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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2012
RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
LUCAS DE CARVALHO TURMENA
INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PESQUISA VOLUNTÁRIA 2012
PLANO DE TRABALHO:
Arquitetura Art Déco em Cinemas Internacionais
Relatório apresentado à Banca de Avaliação
do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
para o 20º Evento de Iniciação Científica da
da Universidade Federal do Paraná – UFPR
por ocasião da conclusão das atividades
voluntárias de pesquisa.
NOME DO ORIENTADOR:
Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
TÍTULO DO PROJETO:
Arquitetura de Cinemas: Concepção de Recurso Midiático para o Projeto de
Espaços Arquitetônicos Cinematográficos
BANPESQ/THALES: 2012025990
CURITIBA
2012
1 TÍTULO
Arquitetura Art Déco em Cinemas Internacionais
2 RESUMO
Art Déco refere-se ao conjunto de elementos estéticos que caracterizaram a produção
artística internacional – especialmente nas artes decorativas, design e arquitetura – do período
compreendido entre as décadas de 1920 e 1940; e que representou uma reação às tendências
puristas do modernismo, apropriando-se porém de suas tecnologias e materiais industrializados,
sem entretanto abandonar alguns princípios tradicionais de composição, como a simetria e a
ornamentação. Esta pesquisa de iniciação científica faz parte do projeto intitulado “Arquitetura de
Cinemas: Concepção de Recurso Midiático para o Projeto de Espaços Arquitetônicos
Cinematográficos”, pertencente à área de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo; e tem
caráter exploratório, baseando-se no levantamento web e bibliográfico relacionado à
arquitetura Art Déco, resgatando sua história enquanto linguagem visual. A partir da coleta,
seleção e análise de informações, destaca as principais características e elementos próprios deste
estilo, bem como seu emprego nas salas de exibição cinematográfica, na Europa e nos EUA,
desde seu surgimento em meados dos anos 1920 até o advento da Segunda Guerra Mundial
(1939/45). Tal recorte temporal corresponde ao período em que houve a expansão do número de
salas de cinema ao redor do mundo, bem como a consolidação da indústria cinematográfica que
exigia mais lugares de exibição, os quais adotaram o estilo em voga.
Caracterizado o repertório formal e simbólico do Art Déco, assim como as diferentes
expressões que tomou e seu impacto na produção arquitetônica europeia e americana,
selecionou-se alguns exemplos de edificações de referência para o estilo, com o fim de
exemplificar e ilustrar o levantamento teórico. A pesquisa conclui-se com a descrição e análise
desses casos, os quais correspondem a obras internacionais, localizadas nos países de economia
central da época; e que representam essa expressão arquitetônica particular, bem como raízes de
seu rebatimento tardio no contexto nacional. Por fim, a síntese de dados desse estudo científico
dá subsídios à futura pesquisa de obras em nosso país e região, também produzidas em estilo Art
Déco, destacando o valor artístico, cultural e patrimonial, das edificações primordiais relacionadas
ao cinema.
3 OBJETIVOS
De modo geral, esta pesquisa busca fazer um estudo teórico sobre a evolução e
caracterização do conjunto de manifestações artísticas correspondentes ao Art Déco, bem como
seu rebatimento na arquitetura. Esta revisão bibliográfica dá-se em paralelo ao histórico dos
primeiros anos do cinema e sua consolidação como indústria cinematográfica, exigindo edifícios
próprios para sua exibição. De modo específico, intenta-se selecionar e descrever exemplares de
edifícios, na Europa e nos EUA, dedicados à exibição cinematográfica, avaliando os elementos
característicos do Art Déco presentes sobretudo em sua ornamentação.
4 INTRODUÇÃO
As primeiras exibições de cinema remontam ao final do século XIX, a partir de iniciativas
privadas e independentes entre si. Para alcançar esse resultado, dos equipamentos próprios à
projeção, uma série de invenções deram-se naquele mesmo século, motivadas principalmente por
curiosidade científica em relação aos efeitos da luz e do movimento. Essas invenções dispersas
deram origem a diversos “brinquedos ópticos”, tais como: aparatos mecânicos e reprodutores de
imagens através da luz, utilizados para o entretenimento. Exemplo clássico dessa categoria são
os shows de “lanterna mágica”, realizados desde o século XVII, os quais utilizavam imagens
projetadas junto a vozes, músicas e efeitos sonoros de maneira a estabelecer uma narração
(MASCARELLO, 2008).
