocência, ao garantir que ninguém pode ser considerado

culpado até o trânsito em julgado antes da sentença condenatória. O princípio

presunção de inocência recebeu tratamento distinto na CRFB/88. Porquanto, com

efeito, não se fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela,

como valor normativo a ser considerado em todas as fases da persecução penal,

abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré - processual) quanto a fase

processual propriamente dita (ação penal)181.

Nesse diapasão, ensina Bonfim182:

177

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 409. 178

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44. 179

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os

princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 410. 180

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 72. 181

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 415. 182

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 45.

65

Sustenta a boa doutrina que a expressão “presunção de inocência” é de utilização vulgar, já que não é tecnicamente correta. É verdade. Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico – dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente deste liame entre ambos. No caso, o que se tem mais propriamente é a consagração de um princípio de não culpabilidade, até porque a Constituição Federal (art. 5º, LVII), não afirma presumir uma inocência, mas sim garantir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Assim, o princípio em questão alberga uma garantia constitucional, referindo-se, pois a um “estado de inocência” ou de “não culpabilidade”: vale dizer, ninguém pode ser reputado culpado até que transite em julgado sentença penal condenatória.

No sentido de que a denominação correta seria princípio da não

culpabilidade, ensina Mirabete183 que a CRFB/88 em seu dispositivo não “presume”

a inocência, apenas afirma que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do

processo, e seu estado só se modifica com uma sentença final condenatória. Para o

doutrinador, com a idéia de Carlos J. Rubianes há uma presunção de culpabilidade

ao se instaurar a ação penal, pois se não tira a inocência a coloca em dúvida, e,

diante disso, afirma que as prisões cautelares não infringem tal princípio.

Peixinho, Guerra e Nascimento Filho184 interpretam o termo presunção como

um raciocínio indutivo assente na idéia de probabilidade, ou seja, presume-se algo

que tenha possibilidade de acontecer e afirmam que: “Assim, a antecipação de uma

consideração final de inocência é o expediente prático para garantir o maior número

de direitos fundamentais possíveis ao réu”.

O princípio da presunção de inocência não deve ser interpretado

literalmente, pois se fosse ninguém poderia ser processado. A finalidade de referido

princípio é que nenhuma pena possa ser imposta antecipadamente . Ensina Tourinho

Filho185:

Contudo a expressão presunção de inocência não deve ter seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado – mas no sentido em que foi concebido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1989: nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. E a melhor doutrina acrescenta: a prisão antecipada se justifica como providência exclusivamente cautelar, vale dizer, para impedir que a

183

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23. 184

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 412. 185

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. 29. ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 62.

66

instrução criminal seja perturbada, ou, então, para assegurar a efetivação da pena.

Assim, a presunção de inocência impede de dizer que alguém é culpado, e

contra ele aplicar a sanção antecipadamente, sem que se tenha percorrido todo o

iter necessário para a sua declaração, por intermédio do processo-crime com

garantias constitucionais, culminando com a prolação da sentença criminal

condenatória transitada em julgado186.

Há duas vertentes básicas para o significado de presunção de inocência

como garantia constitucional uma, norteia o legislador para elaboração de normas

que lidem com o tratamento processual de um acusado, evitando que surjam leis

que desprezem o estado de inocência do acusado; e a outra, orienta o processo

penal no sentido de que a presunção de inocência acompanha o acusado em todo

trâmite do processo penal187.

Em relação à finalidade de tal princípio, ensina Dalabrida188:

Nascido para dar cobro ao uso indiscriminado de medidas odiosas contra a pessoa do acusado, inclusive com o emprego da tortura, e em reação a um sistema processual fundado nas provas legais, da própria fórmula anunciada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é possível entrever o dublo significado do princípio: a) desobrigar o acusado do fornecimento de provas da sua inocência; b) impedir a adoção de medidas constritivas da liberdade pessoal do acusado antes do reconhecimento da sua culpabilidade, salvo hipóteses de absoluta necessidade.

Apresentados os dois objetivos do princípio do estado de inocência. Afirma

Bonfim189, com base no doutrinador Manuel Jaén Vallejo, que o princípio vai se

referir aos fatos, pois será ônus da acusação demonstrar a ocorrência do delito e

sua autoria, e, ainda, sobre o segundo objetivo ensina que decorre a

excepcionalidade de qualquer modalidade de prisão processual.

Mirabete 190 entende que decorrem de tal princípio:

186

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 49. 187

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 411. 188

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 71. 189

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 46. 190

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 24.

67

Em decorrência do princípio do estado de inocência deve-se concluir que: (a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever de provar sua inocência, cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para condenar o acusado o juiz deve ter convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in dúbio pro reo).

Em relação ao ônus da prova, advindo do princípio do estado de inocência,

ensina Moraes191: “Dessa forma, há necessidade de o Estado comprovar a

culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena

de voltarmos ao total arbítrio estatal”.

O princípio in dubio pro reo decorre do princípio do estado de inocência.

Neste sentido, Peixinho, Guerra e Nascimento Filho 192:

Desta forma, se depois de toda prova colhida, não possa ser subtraída a dúvida razoável e como o princípio da investigação impõe que o julgador reúna todas as provas necessárias a se chegar uma decisão, esta não pode vir a condenar o réu, à luz da presunção de inocência. Caso contrário teríamos um ônus da prova a cargo do acusado, que, não provando a sua inocência seria condenado. Teríamos então uma verdadeira presunção de culpa reinando no processo. Poderíamos dizer, dessa forma, que o in dubio pro reo encontra respaldo na isenção de qualquer ônus de prova para o acusado, ou seja, na presunção de inocência.

O princípio da presunção de inocência adveio da opção garantista a favor

da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que isso acarrete a impunidade de

algum culpado193.

Logo, com o princípio da presunção de inocência afastaram-se as prisões

antecipadas que tinham por finalidade uma aplicação da pena, presentes num

processo penal de estrutura inquisitória, em que bastava a simples acusação para

que fosse decretada a prisão processual194.

Conclui-se que, a denominação presunção de inocência, acarreta críticas se

seria adequado o vocábulo presunção, este pode ser interpretado de diversas

191

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo:Atlas,

2006. p. 103. 192

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 418. 193

FERRAJOLI, Luigi apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 75 194

PEIXINHO, Messias Manoel; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os

princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 419.

68

maneiras: entende-se pela palavra que seria uma operação lógico – dedutiva,

ligando um fato provado (um indício) a outro a ser provado; em segundo sentido,

interpreta-se que seria uma probabilidade de o acusado ser inocente ao final do

trâmite processual. Todavia, independente de qual semântica se queira adotar a

CRFB/88 não presume, ela afirma que ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado. Então, a CRFB/88 tutela um estado de não culpabilidade.

Durante todo o trâmite processual, mesmo sendo acusado, o denunciado ou

querelado tem status de inocente, devendo seus direitos e garantias serem

respeitados, tanto pelo legislador ao criar leis, quanto pelos juristas no trâmite do

processo, e até mesmo pelos agentes prisionais na fase inquisitória. Como

conseqüência disso, impossível aplicar-se uma pena com caráter punitivo se não foi

prolatada uma sentença condenatória. Assim, a prisão preventiva passou a ter

caráter, realmente, cautelar, servindo para instrução e trâmite do processo, como

uma medida excepcional.

2.1.3 Do direito à liberdade

O texto constitucional em seu dispositivo 5º, caput, CRFB/88195 garante aos

brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, entre outros direitos, o direito à

liberdade.

O direito à liberdade pode ser interpretado por diversas vertentes, como

liberdade de crença (inciso VI, artigo 5º, CRFB/88), liberdade da atividade

profissional (inciso XIII, artigo 5º, CRFB/88), liberdade do pensamento (inciso IV,

artigo 5º, CRFB/88), liberdade de reunião (inciso XVI, artigo 5º, CRFB/88), liberdade

de expressão (inciso IX, artigo 5º, CRFB/88), liberdade de associação ( inciso XVII,

artigo 5º, CRFB/88). Em relação às prisões cautelares destaca-se a liberdade de

locomoção, prevista no inciso XV, artigo 5º, CRFB/88 196 da seguinte forma: “é livre a

195

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade [...].Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Consti tuição Federal. p. 24. 196

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal .p. 26.

69

locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos

termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Moraes197 conclui que o dispositivo supramencionado engloba quatro

situações: direito de acesso e ingresso no território nacional, direito de saída do

território nacional, direito de permanência no território nacional e direito de

deslocamento no território nacional.

Quanto à interpretação de tal dispositivo, ensina Rangel198:

Tratando-se de normas restritivas de um direito qual seja o direito constitucional de liberdade de locomoção (cf. art. 5 º, XV, da CRFB) a interpretação deve ser estrita. Em outras palavras, não há que se estender seu alcance nem restringi-lo, muito menos admitir-se a analogia, salvo se esta for in bonam partem. [...] Trata-se da adoção, no campo das liberdades públicas, do princípio da proibição do excesso, ou seja, uma limitação preventiva feita aos poderes públicos quando se tratar de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais, embasando, assim, o Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, as medidas inerentes ao poder de polícia do Estado são as previstas em lei (devido processo legal), não sendo utilizadas além do estritamente necessário.

A liberdade é um atributo do indivíduo, um direito assegurado ao ser humano

em sua essência. Pode, no entanto, vir a ser cerceada em condições

especialíssimas, desde que seja fundamentada nas razões legais, previamente

definidas, que justifique a restrição199.

A liberdade pessoal, considerada em stricto sensu, como direito de liberdade

de locomoção, antes mesmo de ser reconhecida como um direito institucional, já era

tida como direito natural do homem. O homem em sua essência é habituado a viver

livre e com plena autonomia das suas faculdades para satisfazer da forma como

melhor lhe aprouver às necessidades do espírito e de seu próprio ser. Todavia, a

vida em sociedade impõe determinadas regras de convívio, muitas vezes, limitando

a liberdade, com a finalidade maior de manutenção do equilíbrio do corpo social e o

respeito ao direito do outro. O ser humano pode tornar-se um desagregador dos

interesses e da paz social por meio de ações, que não podem passar

197

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. atual. até EC 48/05. São Paulo:Atlas, 2006. p. 112. 198

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 588. 199

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito

Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 44.

70

despercebidas, merecendo a repulsa da comunidade que deve valer-se dos mais

diversos meios para que seja mantida a ordem.

Assim é que, reconhecendo ser a liberdade pessoal antes de tudo um direito

natural e intangível do indivíduo, ao longo do desenvolvimento da humanidade e da

ciência jurídica, essa noção foi-se fortalecendo e hoje a liberdade da pessoa

humana ganhou total proteção do Estado200.

A liberdade de locomoção consiste no fundamento e o fim da atuação do

Estado. Afirma Dalabrida201:

Apresenta-se, pois, como um postulado fundamental do Estado Democrático de Direito, cuja a restrição só poderá ser admitida legitimamente em situações excepcionais. [...] Segue-se assim que toda e qualquer medida constritiva da liberdade, e, em especial, as de cunho jurídico penal, visto que são as que mais gravemente a oneram, somente pode ser admitida e tolerada quando sirvam a afirmação da própria liberdade mesma. Quer isso significar que a liberdade é a um só tempo o fundamento e o fim da potestade punitiva.

Assim, pela perspectiva constitucional, a regra é a liberdade. Ela só pode ser

excepcionada se, em decisão fundamentada pela autoridade judiciária competente,

forem demonstradas as razões fáticas e legais da necessidade, proporcionalidade e

utilidade, e, outrossim, a finalidade processual que toda medida cautelar deve

possuir, principalmente, as prisões processuais no processo penal202.

Conclui-se que a CRFB/88 garante aos indivíduos liberdades, dentre elas, a

liberdade de locomoção. A regra é que o indivíduo possa livremente utilizar de seu

direito de ir e vir, movimentar-se. Só em casos previstos na lei o Estado pode

restringir tal direito de forma temporária e justificada, não excluí-lo ou eliminá-lo.

Uma vez que, a liberdade é um atributo do ser humano, sendo inerente ao homem.

Diante do exposto, há mais um fundamento que obriga a excepcionalidade das

prisões cautelares.

200

QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 11. 201

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 68. 202

FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência : Parte Processual Penal (arts. 251 a 393). v. 3. 2. ed.

rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 783

71

2.1.4 Da obrigatoriedade da persecução penal

A expressão latina jus puniendi significa direito de punir203. Pela

obrigatoriedade da persecução penal o Estado não tem só o direito de punir, mas

também o dever de punir. Diante de um crime de ação penal pública incondicionada

a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial e o Ministério Público

promover a ação penal.

Nesse sentido, ensina Mirabete204 que pelo princípio da obrigatoriedade o

Estado é obrigado a exercer o jus puniendi:

Por ser praticamente indispensável que os delitos não fiquem impunes (nec delict meneant impunita), no momento em que ocorre a infração penal é necessário que o Estado promova o jus puniendi, sem que se conceda aos órgãos encarregados da perseguição penal poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade de apresentar sua pretensão punitiva ao Estado – Juiz. O princípio da obrigatoriedade (ou da legalidade) que vigora entre nós obriga a autoridade policial a instaurar o inquérito policial e o órgão do Ministério Público a promover a ação penal quando da ocorrência da prática de crime que se apure mediante ação penal pública (arts. 5º, 6º e 24, CPP). [...].

Assim, o Estado não tem opção se deve punir ou não, ele tem o dever. O

princípio da obrigatoriedade da ação penal pública não é uma escolha arbit rária do

legislador, mas está inserido dentro de um contexto democrático, na qual o

funcionário do Estado não é dado dispor do interesse coletivo205.

Com finalidade de regular as relações entre as pessoas e o bem estar social

– originou-se o direito imposto pelo Estado, e esse soberano, porque se não o fosse

não teria legitimidade para impor aos particulares sua vontade. A soberania Estatal

adveio da reunião de um pouco de cada poder que tinha um particular, assim, os

particulares admitiram restrição aos seus direitos em prol da coletividade, pois o

Estado representa a sociedade206.

203

LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de Expressões Latinas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 166. 204

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 27. 205

JARDIM, Alfrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 76. 206

BECCARIA. Cessari. Dos delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2006. Tradução:

Torrieri Guimarães. p. 20.

72

Aduz Capez207 que, a partir do momento que o homem começou a viver em

sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer um controle, solucionando

interesses antagônicos, de forma imparcial e realizado ideais coletivos, sem tal

controle, seria o caos, pois cada um faria o que lhe achasse direito não respeitando

o dos outros, diante disso, origina-se o direito que é imposto pelo Estado.

Logo, originou-se o direito-dever de punir do Estado visando a proteção da

sociedade. Nesse sentido, Streck208 afirma que o dever de proteção estatal não

somente vale no sentido clássico (proteção negativa) como limite do sistema

punitivo, mas também, no sentido de uma proteção positiva por parte do Estado,

sendo a tarefa do Estado defender a sociedade. O direito penal tutela o indivíduo de

uma repressão desmesurada do Estado e protege, igualmente, a sociedade e os

seus membros dos abusos do indivíduo. São os dois componentes do direito penal:

a) o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual; e b) o

correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social, mesmo à custa

da liberdade do indivíduo. Tem-se, assim, a proteção positiva e a proteção contra

omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso

do Estado, como também por deficiência na proteção. Pois bem, isso significa

afirmar e admitir que a CRFB/88 determina – explícita ou implicitamente – que a

proteção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas: por um lado,

protege o cidadão frente ao Estado; por outro, protege-o por meio do direito punitivo

do Estado, uma vez que o cidadão também tem o direito de ver seus direitos

fundamentais tutelados.

Tourinho Filho209 ao mencionar Bustamante afirma:

Nota muito bem Gonzáles Bustamante que o jus puniendi equivale à legítima defesa que se reconhece aos particulares. A sociedade tem o direito de defender-se, adotando contra qualquer pessoa que ponha em perigo sua tranqüilidade as medidas preventivas e repressivas que sejam condizentes (Princípios de derecho penal mexicano, Porrúa, p. 3).

Quando se lesa ou põe em perigo o direito que interessa à própria

sociedade, o Estado, cuja finalidade é conseguir o bem comum, investido por isso no

207

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 4. 208

STRECK, Lenio. O dever de proteção do Estado (schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos

fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”?. Lenio Streck. Disponível em: < www.leniostreck.com.br>. Acesso em: 09/12/2008 209

BUSTAMANTE, Gonzales apud TOURINHO FILHO, Fernado da Costa. Processo Penal. v.1.29

ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 10.

73

direito de punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator. O direito

penal, em sentido objetivo, é o conjunto de normas que descrevem os delitos e

estabelecem as sanções, e, em sentido subjetivo, o direito de punir do Estado.

Definindo abstratamente os fatos que devem ser considerados como infrações

penais e cominando para seus autores as sanções correspondentes, estabelece o

Estado os limites do jus puniendi em um plano abstrato. No momento, porém, em

que alguém prática um fato previsto na lei penal, o jus puniendi do plano abstrato

passa ao concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao infrator.

O jus puniendi, portanto, pode ser definido como o direito – dever que tem o Estado

de aplicar a pena cominada aquele que infringiu a norma210.

No momento em que o Estado proibiu a vingança privada, assumiu o dever

de prestar jurisdição, monopolizando esta atividade pública. Percebeu-se em

determinado momento histórico, que ao Estado deve caber o combate à

criminalidade, seja preventiva, seja repressivamente. O Estado tem o dever de punir.

Entretanto, valores socialmente relevantes determinam que o ius puniendi do Estado

não se realize ou concretize administrativamente. Aqui, percebe-se o duplo aspecto

do Estado de Direito: o poder público tem que agir, mas sua atividade está também

vinculada ou disciplinada pela ordem jurídica [...]211.

Assim, o Estado ao exercer o direito de punir, não o faz por simples

atividade administrativa, mas sim por meio do processo, respeitando direitos, como

contraditório e ampla defesa.

Nesse sentido ensina Tourinho Filho212:

O Estado é titular único e exclusivo do direito de punir. Poderia reprimir os delitos pelos seus órgãos administrativos, ou pelos seus Juízes, como acontecia no processo inquisitivo, mas, como ninguém suportaria viver num Estado em que o titular do direito de punir pudesse exercê-lo desenfreadamente, ele autolimitou o seu poder repressivo, preferindo, tal como se dá no nível cível, o uso das vias judiciárias para julgar o seu interesse na repressão, e, ao mesmo tempo, tutelando o direito de liberdade, exigindo a pariedade de armas, o contraditório e a ampla defesa, não admitindo que o autor da conduta punível se submeta à pena sem reação, criou um verdadeiro processo de partes. Sua pretensão punitiva, nascida no instante mesmo em que se verifica a infração, deve ser resistida. [...].

210

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 04. 211

JARDIM, Alfrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 76. 212

TOURINHO FILHO, Fernado da Costa. Processo Penal. v.1. 29 ed. rev. e atual .São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 11.

74

O instrumento utilizado pelo Estado para exercer o jus puniendi é o

processo, voltado para o descobrimento da verdade acerca dos fatos, e, ao mesmo

tempo, proporciona garantias ao acusado para defender-se213.

Praticado um fato que, aparentemente, constitui um ilícito penal, surge o

conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do

acusado. Esse conflito não pode ser resolvido pela auto-defesa, tampouco se pode

empregar a auto-composição, tal solução exerce-se através da função jurisdicional

do Estado – o processo214.

Ensina Jardim215:

[...] o Estado deve pôr-se em atividade persecutória sempre que uma conduta penalmente típica seja praticada, postulando judicialmente a pretensão punitiva do seu autor. O Estado de Direito não deve ficar inerte em situação como esta, mas deve agir em busca da verdade de forma segura para atingir a desejada justiça, sendo o processo penal acusatório o instrumento adequado para o fim cominado.

O jus puniendi atribuído ao Estado é uma forma de regular as relações entre

os homens podendo atingir direitos fundamentais do homem. Contudo, referido

direito-dever de punir tem limites - a lei, devendo existir um equilíbrio entre o Estado

e o acusado, de modo a não permitir que a pessoa jurídica pública, por qualquer de

seus agentes, venha agir de modo arbitrário ou em condição de superioridade.

Assim, deve haver um embate entre o bem comum e o interesse individual, para

prevenir ou remediar abuso ou excesso de poder216.

Mirabete217 também entende que o jus puniendi é limitado pela lei:

Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado nos países civilizados pelo princípio de reserva legal e, no Brasil, é previsto na Constituição Federal de 1988: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX).

O jus puniendi é o direito - dever de punir e esse, mediante a um acordo de

vontades, pertence ao Estado. Assim, os indivíduos, com finalidade do bem estar

social, consentiram a restrição de determinados direitos seus em prol da

213

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 6. 214

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 06. 215

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 82. 216

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 48-49. 217

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 04.

75

coletividade. Deve o Estado perseguir e punir o infrator da norma. O Estado exerce

o seu direito de punir por meio do processo e tem como limite a lei, visto que através

do jus puniendi pode-se restringir direitos individuais e tal restrição não se pode

ocorrer de forma arbitrária. Então, uma prisão cautelar, um dos instrumentos, muitas

vezes, necessário à aplicação do jus puniendi, deve ser fundamentada.

2.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE PRISÃO

Tendo em vista a possibilidade da ocorrência no ordenamento brasileiro de

prisões processuais, necessário, para âmbito deste trabalho, a definição de prisão e

de prisão processual, destacando-se a diferença desta da prisão - pena. Estudar-se-

ão quais as modalidades de prisões processuais vigentes na legislação brasileira.

Como demonstrado no item 2.1 do presente capítulo a prisão cautelar

devido aos princípios constitucionais é uma exceção. Assim, mencionar-se-á os

requisitos e pressupostos mínimos para decretação de uma prisão no curso do

processo penal, antes de uma sentença condenatória transitada em julgado.

A prisão, independentemente se processual ou penal, é uma antítese da

liberdade, consiste na privação dos movimentos do indivíduo, no desrespeito ao

direito de ir e vir, fazer o que lhe aprouver, sendo recolhido por decisão estatal, justa

ou injusta218.

Tourinho Filho219 conceitua prisão da seguinte forma:

Em princípio, prisão é a supressão da liberdade individual, mediante clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir, e, tendo em vista a denominada prisão-albergue, podemos definir a prisão como a privação, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatória. Esse conceito abrange as duas espécies de prisão: a prisão como pena, ou prisão – sanção, isto é, a decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível, utilizada como meio de repressão aos crimes e contravenções, e a prisão sem caráter de pena, também conhecida sob denominação genérica prisão sem pena.

218

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 67. 219

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 392.

76

O termo prisão pode apresentar vários significados. No sentido jurídico, é a

privação da liberdade de locomoção. Nesse diapasão, afirma Mirabete 220:

A prisão, em sentido jurídico, é a privação de liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo ilícito ou por ordem legal. Entretanto o termo tem significado vários no direito pátrio, pois pode significar a pena privativa de liberdade (“prisão simples” para o autor de contravenções, “prisão” para crimes militares, além de sinônimo de “reclusão” e “detenção”), o ato da captura (prisão em flagrante ou em cumprimento de mandado) e a custódia (recolhimento da pessoa ao cárcere). Assim, embora seja tradição no direito objetivo o uso da palavra em todos os seus sentidos, nada impede se utilize os termos captura e custódia, com os significados mencionados em substituição ao termo prisão. Também se faz distinção das espécies de prisão no direito brasileiro: a prisão-pena (penal) e a prisão sem pena (processual penal, civil, administrativa e disciplinar).

