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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA DANIEL PELLEGRIM SANCHEZ PENSAMENTO ABISSAL, COLONIALIDADE E AS ARTES VISUAIS EM CUIABÁ CUIABÁ MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA

CONTEMPORÂNEA

DANIEL PELLEGRIM SANCHEZ

PENSAMENTO ABISSAL, COLONIALIDADE

E AS ARTES VISUAIS EM CUIABÁ

CUIABÁ – MT

2015

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DANIEL PELLEGRIM SANCHEZ

PENSAMENTO ABISSAL, COLONIALIDADE

E AS ARTES VISUAIS EM CUIABÁ

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da

Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura

Contemporânea, Linha de Pesquisa: Epistemes Contemporâneas.

Orientadora: Profa. Dra. Ludmila Brandão.

CUIABÁ - MT

2015

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Dedico este trabalho aos meus

familiares, em especial a minha esposa

Emyle e a minha filha Iza.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Antônio e Helenice – pela acolhida sempre muito carinhosa, pelo apoio e

pelo amor incondicional;

À minha esposa Emyle Daltro – pelo apoio, dedicação e amor;

À minha orientadora, Professora Drª Ludmila Brandão – pela amizade, empenho e

dedicação;

Ao Sr. Hildeberto Daltro, a Srª. Rosa Maria e a ―vó‖ Juracy – pelo carinho e apoio

irrestritos;

À minha irmã Rafaela e sua família – pelo apoio em momentos difíceis e pelo carinho;

Ao meu irmão Leonardo – pelo entusiasmo de sempre e por ser tão afetuoso;

A Raimundo Severo, Genivaldo Macário e Germano Augusto Fischdick – pelo apoio,

pelo profissionalismo exemplar e pelo incentivo;

À Profª. Drª. Suzana Cristina Guimarães – por ter aceitado o convite para participar da

banca de defesa, pela sensibilidade e incentivo;

A Profª. Drª. Luciana Ballestrin – por ter aceitado o convite para participar da banca de

defesa e pelo comprometimento com o tema desta pesquisa;

Agradecimentos aos artistas Carlos Lopes, José Pereira, Vitória Basaia, Carlinhos

Antônio Batista, Nilson Pimenta, Benedito Nunes, ao produtor cultural José Paulo

Traven – pela atenção, consideração e pela disponibilização de informações caras a este

trabalho;

Aos demais artistas do estado de Mato Grosso, em especial aqueles com quem trabalhei

quando fui galerista;

Ao Professor Dr. Sylvio Gadelha – pela amizade e pela oportunidade de aprendizado

por meio do estágio;

Ao Prof. Dr. José Carlos Leite – pela atenção, consideração e incentivo;

A todos os professores do Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO –

UFMT) – pela dedicação e pela oportunidade de compartilharmos saberes;

Aos colegas do mestrado e do NEC (Núcleo de Estudos do Contemporâneo) – pelas

conversas, estudos e amizades que surgiram desse convívio;

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Ministério

da Educação – pelo financiamento desta pesquisa.

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“[...] Há uma zona de não-ser; uma região extraordinariamente

estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um

autêntico ressurgimento pode acontecer.”

(Frantz Fanon, 2008, p. 26)

“Não vou me enterrar em um particularismo estreito. Mas

ainda, não quero me perder em um universalismo descarnado.

Há duas maneiras de se perder: por segregação nos muros do

particular ou por diluição no ´universal´. Minha concepção do

universal é a de um universal rico em tudo o que é particular,

rico em todos os particulares, aprofundando a coexistência de

todos os particulares.”

(Aimé Césaire a Maurice Thorez, 1956)

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................. 07

ABSTRACT............................................................................................................. 08

LISTA DE FIGURAS.............................................................................................. 09

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13

CAPÍTULO 1 – MODERNIDADE/COLONIALIDADE/DECOLONIALIDADE

1.1. Colonialismo, pós-colonialismo, (de)colonialidade......................................... 19

1.2. Pensamento abissal e amarrações terra-sol.................................................... 26

1.3. Do pensamento abissal à decolonialidade....................................................... 33

1.4. Ciência moderna na perspectiva decolonial................................................... 36

CAPÍTULO 2 – COLONIALIDADE DA ARTE................................................. 43

2.1. O trajeto único das artes.................................................................................. 49

2.2. Algumas respostas à colonialidade.................................................................. 52

CAPÍTULO 3 – AS ARTES VISUAIS EM CUIABÁ.......................................... 58

3.1. Uma breve história recente das artes visuais em Cuiabá.............................. 58

3.1.1. Século XX........................................................................................................ 59

3.1.2. Século XXI....................................................................................................... 63

3.2. Amarrações da/na arte em Cuiabá................................................................. 68

3.3. Descarregando.................................................................................................. 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 85

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RESUMO

Articulado à ideia de Boaventura de Sousa Santos de que o pensamento moderno

ocidental é um pensamento abissal, este trabalho propõe verificar a possível persistência

de dispositivos de colonialidade oriundos desse pensamento, de divisões da realidade

social e de dominação epistemológica nas artes visuais em Cuiabá, problematizando

questões relacionadas ao racismo, à exploração e a outros modos de violência ou

desumanização. Além disso, tem em vista articular referenciais teóricos e ferramentas

para a construção contínua de conceitos, redes e relacionamentos a serem utilizados na

expectativa da positivação e construção de aesthesis e subjetividades decoloniais. O

estudo das noções de colonialidade e colonialidade da arte, assim como a investigação

do fenômeno no circuito da arte em Cuiabá constituem este trabalho. De acordo com

Aníbal Quijano (2000), a colonialidade é parte constitutiva da matriz colonial de poder e

resulta de uma classificação racial/étnica seguida de hierarquização que se impõe à

população mundial e que atua em diversos âmbitos, planos e dimensões, inclusive

materiais e subjetivos, da escala e existência social cotidiana. O chamado racismo

epistêmico, por sua vez, refere-se à hierarquia de dominação onde os conhecimentos

produzidos por sujeitos ocidentais são considerados como superiores aos conhecimentos

produzidos por sujeitos não ocidentais. Na arte, essas hierarquizações se dão por meio

dos dualismos ―erudito‖ e ―popular‖, ―regional‖ e ―universal‖, entre outros, como

também através de categorizações como arte primitiva, naïf, bruta, artesanal, étnica,

cabocla, esquisita etc. Em Cuiabá não há nenhum curso de graduação em artes visuais,

mas há uma grande quantidade de artistas autodidatas ("populares"); existem poucos

equipamentos culturais e, em geral, administra-se o setor com baixo orçamento, quase

sem políticas de intercâmbio. A falta de interesse do setor público somada ao

direcionamento decorativo ou "espetacular" que o setor privado designa para as artes

visuais no circuito local geram obstáculos intransponíveis para alguns artistas,

instituindo um mundo à parte, de isolamento, invisibilidade ou, como disse Aníbal

Quijano, "um beco sem saída" para aqueles que miram uma trajetória dentro

instituições, equipamentos, eventos, circuitos autorizados/oficiais. Circuitos que, salvo

algumas exceções, veem o ―sul do mundo‖ como menos capaz, subalterno no que

concerne aos seus saberes, técnicas e artes. No que tange ao Brasil, essa hierarquia, com

seus valores e procedimentos, é reproduzida internamente nas relações entre o circuito

de arte de São Paulo e Rio de Janeiro com as outras cidades do país. Inspirados pelo

conceito de pensamento único de Milton Santos, denominamos o circuito

autorizado/oficial de trajeto único. O paradigma cuiabano das artes, por isso mesmo,

gera inúmeras inquietações e angústias que estão a exigir esforços de decolonização e

legitimação de modos outros da produção visual. Com isso, propomos, na esteira de

Mignolo, conduzir ações orientadas por pensamentos de resistência, por noções como a

de "pensamento de fronteira", de "desobediência epistêmica" e de "aesthesis

decolonial", que venham desenganchar-nos da obrigatoriedade de trilhar o trajeto único

do circuito hegemônico, nos reposicionando, redefinindo, ou seja, constituindo pluri-

trajetórias em circuitos outros.

PALAVRAS-CHAVES: Colonialidade; decolonialidade; racismo epistêmico; artes

visuais; Cuiabá.

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ABSTRACT

Articulated with the idea of Boaventura de Sousa Santos that modern Western thinking

is an abysmal thought, this work proposes to verify the possible persistence of

coloniality devices, divisions of social reality and epistemological dominance in the

visual arts in Cuiabá, discussing issues related to racism, exploitation and other forms of

violence or dehumanization. Additionally, aims to provide theoretical frameworks and

tools for the ongoing construction of concepts, relationships and networks to be used to

enhance and build decolonial aesthesis and subjectivities. This work is constituted by

the study of the notions of coloniality and coloniality of the art, as well as by the

investigation of this phenomenon in the art circuit in Cuiabá. According to Anibal

Quijano (2000), coloniality is constitutive of the colonial matrix of power and results

from a racial/ethnic classification followed by hierarchy that is imposed on the world's

population and which operates in several spheres, planes and dimensions, including

materials and subjectives of social scale and existence. The so-called epistemic racism,

in turn, refers to the hierarchy of domination where the knowledge produced by Western

individuals is considered as superior to knowledge produced by non-Western

individuals. In art, these hierarchizations occur through the dualisms "classical" and

"popular", "regional" and "universal", among others, as well as through categorizations

as primitive, naive, crude, handmade, ethnic, cabocla, weird art etc. In Cuiabá there is

no undergraduate degree in visual arts, but there are a lot of ("popular") self-taught

artists; there are few cultural equipment and generally the sector is administered with

low budget, almost without exchange policies. The lack of interest of the public sector

plus the decorative direction or "spectacular" that the private sector refers to the visual

arts in the local circuit g enerate insurmountable obstacles for some artists, establishing

a world apart, of isolation, invisibility or, as Aníbal Quijano said, "a dead end" for those

that target a trajectory within institutions, equipment, events, authorized/official circuits.

Circuits that, with some exceptions, see the "South of the world" as less able, subaltern

with respect to their knowledge, techniques and arts. With regard to Brazil, this

hierarchy, with its values and procedures, is reproduced internally in the relations

between the Sao Paulo and Rio de Janeiro art circuit with the other cities of the country.

Inspired by the concept of the ―single thought‖ of Milton Santos, we call the

authorized/official circuit by single path. The cuiabano paradigm of arts generates many

concerns and anxieties that are demanding efforts of decolonization and legitimation of

other visual production modes. Thus, we propose, in the wake of Mignolo, to conduct

actions guided by resistance thoughts, notions such as "border thinking", of "epistemic

disobedience" and "decolonial aesthesis", which will unhook us from the obligation to

tread the single path of the hegemonic circuit, repositioning us, redefining, or

constituting multi-paths in circuits others.

KEYWORDS: Coloniality; Decoloniality; epistemic racism; visual arts; Cuiabá.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01/p. 15

Vitória Basaia em sua casa ateliê, 2010. Foto: Julio César Carvalho.

Figura 02/p. 18

Sharjah Bienal 11 realizada nos Emirados Arabes Unidos. Ammar Al Attar, Prayer

Room, 2012, installation view, twenty photographs, lambda c-print, matte. Courtesy of

the artist and Cuadro Fine Art Gallery. Image courtesy of Sharjah Art Foundation1.

Figura 03/p. 28

Homem segurando o sol. Fotografia disponível em: <http://sorisomail.com/xixinko/1-

visual-imagens.html> Acesso em 20 de janeiro de 2015.

Figura 04/p. 29

Camadas da zona pelágica. Autor: Capmo. Disponível em:<

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f2/Pelagiczone_pt.svg> Acesso em

20 de janeiro de 2015.

Figura 05/p. 31

Melanocetus johnsonii ou peixe-diabo negro. Fotografia: Senckenberg

Forschungsnstitut und Naturmuseum / Sven Tränkne. Disponível

em:<http://www.spiegel.de/fotostrecke/tiefsee-ausstellung-bizarre-wesen-aus-den-

tiefen-der-ozeane-fotostrecke-61475-6.html> Acesso em 24/02/2014.

Figura 06/p. 33

Jeannette Ehlers, Black Magic At The White House,2 2009. 03:46, sound, courtesy of

the artist and Art Labour Archives. Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop

2012. Black Europe Body Politcs realizada em Berlim, Alemanha (MIGNOLO, 2012).

Figura 07/p. 37

Daniel Pellegrim Sanchez, 2° Tempo, 2012, fotografia.

1 Tradução nossa: Ammar Al Attar, Sala de Oração, 2012, vista da instalação, vinte fotografias, lambda c-

print, matte. Cortesia do artista e da Cuadro Fine Art Gallery. Imagem cortesia da Fundação Arte de

Sharjah. Disponível em < http://www.ibraaz.org/essays/59> Acesso em 28/01/2005. 2 Tradução nossa: Jeannette Ehlers, Magia Negra na Casa Branca, 2009. 03:46, som, cortesia da artista e

Art Labour Archives.

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Figura 08/p. 38

Quinsy Gario, The Bearable Ordeal of the Collapse of Certainties3, 2011, theater &

poetry. Foto: Brett Russel. Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012.

Black Europe Body Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO, 2012).

Figura 09/pgs. 38 e 39

Sumugan Sivanesan, A Children´s Book of War, A [Not So] Secret War. Terra Nullius

and the Permanent State of Exception, 1:46, sound4, 2010. Courtesy of the Artist and

The Momentum Collection. Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012.

Black Europe Body Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO, 2012).

Figura 10/p. 40

Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2014, fotografia.

Figura 11/p. 49

Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2012, fotografia.

Figura 12/p. 51

Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2013, fotografia.

Figura 13/p. 53

Registro de ―Language & Opacity / Lenguaje y Opacidad‖, de Black Mirror / Espejo

Negro5: Suites Fotográficas, Pedro Lasch, 2007-2008. Imagem extraída do artigo

Aiesthesis Decolonial (MIGNOLO, 2010).

Figura 14/p. 54

Tereza Maria Díaz Nério – Hommage à Sara Bartman, 2007. 04.00, no sound, courtesy

of the artist and Art Labour Archives6. Imagem extraída do catálogo da exposição

Be.Bop 2012. Black Europe Body Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO,

2012).

3 Tradução nossa: Quinsy Gario, O calvário suportável do colapso das certezas, 2011, teatro e poesia.

4 Tradução nossa: Sumugan Sivanesan, Um Livro de Guerra para Crianças, A [Not So] Guerra Secreta.

Terra Nullius e o Permanente Estado de Exceção, 1:46, som, 2010 Cortesia do Artista e de Momentum

Collection. 5 Tradução nossa: Registro de ―Linguagem & Opacidade‖, de Espelho Negro: Fotografias: Pedro Lasch,

2007-2008. 6 Tradução nossa: Tereza Maria Díaz Nério – Homenagem à Sara Bartman, 2007. 4:00, sem som,

Cortesia da artista e de Art Labour Archives.

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Figura 15/p. 55

Fred Wilson, Ota Benga, 2008, medium bronze with silk scarf on wooden base, edition

of 5, 59.5x12x12in. Collection Tate Modern, London.7

Disponível em:<

https://www.pinterest.com/pin/24629129184307371/> Acesso em 08/10/2013.

Figura 16/p. 55

William Kentridge, Black Box/Chambre Noire, 2005. 22:00, sound, courtesy of the

artist and Marian Goodman Gallery8. Imagem extraída do catálogo da exposição

Be.Bop 2012. Black Europe Body Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO,

2012).

Figura 17/p. 61

Clóvis Irigaray, A criação do índio, sem data, OST, 100X200 cm

Figura 18/p. 62

Aleixo Cortez, 2012, Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

Figura 19/p. 62

Benedito Nunes, 2009. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

Figura 20/p. 63

Adir Sodré. Disponível em: http://conexaoartesmt.blogspot.com.br/p/adir-sodre.html

Acesso em 27/01/2015

Figura 21/p. 66

Página inteira dedicada à exposição de Carlos Lopes na Pellegrim Galeria de arte em

Chapada dos Guimarães. Fonte: Folha do Estado – Folha 3, publicada em 07 de

novembro de 2003.

Figura 22/p. 67

Paulo Traven e Nilsom Pimenta na Pellegrim Galeria de arte, ao fundo escultura de

Roberto de Almeida. 2010. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez.

7 Tradução nossa: Fred Wilson, Ota Benga, 2008, bronze médio com lenço de seda na base de madeira,

edição de 5, 59.5x12x12 cm. Coleção Tate Modern, Londres. 8 Tradução nossa: William Kentridge, Box Negro, Hendrik Witbooi, 2005. 22:00, som, cortesia do artista

e de Marian Goodman Gallery.

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Figura 23/p. 67

Artistas participantes da exposição Percurso, reunidos no Museu de Arte e de Cultura

Popular da UFMT. Fonte: Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT.

Figura 24/p. 75

Roberto de Almeida, 2010. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

Figura 25/p. 77

Clóvis Irigaray. Foto: Acervo do Artista

Figura 26/p. 80

Reprodução do desenho do Engenho do Buriti, feito por Hércules Florence, durante a

Expedição Langsdorff, no século XIX, exposto na Sala da Memória em Chapada dos

Guimarães - MT. Fotografia: Daniel Pellegrim Sanchez.

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13

INTRODUÇÃO

Esta dissertação articula-se aos Estudos Decoloniais, para verificar a possível

persistência de dispositivos de colonialidade, de divisões da realidade social e de

dominação epistemológica nas artes visuais em Cuiabá, estado de Mato Grosso.

Os estudos decoloniais constituem-se hoje por propostas do Grupo

Modernidade/Colonialidade (M/C), rede formada por intelectuais latino-americanos

vinculados a diversas universidades das Américas e da Europa. A organização enquanto

grupo se iniciou no final dos anos de 1990 e se estendeu durante a primeira década do

século XXI. Segundo Luciana Ballestrin (2013, p. 91), esse grupo:

[...] realizou um movimento epistemológico fundamental para a

renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no

século XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente

por meio da noção de ―giro decolonial‖. Assumindo uma miríade

ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradição crítica de

pensamento latino-americano, oferece releituras históricas e

problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a

―opção decolonial‖ – epistêmica, teórica e política – para compreender

e atuar no mundo, marcado pela permanência da colonialidade global

nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva.

Nesse sentido, destacamos o modo de escrita do termo ―outros‖ desde a

abordagem decolonial, sobre o qual Catherine Walsh (2009, p. 25) escreve que:

[...] falar de modos ―outros‖ é tomar distância das formas de pensar,

saber, ser e viver inscritas na razão moderno-ocidental-colonial. Por

isso, não se refere a ―outros modos‖, nem tampouco a ―modos

alternativos‖, mas aos que estão assentados sobre as histórias e

experiências da diferença colonial [...] Essas histórias e experiências

marcam uma particularidade do lugar epistêmico – um lugar de vida –

que recusa a universalidade abstrata.

Importante salientar também que, em grande parte deste trabalho, faremos uso

da primeira pessoa do plural – nós –, porém em alguns momentos, para marcar um lugar

específico de enunciação, escreveremos na primeira pessoa do singular – eu.

Caminhos trilhados

A princípio, meu projeto de pesquisa iria investigar a produção de arte em

Cuiabá, tendo em vista a colonialidade e as condições sociais da mesma,

problematizando questões relacionadas à autonomia, qualificação e legitimação.

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14

Desde o início de minha carreira – 1998 –, tenho interesse pelo funcionamento

do Sistema das Artes, em especial para saber sobre as regras do mercado de arte,

visando minha autonomia como artista, bem como a de meus colegas de profissão.

Nesses quinze anos de atuação, participei de salões de arte, fiz exposições individuais,

formatei projetos para Leis de Incentivo do Estado e Município, conheci e visitei

instituições, ateliês etc. Direcionei, então, meus estudos – Especialização em

Planejamento e Gestão Cultural – para o mercado de arte e abri, em 2003, uma galeria

de arte em Chapada dos Guimarães, que funcionou por seis anos. A galeria realizou

mais de vinte exposições apresentando artistas do estado de Mato Grosso, sendo eles,

em sua maioria, de Cuiabá.

Ao frequentar ateliês, produzir, estudar e fazer parte do mercado – por meio da

Galeria de Arte – e também do governo – fui conselheiro estadual de cultura e secretário

de cultura de Chapada dos Guimarães –, pude viver algumas contradições, tensões e

angústias do meio artístico, percebendo as mudanças sociais e políticas e as dificuldades

na autonomização do sistema de arte cuiabano, o que me possibilitou ir além das

questões de mercado.

A pergunta que a princípio orientou a pesquisa foi: Por que os artistas visuais em

Cuiabá têm dificuldade em conseguir autonomia e se legitimar no circuito nacional de

arte? No decorrer da pesquisa, todavia, o projeto fez um giro, o ―giro decolonial‖,

colocando a colonialidade no centro do debate, a questão da colonização como

componente constitutivo da modernidade e a compreensão da descolonização como

inúmeras e indefinidas estratégias e formas contestatórias que buscam uma mudança

radical nas formas hegemônicas atuais de poder, ser e saber (Nelson Maldonado –

Torres, 2008 b). Nossos estudos passam então a se concentrar na verificação da

existência de hierarquização, segregações, preconceitos e desigualdades no âmbito das

artes visuais e de possíveis modos de resistência e oposição a eles. Dessa maneira,

investigamos a produção de artes visuais em Cuiabá, tendo em vista o racismo, o

eurocentrismo epistêmico e a ocidentalização – violenta ou consentida – dos estilos de

vida como dispositivos de colonialidade.