Os primeiros filmes exibidos também se deram a partir de invenções e iniciativas
desvinculadas entre si. Entre essas exibições pioneiras, ainda segundo o mesmo autor,
encontrava-se a de Thomas Edison (1847-1931), utilizando o quinetoscópio, em Nova York no ano
de 1894. Esta não é considerada a primeira exibição de cinema propriamente dito por ter sido
executada por meio de um mecanismo que possibilitava um único espectador por vez –
característica bastante diversa do aspecto de massas que assumiu o cinema posteriormente. O
prenúncio de uma exibição coletiva deu-se somente pela presença de dez aparelhos no salão em
que foi realizada. Isto aconteceu no ano seguinte, em 1º de novembro, quando os irmãos Max
(1863-1939) e Emil Skladanowsky (1866-1945) realizaram a primeira exibição coletiva e paga de
cinema, a partir do bioscópio – invenção dos dois alemães. A atração deu-se em um teatro de
vaudeville1, junto às demais apresentações que divertiam os visitantes.
Ainda em 1895, no dia 28 de dezembro, os irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière
(1864-1948) realizaram a exibição de um cinematógrafo, aparelho bastante próximo do que se
tem hoje em dia, no Grand Café Paris. Tanto este café como os teatros de vaudeville eram
importantes locais de encontro, em que a diversão era proporcionada por apresentações de
diferentes naturezas, como performances, acrobacias e exibições da lanterna mágica. Foi a partir
de então que o cinema começou a aparecer como entretenimento, superando o caráter de
curiosidade científica, sendo a sua exibição locada em salões e teatros, o que fez alcançar maior
número de espectadores (MASCARELLO, 2008).
O primeiro momento do cinema foi, portanto, o da expansão de um “cinema de atrações”;
este encarado como espetáculo visual e exibido em vaudevilles, music halls, museus de cera,
quermesses, shows itinerantes, etc. Este período, que abrange os anos de 1895 a 1915, foi uma
1 Vaudeville trata-se de um gênero de entretenimento de variedades que obteve especial êxito no final do século XIX e começo do
século XX, principalmente nos EUA. O investimento nesses estabelecimentos garantia um grande retorno financeiro, sendo este também motivo da proliferação do gênero e dos teatros em sua época (N. autor).
fase de investigação e experimentação, tanto na linguagem cinematográfica quanto nas formas de
produção, distribuição e exibição do cinema (MASCARELLO, 2008).
Em busca de maiores lucros dentro do campo do entretenimento, empresários americanos
ligados à produção cinematográfica passaram a construir, a partir de 1905, os nickelodeons. Estas
edificações eram grandes galpões ou armazéns de estrutura precária que abrigavam grande
número de visitantes, acomodados em condições pouco confortáveis e muitas vezes de pé, para
assistirem aos curta-metragens produzidos. Essa maneira de fazer chegar os filmes até os
consumidores era muito mais barata que os teatros convencionais e demandava um investimento
pequeno, além de contar com um novo modo de distribuição dos filmes em que as películas eram
alugadas, diminuindo custos e aumentando a atratividade do programa devido à variação das
sessões. Assim, cinema passou a ser uma diversão popular, que custava apenas cinco centavos
de dólar – ou um níquel –; característica que garantiu o nome do local de exibição. O
entretenimento massificado tornou-se bastante difundido entre os habitantes de bairros operários
de todos os EUA, marcando sua constante expansão.
Portanto, o cinema foi marcado desde seu nascimento pela dualidade entre arte e
indústria, não tendo sido sua aura artística o que impediria que fosse encarado como mercadoria
pelos investidores, principalmente americanos. Seu desenvolvimento esteve de acordo com a
competição destes capitalistas por expandir seus mercados (GAMA, 2011). Assim, enquanto
crescia a demanda por mais filmes e nickelodeons, a produção organizava-se industrialmente a
partir da divisão do trabalho, cadeia hierárquica e centralização das informações no produtor.