Bonfim221 entende que há duas modalidades de prisão no ordenamento

jurídico brasileiro: a prisão - pena, essa decorrente da sentença condenatória com

pena privativa de liberdade transitada em julgado; e a prisão sem pena dividida em

quatro tipos – prisão civil (devedor de alimentos), prisão administrativa (artigo 319,

CPP), prisão disciplinar (existente no âmbito militar) e prisão processual.

Na esfera deste trabalho, importante saber em que situações é permitida

uma prisão processual. Mirabete222 afirma que a prisão só pode efetuar-se mediante

ordem escrita da autoridade judiciária, todavia ensina que a CRFB/88 prevê

exceções nas hipóteses de flagrante (inciso LXI, artigo 5º), transgressão militar o u

crime propriamente militar (inciso LXI, artigo 5º), prisão durante o Estado de Defesa (

§3 º, inciso I, artigo 136), e do Estado de Sítio (inciso II, artigo 139), além de se

permitir pela lei processual a recaptura do foragido (artigo 684, CPP).

Conclui-se que prisão é a restrição do direito de liberdade de locomoção

imposta a um indivíduo. Quanto às espécies pode ser prisão - pena (punição

advinda de sentença penal condenatória de privação da liberdade) e prisão sem

pena. Esta se dividindo em civil, administrativa, processual, disciplinar. Para o

âmbito deste trabalho dar-se-á importância a uma das modalidades da prisão sem

220

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 221

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 369. 222

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 362.

77

pena, qual seja, a prisão processual. A prisão processual, ainda, apresenta divisões

que serão analisadas adiante.

2.2.1 Prisão-pena

Independentemente da finalidade da pena, a prisão-pena é aquela que se

origina com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória que impõe pena

privativa de liberdade.

Conforme dispõe o CPP223: “Art. 674. Transitando em julgado a sentença

que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser

preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena”.

Com a sentença condenatória transitada em julgado, inicia-se o cumprimento da

pena, que ser for privativa de liberdade culmina com o recolhimento do condenado.

Mirabete224 define a prisão-pena da seguinte forma: “A prisão penal, cuja

finalidade manifesta é repressiva, é a que ocorre após o trânsito em julgado da

sentença condenatória em que se impôs pena privativa de liberdade”.

Tourinho Filho225 ensina que a prisão-pena consiste na execução de uma

sentença imposta pelo Estado ao culpado de uma infração penal, assim, afirmando:

[...] a pena é um castigo: se o cidadão cometeu uma infração penal sujeita a pena privativa de liberdade, proferida sentença condenatória, uma vez transitada em julgado, deverá ele ser segregado, afastado do convívio social, como retribuição pelo mal cometido, e, ao mesmo tempo, serve de intimação a todos os possíveis e futuros infratores da lei penal.

A prisão-pena é, portanto, a restrição da liberdade individual em razão da

aplicação de uma pena ou sanção definitiva ao infrator da lei penal, decorrente do

legítimo exercício do direito punitivo do Estado. Referida prisão tem como premissa

maior a proteção da sociedade, protegendo-a dos transgressores da norma penal, e

223

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Código de Processo Penal. p. 438. 224

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 225

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 392.

78

num segundo plano, tentar a reabilitação e reintegração dos infratores à vida

social226.

Quanto à finalidade da pena em nosso ordenamento jurídico, Nucci227

ensina:

[...] a pena tem vários fins comuns e não excludentes: retribuição e prevenção. Na ótica da prevenção, sem dúvida, há o aspecto preventivo individual positivo, que significa a reeducação ou ressocialização. Uma das importantes metas da execução penal é promover a reintegração do preso à sociedade.

A prisão resultante da sentença penal condenatória transitada em julgado

pode ser advinda de uma pena de reclusão, de detenção, de prisão simples, de

prisão militar, ou de prisão especialíssima de jornalistas. Nesse sentido, afirma

Tourinho Filho228:

A prisão ad poenam, isto é, resultante da sentença penal condenatória, apresenta-se no direito sobre várias formas: a) pena de reclusão e pena de detenção, previstas no CP; b) prisão simples, disciplinada na Lei de Contravenções Penais; c) prisão referida no art. 240 do CPPM; e, finalmente, d) a prisão especialíssima dos jornalistas, de que cuida o parágrafo único do art. 66 da Lei n. 5.250, de 9-2-1967.

Por fim, a prisão-pena é a sanção jurídica penal privativa da liberdade

imposta a um indivíduo que cometeu uma infração, obtendo uma sentença penal

condenatória transitada em julgado, com certeza da materialidade e autoria do

crime. O requisito essencial para existência da prisão-pena é uma sentença

condenatória transitada em julgado.

226

QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 22. 227

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 402. 228

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 393.

79

2.2.2 Prisão processual

2.2.2.1 Conceito e finalidade

A prisão processual, também chamada de provisória, cautelar tem como

principal distinção da prisão pena o fato de ocorrer antes do trânsito em julgado de

uma sentença condenatória, e por sua finalidade, ou seja, por não haver a certeza

da materialidade e autoria, não tem caráter punitivo.

As prisões processuais estão previstas no CPP (prisão em flagrante no

capítulo II, prisão preventiva no capítulo III, ambos do título IX) e na Lei 7290 de 21

de dezembro de 1989 (prisão temporária). Importante destacar que o dispositivo

(parágrafo 1°, artigo 408, do CPP) que previa a prisão advinda da sentença de

pronúncia sofreu alteração pelo parágrafo 3°, artigo 413, da Lei 11689 de 09 de

Julho de 2008229, e, também, a prisão advinda da sentença condenatória recorrível

foi revogada, conforme artigo 3°, da Lei 11719, de 20 de Junho de 2008, que

revogou, entre outros dispositivos do CPP, o artigo 594.

Antes de tais alterações, no que diz respeito à prisão processual penal, a

doutrina identificava cinco modalidades: prisão em flagrante, prisão preventiva,

prisão decorrente de decisão de pronúncia, prisão em virtude de sentença penal

condenatória, prisão temporária230.

Tourinho Filho231 coloca a prisão processual como um dos exemplos da

prisão sem pena, e, assim, a define:

É aquela prisão anterior à condenação [...] nada mais é do que uma execução cautelar de natureza pessoal (em oposição à coerção processual de natureza real – como as buscas e apreensões,

229

Art. 408 - [...] §1º Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias

para sua captura. Ao tratar sobre a sentença de pronúncia dispõe: Art. 413. [...] §3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade de

decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Estudo Comparativo da Reforma do Código de Processo Penal. p. IX). 230

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 370. 231

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 401.

80

seqüestro, arresto etc.) e que se justifica como medida imprescindível para assegurar o império da lei penal.

A prisão provisória é o aprisionamento de uma pessoa antes de se poder

afirmar que é culpada pela prática da infração penal, por ausente decisão a respeito

ou por, ainda, não ter transitado em julgado a sentença condenatória. Consiste

numa medida de prevenção, de acautelamento de uma eventual e futura

condenação, sem representar uma antecipação dos efeitos da sentença, pois não se

sabe qual o resultado final do processo232.

Sobre o conceito e a finalidade da prisão processual ensina Rangel233:

A prisão cautelar é uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando de sua liberdade de locomoção, mesmo sem sentença definitiva. É cediço que a medida cautelar pode recair sobre a coisa (res) v.g., busca e apreensão, seqüestro, arresto, e sobre a pessoa (personae) [...]. A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento, pois, se não for adotada, privando o indivíduo de sua liberdade, mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal. Assim, o caráter da urgência e necessidade informa a prisão cautelar de natureza processual. [...] é bom frisar que o processo cautelar consiste não só em assegurar o processo de conhecimento, mas, também, o processo de execução. [...].

Toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória deve ser

considerada uma prisão provisória e cautelar. Provisória, unicamente, porque não se

trata de prisão pena, também chamada de prisão definitiva, embora se saiba que

não existe prisão por tempo indeterminado (perpétua) no ordenamento jurídico

brasileiro. E cautelar no que se refere à sua função de instrumentalidade, de

acautelamento de determinados e específicos interesses de ordem pública. Assim, a

prisão que não decorra de sentença passada em julgado será, sempre, cautelar e

também provisória234.

232

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 71. 233

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 583. 234

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007. p. 414.

81

A prisão processual, também chamada de provisória em sentido amplo, é a

prisão cautelar que inclui os tipos de prisões existentes no trâmite do processo

penal235.

Afirma Franco et al236 que a prisão cautelar é aquela determinada em caráter

provisório até a sentença penal definitiva (condenatória, absolutória ou extintiva sem

julgamento de mérito) e ensina:

A prisão cautelar, por ter feições não definitivas, já que não é resultado de uma condenação penal transitada em julgado e obtida após um devido processo penal legal, notabiliza-se por ser uma providência excepcional da autoridade judiciária com objetivos unicamente processuais. A prisão cautelar [...] serve, portanto para fins processuais, ou seja, para ser utilizada apenas como instrumento de garantia e proficuidade do processo penal. Não pode ser medida de antecipação e eventual e incerta pena futura, também não serve para dar satisfação a sociedade, à opinião pública e à opinião publicada.

São características da prisão cautelar: a) jurisdicionalidade - por a prisão

cautelar ser restrição de direitos consagrados na Constituição, ela deve ser sempre

fundamentada por decisão judicial da autoridade competente, excepcionalmente,

determinadas medidas podem ser feitas sem ordem judicial, como a prisão em

flagrante, mas depois serão submetidas ao judiciário para verificá-las; b)

acessoriedade – a medida cautelar depende do processo principal, pois havendo

resultado neste, aquela deixa de existir; c) instrumentalidade hipotética – a prisão

provisória serve de instrumento para se atingir a medida principal, hipotética, no

sentido, de que o direito material discutido no processo principal é provável ao autor;

d) provisoriedade – a prisão processual dura enquanto não for proferida a medida

principal e seus requisitos estiverem presentes; e) homogeneidade – a medida

cautelar deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor,

não podendo a prisão processual ser mais severa do que a prisão aplicada se

houver sentença condenatória237.

Pelas características supramencionadas extraem-se os pressupostos e

princípios orientadores de uma prisão cautelar.

235

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 361. 236

FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. rev atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 197. 237

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,

2007. p. 584-586.

82

2.2.2.2 Pressupostos e princípios que devem ser respeitados na decretação da

prisão cautelar

Por ter a prisão cautelar caráter excepcional, restringindo o direito à

liberdade, previsto constitucionalmente, sem um trâmite processual pleno que

garante direitos como ampla defesa, contraditório, apresenta pressupostos e

princípios que devem ser respeitados.

Em relação aos princípios, dispõe um dos incisos do artigo 5° da

CRFB/88238: “LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de

transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei”. Nesse

dispositivo encontra-se presente o primeiro requisito da prisão cautelar, qual seja, a

necessidade de fundamentação. Outrossim, o inciso IX, artigo 93, CRFB/88 239,

afirma que todas as decisões do poder judiciário devem ser fundamentadas.

A fundamentação das decisões serve para permitir às partes, diretamente

interessadas no processo, o conhecimento e a compreensão da decisão do

magistrado, e, em segundo plano, é uma forma de controle pela própria sociedade,

que conhecendo como o magistrado decide, possa fiscalizar. Fundamentar é indicar

a presença dos requisitos básicos e pressupostos específicos, dizendo o porquê de

ter optado por tal solução. Assim, o juiz tem o poder de decidir, contudo terá que

dizer a razão de entender de tal forma, e não fazendo estará utilizando

arbitrariamente a prerrogativa legal que lhe é atribuída 240.

Sobre a fundamentação das decisões ensina Silva Franco et al241 ao

mencionar decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ:

Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao o que o juiz decidir sem fundamentação. Pressuposto de toda decisão é a

238

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 239

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 53. 240

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito

Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 57-60. 241

STJ - HC 3871 – Rel. Edson Vidigal – DJU 13.11.1995, p. 38684 apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência .

2. ed. rev atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1, p. 795.

83

motivação; logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir, gerando na decisão a eficácia pretendida pelo juiz, se amalgamadas com suficientes razões.

O reconhecimento da situação jurídica de inocente (inciso LVII, artigo 5°,

CRFB/88) impõe a necessidade de fundamentação judicial para privação da

liberdade. E mais: a fundamentação deverá possuir bases cautelares. A exigência

da ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente não é aplicada

a denominada prisão em flagrante, por haver urgência da intervenção prisional. Mas,

ainda, assim, também a prisão em flagrante, logo após a sua conclusão, deverá se

submeter a verificação do Judiciário, sendo indispensável a fundamentação para

manutenção da prisão242.

Outro princípio na decretação ou manutenção da prisão cautelar que deve

ser respeitado é o da proporcionalidade.

Ensina Oliveira243 que existem, no ordenamento jurídico, novas medidas

com conteúdo descarcerizador, como a Lei 9099/95, que permitiu a suspensão

condicional do processo, e a Lei 9714/98, que alterou o artigo 43 e seguintes do

Código Penal – CP, dispondo sobre penas alternativas. A necessidade da prisão

provisória, portanto, deverá ser aferida com maiores cuidados, para evitar a

desproporção entre o processo cautelar e o principal. Além dos pressupostos e

fundamentos exigíveis, deverá levar-se em consideração a natureza do delito e a

efetiva viabilidade de imposição de uma sanção privativa de liberdade ao final do

processo.

O princípio da proporcionalidade é de grande importância, pois necessário

contrabalancear o direito à liberdade e o direito do Estado de punir. Nesse sentido,

ensina Bonfim244:

Objetiva ser uma restrição às restrições dos direitos fundamentais por parte do Estado. Como o processo penal constantemente necessita contrabalançar valores e princípios que rotineiramente se opõem (ex.:direito à liberdade do indivíduo e dever do Estado de punir o culpado), o princípio da proporcionalidade tem grande e variada aplicação no processo penal, ainda que parte da doutrina e jurisprudência resistem em aceitá-lo.

242

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 414. 243

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 418. 244

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 61

84

O princípio da proporcionalidade não determina o desprezo de um princípio

constitucional em detrimento de outro, apenas, autoriza, que na análise de uma

situação determinada, possa-se reconhecer a relevância de determinado princípio

naquele caso, fundamentando, sem ficar vinculado tal fundamento, em outra

situação semelhante245.

Franco et al ao ensinar sobre o princípio da proporcionalidade menciona o

que entende o Professor Odone Sanguiné246:

Por ser a prisão provisória um mal, que supõe a limitação de um direito fundamental, tal limitação somente se justifica: 1) se é necessária e imprescindível para a defesa de bens jurídicos fundamentais; 2) se é proporcionada à ofensa cometida contra esses bens jurídicos; 3) se não há outros meios jurídicos menos radicais para conseguir a defesa desses bens jurídicos.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, aduz Bonfim247 que ele se

subdivide em três subprincípios que concomitantemente e sucessivamente devem

ser atendidos: adequação (medida apta a alcançar o objetivo visado), necessidade

(medida adotada menos grave que o interesse que se queira tutelar) e

proporcionalidade stricto sensu (equilíbrio entre os interesses). Em relação a este

último, afirma que se deve prevalecer o interesse público.

Quanto aos pressupostos e fundamentos, as espécies de prisão cautelares

só poderão existir quando suas exigências legais forem compatíveis com: periculum

libertatis, ou seja, perigo que a liberdade do investigado traria para a proficuidade

processual; fumus comissi delicti, indícios de autoria e prova da materialidade do

fato; e, também, a medida se mostrar necessária248.

Rangel249 conceitua o periculum in mora e o fumus bonis iuris da seguinte

forma:

245

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 65. 246

SANGUNÉ, Odone apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 709. 247

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62-63. 248

FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial :

Doutrina e Jurisprudência . 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 200. 249

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,

2007. p. 587.

85

Periculum in mora traduz-se no fato que a demora no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser dada, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez com que a prestação jurisdicional se tornasse inócua. Assim, o perigo que a prestação jurisdicional futura demore faz com que se autorize a decretação da medida cautelar. Trata-se da probabilidade de uma lesão ou um dano, a prestação jurisdicional futura que deve ser tutelada pela medida cautelar. O periculum traduz-se pelo binômio urgência e necessidade. O fumus bonis iuris é a fumaça do bom direito. A probabilidade de uma sentença favorável, no processo principal, ao requerente da medida. [...] O fumus traduz-se no binômio prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

Portanto, o fumus bonis iuris exige a prova de existência do delito e indícios

de autoria. Esta prova seria a não – plena, semiplena, ou seja, aponta um juízo de

probabilidade baseada em fatos concretos, não em meras suposições e nem requer

a certeza de uma condenação. Assim, as prisões processuais exigem a

demonstração da ocorrência do fato delituoso, além da indicação, mesmo que

precária, de quem seja o responsável ou tenha tido algum tipo de atuação no

ilícito250.

Diante do exposto, conclui-se que uma prisão cautelar, independentemente

de qual seja sua espécie, em vista de sua excepcionalidade, deve ser:

fundamentada, pois uma sentença, um acórdão já tem essa obrigação, com muito

mais razão deve-se fundamentar a privação da liberdade de forma cautelar;

proporcional, avaliando o que é mais importante no caso concreto, à prisão de,

talvez, um inocente ou a tutela da coletividade, por meio do jus puniendi do Estado;

fumus bonis iuris, como qualquer medida cautelar deve também existir este

pressuposto na prisão, adaptando ao processo penal, é a existência de prova da

materialidade e indícios de autoria, não é necessário que esta prova e esses indícios

já sejam os fundamentos de uma condenação, mas que pelo menos o magistrado

entenda que no caso a probabilidade do inocente, talvez, ser condenado ao final

seja maior que cinqüenta por cento; periculum in mora, a certeza de que se solto

poderá atrapalhar o trâmite processual, como omitindo provas, evadindo-se, não

prestando depoimento, cometendo mais delitos.

250

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito

Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 106.

86

2.3 ESPÉCIES PRISÃO PROVISÓRIA

2.3.1 Prisão preventiva

2.3.1.1 Disposições gerais

Em geral, os livros sobre prisão provisória iniciam o ensino com a prisão em

flagrante. Entretanto, neste escrito, optou-se em começar com a prisão preventiva,

pelo fato de ser ela o fundamento de todas as demais prisões cautelares. Em regra,

se não existirem nas outras prisões processuais os pressupostos e fundamentos de

uma prisão preventiva, deve ser o acusado posto em liberdade.

Nesse diapasão, Rangel251 ao tratar da prisão preventiva (prevista nos

artigos 311 e seguintes do CPP) destaca o fato de que essa modalidade de prisão

deve ser vista como o ponto central de toda e qualquer prisão processual, pois se

não houver necessidade de decretar a prisão preventiva não há fundamento para

decretar outras prisões cautelares, assim, afirmando: “Destarte, no “universo” da

prisão cautelar de natureza processual, a prisão preventiva seria o sol e as demais

prisões [...] seriam os planetas que o cercam e buscam nele sua fonte de luz, de

energia, de sustento de vida”.

Quanto ao conceito de prisão preventiva, ensina Mirabete 252:

A expressão prisão preventiva tem uma acepção ampla para designar a custódia verificada antes do trânsito em julgado da sentença. É a prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no Código Penal (art. 42) e que inclui a prisão em flagrante [...], a prisão temporária e a prisão preventiva em sentido estrito. Neste sentido restrito, é uma medida cautelar, constituída da privação da liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais de segurança.

251

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 611. 252

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 389.

87

Outrossim, Tourinho Filho253 ensina que a prisão preventiva é, em sentido

amplo, toda prisão que antecede a uma condenação definitiva; e, em sentido restrito,

consiste medida privativa de liberdade determinada pelo juiz, em qualquer fase do

inquérito ou instrução criminal, com fundamento para assegurar a aplicação da lei

penal, para garantir eventual execução da pena, para preservar a ordem pública ou

por conveniência da instrução criminal.

Conforme o disposto no artigo 311 do CPP254 a prisão preventiva será

decretada pelo juiz, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, e

pode ser decretada de ofício ou a requerimento da parte ou, ainda, mediante

representação da autoridade policial.

Assim, a prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz de ofício, ou seja,

independentemente do requerimento das partes ou de representação da autoridade

policial. Requerimento é pedido, solicitação, que pode ou não ser aceito. A

representação é uma exposição articulada dos fatos feita pelo delegado de polícia,

mostrando a necessidade de decretação da medida255.

Ensina Bonfim256 ao escrever sobre prisão preventiva: “De acordo com a lei,

o assistente de acusação não pode requerê-la”.

Conclui-se, então, que a prisão preventiva pode ser conceituada num

sentido amplo, como sinônima de prisão processual, e num sentido restrito aquela

inserida no capítulo III, do título IX, do CPP. Em relação às pessoas legitimadas para

requerer ou representar pela prisão preventiva o rol do art. 311, do CPP é taxativo,

por a prisão preventiva ter caráter excepcional.

2.3.1.2 Pressupostos e fundamentos

O artigo 312, do CPP dispõe, na última parte, sobre os pressupostos (fumus

boni júris, no processo penal denomina-se fumus comissi delecti), e, na parte inicial, 253

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 493. 254

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 418. 255

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 617. 256

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 385.

88

sobre os fundamentos (periculum in mora, no processo penal denominado periculum

libertatis) da prisão preventiva. Consistem pressupostos da prisão preventiva: a

prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, e fundamentos da

prisão preventiva: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência

da instrução criminal, ou para assegurar aplicação da lei penal.

Ensina Dalabrida257: “A aparência do delito (fumus comissi delicti) deve estar

presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar) como verdadeiro

pressuposto da decretação da medida cautelatória”.

A prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria são

constatações fáticas prévias que o julgador deverá examinar antes de verificar se há

ou não necessidade ou utilidade de se decretar a medida cautelar. Primeiro o

julgador deverá examinar se há aparência (fumus) de que foi cometido um delito

(comissi delicti), para só depois observar se há risco na liberdade do indiciado ou do

acusado (periculum libertatis). Desse modo, antes de se constatar a existência ou

não dos fundamentos do decreto da prisão preventiva, o juiz averiguará se está

diante de elementos objetivos que lhe assegurem, ao menos, em tese, daquele ato

imputado a alguém ser crime, e verificará se possui indícios suficientes para ligar

alguém aquele fato tido como criminoso. Para essa verificação não se exige um

exame tão aprofundado quanto aquele realizado no momento de se proferir uma

sentença. Porém, por ser preliminar, e, muitas vezes, no início da investigação

criminal, isso não significa que a responsabilidade do julgador diminua ou se

apequene diante da representação ou requerimento, da autoridade policial ou do

Ministério Público. Muito ao contrário. É, exatamente, neste instante inicial que o

julgador deverá exigir os pressupostos, para que os examine sob o crivo da

necessidade e proporcionalidade da medida258.