Com minha participação no Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos do

Contemporâneo (NEC), situado no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura

Contemporânea (ECCO), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), pude ter

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contato com o grupo atualmente chamado de

Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, rede multidisciplinar e multigeracional de

intelectuais, entre os quais se destacam os sociólogos Aníbal Quijano (Peru), Edgardo

Lander (Venezuela), Ramón Grosfoguel (Porto Rico - EUA) e Agustín Lao-Montes

(Porto Rico); os semiólogos Walter Mignolo (Argentina - EUA) e Zulma Palermo

(Argentina); a pedagoga Catherine Walsh (EUA - Equador), os antropólogos Arturo

Escobar (Colômbia) e Fernando Coronil (Venezuela - EUA); o crítico literário Javier

Sanjinés (Bolívia - EUA) e os filósofos Enrique Dussel (Argentina - México), Santiago

Castro-Gómes (Colômbia), María Lugones (Argentina - EUA) e Nelson Maldonado-

Torres (Porto Rico). Textos dos autores acima citados constituíram-se como principais

referências teóricas, orientando em termos epistemológicos as reflexões, discussões e

ações reunidas neste trabalho de pesquisa.

Realizamos pesquisa bibliográfica e também entrevistas semi-estruturadas com

seis artistas: Carlos Lopes, Nilson Pimenta, Vitória Basaia, Benedito Nunes, José

Pereira, Carlos Antônio Batista e com o produtor cultural, Paulo Traven, que é

subsecretário de cultura do município de Cuiabá desde o ano de 2013. As informações

levantadas com as entrevistas foram ancoradas teoricamente por meio do diálogo com

diversos autores, bem como articuladas a dados obtidos em pesquisas na internet.

Figura 1: Vitória Basaia em sua casa ateliê, 2010. Foto: Julio César Carvalho

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Para a seleção dos artistas entrevistados, nos guiamos por critérios como: 1)

estar estabelecido na grande Cuiabá 2) viver predominantemente do trabalho com as

artes visuais 3) ser reconhecido pelo público e pela crítica locais; 4) ter trabalhado com

a Pellegrim Galeria, uma vez que nos possibilitou um conhecimento mais consistente do

percurso e da produção pictórica. Finalmente, Paulo Traven foi escolhido por ter sido,

por longo tempo, um produtor cultural independente no estado de Mato Grosso e agora

estar atuando em âmbito público municipal.

As entrevistas abordaram questões referentes ao processo de autonomização

social da arte; de legitimação em âmbito local; aos impedimentos, preconceitos e

dispositivos de colonização na arte em Cuiabá; às estratégias que estão sendo adotadas

para vencer os obstáculos, além de outras questões que surgiram durante a realização da

pesquisa.

Podemos então afirmar que esta dissertação tem como objetivo investigar a

produção das artes visuais em Cuiabá, tendo em vista o racismo, o eurocentrismo

epistêmico e a ocidentalização (violenta ou consentida) dos estilos de vida como

dispositivos de colonialidade. Daí decorre a expectativa que temos de identificar os

modos como se dão a dominação epistemológica nas artes visuais em Cuiabá,

problematizando questões relacionadas ao racismo, à exploração e aos diferentes

processos de violência e desumanização. Finalmente, esperamos que a manipulação dos

referenciais teóricos e suas ferramentas conceituais da tríade

modernidade/colonialidade/decolonialidade que se anuncia possa contribuir para a

construção contínua de conceitos, redes e relacionamentos a serem utilizados para

valorizar e construir aesthesis e subjetividades decoloniais.

Articulados à ideia de Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 31) de que ―o

pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal‖, no primeiro capítulo desta

dissertação, exploramos o funcionamento dessas abissalidades que hierarquizam e

invisibilizam saberes e práticas outros e que operam a transmutação da antiga

dominação colonial, chamada de colonialismo, em colonialidade. Nesse capítulo,

apresentamos o Grupo Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade e também reflexões

sobre a abissalidade. Discutimos as noções de ―pensamento abissal‖ (SANTOS, 2010),

―pensamento heterárquico‖ (KONTOPOULOS, 1993) e ―giro decolonial‖

(MALDONADO-TORRES, 2008 b). Abordamos também relações entre a ciência

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moderna e a colonialidade, bem como a ―perspectiva de ponto zero‖ (CASTRO-

GOMES, 2003). Com esse capítulo que se constitui do estudo de todas essas noções

pretendemos nos situar e entender os fenômenos da colonialidade e da decolonialidade.

Orientado pelo pensamento de Walter Mignolo de "descolonizar a estética para

liberar aesthesis", o segundo capítulo desta dissertação se detém sobre os modos como o

pensamento moderno ocidental rege os critérios de validação sobre a produção artística

mundial. Aborda a noção grega de aesthesis (sensação) e a apropriação da mesma, no

século XVIII, por filósofos como Baumgarten e Kant que deram ensejo ao nascimento

da ―narrativa estética‖ eurocentrada, a qual distinguiu/distingue o diferente,

classificando-o e desqualificando-o em relação à arte europeia, num momento histórico

em que os países colonizadores se fortaleciam econômica e culturalmente pelo processo

de colonização das Américas, Ásia e África. É nesse contexto que surgem distinções

como arte e artesanato, ou seja, de critérios de distinção entre a verdadeira arte e aquilo

que não chega a ser e, com eles, da distinção entre objetos que serão exibidos em

Museus de Arte daqueles que serão destinados, no máximo, a Museus de História

Natural. É a partir do século XVIII que se constrói na Europa o ―museu‖ (casa das

musas) formando uma nova complexidade na arte e na estética. Esse sistema que aí

começa a se constituir vai se firmando, ao longo dessa história, como o ―trajeto único‖

das artes que se incumbe de legitimar os artistas que conseguem percorrê-lo.

No terceiro capítulo, lançamos um olhar sobre a história recente das artes visuais

em Cuiabá. Em seguida, discutimos questões apresentadas nos relatos de artistas que

vivem e produzem nessa cidade e do produtor cultural que integra o grupo de

entrevistados desta pesquisa. As questões aqui tratadas são articuladas a noções e

argumentos de autores que pensam a decolonialidade do poder, do saber e do ser, de

modo a percebermos em que medida a (de)colonialidade constitui esse sistema de

arte/vida. Abordamos temas como a opressão nas artes, a consciência que tem ou não

delas os artistas entrevistados; as classificações locais; a vivência do dilema

regional/universal, erudito/popular para cada artista; a percepção ou não de preconceitos

vários nas artes visuais em Cuiabá, entre outros.

Em se tratando de arte produzida na América Latina, no Brasil e mais

especificamente em Mato Grosso e em sua capital Cuiabá, é ao ―trajeto único‖

fortalecido e reproduzido com mais separações, classificações e hierarquizações, que

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este trabalho de pesquisa se opõe, para podermos vislumbrar possíveis caminhos

―outros‖.

Figura 2: Sharjah Bienal 11 realizada nos Emirados Arabes Unidos. Ammar Al Attar, Prayer Room, 2012,

installation view, twenty photographs, lambda c-print, matte. Courtesy of the artist and Cuadro Fine Art

Gallery. Image courtesy of Sharjah Art Foundation9.

9 Ammar Al Attar, Sala de Oração, 2012, vista da instalação, vinte fotografias, lambda c-print, matte.

Cortesia do artista e da Cuadro Fine Art Gallery. Imagem cortesia da Fundação Arte de Sharjah.

Disponível em < http://www.ibraaz.org/essays/59> Acesso em 28/01/2005.

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1. MODERNIDADE/COLONIALIDADE/DECOLONIALIDADE

Profecia final

Adeus povo, adeus árvores adeus campos

Aceitai minha despedida

Fico governando essa zona de cá por inteiro até

a ponta dos trilhos em Rio Branco

e o senhor por sua vez governa

do Rio Branco até a pancada do mar

Espinhos soltos no chão

Mistérios presos no ar

Não desejei carregar esse cajado infinito

Anuncio a tua vinda

No silêncio dos cocões

Já vou, meu primeiro trago

Longe da terra primeira

A nitidez se acentua

O nevoeiro se engole

Minhas raízes caminham

Herdeiros do fim do mundo

Queimai vossa história tão mal contada

(Cordel do Fogo Encantado)

1.1.Colonialismo, pós-colonialismo, (de)colonialidade

Nas fronteiras entre poesia, teatro e música, o grupo Cordel do Fogo Encantado

(Arcoverde-PE) transcreve, na obra Profecia Final, um trecho da carta do Capitão

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, ao Governador de Pernambuco. Na carta,

Lampião com a intenção de evitar a guerra, querendo paz, sugere a divisão de

territórios, a demarcação territorial do sertão nordestino. As palavras da carta foram

entendidas pelo governador de Pernambuco como um desafio ao governo e a reação foi

extremamente violenta, assinalando o início da perseguição que daria no fim do grupo

de Virgulino Lampião10

.

Lampião toma como referência de fronteira a cidade de Rio Branco, atual

Arcoverde - PE, para limitar seu território. Bem antes de Lampião, em 1494, era traçada

a linha global moderna entre Espanha e Portugal, o Tratado de Tordesilhas, linha reta,

cartesiana, um meridiano que dividia a amorfa América do Sul em duas. A linha de

Tordesilhas foi mudando, foi sendo empurrada, distorcida, algumas vezes com âncoras

10 Veja-se o site (ASSUNÇÃO, Moacir).

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em paralelos centrais, estratégicos, como o paralelo S15, onde na última fronteira, foi

erguida Vila Bela de Santíssima Trindade - MT. Com o passar dos anos, as fronteiras se

definiram de forma irregular, seguindo o curso dos rios, o relevo de serras e a "pancada

do mar".

Além das várias formas de dominação territorial – como o exemplo de Lampião

no Nordeste brasileiro, muito bem evidencia – a história da América do Sul nos mostra

também a emergência histórica do racismo no sistema-mundo, o eurocentrismo

epistêmico e a ocidentalização (violenta ou consentida) dos estilos de vida. Estas são

algumas das várias dimensões da colonialidade. Para Aníbal Quijano (2000, p. 342):

La colonialidad es uno de los elementos constitutivos y específicos del

patrón mundial de poder capitalista. Se funda en la imposición de una

classificación racial/étnica de la población del mundo como piedra

angular de dicho patrón de poder y opera em cada uno de los planos,

ámbitos y dimensiones, materiales y subjetivas, de existencia social

cotidiana y a escala societal. Se origina y mundializa a partir de

América11

.

A epistemologia dominante, monocultural, surge com a intervenção política,

econômica e militar do colonialismo e se assenta na diferença cultural do mundo

moderno cristão ocidental e na diferença política do capitalismo. O colonialismo

reduziu a diversidade epistemológica e, mesmo após os processos de independência

política e até econômica, transmutou-se nisso que agora se chama ―colonialidade‖.

Antes mesmo da introdução da colonialidade como termo/conceito, a ideia já se

manifestava no pensamento africano de Kwame Nkhruma e Amilcar Cabral,

principalmente, e negro nas Américas como no de W.E.B. Dubois, Aimé Césaire, Frantz

Fanon, Angela Davis, Sylvia Wynter, Abidias do Nascimento, Cedric Robinson,

Édouard Glissant, Milton Santos e também de feministas ―chicanas‖ como Glória

Evangelina Anzaldúa, Cherríe I. Moraga, entre outras.

Os processos de descolonização do chamado ―terceiro mundo‖ – fim do

colonialismo – foram conduzidos durante os séculos XIX e XX. A partir da metade do

11 Tradução nossa: ―A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do patrão colonial de

poder capitalista. Fundamenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo

como pedra angular desse patrão de poder e opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões,

materiais e subjetivas, da existência social cotidiana e da escala social. Origina-se e mundializa-se a partir

da América‖.

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século XX – tempo histórico posterior aos processos de descolonização –, surge o termo

―pós-colonialismo‖, do qual se depreende basicamente, segundo Luciana Ballestrin

(2013, p. 90), dois entendimentos, o primeiro se refere:

[...] à independência, libertação e emancipação das sociedades

exploradas pelo imperialismo e neocolonialismo – especialmente nos

continentes asiático e africano. A outra utilização do termo se refere a

um conjunto de contribuições teóricas oriundas principalmente dos

estudos literários e culturais, que a partir dos anos 1980 ganharam

evidência em algumas universidades dos Estados Unidos e da

Inglaterra.

No contexto da libertação e emancipação das sociedades exploradas pelo

imperialismo e neocolonialismo vale destacar a Conferência de Bandung (Indonésia),

onde se reuniram vinte e três países asiáticos e seis países africanos (com uma

população total de 1350 bilhões de habitantes), entre 18 a 25 de abril de 1955, com o

objetivo de formar uma política global, visando promoção e a cooperação econômica e

cultural entre a África e a Ásia como forma de oposição ao colonialismo ou

neocolonialismo dos Estados Unidos da América, da União Soviética ou qualquer outra

nação considerada imperialista. Bandung foi uma das primeiras Conferências a afirmar

que o Racismo é crime, transmitindo a ideia de criar um Tribunal da Descolonização

(DIÁRIO UNIVERSAL, 2007). De Bandung surgiu, em 1961, o Movimento de Países

não Alinhados (MNA) que se tornou forte dispositivo de lutas nacionais por

independência, combate à pobreza, desenvolvimento econômico e oposição ao

colonialismo, ao imperialismo e ao neocolonialismo, as conferências se estenderam até

2006 com a presença de mais de 115 países12

(THE NON-ALIGNED MOVEMENT,

2004).

Ballestrin (2013, p. 92) situa o pós-colonialismo ―como um movimento

epistêmico, intelectual e político‖ e registra que:

[...] na década de 1970, formava-se no sul asiático o Grupo de Estudos

Subalternos13

– com a liderança de Ranajit Guha, um dissidente do

marxismo indiano –, cujo principal projeto era ―analisar criticamente

não só a historiografia colonial da Índia feita por ocidentais europeus,

mas também a historiografia eurocêntrica nacionalista indiana‖

12 Para mais informações acesse o site da conferência The Non-Aligned Movement, 2004.

13 Segundo Ballestrin (2013, p. 92 e 93), o termo ―subalterno‖ foi emprestado de Antônio Gramsci e

entendido como classe ou grupo desagregado e episódico que tem uma tendência histórica a uma

unificação sempre provisória pela obliteração das classes dominantes.

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(Grosfoguel, 2008, p.116), bem como a historiografia marxista

ortodoxa (Castro-Gomez e Mendieta, 1998). Na década de 1980, os

subaltern studies se tornaram conhecidos fora da Índia, especialmente

através dos autores Partha Chatterjee, Dipesh Chakrabarty e Gayatri

Chakrabarty Spivak.

Em 1985, Spivak publicou um artigo, que segundo Ballestrin, se tornou um

cânone do pós-colonialismo: ―Pode o subalterno falar?‖ Ballestrin (2013, p. 93) registra

ainda que nesse artigo:

[...] a autora faz uma profunda crítica aos intelectuais ocidentais

Deleuze e Foucault – a despeito de sua filiação pós-estruturalista e

desconstrucionista – e uma autocritica aos estudos subalternos, através

da reflexão sobre a prática discursiva do intelectual pós-colonial.

Para Spivak, o sujeito subalterno é inaudível, sua voz não pode ser ouvida. A

autora critica também os/as intelectuais que pretendem falar em nome do subalterno e

ao fato de que ―nenhum ato de resistência pode ocorrer em nome do subalterno sem que

esse ato seja imbricado no discurso hegemônico‖ (Almeida, 2010, p. 12). Em nosso

caso, por nos considerarmos artista e pesquisador subalterno em diferentes graus e

dimensões, sentimo-nos autorizados a falar, mas não a falar pelos artistas ou por outros

agentes culturais entrevistados, acompanhados, mas falar com eles/elas, assim como

falamos com os autores que compõem conosco esta dissertação de mestrado.

Ainda de acordo com Ballestrin (2013, p. 93 e 94):

Na década de 1980, o debate pós-colonial foi difundido no campo da

crítica literária e dos estudos culturais na Inglaterra e nos Estados

Unidos, cujos expoentes mais conhecidos no Brasil são Homi Bhabha

(indiano), Stuart Hall (jamaicano) e Paul Gilroy (inglês). O local da

cultura, Da diáspora e Atlântico negro foram traduzidos para o

português e tiveram repercussão nas ciências sociais brasileiras. Em

um contexto de globalização, cultura, identidade (classe/etnia/gênero),

migração e diáspora apareceram como categorias fundamentais para

observar as lógicas coloniais modernas, sendo os estudos pós-

coloniais convergentes com os estudos culturais e multiculturais.

Vale destacar o descontentamento de diversos autores com as bases

epistemológicas desses grupos de estudos constituídas por teorias e teóricos

eurocentrados, tais como Michel Foucault, Antonio Gramsci, Jacques Derrida e pela

exceção, Ranajit Guha, que é indiano14

. Na América Latina, o ―pós-colonialismo‖

estimulou, na década de 1990, a formação de um grupo de investigação formado por

14 Para informações mais detalhadas a esse respeito ver texto completo de Luciana Ballestrin, 2013.

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autores que nutriam tal descontentamento e que Artur Escobar15

passou a chamar de

―Proyecto latino/latino americano modernidad/colonialidad‖ 16

(2003 apud CASTRO-

GÓMES; GROSFÓGUEL, 2007, p. 9) que em seguida agregou o nome decolonialidad.

O projeto Modernidad/Colonialidad/Decolonialidad (Proyecto MCD) – reúne

um importante e ativo grupo de pensamento crítico na América Latina. Com influência

do pós-colonialismo, e vindos quase em sua totalidade de antigos âmbitos de produção

crítica de conhecimento na América Latina, a exemplo da teoria da dependência, da

filosofia da libertação, dos estudos subalternos etc., criam a partir de sua articulação o

que chamam de pensamento ou perspectiva decolonial.

De acordo com Walter Mignolo (2009) o projeto teve três momentos:

primeiramente, pôs ênfase no controle imperial/colonial da economia e da autoridade;

em uma segunda etapa, foi enfatizado o controle de gênero, sexualidade e subjetividade

por um lado e conhecimento (epistemologias) por outro; e em um terceiro momento,

ainda em exploração, surgiu a questão da descolonização da natureza. A

(de)colonialidade do poder foi complementada pela (de)colonialidade do saber e como

resultado das duas surgiu a (de)colonialidade do ser. Daí desdobraram-se outras

denominações como (de)colonialidade da natureza, da arte, da estética (aesthesis

decoloniais), entre outras.

Para chegar ao termo colonialidade, Aníbal Quijano (1992) argumenta que:

la idea de raza es, con toda seguridad, el más eficaz instrumento de

dominación social inventado en los últimos 500 años. Producida en el

mero comienzo de la formación de América y del capitalismo, en el

tránsito del siglo XV al XVI, en las centurias siguientes fue impuesta

sobre toda la población del planeta como parte de la dominación

colonial de Europa.17

Na síntese feita por Ramón Grosfoguel (2013a, p. 43), ―la idea de ‗colonialidad‘,

es decir, que la raza es un principio organizador de la lógica de acumulación de capital,

15 Escobar, Arturo. Mundos y conocimietos de otro modo. El programa de investigación de

modernidad/colonialidad latinoamericano. Tabula Rasa, 1, 51-86, 2003. 16

Para uma visão mais detalhada sobre o histórico do projeto modernidade/colonialidad veja-se o Prólogo

em Castro-Gómez, Grosfoguel, 2007. 17

Tradução nossa: ―a idéia de raça é, com toda segurança, o mais eficaz instrumento de dominação social

inventado nos últimos 500 anos. Produzido no início da formação da América e do capitalismo, na

transição do século XV ao século XVI, nos séculos seguintes, foi imposta a toda a população do planeta

como parte da dominação colonial da Europa‖.

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de la economía política y de la división del trabajo internacional del sistema capitalista

mundial desde el siglo XVI"18

. Grosfoguel (2013a, p. 44) diz ainda que "la ‗colonialidad

del poder‘ nace de la historia del colonialismo no es reductible a él porque una vez

terminado el colonialismo la colonialidad ha continuado hasta nuestros días en todas sus

manifestaciones"19

.

Para esses autores, a modernidade não pode ser concebida e muito menos

referida sem imediatamente associá-la à colonialidade. Isso significa dizer que não é

possível mencionar supostos avanços ou triunfos da modernidade ocidental sem que se

ponha a nu o alto preço pago na colonialidade. Ambos, colonialidade e modernidade são

indissociáveis, uma vez que o segundo se constitui a partir do primeiro. Por isso, Walter

Mignolo (2011) afirma que a colonialidade é o lado sombrio the darker side20

da

modernidade. Para Mignolo21

(2007, p. 34):

La colonialidad pone de manifesto las experiencias y las ideas del mundo y

de la historia de aquellos a quienes Fanon denominó les damnés de la terre

(―los condenados de la tierra‖, que han sido obligados a adoptar los

estándares de la modernidad). Los condenados se definen por la herida

colonial, y la herida colonial, sea física o psicológica, es uma consecuencia

del racismo,el discurso hegemónico que pone em cuestión la humanidade de

todos los que no pertenecen al mismo locus de enunciación (y a la misma

geopolítica del conocimiento) de quienes crean los parámetros de

clasificación y se otorgan a sí mismos el derecho a clasificar.