Ocorria também a separação entre produtores, distribuidores e exibidores e, logo, aventavam-se
novas possibilidades para locais de exibição exclusiva do cinema.
A partir dessa organização industrial da produção cinematográfica, ainda em estágio
embrionário em cerca de 1906, passou a existir maior disponibilidade de filmes. Foram então
necessários também mais locais de exibição e novos mercados a serem explorados. Neste
período, os empresários buscaram transformar o cinema em divertimento para todas as classes
sociais, eliminando a imagem que tinha de “teatro de operários” (MASCARELLO, 2008). A própria
linguagem que estava sendo gerada nos filmes colaborava para a expansão a novos mercados,
bem como a produção de longa-metragens que atraíam mais as classes médias e altas.
No campo da arquitetura, esse interesse em abarcar outros nichos de mercado
materializou-se na produção dos movie palaces: enormes e luxuosos auditórios dedicados à
exibição de filmes cada vez mais elaborados técnica e artisticamente. Os movie palaces eram
frequentemente vinculados a uma cadeia de salas de cinema ou mesmo às empresas produtoras
de filmes, como as salas da Paramount. Conforme Gama (2011), o local de exibição dos filmes
passou a ser permanente, o que facilitava e potencializava sua distribuição e exibição. A partir de
1913, a indústria cinematográfica já tinha alguma respeitabilidade; e vendia sua mercadoria à
grande parte da população americana, levando boa fração deste público aos palácios de cinema,
luxuosos e mais caros, que exibiam longa-metragens majoritariamente produzidos em Hollywood
desde 1917. Logo, o cinema tinha se tornado um negócio bastante lucrativo.
Não era somente aos empresários que interessava a ampliação do raio de ação do
cinema, mas também aos governos. Nos EUA, teve também forte apoio do Estado devido à
necessidade de realizar disputas dentro do campo ideológico, através da constituição de um
sentimento de coletividade, disseminando não só por aquele país, mas por todo o mundo: o
american way-of-life. O interesse tanto privado quanto estatal possibilitou a proliferação de
diversas salas de cinema tanto na América do Norte quanto na Europa, servindo como novo
mercado de exploração e correia de transmissão das políticas nacionais (GAMA, 2011).
Foi nesse contexto de expansão acelerada do cinema que se fez necessária a construção
de diversas salas de exibição, sem contudo haver uma tradição arquitetônica para tal tipologia. O
estilo Art Déco, contemporâneo à industrialização cinematográfica, foi assim adotado como
principal alternativa estética para as novas edificações voltadas ao entretenimento das massas.
5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
De modo geral, denomina-se Art Déco um conjunto de manifestações artísticas
empreendidas no período entreguerras, que teve sua origem em Paris em meados da década de
1920, mas que teve seu apogeu na década seguinte, espalhando-se pelo mundo e tendo especial
representatividade nos EUA. O nome dado tardiamente – em exposição retrospectiva dos anos
1960 – foi inspirado na associação que lhe promoveu, a Societé des Artistes Décorateurs de
Paris. Fundada em 1901, após a incerteza econômica e estética deixada pela Exposição
Internacional de 1900, ocorrida na capital francesa e dominada pelo ainda aceito Art Nouveau2, a
associação expunha anualmente, a partir de 1906, obras que incorporavam os avanços da
indústria e deixavam para trás a dicotomia entre arte e máquina, estabelecida por artistas desde o
Arts & Crafts3. A associação enfrentava os desafios de levantar novamente ao nível internacional
a produção decorativa francesa, bem como incorporar o conceito de unicidade da obra, já
presente em exposições de outros países como a Alemanha (ART DÉCO 1925, 2009).
A maior expressão do Art Déco dentro de seu país de origem – e também sua
apresentação oficial ao público – aconteceu durante a Exposition Internationale des Arts
Décoratifs et Industriles Modernes, ocorrida em Paris, no ano de 1925. Compuseram esta
exposição obras de caráter mais tradicional, com abundante ornamentação, mas também algumas
que poder-se-ia dizer tipicamente modernas como os dois pavilhões de Robert Mallet-Stevens
² Art Nouveau foi um estilo internacional, nascido na Europa na década de 1890, que se desenvolveu até a Primeira Guerra Mundial (1914/18) e combateu o historicismo através de uma arte que enfatizava a linha ondulante e adotava motivos vegetais e femininos, assumindo um caráter mais geométrico e retilíneo na Escócia e na Áustria. Objetivava também eliminar as fronteiras estabelecidas pela academia entre as belas artes e as artes decorativas. O estilo recebeu uma série de nomes conforme os países em que se desenvolveu, como Jugendstil (Alemanha), Sezessionstil (Áustria), Modernisme (Catalunha) e Stile Liberty (Itália) (DEMPSEY, 2003).