Para decretação da prisão cautelar necessário que exista tanto a

demonstração da materialidade quanto indícios de autoria, não basta um. Hipótese

alguma se pode decretar a prisão preventiva se ausentes qualquer dos dois de seus

pressupostos259.

257

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 91. 258

FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 438. 259

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 501.

89

A materialidade do crime refere-se à existência do corpo delito que

demonstra a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo delito,

documentos, prova testemunhal, etc.). Exigindo-se “prova”, não se justifica a

decretação da prisão preventiva diante de mera suspeita ou indícios da ocorrência

do delito260.

Pode-se não saber, com inteira certeza, se o indiciado é autor do crime,

todavia é indeclinável a demonstração do fato criminoso enquadrável no tipo

penal261.

A materialidade demonstra-se pelos meios de provas. Meio de prova

compreende tudo que possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da

verdade, como provas testemunhais, documental262 . Cabe destacar que exige a lei

prova pericial nos delitos que deixam vestígios, porém se tais desaparecerem é

possível prova testemunhal (artigo 157 c/c artigo 168, ambos do CPP).

Martins263 ensina que para decretação da prisão preventiva devem-se

verificar os elementos que indiquem a ocorrência do fato que, em tese, se adapta ao

tipo penal.

Assim, além de se verificar a materialidade do delito, deve-se observar se o

fato enquadra-se na norma penal.

No mesmo sentido, afirma Dalabrida264:

Porquanto reservada para as hipóteses em que se tenha como provada a existência do crime, ainda que em juízo cautelar, necessária se faz a verificação dos elementos que integram a figura típica, visto que somente existe prova da existência do crime quando presentes estiverem todos os elementos que o integram. Desta forma, insta averiguar a possibilidade de conformação da conduta típica com o preceito primário da norma penal incriminadora, com a conseqüente identificação de todos os seus elementos, objetivos, subjetivos ou normativos. Não sendo possível a perfeita adequação típica, incogitável a prisão preventiva. Do mesmo modo, constituindo um dos elementos da infração penal, a antijuridicidade, uma vez ausente, obstrui qualquer possibilidade de custódia cautelar [...].

260

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 390. 261

BASILEU, Garcia apud DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do

garantismo penal. Curitiba: Juruá, 2004. p. 91 262

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 310. 263

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 88. 264

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 91.

90

O fato tem que possuir a aparência de delito. Por essa razão, quando o juiz

verificar pelas provas constantes nos autos que o agente praticou o fato em legítima

defesa, ou estado de necessidade ou qualquer outra excludente de i licitude (art. 19,

do CP), não será decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 314 do CPP265.

Quanto aos indícios de autoria, traz-se a definição de Capez266 sobre

indícios:

Indício é toda circunstância conhecida e provada, a partir da qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a conclusão sobre um outro fato [...] a partir de um fato conhecido, deflui-se a existência do que se pretende provar. Indício é o sinal demonstrativo do crime: signum demonstrativum delecti.

Os indícios são suficientes de autoria quando constituem elementos idôneos,

convincentes, capazes de criar no juiz a convicção provisória de que o imputado é

autor da infração. A suficiência do indício é aferida caso a caso267.

Esses indícios consistem um juízo provisório, não geram a certeza absoluta

e definitiva de ser o acusado autor da infração. Nesse sentido, Rangel268 afirma:

Indícios suficientes de autoria não são provas continentes, robustas e que geram a certeza absoluta da autoria do indiciado ou acusado. Bastam apontamentos de que o indigitado ou acusado é autor do fato. Elementos que apontem a fumaça no sentido de que o acusado é autor do ilícito penal que ora se apura. São indicações. Não é necessário o fogo da certeza, mas sim a mera fumaça de que ele pode ser o autor do fato.

Assim, na decretação da prisão preventiva, não se exige prova plena da

autoria, bastam meros indícios que demonstram a probabilidade do acusado ou

indiciado ter sido autor do fato delituoso. A dúvida, portanto, milita em favor da

sociedade (princípio in dubio pro societate)269.

265

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 434. 266

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

362. 267

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 386. 268

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 621. 269

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

268.

91

Porém, por a decretação da prisão preventiva exigir que os indícios sejam

suficientes, estes não devem ser mera possibilidade. Tem que haver uma forte

probabilidade de que o indiciado seja autor da infração penal270.

Exige-se forte probabilidade em torno da autoria e não meras suspeitas271.

Nesse sentido Tourinho Filho272: “Não se trata, quando a lei fala em “indícios

suficientes de autoria”, de prova levior, mas de probabilidade tal que convença o

Magistrado”.

A presença do fumus bonis iuris não é suficiente para que seja decretada a

prisão preventiva, necessário à existência do perigo de liberdade do acusado pelos

fundamentos do artigo 312, do CPP273.

Diversamente do fumus commisi delicti que exige os dois pressupostos, para

que se tenha o periculum libertatis, basta que ao menos um dos fundamentos seja

comprovado no caso concreto274.

2.3.1.2.1 Garantia da ordem pública

Pode- se definir ordem pública da seguinte forma:

Por ordem pública, deve-se entender a paz e a tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais275.

Percebe-se, que a prisão para garantia da ordem pública não se destina a

proteger o processo penal, enquanto instrumento da aplicação da lei penal. Dirige-se

270

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 93-94. 271

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal . Curitiba: Juruá, 2004. p. 94 272

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 401. 273

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 386. 274

FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial : Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. rev. atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 438. 275

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,

2007. p. 618.

92

à proteção da própria comunidade, pois, supõe-se, que ela seria atingida pelo não

aprisionamento dos autores de crimes que causarem a intranqüilidade social 276.

O fundamento garantia da ordem pública possibilita que a prisão cautelar

seja decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir,

ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que

provoquem grande clamor popular. No primeiro caso, há evidente periculum

libertatis, porque até o trânsito em julgado da decisão condenatória o sujeito já terá

cometido inúmeros delitos. Os maus antecedentes ou a reincidência são

circunstâncias que evidenciam a provável prática de novos delitos, e, portanto,

autorizam a decretação da prisão preventiva com base nessa hipótese. No segundo,

a brutalidade do delito provoca comoção no meio social, gerando sensação de

impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional277.

Assim, pela garantia da ordem pública haveria duas vertentes: uma impedir

que o acusado continue a cometer delitos, e a segunda pela gravidade do delito.

Nesta última, entende Oliveira278 que a gravidade do crime não se revela apenas

pela pena, mas também pelos meios de execução, quando presentes a barbárie e o

desprezo ao bem jurídico atingido, reclamando uma providencia imediata do poder

público, sob risco da legitimidade da jurisdição.

A gravidade do delito, por si só, não basta para decretação da custódia

provisória. A simples repercussão do fato, sem outras conseqüências, não constitui

circunstância suficiente para decretação da medida cautelar. Nem mesmo a prática

do crime definido como hediondo justifica a prisão preventiva, se não há fulcro no

artigo 312, do CPP. Mas, sem dúvida, está ela justificada no caso de ser o acusado

dotado de periculosidade, na perseverança da prática delituosa, quando se observa

torpeza, perversão, malvadez, cupidez e insensibilidade moral279.

276

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 436. 277

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

269. 278

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 437. 279

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 391. Nesse sentido, também decisões do STJ: [...] ACÓRDÃO QUE REVOGOU A PRISÃO CAUTELAR DO RECORRIDO SOB O FUNDAMENTO DE MOTIVAÇÃO BASEADA UNICAMENTE NA GRAVIDADE

DO DELITO. DECISÃO COLEGIADA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA DA SEXTA TURMA DO STJ.1. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado aos pacientes, a existência de prova da autoria e materialidade do crime, a credibilidade do

Poder Judiciário, bem como a intranqüilidade social não constituem fundamentação idônea a

93

No mesmo sentido, Rangel280 afirma: “O clamor público, no sentido da

comunidade local revoltar-se contra o acusado e querer linchá-lo, não pode autorizar

sua prisão preventiva”.

Por fim, ainda, entende-se que a garantia da ordem pública não seria

fundamento de uma prisão preventiva, pois não teria finalidade de medida cautelar.

Nesse sentido, Tourinho281 ensina que garantia da ordem pública não seria

fundamento para decretação da prisão cautelar por a ordem pública ser a paz, a

tranqüilidade no meio social, em que o Estado dita suas regras e os cidadãos as

respeitam sem protesto, consistindo numa expressão vaga facilmente enquadrável

em qualquer situação, como perigosidade do acusado, crime perverso,

insensibilidade moral, reiteradas divulgações pela mídia, rádio, sendo que por tal

fundamento o acusado é condenado antes de ser julgado, uma vez que tais

situações nada têm de cautelar.

2.3.1.2.2 Garantia da ordem econômica

O fundamento garantia da ordem econômica possui a mesma finalidade da

garantia da ordem pública, de uma forma mais restrita. Ou seja, visa impedir que o

investigado continue a cometer delitos ou é decretada devido à gravidade dos

autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria conduta, em tese, delituosa. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos

já subsumidos no próprio tipo penal, além do que qualquer prática criminosa, por si só, intranqüiliza a sociedade.2. Agravo a que se nega provimento. STJ. AgRg no REsp 1073497 / RS, 2008/0151175-0, Relator(a) Ministra JANE SILVA, T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2009, Data da

Publicação/Fonte DJe 16/02/2009. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO PACIENTE.

PERSONALIDADE VOLTADA À DELINQÜÊNCIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.1. A prisão preventiva do acusado está satisfatoriamente justificada na garantia da ordem pública, pois os autos retratam, com elementos concretos, a necessidade da segregação do réu, diante de sua

periculosidade, evidenciada pelas circunstâncias do delito. 2. O modus operandi do crime de homicídio qualificado, praticado friamente, por motivo fútil e contra menor, demonstra a personalidade do acusado voltada para a prática criminosa, a ponto de justificar a sua custódia

preventiva, eis que indicativa de afronta a ordem pública. 3. Recurso desprovido. RHC 23358/ 2008/0073346-7, Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) , T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 02/10/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 28/10/2008. 280

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 618. 281

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 511-512.

94

mesmos, todavia restringe-se a delitos relacionados à ordem econômica. A garantia

da ordem econômica trata-se de uma repetição da garantia da ordem pública282.

Esse fundamento tem finalidade de impedir que o indiciado continue sua

atividade prejudicial à ordem econômica e financeira, e assegurar a credibilidade da

justiça, com justificativa também na magnitude da lesão econômica, gravidade

concreta do delito283.

Tal fundamento foi incluído no artigo 312 do CPP, pela Lei 8.884, de

11 de junho de 1994, lei que cuida de ilícitos administrativos e civis, contrários à

ordem econômica. Para tutelar a ordem econômica, já havia, no artigo 30 da Lei n.

7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei do

Colarinho Branco), a previsão de decretação de prisão preventiva em razão da

magnitude da lesão causada. A magnitude da lesão não seria amenizada nem seus

efeitos diminuídos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco

é contra a ordem econômica, a medida cautelar mais adequada é o seqüestro e a

indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. É dessa

maneira que se poderia melhor tutelar a ordem financeira. Se, no entanto, o fato do

acusado encontrar-se em liberdade puder significar risco à ordem econômica, pela

possibilidade de repetição de condutas e, assim, de ampliação dos danos, a prisão

preventiva já estaria fundamentada na garantia da ordem pública 284.

No mesmo sentido, afirma Tourinho Filho285:

[...] a prisão decretada como garantia da ordem econômica não apresenta caráter cautelar, é medida esdrúxula. Sua esdruxularia repousa na circunstancia de ser ela a medida ideal para coibir os abusos contra a ordem econômica. Antes, tem acentuadas e inequívocas funções repressivas. Se a medida visa a preservá-la, evitando a ganância, a auri sacra fames, o certo seria adotar uma espécie de medida de segurança à maneira daquelas que havia, entre nós, até antes da reforma da Parte Geral do nosso Código Penal. Que se estabeleçam sanções contra a empresa. Para nós trata-se de medida sem nexo e inútil. [...] A multa para os que têm apego ao dinheiro é pior que o cárcere... Por outro lado, pode-se dizer até ter sido desnecessária essa alteração do art. 312 do CPP. Na verdade, se, por acaso, o comércio

282

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

269. 283

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 387. 284

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 436. 285

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 517.

95

passar a servir-se da lei do abuso, com remarcações não autorizadas, se as indústrias passarem à exploração, a prisão preventiva pode ser decretada para garantia da ordem pública... expressão que abrange a própria ordem econômica.

Garantia da ordem econômica permite a prisão do autor do fato por crime

que perturbe o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso de poder

econômico, visando à dominação dos mercados, a eliminação de concorrência e o

aumento arbitrário dos lucros. A prisão para garantir a ordem econômica somente

poderá ser decretada nos casos de crimes previstos nas Leis números 8.137/90,

8.176/91, 8.078/90 e 7.492/86 e demais normas que se referem à ordem econômica,

como quer o artigo 170 da Constituição Federal e seguintes c/c artigo 20 da Lei nº

8.884/94286.

Quanto aos crimes que o fundamento da ordem econômica abrange, ensina

Tourinho Filho287:

[...] é defensável a prisão do comerciante que “açambarca, sonega, destrói ou inutiliza bens de produção ou de consumo, com fim de estabelecer o monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente a concorrência” (art. 4º, IV, da Lei n. 8.137/90), “eleva, sem justa causa, o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado” (art. 4º, VII, do mesmo diploma). Há, também, algumas condutas previstas no art. 21 da Lei Antitruste (Lei n. 8884/94) que podem ensejar a prisão preventiva para a garantia da ordem econômica, desde que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos. Verbis: “Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar o mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante”.

A definição dos crimes que admitem a prisão preventiva com fundamento na

ordem econômica é de extrema importância, pois, não raro, se busca a medida

prisional contra pessoas indicadas como autoras de crimes contra a ordem tributária,

sob argumento de que tal conduta infringiria a ordem econômica288.

286

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. 287

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 516. 288

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito

Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 111.

96

2.3.1.2.3 Convivência da instrução criminal

Sobre a conveniência da instrução criminal, afirma Bonfim289:

Trata-se de segregar o acusado para impedir sua atuação com vista a influenciar a colheita de provas. Deve-se demonstrar com dados concretos, que, solto, o indiciado ou acusado pode suprimir os elementos probatórios indicadores de sua culpabilidade, ameaçando vítimas e testemunhas, destruindo evidências materiais etc.

Por esse fundamento é evidente o periculum in mora, pois não se chegará

ao que, realmente, aconteceu nos fatos, se o acusado continuar solto até o final do

processo290.

As prisões preventivas por conveniência da instrução criminal se dirigem

diretamente à tutela do processo, funcionando como medida cautelar para garantia

da efetividade do processo principal (a ação penal). São prisões decretadas em

razão de perturbação ao regular andamento do processo o que ocorrerá, por

exemplo, quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, estiver

ameaçando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou provocando qualquer

incidente do qual resulte prejuízo manifesto para instrução criminal. Cabe destacar

que à eventual atuação do acusado e de seu defensor, cujo objetivo seja a

procrastinação da instrução, pode ser feita nos limites da própria lei, não

acarretando prisão preventiva por conveniência da instrução criminal291.

A importância da decretação da prisão preventiva para assegurar a instrução

criminal está no fato desta não ser apenas conveniente, mas sim necessária. Nesse

diapasão, Rangel292:

Devemos inicialmente dizer que a instrução criminal não é conveniente, mas, sim, necessária, pois diante dos princípios da verdade processual, do contraditório e do devido processo legal, a instrução criminal é imprescindível para que se possa assegurar ao acusado todos os meios constitucionais de defesa, demonstrando existir um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Assim, decreta-se a prisão do autor do fato se, em liberdade, ameaçar as

289

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 387. 290

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 269. 291

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 435. 292

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,

2007. p. 619.

97

testemunhas, tentar subornar o perito que irá subscrever o laudo, ameaçar o juiz ou promotor de justiça que funciona no processo, subtrair documentos imprescindíveis para comprovação do injusto penal etc. Neste caso, a custódia cautelar justifica-se com escopo de se garantir um processo justo, livre de contaminação probatória e seguro para que o juiz forme, honesta e lealmente sua convicção (cf. item VII da Exposição de Motivos do CPP).

2.3.1.2.4 Para assegurar a aplicação da Lei Penal

Por esse fundamento busca-se assegurar que o acusado estará presente

para cumprir a pena que lhe for imposta. Por meio dele pode-se decretar a

preventiva quando ocorrer à fuga do indiciado, logo após a prática do delito, a

ausência de residência fixa, facilidade de fuga para o exterior etc 293.

Se não existe um elo que radique o acusado ou indiciado ao distrito da

culpa, existindo demonstração que se solto, provavelmente, ocultar-se-á com

finalidade de não lhe ser aplicada uma pena, poderá ser decretada a prisão

preventiva com fundamento na aplicação da lei penal. Nesse sentido, entende

Capez294:

Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão.

Justifica a custódia preventiva a fuga ou a escusa em atender ao

chamamento judicial que retarda e torna incerta a aplicação da lei penal. O

fundamento para assegurar a aplicação da lei penal visa impedir o desaparecimento

do autor da infração295.

A prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal é cabível quando

há risco real de fuga, fundada em dados concretos, não mera especulação teórica,

como a simples verificação de ser o réu desempregado.

293

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 387. 294

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 269. 295

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 391

98

Nesse diapasão, Rangel296 afirma:

A fuga não pode ser presunção judicial, mas sim fruto de elementos nos autos do processo que demonstrem, cabalmente, que o acusado deseja se subtrair a ação da justiça. O simples poder econômico do réu não pode autorizar o juiz a decretar sua prisão preventiva. Mister se faz que haja informações, nos autos de que pretende fugir para impedir o império da lei. No mesmo sentido, o simples fato do réu encontrar-se desempregado [...].

Preenchidos os pressupostos e um dos fundamentos, ainda, exige o artigo

313, do CPP297, por respeito ao princípio da proporcionalidade, que a prisão

preventiva somente poderá ser decretada a determinados crimes.

Conclui-se que, os pressupostos da prisão preventiva são a demonstração

da materialidade de um fato enquadrável na norma penal como crime e a existência

de indícios suficientes de autoria. Os fundamentos consistem na aplicação da lei

penal, na conveniência da instrução criminal, na garantia da ordem pública, na

garantia da ordem econômica. Os pressupostos são obrigatórios os dois estarem

presentes, todavia, quando aos fundamentos basta que um deles esteja. Ainda,

como toda prisão cautelar, a prisão preventiva deve respeitar princípios, tais como

fundamentação das decisões e proporcionalidade. Sempre deverá haver

fundamentação na decretação ou não de uma prisão preventiva, com fulcro no artigo

93, IX, da CRFB/88 e no artigo 315, do CPP. Ainda cabe destacar, que somente em

alguns crimes pode-se decretar a prisão preventiva, devido ao princípio da

proporcionalidade.

296

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 435. 297

Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo anterior, será a dmitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I – punidos com reclusão;

II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitado em julgado,

ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46 do Código Penal; IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (Vade Mecum Universitário de Direito.

ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Penal. p. 418).

99

2.3.2 Prisão em flagrante

A prisão em flagrante foi permitida pela CRFB/88, no seu artigo 5º, inciso

LXI. O próprio legislador definiu, no artigo 302 do CPP298, o que se considera

flagrante delito. A palavra flagrante é derivada do latim flagrare (queimar) e flagrans

(ardente, brilhante). Em sentido jurídico, significa a qualidade do delito irrecusável,

que permite a prisão de seu autor, é a “certeza visual do crime” 299.

Para configurar a prisão em flagrante necessário dois elementos a

atualidade e visibilidade. Nesse sentido, ensina Rangel300:

[...] a prisão em flagrante exige, para sua configuração, dois elementos imprescindíveis: a atualidade e visibilidade. A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que esta acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somada a atualidade e visibilidade tem-se o flagrante delito.

A prisão em flagrante não depende de ordem escrita e fundamentada da

autoridade judiciária competente, tendo, por isso, caráter administrativo. Entretanto,

a fim de evitar abusos, ela deve ser ato cercado de formalidades legais, tais como,

as dispostas nos artigos 304, 305, 306 e 307 do CPP301.

Os artigos 304 a 307, do CPP dispõe sobre as etapas (formalidades) da

prisão em flagrante, em síntese, ensina Capez302: 1- apresenta-se o preso à

autoridade competente; 2- oitiva do condutor, colhendo sua assinatura, e o

entregando cópia do termo e recibo de entrega do preso; 3- oitiva de testemunhas

do flagrante ou do instrumento, com respectivas assinaturas; 4 – interrogatório do

298

Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser

ele autor da infração. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418). 299

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 374. 300

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 619. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 589. 301

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 375. 302

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

258 – 264.

100

acusado, com sua assinatura, caso não assine, duas testemunhas que ouviram a

leitura do auto na presença do acusado assinam; 5 – lavratura do auto; 6 – se

houver fundadas suspeitas contra o acusado prende-se, exceto se livrar-se solto ou

prestar fiança; 7- em vinte e quatro horas depois da prisão, entrega ao acusado nota

de culpa, assinada pela autoridade, com motivo da prisão, nome do condutor e

testemunhas, bem como será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em

flagrante, acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o acusado não tenha

advogado, cópia para Defensoria Pública. Ainda, conforme inciso LXII , do artigo 5º,

da CRFB/ 88303, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão

comunicados, imediatamente, além do juiz competente, à família do preso ou

pessoa por ele indicada.

Devem-se respeitar as formalidades acima mencionadas, sob pena de

prisão em flagrante ser ilegal, ou seja, sem os requisitos da lei. Nesse diapasão,

ensina Tourinho Filho304:

Enfim, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, devem ser obedecidas todas as formalidades legais, sob pena de o auto tornar-se imprestável como peça coercitiva, sem prejuízo, entretanto, do seu valor como peça informativa, apta a instruir a propositura da ação penal. Às vezes, o Juiz percebe não terem sido obedecidas as formalidades da lavratura do flagrante e, conforme a natureza do crime e outras circunstancias (art. 313), relaxa a prisão em flagrante e decreta a prisão preventiva, ficando, destarte, legalizado o encarceramento. É de ponderar que toda prisão preventiva deve ser prescindida de ordem escrita da autoridade competente. O flagrante, por razões já esclarecidas, constitui uma exceção. O legislador, todavia, para evitar abusos e descomedimentos das autoridades, mormente policiais, que, em regra, lavram os autos de prisão em flagrante, estabeleceu uma série de formalidades que devem ser observadas, e nessas formalidades reside a garantia do cidadão.

Havendo ausência das formalidades legais exigidas na prisão em flagrante,

deverá ela ser relaxada. E ainda, se na prisão em flagrante não se encontrarem os

pressupostos ou um dos fundamentos da prisão preventiva deverá o acusado ser

posto em liberdade. Nesse sentido, escreve Bonfim305:

303

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 304

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 3. 28 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 468. 305

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 383.