Para Zulma Palermo (2010, s/p, tradução nossa), "a diferença colonial constitui

uma negação do valor do outro, que é diferente do eu-sujeito-único que é capaz de

pensar, dizer e fazer‖, sendo que, ainda segundo Palermo, esse outro é marcado pela

18 Tradução nossa: "a ideia de colonialidade é afirmar que a raça é um princípio organizador da lógica de

acumulação de capital, da economia política e da divisão de trabalho internacional do sistema capitalista

mundial desde o século XVI. "a colonialidade do poder nasce da história do colonialismo, mas não é

redutível a ela, porque uma vez terminado o colonialismo, a colonialidade tem continuado até nossos dias

em todas as suas manifestações‖ 19

Tradução nossa: "a colonialidade do poder nasce da história do colonialismo, mas não é redutível a ela,

porque uma vez terminado o colonialismo, a colonialidade tem continuado até nossos dias em todas as

suas manifestações‖ 20

Um dos livros de Mignolo traz exatamente o título The darker side of the renaissance. 21

Tradução nossa: A colonialidade põe em manifesto as experiências e as idéias do mundo e da história

daqueles a quem Fanon denominou les damnés de la terre (os condenados da terra) que foram obrigados a

adotar as normas da modernidade. Os condenados se definem pela ferida colonial, e a ferida colonial, seja

física ou psicológica, é uma conseqüência do racismo, do discurso hegemônico que põe em questão a

humanidade de todos os que pertencem ao mesmo locus de enunciação (e a mesma geopolítica do

conhecimento) dos que criam os parâmetros de classificação e se outorgam a si mesmos o direito de

classificar.

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raça, classe, língua, gênero, pelo lugar em que vive, pelas suas formas de vida e,

especialmente nos dias de hoje, pela capacidade que possui de participar das demandas

do sistema de mercado.

Santiago Castro-Gómez e Ramón Grosfogel escrevem que, de acordo com o

enfoque decolonial (2007, p.14 e 17, grifos dos autores):

[...] el capitalismo global contemporáneo resignifica, en un formato

posmoderno, las exclusiones provocadas por las jerarquías

epistémicas, espirituales, raciales/étnicas y de género/sexualidad

desplegadas por la modernidad. De este modo, las estructuras de larga

duración formadas durante los siglos XVI y XVII continúan jugando

un rol importante en el presente (...) Como resultado, el mundo de

comienzos del siglo XXI necesita una decolonialidad que

complemente la descolonización llevada a cabo en los siglos XIX y

XX. Al contrario de esa descolonialización, la decolonialidad es un

proceso de resignificación a largo plazo, que no se puede reducir a un

acontecimiento jurídico-político22

.

Dentre outras coisas, alguns integrantes da rede

Colonialidade/Modernidade/Decolonialidade dão início a uma ampla revisão histórica.

Grandes genocídios/epistemicídios23

ocorridos no século XVI – como o

genocídio/epistemicídio da população de origem judia e mulçumana na conquista de Al-

Andalus (Espanha); dos povos indígenas na conquista do continente americano; dos

africanos raptados e escravizados no continente americano e o das mulheres queimadas

vivas sobre acusações de bruxaria na Europa (GROSFOGUEL, 2013 b, p. 31) –

resultaram na criação de privilégios (econômicos, epistêmicos etc.) ao homem

ocidental, os quais perduram até os dias de hoje. Somente com as guerras, com a

exploração do outro, do diferente, foi possível conceber esse sistema mundo

Eupopeu/Euro-Norte-americano, moderno/colonial, capitalista/patriarcal

(GROSFÓGUEL; MIGNOLO, 2008, p.37).

22 Tradução nossa: [...] o capitalismo global contemporâneo ressignifica, em um formato pós-moderno, as

exclusões provocadas pelas hierarquias epistêmicas, espirituais, raciais/étnicas e de gênero/sexualidade

implantadas pela modernidade. Deste modo, as estruturas de longa duração formadas durante os séculos

XVI e XVII continuam desempenhando um papel importante no presente [...] Como resultado, o mundo

de começos do século XXI necessita uma decolonialidade que complemente a descolonização levada a

cabo nos séculos XIX e XX. Ao contrário dessa descolonização, a decolonialidade é um processo de

ressignificação a longo prazo que não se pode reduzir a um acontecimento jurídico-político. 23 O conceito de epistemicídio foi desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos (2010) para se referir à

destruição de conhecimentos ligados à destruição de pessoas.

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No Brasil não foi e não é diferente, documentos a exemplo do Relatório

Figueiredo24

e do livro o Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex (2013) são provas de

como a sociedade brasileira tratou e ainda hoje trata a diferença. Conflitos que

continuam no século XXI com a falta de demarcação de terras indígenas, onde grandes

latifundiários e empresas de mineração matam pela terra. Longa, violenta e contínua

história.

1.2. Pensamento abissal e amarrações terra-sol.

O termo abismo é usado como metáfora para a depressão psicológica (fundo do

poço) ou para os extremos relativos às diferenças (há um abismo entre nós). Neste

sentido, Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 31) fala que o "pensamento moderno

ocidental é um pensamento abissal". Santos afirma que a modernidade é um sistema que

produz distinções visíveis e invisíveis. Um sistema formado por linhas radicais que

dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo "deste lado da linha"

e o do "outro lado da linha". Assim, para Santos (2010, p. 32):

A divisão é tal que o "outro lado da linha" desaparece enquanto

realidade, torna-se inexistente, e é produzido como inexistente.

Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante

ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é

excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que

a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro.

A característica fundamental do pensamento abissal é a

impossibilidade da copresença dos dois lados da linha. Este lado da

linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade

relevante. Para além dela há apenas inexistência, invisibilidade e

ausência não dialética.

Santos diz ainda que as diferenças visíveis que estruturam a realidade de um

lado da linha baseiam-se na invisibilidade das diferenças entre um e outro lado. Daí que

o binarismo metafórico visível/invisível usado para elaborar o conceito de pensamento

abissal é fundado na impossibilidade de coexistência dos dois lados. Dentro da realidade

visível, as diferenças seguem classificações, implacáveis construções de verticalidades

hierárquicas que vão do mais claro, no topo, ao mais escuro, na base. Verticalidades

com geometrias deterministas, ancoragens gráficas com evocações solares e hierarquias

dégradés, percebidas, por exemplo, dentro do que Immanuel Wallerstein (2004, p. 241)

24 Documento produzido pelo Estado brasileiro que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda

sorte de crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e

funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

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27

chama de sistema-mundo25

, onde se estabilizam centros, semi-periferias e periferias

utilizando, para tanto, uma lente eurocentrada. Abaixo da linha abissal, as opressões são

agravadas pela racialização que dá ensejo justificado a várias formas de violência,

exploração, expropriação e desumanização. Cria-se a ilusão, com ares de verdade, de

que a luz é superior à escuridão, de que a luz é virtude e a inexistência de luz pura

negatividade, de que o sol, portanto, é mais importante do que a lua. Propomos chamar

essas ilusões, esses dispositivos (que produzem e estabilizam hierarquias e oposições)

de ―amarração‖. O termo não é escolhido por acaso, pois se refere a uma das formas de

se manter o navio atrelado ao cais de um determinado porto, uma forma de ancoragem,

além do que é também usado para designar trabalhos de magia no Candomblé e na

Umbanda (religiões de origem Yorubá), feitos por uma sacerdotisa ou sacerdote com a

finalidade de estabelecer e fixar uma união amorosa. O ilusionismo moderno é

constituído por trabalhos de amarração ego-geo-políticos, amarrações Terra-Sol. Ou

seja, é solar, pois pressupõe um critério absoluto a luz e ainda uma única matriz

irradiadora o Sol que precisa da Terra para operar sua geopolítica de colonização.

25 Para Immanuel Wallerstein trata-se de um regime global de poder que tem como característica uma

"superestrutura política que consiste em um conjunto de Estados supostamente soberanos definidos e

limitados por seu pertencimento a uma rede ou sistema interestatal, cujo funcionamento se guia pelo

chamado equilíbrio de poder, mecanismo destinado a garantir que nenhum dos Estados que formam parte

deste sistema interestatal tenha nunca a capacidade de transformá-lo em um império-mundo" (2004, p.

241).

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28

Figura 3: Homem segurando o sol. Fotografia disponível no site <http://sorisomail.com/xixinko/1-visual-

imagens.html

Quando se ouve a palavra abissal também associamos a vários tipos de abismo, a

exemplo das depressões ou falhas geológicas proporcionadas por diferentes relevos em

uma paisagem (serras, vales, montanhas etc.), contudo, o termo é também usado para

cavernas verticais e regiões marítimas com grande profundidade. Diferentemente dos

relevos vistos nas paisagens da superfície terrestre, que durante o dia ficam bem

iluminados, na zona abissal marítima ou abisso-pelágica, como também nas profundezas

das cavernas verticais (subsuperficiais), dominam as trevas, sem o benefício da luz do

sol que aí não consegue penetrar. Por essa especificidade da ausência de luz, nessas

regiões encontram-se seres vivos muito particulares, adaptados a um ecossistema

próprio que dispensa a luz. Porém, abaixo da zona abissal, localiza-se a zona hadal,

palavra que em francês significa "lugar da morte", uma referência ao deus da mitologia

grega Hades, também conhecida como fossa oceânica26

.

26 Fossas abissais são as regiões mais profundas dos oceanos. Depressões que se formam abaixo do talude

continental, em zonas de encontro de placas tectônicas, onde uma placa mergulha sobre a outra

(UNIVERSIDADE LUSÓFONA)

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29

Segundo uma lógica oceanográfica, essas divisões são feitas com base na

profundidade, que nessas regiões podem chegar a mais de 11 km, com uma pressão que

pode atingir 11000 psi.

Figura 4: Camadas da zona pelágica. Autor: Capmo27

O gráfico acima segue padrões cartesianos, ou seja, as linhas nele traçadas

classificam diferentes áreas ou regiões marítimas, arbitrando fronteiras e espaços com

nomes que seguem quantificações de penetração da luz do sol, da profundidade e do

tipo de vida marinha (Epi/Meso/Bati/Abisso/Hado). Na perspectiva gráfica acima, o sol

e o mar permanecem estáticos (amarrados à imagem) em suas posições polarizadas,

tendo no sol o fundamento, o ponto zero no alto do gráfico. Ao escolher o sol para o alto

da imagem (uma escolha evidentemente arbitrária), a lua é claramente elidida do

sistema: há ―sempre‖ (e somente) luz acima do mar. Por sua vez, ao ignorar a dinâmica

da rotação ou do giro do planeta Terra em relação ao sol, o gráfico cristaliza um

dégradé, uma hierarquia vertical de luz que vai da zona totalmente iluminada, no topo, à

escuridão absoluta na base.

27 O autor consta como referência em um ficheiro da WIKIPÉDIA (2013).

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30

Essa construção, que alimenta muitos imaginários, é arrematada com a escolha

de Hades, o deus dos mortos, do mundo inferior na mitologia grega, para denominação

dessas zonas interiores (do mar, da terra), onde a vida se desenvolve em condições

consideradas hostis para o ser humano28

.

Em que pese a evidente importância dos estudos oceanográficos, não podemos

deixar de identificar, nessa construção gráfica, uma semiosfera29

com aspectos

hierárquicos que nos remete ao machismo na ocultação da lua e ao racismo, ao

subalternizar o escuro. É possível perceber também o caráter antropocêntrico da

ancoragem gráfica. A semiosfera ganha densidade com a designação dos seres abissais,

impotentes diante dos dispositivos humanos, como o pequeno peixe Diabo Negro30

(Fig.

2), cujo nome evidencia estereótipos. Tais enunciados que funcionam de forma

espetacular, criam um ilusionismo cercado de representações e evocações

preconceituosas que, por outro lado, lança na invisibilidade os modos singulares dessas

vidas, a biodiversidade, a complexidade ecossistêmica dessas regiões outras,

constituindo e reforçando uma abissofobia31

no mundo troposférico32

. Contudo, o medo

do que se considera hostil, o medo da profundidade, da ausência de luz, de ser

implodido nas diferenças extremas de pressão, não são suficientes para frear o arrivismo

ocidental-capitalista e sua gigantesca máquina de exploração. Para a exploração das

zonas hadais, inventou-se o curioso submersível de nome batiscafo.

28 Nessas condições, os seres vivos possuem corpos gelatinosos para suportar a grande pressão,

movimentos lentos e resistem grandes períodos de tempo sem alimento (ARAGUAIA, Maria) 29

Segundo Machado (2007), o conceito de semiosfera, formulado por I. Lotman para designar a cultura

como um organismo não separando aspectos biológicos e de aspectos culturais. Trata-se de um espaço

que possibilita a realização dos processo comunicativos e a produção de novas informações, funcionando

como um conjunto de diferentes textos e linguagens. 30

Veja-se BBC BRASIL. 31

A abissofobia é um medo incomum que o indivíduo tem de abismos e de precipício (ABC DE

FOBIAS). 32

Troposfera é a porção mais baixa da atmosfera terrestre onde o ser humano respira.

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31

Figura 5: Melanocetus johnsonii ou peixe-diabo negro. Fotografia: Senckenberg Forschungsnstitut und

Naturmuseum / Sven Tränkne33

.

O que estamos chamando aqui de pensamento hadal, na trilha do pensamento

abissal de Santos, pressupõe a existência de zonas hadais que podemos compreender

como o interior do interior, a invisibilidade para além do invisível, zonas de morte

desqualificadas pelo agravante da dupla distância. Longe, portanto, do que já é

considerado longínquo. O pensamento hadal nos auxilia a situar estas ―zonas mais

profundas‖, duplamente desqualificadas pelas hierarquias dégradés do pensamento

moderno/colonial, ou seja, o pensamento desqualificador vivido e reproduzido por quem

está desqualificado. É uma expressão de exagero que pressupõe a existência de fendas

ainda mais profundas e pensamentos para lá de abissais. 34

Segundo Grosfoguel35

(2012, p. 93):

Para Fanon, el racismo es una jerarquía global de superioridad e

inferioridad sobre la línea de lo umano que ha sido políticamente

producida y reproducida como estructura de dominación durante

siglos por el «sistema

imperialista/occidentalocéntrico/cristianocéntrico/capitalista/patriarcal

33 A espécie é encontrada em todos os oceanos numa profundidade entre 100 e 2 mil metros (SPIEGEL

ONLINE, 2010). 34

A discussão acerca do pensamento hadal tende a ser aprofundada em pesquisas vindouras, ao longo de

nossa trajetória como artista e pesquisador, pois acreditamos que tal noção pode ser potente para

estudarmos esse ―interior do interior‖ e suas especificidades. 35

Tradução nossa: Para Fanon, o racismo é uma hierarquia global de superioridade e inferioridade sobre a

linha do humano que tem sido politicamente produzida e reproduzida como estrutura de dominação

durante séculos pelo "sistema imperialista/ocidentalocêntrico/cristianocêntrico/capitalista/

patriarcal/moderno/colonial" (Grosfoguel, 2011). As pessoas que estão acima da linha do humano são

reconhecidas socialmente em sua humanidade como seres humanos com subjetividade e com acesso a

direitos humanos/cidadãos/civis/de trabalho. As pessoas abaixo da linha do humano são consideradas sub-

humanos ou não-humanos, é dizer, sua humanidade está questionada e portanto, negada (Fanon, 2010).

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32

/moderno/colonial» (Grosfoguel, 2011) 36

. Las personas que están

arriba de la línea de lo humano son reconocidas socialmente en su

humanidad como seres humanos con subjectividad y con acceso a

derechos humanos/ciudadanos/civiles/laborales. Las personas por

debajo de la línea de lo humano son consideradas sub-humanos o no-

humanos, es decir, su humanidade está cuestionada y, por tanto,

negada (Fanon, 2010) 37

.

Para Grosfoguel, a estrutura do racismo é uma instituição de poder, uma

hierarquia de poder global que atravessa todas as relações sociais, inclusive a economia

política, onde se classificam grupos sociais de superiores e outros de inferiores sobre a

linha do humano.

Na zona do ser há um reconhecimento das formas de existir, de ser, de viver, de

pensar, da espiritualidade, das artes, das epistemologias etc., já na zona do não ser, estas

formas são consideradas inferiores. Grosfoguel afirma que não são zonas homogêneas,

tanto acima da linha do humano, quanto abaixo, há uma heterogeneidade de sujeitos.

Afirma também que, na zona do ser, há uma dialética do eu e do outro, trata-se da

dialética hegeliana do reconhecimento, este outro é oprimido em termos de classe, de

gênero, de sexualidade, nacionalidade, religiosidade etc., só que nessa zona, tanto o eu

quanto o outro vivem em comum privilégio racial, embora oprimidos, sua humanidade é

reconhecida por esse eu, portanto não há opressão racial. Já abaixo da zona do ser,

vivem-se todas as opressões descritas acima, só que são agravadas pela opressão racial.

36 GROSFOGUEL, Ramón. 2011. Decolonizing Post-Colonial Studies and Paradigms of Political-

Economy: Transmodernity, Decolonial Thinking and Global Coloniality. Transmodernity:Journal of

Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic Word Vol. 1, No. 1, 1-38

http://escholarship.org/uc/item/21k6t3fq 37

FRANTZ, Fanon. 2010. Piel Negra, máscaras blancas. Madrid: Akal.

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33

Figura 6: Jeannette Ehlers, Black Magic At The White House,38

2009.

03:46, sound, courtesy of the artist and Art Labour Archives. Imagem

extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012. Black Europe Body

Politcs realizada em Berlim, Alemanha (MIGNOLO, 2012).

1.3. Do pensamento abissal à decolonialidade

Tentando ir além da lógica única e determinista do pensamento hierárquico, o

filósofo grego Kyriankos Kontopoulos (1993) elabora o termo pensamento heterárquico.

Para Santiago Castro-Gómes e Ramón Grosfoguel (2007, p. 18):39

El pensamiento heterárquico es un intento por conceptualizar las

estructuras sociales con un nuevo lenguaje que desborda el paradigma

de la ciencia social eurocéntrica heredado desde el siglo XIX. El viejo

lenguaje es para sistemas cerrados, pues tiene una lógica única que

determina todo lo demás desde una sola jerarquía de poder. Por el

contrario, necesitamos un lenguaje capaz de pensar los sistemas de

poder como una serie de dispositivos heterónomos vinculados en red.

Las heterarquías son estructuras complejas en las que no existe un nivel

38 Tradução nossa: Jeannette Ehlers, Magia Negra na Casa Branca, 2009. 03:46, som, cortesia da artista e

Art Labour Archives. 39

Tradução nossa:"o pensamento heterárquico é uma tentativa de conceitualizar as estruturas sociais com

uma nova linguagem que vai além do paradigma da ciência social eurocêntrica herdada do século XIX. A

velha linguagem é para sistemas fechados, pois tem uma lógica única que determina todas as demais a

partir de uma só hierarquia de poder. Por outro lado, necessitamos de uma linguagem capaz de pensar os

sistemas de poder como uma série de dispositivos heterônomos vinculados em rede. As heterarquias são

estruturas complexas em que não existe um nível básico que governa sobre os demais, mas que todos os

níveis exercem algum grau de influência mútua em diferentes aspectos particulares e atendendo a

conjunturas históricas específicas. Em uma heterarquia, a integração dos elementos disfuncionais ao

sistema jamais é completo, como na hierarquia, mas parcial, o que significa que no capitalismo global não

há lógicas autônomas nem tão pouco uma só lógica determinante "em última instância", que governa

sobre todas as demais, mas existem processos complexos, heterogêneos e múltiplos, com diferentes

temporalidades, dentro de um só sistema-mundo de larga duração. No momento em que os múltiplos

dispositivos de poder são considerados como sistemas complexos vinculados em rede, a ideia de uma

lógica 'em última instância" e de domínio autônomo de alguns dispositivos sobre outros desaparece."

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34

básico que gobierna sobre los demás, sino que todos los niveles ejercen

algún grado de influencia mutua en diferentes aspectos particulares y

atendiendo a coyunturas históricas específicas. En una heterarquía, la

integración de los elementos disfuncionales al sistema jamás es

completa, como en la jerarquía, sino parcial, lo cual significa que en el

capitalismo global no hay lógicas autónomas ni tampoco una sola

lógica determinante ‗en última instancia‘ que gobierna sobre todas las

demás, sino que más bien existen procesos complejos, heterogéneos y

múltiples, con diferentes temporalidades, dentro de un solo sistema-

mundo de larga duración. En el momento en que los múltiples

dispositivos de poder son considerados como sistemas complejos

vinculados en red, la idea de una lógica ‗en última instancia‘ y del

dominio autónomo de unos dispositivos sobre otros desaparece.