³ Arts & Crafts foi um movimento gestado na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, que reafirmava a importância do artesanato em oposição à industrialização, à qual condenavam moralmente pela decadência das artes decorativas. Seu maior expoente e propagandista foi William Morris (1834-1896), o qual organizou o movimento em torno de referências medievais e do trabalho artesanal, como maneira de trazer novamente a integração do trabalhador da arte com seu produto (DEMPSEY, 2003).
(1886-1945); o pavilhão L’Esprit Nouveau, obra de Le Corbusier (1887-1965); e o pavilhão
soviético de Konstantin Melnikov (1890-1974). Estas obras destacaram-se entre o sincretismo de
diversos tendências modernizadores e superficiais, bem como entre tantos edifícios de inspiração
claramente exótica (ART DÉCO 1925, 2009).
Em seu conjunto, o Art Déco possuía afinidade com diversos movimentos e estilos
progressistas de sua época por rejeitar as tendências historicistas que a arquitetura vinha
assumindo desde a Revolução Industrial (1750-1830), como aconteceu com o ecletismo4
(CASTELNOU, 2002). Ao mesmo tempo, representou uma tentativa modernizadora das artes
decorativas, apropriando-se de avanços técnicos e estéticos que o Movimento Moderno (1915/45)
vinha realizando, como a tendência à racionalização das formas e a busca de expressar
plasticamente a então Era da Máquina.
Em sua constituição, tiveram especial importância as discussões trazidas por movimentos
de vanguarda artística como o cubismo, o futurismo, o neoplasticismo e o construtivismo. Estas
correntes estéticas modificaram a ótica das artes ao colocar a necessidade de superar a produção
clássica, introduzindo uma nova óptica baseada na vida moderna; suas indústrias e máquinas.
Com isto, observou-se uma constante tendência à geometrização, à simplificação formal e à
discussão da velocidade e dos avanços mecânicos. Apesar da influência das vanguardas, o
aspecto modernizador do Art Déco foi bastante superficial, não estando relacionado a um
questionamento mais profundo das condições de produção material, tais como os movimentos
anteriormente citados (MAENZ, 1974).
Apesar de rejeitar o repertório eclético – assim como o repertório de origem vegetal próprio
do estilo Art Nouveau –, o Déco manteve aspectos tradicionais que dialogavam com a resistência
do gosto burguês. Desta maneira, preservou a composição clássica e simétrica, bem como a
valorização plástica das superfícies através da ornamentação. O Art Déco, assim, conjugava
elementos tradicionais e modernizadores, sendo um meio termo entre a vanguarda e o gosto
burguês, sendo considerado por muitos como uma espécie de “Modernismo adocicado”
(CASTELNOU, 2002).
Tanto o Arts & Crafts como o Art Nouveau foram tributários do Art Déco por advogarem em
favor da conjunção dos aspectos criativos da arte com os avanços técnicos próprios da
industrialização, que já permitiam a utilização de materiais mais modernos, bem como a produção
em massa. Enquanto os movimentos anteriores falharam na empreitada de aliar arte e indústria –
tanto pelos motivos visuais de pouca racionalidade quanto pelo forte apego à artesania –, o Art
Déco foi capaz de gerar uma linguagem decorativa mais adequada à produção em série,
4 Ecletismo foi a resposta estilística dada pelos arquitetos do século XIX aos problemas que enfrentavam em relação aos novos
programas surgidos após a Revolução Industrial (1750-1830) e à magnitude das obras que se faziam necessárias. O conhecimento histórico acumulado por eles a partir de descobertas arqueológicas, bem como a necessidade de fortalecer o aspecto nacionalista através de referências aos méritos passados de suas respectivas nações, impulsionou-os ao uso de referências históricas misturadas entre si na concepção de suas obras. Também foi responsável por este revivalismo de estilos passados o deslocamento cada vez maior do arquiteto em relação às questões de seu tempo. Ao longo do século XIX, sua atuação ficou mais restrita às questões estilísticas, criando um descompasso entre sua prática e a crescente industrialização e uso de novos materiais (ROTH, 1999).