101

Dispõe o art. 310 e parágrafo único do CPP que o Juiz, à vista dos elementos contidos no auto de prisão em flagrante, depois de ouvir o Ministério Público, concederá, desde logo e independentemente de requerimento da defesa, liberdade provisória ao réu se: a) verificar inequivocamente que o agente praticou o crime acobertado por excludente de ilicitude (art. 23 do CP: legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal); b) verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Além da concessão da liberdade provisória de ofício nas hipóteses citadas, a prisão ilegal deverá ser relaxada pelo juiz quando: a) o auto de prisão em flagrante não noticiar a prática de ilícito penal; b) o agente não tiver sido preso em situação de flagrante (art. 302 do CPP); c) alguma formalidade legal não tiver sido observada. [...] Nestes casos, somente o juiz poderá relaxar a prisão em flagrante ou conceder liberdade provisória ao indiciado, após manifestação do Ministério Público.

Quanto às formalidades, ainda, cabe destacar o ensinamento de Rangel306

nos delitos de ação privada e pública condicionada demonstrando que só com a

manifestação da vontade do ofendido é que poderá haver prisão em flagrante, caso

contrário será ilegal.

Apesar das formalidades que devem ser respeitadas, qualquer pessoa pode

ser sujeitos ativo da prisão em flagrante. Bonfim307 ensina:

Qualquer pessoa do povo poderá prender (capturar) quem se encontrar em situação de flagrância. Essa determinação do art. 301, do CPP, é chamado flagrante facultativo, já que não existe o dever de realizar a captura. Diferentemente, as autoridades policiais e seus agentes que presenciarem a prática de um delito penal terão o dever de capturar o delinqüente.

A prisão em flagrante é híbrida ou complexa, pois a autoridade policial faz

um juízo instantâneo se prende ou não, e depois, o juiz analisará se foram

preenchidos os requisitos de ordem constitucional e processual. Como também,

deverá analisar se existiu a situação de flagrância. Depois, de observada a

legalidade do flagrante, o magistrado decidirá sobre a necessidade ou não da

manutenção do flagrante. A apreciação valorativa do juiz deve ser fundamentada,

pois não se trata de despacho de mera condução do processado, por conter caráter

306

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 600. 307

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 384.

102

eminentemente decisório e, o que é mais grave, por importar na privação da

liberdade308.

Quanto à análise da situação de flagrância, deverá o magistrado observar

em quais das modalidades de flagrante previsto no CPP a situação é caracterizada,

para após ver se há enquadramento.

A doutrina denomina flagrante próprio, real, ou flagrante propriamente dito o

disposto nos incisos I e II, do artigo 302, do CPP. Considera-se em situação de

flagrante (próprio) quem é surpreendido no ato da execução do crime (desfechando

golpes na vítima, destruindo ou subtraindo coisa alheia, etc. e a quem já esgotou os

atos da execução, causando o resultado jurídico, de dano e de perigo (morte,

lesões, dano material etc.), encontrando-se ainda no local do fato ou nas suas

proximidades 309.

O flagrante impróprio encontra-se disposto no artigo 302, inciso III, do

CPP310. Neste o indivíduo é perseguido, logo após, em situação que se faça

presumir ser autor da infração.

Quanto à expressão logo após, ensina Capez311:

No caso de flagrante impróprio, a expressão “logo após” não tem o mesmo rigor do inciso precedente (“acaba de cometê-la”). Admite um intervalo de tempo maior entre a prática do delito, a apuração dos fatos e o início da perseguição. Assim, “logo após” compreende todo o espaço de tempo necessário para a polícia chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e dar início a perseguição do autor. Não tem qualquer fundamento a regra popular de que é de vinte e quatro horas o prazo entre a hora do crime e a prisão em flagrante, pois, no caso do flagrante impróprio, a perseguição pode levar até dias, desde que ininterrupta.

O flagrante presumido é a situação que o suposto agente é encontrado, logo

depois da ocorrência do fato delituoso, com instrumentos, armas, objetos ou papéis

que façam presumir ser ele autor da infração, neste não há perseguição, o agente é

encontrado com objetos que façam presumir ser o autor do delito 312.

308

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 75-79. 309

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 375 310

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418 311

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 252. 312

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2 ed. rev. aum. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 376.

103

Ainda, há outras espécies de flagrante, como o flagrante preparado313. Sobre

este dispõe a súmula 145, do Supremo Tribunal Federal -STF314, se consumado o

delito em tal flagrante há crime, caso contrário não, consequentemente, devendo a

prisão ser relaxada. Flagrante esperado315 é legal, a contracautela é a liberdade

provisória. O flagrante forjado316 é ilegal, portanto deve ser relaxado. Ainda, há o

flagrante retardado317 previsto no artigo 2º, II, da Lei 9034/95318.

2.3.3 Prisão temporária

Esta modalidade de prisão cautelar encontra - se disposta na Lei 7.960, de

21 de dezembro de 1989.

A prisão temporária é uma “[...] medida acauteladora, de restrição da

liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as

investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial” 319.

Quanto aos requisitos, dispõe o artigo da Lei 7960/1989320:

Art. 1º. Caberá prisão temporária: I – quando imprescindível para investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: [...].

313

Ocorre quando o agente é impelido, insidiosamente, por terceiros, a praticar um crime, ou seja,

prepara-se a situação para o acontecimento do delito. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 604). 314

“145. Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua

consumação”. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Súmulas do STF. p. 1143. 315

Neste o sujeito age, independente de provocação ou induzimento, sendo preso por policiais ou

terceiros, que simplesmente aguardavam. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 605). 316

Realizam-se situações para caracterizar que determinada pessoa cometeu o delito. (RANGEL,

Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 606). 317

Procedimento policial que tem finalidade de observar e acompanhar determinada empreitada

criminosa. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 606). 318

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris,

2007. p. 604- 606. 319

MIRABETTE, Julio Fabbrin i. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 398. 320

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação

Complementar. p. 834.

104

Há divergências em relação aos requisitos se seriam cumulativos ou

alternativos, ou seja, para que o magistrado decrete a prisão temporária basta um

deles ou tem que haver os três ou, ainda, se dois deles estiverem presentes já pode

ser decretada.

Ensina Nucci321 :

[...] muito se discute a respeito dos requisitos para a decretação da prisão temporária. Seriam os incisos I, II e III, do art. 1º, desta Lei cumulativos ou alternativos? Se, forem considerados cumulativos, a prisão temporária praticamente desaparece do cenário processual, pois tornar-se-ia muito difícil localizar uma situação em que alguém cometa um dos delitos descritos no inciso III, além de ser imprescindível para a investigação e não possua o suspeito residência fixa ou elementos para estabelecer sua identidade. Por outro lado, se forem considerados alternativos, tornar-se-ia banal a decretação da prisão temporária. Bastaria que ele não tivesse residência fixa e por mais ínfima que fosse a infração pena cometida comportaria a decretação da prisão temporária. Nem uma solução nem outra se afigura razoável. Por isso, concordamos com a doutrina que procura, como sempre, consertar os equívocos legislativos e fixa como parâmetro a reunião do inciso III com inciso I ou com inciso II.

Para decretação da prisão temporária, como de toda prisão cautelar, deve

haver a existência do periculum in mora e fumus boni iuris. O periculum in mora se

caracteriza com a imprescindibilidade para a investigação ou com o fato de não

possuir o suspeito residência fixa ou elementos para estabelecer sua identidade. O

fumus boni iuris está caracterizado no inciso III, quando houver probabilidade de o

indiciado ser autor ou participe de alguns daqueles delitos referidos 322.

Importante mencionar o entendimento de Mirabete 323 sobre o fundamento

“quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”:

Refere-se a eventuais entraves que impedem se possa esclarecer devidamente o fato criminoso e suas circunstâncias, bem como sua autoria. Verificando-se, assim, a imprescindibilidade da prisão para a investigação policial pode ser ela decretada. Nessa hipótese, somente com a demonstração de que, sem a prisão, é impossível ou improvável que se leve a bom termo as investigações, com o esclarecimento dos fatos, é possível a decretação da prisão temporária.

321

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas . 3 ed. rev. atual. ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008. 322

RANGEL, Pau lo. Direito Processual Penal. 13 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p.

648. 323

MIRABETTE, Julio Fabbrin i. Processo Penal. 18 ed. São Pau lo: Atlas S.A., 2006. p. 398.

105

O rol dos delitos previstos como fundamento da prisão temporária (inciso III,

artigo 1º, Lei 7.960) foi ampliado por força do artigo 2º, § 4º, da Lei n. 8072/90,

incluindo os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins

(conceito amplo), a prática de tortura e terrorismo, não elencados na redação

original da Lei n. 7960/89324.

Presentes os fundamentos (I ou II, e III do art. 1º, da Lei 7960/1989) da

prisão temporária cabível sua decretação. Importante destacar que para se decretar

a prisão temporária não são necessários indícios de autoria e a prova da

materialidade, pois se trata de uma medida de urgência, e, ainda, não há

necessidade de que o preso preventivo seja o indiciado, basta que seja mero

suspeito325.

Todavia, mesmo tal prisão tendo caráter de urgência ela deve ser

fundamentada. Ensina Franco et al326:

No § 2.º do art. 2.º da Lei 7.960, dispõe o Legislador: “O „despacho‟ que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro de 24 (vinte quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do requerimento”.[...] E por que teria o legislador, em bom tempo, exigido que esse ato fosse fundamentado? A resposta emerge simples, qual seja, porque a Constituição assim o impõe: a) de modo genérico, pelo seu art. 93, IX; e b) especificamente para as prisões cautelares, em seu art. 5.º, LXI. [...].

Com a decretação da prisão temporária, devem-se respeitar os prazos, para

que não ocorra prisão ilegal. Tratando-se dos crimes previstos no rol da Lei n.

7.960/89, o prazo de duração será de 5 dias, (artigo 2º, caput)327; cuidando-se de

crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e

drogas afins, e terrorismo, o prazo será de 30 dias (artigo 2º, § 4º, da Lei n.

324

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2 ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

394. 325

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas . 3 ed. rev. atual. ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008 – 1009. 326

FRANCO, A lberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e

Jurisprudência: Parte Processual Penal (arts. 251 a 393). V. 3. 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004. p. 942. 327

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição

Federal. p. 28.

106

8.072/90)328, ambos prorrogável por igual período (cinco ou trinta dias), em caso de

extrema e comprovada necessidade.

Finalmente, destaca-se que a prisão temporária como qualquer prisão

provisória deve respeitar os direitos constitucionais do preso, como comunicação da

prisão ao juiz competente e à família do preso ou pessoa por ele indicada (artigo 5º,

LXII, CRFB/88)329, informação de que pode permanecer calado, sendo - lhe

assegurada assistência tanto da família quanto de advogado (inciso LXIII, artigo 5.º,

CRFB/88)330, identificação dos responsáveis por sua prisão e por seu interrogatório

policial (inciso LXIV, artigo 5.º, CRFB/88)331. Ainda, os presos temporários devem

ficar separados dos demais detentos (artigo 3º, da Lei 7.960/1989)332.

2.3.4 Prisão decorrente da decisão de pronúncia e decorrente de sentença

condenatória recorrível

A prisão decorrente da decisão interlocutória de pronúncia333 e decorrente

de sentença condenatória recorrível334, antes das alterações trazidas pela lei 11.689

de 09 de Junho de 2008 e pela lei 11.719, de 20 de Junho de 2008, eram regra, no

ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, bastava tais decisões para serem

decretadas.

De acordo com § 1º do artigo 408 do CPP o juiz pronunciando o acusado

deveria recomendá-lo a prisão em que se achar ou expediria ordens necessárias

para sua captura. A exceção a ta l prisão encontrava-se disposta no § 2º do mesmo

328

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição

Federal. p. 28. 329

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição

Federal. p. 28. 330

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação

Complementar. p. 834. 331

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação

Complementar. p. 834. 332

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Leg islação

Complementar. p. 834. 333

Decisão de pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação, por estar presente a demonstração da materialidade do delito e a indícios suficientes de autoria, reconhecendo a competência do Tribunal do Júri para o julgam ento de fato do crime, em tese, doloso contra vida.

(MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 89). 334

Sentença condenatória recorrível é uma sentença da qual ainda cabe recurso. (RANGEL, Paulo.

Direito Processual Penal. 13. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 632).

107

artigo, ou seja, não se decretaria a prisão ou soltaria o acusado se este fosse

primário e de bons antecedentes335.

No sentido da decisão de pronúncia acarretaria automática prisão, ensina

Capez336:

Em caso de pronúncia, o art. 408, § 2º, do CPP autoriza o juiz a decretar a prisão provisória, quando o réu for reincidente ou tiver maus antecedentes. Se estiver preso, continua; se vinha respondendo solto ao processo, será expedido competente mandado de prisão. Essa custódia é conseqüência automática da sentença de pronúncia, não havendo nada a justificar a permanência do acusado em liberdade até a data de seu julgamento. [...].

Também, o artigo 594 do CPP337 dispunha que o réu não poderia apelar sem

recolher-se a prisão, ou prestar fiança, salvo se primário e com bons antecedentes

ou condenado por crime que se livre solto.

Diante do exposto, pela só superveniência da decisão de pronúncia ou de

sentença condenatória recorrível já havia fundamento para a prisão. Porém, já

existiam críticas a tais prisões. Oliveira338 afirma:

[...] a própria lei estaria a reconhecer a necessidade de se manter (se já preso) ou de se impor a prisão (se solto), com a só superveniência da decisão de pronúncia (art. 408) ou de sentença condenatória (art. 594), ainda recorrível. Todavia, assim não nos parece que possa ocorrer. As prisões cautelares, como exaustivamente analisado, prestam-se a tutelar interesses ligados à jurisdição penal, acautelando, sobretudo, o regular andamento do processo. E, assim, como toda medida cautelar, podem ter como conseqüência a própria antecipação do resultado final pretendido, daí porque somente serem concedidas quando se mostrarem concretamente indispensáveis. E essa tarefa, a de identificar a necessidade de proteção do processo, diante de eventual risco à sua efetividade, somente haverá de ser exercida pelo judiciário, jamais pelo Legislativo.

O artigo 3º da lei 11.719/ 2008 revogou expressamente o artigo 594 do CPP.

E o artigo 413 do CPP339, com redação dada pela lei 11.689/ 2008, dispõe:

335

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Estudo Comparado da Reforma do Código de Processo Penal. p. IX. 336

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 670. 337

BRASIL. Consti tuição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código

de Processo Penal: legislação complementar e súmulas STF e STJ. 5 ed. Atual. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007. p. 674. 338

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007. p. 449.

108

§ 3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de qualquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.

Ainda a reforma do CPP passou a prever no parágrafo único, do artigo

387340, e parágrafo 3º, do artigo 413341, que há a necessidade de análise dos

requisitos da prisão preventiva elencados no art. 312 do CPP para fixar as prisões

decorrentes de sentença condenatória recorrível e de sentença de pronúncia342.

Assim, para o acusado ter restringida a sua liberdade não basta uma

sentença condenatória recorrível ou uma sentença de pronúncia, necessário a

existência dos pressupostos e fundamentos de uma prisão preventiva.

Neste capítulo abordou-se os princípios, pressupostos e fundamentos de

quaisquer das modalidades de prisão cautelar. Necessário, antes de saber em que

casos uma prisão processual pode acarretar responsabilidade extracontratual do

Estado, ter o domínio dos elementos de uma prisão cautelar. Não se pode afirmar

que o Estado é responsável por tal prisão, sem primeiro verificar seus princípios,

pressupostos e fundamentos. Assim, trazidas as considerações sobre o objeto

(prisões processuais) que acarretará a responsabilidade do Estado, na seção

seguinte tratar-se-á da responsabilidade do Estado em tais prisões.

339

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Código de Processo Penal. p. 424. 340

Art. 387. [...] Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição

de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser imposta. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 422). 341

Art. 413. [...] 3° O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou subst ituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a

necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 424). 342

PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. A prisão preventiva a partir da reforma do Código de Processo Penal. Alargamento das hipóteses de incidência e ausência de fixação de um prazo razoável. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2098, 30 mar. 2009. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12553>. Acesso em: 13 mai. 2009.

109

3 INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO PROVISÓRIA

3.1 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

RELACIONADOS ÀS PRISÕES CAUTELARES

Neste capítulo é feito o confronto entre as hipóteses de prisão processual

indevida e as formas de responsabilidade estatal, procurando identificar a

possibilidade de indenização por danos resultantes da prisão cautelar.

As prisões processuais serão decretadas ou mantidas, em regra, devido a

ato jurisdicional, ou seja, necessário uma decisão do magistrado fundamentada.

Como mencionado no primeiro capítulo desta monografia, quanto aos atos

jurisdicionais há divergências se existe responsabilidade do Estado ou não.

Independentemente da referida divergência, neste capítulo serão considerados os

fundamentos para a imputação de responsabilidade do Estado nas prisões

cautelares.

Antes de tratar dos fundamentos para responsabilizar o Estado na

decretação ou manutenção de uma prisão cautelar, necessário considerar os

elementos mínimos de uma responsabilidade, quais sejam: ação, dano e nexo de

causalidade, e, principalmente, relacioná-los as prisões cautelares.

Demonstrados os elementos e fundamentos da responsabilidade do Estado

nas prisões cautelares, por fim, serão identificadas as situações nas quais uma

prisão cautelar pode acarretar a responsabilidade estatal.

3.1.1 Ação

O Estado possui ação através de seus agentes343. As prisões cautelares,

como analisado no capítulo segundo, são decretadas, em regra, pelo juiz, exceto a

prisão em flagrante que só depois é homologada pelo magistrado.

343

Afirmação com fulc ro no capítulo primeiro, item 1.1.3 Responsabilidade Civil do Estado.

110

Assim, a ação que pode acarretar responsabilidade ao Estado decorre de

atos de seus servidores, e os agentes do Estado relacionados às prisões

processuais podem ser magistrados, desembargadores, servidores do cartório ou

autoridades policiais. Conforme conceito de Di Pietro344, eles são agentes do Estado

por prestarem serviço ao Estado.

Copola345 assim define agentes:

O vocábulo agentes foi acertadamente empregado pelo indigitado dispositivo constitucional para denotar o sentido genérico e lato de “atuador” público, para, com isso, abranger todos os que realizam alguma espécie ou forma de serviço público.

Não seria razoável que o Estado deixasse de responder por danos causados

por quem atuou munido de atribuições ou poderes oriundos da esfera pública346.

Identificados os agentes públicos que são sujeitos a persecução penal,

passa-se a estudar os atos que poderiam ensejar a responsabilidade estatal.

3.1.1.1 Desrespeitos aos direitos à personalidade – dignidade da pessoa

humana

Dispõe o artigo 5º da CRFB/88347: “X - são invioláveis a intimidade, a vida

privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização por

dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A prisão processual sem justificativa plausível constitui uma ofensa à honra,

à vida, à imagem. A finalidade do dispositivo supramencionado é resguardar os

direitos do cidadão, sobretudo quando o Estado atuar causando prejuízos.

Albrecht348 aduz:

344

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas,

2006. p. 628. 345

COPOLA, Gina. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Boletim de Direito Administrativo: Doutrina, pareceres, jurisprudência, legislação, tribunais de contas (decisões e

orientações). São Paulo: NDJ Ltda, junho 2008. ano XXIV. Nº 6. 346

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22 ed rev., atual. e ampl. até emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 238. 347

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 25. 348

ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever de indenizar a vítima de

prisão injusta. Julho, 2004. p. 152.

111

De fato, como resta claro, o cidadão brasileiro tem assegurado por força de norma constitucional – cláusula pétrea – o direito à inviolabilidade da imagem, da vida privada, da honra e de uma gama de direitos que se difundem sobre o conceito de direitos fundamentais. Em lhe sendo agredido qualquer destes direitos, lhe é assegurado, pela mesma norma, o direito de ser reparado, não somente pelos prejuízos materiais, mas também daqueles chamados de extrapatrimoniais, que certamente socorrem ao cidadão mantido injustamente preso.

Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de

defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a

reputação, a honra, a autoria etc. Destinam-se a resguardar a dignidade humana.

Por tal razão prescreve o artigo 12 do Código Civil: “Pode-se exigir que cesse a

ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem

prejuízo de outras sanções previstas em lei”349.

As ações que acarretarem injustificado dano a qualquer aspecto da

dignidade da pessoa humana, abrangendo a honra, a imagem, a vida privada,

autorizam a condenação em indenização por danos morais e materiais350.

Habib351 afirma o surgimento de uma nova modalidade de prisão – a prisão

midiática- ensinado que não adianta a CRFB/88 asseverar garantias, se na prática

“prende-se, algema-se, humilha-se, desmoraliza-se, e, depois, solta-se, esquiva-se,

e, em alguns casos simplesmente informa-se que os indícios não eram suficientes

para manterem-se presos os investigados”, desrespeitando, assim, os direitos da

personalidade, visto que a honra, a dignidade, a moral estarão abalados por um

equívoco praticado pelo Estado e aduz:

De que adianta, pois, provar-se em juízo a inocência, ao fim e ao cabo de um processo penoso, que normalmente se arrasta por anos a fio, se o réu foi preso midiaticamente [...]. Se vier a ser absolvido de nada adiantará, porque a condenação midiática tem muito mais efeitos práticos, vale dizer, é muito mais eficaz do que a absolvição processual.

A violação aos direitos da personalidade, com restrição indevida da

liberdade, seja por prisão decretada ilegalmente quando, ainda, não existe sentença

condenatória, como nos casos de prisões preventivas, temporárias ou em razão de

349

TELLES Jr., Goffredo apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 72-74. 350

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 48. 351

HABIB, Sérgio. Prisão Midiática: O caso da procuradora Federal. Revista Jurídica Consulex . Ano

XII - nº 265 – 31 de Janeiro de 2008.

112

flagrante, seja nos casos de excesso de prisão ou erro judicial, afronta o direito

fundamental de liberdade e a dignidade da pessoa humana 352.

Assim, tais restrições indevidas da liberdade afrontam a dignidade da

pessoa humana e acarretam indenização. Neste diapasão, Cahali353 ensina que:

Julgados existem a considerar que, preso a qualquer título (antes ou no curso do processo crime) o denunciado, com sua absolvição ao final (na ação penal ou em revisão) e conseqüente soltura, a intercorrência de qualquer forma de privação da liberdade caracterizaria, objetivamente, prisão indevida e, sob a perspectiva do dano injusto, seria suficiente para assegurar ao sentenciado o direito de ser indenizado pelo Estado.

A seguir serão analisados em que casos a prisão provisória viola direitos da

personalidade, causando danos indenizáveis, visto que quando a prisão preencher

seus requisitos legais, em regra, não pode ser fundamento de indenização, pois

configura o exercício de uma das facetas do jus puniendi, confirmando o explanado

no segundo capítulo.

3.1.1.2 Desrespeito ao direito de liberdade de locomoção

A CRFB/88, em vários de seus dispositivos protege a liberdade de

locomoção do cidadão como no caput do artigo 5º, e, especificamente, nos incisos

do mesmo dispositivo: inciso XV: garante a liberdade de locomoção no território

nacional; inciso LXI: assegura que ninguém será preso, exceto em flagrante delito ou

por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente; também por meio de

garantias, como o inciso LIV: exigência do devido processo legal para restringir a

liberdade; e ainda, o inciso LXVII, garantido o habeas corpus, e o inciso LXV,

garantindo o relaxamento de prisão.