O pensamento abissal, moderno, ocidental com pretensão de universalidade40

foi

construído e disseminado, como vimos, mediante dispositivos de dominação epistêmica.

Santos (2006, p. 137-165) busca contrapor a essa monocultura do conhecimento

científico a ecologia de saberes que é, a seu modo, outra forma de afirmar uma

heterarquia epistêmica. Para Santos (2010, p. 53):

É uma ecologia, porque se baseia no reconhecimento da pluralidade de

conhecimentos heterogêneos (sendo um deles a ciência moderna) e em

interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer a sua

autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o

conhecimento é interconhecimento.

A ecologia de saberes proposta por Sousa Santos pode ser articulada ao

pensamento transmoderno defendido por Enrique Dussel (1994), o qual busca

transcender a modernidade eurocentrada (Dussel, 2001). Para Dussel (1994, p. 7), a

manutenção da razão moderna oculta um mito irracional, "mito que consiste na

justificação da violência‖, que para esse autor deve ser negada e superada. Dussel

propõe a transmodernidade enquanto um projeto utópico. Para Grosfoguel (2010, p.

482):

Ao contrário do projeto de Habermas, em que o objetivo é concretizar o

incompleto e inacabado projeto da modernidade, a transmodernidade de

Dussel visa concretizar o inacabado e incompleto projeto novecentista da

descolonização. Em vez de uma única modernidade, centrada na Europa e

imposta ao resto do mundo como um desenho global, Dussel propõe que se

enfrente a modernidade eurocentrada através de uma multiplicidade de

respostas críticas descoloniais que partam das culturas e lugares epistémicos

subalternos de povos colonizados de todo o mundo.

40 A pretensão de universalizar o pensamento ocidental está posta, por exemplo, no idealismo absoluto do

filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

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35

Para Walter Mignolo (2000) a transmodernidade seria equivalente à

"diversalidade enquanto projeto universal" e um resultado do "pensamento crítico de

fronteira" enquanto intervenção epistêmica dos diversos subalternos. Revisão,

redefinição histórica, semiótica e conceitual são respostas dos pensamentos críticos de

fronteira. O ―pensamento crítico de fronteira‖ é uma noção cunhada por Mignolo

(2000), inspirado em pensadores/as chicanos/as como Gloria Anzaldúa (1987) e Jose

David Saldívar (1997) e surgiu como uma das consequências inevitáveis do

expansionismo moderno/colonial, constituindo-se como:

[...] resposta epistémica do subalterno ao projeto eurocêntrico da

modernidade. Ao invés de rejeitarem a modernidade para se

recolherem num absolutismo fundamentalista, as epistemologias de

fronteira subsumem/redefinem a retórica emancipatória da

modernidade a partir das cosmologias e epistemologias do subalterno,

localizadas no lado oprimido e explorado da diferença colonial, rumo

a uma luta de libertação descolonial em prol de um mundo capaz de

superar a modernidade eurocentrada. Aquilo que o pensamento de

fronteira produz é uma redefinição/subsunção da cidadania e da

democracia, dos direitos humanos, da humanidade e das relações

económicas para lá das definições impostas pela modernidade

europeia. O pensamento de fronteira não é um fundamentalismo

antimoderno. É uma resposta transmoderna descolonial do subalterno

perante a modernidade eurocêntrica (GROSFOGUEL, 2010, p. 480).

Outra noção cara aos estudos decoloniais é a de ―giro decolonial‖, de Nelson

Maldonado-Torres, que pensa essa expressão referindo-se, em primeiro lugar:

[...] à percepção de que as formas modernas de poder têm produzido e

ocultado a criação de tecnologias de morte que afetam de forma

diferente as distintas comunidades e sujeitos. Isto também se refere ao

reconhecimento de que as formas coloniais de poder são múltiplas e

que tanto os conhecimentos, como a experiência vivida de sujeitos que

foram marcados pelo projeto de morte e desumanização modernos são

altamente relevantes para entender as formas modernas de poder e

para fornecer alternativas para as mesmas. Neste sentido, não se trata

de uma gramática da descolonização, nem de um único ideal de

mundo descolonizado. O conceito de giro decolonial em sua expressão

mais básica busca colocar no centro do debate a questão da

colonização como componente constitutivo da modernidade, e a

descolonização como inúmeras e indefinidas estratégias e formas

contestatórias que buscam uma mudança radical nas formas

hegemônicas atuais de poder, ser e saber (MALDONADO-TORRES,

2008 b, p. 66).

O pensamento crítico de fronteira, a ecologia de saberes, o pensamento

heterárquico e o giro decolonial mostram-se como pensamentos constitutivos de

possíveis "estruturas dissipativas" (PRIGOGINE, 1997) que buscam interações de

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36

coexistência. Estruturas que podem indicar saídas para a crise (civilizatória) que surge

do pensamento eurocentrado.

1.4.Ciência moderna na perspectiva decolonial

Na perspectiva decolonial, as hierarquias vistas na panpolítica da mitologia

egípcia e grega foram substituídas pela teopolítica na Idade Média e, na modernidade, a

teopolítica foi substituída pela egopolítica. De acordo com Ramón Grosfoguel (2010, p.

460):

Descartes substitui Deus, fundamento do conhecimento na teopolítica

do conhecimento da Europa da Idade Média, pelo Homem (ocidental),

fundamento do conhecimento na Europa dos tempos modernos. Todos

os atributos de Deus são agora extrapolados para o Homem

(ocidental). Essa verdade universal que está para além do tempo e do

espaço, o acesso privilegiado às leis do universo, e a capacidade de

produzir conhecimento e teorias científicas, tudo isso está agora

situado na mente do Homem ocidental.

Grosfoguel (2010, p. 460) diz ainda que, ―o ego-cogito cartesiano (‗penso, logo

existo‘) é o fundamento das ciências modernas ocidentais‖ e relembra os argumentos de

Enrique Dussel na afirmação de que ―o ‗penso, logo existo‘ do século XVII foi

precedido por 150 anos de ‗conquisto, logo existo‘ (ego-conquiro)‖ (GROSFOGUEL,

2013b, p.33). Grosfoguel (2013b) conclui que, a partir de então, o que se vê na história

da conquista da América é a aplicação do ―extermino, logo existo‖ (ego-extermino)

como fator de mediação sociohistórica estrutural entre o ego-cogito e o ego-conquiro. É

assim que os genocídios/epistemicídios do século XVI (ego-extermino) são fundantes

das estruturas de conhecimento modernas.

Ilya Prigogine41

(1997) afirma que, em Descartes, ocorre um dualismo pela

ruptura entre a matéria (res extensa - as verdades de Newton, Einstein, Schroedinger) e

o pensamento (res cogitans - a verdade do homem), assim como também ocorre em

Immanuel Kant pelo nômeno e o fenômeno (Teoria da Razão Pura). Essa ruptura se dá

pelo "milagre laico" (PRIGOGINE, 1997) das leis de Newton em oposição a toda forma

de crença religiosa. Para ele, a fenda entre esse dois mundos (o das leis da natureza e o

do pensamento do homem) conduziu a ideia de duas culturas distintas, e isso é típico do

41 PRIGOGINE, Ilya. Grandes pensadores do Século XX. Disponível

em:<http://www.youtube.com/watch?v=tuqrvPQ7nAk> Acesso em 25/07/2013.

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37

pensamento ocidental hegemônico. No Oriente, a exemplo das culturas da Índia e da

China, a ideia de lei, de legalidade, de obrigação de legalidade nunca foi formulada.

Em Descartes, renasce o pensamento grego dualista visto em Platão. Finalmente,

para Prigogine, quando os filósofos se separam deste dualismo, se tornam anti-

científicos, pois se colocam diante do problema do tempo, como Heidegger e Bergson, e

como a ciência clássica não considerava este tempo como existencial, como tempo de

decisões, como o tempo de Sartre e de Kierkegaard, então haviam que rechaçar a

ciência. Um rechaço que, segundo Prigogine, se faz em nome do tempo existencial, da

vida humana.

Figura 7: Daniel Pellegrim Sanchez, 2° Tempo, 2012, fotografia.

Não há como negar a validade relativa do pensamento dualista, mas é preciso

subsumi-lo. Prigogine pensa como "superar o dualismo sem negar a ciência ou a

filosofia", propõe um mundo em que coexista as duas, uma imagem não contraditória,

constituída das leis de Newton, mas também da vida e do humano. Um locus onde

coexista a inteligibilidade da natureza e o mundo humanista dos valores.

Prigogine (1997) acentua o caráter probabilista da ciência com o que ele chama

de flutuações, evoluções e instabilidades. Ao ancorar probabilidade ao que chama de

"flecha do tempo", considerando as auto-organizações e bifurcações, Prigogine (1997)

enuncia o "fim das certezas". Com as incertezas, longe do equilíbrio, do determinismo e

no regime das flutuações, nas bifurcações, nascem novas soluções, novos sistemas

complexos que se mostram como "estruturas dissipativas", interativas (como as cidades,

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38

por exemplo). Fazer coexistir essas novas estruturas com o que já estava estável é o

desafio da ciência, proposto por Prigogine.

Figura 8: Quinsy Gario, The Bearable Ordeal of the Collapse of Certainties42

, 2011, theater & poetry.

Foto: Brett Russel. Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012. Black Europe Body Politcs

realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO, 2012).

Contudo, o pensamento filosófico que seculariza a teologia cristã

hierarquizadora de mentes/corpos, e que também subalterniza as localidades ―outras‖

fora da Europa ocidental (―o resto do mundo‖), acaba por processar insensatez,

desequilíbrios e injustiças percebidas, hoje em dia, em diversos problemas ambientais e

sociais, além das irracionalidades da não-coexistência.

42 Tradução nossa: Quinsy Gario, O calvário suportável do colapso das certezas, 2011, teatro e poesia.

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39

Figura 9: Sumugan Sivanesan, A Children´s Book of War, A [Not So] Secret War. Terra Nullius and the

Permanent State of Exception, 1:46, sound43

, 2010. Courtesy of the Artist and The Momentum Collection.

Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012. Black Europe Body Politcs realizada em Berlim

Alemanha (MIGNOLO, 2012).

A esse propósito, Donna Haraway (1988) afirma a necessidade de confrontar os

conhecimentos em sua visada dualista que lança uma cortina de fumaça sobre o corpo e

a localidade, com a pretensão de fundar um universalismo abstrato não situado, em

outras palavras, um universalismo onipresente. Assim, as amarrações platônicas,

cartesianas, kantianas, hegelianas recriam a representação, a magia do Olho da

Providência44

, em uma perspectiva falconiana (que do alto observa a todos, mas não

pode ser observado facilmente) que lembra Re-Horakhty45

, o deus da mitologia egípcia,

e que mantém uma perspectiva de "ponto zero". Segundo Santiago Castro-Gomez46

(2003 apud GROSFOGUEL, 2010, p. 460):

O ―ponto zero‖ é o ponto de vista que se esconde e, escondendo-se, se

coloca para lá de qualquer ponto de vista, ou seja, é o ponto de vista

que se representa como não tendo um ponto de vista. É esta visão

através do olhar de deus que esconde sempre a sua perspectiva local e

concreta sob um universalismo abstrato. A filosofia ocidental

privilegia a ―egopolítica do conhecimento‖ em desfavor da

―geopolítica do conhecimento‖ e da ―corpo-política do

conhecimento‖. Em termos históricos, isto permitiu ao homem

ocidental (esta referência ao sexo masculino é usada

intencionalmente) representar o seu conhecimento como o único capaz

de alcançar uma consciência universal, bem como dispensar o

conhecimento não-ocidental por ser particularístico e, portanto,

incapaz de alcançar a universalidade.

O iluminismo não só o tira teo do centro político para nele colocar o homem, a

saber, branco-europeu-judaico-cristão-capitalista-moderno, como também tenta fazer

inúmeros trabalhos de amarração de tudo e de todos, a ego-política hegemônica que se

assenta em um "castelo no céu"47

.

43 Tradução nossa: Sumugan Sivanesan, Um Livro de Guerra para Crianças, A [Not So] Guerra Secreta.

Terra Nullius e o Permanente Estado de Exceção, 1:46, som, 2010 Cortesia do Artista e de Momentum

Collection. 44 O olho de Deus que observa a humanidade. 45

Hibrido de Rá (Deus Sol na mitologia egípcia) e Hórus (dos Dois Horizontes) que, segundo essa

mitologia, era o soberano de todas as parte do mundo, ou seja, do céu, da terra e do mundo inferior. 46

CASTRO-GOMEZ, Santiago. La Hybris del Punto Cero. ciencia, raza e ilustración em la Nueva

Granada (1750-1816) Bogotá: Editora Pontifica Universidade Javeriana, 2003. 47 Titulo do filme de animação de Hayao Miyazaki, 1986

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Figura 10: Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2014, fotografia.

Explorar, sondar, controlar e dominar o universo a despeito dos outros que o

compartilham revela-se arrogância comum ao pensamento moderno eurocentrado.

Em entrevista (ESTÉTICAS DECOLONIAIS, 2010), Walter Mignolo afirma

que a luta no século XXI, visando controle e poder, se faz através do controle do

conhecimento. Nessa perspectiva, surge o problema da demarcação (contorno, fronteira)

na filosofia da ciência, que diz respeito à dificuldade em fazer a distinção entre teorias

científicas e teorias não-científicas (que nem teriam o estatuto de teorias). A questão é o

não reconhecimento da diversidade epistemológica tanto no interior da ciência, como na

relação entre ciência e outros conhecimentos/saberes não validados como científicos.

A lógica da ciência moderna, do dividir para conhecer, é responsável pelo

estabelecimento de suas divisões internas (ciências formais, ciências físico-químicas e

experimentais, ciências sociais, ciências humanas etc.) e pela especialização do cientista

que é instado a dedicar-se a apenas uma dessas disciplinas operando, também, em seu

interior, outras subdivisões.

Para Walter Mignolo (idem, ibidem), as disciplinas acadêmicas são dispositivos

de controle, uma vez que só se legitima o cientista que obedece às regras da disciplina,

lógica essa que converte a ciência em uma gigantesca máquina de processar decadência

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epistêmica. Para esse autor, as narrativas de progresso científico, de salvação pela

ciência, de sacralização da teoria são formas de decadência epistêmica e disciplinar.

Declínio que fica evidente através da persistência acrítica de noções e conceitos

coloniais racistas. Os domínios disciplinares estão relacionados, pela enunciação, com

fundamentos patriarcais calcados na secularização da teologia cristã que se convertera,

na Renascença, em filosofia e em ciência. Mignolo explica que a matriz colonial de

poder atua em dois níveis: o do enunciado (o já realizado) que aparece diante de nossos

sentidos através do discurso e o da enunciação (ato de produzir o enunciado), onde se

controla o conhecimento. Fica evidente a manipulação de enunciados e enunciações,

desde o iluminismo, que colocam a Europa como centro epistêmico do mundo, segundo

uma ontologia diferenciadora que apaga aqueles que estão à margem. Para Mignolo, é

preciso se desvincular das lógicas de domínio onde a narrativa da inovação inferioriza

conhecimentos tradicionais, locais, entre outros. Se entrarmos em um conflito somente

nos domínios e não questionarmos os lugares e as regras dos lugares a partir dos quais

esses domínios são constituídos, vigiados, controlados e mantidos, viveremos sempre a

angústia de uma suposta defasagem, de um anacronismo atávico que nos localiza

sempre em alguma retaguarda.

O encobrimento do pensamento ―outro‖ com classificações e hierarquizações

são os nós do pensamento moderno eurocentrado. Se, por um lado, se acumula e produz

escassez, por outro, desclassifica-se, desqualifica-se, descredencia-se, gera insegurança

e desconfiança em tudo aquilo que não está "amarrado".

Sobre o pensamento ―outro‖, Ludmila Brandão e Rosane Preciosa (2010)

lembram o esforço levado a efeito por Lévi-Strauss para descrever e classificar o

suposto tipo de pensamento dos indígenas no Brasil que, não tendo ciência, nem arte,

produziam ainda assim algum conhecimento. Nas comparações que faz entre as

potencialidades dessas formas de conhecimento, destacando a primazia da ciência em

sua capacidade especulativa por ser fundada na abstração, o antropólogo propõe as

expressões ―pensamento selvagem‖, ―pensamento do concreto‖, ―pensamento mítico‖ e

―bricolagem‖ para designar o modo de conhecimento e de pensamento em cuja

descrição Lévi-Strauss afirma tratar-se de um universo fechado, com dificuldades de

incorporação do novo (particularidade do mito), incapacidade de abstração

(particularidade do pensamento do concreto), criação limitada aos rearranjos com os

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mesmos elementos (característica da bricolagem) claramente em desvantagem aos

modos ocidentais de pensar e conhecer (BRANDÃO; PRECIOSA, 2010). Esse

pensamento, dizem as autoras, dominou quase toda a antropologia do século XX e

alastrou-se pelas Humanidades que se incumbiram de transformar a bricolagem lévi-

straussiana que designava uma suposta forma de pensamento dos indígenas em modo

operatório de ―criação‖ (pleno de limitações) dos grupos subalternos em geral. Diante

de um objeto único, não seriável, que impede a classificação como artesanato, utiliza-se

a categoria ―bricolagem‖, classificação que abriu-nos possibilidades para pensar a

decolonização da estética, a (de)colonialidade da arte.

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2. COLONIALIDADE DA ARTE

Walter Mignolo, em entrevista dada ao evento BE.BOP 2012 – BLACK

EUROPE BODY POLITICS48

, realizado em Berlim, escreve sobre o processo global

de "descolonizar a estética para libertar aesthesis" como resposta e esforço de

desvinculação com o lado mais sombrio da modernidade e da globalização, ou seja, com

a colonialidade.

Para Mignolo (2010), Aristóteles (335 a.C. e 323 a.C) em A Poética, distingue

aesthesis de poiésis e “fue acerca de la poiesis que Aristóteles teorizó en el discurso de

la Poética; y en la poética, mimesis y catarsis‖49

(2010, p. 14). Quanto à aesthesis,

Mignolo trata-a como outra esfera, que se associa ao sentimento, ao afeto e à percepção.

Enquanto a poiésis tem o foco na rede de relações entre as criações artísticas, a aesthesis

destaca a sensibilidade do público. "Faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos",

"percepção totalizante" são conceitos derivados da aesthesis.

Mignolo (2009, p. 10) afirma que a palavra ―estética deriva de aiesthetikos‖ e

que a apropriação do conceito de aesthesis foi feita no século dezoito, na Europa, por

filósofos como Alexander Gottlieb Baumgarten e Immanuel Kant. Ainda para o autor

(2009, p.10), ―antes de Baumgarten y la publicación de Aesthetica (1750) la palabra es

poco usual tanto en el latín como en las lenguas vernáculares Europeas‖ 50

. Na época em

que surge a palavra, a Europa vivia um momento de mudanças radicais em seu

imaginário. Dentre essas mudanças, Mignolo (2009) cita a aceitação de ―religiões do

mundo‖ – instrumento com o qual o estudo secular das religiões desloca o controle que

a teologia cristã teria nesse domínio – e a criação da linguagem da economia política

com a obra clássica de Adam Smith, A riqueza das nações (1776). O projeto

revolucionário europeu do secularismo51

uniu estética, teologia cristã e economia

48 MIGNOLO, Walter. Decolonial Aisthesis and Other Options Related tho Aesthetics. Be.Bop 2012.

Black Europe Body Politcs. Berlim. Alemanha, 2012. 49

Tradução nossa: ―foi acerca da poiesis que Aristóteles teorizou o discurso da Poética; e na poética,

mimesis e catarsis” 50

Tradução nossa: ―antes de Baumgarten e a publicação de Aesthetica (1750) a palavra era pouco usada

tanto em latin quanto nas línguas vernaculares europeias‖. 51

sm (secular+ismo) 1 Regime secular ou laical. 2 Espírito ou tendência secular. 3 Sistema ético que

rejeita toda forma de fé e devoção religiosas e aceita como diretrizes apenas os fatos e influências

derivados da vida presente; laicismo. 4 Doutrina segundo a qual devem ser excluídos da educação pública

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política, mobilizando e modelando a segunda expansão imperial52

liderada por França e

Inglaterra. É também neste momento que o conceito de literatura se expande.

A obra de Kant Observações sobre o belo e o sublime (1776, seção IV) é citada

por Mignolo (2009, p. 10) para dizer que a partir desse momento, ―cuanto más va el

pensamiento de Europa hacia el sur y hacia Oriente y llega a Asia, África y América,

menor parece ser – para este modo de pensar – la capacidad de las poblaciones no

europeas de sentir lo bello y lo sublime estético‖53

. Ao transformar as sensações em

apreciação do belo e do sublime, gerou-se um sistema que privilegiou o olhar sobre os

outros sentidos e é por isso que a representação e a denotação – articuladas à noção de

poiesis – tomaram tamanha importância na modernidade. Mignolo (ESTÉTICAS

DECOLONIALES, 2010) justifica que ―por isso é tão difícil entendermos e sentirmos

as sensações de um Aymara, um Quechua, que não tem o olhar como ponto de

referência".