352

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão

ilegal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 09 fev. 2009. 353

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p. 480.

113

O Estado deve garantir os direitos individuais do cidadão, coibindo a prática

de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da

autoridade. Resulta, assim, a responsabilidade do Estado pelos danos causados 354.

A inviolabilidade da liberdade pessoal deve ser garantida, por meio de uma

indenização. A prisão constitui exceção e a única justificativa para sua ocorrência é

quando a pessoa humana não possui mais dignidade para desfrutar do convívio

social. Nesse sentido, ensina Stoco355:

A inviolabilidade da liberdade pessoal assegurada pela Constituição da República não traduz mero preceito enunciativo. Resguarda efetivamente esse direito, cuja ofensa acarreta sanção de natureza penal, civil e administrativa, quando for o caso. Aliás, ao mesmo tempo em que erigiu a liberdade como direito fundamental, tratou a Lei Maior, no mesmo art. 5º, de assegurar indenização quando esta for violada, quer havendo prejuízo material, quer apenas moral (inc. X). A liberdade da pessoa física, impropriamente denominada “liberdade individual”, constitui a primeira forma de liberdade que a pessoa teve que conquistar, posto que se opõe ao estado de escravidão e de prisão, que constitui exceção e só encontra justificativa quando a pessoa humana já não mais detém dignidade suficiente para desfrutar do convívio social.

Todavia, mesmo que observadas as condições de legalidade da prisão

cautelar, esta prisão pode acarretar indenização se, por exemplo, o acusado for

condenado a infração que não corresponda a pena privativa de liberdade, ou a pena

for inferior a detenção sofrida. Nesse aspecto, para justificar a indenização pela

prisão cautelar, observa-se que a lei constitucional condiciona a expropriação da

propriedade à paga de uma prévia e justa indenização, não podendo, destarte, esta

mesma lei desproteger bem axiologicamente superior (no mínimo legal igual): a

liberdade356.

O poder de o Estado restringir a liberdade de locomoção não é absoluto,

pois a CRFB/88 protege a liberdade de locomoção, por meio de indenização quanto

desrespeitada. Nesse sentido:

Mesmo diante da imprecisão da Lei maior em alguns aspectos sobre o tema, entendemos que o direito brasileiro assegura amplamente a

354

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed. rev. ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 75. 355

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 903. 356

CANOTILHO, José Joaquim Gomes apud ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do

Estado: o dever de indenizar a vítima de prisão injusta. Julho, 2004. p. 152.

114

indenização nos casos de prisão ilegal, pois a liberdade pessoal goza de total proteção da Constituição Federal, que previu a possibilidade de indenização por danos morais e patrimoniais em que sejam lesados referidos direitos. Dessa forma, o poder que tem o Estado de restringir a liberdade pessoal, via prisão, não é absoluto e caso esse poder seja utilizado sem a observância das normas previstas, o ente estatal ficará obrigado a indenizar os danos causados ao particular357.

O CC/2002 358 possibilita indenização por ofensa à liberdade pessoal:

Art. 954 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I - o cárcere privado; II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III - a prisão ilegal.

Como o artigo 954, do CC/2002 se refere ao parágrafo único do artigo

antecedente, cabe escrever o que contem tal dispositivo do Código Civil359:

Art. 953 - [...] Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

O parágrafo único do artigo 954, do CC/2002, dispõe casos de ofensas à

liberdade pessoal e ao direito de ir e vir, voltadas à locomoção. Cabe destacar

dentre os casos citados no artigo 954, do CC/2002 o que poderá acarretar a

responsabilidade do Estado é a prisão ilegal, que consiste na “[...] detenção feita

sem qualquer ordem de autoridade competente, ou sem que haja flagrante, por

autoridade pública no desempenho de sua atividade funcional [...]” 360.

357

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov 2004. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961. Acesso em: 15 nov. 2008. 358

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Civil. p. 186. 359

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código Civil. p. 186. 360

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 156.

115

O CC/2002 indica apenas alguns casos de ofensa à liberdade pessoal essa

enumeração não é taxativa, nesses casos declarados há sempre ofensa à liberdade

pessoal361.

No mesmo sentido supra mencionado, Venosa362 entende que o rol do artigo

954, do CC/2002 não é exaustivo, sempre que algum ato atentar contra a liberdade

de outrem haverá o dever de indenizar.

Também, Stoco363 com fundamento que a CRFB/88 assegurou a

inviolabilidade a qualquer ofensa a liberdade pessoal, afirma que o artigo 954, do

CC/2002 não pode ser interpretado como taxativo, pois esqueceu a prisão além do

tempo fixada na sentença, prevista na CRFB/88. O doutrinador enume ra algumas

hipóteses de ofensa à liberdade pessoal:

[...] alguns casos de prisão indevida, [...], como, ad exemplum, o indivíduo mantido preso injustamente, sem motivação aparente, ou que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou ainda esteve cumprindo pena de outro indivíduo, seu homônimo. A prisão temporária (Lei 7.960, de 21.12.89), a prisão em flagrante (CPP, art.301) efetivada por agente público e a prisão preventiva (CPP, art. 312) sem que ocorra a instauração de ação penal poderão conforme o caso e as circunstâncias, converter-se em erro judicial, ensejador da prisão indevida. São, portanto, hipóteses de prisão indevida por erro judicial (e não judiciário) que traduzem em ofensa à liberdade pessoal e que também empenham a responsabilidade do Estado, por força das garantias asseguradas no art. 5º da CF/88 e art. 954 do CC, pois, como estabelece o § 2º daquela Carta, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados [...]”.

Os casos mais comuns, dentre os previstos no artigo 954, do CC/2002, e

que se encontram nos precedentes jurisprudenciais decorrem da ação do Estado por

meio de seus agentes, como, a prisão ilegal ou abusiva, as condenações

decorrentes de erro judiciário, o cumprimento da pena por inocente em lugar de seu

homônimo, e outros364.

361

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:

Revista do Tribunais, 2005. p. 772. 362

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4. p. 308. 363

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 904 e 1066. 364

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 903.

116

De acordo com a CRFB/88, o Estado é responsável direto por prisão ilegal

ocorrida por ato de seus agentes, tendo ação regressiva contra os servidores

públicos, para se ressarcir do pagamento efetuado365.

Outrossim, afirma Diniz366:

No caso de prisão ilegal, por ser crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65), pelo preceito constitucional, art. 37, § 6º, a pessoa jurídica de direito público é que será a responsável direta pelo dano causado, tendo, porém ação regressiva contra a autoridade [...].

Ainda, quanto às ações dos agentes que desrespeitarem o direito à

liberdade de locomoção, apesar de pela leitura dos dispositivos acima escritos

(artigo 954 e parágrafo único do artigo 953, ambos do CC/2002), induzirem a

interpretação de que por tal restrição somente caberia o dano material, a ofensa à

liberdade de locomoção permite que se cumule indenização por danos materiais e

morais367.

Também, ensina Quirino368 que a privação indevida da liberdade pessoal

impõe ao Estado o dever de indenizar os danos morais do fato injusto, podendo o

dano ter reflexos patrimoniais.

Ainda, cabe destacar o que dispõe a Súmula 37 do STJ 369: “São cumuláveis

as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

No âmbito internacional a liberdade de locomoção também é tutelada. A

CRFB/88 acolheu os pactos internacionais370.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (aprovado pelo Decreto

legislativo número 226 de 12.12.1991, e promulgado pelo Presidente da República

365

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2006. p. 726. 366

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. rev. e

atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 7°. p. 157. 367

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4. p. 310. 368

QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 57. 369

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Súmulas do Superior Tribunal de Justiça . p. 1156. 370

Art. 5º [...]

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo:

Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 29.

117

através do Decreto número 592, de 6.7.1992) protege a liberdade dos cidadãos em

seus dispositivos nono e quatorze371.

Os direitos previstos nos artigos nono e quatorze do Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos demonstram a vedação ao encarceramento arbitrário,

garantido a estrita legalidade na adoção de medidas constritivas da liberdade, bem

como permitindo a privação da liberdade só quando verificados os motivos

autorizados em lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos. Desta

feita, decretada qualquer prisão sem os princípios, pressupostos e fundamentos

estabelecidos em lei, a prisão será tida como ilegal. O pacto reforça que a prisão

preventiva deve funcionar como exceção, dando proteção mais uma vez ao direito

de liberdade que deve constituir a regra geral. O Pacto Internacional foi mais além

que a CRFB/88, pois além da indenização por erro judiciário, previu reparação para

qualquer espécie de prisão ilegal372.

Ainda, sobre tais dispositivos afirma Delmanto Júnior373:

Ao passo que nossa lei maior fala em indenização somente em virtude do erro judiciário, ou de restar preso por tempo além daquele fixado em sentença (art. 5º, LXXV), o diploma internacional avança mais: expressamente determina a reparação para qualquer prisão ou encarceramento ilegal (art. 9º, 5), não obstante também faça referência, em outro artigo, à indenização por erro judiciário (art.14,6).

Pelo exposto, para que a restrição da liberdade acarrete responsabilidade do

Estado, basta o desrespeito aos princípios, pressupostos, fundamentos das prisões.

Se, por um lado, ao Estado é conferido o poder de restringir a liberdade pessoal,

esse poder não é absoluto. A pessoa jurídica de direito público fica adstrita as regras 371

Art. 9º - 1.Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou

encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos. 3.A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas

a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. 4.Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito a reparação. [...]

Art.14: 6.Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou quando um indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos...

Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm> Acesso em: 10 fev. 2009. 372

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão

ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http: //jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>acesso em: 15 nov. 2008. 373

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração .

2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 37.

118

fixadas pelo legislador. Essas regras limitadoras da atuação do Estado, caso não

respeitadas, seja por erro ou omissão, acarretam-lhe a obrigação de indenizar o

particular374.

Considerando a CRFB/88, juntamente com o Pacto Internacional, conclui-se

que ações que causarem restrição da liberdade de locomoção sem respaldo legal,

mesmo sem a ocorrência de um erro judicial (sentença condenatória e posterior

absolvição por revisão criminal), são fundamento para responsabilização do Estado.

Logo, desrespeitados princípios, pressupostos e fundamentos da prisão processual

não há dúvida que caberá ao Estado indenizar. Contudo, ainda, analisar-se-ão, com

maior cautela, em que casos a prisão cautelar gerará indenização.

3.1.1.3 Abuso de autoridade

O abuso, desvio ou excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora

adequada para a prática do ato administrativo, ultrapassa os limites de sua

atribuição, desvirtua o próprio ato ou se desvia dos fins estabelecidos pela

administração ou exigidos pelo interesse público. O abuso de poder, por parte da

Administração, ou abuso de autoridade, por parte dos seus agentes, poderá ensejar

reparação quando atingir direitos do próprio poder público, direitos individuais ou

direitos coletivos dos administrados ou de terceiros375.

Os artigos 3º e 4º da Lei 4.898/1965 apresentam casos de abuso de

autoridade. Os referidos dispositivos estabelecem o fundamento para que o Estado

seja responsabilizado por ações que desrespeitem o direito à liberdade de

locomoção.

Em relação à liberdade de locomoção, constituem abuso de autoridade as

seguintes alíneas dos referidos dispositivos:

Art. 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; [...]

374

QUIRINO, Arnaldo. Prisão Ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 44. 375

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 12007.

119

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; [...] c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer se proponha a prestar fiança, permitida em lei; [...] i) prolongar a execução da prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade376.

Ainda, o artigo 6º da Lei 4.898/1965377 menciona que o abuso de autoridade

sujeitará o autor da infração à sanção administrativa, penal e civil, podendo ser

aplicada cumulativamente ou de forma autônoma.

Importante destacar que a seguir identificar-se-á quando se caracteriza o

abuso de autoridade no âmbito penal.

Em relação à ocorrência de atentado à liberdade de locomoção (alínea a, do

artigo 3º, da Lei 4.898/1965), é preciso que a autoridade restrinja, sem respaldo

legal, com intenção de abusar do poder, a liberdade do indivíduo. Por se tratar de

delito de atentado, não é necessário consumar-se a privação da liberdade (o que

poderia incidir na figura típica descrita na alínea a, artigo 4º, desta Lei), basta à

turbação do direito de se locomover, bem como o de permanecer em algum lugar

público378.

Ensina Capez379 que para se configurar abuso de autoridade deve existir a

intenção de abusar.

Em comentários a alínea a, do artigo 4º, da Lei de Abuso de Autoridade,

Nucci380 afirma:

[...] ordenar significa determinar ou mandar que se faça; executar quer dizer realizar, efetivar ou cumprir. O objeto das condutas é a medida privativa de liberdade individual (prisão). Nota-se, pois, que o

376

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Legislação Complementar. p. 723. 377

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Legislação Complementar. p. 723. 378

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 37. 379

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 22. 380

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual.

e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46.

120

tipo penal envolve tanto o mandante quanto o executor da ordem de prisão ilegal ou abusiva. Aliás, vale ressaltar, desde logo, que a redação desde dispositivo não nos parece tenha sido a ideal. O abuso de autoridade, na realização de uma prisão, ocorrerá sempre que houver o descumprimento das formalidades impostas por lei, o que, por conseqüência natural, implica em abuso de poder. Logo, não haveria necessidade de se mencionar as duas expressões: “sem as formalidades legais” ou “com abuso de poder”. Se não respeitou a lei, houve abuso; se houve abuso é porque não cumpriu a lei.[...].

O delito comentado acima absorve o de deixar de comunicar a prisão ao

juiz381. Em que pese o inciso LXII, do artigo 5º, da CRFB/88 382 dispor que: “a prisão

de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente

ao juiz e à família do preso ou pessoa por ele indicada”, somente ocorre abuso de

autoridade com a falta de comunicação da prisão ao juiz. E, ainda que detenção,

retenção de alguém por curto espaço de tempo, não necessita ser comunicada ao

magistrado383.

Para que a alínea d, do artigo 4º, da Lei 4.898/1965 constitua abuso de

autoridade ensina Capez384 que necessário o dolo do magistrado.

Configura-se abuso de autoridade o fato de levar à prisão ou nela deter

quem se proponha a prestar fiança permitida em lei. Para caracterizar o abuso de

autoridade necessário manter preso ou levar a prisão quem se proponha a prestar

fiança permitida. Não caracteriza o delito de abuso de autoridade a deixar de

conceder a liberdade provisória, sem fiança, ainda que cabível a liberdade, pois é

vedada a aplicação do dispositivo para prejudicar o réu385. Neste caso, mesmo não

configurando delito de abuso de autoridade, poderá ocorrer a responsabilização do

Estado, uma vez que infringiu o direito a liberdade de locomoção .

Acima se referiu as condutas que relacionadas à prisão caracterizam abuso

de autoridade, importante destacar que a sanção civil independe da penal (esta que

381

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 23-24. 382

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal. p. 28.. 383

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 50. 384

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 25. 385

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3 ed. ver. Atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 53.

121

exige o dolo), porém se demonstrado o abuso de autoridade mais facilidade haverá

para responsabilizar o Estado. Nesse sentido, ensina Capez386:

De acordo com o art. 6º, §2º, da Lei, “a sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros”. A prefixação do valor da indenização, em face da desvalorização da moeda, tornou-se letra morta. O agente responsável pelo abuso fica obrigado, entretanto, à reparação do dano. Não se deve esquecer que um dos efeitos da condenação definitiva é tornar certa a obrigação de reparar o dano (CP, art. 91, I), e que a sentença condenatória transitada em julgado é título executivo judicial no juízo cível (CPP, art. 63 e CPC, art. 584,II). Se o ofendido ou seu representante legal preferirem, não será necessário aguardar o trânsito em julgado da sentença, podendo ser ajuizada desde logo a actio civilis ex delicto. Nesse caso, a ação deverá ser promovida em face da pessoa jurídica de direito público em nome da qual a função era exercida (CF, art. 37, §6º), ficando dispensada a prova do dolo e da culpa (basta provar o nexo causal entre o abuso e o dano).

Diante do exposto, conclui-se que para a existência da responsabilização do

Estado por abuso de autoridade basta demonstrar o nexo causal entre o abuso e o

dano, não havendo necessidade do dolo ou culpa na esfera civil.

3.1.1.4 Erro judiciário

Caso interpretasse que para a ocorrência de erro judiciário necessário

revisão criminal só nas hipóteses do artigo 621, do CPP haveria erro judiciário.

Como demonstrado no capítulo primeiro (item 1.4.3) com a ação de revisão

criminal tem-se já o direito de pedir indenização ao Estado por erro judiciário. Sem a

revisão criminal, como no caso das prisões processuais em que supostamente

ocorreu erro judiciário (se interpretado em sentido amplo), há divergências se cabe

ação de indenização contra o Estado.

Há entendimento de que a revisão criminal não é requisito para interpor ação

de indenização contra o Estado387.

386

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 34-35. 387

Já mencionado no capítulo primeiro (item erro judicial). CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev.

amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 777 – 778.

122

Assim, o erro judiciário poderia abranger outras hipóteses além do erro na

condenação, como o erro no recebimento da denúncia, na decretação da prisão

cautelar, no arresto e na busca e apreensão388.

Todavia, Stoco389 ensina que a desconstituição do julgado é condição para

ação de indenização sob pena de estar instalada a incerteza jurídica. Entende como

condição à reparabilidade do erro judiciário, a necessidade indispensável de revisão

ou rescisão do julgado, ou seja, a desconstituição do julgado pela via própria.

Destaca, entretanto, que a exigência de desconstituição do julgado só se refere a

decisão de mérito, ao assim ensinar:

A exigência da desconstituição do julgado, como precondição, só se refere à decisão de mérito. O indivíduo, ad exemplum, que permaneceu preso injustamente, sem motivação aparente, que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou que cumpriu pena de outro indivíduo, seu homônimo, poderá a qualquer tempo exigir reparação do Estado. Mas aqui não se trata de erro judiciário, mas de má atuação do Estado-Administração. A permanência na prisão, decorrente de sentença condenatória, além do prazo nela estipulado poderá até decorrer de erro judiciário, em razão de erro de cálculo ou mesmo de incorreto critério na apuração, in concreto, da pena exeqüenda ou na sua unificação. Evidentemente que nessa hipótese a só comprovação do erro e a existência de nexo causal entre este e o dano ensejerá a indenização. O erro, na hipótese, não decorre da decisão de mérito, mas localiza-se na execução da pena, fase posterior ao iudicium causae.

Entende Dias390 que se o acusado que foi preso no trâmite do processo

penal for absolvido ao final já gera responsabilidade ao Estado. Menciona que não

se pode restringir o erro judiciário penal às hipóteses de condenação injusta ou de

manutenção do condenado preso além do tempo devido. Configura-se erro

judiciário, ainda, por exemplo, o erro no recebimento da denúncia ou da queixa, da

prisão cautelar ou preventiva, na recusa do relaxamento do flagrante ou da liberdade

provisória. Todos esses erros judiciários são causadores de danos, se o acusado for

posteriormente absolvido ou se despontarem reconhecidos no duplo grau de

388

PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 mai. 2009. 389

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1050. 390

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional .

Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 193.

123

jurisdição, mediante a interposição de recursos adequados, situações que acarretem

a responsabilidade do Estado.

Entretanto, há posição no sentido de que a simples absolvição do acusado

que permaneceu preso não gera erro judiciário. A prisão cautelar, pelo só fato da

prisão, seja temporária, em flagrante ou preventiva, ou, ainda, qualquer outra

medida de caráter provisório, não enseja reparação apenas em razão de o indiciado

ou acusado ter sido absolvido. Contudo, havendo excesso ou abuso da autoridade,

erro inescusável ou vício que contamine o ato de constrição e de restrição da

liberdade, esses serão considerados ato ilícito e poderão ensejar reparação. Quando

a prisão cautelar for erro judiciário apenas em razão da absolvição, todo o

arcabouço e o sistema jurídico penal estarão desacreditados. Nenhuma cautelar

poderá ocorrer fora das hipóteses previstas na lei, sob pena de se responsabilizar o

Estado. Todavia, preenchidas as condições da lei, não há como vislumbrar direito de

reparação pelo só fato da prisão que não se converteu em definitiva pela

condenação. O Direito Positivo, expresso na lei processual penal, perderá

efetividade e se instalará o medo e se incentivará a criminalidade. Não haverá

segurança jurídica para a sociedade, nem mesmo para o aplicador da lei. Se as

medidas de caráter cautelar são previstas e permitidas, não podem se transmutar

em ato ilícito apenas porque houve a absolvição posterior. Somente quando a prisão

se transporte para a ilicitude é que poderá ensejar reparação391.

A CRFB/88 garante o direito da liberdade de locomoção ao responsabilizar o

Estado por erro judiciário. As divergências entre os doutrinadores encontram-se em

definir o que consiste o erro judiciário penal. Uns entendem que só há erro judiciário

no âmbito penal com uma sentença condenatória e posterior revisão criminal

acarretando a absolvição. Outros interpretam erro judiciário penal de forma

extensiva, ou seja, entendem que só o fato de uma prisão cautelar e posterior

absolvição ou não instauração da ação penal já ensejam uma indenização.

Deve-se analisar o caso concreto, o simples fato de absolvição ao final não

deve ser interpretado como um erro. Além disso, as prisões processuais decretadas

sem requisitos legais, mesmo não reconhecidas como erro judiciário, podem

acarretar responsabilização do estado por desrespeito à liberdade de locomoção,

dano moral, abuso de autoridade ou outros fundamentos antes mencionados.

391

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1074.

124

3.1.1.5 Prisão além do tempo fixado na sentença

A CRFB/88 também garante o direito à liberdade de locomoção

possibilitando indenização ao cidadão que ficar preso além do tempo fixado na

sentença, em seu inciso LXXV, artigo 5º.

Há diferença entre erro judiciário e prisão além do tempo, podendo ocorrer

erro judiciário sem prisão além do tempo e vice-versa. A prisão além do tempo não

decorre do clássico erro judiciário, nem assim se caracteriza, pois ocorre não em

razão de uma decisão, mas em função da incorreta execução da pena ou da desídia

dos agentes públicos392.

Ao impor-se ao Estado a obrigação de indenizar aquele que “ficar preso

além do tempo fixado na sentença”, estaria também implicitamente assegurando à

pessoa o direito de ser indenizada em virtude de ordem de prisão cumprida sem

sentença condenatória. Sendo injusta ou ilegal a prisão no que exceder o prazo

fixado na sentença de condenação, seja menos injusta ou ilegal a prisão do réu que

é nela mantido se ao final ocorre uma sentença absolutória. Todavia, a questão

revela-se complexa na medida em que a CRFB/88 permite as prisões cautelares.

Impende levar em consideração para definir a responsabilidade civil do Estado o

exame da legalidade ou regularidade da prisão em flagrante do autuado, e não

necessariamente a sentença absolutória393.

Na hipótese de o preso ficar retido além do tempo fixado na sentença

deverá pleitear seu direito em ação própria no juízo civil394.

Cabe destacar que, geralmente, nos casos de excesso de prisão, a

responsabilidade do Estado poderá ser interpretada por duas vertentes: 1) decorrerá

não de uma ação, mas sim de uma omissão do agente público que deveria soltar,

mas não agiu; 2) decorrerá de uma ação do agente ao manter preso o acusado. Se

interpretado como uma omissão, conforme a doutrina relatada, no capítulo primeiro

392

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1065. 393

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 787. 394

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.

261.

125

desta obra395, a responsabilidade seria subjetiva. Se entendido como uma ação, a

responsabilidade seria objetiva, e, ainda, por ser tratar em desrespeito ao direito à

liberdade do cidadão neste caso independeria da demonstração de culpa.

3.1.2 Dano

No capítulo primeiro desta obra mencionou-se que dano é um prejuízo,

podendo ser, conforme CRFB/88, dano moral, dano patrimonial e/ou dano a

imagem. A prisão (mesmo legal), geralmente, acarreta prejuízos aos acusados e a

suposta compensação destes prejuízos, normalmente se dá por meio de uma

indenização.

Cabe destacar que a indenização além de ter caráter de reparação,

compensatório, deve imprimir ao ofensor um caráter punitivo 396.

Não havendo dano não há o que reparar, indenização sem dano é

enriquecimento ilícito para quem recebe e pena injustamente imposta a quem

paga397.

É certo que se for o acusado considerado culpado na sentença condenatória

o Estado tem o direito de exercer o jus puniendi, não havendo indenização pela

prisão. É, também, certo que se comprovado a inocência do acusado por meio de

revisão há obrigação indenizatória398.

Diante do direito do Estado exercer o jus puniendi convém analisar em que

casos o dano será indenizável.

No capítulo primeiro trouxe os requisitos necessários para que o dano seja

indenizável, em síntese: a certeza do dano (tem que ser real) e da lesão a um

direito.

395

GASPARI, Diógenes. MELLO, Celso Antônio Bandeira. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Capítulo primeiro Item 1.2.4. 396

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão

ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 397

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão

ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 398

CANOTILHO in DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função

jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 191.

126

A prisão presumidamente já acarreta um dano moral. Nos casos de prisão

parece-nos dispensável avaliar a ocorrência ou não do dano moral. Não resta

dúvida: o sofrimento moral é inerente à prisão399.

A existência de dano contra o direito de liberdade pessoal é um dos

elementos necessários para a caracterização da responsabilidade civil do Estado. A

liberdade é direito inerente à personalidade do indivíduo. Somente pelo fato da

prisão ilegal já fará jus o lesado a pelo menos uma indenização por danos morais

(“presumido”) 400.

No mesmo sentido, ensina Desembargador Sergio Pitombo 401:

A prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta. [...] Prisão é o constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa.Vale assentar: surge inerente a própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois.

Quanto ao dano material na prisão ilegal, deve-se analisar caso a caso, com

a finalidade de avaliar a real existência do prejuízo e o valor da indenização. Nesse

sentido:

Dando destaque à prisão ilegal e relacionando-a ao dano patrimonial, cabe assegurar que os danos dela decorrentes, devem ser analisados particularmente em cada caso, com o fim de aquilatar a real existência do prejuízo sofrido e o quantum indenizatório. A título de exemplo, podemos citar a prisão ilegalmente decretada de um grande comerciante que pode produzir, sem sombra de dúvidas um formidável abalo de crédito e sendo o crédito, instrumento utilizado pela maioria dos comerciantes no exercício da atividade comercial, pode decorrer de tal acontecimento a falência. Com isso, deve ser prestado, pelo Estado, indenização correspondente aos danos

399

AMARAL, Sylvia Maria Mendonça do..Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios. Jus

Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out.. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009. 400

QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.

p. 59. 401

Voto nº 6276 – Desembargador Sergio Pitombo, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 054.432.5/0-00, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo VER ORIGINAL TJSP In AMARAL,

Sylvia Maria Mendonça do. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios. Jus Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out.. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso

em: 23 jan. 2009.

127

morais, e materiais, inclusive, o dano emergente e o lucro cessante402.

Em se tratando de prisão ilegal e no que diz respeito ao dano patrimonial,

deverá ser avaliado o prejuízo efetivo sentido pelo lesado, conforme a realidade do

caso concreto. Pode a indenização ter caráter alimentar ou ter natureza de

recomposição patrimonial propriamente dita, restringindo-se nessa última hipótese

ao restabelecimento do statu quo ante 403.

Hentz404, ainda, entende que a prisão acarreta dano pessoal ao afirmar:

A prisão indevida é passível de gerar os danos patrimonial e moral, sem dúvida, mas nem só nesses se encerram os danos passíveis de serem sentidos por aquele que sofre a perda da sua liberdade física indevidamente. A natureza da liberdade pessoal e a sua importância para o homem faz gerar um prejuízo especial a sua perda, impondo ao Estado a responsabilidade de indenizar também o dano pessoal em que se consubstancia tal perda.

O primeiro requisito do dano (real - certo) só pelo fato da prisão já está

cumprido. Cabe demonstrar a ocorrência de lesão a um direito, como o desrespeito

à liberdade de locomoção de forma ilegal ou desnecessária, e esse segundo

requisito deverá ser analisado caso a caso.

Pode ocorrer responsabilidade do Estado conseqüente de prisão ilegal, erro

judiciário, prisão além do tempo, também por decisão de prisão sem sentença

condenatória, prisão de terceiro, pessoa diversa do suposto infrator por equívoco da

autoridade em razão da homonímia, falsa identificação, semelhança ou parentesco,

ou em cumprimento a mandado de prisão já revogado, condenação imposta na

sentença inferior ao tempo que o réu ficou preso 405. Nesses casos, supostamente,

ocorreram a certeza do dano e a lesão a um direito – liberdade de locomoção.

Em matéria de indenização o dano passível de invocar a responsabilidade

do causador deve consistir em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como

garantido em favor de alguém, não bastando para caracterizá-lo mero prejuízo, e

402

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009 403

QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 61. 404

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Responsabilidade civil do Estado por prisão indevida. p. 8. Unesp.

Disponível em:<http://www.franca.unesp.br/Responsabilidade%20do%20Estado.pdf> Acesso em: 03 fev. 2009. 405

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:

Revista do Tribunais, 2005. p. 787-789.

128

ainda, mesmo esse prejuízo reconhecido pela ordem jurídica, ele, às vezes, é

sufocado, pela proteção ao interesse maior do Estado a coletividade406.

Para existir a responsabilização do Estado necessária a ocorrência do dano,

além dos prejuízos inerentes a uma prisão: “Por lastimável que seja a prisão ilegal,

nem por isso a indenização dos danos se transforma numa punição econômica

infligida ao Estado, sem qualquer correspondência com os prejuízos que o autor

tenha sofrido” 407.

Para ocorrência de indenização por dano, tanto patrimonial, como moral,

necessária a existência de: resultado danoso, conduta omissiva ou comissiva do

Estado, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado 408.

Diante de todo o exposto, conclui-se que para ocorrer a responsabilização

do Estado necessário junto a outros elementos (conduta, nexo causal), o dano. Se

não existe dano, desnecessário ver se ocorreu ou não o nexo causal. Quanto ao

dano advindo da prisão cautelar cabe considerar em que casos ele será indenizável.

Por o Estado possuir o jus puniendi poderá, por meio do processo ou em seu

trâmite, para assegurar esse direito restringir a liberdade de um cidadão. Logo, como

mencionaram os doutrinadores que só pelo fato da prisão já há dano, deve-se

analisar se este é indenizável.

3.1.3 Nexo causal

Como exposto no capítulo primeiro, nexo causal é o elo entre a conduta do

agente do Estado (ação ou omissão) e o dano. Se não existir ligação entre a causa

(conduta) e o efeito (dano) não há responsabilização.

Não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um “erro de

conduta”. Não basta, ainda, que a vítima sofra um dano, que é o elemento objetivo

do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta não gera 406

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora

Universitária de Direito Ltda, 1995. p.113-114. 407

TJSP. 5ª C. Ap. 162.750 – Rel.Rodrigues de Alckmim – j. 21.07.67 – RJTJSP 5/97 in STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p. 1067. 408

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo.Responsabilidade Civil do Estado por prisão ilegal. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 23 jan. 2009.

129

responsabilidade. É necessário, além da ocorrência dos dois elementos

precedentes, que se estabeleça uma relação de causalidade entre a ação e o mal

causado. É preciso a certeza que, sem o fato, o dano não teria acontecido 409.

A presença do nexo causal não significa a certeza de indenização, pois

pode ocorrer exclusão da responsabilidade do Estado, em face das excludentes do

dever de indenizar410.

Para haver responsabilização do Estado tem que existir a causa direta do

fato que causou o dano devido à ação do Estado. Logo, há excludentes que por

rompimento ou inexistência do nexo causal não acarretam responsabilização do

Estado.

3.2 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Neste item, são estudadas as causas que possam elidir, excluir ou atenuar a

responsabilização do Estado em relação à decretação ou à manutenção das prisões

processuais. Cabe destacar que, no capítulo primeiro do presente trabalho foram

expostas as seguintes causas com as funções acima mencionadas: fato da vítima,

força maior, caso fortuito, culpa de terceiro, estado de necessidade. Neste capítulo,

pretendem-se analisar em que situações referidas causas estarão presentes quando

da responsabilização do Estado na prisão cautelar.

Ensina Quirino411:

O direito brasileiro adotou a teoria do risco administrativo (que comporta restrições) em matéria de responsabilidade do Estado, em detrimento da teoria do risco total (sem restrições), pois aquela primeira teoria admite a existência de excludentes do dever de indenizar. Esta é a posição da maioria da doutrina mais recente sobre o tema. Dessa forma, para que a obrigação estatal se perfaça, além do nexo causal entre a sua autuação e o dano respectivo, também é necessário que não tenham contribuído para o prejuízo a própria vítima ou terceiro, nem decorra de caso fortuito ou força maior; essas excludentes são motivos que afastam a obrigação do

409

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 151. 410

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.106. 411

QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.

p. 58.

130

Estado de indenizar, por descaracterizarem o próprio nexo causal. [...].

Pelo fato do direito à liberdade ser personalíssimo poder-se-ia dizer que em

relação à prisão o legislador constitucional deu azo à invocação do risco integral, ou

seja, a responsabilidade do Estado pela prisão não admitiria excludentes. Todavia,

não parece ser essa a interpretação pertinente. Para que se tenha o dever de

indenizar derivado dessa especial ocorrência como responsabi lidade do Estado, em

primeiro lugar é necessário admitir o poder de suprimir a liberdade de alguém como

uma atividade estatal organizada no interesse público 412.

3.2.1 Fato da vítima

Importante mencionar a excludente, disposta no artigo 630 do CPP413, do

erro judiciário:

Art. 630 - [...] § 2° A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; [...].

Diante disso, se depara com a primeira excludente da responsabilização do

Estado, qual seja: a culpa da vítima. O dano ocorreu, a prisão processual, o Estado

por meio de seus agentes errou ao decretá-la ou mantê-la, porém por culpa da

vítima decretou-se ou manteve-se a prisão cautelar.

Ensina Hentz414: “o que existe é a quebra do nexo causal que ligaria a

conduta do imputado, potencialmente lesiva, ao dano verificado, porque a postura do

ofendido foi bastante para a verificação do resultado”.

Em relação à referida excludente, ensina Mirabete415:

412

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.124. 413

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Código de Processo Penal. p. 436. 414

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p.132. 415

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 715.

131

Nesta hipótese a culpa é do próprio interessado, não se podendo permitir que se valha da fraude em benefício próprio. Entretanto, ausente esta, como ocorre, por exemplo, em uma confissão obtida por coação, a culpa do Estado é manifesta e, positivada a ausência de fraude do réu, a indenização se impõe.

Nessa espécie, nota-se uma excludente de responsabilidade do Estado,

caracterizada pela culpa exclusiva do preso, consistente na propositada fraude à

correta administração da justiça. Não pode, assim, o acusado beneficiar-se da

própria torpeza. Cumpre consignar que a indicação no texto legal da confissão ou

ocultação de prova pelo acusado é meramente exemplificativa, admitindo-se outras

situações hipotéticas416.

Quando se tratar de culpa concorrente da vítima (ou terceiro), a obrigação

do Estado é reduzida na mesma proporção417.

Conclui-se que se a vítima que fez com que o Estado decretasse sua prisão,

não há motivo para que o Estado seja responsabilizado, uma vez que se rompeu o

nexo de causalidade entre a ação do agente público e o dano, devido a ação da

vítima. Por exemplo, poderíamos citar a decretação de prisão preventiva, cumprido

os seus pressupostos e o fundamento da aplicação da lei penal, ao acusado que se

omite da justiça sempre quando esta tenta localizá-lo para o tramite processual e

futura aplicação da pena. Todavia, no mesmo caso se além de o acusado se omitir

(culpa da vítima – acusado) não havia os pressupostos para a decretação de uma

prisão preventiva, haverá a responsabilidade do Estado, porém esta será reduzida.

3.2.2 Culpa de terceiro

No mesmo caso que a culpa da vítima, a culpa de terceiro rompe ou atenua

a responsabilidade do Estado, pois se rompe o nexo entre a ação dos agentes do

Estado e o dano.

Entende-se por terceiro alguém diferente das partes418. No caso do tema

em estudo, terceiro seria a pessoa diversa do Estado e do preso. 416

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 743. 417

QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999.

p. 58.

132

A CRFB/88 é explícita ao fixar a responsabilidade do Estado pelos atos

praticados por seu funcionário. Assim, se o terceiro causador do dano não exercer

função pública, cumpre ao lesado buscar a devida reparação contra este e não

contra o Estado419.

O parágrafo 2º do artigo 630 do CPP420, em relação ao erro judiciário, dispõe

que “a indenização não será devida: [...] b) se a acusação houver sido meramente

privada”.

Em relação ao fato da acusação ser meramente privada, tal fato não exclui a

responsabilização do Estado, assim, entende Mirabete 421:

O código nega também a indenização “se a acusação houver sido meramente privada”, o que não apresenta justificativa, uma vez que a condenação foi proferida em ação penal, de responsabilidade do Estado. A proibição, entretanto, não mais subsiste porque a Constituição Federal, ao determinar a indenização pelo erro judiciário, não faz qualquer restrição ao fato de ter ele ocorrido em ação de iniciativa privada.

Ensina Rui Stoco422 ao mencionar a responsabilização do Estado por abuso

de autoridade:

Se o preposto cometer abuso de autoridade fora de suas funções, inexistirá nexo causal que conduza à responsabilização do Estado. Se, porém, embora fora das funções, atua em razão delas, responderá o poder público. Se um policial, embora fardado e com arma da corporação, mas fora de suas funções, agride e fere uma pessoa por razões pessoais, não se configura o abuso de autoridade, pois naquele momento não agiu nesta qualidade.

Em relação à culpa de terceiro, Hentz423 exemplifica com o falso testemunho

e afirma que só na prática pode constatá-la. Ainda, menciona como culpa de terceiro

a falha de advogado.

418

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. atual. de acordo com Código Civil de 2002. São Paulo. Atlas, 2006. p. 53. 419

PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 29 jan. 200 9. 420

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 436. 421

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 715. 422

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1208. 423

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora

Universitária de Direito Ltda, 1995. p.133-134.

133

Logo, o Estado exerce suas funções através dos agentes públicos, quando

não forem estes os causadores do dano não há motivo de responsabilização do

Estado.

3.2.3 Força maior e caso fortuito

Apesar de caso fortuito e força maior está inserido no mesmo tópico, cabe

destacar, como mencionado no capítulo primeiro, que possuem distinções. A força

maior é um acontecimento inevitável, sendo uma excludente. Já no caso fortuito, o

dano decorre de ato humano, falha da administração, não há excludente.

Os motivos alheios à vontade humana podem em geral ser causas de

danos, mas não implicarão, em regra, em obrigação por parte do ente público 424.

Ensina Mello425 que a força maior será relevante na medida em que se pode

comprovar a ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido e

o caso fortuito não exime a responsabilidade do Estado ao explicar: “[...] se alguma

falta técnica, de razão inapreensível, implica a omissão de um comportamento

possível, a impossibilidade de descobri-la, por seu caráter acidental, não elide o

defeito do funcionamento do serviço devido pelo Estado”.

Na responsabilidade do Estado por prisões cautelares, no caso concreto,

dever-se-á observar se ocorre força maior ou caso fortuito.

3.2.4 Estado de necessidade/estrito cumprimento do dever legal/legítima

defesa

O Código Civil não considera ato ilícito ações praticadas em estado de

necessidade, estrito cumprimento do dever legal, legítima defesa, conforme abaixo

424

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. p. 134-135. 425

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22. ed rev., atual. e ampl. até

emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 989.

134

demonstrará. Deve-se verificar se mesmo que essas condutas sejam consideradas

lícitas tiram ou não a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público.

Dispõe o Código Civil426, em seu artigo 188:

Art. 188 - Não constituem atos ilícitos: I- os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II- a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inc.II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessários, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Ensina Gonçalves427 que o inciso II e o parágrafo único do artigo supra

citado é o estado de necessidade no âmbito civil e que o ato praticado em estado de

necessidade não é ato ilícito, porém nem por isso libera quem pratica de reparar o

dano que causou. Já quem pratica o ato em legítima defesa contra o agressor,

exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever legal não é obrigado

a reparar o dano, mas ainda, a vítima pode obter ressarcimento do Estado.

Em relação ao estado de necessidade Stoco, como mencionado no capítulo

primeiro, ensina que não se pode considerar as situações personalíssimas da

legítima defesa, do estado de necessidade ou de estrito cumprimento de dever legal,

na atuação do agente público, como excludentes de responsabilidade da pessoa

jurídica de direito público, se não se provar culpa exclusiva da vítima.

O estado de necessidade somente excluiria o dever de reparação estatal

nos casos de estado de sítio ou estado de defesa428.

Diante do exposto, por o Estado ser uma pessoa jurídica, mesmo que atue

através de seus agentes, essas excludentes por terem características

personalíssimas não poderiam elidir sua responsabilidade.

426

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Código Civil. p. 154. 427

CONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 734- 136. 428

PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 29 jan. 2009. No mesmo sentido

Araújo mencionado na seção primeira.

135

3.3 PRISÕES PROCESSUAIS QUE POSSAM ACARRETAR INDENIZAÇÃO

Adiante serão identificados os casos que possam acarretar a

responsabilidade do Estado pelo fato da prisão processual. Importante mencionar

que em algumas hipóteses de prisões a lei já prevê como coação ilegal

possibilitando até habeas corpus, relaxamento de prisão e liberdade provisória, com

a finalidade de que a restrição da liberdade do acusado seja elidida o mais rápido,

amenizando os danos ao acusado.

Comenta Quirino429 que deveria haver na lei, de forma concreta,

mecanismos de reparação dos danos morais e patrimoniais advindos da prisão

ilegal, inclusive, com a previsão de parâmetros mínimos para fixação da indenização

pelos danos, à semelhança do previsto no art. 630 do CPP. Justifica no fato de que

se houve a prática de um constrangimento ilegal que acarretou a efetivação de uma

prisão ilegal, conduta arbitrária, que merece ser amplamente reparada.

3.3.1 Prisão decretada por autoridade incompetente

Dispõe o artigo 5º, da CRFB/88430: “LXI - ninguém será preso senão em

flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária

competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,

definidos em lei”. Em consonância com a Constituição, prevê o CPP431: “Art. 648. A

coação considerar-se-á ilegal: [...] quando quem ordenar a coação não tiver

competência para fazê-lo”. Conclui-se, com referidos dispositivos, que haverá prisão

ilegal quando a restrição à liberdade de locomoção ocorrer por autoridade

incompetente.

429

QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 89. 430

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 431

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal. p. 28.

136

Ensina Nucci432: “quem ordena a constrição à liberdade, por certo, precisa

ter competência a tanto. Do contrário, é nítido o constrangimento ilegal [...]”.

Mesmo no caso da prisão em flagrante que não exige autoridade

competente para restringir a liberdade, ela deverá ser imediatamente levada para

sua convalidação ou ratificação ao conhecimento da autoridade judiciária

competente, conforme artigo 5°, inciso LXII, da CRFB/88433.

Haverá constrangimento ilegal se a prisão em flagrante for homologada por

autoridade judiciária incompetente. Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de

Justiça - STJ434:

Flagrante (competência). Ação penal pública (incompetência). Prisão (ilegalidade). 1. Quem há de tomar conhecimento da prisão em flagrante delito é a autoridade judiciária competente.2. Declarada a incompetência para a ação penal, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da prisão então homologada por autoridade judiciária incompetente.3. Habeas corpus deferido a fim de se relaxar a prisão. Ordem estendida aos co-réus.

Todavia, em sentido contrário, entendimento do Supremo Tribunal Federal -

STF que a declaração de incompetência do juízo não tem condão de atingir

automaticamente a prisão em flagrante, visto que referida prisão é baseada não no

juízo cognitivo do judiciário, mas na situação de fato constatada pela autoridade

judiciária. Então, mesmo que declarada a nulidade de atos processuais por

incompetência, a prisão em flagrante pode ser ratificada, nesse sentido decisão do

STF435.

432

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1004. 433

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Constituição Federal. p. 28. 434

HC 39146 / BA HABEAS CORPUS 2004/0153018-1,Relator(a) Ministro NILSON NAVES (361),

Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento 03/02/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 20/03/2006 p. 358. Acesso em: 16 de janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?li vre=pris%E3o+incompetente&&b=ACOR&p=tru

e&t=&l=10&i=18>. 435

[...] JUÍZO INCOMPETENTE - PRISÃO PREVENTIVA E PRISÃO EM FLAGRANTE - MODALIDADES DE TUTELA CAUTELAR PENAL - INAPLICABILIDADE DO ART. 567 DO CÓDIGO

DE PROCESSO PENAL A PRISÃO EM FLAGRANTE - INOCORRENCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - PEDIDO INDEFERIDO. - O artigo 27 da Lei n. 6.308/76 esta em pleno vigor. Foi ele integralmente recebido pela nova ordem constitucional. - A prisão em flagrante e a prisão preventiva

constituem modalidades que realizam, no pl ano de nosso direito positivo, a tutela cautelar penal. Muito embora ambas constituam espécies de prisão provisoria, há, entre elas, substanciais diferencas. A prisão preventiva decorre de ato necessariamente judicial que se reveste, quanto ao

seu conteudo, de inquestionavel carga decisoria. O decreto judicial de prisão preventiva, emanado de autoridade judiciária incompetente, e insuscetivel de ratificação. A prisão em flagrante, mesmo quando executada por particulares, qualifica-se, juridicamente, como ato de indole administrativa,

desprovido de qualquer conteudo decisorio. Constitui caracteristica inerente a prisão em flagrante a

137

Excluída a hipótese de flagrante delito, a prisão só pode ser determinada por

despacho fundamentado da autoridade judiciária competente. Pode ocorrer a

ilegalidade da prisão por falta de competência em razão do lugar, em razão da

matéria ou por prerrogativa de função436.