Ainda segundo Mignolo (2009, p.11), o estético e o conceito secular de razão

cumprem duas funções complementares, são elas:

a) en Europa se comienza a construir una subjetividad secular y

burguesa que se separa de la subjetividad sagrada y teológica

construída a partir del Renacimiento y liderada por los países del sur

y, b) fuera de Europa, la estética emerge como un nuevo concepto y

critério para (de)evaluar y jerarquizar la creatividad sensorial de otras

civilizaciones.54

O autor segue explicando ainda que é neste contexto que surgem distinções

como arte e artesanato, ou seja, são usados critérios como ―de que uma ‗tela‘ é arte e um

objeto de argila ‗artesanato‘‖, de que antigos ―livros chineses‖ (rolos de papel) e objetos

e códigos da civilização Asteca sejam exibidos em Museus de História Natural. É a

partir do século XVIII que se constrói na Europa o ―museu‖ (casa das musas) formando

e de outros assuntos estatais elementos religiosos. (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2014.

Disponível em:< http://www.dicio.com.br/secularismo/> Acesso em 11/09/2014.) 52

Pressupomos que a primeira expansão imperial moderna trata-se da chegada de espanhóis e portugueses

no continente americano no século XV. 53

Tradução nossa: ―quanto mais vai o pensamento da Europa ao Sul e ao Oriente, chegando a Ásia,

África e América menor parece ser – para esse modo de pensar – a capacidade dessas populações não

europeias de sentir o belo e o sublime estético‖ 54

Tradução nossa: a) na Europa se começa a construir uma subjetividade secular e burguesa que se separa

da subjetividade sagrada e teológica construída a partir do Renascimento e liderada por países do sul e b)

fora da Europa, a estética emerge como um novo conceito e critério para (des)avaliar e hierarquizar a

criatividade sensorial de outras civilizações.

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uma nova complexidade na arte e na estética. No decorrer do século XIX, os museus

acabam por se dividir em duas trajetórias: ―el ‗museo‘ que organiza la memoria y el arte

de Europa y el ‗museo‘ que colecciona y organiza los objetos exóticos de las colonias

de Europa, aún aquellos anteriores al momento de la colonización‖55

(MIGNOLO,

2009, p.11). É nesta época que mercadores, viajantes e coletores buscam, ao redor do

mundo, objetos exóticos que não são considerados arte mas que, por sua vez, constituem

a colonialidade do saber (conhecimento) e, por conseguinte, do ser (subjetividade).

Para Mignolo (2009, p.12):

La estética atraviesa género y sexualidade, y también racialidad en

tanto arte y estética imponen un patrón ideal de beleza que va del arte

a Miss Universo y la indústria de la moda. Y el arte (también la

filosofia, la ciência, la tecnologia e la religión cristina) estabelece un

patrón a partir del cual se classifica y jerarquiza el orden del mundo.

La estética y el arte fueron y continúan siendo instrumento

institucional de colonialidad. 56

Assim, como em uma máquina de produzir diferenças e hierarquias, a estética e

a arte seguem criando padrões. Além da diferença entre as culturas, existe também o

aspecto da distância. De acordo com Zulma Palermo (2009, p.16):

La diferencia instala los critérios de superioridad/inferioridad entre las

culturas; la distancia señala una doble magnitude: por un lado, la de

carácter físico: la lejanía con el centro de poder; la outra, de caráter

temporal: progreso/atraso que niega contemporaneidad a lo distinto;

ambas dan consistência a la relación entre civilización y cultura, y

entre cultura y naturaleza.57

Para Palermo (2009, p.16), na América Latina, desde o primeiro e trágico

contato com europeus no século XV, podem ser identificadas buscas de alternativas ao

poder hegemônico. Essa genealogia de mais de 500 anos à procura de plataformas de

55 Tradução nossa: ―o ‗museu‖ que organiza a memória e a arte da Europa e o ‗museu‘ que coleciona e

organiza os objetos exóticos vindo das colônias da Europa, aqueles anteriores ao momento da

colonização‖ 56

Tradução nossa: A estética atravessa gênero e sexualidade, e também racialidade, tanto arte quanto

estética impõe um padrão ideal de beleza que vai da arte a Miss Universo e a indústria da moda. É a arte

(também a filosofia, a ciência, a tecnologia e a religião cristã) que estabelece um padrão a partir do qual

se classifica e hierarquiza a ordem do mundo. A estética e a arte foram e continuam sendo instrumento

institucional de colonialidade. 57

Tradução nossa: A diferença instala os critérios de superioridade/inferioridade entre as culturas; na

distância nota-se uma dupla magnitude: por um lado, a de caráter físico: a distância com o centro do

poder; a outra, de caráter temporal: progresso/atraso que nega contemporaneidade ao distinto: ambas dão

consistência a relação entre civilização e cultura e entre cultura e natureza.

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pensamento próprio, de pensamentos e produções autônomas se mostra como uma

diferença fundamental em relação ao pensamento produzido nas últimas colônias (Índia,

África e Oriente) que romperam com a sujeição política aos impérios. Palermo (2009,

p.17) informa que ―desde esse primer contacto, las oposiciones valorativas: superioridad

vs. inferioridad, primitivo vs. civilizado habrán de regir los criterios estéticos que se

ponen en circulación‖58

.

Do dualismo ontológico natureza/cultura, desdobram-se as oposições

primitivo/civilizado, tradicional/moderno, popular/erudito, subalterno/hegemônico,

impuro/puro, atraso/progresso, regional/universal, longe/perto, local/global entre outras.

Para Palermo (2009, p. 17) são:

Las ―escuelas‖ – en sus dos dimensiones occidentales: como centros

de adquisición de conocimientos y como corrientes estéticas – se

instalan y generan los criterios de validación que habrán de regir

durante más de cinco siglos. Descartadas las producciones de las

culturas preexistentes y consideradas sólo por su autoctonismo – rasgo

de disvalor frente a ―universalidad‖ de las obras que se canonizam –

las que se originan en este cono del mundo no sólo devem adecuar-se

a los ―modelos‖ exteriores, sino que siempre se verán como

―asíncrónicas‖ por ralación a éstos ya que los rasgos de innovación

llegan tarde y, por general, sin su ―pureza‖ y ―autenticidad‖. Es esta

concepción de superioridad la que llevó siempre a nuestros artistas a

atravesar los mares y cruzar el continente para acercarse a las fuentes

directas del ―saber hacer‖ como los ―outros‖. Acá radica la

colonialidad: en el estar convencidos de ―el bien, la verdad y la

belleza‖ están en otro lugar y no en el próprio.59

Assim, entendemos que é necessário discorrermos sobre o conceito de lugar

dialogando com Palermo (2009), de modo a tentar ir além das concepções de espaço

físico e habitat, principalmente para pensarmos os dias de hoje, onde circulam com

muita intensidade o discurso da globalização. Para Palermo (2009, p.17) ―el lugar és

58 Tradução nossa: ―desde esse primeiro contato as oposições valorativas, superioridade vs inferioridade,

primitivo vs civilizado, irão reger os critérios estéticos que se põe em circulação.‖ 59 Tradução nossa: As ―escolas‖ – em suas duas dimensões ocidentais: como centros de aquisição de

conhecimentos e como correntes estéticas – se instalam e geram os critérios de validação que irão regir

durante mais de cinco séculos. Descartadas as produções das culturas preexistentes e consideradas

somente poe sue autoctonismo – recurso de desvalor frente a ―universalidade‖ das obras que se

canonizam – as que se originan neste cone do mundo não só devem adequar-se aos ―modelos‖ exteriores,

mas que sempre se verão como ―assincrônicas‖ em relação a estes já que os recursos de inovação chegam

tarde e, em geral, sem sua ―pureza‖ e ―autenticidade‖. É esta concepção de superioridade que levou

sempre nossos artistas a atravessar os mares e cruzar o continente para aproximar-se das fontes diretas do

―saber fazer‖ como os ―outros‖. Aqui radica a colonialidade: em estar convencidos de que ―o bem, a

verdade e a beleza‖ estão em outro lugar e não nele próprio.

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mas bien lo que dá significado al mundo integrando cosas, cuerpos y memorias en

configuraciones particulares, generando espacios o regiones para la existencia60

. Para

Palermo, há uma enorme diferença entre habitar um lugar, viver em um lugar e estar

determinado por ele – por mais que saibamos o quanto os lugares condicionam modos

de vida. O lugar, pela perspectiva de Palermo, está atravessado por muitos lugares.

Diversas formas de pensamento e de produção constituem um trabalho de arte. Assim, é

possível fazer uma reflexão sobre as oposições local/global na arte, sobre a produção

local e a circulação global. Segundo Palermo (2009, p.18) temos que pensar sobre ―las

formas por las que la lugarización alcance ―plusvalia‖ y validez para formar parte de esa

expansión em simetria com la procedente de cualquier localización planetária‖61

. Com

isso, assumimos que a expansão gerada pela globalização produz relações assimétricas

de produção e circulação artística. De acordo com Palermo (2009, p. 18):

La cuestión se plantea en las formas por las que se puede concretar la

decolonialidad de la ―narrativa estética‖ eurocentrada. Cuando nos

decimos a nosotros mismos dentro del campo del arte, lo hacemos con

los instrumentos (linguajes y técnicas) adquiridos.62

Assim Palermo questiona: Existe una posibilidad distinta para uma ―estética‖

que dé forma a una ―ética‖ de la diferencia?63

Para responder a essa questão, propomos acompanhar os modos pelos quais as

diferenças são produzidas. E perguntamos: Para que e para quem são produzidas?

Quem/o que se beneficia da(s) diferença(s) no campo das artes?

Sobre essa questão Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 56) diz:

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos

inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa

igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade

que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza,

alimente ou reproduza as desigualdades.

60 Tradução nossa: O lugar é por sua vez o que dá significado ao mundo integrando coisas, corpos e

memórias em configurações particulares, gerando espaços ou regiões para a existência. 61

Tradução nossa: ―as formas pelas quais a lugarização alcance ―plusvalia‖ e validez para fazer parte

dessa expansão em simetria com a procedente de qualquer localização planetária.‖ 62

Tradução nossa: A questão surge nas formas pelas quais se pode concretizar a decolonialidade da

―narrativa estética‖ eurocentrada. Quando nos dizemos a nós mesmos dentro do campo da arte, o

fazermos com os instrumentos (linguagens e técnicas) adquiridos. 63

Tradução nossa: Existe uma possibilidade distinta para uma ―estética‖ que dê forma a uma ―ética‖ da

diferença?

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Como isso pode orientar uma ética da diferença que permeie as artes?

Entendemos que uma obra de arte se potencializa enquanto trabalho decolonial

quando evidencia, justamente, os modos de produção de diferença, quando põe à baila

os atores dessa rede de relações a que chamamos ―sistema das artes‖, o qual costuma

invisibilizar, inclusive tornando inaudível as vozes de artistas, ou desqualificar outros

mundos da arte e suas produções que mal conseguem sair dos lugares de confinamento

que lhes são destinados. A produção artística decolonial pede circuitos outros, não se

alinha, não está ―atrás‖ da produção europeia/estadunidense, está lado a lado, é

produzida junto, pelo mesmo projeto que qualifica e desqualifica modos de fazer arte e

de ser artista, instaurando espaços para que uns vivam – e bem – de arte e negando

espaços a outros.

Percebemos na América Latina a repetição das ―narrativas estéticas‖

eurocentradas, principalmente francocentradas, gerando inclusive alguns modismos na

Academia – o que configura a colonialidade estética; por outro lado existe a busca por

―narrativas outras‖, as quais podemos citar com Palermo (2009, p.19) o ―barroco

americano, passando por antropofagias, transculturações e hibridações de diferentes

cunhos‖. Além dessas respostas, outras começam a ser gestadas, como bem evidencia

Walter Mignolo em Aiesthesis Decolonial (2010), e podem ser encontradas dentro e

fora do Brasil, nas metrópoles ou no interior, obras que das mais diversas maneiras,

explícita ou implicitamente, questionam as perversidades do ―sistema da arte‖ – sistema

este que reproduz as ―narrativas estéticas‖ eurocentradas que orientam os diversos

modos, modelos e vias de produção e circulação de arte, tais como curadoria e crítica,

museus e galerias, jornalismo cultural, mercado de arte etc. Cito como exemplo a obra

de Yuri Firmeza, do Ceará, que inventou um artista e uma exposição para questionar a

imprensa, curadorias, espaços expositivos e fazer uma crítica a esse sistema,

evidenciando a geopolítica que hierarquiza ―artistas e obras segundo as origens, a classe

social, o gênero, a etnia etc.‖ (BRANDÃO, 2014 a, p.1), tendo como referência aqueles

que produzem nos centros mundiais da arte (Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim etc.):

o topo da mesma hierarquia.

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2.1. O trajeto único das artes

Figura 11: Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2012, fotografia.

Entre os muitos textos e entrevistas de Milton Santos sobre o totalitarismo da

globalização, sobre o pensamento único64

, destaco uma em que afirma que o

globalitarismo é um neologismo que representa a globalização somada ao totalitarismo,

ou seja, a globalização perversa e totalitária em que vivemos. De acordo com Santos

(ENTREVISTA, 2008):

[...] estamos vivendo uma nova fase de totalitarismo. O sistema

político utiliza os sistemas técnicos contemporâneos para produzir a

atual globalização, conduzindo-nos para formas de relações

econômicas implacáveis, que não aceitam discussão, que exigem

obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou

permanecem dependentes, como se fossem escravos de novo.

Escravos de uma lógica sem a qual o sistema econômico não funciona.

Que outra vez, por isso mesmo, acaba sendo um sistema político.

Esse globalitarismo também se manifesta nas próprias idéias que

estão atrás de tudo. E, o que é mais grave, atrás da própria produção e

difusão das idéias, do ensino e da pesquisa. Todos obedecem, de

alguma maneira, aos parâmetros estabelecidos. Se estes não são

respeitados, os transgressores são marginalizados, considerados

residuais, desnecessários ou não-relevantes. É o chamado pensamento

único. Algumas vozes críticas podem se manifestar, uma ou duas

64 Entrevista concedida a José Corrêia Leite, editor do Jornal Em Tempo. Disponível

em:<http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=2412> Acesso em 21/08/2013.

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pessoas têm permissão para falar o que quiserem, para legitimar o

discurso da democracia. Só que a estrutura do processo de produção

das ideias se opõe e hostiliza essa produção de idéias autônoma e, por

conseguinte, de alternativas.

Diante da realidade informacional, Santos alerta para as manobras e o controle

impostos pela grande finança (grandes corporações internacionais, bancos, governos

mundiais etc.), que tem a informação como instrumento de dominação e colonização.

De acordo com Santos, a informação é o grande instrumento do processo de

globalitarismo e da produção de novas formas de totalitarismo de vida, porém, quando

manejada por pequenos grupos, de forma inteligente, podem produzir exatamente o

efeito oposto65

.

Desse modo, Milton Santos lança seu grito do território66

como ação afirmativa

que visa responder às verticalidades perversas da globalização, se opondo aos

fundamentalismos do consumo irresponsável através de processos de resistência que

partem dos lugares onde tais perversidades foram impostas. Imposições que ficam

hiper-evidentes nessas regiões diante, por exemplo, do ruralismo neoliberal, que embora

tenha alta produtividade, utiliza-se de um modelo de produção ligado à indústria da

guerra, com a utilização de grandes quantidades de agrotóxico, de sementes

transgênicas que dependem de ativações químicas, com financiamentos vinculados aos

grandes bancos. Soma-se a tudo isso o desflorestamento ilegal.

Santos, buscando o efeito comunicacional oposto à informação globalitarista,

observa como as sociedades periféricas se estruturam, desvelando suas potencialidades

produtivas, seus modelos sustentáveis de produção, seja na construção de moradias, na

agricultura, na circulação das pessoas, nos comportamentos lúdicos construtivos, nas

relações interpessoais, nas formas de manifestação e constata que, embora em muitos

casos exista escassez de objetos e materiais, estas comunidades produzem respostas

originais, com o uso criativo desses mesmos objetos e tecnologias, conseguindo

globalizar um olhar outro. Santos fala que a produção criativa dessas comunidades

65TENDLER, Silvio. Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá.

Documentário de Silvio Tendler. Rio de Janeiro. Caliban Produções. 2006. Disponível em:<

https://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM> Acesso em 21/08/2013. 66

De acordo com a Prof. Maria Adélia Aparecida de Souza (SANTOS, Milton, 2005, p. 254) o Grito do

Território é uma espécie de revanche ao globaritarismo, ou seja, ações que a partir do território e dos

lugares irão gerar um novo tempo em que Milton Santos denominou de período popular da história,

período esse mais solidário.

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muitas vezes é invisibilizada devido ao seu caráter político, de oposição à racionalidade

única da modernidade, desse modo, a profunda relação com o local cria formas próprias

de racionalidade e geralmente estes enunciados são contrários ou são críticos à lógica da

dependência da ordem global.

A arte, a movimentação cultural pode dar visibilidade crítica ao espetáculo

globalitarista, produzindo enunciados de oposição, e isso costuma ser veementemente

combatido, seja através da cooptação do(a) artista para uma "arte oficial", seja

provocando isolamentos, difamações, desqualificações e até torturas psicológicas.

Com as respostas das periferias, do lado de cá (sul do mundo), Santos prevê um

novo período histórico, que ele chama de período popular da história. Para Santos,

devemos:

[...] pensar na construção de novas horizontalidades que permitirão, a

partir da base da sociedade territorial, encontrar caminhos que nos

libere da maldição da globalização perversa que estamos vivendo e

nos aproxime da possibilidade de construirmos uma outra

globalização, capaz de restaurar o homem na sua dignidade

(SANTOS, 2005, p. 256).

Figura 12: Daniel Pellegrim Sanchez, sem título, 2013, fotografia.

Com Milton Santos, podemos afirmar que o sistema das artes se estrutura em um

trajeto único, totalitário, viciado pelo sistema político e que reproduz as relações

econômicas implacáveis da globalização, mas também, e sobretudo, produz diferenças e

hierarquias (QUIJANO, 1992) que deixam à margem uma grande quantidade de

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pessoas. Assim, o que se propõe é ensaiar caminhos outros que se configurem em

alternativas a esse modelo.

2.2. Algumas respostas à colonialidade

Em novembro de 2010, realizou-se em Bogotá, Colômbia, a exposição

denominada ―Esteticas descoloniales‖. Além da apresentação das obras, o evento contou

com publicação de catálogo e palestras dos artistas e do proponente da mostra – Walter

Mignolo – conteúdo que foi disponibilizado na internet (ESTÉTICAS DECOLONIAIS,

2010). Em sua fala, Mignolo discute a exposição denominada Black Mirror-Espejo

Negro – realizada de 22 de maio de 2008 a 18 de janeiro de 2009, no Nasher Museum,

na Duke University, na cidade de Durham, Carolina do Norte – do artista mexicano

Pedro Lasch. Convidado a falar de seus projetos em Bogotá, Lasch mostra a articulação

de seu trabalho com a exposição de El Greco e Velásquez, espelhando arte pré e pós

espânica. Explica que a produção de El Greco e Velásquez ocorreu no período de 1598

a 1621 e que cerca de 100 anos antes desse período, teve início um dos maiores

genocídios da história da humanidade, ou seja, em 1492, quando Cristóvão Colombo

chega à América. Na ocasião, existiam no continente da América Central e do Sul, cerca

de cinquenta milhões de pessoas, sendo vinte e cinco milhões de Astecas, doze milhões

de Incas, entre outros e, segundo o artista, estas estimativas não são generosas, são um

meio termo, pois gerar estimativas precisas de populações, a esta altura da história, é

bastante difícil. Em 1650, passados aproximadamente cento e cinquenta anos da

chegada de Cristóvão Colombo, a população estava reduzida a oito milhões de pessoas,

ou seja, quarenta e dois milhões de pessoas apagadas da história.

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Figura 13: Registro de ―Language & Opacity / Lenguaje y Opacidad‖, de Black Mirror / Espejo Negro67

:

Suites Fotográficas, Pedro Lasch, 2007-2008. Imagem extraída do artigo Aiesthesis Decolonial

(MIGNOLO, 2010).

Segundo Mignolo (2012), em exposição de igual importância realizada em

Berlim, na Alemanha, surgem outras obras que demostram que a violência empreendida

nesse processo de colonização, a partir do século XVI, continuou nos séculos seguintes.

Nomes como o de Saartjie "Sarah" Baartman (1789-1815) – mulher Khoisan do sudeste

da África, comumente usada como atração secundária de circo na Europa do século XIX

–; Ota Benga (1883 – 1916) – um pigmeu Mbuti, congolês conhecido por sua polêmica

exibição em um ―zoo humano‖ no Zoológico do Bronx, Nova York, em 1906 –; e o do

chefe Namaqua Hendrik Witbooi68

, são usados na composição de obras de arte – como

nos exemplos abaixo.