No mesmo sentido, Bonfim437 afirma:

Ressalvada a prisão disciplinar militar, depreende-se do dispositivo constitucional que os casos de prisões se limitam a dois: prisão em flagrante e por mandado judicial da autoridade competente. Com efeito, sempre que a prisão advier de órgão jurisdicional, cumpre observar as regras de competência material (ratione materie), territorial (ratione loci) ou por prerrogativa de função (ratione persone). A incompetência acarreta a ilegitimidade da constrição da liberdade física.

O decreto judicial de prisão preventiva ou temporária, emanado de

autoridade judiciária incompetente, será nulo e haverá constrangimento ilegal. Já a

prisão em flagrante possui característica inerente a inexigibilidade, em face de sua

natureza, da análise prévia do magistrado. Desse modo, não se desconstitui a prisão

em flagrante do acusado só pelo fato de a "persecutio criminis" haver sido instaurada

contra ele perante órgão judiciário incompetente. Nesse caso, em regra, não há

responsabilização do Estado.

3.3.2 Prisão sem fundamentação

Dispõe o inciso IX, do artigo 93, da CRFB/88438 que todas as decisões dos

órgãos do Poder Judiciário serão fundamentadas sob pena de nulidade.

inexigibilidade, em face de sua natureza mesma, do "judicium" previo do magistrado. Desse modo,

não se desconstitui a prisão em flagrante do réu pelo só fato de a "persecutio criminis" haver sido instaurada contra ele perante órgão judiciario incompetente. Não se revela aplicavel a prisão em flagrante, em consequencia, a norma inscrita no art. 567 do Código de Processo Penal. (STF. HC

69509 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 01/09/1992 Órgão Julgador: Primeira Turma). 436

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 752. 437

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. rev, aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.760. 438

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal. p. 53.

138

A previsão constitucional encontra respaldo na legislação ordinária, como no

artigo 315, do CPP439 que dispõe: “O despacho que decretar ou denegar a prisão

preventiva será sempre fundamentado”.

A fundamentação serve, em primeiro plano, para permitir que as partes

saibam o motivo da decisão, e caso queiram possam recorrer. Em segundo plano,

como possibilidade de controle e fiscalização pela própria sociedade de como o

magistrado decide440.

Logo, obrigatoriamente o juiz deverá fundamentar as decisões que optem

pelo encarceramento antecipado. Colaciona-se decisão do STF441:

Habeas Corpus. [...] 2. Alegação de falta de fundamentação da prisão preventiva. [...] 4. Ausência de indicação de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar. 5. A jurisprudência consolidada do STF entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da CF c/c art. 312 do CPP. Precedentes. 6. Não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP, mas é indispensável a indicação de elementos concretos que demonstrem a necessidade da segregação preventiva. Precedentes. 7. Ordem deferida para revogar o decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente, determinando-se a expedição de alvará de soltura, se por outra razão não estiver preso.

A fundamentação deve ser ampla, não basta somente a menção a artigo de

lei ou a elementos dos autos. Desatende a exigência de fundamentação nas

decisões a simples alusão pelo magistrado de que há nos autos elementos que

justificam a medida. Impõe-se-lhe que os indique expressamente. A simples

invocação dos dizeres da lei, à evidência, também não satisfaz, como emprego de

fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se coadunam com a

gravidade e o caráter excepcional da medida cautelar442.

439

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Pa ulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 419. 440

Já mencionado no capítulo segundo, item 2.2.2.2 (Pressupostos e princ ípios que devem ser

respeitados na decretação da prisão cautelar).MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prisão Provisória: Medida de Exceção no Direito Criminal Brasileiro.Curitiba: Juruá, 2004. p. 57. 441

HC 92842 / MT - MATO GROSSO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/03/2008,

Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=++pris%E3o++e++constrangimento++e++ilegal++e++fundamenta%E7%E3o++e+aus%EAncia%28%40JULG+%3E%3D+2006010

1%29%28%40JULG+%3C%3D+20090117%29&pagina=3&base=baseAcordaos> Acesso em: 17 de Fevereiro de 2009. (grifo nosso). 442

DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise a luz do garantismo penal. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 115.

139

Se a ausência de fundamentação já acarreta um constrangimento ilegal para

o cidadão, com muito mais razão haverá constrangimento ilegal com conseqüente

indenização uma prisão desmotivada. Nesse sentido, entende Rui Stoco 443:

Se uma pessoa encarcerada, injustamente, sem qualquer motivo, e se, em tal situação, tinha o Poder Público a obrigação de manter e assegurar sua incolumidade física, por certo que deve responder pelas conseqüências dos danos que ele sofreu [...] pagando-lhe uma indenização que há de ser a mais completa possível.

Portanto, uma prisão cautelar deve ser fundamentada de uma forma ampla,

de forma que se relacione os fatos concretos ao direito. Mesmo que a prisão

processual seja necessária, se não existir fundamentação, será considerada nula. A

ausência de fundamentação desrespeita, além de dispositivo constitucional (inciso

IX, artigo 93) à dignidade da pessoa humana.

3.3.3 Prisão sem os requisitos da lei

A doutrina denomina a prisão decretada sem os requisitos da lei como prisão

com falta de justa causa. A falta de justa causa nas prisões cautelares ocorrerá

quando houver desrespeitos aos princípios (fundamentação e proporcionalidade),

pressupostos (fumus bonis iuris) ou fundamentos (periculum in mora).

A justa causa é a ausência de razão para a imposição de constrangimento

ou violência, é o constrangimento ou violência sem respaldo legal que os autorize444.

Sobre a ausência de justa causa, conseqüentemente dos requisitos legais,

Nucci445 ensina que pode ser analisada sob dois ângulos:

[...] desdobra-se a questão em dois aspectos: a) justa causa para ordem proferida, que resultou em coação contra alguém; b) justa causa para existência de processo ou investigação contra alguém, sem que haja lastro probatório suficiente. Na primeira situação, a falta de justa causa baseia-se na inexistência de provas ou de

443

TJSP – 3ª C. Dir. Público – Ap. 74.020-5/6 – Rel. Laerte Sampaio – j.08.08.200 – Voto 5.890 apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1069. 444

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev, aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.757. 445

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e amp.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1002.

140

requisitos legais para que alguém seja detido ou submetido a constrangimento (ex.: decreta-se a preventiva sem que os motivos do art. 312 do CPP estejam nitidamente demonstrados nos autos). Na segunda hipótese, a ausência de justa causa concentra-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção da investigação policial ou do processo criminal. [...].

No mesmo sentido, ensina Capez446 que pode ocorrer falta de justa causa

para prisão ou para a investigação criminal, afirmando:

Só há justa causa para a prisão no caso de flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão ou crime militar (CF, art. 5°, LXI). [...] Falta de justa causa para o inquérito policial quando este investiga fato atípico ou quando já estiver extinta a punibilidade do indiciado. [...].

Em relação a prisão decretada sem os requisitos legais, não se trata de

saber se a coação é justa ou injusta, apenas analisa-se se o constrangimento é ou

não é legal, e em termos constitucionais, o recolhimento de qualquer pessoa ao

cárcere só é legal quando houver flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada

da autoridade competente, advinda da prisão provisória ou definitiva 447.

As prisões processuais, como exemplo, a prisão em flagrante, são

expressamente excepcionadas no artigo 5º, da CRFB/88. As prisões cautelares são

formas legais de restrição da liberdade, somente quando presentes os requisitos

legais. Descabe indenização só pelo fato da absolvição. A prisão que é legal não

comporta danos morais, pois o acolhimento de indenização da prisão necessária a

investigação criminal, inviabilizaria qualquer processo investigatório, que é contrário

ao interesse público. Haverá responsabilidade civil do Estado pela prisão processual

decretada sem os requisitos mínimos exigidos em lei448.

Cabe mencionar que haverá constrangimento ilegal também por prisão

cautelar decretada ou mantida em que caberia a liberdade provisória e esta não foi

admitida, pois estabelece o inciso LXVI, do artigo 5º, da CRFB/88449 que: “ninguém

será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,

446

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 525-526. 447

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 748. 448

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. p. 783. 449

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Constituição Federal. p. 28.

141

com ou sem fiança”. Nesse caso ocorre também desrespeito aos requisitos legais

(artigo 310, do CPP)450.

Diante do exposto, as prisões cautelares são uma exceção em nosso

ordenamento jurídico. Logo, antes de restringir a liberdade de alguém se deve

analisar com cautela os requisitos legais sob pena de restringir a liberdade de forma

indevida, causando danos indenizáveis. Uma prisão decretada sem os requisitos

legais, poderá até caracterizar abuso de autoridade, acarretando além de reparação

civil, responsabilidade penal e/ou administrativa.

3.3.4 Prisão de homônimo

Não existe lei dizendo de forma direta que o Estado é obrigado a indenizar

por prisão de homônimo. Todavia, como adiante demonstrará, a doutrina é pacífica

no sentido de que a prisão de cidadão que não cometeu o delito com mesmo nome

daquele que deveria ser preso, no caso, provisoriamente, acarreta indenização.

Tamanha é a importância de se identificar e qualificar o acusado, evitando a

prisão de alguém que não possui relação com os fatos narrados na exordial, que o

CPP451, em seu artigo 41, exige a qualificação do acusado, sob pena de a denúncia

ou a queixa não ser recebida: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato

criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou

esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, [...]”.

Sobre a prisão de homônimo, ensina Cahali452:

[...] se dá conta, em termos incontroversos, da responsabilidade civil do Estado em caso de: [...] prisão de terceiro, pessoa diversa do

450

Art. 310 - Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do artigo 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público,

conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento de todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em

flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (artigos 311 e 312). Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 418. 451

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009. Código de Processo Penal. p. 403. 452

CAHALI, Yussef. Dano Moral. 3. ed. rev. amp. e atual. conforme Código Civil de 2002. São Paulo:

Revista do Tribunais, 2005. p. 779.

142

suposto infrator, por equívoco da autoridade, em razão da homonímia, falsa identificação, semelhança ou parentesco [...].

Em relação à pessoa presa em lugar de outrem resta indiscutível a

reparação, uma vez que ocorreu falha no serviço público. Nesse sentido, afirma

Gonçalves453 ao trazer em sua obra decisões dos Tribunais:

Indenização – Fazenda Pública – [...] Autor em lugar de outrem – Confusão com outra pessoa – Falha do serviço público quando do indiciamento do verdadeiro autor do delito – [...] – Reparação inquestionável (JTJ, Lex, 200:91).

No mesmo sentido, Rui Stoco454 afirma que cidadão que cumpriu pena de

outro indivíduo, seu homônimo, poderá exigir reparação do Estado, com fundamento

na sua má – atuação.

Conclui-se que, pessoa presa, devido a ter o mesmo nome daquele que

realmente deveria ser preso terá direito a indenização por vários fundamentos tais

como desrespeito a dignidade da pessoa humana, desrespeito a liberdade de

locomoção e, por falha do serviço público. Os órgãos do Estado devem ter maior

cautela ao indiciar uma pessoa, a qualificando, utilizando dos meios de provas

permitidos em nosso ordenamento, como reconhecimento, sob pena de serem

responsabilizados.

3.3.5 Prisão além do tempo

Cabe salientar que a prisão além do tempo pode ser analisada pelas

seguintes vertentes: a) execução superior ao prazo de prisão fixado na sentença; b)

pena da sentença condenatória inferior ao tempo em que o acusado ficou preso

provisoriamente; c) acusado preso por mais tempo em que a lei determina. Como o

presente trabalho trata de prisões cautelares será analisado adiante, apenas os itens

b e c.

453

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com novo

Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005. p. 221. 454

Já mencionado neste capítulo no item do erro judiciário. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 1050.

143

Na prisão provisória demonstra-se a importância do princípio da

razoabilidade e proporcionalidade. Processos que possuem delitos mais gravemente

apenados devem durar mais tempo do que outros menos graves. A prisão cautelar

deve ser proporcional ao tempo de duração da instrução processual, e a pena do

delito prevista na lei penal.

Em relação ao item c, haverá prisão além do tempo determinado em lei

quando a instrução do processo de acusado preso excede o prazo determinado em

lei ou o obtido pela soma dos prazos processuais455.

Ainda, quanto ao excesso de prazo na instrução cabe destacar Súmula do

STJ456 que menciona que não poderá ser alegado constrangimento ilegal se o

excesso foi provocado pela defesa.

Ensina Mirabete457 que para ocorrer o constrangimento ilegal o prazo da

instrução não deve ser contado separadamente, mas se a soma de todos não foi

respeitada, e, ainda, afirma como excludente de constrangimento ilegal:

[...] não há constrangimento ilegal se o excesso de prazo para o encerramento do processo é justificado porque provocado por incidentes processuais não imputáveis ao juiz, ou resultante de diligências demoradas (complexidade do processo com vários réus, necessidade de expedição de carta precatória, defensores residentes em cidades obrigando diligências de intimação, incidente de insanidade mental etc.). Entretanto, não vale alegar acúmulo de processos como explicação para o fato de um acusado ficar na prisão além do prazo permitido em lei.

Stoco458 ensina que haverá responsabilização do Estado por excesso de

prazo para conclusão da instrução criminal em processo de réu preso.

Quanto ao item b, nos casos em que o acusado é condenado, caso ele

tenha ficado preso provisoriamente, o tempo da medida cautelar será considerado

no cumprimento da pena definitiva. Contudo, quando o acusado, preso

provisoriamente, é absolvido ou tem pena menor do que aquele tempo em que

455

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev, aum. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. p.759. 456

64. Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa. Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Súmulas do STJ. p. 1157. 457

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2006. p. 751. 458

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1076.

144

permaneceu preso a única forma de compensação é por meio de uma indenização.

Nesse diapasão, ensina Albrecht459 mencionando Serrano Júnior:

Nos casos de futura condenação, o tempo da prisão provisória é detraído do tempo da pena imposta, sendo para os fins legais da execução, sendo para os fins legais da execução penal, computado como pena já cumprida por antecipação. Mas nos casos em que é condenado, mas não à pena privativa de liberdade; nos casos em que, embora condenado, a pena lhe é imposta é inferior ao tempo que já passou preso; ou nos casos em que é absolvido, como se dará a compensação? Somente através de justa indenização, pela liberdade temporariamente expropriada no benefício do interesse coletivo. Outra saída, de fato, não há senão a satisfação dos danos [...].

Diante do exposto, ocorrerá excesso de prazo na prisão cautelar: 1) se a

pena prolatada em sentença condenatória for menor que o tempo que o acusado

ficou preso; 2) se desrespeitado o prazo determinado em lei, como o da prisão

temporária cinco dias ou trinta para hediondos, prorrogáveis; ou 3) se desrespeitado

a soma dos prazos para o término da instrução. Nesses casos ocorre

constrangimento ilegal, e poderá acarretar responsabilização do Estado.

3.3.6 Prisão por mandado revogado

Configura constrangimento ilegal à pessoa e afronta à garantia constitucional

de liberdade (caput, do artigo 5°, da CRFB/88) a prisão por mandado revogado,

devendo o Poder Público, por conseguinte, compensar o dano moral advindo do ato

praticado ou omissão de seus agentes.

Nessa espécie de prisão, assim como a prisão além do tempo, pode-se

analisar a responsabilidade do Estado sob duas vertentes: ação dos agentes ao

prenderem ou omissão por não ser recolhido o mandado de prisão revogado. Uma

coisa é certa, nessa prisão ocorre à responsabilidade do Estado.

459

SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. 1 ed. Curitiba: Juruá, 1996. p. 157. apud ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever do estado de indenizar a vítima de prisão injusta. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil .

Porto Alegre: Síntese. v. 30. jul – ago/2004. p. 155.

145

Colaciona-se decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul -TJRS460

com as duas vertentes acima mencionadas demonstrando que há responsabilidade

do Estado:

Sob o fundamento na omissão:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. RECOLHIMENTO DOS MANDADOS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. PRISÃO INDEVIDA EM DUAS OPORTUNIDADES. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. DENUNCIAÇÃO À LIDE. 1. Trata-se de indenização por danos materiais e morais contra o Estado do Rio Grande do Sul, sob a alegação de omissão do ente estatal, tendo em vista que não foram recolhidos os mandados de prisão expedidos contra o demandante, mesmo após a decisão que revogou a prisão preventiva inicialmente decretada, o que deu causa a prisão indevida, em duas oportunidades, do ora autor. 2. De início, impende ressaltar que o objeto da presente demanda consiste na existência de conduta omissiva do serviço judiciário, em razão de não ter procedido ao recolhimento dos mandados de prisão, junto às autoridades competentes, quando da revogação da decisão judicial que determinou a custódia cautelar do demandante, acarretando prejuízos de ordem moral e material à parte autora. 3. Com efeito, no caso em comento, não trata de responsabilidade do ente estatal por ato jurisdicional, nem tampouco por erro judiciário, mas sim, em virtude da omissão referente ao não recolhimento dos mandados de prisão anteriormente expedidos. [...]. 7. Destarte, a irresignação do demandante cinge-se ao fato de haver sido preso em duas oportunidades distintas, sem que houvesse ordem judicial estabelecendo tal providência, já que a decisão que determinara a prisão preventiva havia sido revogada. Logo, tratando-se de omissão no âmbito da atuação administrativa do poder judiciário, é nessa seara que dever ser perquirida a responsabilidade estatal. 8. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da CF/88. Todavia, quando o dano acontece em decorrência de uma omissão do Estado é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. 9. In casu, restaram demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil do estado. Evidente a conduta negligente omissiva do estado demandado, que não procedeu ao recolhimento dos mandados de prisão expedidos quando da prisão preventiva. De igual sorte, não há como afastar os prejuízos de ordem moral e material decorrentes da prisão indevida em duas oportunidades distintas. Ainda, comprovada a culpa do ente público, uma vez que mesmo tendo sido revogado o decreto prisional cautelar, não providenciou o recolhimento dos

460

Apelação Cível Nº 70021094776, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone

Sanguiné, Julgado em 20/02/2008 e Apelação Cível Nº 70021414552, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 07/11/2007. Tribunal de Justiça/RS. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php> Acesso em:

02/03/2009.

146

mandados de prisão e, ainda, mesmo ciente do equívoco quando da primeira prisão indevida, não diligenciou no sentido de recolher os referidos mandados ensejando nova constrição da liberdade do demandante. Por derradeiro, inegável o nexo de causalidade existente entre a conduta omissiva do estado e as prisões indevidas do demandante. 10. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. Suficiente a prova da existência do ato ilícito, pois o dano moral existe in re ipsa. [...].

Sob o fundamento na ação:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRISÃO ILEGAL. FALHA DE COMUNICAÇÃO ACERCA DE REVOGAÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O autor ajuizou a presente demanda visando à condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Embasou a pretensão no agir pretensamente indevido de agentes do réu (policiais civis) que, com base em ordem judicial revogada, em ambiente de grande circulação, efetuaram sua prisão bem como seu recolhimento para a delegacia de polícia mais próxima. Merece prosperar a pretensão do demandante, com a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que presentes, no caso concreto, os pressupostos caracterizadores do dever de indenizar. O réu, na condição de pessoa jurídica de Direito Público interno (Estado do Rio Grande do Sul), tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6° da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. [...] Os policiais civis, ignorando a revogação da ordem judicial que determinava a prisão, constrangeram o autor, uma vez que o mesmo se encontrava em ambiente público de grande circulação, e levaram a cabo sua prisão. [...].

Decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC461 com fundamento

no constrangimento ilegal também se manifesta pela responsabilização do Estado

por prisão com mandado revogado:

[...] RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DEPOSITÁRIO INFIEL - MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO PELA JUSTIÇA DO TRABALHO IMEDIATAMENTE REVOGADO - CUMPRIMENTO POSTERIOR - SEGREGAÇÃO ILEGAL - DANO MORAL - REPARAÇÃO DEVIDA - AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE LIBERDADE (ART. 5° DA CRFB). Configura constrangimento ilegal à pessoa e afronta à garantia constitucional de liberdade (art. 5°, caput, da CRFB) [...] quando a

461

Apelação Cível n. 2007.047248-4, de Içara, Relator: Volnei Carlin, Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público, Data: 19/12/2007. Tribunal de Justiça/SC. Disponível em:

<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=pris%E3o+mandado+revogado+responsabilidade+estado&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&page

Count=10> Acesso em: 02 mar. 2009.

147

segregação se funda em mandado de prisão expedido e revogado pela Justiça do Trabalho, devendo o Poder Público, por conseguinte, compensar o dano moral advindo do ato praticado por seus agentes.

Diante do exposto, por mandado de prisão já revogado, independentemente

do fundamento, haverá responsabilização do Estado. Cabe destacar, que a

responsabilidade por omissão é subjetiva, e necessária a demonstração da culpa.

Já a responsabilidade por atos de agentes públicos é objetiva, bastando o nexo

causal entre a ação e o dano.

3.3.7 Prisões processuais sem que ocorra instauração de ação penal

A princípio os requisitos necessários para instauração de uma ação penal

seriam os mesmos para decretação de uma prisão cautelar, quais sejam, indícios de

autoria e prova da materialidade. Entretanto, pode ocorrer uma prisão processual

sem a instauração de uma ação penal.

Poderá haver responsabilização do Estado por prisões cautelares sem que

ocorra a instauração da ação penal 462.

Cabe destacar que, em regra, as prisões cautelares exigem indícios de

autoria e prova da materialidade. Entretanto, para decretação de uma prisão

temporária não é necessário indícios de autoria e nem prova da materialidade463.

Nesse caso, se fosse decretada uma prisão temporária sem a instauração de uma

ação penal, só por esse fato não se poderia responsabilizar o Estado.

Logo, quanto à responsabilidade do Estado por prisões processuais sem que

ocorra a instauração de ação penal, se a medida cautelar respeitou seus princípios,

pressupostos e fundamentos, não há responsabilidade do Estado.

Neste sentido, decisão do TJSC 464:

462

Conforme mencionado nesta seção no item da ofensa a liberdade de locomoção. STOCO, Rui.

Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 904 e 1066. 463

Já ensinado na seção dois no item da prisão temporária. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis

Penais e Processuais Penais Comentadas. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1008–1009. 464

TJSC. Acórdão: Apelação Cível 2003.017458-3 Relator: Nicanor Calirio Da Silveira Data da

Decisão: 31/03/2005.

148

INDENIZAÇÃO - PRISÃO TEMPORÁRIA DECRETADA POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES -POSTERIOR REVOGAÇÃO DO ATO POR INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA - ERRO JUDICIAL INEXISTENTE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EM FACE DO JUS PUNIENDI ESTATAL, ATRAVÉS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL - FATOS QUE EXIGIAM APURAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. A prisão temporária, assim como as outras modalidades de prisão cautelar, é provisória. Por isso, se o ato de decretação foi fundamentado, não gera para o Estado obrigação alguma de indenizar por dano moral, a posterior revogação por ausência de provas da materialidade do delito, tendo em vista ser ato de persecução penal, em face do poder punitivo do estatal. Portanto, não obstante descaracterizada a prisão provisória decretada pelo juiz, em face da representação feita pela autoridade policial, ficando o apelante preso por um dia, o ato do agente estatal, decorrente da fundada suspeita da prática do ilícito penal, não foi abusivo passível de gerar para o Estado obrigação de indenizar por dano moral”.