67 Tradução nossa: Registro de ―Linguagem & Opacidade‖, de Espelho Negro: Fotografias: Pedro Lasch,

2007-2008. 68

O genocídio dos Hererós e Namaquas ocorreu onde hoje se localiza a Namíbia, entre 1904 e 1907,

durante o processo de colonização de África pelos Alemães. É considerado o primeiro genocídio do

século XX. Foi claramente um comando para eliminar as pessoas pertencentes a um grupo étnico

específico e só porque eles eram parte deste grupo étnico. Alguns crânios foram levados para as

universidades na Alemanha para comprovar cientificamente a superioridade dos brancos.

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Figura 14: Tereza Maria Díaz Nério – Hommage à Sara Bartman, 2007.

04.00, no sound, courtesy of the artist and Art Labour Archives69

.

Imagem extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012. Black Europe

Body Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO, 2012).

69 Tradução nossa: Tereza Maria Díaz Nério – Homenagem à Sara Bartman, 2007. 4:00, sem som,

Cortesia da artista e de Art Labour Archives.

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55

Figura 15: Fred Wilson, Ota Benga, 2008, medium bronze with silk scarf on wooden base, edition of 5,

59.5x12x12in. Collection Tate Modern, London.70

Figura 16: William Kentridge, Black Box/Chambre Noire, 2005. 22:00,

sound, courtesy of the artist and Marian Goodman Gallery71

. Imagem

extraída do catálogo da exposição Be.Bop 2012. Black Europe Body

Politcs realizada em Berlim Alemanha (MIGNOLO, 2012).

70 Tradução nossa: Fred Wilson, Ota Benga, 2008, bronze médio com lenço de seda na base de madeira,

edição de 5, 59.5x12x12 cm. Coleção Tate Modern, Londres. Disponível em:<

https://www.pinterest.com/pin/24629129184307371/> Acesso em 08/10/2013. 71 Tradução nossa: William Kentridge, Box Negro, Hendrik Witbooi, 2005. 22:00, som, cortesia do artista

e de Marian Goodman Gallery.

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Além da Carolina do Norte, Berlim e Nova York – que têm em suas histórias,

ligações evidentes com o racismo – nas curadorias e artigos de Walter Mignolo,

aparecem cidades como Bogotá na Colômbia, Quetzaltenango na Guatemala, Bienal de

Sharjah nos Emirados Árabes Unidos, entre outras. Mignolo, por meio da opção

decolonial, ensaia caminhos outros por várias vias, respondendo à colonialidade em

lugares onde ela é imperativa, como também ocupando e dando visibilidade a espaços

considerados – pelo ethos hegemônico – como sendo periféricos. Para além dos lugares,

é interessante observarmos o corpo artístico das exposições composto por artistas e

obras vindos da América Latina (notadamente Quito, Bogotá, Bucaramanga, Cidade do

México etc.), Oriente Médio, de África e do Leste Europeu, a exemplo da artista sérvia

Tanja Ostojic e outras/os de cidades como Saravejo, Viena e Ljubljana, artistas e obras

com narrativas estéticas decoloniais.

Walter Mignolo (DECOLONIAL AESTHETCS, 2010) fala de ―pontos de

origem‖ para dizer que a ideia de modernidade, de pós-modernidade e altermodernidade

tem sua origem na Europa e a ideia de descolonização tem seus ―pontos de origem‖ em

todo ―terceiro mundo‖, sobretudo em África. Para esse autor, a origem do conceito de

descolonização pode ser colocada na Conferência de Bandung (1955), pois na mesma

década de realização desse evento, Frantz Fanon, Amilcar Cabral, Aimé Césaire entre

outros autores passam a produzir textos usando este conceito. Isso é importante para

compreendermos a posição de Nicolas Bourriaud por ocasião da curadoria Altermodern,

na Trienal Tate Modern, em 2009. A altermodernidade de Bourriaud, diz Mignolo, ―é

um projeto de família europeia‖, resultado de uma insuficiência da pós-modernidade

eurocentrada, que segue articulada (como na modernidade) segundo uma cronologia

linear, sob a égide da categoria ―tempo‖. Bourriaud se dá conta de que é preciso olhar

para o ―espaço‖. Contudo, diz Mignolo, trata-se da visão europeia de espaço. Na

exposição Altermodern, os autores estrangeiros convocados são dos Estados Unidos e

do Japão, daí deduz-se que a altermodernidade proposta por Bourriaud está olhando

para um mundo afim, para as ―sucursais‖ europeias, seus afiliados pelo mundo, que tem

na modernidade seu ponto de origem. Já o projeto decolonial, diz Mignolo, está atento a

outras problemáticas, ou seja, à maneira como os artistas/intelectuais do terceiro mundo

respondem, inclusive à altermodernidade. Para Mignolo, o importante não é decidir

sobre qual perspectiva é a melhor ou pior, mas admitir que as duas posições são

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legítimas mas precisam ser olhadas desde a geopolítica do sentir, do pensar, do

conhecer.

Tendo como parâmetro as curadorias de Mignolo, ainda não evidenciamos

espaços no Brasil com exposições na perspectiva decolonial, bem como não

encontramos artistas brasileiros participando de exposições com esse enfoque. Sobre

isso Luciana Ballestrin (2013, p.111) escreve que:

[...] uma questão importante que não povoa o imaginário pós-colonial

e decolonial do Grupo Modernidade/Colonialidade é a discussão sobre

e com o Brasil. Esse é um ponto problemático, já que a colonização

portuguesa – a mais duradoura empreitada colonial europeia – trouxe

especificidades ao caso brasileiro em relação ao resto da América. O

Brasil aparece quase como realidade apartada da realidade latino-

americana. É significativo o fato de não haver um(a) pesquisador(a)

brasileiro(a) associado ao grupo72

, assim como nenhum cientista

político – brasileiro ou não. Também o grupo foi atingido pelo

―complexo de Colombo‖ (Melman, 2000)73

. Assim, ele privilegia a

análise da América hispânica em detrimento da portuguesa e chama

pouca atenção aos processos de colonialidade e subimperialismo

dentro do continente, a exceção dos Estados Unidos.

No âmbito da arte, seria uma estratégia decolonial o estabelecimento e o

fortalecimento de articulações entre artistas, curadores, pesquisadores, galeristas,

críticos de arte, entre outros, do Brasil e dos países da América Latina? No caso de

Mato Grosso que, em termos territoriais fica próximo à Bolívia, ao Paraguai, ao Peru

etc., poderiam ser traçadas estratégias conjuntas que engendrariam circuitos de arte,

abrangendo outros países da América do Sul? E se agregarmos o que foi e está apartado

no próprio estado de Mato Grosso, ou seja, o que até então vem sendo chamado de ―arte

indígena‖, ―arte popular‖, ―arte contemporânea‖? Poderemos assim delinear caminhos

―outros‖?

72 Há referências aos brasileiros Darcy Ribeiro, Milton Santos e Gustavo Lins Ribeiro. Ribeiro

(2011) identificou essa ausência e desenvolveu a perspectiva ―pós-imperialista‖ que incorpora a

análise do Brasil. 73 MELMAN, Charles (2000). ―O complexo de Colombo‖, em ASSOCIATION FREUDIENNE

INTERNATIONALE (org.). Um inconsciente póscolonial, se é que ele existe. Porto Alegre:

Artes e Oficios.

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3. AS ARTES VISUAIS EM CUIABÁ

Neste capítulo, lançamos um olhar sobre a história recente das artes visuais em

Cuiabá, Mato Grosso. Mato Grosso é um estado grande em território, superando, em

tamanho, alguns países. Tem fronteiras com a Bolívia e Paraguai, mas o intercâmbio

não é significativo. A história do estado é repleta de evidências que mostram o

imperativo da colonialidade. Nesse sentido, destacamos que vivem no estado mais de 46

etnias indígenas que, ainda hoje, esbarram na falta de demarcação de seus territórios, o

que acarreta disputas pela terra marcadas por protestos e confrontos violentos. Também

percebemos formas de opressão e invisibilidade que o corpo artístico mato-grossense

vive, discutindo questões apresentadas nos relatos de artistas radicados em Cuiabá e do

produtor cultural Paulo Traven, que entrevistamos para esta pesquisa. Tais questões são

articuladas a nossa experiência como artista visual e produtor cultural atuante na cidade.

Nesta última década, atuamos no que se pode chamar de circuito artístico do

Estado de Mato Grosso e, mais especialmente, de sua capital Cuiabá e zona de

influência, por meio da Pellegrim Galeria de Arte. Administrando a galeria,

acompanhamos a carreira de 20 artistas, participamos de editais públicos de incentivo à

cultura, frequentamos ateliês, produzimos exposições e, mesmo em um âmbito restrito

(Mato Grosso), pudemos vivenciar as contradições, tensões e angústias desse meio

artístico.

Ao articular questões e situações vividas em/com o circuito artístico mato-

grossense a noções e argumentos de autores que pensam a decolonialidade do poder, do

saber e do ser, nos atentamos às maneiras pelas quais a colonialidade constitui esses

modos de arte/vida, bem como nos perguntamos se é possível traçar estratégias

decoloniais em/com as artes visuais de Cuiabá.

3.1. Uma breve história recente das artes visuais em Cuiabá

Mato Grosso é um estado rico no que tange às artes visuais. Além da história

recente sobre a qual discorreremos abaixo, ao percorrermos, por exemplo, os paredões

do município de Chapada dos Guimarães, é possível perceber gravuras e pinturas

rupestres, as quais mostram que criatividade e inspiração são inerentes aos mais antigos

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habitantes dessas terras. A cada aldeia indígena, verificamos a grande variação de

pinturas corporais, esculturas em madeira, redes, cerâmicas, vestimentas e adornos

feitos com plumárias variadas e outros materiais.

3.1.1. Século XX

O período que compreende o fim do século XIX e início do século XX é

marcado por mudanças políticas. Na nova república, no Rio de Janeiro, as Exposições

Gerais são substituídas pelo Salão Nacional de Belas Artes, promovido pela Escola

Nacional de Belas Artes, antiga Academia de Belas Artes, fundada por D. João VI, hoje

Museu Nacional de Belas Artes. As irmãs Francisca Emília Mariano Campos e Maria

Emília de Campos, ambas cuiabanas e alunas da Escola Nacional de Belas Artes,

participam dos Salões Nacionais de Belas Artes de 1899-1900-1901 e 1909 e da

Exposição Geral de Belas Artes, respectivamente.

Com a república, foi possível um rompimento gradual com o padrão de arte

convencional, europeizado, feito para documentar e ilustrar os acontecimentos da corte,

surgindo os primeiros sinais para o movimento da Semana da Arte Moderna de 1922,

que introduziu o modernismo no Brasil.

Em 1915, Eufrásio Cunha Cavalcanti (Recife, 1873), instala em Cuiabá o Museu

Dom José, a coleção de interesse diverso, desde peças indígenas a mobiliário, joias,

imagens sacras de madeira, além de algumas pinturas.

Em 1924, chega em Cuiabá a freira salesiana Alzira Bastos que leciona pintura,

música e artes cênicas durante onze anos, no Asilo Santa Rita e tem, entre suas alunas,

Inês Corrêa da Costa, artista que, anos depois, frequenta o ateliê de Cândido Portinari,

no Rio de Janeiro. Inês é uma das precursoras do modernismo em Mato Grosso.

Segundo Lenine Póvoas (1994, p. 149), nesse período, acontece o ―Salão de

1935‖, primeira exposição coletiva em Cuiabá, com participação de dezessete artistas,

entre eles o pernambucano Eufrásio Cunha, a cuiabana Aracy Gonçalves Figueiredo,

Mathias Gonçalves, a baiana Bernadete das Neves (1903), o casal pernambucano Aida e

Joaquim Novaes, o pintor Flávio Rubin, Miguel Peres, na organização e realização o

artista alemão radicado em Cuiabá, Dr. Jorge Bodstein, com patrocínio da Academia

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Mato-grossense de Letras74

. Em 1937, Bodstein realiza mais uma coletiva, o ―Salão de

1937‖ com obras dele e mais duas alunas, com um total de vinte e cinco trabalhos. O

Salão mostra diversidade de técnicas e estilos. Esses eventos parecem começar a

implantar a lógica do mecenato em Mato Grosso.

Talentos a exemplo da premiada Wega Nery (Corumbá, 1913) mudam-se de

Mato Grosso por não existir, no Estado, possibilidades de profissionalização nas áreas

artísticas, o que continua acontecendo nas décadas seguintes. Outro exemplo é o de

Victor Arruda (Cuiabá, 1947) que, no início da carreira, participa do Salão Nacional de

Arte Moderna no Rio de Janeiro, em 1976. Vale citar, também, Alcides Pereira dos

Santos, que no ano de 1992 migra para São Paulo.

Nos anos de 1960, um grupo começa a se organizar em Campo Grande

composto por Aline Figueiredo, Humberto Espíndola, Carlos Alberto Marques de

Medeiros, Adelaide Acácia Leite Vieira, Darcy Cardoso Terra. São animadores

culturais e artistas que se unem para fundar a AMA (Associação Mato-grossense de

Arte) e realizar pesquisas e ações artísticas. Contudo, somente na década de 1970, com

a fundação da Universidade da Selva (1970), hoje Universidade Federal de Mato

Grosso, UFMT, as artes visuais em Mato Grosso tomam verdadeiro fôlego.

Em 1973, Humberto Espíndola e Aline Figueiredo passam a integrar o quadro

técnico da UFMT, e também integra esse quadro, o programador visual Wladimir Dias

Pino. Humberto e Aline se esforçam para realizar uma atualização das artes visuais no

Estado, alinhando essa produção aos movimentos artísticos capitaneados pelas cidades

do Rio de Janeiro e São Paulo. Vale destacar que a dupla também fomentou a arte

―popular‖, buscando espaços de visibilidade nacional para a mesma. Por outro lado,

Wladimir Dias Pino, (Bienal de São Paulo em 1968 e 1977, Bienal de Arte Construtiva

de Nuremberg também em 1968) funde poema e artes visuais, dispensando os suportes

tradicionais, instrumentaliza a gráfica da UFMT e propõe uma ruptura com os

movimentos internacionais. Assim participa e ajuda a fundar, desde Cuiabá, o

movimento da Arte Concreta, fazendo livros objetos, poemas processo, lançando o

intensivismo, desterritorializa sua arte integrando-se a movimentos nacionais.

74 PÓVOAS, Lenine de Campos. História da Cultura Mato-grossense. Cuiabá: Edução do Autor, 1994,

p. 149-154.

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Na segunda metade da década de 1970 e início da década de 1980, o então

Reitor da UFMT, Gabriel Novis Neves, aposta na cultura como forma de

desenvolvimento social. Nessa época, é criado o Museu de Arte e de Cultura Popular da

UFMT (1974) e o Ateliê Livre do Museu de Arte e Cultura Popular da UFMT (1981).

Com uma forte influência e articulação das lideranças da UFMT, o governador Garcia

Neto abraça a causa artística e, em 1975, a Fundação Cultural é criada e, em 1976, são

instituídos o Ateliê Livre da Fundação Cultural e o Salão Jovem Arte. Nesse período,

alguns artistas se destacam, a exemplo de Clóvis Irigaray, Dalva de Barros, Humberto

Espíndola, João Sebastião e João Pedro Arruda. Ressaltamos que Humberto Espíndola

consegue participação na Bienal de São Paulo em 1971 e Veneza em 1972.

Figura 17: Clóvis Irigaray, A criação do índio, sem data, OST, 100X200 cm.

Com o Ateliê Livre da Fundação Cultural, revelam-se artistas como Gervane de

Paula, Adir Sodré, Alcides Pereira dos Santos, Benedito Nunes, Carlos Lopes, Márcio

Aurélio, Regina Penna, entre outros. O Ateliê tem como professora a artista Dalva de

Barros que, a partir de 1981, também passa a lecionar artes no Ateliê Livre da UFMT.

O Salão Jovem Arte, por sua vez, incentiva e revela vários talentos como: Ana

Amélia Marimon (Salão de 1976), Gervane de Paula (1977), Adir Sodré e Alcides P.

Santos (1978), Márcio Aurélio e Marcelo Velasco (1979), Nilson Pimenta (1981),

Benedito Nunes (1982), Carlos Lopes (1983), Osvaldina dos Santos (1984), Gonçalo

Arruda (1985), Aleixo Cortez (1986), Sebastião Silva (1990), Jonas Barros (1991),

Almira Reuter (1993), Adão Domiciano (1994), Antonio Pereira da Silva, dito Sitó

(1995), Roberto de Almeida e Sebastião Veloz (1997), Wander Mello (1998), Télio

Donizeti (1999) etc. Dalva se aposenta e o Ateliê da UFMT passa a ser dirigido por

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Nilsom Pimenta. Do ateliê da UFMT, destacam-se os artistas Aleixo Cortez; Adão

Domiciano; Sebastião Silva; Jared Aguiar; José Pereira, Valquez, entre outros.

Figura 18: Aleixo Cortez, 2012, Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

Depois da divisão do Estado de Mato Grosso, em 1977, na década de 1980,

podemos destacar a participação de vários artistas no movimento das artes em Mato

Grosso, entre eles: Alcides Pereira dos Santos, Benedito Nunes, Nilsom Pimenta,

Regina Pena, Jonas Barros, Osvaldina dos Santos, Márcio Aurélio e Carlos Lopes. O

movimento acolhe e influencia artistas de outros centros, a exemplo de Maty Vitart

(entre 1983 e 1997), Bené Fonteles (1981 a 1989), Vitória Basaia, a partir de 1981.

Figura 19: Benedito Nunes, 2009. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

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Desse movimento, dois artistas conseguem alguma projeção nacional com a

participação em 1983, da exposição coletiva ―Como vai você geração oitenta?‖, que

ocorreu no Parque Lage, na cidade do Rio de Janeiro, são eles: Gervane de Paula e Adir

Sodré. Adir se destaca participando várias vezes do Salão Nacional do Rio de Janeiro e

de outros salões.

Figura 20: Adir Sodré. Fonte: http://conexaoartesmt.blogspot.com.br/p/adir-sodre.html

A década de 1990 foi palco de efetivas mudanças no cenário político

cultural mato-grossense, entre essas mudanças podemos citar a lei n.º 5894, de

12/12/1991, onde fica instituída a política estadual de incentivo à cultura, ampliada no

ano seguinte pela fixação de parcerias de ICMS a serem deduzidos das empresas

privadas que desejassem investir em cultura. Também é criado em 1994, o Conselho

Estadual de Cultura, responsável pela coordenação e avaliação dos projetos

apresentados por artistas locais. Em 1995, é extinta a Fundação Cultural e criada a

Secretaria de Estado de Cultura. Em 1999, é construído um Centro Cultural na UFMT e,

em 2000, é restaurado e implantado o Museu do Rio Cuiabá.

3.1.2. Século XXI

O século vinte e um se inicia com a restauração e implantação do Centro

Cultural SESC Arsenal (2001), que mantém uma Galeria de Arte e um programa de

cursos e workshops em áreas artísticas. Na primeira década, é inaugurado também o

Museu da Imagem e do Som de Cuiabá – MISC (2006) e o Museu do Morro da Caixa

D´água Velha (2007), ambos administrados pelo governo municipal de Cuiabá. A

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segunda década do século XXI se inicia com a implantação do Pavilhão das Artes

(2011), equipamento gerido pelo governo do Estado e que vem promovendo

importantes exposições. O Estado também mantém um espaço expositivo denominado

Galeria de Arte da Secretaria de Estado de Cultura. É importante frisar que, em geral,

administra-se o setor das artes visuais com baixos orçamentos, o que, em muitos casos,

gera dificuldades na manutenção dos espaços expositivos (públicos) e quase não há

política de intercâmbio.

Hoje, três críticos mato-grossenses estão inscritos na ABCA (Associação

Brasileira de Críticos de Arte) – Aline Figueiredo Espíndola, Ludmila de Lima Brandão

e Serafim Bertoloto. Em âmbito privado, destacamos a Casa das Molduras (embora

tenha como foco principal serviços e comércio de molduras, a empresa possui coleção e

mantém espaços com exposição permanente de trabalhos de vários artistas); a N´Arts

Galeria (dirigida por Heleninha Botelho, promove exposições e possui acervo de arte

mato-grossense); a Casa do Parque (possui café bistrô, um auditório, ambiente musical,

e uma galeria) e a Galeria 455 (espaço expositivo da Casa do Parque que funciona com

a promoção de exposições artísticas e que tem a política de cobrar um trabalho de cada

artista que expõe em seu espaço, assim está constituindo seu acervo) e a Arto Galeria

(possui um café e espaço expositivo, coloca à disposição do público a coleção do casal

José Guilherme Barbosa Ribeiro e Glória Alice Ferreira Bertoli conhecidos como Zé

Guilherme e Goita). Esta última é a primeira galeria, em Cuiabá, que dispõe de

biblioteca e de reserva técnica com trainéis para guardar obras de arte.