Conclui-se que a responsabilidade do Estado independe se foi instaurada

ação penal ou não. O que acarreta indenização é o fato de no momento da prisão

não ser observados princípios, pressupostos e fundamentos da medida.

3.3.8 Prisões processuais com sentença absolutória ao final

Em relação às prisões processuais com sentença absolutória ao final, há

divergências se ocorre ou não a responsabilidade do Estado. Dias465 e Cahali466

entendem que gera indenização e Rui Stoco467 ensina em sentido contrário.

No mesmo sentido de Dias e Cahali, Albrecht entende que a prisão cautelar

do acusado, e sua posterior absolvição ocasiona a responsabilidade do Estado.

Albrecht468 afirma que quando o agir deriva de um ato lícito, e em que pese à justiça

(aparente e provisória) dele, se este ato importar em dano a alguém deve-se

indenizar. A prisão cautelar do acusado, e sua posterior absolvição acarreta

465

Mencionado neste capítulo item erro judicial. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional . Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 193. 466

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 480. 467

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev, atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1074. 468

ALBRECHT, Vinicius Luiz. Responsabilidade Civil do Estado: o dever do estado de indenizar a vítima de prisão injusta. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil . Porto Alegre: Síntese.

v. 30. jul – ago/2004. p. 153-154.

149

indenização, não porque decorreu de ato ilícito, mas porque importou em dano a

alguém, e este resultado nocivo, esta invasão na esfera jurídica de outrem

independe da ação original ajustada ao direito: o resultado danoso como que se

desprende da ação original lícita porque, por si só, produz efeitos no mundo jurídico

e, notadamente, efeitos nocivos. No caso, a injustiça do dano, em que pese à

licitude do ato, é que gera o direito à compensação que se funda nos princípios da

igualdade e solidariedade, pois o dever de indenizar, não nasce da anti juridicidade

da conduta, senão da injustiça do dano.

Nesse caso a prisão cautelar com posterior sentença absolutória seria ato

lícito indenizável. Na esfera penal, os atos lícitos indenizáveis podem ser

decorrentes de erro judiciário, no caso de sentença criminal condenatória com

posterior absolvição, bem como, no caso de medida cautelar, cujo fumus boni iuris

não é confirmado ao final do processo, sendo o réu absolvido ou obtém decisão

favorável em revisão criminal 469.

Cabe, ainda mencionar que a sentença absolutória pode possuir um dos

seguintes fundamentos, conforme CPP470:

Art. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para infração; V – não existir prova de ter o réu concorrido para infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal); VII – não existir prova suficiente para condenação. [...].

Em decisão do TJRS471 menciona-se que dependendo do fundamento da

absolvição pode-se ou não ocorrer responsabilidade civil do Estado pela prisão

preventiva:

469

GAZOTO, Luís Wanderley. Responsabilidade, cit. p. 58. apud PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida . Jus Navigandi, Teresina,

ano 8, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642>. Acesso em: 19 mai. 2009. 470

Vade Mecum Universitário de Direito. ANGHER, Anne Joyce. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

Código de Processo Penal. p. 422. 471

Apelação Cível Nº 70019318971, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/09/2008. Tribunal de Justiça/RS. Disponível em:

<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 03 fev. 2009.

150

[...] A ABSOLVIÇÃO COMO CAUSA DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA INJUSTA. É cabível indenização por prisão preventiva injusta se comprovada categoricamente na sentença criminal absolutória a inexistência do fato ou de comprovada não-participação no fato delitivo, mas, pelo contrário, não é admissível a reparação se o acusado foi absolvido por falta de prova da participação do acusado no fato imputado (art. 386, inc. II, CPP) ou por falta de provas (art. 386, VI, CPP), porquanto em hipótese de incerteza jurídica e onde não há óbice à reparação na esfera civil contra o autor do ilícito, resulta incabível cogitar de valoração sobre eventual erro judiciário. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÃNIME.

Já o STF472 decidiu que a prisão preventiva com a posterior absolvição não

acarreta indenização:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: [...] II. - Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário ¾ C.F., art. 5º, LXXV ¾ mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.

Do julgado supramencionado colhe-se no voto do Ministro Carlos Velloso

decisão do TJSC:

CIVIL – REPARAÇÃO DE DANOS – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ESTADO – PRISÃO PREVENTIVA – POSTERIOR DECISÃO ABSOLUTÓRIA – PRISÃO EFETUADA DENTRO DOS LIMITES LEGAIS – ERRO JUDICIÁRIO NÃO CARACTERIZADO. O decreto judicial de prisão preventiva, quando suficiente fundamentado e obediente aos pressupostos que o autorizam, não se confunde com o erro judiciário a que alude o inc. LXXV do art. 5º da Constituição da República, mesmo que o réu ao final do processo venha a ser absolvido ou tenha sua sentença condenatória reformada na instância superior. Interpretação diferenta implicaria a total quebra do livre convencimento do juiz e afetaria irremediavelmente sua segurança para avaliar e valorar as provas, bem assim para adotar a interpretação da lei que entendesse mais adequada ao caso concreto.

Diante do exposto, há entendimentos em que a prisão preventiva e posterior

absolvição pode ou não acarretar a responsabilidade civil do Estado. Cabe destacar

que se deve analisar a responsabilidade civil do Estado já na ação do mesmo, logo

se a ação de prender preventivamente possuía respaldo na legislação, posterior

absolvição (dano), por si só não deve acarretar indenização. 472

RE-AgR 429518 / SC - SANTA CATARINA, AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 05/10/2004, Órgão Julgador: Segunda Turma.

Superior Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=prisão%20%20e%20%20preventiva%20%20e%20%20absolvição%20%20%20e%20%20responsabilidad e&base=baseAcordaos>

Acesso em: 03/03/2008.

151

CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico brasileiro tutela vários princípios, podendo ocorrer

conflitos entre eles, como a liberdade de locomoção e a obrigatoriedade da

persecução penal são princípios que se contrapõem. De um lado encontra-se o

direito a liberdade de locomoção do indivíduo, garantia assegurada pela CRFB/88

como um direito fundamental, só podendo ser restringido de forma temporária e com

amparo legal. Todavia, por outro lado impõe-se a obrigatoriedade de persecução

penal, podendo o Estado utilizar das medidas cautelares privativas da liberdade.

Existe uma balança que se deve sempre utilizar no caso concreto.

No capítulo primeiro abordou-se a responsabilidade do Estado como uma

obrigação de responder por seus atos. A finalidade de responsabilizar a pessoa

física ou jurídica é o respeito aos direitos de outrem, podendo a responsabilidade

acarretar a reparação, como também importar uma sanção. Enquanto a

responsabilidade penal ocasiona restrição da liberdade, a responsabilidade civil é

patrimonial. Assim, o Estado, pessoa jurídica criada pelo direito, pode responder

pelos atos praticados por seus agentes.

A responsabilidade do Estado passou por diversas fases na Europa. Evolui -

se da irresponsabilidade para uma responsabilidade civilista, primeiramente

separando os atos de império (os quais, ainda, perpetuava a teoria da

irresponsabilidade) e atos de gestão (os quais acarretavam a responsabilidade se

houvesse culpa). Após, abrangendo todos os atos do Estado, a responsabilidade

passou a diretrizes da culpa. E, por fim, com o fundamento de que a

responsabilidade do Estado não pode ser a mesma que se há na relação entre

particulares, evolui-se para a responsabilidade publicista (teoria da culpa

administrativa, teoria do risco administrativo, teoria do risco integral).

Das fases da responsabilidade ocorridas na Europa, algumas refletiram no

ordenamento jurídico do Brasil. Desde o período imperial, no Brasil, defendia-se a

responsabilidade do Estado. Enquanto a responsabilidade subjetiva foi adotada com

o Código Civil de 1916, a responsabilidade objetiva foi disposta na Constituição

Brasileira de 1946. Hoje a responsabilidade do Estado por ação de seus servidores

é objetiva (teoria do risco administrativo, admitindo excludentes), e a

152

responsabilidade de seus agentes é subjetiva. Tais responsabilidades (subjetiva e

objetiva) são previstas não só na CRFB/88, mas também em leis ordinárias, como

no CC/2002. Todavia, quando há omissão dos agentes públicos no serviço, ainda,

entende-se, majoritariamente, que a responsabilidade do Estado é subjetiva.

Em relação à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais (atividade

judiciária típica - aplicação da lei ao caso concreto), há divergências. Alguns

doutrinadores adotam a teoria da irresponsabilidade com fundamento na soberania

do Poder Judiciário, na independência dos magistrados no exercício de suas

funções, no fato do juiz não ser funcionário público, no desrespeito à coisa julgada,

na ausência de lei específica, na falibilidade do magistrado. Outros se posicionam

pela responsabilidade do Estado, repudiando os argumentos da irresponsabilidade

um a um. Não é coerente num Estado Democrático de Direito o Estado ainda ser

irresponsabilizado por seus atos jurisdicionais. Independentemente de qualquer

posição, conforme a CRFB/88 a dignidade e a liberdade da pessoa deve ser

respeitada, podendo esta última ser restringida temporariamente, e só em casos

excepcionais. Logo, quando atos jurisdicionais ou não jurisdicionais (basta serem

cometidos por agentes do Estado) infringirem direitos fundamentais, o Estado pode

ser responsabilizado.

No tocante ao segundo capítulo buscou-se analisar em que situações as

prisões cautelares são permitidas. Antes de verificar os pressupostos e fundamentos

de cada uma, foram explicitados os princípios relacionados às prisões processuais

por serem a base de todo ordenamento jurídico.

Destaca-se que o bem maior do ser humano é a vida, assegurada no direito

de continuar vivo e ter vida digna. A dignidade do ser humano pode ser entendida

como respeito pelo Estado ao cidadão, colocando-o como sujeito de direitos, e

impondo limites à atuação do próprio Estado. Na esfera penal, a dignidade da

pessoa humana reflete-se no princípio da legalidade, garantindo o direito de não vir

a ser preso sem que haja previsão legal de crime, e após o devido processo legal.

Em razão da CRFB/88 não contemplar o termo presunção de inocência,

verificou-se que o referido termo deve ser entendido como presunção de não

culpabilidade. As conseqüências da presunção de não culpabilidade consistem no

fato de nortear o legislador, possibilitando garantias ao acusado; no ônus da prova

ser da acusação; na dúvida em uma sentença decidir-se a favor do réu; e,

153

principalmente, no fato que as prisões processuais só podem ser decretadas quando

tiverem caráter cautelar, e não como pena.

Além dos dois princípios antes mencionados que exigem extrema cautela do

julgador para decretar ou manter a prisão processual, a CRFB/88 dispõe

expressamente sobre a proteção a liberdade de locomoção - corroborando que

somente poderá ocorrer a supressão do direito de ir e vir do cidadão em casos

excepcionais.

Embora exista a garantia de liberdade, que mesmo antes do ordenamento

jurídico protegê-la já era inerente ao ser humano, o Estado possui a obrigatoriedade

da persecução penal. Cada cidadão aceitou que sua liberdade fosse restringida,

quando necessária, com a finalidade do bem estar social, e desde que respeitados

os direitos contemplados na CRFB/88. Assim, o Estado que garante direitos, ao

serem infringidos, não pode ser omisso, ele tem o dever de restringir a liberdade

daquele que está os desrespeitando, em prol da coletividade.

Para o direito de punir (também entendido como dever e poder de punir) não

ser exercido de forma arbitrária, deve-se observar a lei. As prisões cautelares

possuem condições que devem ser cumpridas, tais como: fundamentação,

proporcionalidade, periculum in mora e fumus bonis iuris.

Toda decisão, principalmente as que decidirem pela prisão processual, deve

ser fundamentada. Mesmo a prisão em flagrante é remetida ao Judiciário para

verificação e fundamentação em sua manutenção. Pelo princípio da

proporcionalidade coloca-se numa balança o direito a liberdade e a obrigatoriedade

da persecução penal, analisando-se o que é mais importante no momento.

No processo penal, periculum in mora é conhecido como periculum libertatis,

o qual consiste no perigo da liberdade do acusado. Da mesma forma, o fumus bonis

iuris é denominado fumus comissi delicti, ou seja, é a fumaça de que o delito foi

cometido, demonstrada por meio de indícios suficientes de autoria e prova da

materialidade.

Em que pese os fundamentos do artigo 312 do CPP serem condições

específicas das prisões preventivas, eles devem estar previstos para a decretação

ou manutenção das outras modalidades de prisões processuais, pois a prisão

preventiva é o ponto central. São fundamentos das prisões preventivas: garantia da

ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e

aplicação da lei penal.

154

A prisão em flagrante é a modalidade de prisão processual efetivada no

momento da infração, pois é a certeza visual do crime. Assim, para sua ocorrência

não se depende de decisão fundamentada do órgão judicial. Todavia, deve-se

observar diversas formalidades, e só pode ser mantida se cumprir os princípios,

pressupostos e um dos fundamentos da prisão preventiva.

A prisão temporária tem suas peculiaridades quanto ao fumus boni iuris e

periculum in mora. O periculum in mora caracteriza-se com a imprescindibilidade

para a investigação ou com o fato do suspeito não possuir residência fixa ou

elementos para estabelecer sua identidade. O fumus boni iuris ocorre quando

houver probabilidade do indiciado ser autor ou participe de alguns dos delitos

referidos no inciso III do artigo 1º da Lei 7960/1989.

Com as alterações do CPP introduzidas pela Lei 11.689 de 09 de Junho de

2008, e pela Lei 11.719 de 20 de Junho de 2008, corroborou-se que a finalidade das

prisões ocorridas antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória

é simplesmente a cautela do processo para, em tese, uma futura aplicação da pena.

A simples sentença de pronúncia, antes da reforma do CPP, era regra para a

privação da liberdade do acusado, e, outrossim, a sentença condenatória, pois o

acusado não poderia apelar sem recolher-se a prisão. Com as alterações

introduzidas ao CPP, mesmo que ocorra uma sentença de pronúncia ou uma

sentença condenatória, necessário estar presentes os pressupostos e um dos

fundamentos da preventiva para decretar-se ou manter-se a prisão.

O terceiro capítulo, objeto do presente estudo, estudou em que situações as

modalidades de prisões processuais podem acarretar a responsabilidade do Estado.

Analisou-se com cautela todos os elementos necessários da responsabilidade, os

fundamentos e as excludentes, relacionando-os com as prisões cautelares.

Pode-se responsabilizar o Estado por diversos fundamentos quando se tratar

de prisões cautelares, pois a liberdade é direito fundamental de todo ser humano

que deve ser respeitado. Contudo, deve-se ter prudência, uma vez que ao

responsabilizar o Estado, também, questiona-se o direito de toda coletividade – a

obrigatoriedade de punir o infrator de uma norma.

A responsabilidade do Estado por prisões cautelares enseja além de uma

compensação ao preso que sofreu prejuízos com a privação de sua liberdade, uma

sanção ao Estado para que não cometa mais ações semelhantes. Portanto, a

responsabilidade do Estado reflete na obrigatoriedade da persecução penal. Caso

155

qualquer prisão cautelar já acarretasse indenização, o Poder Estatal omitir-se-ia

quando necessária à persecução criminal, não decretando prisões cautelares,

deixando muitos crimes impunes e a sociedade desprotegida.

Por outro lado, a liberdade de locomoção é direito fundamental protegido e

garantido pela CRFB/88 em diversos dispositivos – habeas corpus, devido processo

legal, presunção de inocência, dignidade da pessoa. A prisão antes do trânsito em

julgado da sentença condenatória só pode ocorrer nos casos elencados na lei.

Apenas o fato da prisão já acarreta prejuízos. De que adiantaria provar-se a

inocência se o acusado ao ser preso já sofreu as sanções de um condenado.

Deve-se estudar todos os elementos da responsabilidade do Estado,

princípios, pressupostos e fundamentos das prisões processuais, e analisar o caso

concreto para saber se há responsabilidade do Estado ou não.

Tanto a responsabilidade objetiva, quanto a responsabilidade subjetiva possui

elementos comuns ou especiais. Os comuns estão presentes em ambas as

responsabilidades, quais sejam: a ação, o dano indenizável e o nexo de

causalidade. Os especiais, na teoria subjetiva, perfazem-se no dolo ou na culpa do

agente, e na teoria objetiva, na previsão legal ou na abrangência de um dos

fundamentos da responsabilidade objetiva, tais como, no risco da exploração da

atividade, infringência aos princípios da igualdade ou da solidariedade.

Ações praticadas por agentes do Estado, podendo acarretar indenização,

relacionadas às prisões cautelares são: desrespeito à dignidade da pessoa,

desrespeito ao direito a liberdade de locomoção, abuso de autoridade, erro judiciário

e prisão fixada além do tempo.

A CRFB/88 protege a dignidade da pessoa, sua honra, sua imagem e seu

direito de ir e vir que são atingidos no momento de uma prisão, mesmo que devida.

Contudo, somente o desrespeito a esses princípios não acarreta a responsabilidade

do Estado, pois ele possui o jus puniendi.

O abuso de autoridade ocorre quando o agente público ultrapassa os limites

de sua atribuição, desvirtua o próprio ato ou se desvia dos fins estabelecidos pelo

interesse público. Quanto às prisões cautelares, ocorrerá responsabilização do

Estado, no momento que o agente público agir sem o respaldo legal, ou seja, de

forma arbitrária.

Quanto ao erro judiciário, é que ocorre a principal divergência se cabe

indenização ou não nas prisões cautelares. Há posições no sentido de que só com a

156

existência de revisão criminal ou ação rescisória pode configurar o erro judiciário.

Outras no sentido de que a decretação de prisão cautelar e posterior absolvição do

acusado ou não instauração ou trancamento da ação penal já caracterizam o erro

judiciário. Conclui-se que, para configuração do mesmo não é necessária a revisão

criminal ou a ação rescisória. Contudo, tão somente a posterior absolvição, não

instauração ou trancamento da ação penal, não configura o erro judiciário.

Necessário analisar caso a caso, se realmente, houve um erro, ou seja, se no

momento da manutenção ou decretação da prisão processual infringiu-se seus

fundamentos, pressupostos ou princípios.

A prisão além do tempo fixada na sentença (artigo LXXV, CRFB/88) pode ser

interpretada por duas vertentes. Uma como ação do agente público ao manter a

prisão, sendo a responsabilidade objetiva. Outra como omissão do agente, sendo a

responsabilidade subjetiva. Entendida como subjetiva ou objetiva, a

responsabilidade é cabível. Por ser um direito ao acusado referido dispositivo

deveria ser interpretado de forma extensiva, ou seja, se ocorre indenização por

prisão além do tempo fixado numa sentença, com muito mais razão deveria haver

responsabilidade do Estado quando o acusado ficou na prisão e foi absolvido.

Contudo, só o fato da absolvição não deve acarretar a responsabilidade porque a

CRFB/88 permite prisões cautelares. Se as prisões processuais são previstas e

permitidas, não podem ensejar responsabilidade apenas porque houve a absolvição

posterior.

A prisão por si só já acarreta um prejuízo. Contudo, o dano deve ser

indenizável. O Estado possui o jus puniendi, logo para o dano ser indenizável exige-

se mais do que uma prisão, ou seja, necessário que o Estado lesione um direito de

alguém ao exercer a persecução penal de forma incorreta.

O nexo causal, mesmo tratando-se de liberdade de locomoção, admite

excludentes, previstas na própria legislação (parágrafo 2º, artigo 630, CPP) ou

doutrinárias. As excludentes não são taxativas, deve-se analisar o caso concreto,

quando não ocorrer o elo entre o dano e a ação do Estado não haverá

responsabilidade.

A prisão decretada por autoridade incompetente é considerada ilegal,

conseqüentemente há responsabilidade Estatal. Nessa cabe mencionar, que o

flagrante, no momento de sua ocorrência, não exige agente competente.

157

A prisão cautelar sem fundamentação ocasiona indenização. Fundamentar

consiste em mencionar os argumentos que direcionaram o magistrado a tomar a

decisão, e demonstrar o elo entre o caso concreto e o ordenamento jurídico.

Fundamentar é necessário, pois caso contrário presume-se que a privação da

liberdade foi arbitrária.

A prisão sem os requisitos legais, entendida como aquela com falta de justa

causa, pode acarretar a responsabilidade do Estado. Não preenche os requisitos da

lei a prisão cautelar que não respeita os princípios (proporcionalidade,

fundamentação), os pressupostos e os fundamentos e, também, aquela decretada

quando há carência de provas para uma investigação. Nesse último caso, ressalta-

se que para a prisão temporária não é necessária a existência de um contexto

probatório amplo, uma vez que sua finalidade é colher provas.

A prisão sem a instauração de uma ação penal tem relação com a prisão por

falta de justa causa, pois um dos motivos da não instauração da ação penal pode

ser a carência de provas para investigação criminal.

Uma prisão que não deveria ser mantida ou decretada pode possuir diversos

fundamentos, como na prisão por mandado já revogado fundamenta-se na ação, na

omissão ou na afronta ao direito à liberdade.

A CRFB/88 é garantista, porquanto tutela direitos do indivíduo perante ao

Estado e perante a outro cidadão. A legislação ordinária deve ser interpretada de

forma coerente com a CRFB/88. Não se deve uti lizar a expressão “ordem pública”

como vaga e sem referencial semântico para fundamentar uma prisão preventiva.

Assim, como os outros pressupostos e fundamentos de uma prisão cautelar devem-

se restringir tais conceitos o maior possível, para que não ocorra privação da

liberdade de forma indevida. Na dúvida da decretação de uma prisão preventiva,

não se deve decretá-la. Melhor que não exista uma prisão sem observância de seus

princípios, pressupostos e fundamentos, do que uma prisão preventiva, mesmo que

necessária.

A finalidade da responsabilização do Estado além de uma simples

compensação aos prejuízos de um cidadão que foi preso sem necessidade, é uma

sanção para que os agentes do Estado respeitem as regras das prisões cautelares,

decretando-as só em casos de extrema necessidade.

Enfim, apesar da CRFB/88 não possuir um dispositivo afirmando a

possibilidade de se responsabilizar o Estado nas prisões cautelares, orienta-se por

158

regras (dignidade da pessoa, direito a liberdade de locomoção, responsabilidade do

Estado objetiva, responsabilidade da pessoa jurídica de direito público no erro

judiciário e no excesso na prisão) que possibilitam a referida responsabilização.

Igualmente, por leis ordinárias (CC/20002, CPP) e por leis internacionais ratificadas

pela CRFB/88, que prevêem a responsabilização do Estado. Conclui-se que, apesar

de não haver previsão expressa da responsabilidade do Estado nas prisões

cautelares, existe um amparo jurídico para ocorrência da mesma.

159

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