Importante registrar que tanto em âmbito público, quanto privado, existem

dificuldades de intercâmbio e não há presença das galerias mato-grossenses em Feiras

de Arte nacionais (SP Arte e ArtRio), nem internacionais (Frieze, Basel, ARCO e

outras). No que diz respeito ao mercado editorial de arte, as publicações, quando não

são feitas e distribuídas de forma independente, são produzidas pelas editoras EdUFMT,

Carlini Caniato e Entrelinhas.

Outro aspecto a se considerar é que Cuiabá não desenvolveu mercado

secundário de arte, ou seja, não possui casas de leilão – embora tenham sido realizados

alguns leilões pontuais –, tampouco se articulou com essas instituições em âmbito

nacional (Aloísio Cravo, Bolsa de Arte etc.) ou internacional (Sotheby‘s, Christie‘s

etc.).

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É também importante verificar como essas casas de leilão atuam, utilizando

tanto critérios geopolíticos e históricos, quanto estéticos. A Sotheby´s, por exemplo,

possui Departamento de Arte Latino-americana e Departamento de Arte

Contemporânea. A diretora de Day Sales do Departamento de Arte Contemporânea da

Sotheby‘s, Gabriela Palmieri (FIALHO, 2010)75

, declarou que:

[...] temos cuidado e evitamos dizer que nossas escolhas têm por base

um perfil estético ou uma base estritamente regional, trata-se de arte, e

não se trata de onde vem, ou quem é quem, não consideramos

nacionalidades, só pensamos sobre qual o contexto de venda faz mais

sentido.

Apesar dessa declaração de Palmieri, percebemos que existe um certo tipo de

―promoção‖ do Departamento de Arte Latino-americana para o Departamento de Arte

Contemporânea. As casas de leilão não assumem esta hierarquia, mas parece que ela é

sustentada pelo volume de vendas e valores negociados. Nas discussões sobre o peso do

mercado secundário no processo de formação de valores artísticos nos sistema das artes,

promovido pela associação Fórum Permanente, falou-se que:

[...] enquanto 1 milhão de dólares é um valor extraordinário para o

Departamento de Arte Latino-americana, ele é quase irrisório para o

Departamento de Arte Contemporânea em que recordes para uma

única obra chegam a mais de 70 milhões de dólares. Ainda que ambos

os departamentos atuem no plano internacional, o mercado de arte

contemporânea é globalizado e lida com nomes reconhecidos

globalmente que atingem facilmente valores acima de oito dígitos,

enquanto o Departamento de Arte Latino-americana, apesar de

internacional, lida, em grande parte, com artistas que são

frequentemente conhecidos apenas por especialistas e colecionadores

que têm um interesse particular pela produção do continente latino-

americano (FIALHO, 2010).

No que tange à relação da imprensa mato-grossense com a arte, verificamos

uma difusão efetiva de eventos artísticos, uma vez que os jornais locais costumam

garantir ―páginas inteiras‖ para exposições de arte.

[...] Em Cuiabá, com facilidade um artista consegue uma página

inteira, uma capa de caderno, é o tipo de exposição que a gente não vê

em grandes capitais. O artista para estar na capa de um jornal no Rio

de Janeiro tem que ser um artista de muito destaque, nacional ou até

75 Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/exposicoes/sp-arte-2010/relatos/sothebys

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internacional. Aqui em Cuiabá, nós temos uma boa relação nesse

sentido (informação verbal)76

.

Foto 21: Página inteira dedicada à exposição de Carlos Lopes na Pellegrim Galeria de Arte, em

Chapada dos Guimarães. Fonte: Folha do Estado – Folha 3, publicada em 07 de novembro de 2003.

Apesar das facilidades de comunicação oriundas da internet, redes sociais,

plataformas crowdfundings, barateamento dos deslocamentos aéreos e outras, em

Cuiabá ainda são muitas as dificuldades em utilizar esses mecanismos para fortalecer a

distribuição e divulgação das artes visuais.

76 Informação fornecida pelo produtor cultural e atual subsecretário de cultura do município de Cuiabá,

Paulo Traven, em entrevista cedida a Daniel Pellegrim Sanchez, em Cuiabá, MT, em 2014.

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Figura 22: Paulo Traven e Nilsom Pimenta na Pellegrim Galeria de arte, ao fundo escultura de Roberto de

Almeida. 2010. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez

Atualmente, a exposição Percurso, realizada no Museu de Arte e Cultura

Popular da UFMT, em 2014, evidencia o talento de artistas ainda não citados nesse

histórico, como Herê Fonseca, Miguel Penha, Carlinhos Antonio Batista, Lara Matana,

Luis Segadas, entre outros.

Figura 23: Artistas participantes da exposição Percurso na UFMT. Fonte: Museu de Arte e de

Cultura Popular da UFMT.

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3.2. Amarrações da/na arte em Cuiabá

É lugar comum atribuir ao suposto ―isolamento‖ de cidades como as de nossas

inserções Cuiabá, capital de Mato Grosso e Chapada dos Guimarães, a 60 km da

capital – a razão para todos os igualmente supostos ―atrasos‖ em relação aos critérios

evolutivos ocidentais. A ―civilização‖ aqui, costumamos escutar, custou a chegar. Em

texto apresentado na ANPAP/2014 em coautoria com Ludmila Brandão dizemos que:

Permanece no imaginário (e na ignorância) do sul-sudeste brasileiro

que animais selvagens transitam por estas cidades, que o faroeste

vigora neste espaço designado ―de fronteira‖. Se o estereótipo tivesse

fundamento, estas cidades, caracterizadas por suas centralidades

geodésicas da América do Sul, equidistantes, portanto, dos oceanos

Pacífico e Atlântico lóci iniciais dos processos de colonização na

América do Sul poderiam estar a salvo, talvez, da integralização do

processo colonizador e das subsequentes formas atuais da

colonialidade. No caso das artes, poderíamos nem ter ―arte‖, nos

termos ocidentais. Mas não é exatamente o que aqui acontece

(BRANDÃO, SANCHEZ, 2014 b, p. 10)

Nesse mesmo texto, afirmamos que na crítica de arte e na academia, é evidente o

enfrentamento com a ―regionalização‖ da arte que aqui se faz. É de longa data a

discussão nacional/regional no âmbito da pesquisa histórica e da literatura que se

ressentem, com razão, de terem seus produtos sempre caracterizados como regionais

enquanto a produção do eixo Rio-São Paulo (a nossa Europa) dispensa predicações, ou

seja, são história do Brasil e literatura brasileira. Assim como a história não é do Brasil

e a literatura não é brasileira, as artes aqui são igualmente carimbadas de ―regionais‖

(BRANDÃO, SANCHEZ, 2014 b). Na possibilidade de confrontar o predicado/estigma:

[...] aceitam-se designações como arte ingênua, naïf, popular ou, na

tentativa de não deixar-se sobrecodificar, inventam-se outras como

arte ―cabocla‖77

. A predicação não é inofensiva. Ao contrário, sob a

capa de uma ―boa vontade‖ do circuito oficial de artes (críticos,

pesquisadores, galerias, artistas renomados, imprensa etc.) que aceita

incluir sob o manto das artes essas produções diferenciadas, opera-se

uma desqualificação definitiva (2014 b, p. 10).

No artigo Desconstruindo o naïf: a pintura de Alcides dos Santos, Ludmila

Brandão e Suzana Guimarães (2012) procuram demonstrar como funcionam essas

77 Aline Figueiredo, crítica de arte e animadora cultural da maior importância no Estado e para sua

produção visual, desde os anos 70, cunhou a arte aqui produzida pela chamada segunda geração dos

artistas formados no âmbito do Ateliê Livre da UFMT, de ―cabocla‖. A designação não somente foi

acolhida como foi repercutida por críticos de renome nacional e internacional.

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adjetivações, como elas caracterizam extrinsecamente o trabalho artístico, dizendo

exclusivamente sobre as origens do criador (se é indígena, popular, rústico etc.) e

omitindo uma crítica verdadeira às obras, às suas características composicionais, como

se dá com os artistas e obras do circuito ―nacional‖. No embate dos editais para pesquisa

e curadoria na área das artes visuais, essa predicação/desqualificação pesa sobre o

corpus artístico dito ―regional‖, uma vez que lhe é negada, de partida, a relevância

nacional e, por conseguinte, a possibilidade de relevância internacional – haja vista o

―trajeto único‖ nas/das artes.

Na atividade de pesquisa, salvo exceções, a conquista de financiamentos para

projetos de investigação sobre esses artistas (―regionais‖) depende igualmente dessa

―conquista de legitimidade‖, cuja visibilidade curiosamente lhe precede, forjando uma

estranha lógica (quase um paradoxo) em que para ser objeto de pesquisa, o artista e sua

obra precisam ser previamente conhecidos e valorizados.

Estudando o mercado de artes visuais mundial, identificamos o funcionamento

articulado de um sistema que conta com grandes instituições promotoras, galerias,

revistas, coleções, eventos de variadas escalas, e constatamos que sua organização, de

maneira geral, parece seguir uma escala geográfica, onde os artistas ―regionais‖, para

conseguirem autonomia e legitimação em âmbito estadual, têm que "conquistar"

Cuiabá; em âmbito regional, Brasília; em nível nacional Rio de Janeiro e São Paulo; em

nível mundial, Nova York e Paris.

Antes de compreendermos do que se tratava enfim essas experiências em nossas

atuações de artista, crítico ou produtor cultural, na percepção das dificuldades de

legitimação para a necessária autonomização (BOURDIEU, 1999) do sistema de arte

em Mato Grosso, entendíamos que os problemas eram de ordem prática ou que os

problemas eram, evidentemente, nossos e de nossa região.

Porém, hoje entendemos que mais do que nós pesquisadores, críticos e

produtores culturais, os artistas, além de enfrentarem cotidianamente essa geopolítica

das artes, também se confrontam com os determinismos da hierarquia epistêmica. Não

raramente nos defrontamos com situações de preconceito e exploração. É aqui que

entendemos que o suposto ―isolamento‖ não nos salvou da colonialidade. Mesmo nesta

realidade dita ―mais profunda do país‖, encontramos reproduzidas, e se reproduzindo, as

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mesmas perversidades da colonialidade e, o que é pior, verificamos que não há

perspectiva nenhuma de que o artista destas plagas, mesmo passando a radicar

geograficamente em um centro, em uma metrópole, venha a conseguir autonomia ou

legitimação, uma vez que o espaço que lhe será conferido tende a ser sempre aquele das

periferias das metrópoles. Se o mundo julgou e ainda julga o Brasil como arcaico,

agrário e patriarcal, o mesmo se reproduz também internamente, na relação que se

estabelece entre os grandes centros urbanos e o interior do Brasil. Essa hierarquização

urbana é cruzada com uma hierarquização de classe, gênero, etnia, entre as mais

evidentes. Aos indígenas, negros e pobres em geral caberão as categorias

desqualificadoras do pitoresco, exótico, selvagem, caipira. Palavras carregadas de

preconceito e que expressam bem isso que Nelson Maldonado-Torres78

passou a chamar

de "racismo epistêmico"79

(2008a apud BRANDÃO; GUIMARÃES, 2012).

O artista Carlos Lopes, por exemplo, fala que quando morou em São Paulo, por

cerca de dois anos, sentiu que não era preciso sair de Mato Grosso para ser artista e

viver de sua arte. Mudar-se para São Paulo constituiu-se como um difícil recomeço num

lugar estranho, onde não possuía familiares ou outros tipos de vínculo, por isso voltou

decidido a ―ganhar o mercado‖ em Cuiabá e, num segundo momento, tentar ―ganhar

mercado lá fora‖. Lopes relata ainda que, em São Paulo, algumas pessoas discriminam

não o artista, mas o lugar de onde ele veio, a procedência portanto, ―acham que o estado

está atrasado, Mato Grosso é muito longe, Cuiabá está bem atrasada‖80

, o que para

Lopes é uma inverdade, decorrente da falta de conhecimento, visto que as pessoas que

assim pensam, nunca estiveram em Cuiabá.

Todavia, com Quijano (1992), vimos que tais dificuldades não se reduzem tão

somente aos aspectos geográficos ou mesmo econômicos, hierarquias são construídas

também, e principalmente, pela produção de distinções como cor da pele, sexualidade,

linguajar etc. Pessoas racializadas e patologizadas são subalternizadas tanto nas

metrópoles, como no interior. Seguindo Quijano (2010, p.124), podemos perceber que

78 MALDONADO-TORRES, Nelson. A topologia do Ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade,

império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, n.80,

março de 2008, pp: 71-114. 79 O Racismo epistêmico refere-se a essa hierarquia de dominação onde os conhecimentos produzidos por

sujeitos ocidentais são considerados como superiores aos conhecimentos produzidos por sujeitos não

ocidentais. 80

Informação fornecida por Carlos Lopes em entrevista cedida a Daniel Pellegrim Sanchez, em Cuiabá,

MT, em 2014.

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boa parte das dificuldades vividas pelos artistas em Cuiabá se dá devido à colonialidade

das relações culturais ou intersubjetivas.

Em todas as sociedades onde a colonização implicou a destruição da

estrutura societal, a população colonizada foi despojada dos seus

saberes intelectuais e dos seus meios de expressão exteriorizantes ou

objetivantes. Foram reduzidas à condição de indivíduos rurais e

iletrados.

Em muitos casos, ter um ―alcance universal‖ é reproduzir as enunciações da

matriz, ou mesmo expor em eventos ou instituições consagrados pelo ethos

hegemônico. Sobre isso Anibal Quijano (2010, p.124) diz:

Nas sociedades onde a colonização não conseguiu a total destruição

societal, as heranças intelectual e estética visual não puderam ser

destruídas. Mas foi imposta a hegemonia da perspectiva eurocêntrica

nas relações inter-subjetivas com os dominados.

É o que se vê também na criação e valorização de algumas exceções – não é

porque o atual presidente dos Estados Unidos é negro (uma exceção na história desse

país) que o racismo tenha sido superado nos EUA – e no multiculturalismo, conceito

eurocêntrico, que faz parte da lógica cultural do capitalismo multinacional, consistindo

em novas formas de racismo. O multiculturalismo suprime os problemas das relações de

poder, da exploração, das desigualdades e exclusões, mostrando-se como ―descritivo‖ e

―apolítico‖. O recurso central à noção de ‗tolerância‘ acenada pelo multiculturalismo

―não exige um envolvimento ativo com os ‗outros‘ e reforça o sentimento de

superioridade de fala de um autodesignado lugar de universalidade‖ (SANTOS;

NUNES, 2003, p. 31) e, na arte, não é diferente, são criadas estruturas e eventos para

abrigar ―o outro‖ (Museus "étnicos", eventos de arte "popular", "incomum", "latina"

etc.), sem que se mexa na matriz de poder. Isso pode ser considerado até uma conquista

tática para quem sofre com a segregação nas artes, que está no "beco sem saída", mas

não diminui o abismo entre, por exemplo, a ―arte contemporânea‖ e as outras.

Last but not least, a hegemonia eurocêntrica na cultura do mundo

capitalista implicou uma maneira mistificada de perspectiva da

realidade, quer se trate do "centro", quer da "periferia colonial". Mas

os seus efeitos sobre a última, no que concerne ao conhecimento e à

ação, foram quase sempre historicamente conducentes a becos sem

saída (QUIJANO, 2010, p. 124).

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Ao que tudo indica, estéticas ―regionais‖ (não universais) encontram apoio nos

governos, nas políticas públicas de conservação da diversidade e do patrimônio cultural,

contudo, diante do financiamento privado de campanhas eleitorais, onde lobbies de

grandes corporações (inclusive multinacionais) geram corrupção das prioridades, as

políticas públicas de cultura acabam por repetir as lógicas de mercado, enquanto,

poderiam atuar onde o mesmo não atua e também onde ele reduz, aliena e

espetaculariza. O mercado e a mídia hegemônica tendem a enfraquecer a potência de

resistência de muitas produções artísticas – de ―periferia‖, ―rurais‖, ―populares‖, entre

outras –, por meio da invisibilização de diversos aspectos sociais/culturais que

constituem tais produções e do destaque, manipulação e supervalorização de aspectos

―que vendem‖ mais facilmente.

A maioria das pessoas que entrevistamos, durante a pesquisa, falou da

dificuldade de diálogo entre artistas e governo (leis de incentivo) e entre artistas e as

instituições privadas que financiam projetos culturais.

[...] eu penso que nós da produção cultural, artistas produtores, nós,

pessoas interessadas em que esse mercado se solidifique, a gente

precisa se profissionalizar. [...] Os nossos artistas plásticos, por

exemplo, são artistas plásticos profissionais, mas para acessar recursos

públicos, acessar recursos privados, a pessoa precisa ter um pouco

mais do que só as habilidades artísticas dela ou ela precisa contratar

uma pessoa que supra essa deficiência. Eu vejo que o diálogo entre o

artista e o poder público, entre o artista e as empresas que têm

potencial de patrocínio, é muito ruim. Porque esses dois segmentos,

que devem ser complementares, eles falam ―línguas‖ diferentes. [...]

Quando eu digo que este diálogo tem dificuldade, é em coisas muito

elementares, que às vezes vai da apresentação de um ofício, de um

orçamento, que para muitos artistas é uma dificuldade muito grande; a

apresentação de documentos pessoais é outro problema, apresentação

de comprovante de residência é um problema. [...] Para a gente acessar

o dinheiro do poder público, não tem como [...] há de se ter uma conta

no banco, há de se ter uma relação formal para acessar esse dinheiro

(informação verbal)81

.

A necessidade de ―mediação‖ entre artistas e governo, artistas e instituições

privadas é algo que os entrevistados pontuam, mas ponderam que existe uma

dificuldade, ou seja, o que os artistas movimentam em termos de recursos financeiros

em Cuiabá não possibilita que os mesmos possam contratar um produtor cultural que

cumpra tal função. Muitos artistas também têm dificuldade de articulação com críticos e

81 Informação fornecida pelo produtor cultural e atual subsecretário de cultura do município de Cuiabá,

Paulo Traven, em entrevista cedida a Daniel Pellegrim Sanchez, em Cuiabá, MT, em 2014.

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curadores de arte. Na cidade, existem associações de artistas e também uma associação

de produtores culturais, porém, atualmente, percebemos uma atuação tímida ou um

tanto restrita em termos da realização dessa ―mediação‖.

Ao dialogar com os entrevistados e acessando nossa vivência com os 20 artistas

da Pellegrim Galeria, pudemos perceber que muitos deles não movimentam recursos

suficientes porque estão à margem do sistema. Daí que, sim, muitos deles necessitam de

ajuda para acessar o caminho dos editais e dos patrocínios privados, mas entendemos

que, além disso, precisam trilhar/constituir caminhos ―outros‖. Se estão à margem,

talvez, nos passos de Glória Anzaldúa, tenhamos que aprender a lidar melhor com essa

margem, com a fronteira. Como é possível viver nessa, com essa e com outras fronteiras

que nos constituem e que constituímos? Como fortalecer um ―pensamento crítico de

fronteira‖ (MIGNOLO, 2000) que agregue outros ―fronteiriços‖ que possam, com seus

(des)alfabetismos, se comunicarem e se fortalecerem mutuamente, ativando de modos

―outros‖ governo, instituições de fomento e circuitos ―outros‖?

Nas entrevistas que realizamos, pudemos perceber que existe um

descontentamento grande com a desvalorização da arte produzida em Cuiabá, porém

não percebemos questionamentos em relação aos modos como essa desvalorização é

produzida, ou seja, não se questionam as classificações e hierarquias impostas pelo

―trajeto único‖ das artes.

Benedito Nunes, por exemplo, afirma em tom de lamento que, em Cuiabá, ―as

pessoas compram arte da mesma forma que compram artesanato‖ (informação verbal)82

,

que os preços das ―obras de arte‖ equivalem a preços de ―peças de artesanato‖. A

separação e hierarquização entre arte e artesanato ganha corpo nos discursos (inclusive

dos artistas) e nos valores praticados em relação aos trabalhos de arte que, no caso de

Cuiabá, estão ―nivelados por baixo‖, ou seja, em muitos casos, ―arte‖ e ―artesanato‖ se

confundem em termos do que valem no mercado. Entendemos que um dos motivos da

desvalorização de grande parte da produção de arte em Cuiabá, que passa a ser

―confundida‖ com ―artesanato‖, pode ser a permanência de alguns padrões, ou seja,

prevalece a pintura sobre outras formas de produção; parece haver uma preferência por

telas horizontais a verticais; uso majoritário de cores claras; predominância de formatos

82 Informação fornecida pelo artista Benedito Nunes em entrevista cedida a Daniel Pellegrim Sanchez, em

Cuiabá, MT, em 2014.

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pequenos e médios, obras figurativas etc. É comum também encontrarmos a figura do

que o mercado chama de "autocopista", ou seja, alguns artistas, ao perceberem que

certas composições vendem mais que outras, criam ―fórmulas de sucesso‖ que são

repetidas inúmeras vezes pelo próprio autor, com pequenas mudanças de uma obra para

outra, visando a comercialização das mesmas. Comercialização necessária, visto que a

maioria dos/as artistas da região sobrevivem da venda de seus trabalhos e em alguns

casos com subsídios pontuais do governo. Contudo, essas práticas que, num primeiro

olhar, parecem demonstrar oportunismos dos artistas, ao serem examinadas em sua

complexidade, fazem ver a força de uma lógica de mercado que se impõe sobre a

produção e comercialização de trabalhos artísticos da ―periferia colonial‖. Além disso, é

importante questionarmos as argumentações que o pensamento moderno vem

sustentando em relação à classificação e hierarquização da arte mundial, por meio da

distinção entre ―arte‖ e ―artesanato‖. Zulma Palermo faz uma crítica a essa distinção,

escrevendo que , na lógica da colonialidade:

[...] el artista es un ser humano que se distingue de los demás y se

destaca de entre ellos, produciendo –―creando‖ – obras únicas, el

artesano produce en cantidad, desaparece como persona detrás de sus

produtos y por lo tanto no ―crea‖; en consecuencia, mientras el artista

experimenta y manipula, inventa nuevas técnicas y utiliza diversidad

de materiales, el artesanato no inova, no concibe su obra para la

contemplación, no se destaca de entre los otros. Detrás de estas

diferencias valorativas, sin embargo, es reconocible la impronta de la

episteme moderno-colonial ya que en esos criterios se hace visible el

princípio de autorialidad (derechos de autor, lo que implica valor

económico) y, vinculado a ello, el de propriedad privada,

(intimamente vinculado al sistema capitalista), es decir, valores que no

se radican, precisamente, en la contemplación y el goce y que, sin

embargo, están activos en la producción artística validada como tal

(2009, p. 20-21).83

83 Tradução nossa: [...] o artista é um ser humano que se distingue dos demais e se destaca entre eles,

produzindo – "criando" – obras únicas, o artesão produz em quantidade, desaparece como pessoa por trás

de seus produtos e, portanto, não "cria"; Consequentemente, enquanto o artista experiente e manipula,

inventa novas técnicas e utiliza diversos materiais, o artesanato não inova, não concebe sua obra para a

contemplação, não se destaca entre os outros. Por trás dessas diferenças valorativas, no entanto, é

reconhecida a marca da episteme moderno-colonial, uma vez que esses critérios se fazem visíveis pelo

princípio da autoria (direitos autorais, o que implica valor econômico) e, ligado a este, o de propriedade

privada (intimamente vinculado ao sistema capitalista), ou seja, valores que não se encontram,

precisamente, na contemplação e no prazer e que, no entanto, estão ativos na produção artística validada

como tal (2009, p. 20- 21).

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Figura 24: Roberto de Almeida, 2010. Foto: Daniel Pellegrim Sanchez.

Nessa relação entre arte e sistema capitalista, é importante sinalizarmos também

a exploração dos artistas mediante o ―fascismo contratual‖, que de acordo com

Boaventura de Sousa Santos,

[...] ocorre nas situações em que a diferença de poder entre as partes

no contrato de direito civil (seja ele um contrato de trabalho ou um

contrato de fornecimento de bens ou serviços) é de tal ordem que a

parte mais fraca vulnerabilizada por não ter alternativa ao contrato

aceita as condições que lhe são impostas pela parte mais poderosa, por

mais onerosas ou despóticas que sejam (2010, p. 46).

É fácil notar esse dispositivo da colonialidade em Cuiabá: a exploração. Em um

território prolífico em artes visuais, a grande oferta de trabalhos satura o mercado local

(rarefeito), os preços das obras caem, o artista fica mais suscetível à especulação

exploratória. Nessa perspectiva, aparecem também as disputas internas, onde a

manutenção de estruturas, tradições e costumes se sobrepõe ao desenvolvimento de uma

―interculturalidade crítica‖ (WALSH, 2009) e do incentivo a pensamentos e práticas

―outros‖.

Nessa direção, percebemos que é imprescindível formar público para as artes,

muitas pessoas são consumidores em potencial de arte em Cuiabá, mas isso não se

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efetiva por falta de formação. Formar apreciadores de arte é uma necessidade, mas,

além dela, precisamos pensar estratégias para que o já apreciador de arte, de algum tipo

de arte, possa ter condições de adquirir e/ou conviver com esses trabalhos. Para que isso

ocorra é necessário fortalecer ideias e práticas que favoreçam a heterarquia social e o

surgimento de novas coletividades marcadas por afetos e sensibilidades comuns que

unem e não que separam as pessoas.

Dói, em nós artistas, em diferentes aspectos e graus, a ―ferida colonial‖, sabemos

ou sentimos diversos tipos de opressão, seja pela cor de pele, seja pelo gênero e pela

sexualidade, seja pela escolha da arte como profissão – de difícil inserção no mercado –,

seja por sermos latinos, entre outros, mas ainda assim, utilizamos linguagens, materiais

e técnicas adquiridas, típicas da tradição europeia. Talvez seja um contrassenso estar

ferido e não se opor abertamente ao agressor. Para sobreviver, preferimos o diálogo,

promovemos hibridações, dissimulamos as respostas, como num ―jogo‖ de capoeira.

Assim, resistimos às mais diversas formas de opressão e hierarquização, produzindo

―nossa‖ arte obstinadamente e inventando-nos como artistas. Daí que consideramos que

ser artista em Cuiabá, Mato Grosso é um exercício constante de criação, onde são

criados modos de existir, de viver com arte/de arte e de constituir caminhos para as

artes, o que se propõe com este trabalho é que essa criação seja potencializada,

tornando-se consciente da colonialidade/decolonialidade que a constitui.

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Figura 25: Clóvis Irigaray. Foto: Acervo do Artista

3.3 Descarregando...

É necessário começar a pensar que nós enquanto artistas, possuímos o direito de

viver do que produzimos em termos de arte, para tanto, o diálogo que precisamos

constituir não é só com o governo e com instituições de fomento à arte. Nós, artistas,

pesquisadores e produtores culturais precisamos experimentar um diálogo ―outro‖ com

artistas índios, os quais muitos nem consideram como artistas, pois o que fazem é ―arte

indígena‖, ou ―étnica‖; precisamos dialogar de modo outro com ―artesãos‖, que não são

considerados ―artistas‖; precisamos dialogar com artistas dos países vizinhos ao nosso,

conhecermos suas dificuldades, situarmo-nos em relação às nossas; precisamos dialogar

de modo mais articulado com esses artistas todos de outras cidades do estado de MT,

para juntos pensarmos estratégias de valorização do que fazemos em termos de arte, de

valorização do que somos. Propomos sairmos das divisões das divisões, das

subdivisões, das categorias nas quais nos encontramos para podermos transitar e pensar

em estratégias comuns e caminhos outros. No que tange às artes visuais, a

desqualificação é calcada na desconfiança, nos reducionismos e preconceitos. Há outros

―setores‖ que sofrem modos similares de desqualificação e é possível aproximá-los,

desde que se decolonize o pensamento e se passe a pensar as condições em que as

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diferenças e as distinções são constituídas. A arte produzida nas sociedades indígenas,

quilombolas, assim como a arte popular brasileira, a arte do interior do país –

―regional‖, são postas em um patamar inferior, permanecendo a opressão sobre as

pluriculturas locais.

Nesse caminho, entendemos a ―interculturalidade crítica‖ como estratégia de

desamarração ou estratégia decolonial que se pode se dar agregando os âmbitos

supracitados. Catherine Walsh aborda a interculturalidade crítica como projeto político,

social epistêmico e ético e a diferencia da ―interculturalidade funcional‖.

Enquanto no interculturalismo funcional busca-se promover o diálogo

e a tolerância sem tocar as causas da assimetria social e cultural hoje

vigentes, no interculturalismo crítico busca-se suprimi-las por

métodos políticos não violentos. A assimetria social e a discriminação

cultural tornam inviável o diálogo intercultural autêntico. [...] Para

tornar real o diálogo, é preciso começar por tornar visível as causas do

não diálogo e isso passa necessariamente por um discurso de crítica

social [...] um discurso preocupado por explicitar as condições [de

índole social, econômica, política e educativa] para que este diálogo se

dê (TUBINO84

, 2005, p. 8 apud WALSH, 2009, p. 21).

Walsh escreve que a interculturalidade crítica ―é uma construção de e a partir

das pessoas que sofreram uma histórica submissão e subalternização‖ e que esse

movimento pode envolver conjuntamente ―setores que, da mesma forma, buscam

alternativas à globalização neoliberal e à racionalidade ocidental, e que lutam tanto pela

transformação social como para a criação de condições de poder, saber e ser muito

diferentes‖ (WALSH, 2009, p. 22).

Se Paulo Sérgio Duarte (ARTE BRASILEIRA – ALÉM DO SISTEMA, 2010,

s/p) escreve que as fronteiras do ―sistema da arte são pensadas à luz de três instituições:

a estética, a academia e instituições conexas – sobretudo os museus –, e o mercado‖,

podemos pensar que uma educação decolonial é estratégica para que trajetos ―outros‖ de

arte possam ser pensados/praticados.

No campo da educação em Cuiabá, criou-se, em 2008, o Mestrado em Estudos

de Cultura Contemporânea (ECCO/UFMT), e em 2014, o Doutorado, cursos

interdisciplinares, articulados a questões do tempo presente que engendram novos

84TUBINO, Fidel. ―La interculturalidad crítica como proyecto ético-político‖, Encuentro continental de

educadores agustinos, Lima, enero 2005, p.24-28. Disponível em

<http://oala.villanova.edu/congressos/educación/lima-ponen-02.html>

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pensamentos e práticas. Contudo, a cidade ainda não possui curso superior de artes

visuais.

Além disso, alguns artistas pontuam que, em outros países, existem políticas de

valorização de autodidatas, conferindo-lhes títulos de doutores honoris causa, e que isto

no Brasil é mais raro de se acontecer.

Consideramos que a atividade artística e o ensino conduzidos por artistas

autodidatas, de suma importância para a formação em artes visuais em Cuiabá,

poderiam ser mais fomentados, em diferentes espaços e com mais regularidade. Nilsom

Pimenta, professor de arte no ateliê livre da UFMT, relata que foi uma sorte poder

ensinar e ao mesmo tempo desenvolver seu trabalho artístico; fala também que o

emprego na UFMT lhe garante uma estabilidade financeira, possibilitando o

desenvolvimento de um trabalho artístico mais independente dos padrões exigidos pelo

mercado. Essa situação não é a da maior parte dos artistas da cidade.

Carlos Lopes e Benedito Nunes esporadicamente participam, na qualidade de

instrutores, de cursos oferecidos pelo ateliê livre do Palácio das Artes e do ateliê do

Sesc Arsenal, eles são favoráveis à criação de cursos que acolham os ―mestres

populares‖.

No caso da criação de um curso de graduação em artes visuais, ou de mais vagas

de professores nos ateliês livres da cidade, os artistas poderiam se beneficiar com as

ações dos cursos que tendem a integrar ensino com criação artística. Intercâmbios entre

artistas, estudantes e professores poderiam promover e fortalecer a atuação de artistas

do e no estado, bem como a evidenciação de processos educacionais nos/dos processos

de criação artística.

Outro ponto a se considerar é que o ensino de arte tende a acessar a cadeia

produtiva da arte que, muitas vezes, passa a ser tema de estudos e pesquisas artísticas e

acadêmicas dos criadores e/ou dos educadores em formação. Além disso, a formação

crítica e responsável de artistas, pesquisadores, educadores, produtores, curadores,

críticos em arte tende a promover processos de formação de público nessa área, uma

dificuldade apontada por todos os artistas entrevistados.

Com o ensino de arte, propomos, nos passos de Walsh, que falemos:

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[...] de uma política epistêmica da interculturalidade, mas também de

epistemologias políticas e críticas, poderiam servir, no campo

educativo, para colocar os debates em torno da interculturalidade em

outro nível, transpassando seu fundo enraizado na diversidade étnico-

cultural e focalizando o problema da ―ciência‖ em si; isto é, a maneira

através da qual a ciência, como um dos fundamentos centrais do

projeto modernidade/colonialidade, contribuiu de forma vital para o

estabelecimento e manutenção da histórica e atual ordem hierárquica

racial, da qual os brancos, e especialmente os homens brancos

europeus permanecem em cima. Permite considerar a construção de

novos marcos epistemológicos que pluralizam, problematizam e

desafiam a noção de um pensamento e conhecimento totalitário,

únicos e universais, partindo de uma política e ética que sempre

mantém como presente as relações do poder às quais foram

submetidas estes conhecimentos (2009, p. 24-25).

Figura 26: Reprodução do desenho do Engenho do Buriti, feito por Hércules Florence, durante a

Expedição Langsdorff, no século XIX, exposto na Sala da Memória em Chapada dos Guimarães - MT.

Fotografia: Daniel Pellegrim Sanchez.

Ao vermos a imagem acima, do engenho do Buriti em Chapada dos Guimarães,

onde aparecem escravos carregando o patrão em uma rede, nos damos conta de que

seguimos sendo os carregadores da rede em outro regime certamente, e nela, seguem

sendo carregados os valores e os saberes do topo da hierarquia. Não se trata, portanto,

de trocar carregados e carregadores. Mais uma vez, uma palavra muito usada nos ritos

do candomblé e da umbanda vem ao nosso auxílio: descarrego. Entre outros

significados encontra-se o de ―livrar-se do peso‖. Neste caso, soltar a rede com tudo o

que nela vai! Embora a ideia de tombo nos incite a uma rebeldia irônica à brasileira,

talvez uma traquinagem circense, pensamos em soltar a rede não como um ato de

contumaz de violência, de provocar um acidente que possa machucar "o patrão", mas

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tão somente como a opção de não mais carregá-lo. O peso desse indivíduo macho,

branco, cristão, ocidental, capitalista, moderno e suas tralhas tensionam de tal maneira

os punhos e os fios nele arrematados que se torna praticamente impossível desfazer os

nós das amarrações. O privilégio de ser carregado em uma horizontalidade acima da

terra, de estar flutuando como em um castelo no céu, não só sustenta a "verticalidade do

dégradé hierárquico", como também mantém a pressão sobre as linhas da rede. Ao

soltar-se de uma rede que explora, escraviza, ou causa infelicidade, teremos tempo para

tecer redes outras, mais dignas e autossustentáveis. Soltá-la, desfazer os nós com uma

alavanca newtoniana, se for preciso, redefinir seu uso com logos outros é o que nos

resta e compete fazer mais do que nunca.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Demonizar o escuro, hadonizar85

o interior, ocultar a lua, calar, emular através

de uma competitividade de massacre são artifícios de homens que têm a denotação

como estratégia política. Evocar o sol, o olho celestial, representar Deus e se amarrar

em geometrias deterministas fazem parte do fundamentalismo ego-político que segue

atravessando corações, mentes e instituições, inclusive as que se dedicam ao suposto

cultivo do espírito, como as artísticas e acadêmicas. Aníbal Quijano (2010, p. 124) fala

que ―em todo mundo eurocentrado foi-se impondo a hegemonia do modo eurocêntrico

de percepção e produção de conhecimento e numa parte muito ampla da população

mundial o próprio imaginário foi demonstradamente colonizado‖ por tal

fundamentalismo ego-político que se manifesta no/com o que este trabalho define como

colonialidade.

Foi vivendo o meio artístico de Cuiabá, a partir do ano de 1998 até os dias atuais

que, com esta pesquisa fomos provocados a perceber a colonialidade – expressa,

segundo Quijano (2000), por uma classificação racial/étnica seguida de hierarquização

que se impõe à população mundial – atuando em diversos âmbitos, planos e dimensões,

inclusive nas artes visuais da cidade, em seus circuitos materiais e subjetivos, em seus

modos de fazer e ser cotidianos. Pudemos acompanhar que na arte, as hierarquizações

se dão por meio dos dualismos ―erudito‖ e ―popular‖, ―regional‖ e ―universal‖, entre

outros, como também através de categorizações como arte primitiva, naïf, bruta,

artesanal, étnica, cabocla, esquisita etc. Se passarmos a entender cada uma dessas

categorizações na complexidade que as constitui, ―regional‖ e ―universal‖, ―local‖ e

―global‖, ―longe‖ e ―perto‖ podem deixar de ser antagônicas e, conectadas que estão,

podem passar a permitir mais re-posicionamentos para favorecer possíveis composições

―outras‖. Agora, se continuarmos a desejar e valorizar o ―trajeto único‖ das artes, não só

estaremos fortalecendo-o, como estaremos nos fechando a possibilidades de construção

de novos trajetos. Não sabemos exatamente onde esses trajetos ―outros‖ nos levarão,

mas podemos optar entre ficar com as incertezas que nos acompanharão nesses tais

85 De Hades, o deus grego da morte e do mundo inferior (HESÍODO, 2012, p. 127 e 147).

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trajetos, ou continuarmos nessa zona, que conhecemos tão bem, onde prevalece o

pensamento abissal.

Seguindo Fanon, nos encontramos com a noção de ―ferida colonial‖ e

percebemos nos artistas com que convivemos diferentes marcas, feridas feitas pela

diferença de fenótipo (raça), classe social, língua, gênero, pelo lugar em que vivem,

pelas suas formas de vida ou pela capacidade que possuem de participar do sistema do

mercado de arte. Notamos que, mesmo desvalorizados e hierarquizados, continuam a

produzir muitas vezes sem se opor ao eu-sujeito-único, ao pensamento e trajeto únicos.

A persistência e a resistência desses artistas e seus trabalhos, por si só, constituem

respostas ao trajeto único das artes, porém, à medida que se tornarem cada vez mais

conscientes dos dispositivos de colonialidade inerentes às obras que produzem, suas

respostas poderão se potencializar enquanto decoloniais, promovendo relações de

proximidade com públicos ―outros‖, também hierarquizados e subalternizados. A

decolonialidade se potencializa com o que passa a ser material de pesquisa e produção

artística; com os agentes (autores, críticos, artistas, artesãos, públicos etc.) com os quais

dialogamos, produzindo conceitos e procedimentos para a criação de arte; e também

com os temas que surgem dessas pesquisas e diálogos. A partir do momento que vamos

nos conscientizando da colonialidade e percebendo-a também na arte, em suas relações,

mudamos o modo como vemos os trabalhos artísticos, inclusive os que são produzidos

por nós.

Verificamos, então, que dispositivos de colonialidade oriundos do pensamento

abissal, de divisões da realidade social e de dominação epistemológica persistem nas

artes visuais em Cuiabá. Problematizamos questões relacionadas ao racismo, à

exploração e a outros modos de violência ou desumanização e orientamo-nos no sentido

de buscar caminhos ―outros‖, dialogando com diversos autores vinculados ou não a rede

Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, que compartilham pensamentos/práticas

fortalecedores de processos de decolonização. Dialogando com esses autores, pudemos

conhecer a noção de pensamento heterárquico que nos impulsiona a experimentar

estratégias de movimento no sentido de realizar o giro decolonial .

Uma estratégia que destacamos para realizar o giro decolonial é cultivarmos o

pensamento crítico de fronteira, mas como dar corpo a esse pensamento nas/com as

artes visuais de Cuiabá? Talvez, uma dimensão desse pensamento seja assumirmos o

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lugar do ―entre‖, essa posição arriscada e atravessada pelas mais diversas

temporalidades, espacialidades, com seus diferentes modelos e padrões. Esse

pensamento teria corpos (proposições artísticas) mutáveis, visto que ora precisam se

abrir e ora se fechar, ora permanecer, ora se transformar, gerando tensão que favorece a

criação, nessa relação que precisa ser de agenciamento com esses atravessamentos e

suas intensidades; corpos múltiplos, pois seriam constituídos por diversas identidades,

formas e sentidos que, em situações de problematização, emergiriam deles/neles; corpos

que modificam tudo o que os toca, sendo afetados e afetando, produzindo efeitos

diferentes do que habitualmente eram produzidos.

Seguindo essa linha de pensamento, verificamos que, em Cuiabá, ainda temos

dificuldade de produzir arte articulada a esse pensamento crítico de fronteira, pois ainda

não lidamos muito bem com esse lugar arriscado, onde só corpos mutáveis, múltiplos e

que aprendem a afetar e a serem afetados (sobre)vivem. Contudo, muitos artistas e

trabalhos artísticos, resistindo e existindo do modo que conseguem, parecem – assim

como a vegetação do cerrado, com suas árvores de cascas grossas, que têm a capacidade

de se queimar inteiras e ainda assim continuarem vivas e ressurgirem com suas flores –

ter desenvolvido força e formas para assumir as fronteiras que os constituem, tornando-

se aptos a buscarem caminhos diferenciados de legitimação e autonomização que

necessariamente não precisam estar no ―trajeto único‖ das artes visuais, que se impõe

sobre os artistas em termos globais. Acolher desvios e fissuras torna-se imprescindível

nesse trilhar caminhos ―outros‖, os quais são performados à medida que são trilhados.

No que se relaciona às fissuras, temos consciência de que elas existem neste

trabalho de pesquisa, porém sabemos que as mesmas podem nos conduzir – nós e outros

pesquisadores – a próximos passos. Esperamos, por meio desta dissertação, contribuir

com discussões acerca das artes visuais e estimular que outros artistas, pesquisadores,

estudantes, docentes etc. se interessem pela questão da (de)colonialidade da arte, para

que possam contribuir, tornando mais promissoras as investigações nessa área.

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