utilizando-se de materiais como: aço, vidro, baquelita, fórmicas, etc. Paralelamente, também foram
frequentes no Déco as influências de estilos exóticos, os quais se tornaram parte da moda e
cultura popular dos anos 1920 e 1930. Assim, estavam presentes nas obras motivos que se
relacionavam à produção cultural do Egito, da China, dos Ballets Russes5, dos índios norte-
americanos, dos povos pré-Colombianos da Mesoamérica e da África (MAENZ, 1974).
Ainda de acordo com Maenz (1974), o Art Déco foi contemporâneo ao jazz e à moda de
Coco Chanel (1883-1971), expressando uma época de otimismo pós-guerra, confiança nos
avanços técnico-científicos e euforia. Isso se traduziu em uma linguagem limpa e geometrizada,
que se utilizava dos materiais e técnicas mais modernos e racionalizados, capazes de serem
produzidos em massa. Segundo Duncan (1995), os edifícios eram ricamente revestidos com
ornamentos muitas vezes pré-fabricados por companhias específicas e combinados entre si na
busca de uma expressão criativa e original A categoria Art Déco, portanto, é essencialmente
atribuída às artes decorativas: eram seus ornamentos não-estruturais que o definiam; e não o
agenciamento espacial e materiais compartilhados por outras tendências modernas (BAYER,
1999).
Em um primeiro momento, predominaram motivos tipicamente franceses, como o pôr-do-
sol, flores e pássaros. Sua expansão garantiu uma linguagem ainda mais geometrizada,
representada principalmente pelo ziguezague, evoluindo seu repertório para linhas horizontais,
tarjas coloridas, volumes racionalizados e articulados, frisos e molduras estilizados, motivos de
origem exótica e/ou relacionados à máquina e à velocidade. Essas expressões ainda eram
bastante carregadas na ornamentação e demonstravam grande exuberância e riqueza de
materiais, a fim de fugir do aspecto de pobreza da simplificação das formas, que predominava nas
soluções modernistas. Foi essa linguagem que chegou aos EUA, sendo adaptada à concepção de
arranha-ceus e gerando obras icônicas do estilo, como o Chrysler Building (1928/30) e o Empire
State Building (1929/31), ambos construídos em Nova York.
Na década de 1930, principalmente nos EUA, conforme Castelnou (2002), o Art Déco
assumiu linhas e formas mais limpas e de aspecto aerodinâmico – mesmo que este
aerodinamismo não fosse funcional para objetos estacionários como edifícios. Esta derivação do
estilo europeu, ainda mais devotado à máquina, passou a ser conhecido como Streamline e
dispunha de formas sóbrias, materiais elegantes, reflexos metálicos e colorido discreto.
Igualmente próprio do Déco desenvolvido na América, estava a referência mais explícita à
eficiência da máquina e à modernidade, através de uma iconografia despojada e com motivos
inéditos mais abstratos (ART DÉCO 1925, 2009). Tal depuração do estilo arquitetônico – que
passava a contar com molduras simples, silhuetas escalonadas e marcação de prumadas –
5 Tratavam-se de espetáculos do empresário artístico russo Serguei Diaghilev (1872-1929), cujas exibições em toda a Europa fizeram
notável sucesso pela sua inovação nos cenários e nos figurinos. Diaghilev participou da associação Mir Iskusstva (Mundo da Arte), a qual tinha a intenção de se opor à perda da tradição camponesa russa devido à rápida industrialização pela qual o país passava desde 1860. Esse grupo foi responsável por levar à Europa parte do exotismo oriental, por meio de cenários que conjugavam o estilo Art Nouveau à arte medieval e folclórica (DEMPSEY, 2003).
estava de acordo com certa retração econômica, expressa pelo crash da Bolsa de Nova York em
1929, causado pela superprodução própria do modelo capitalista de desenvolvimento6.
Algumas variações regionais do estilo também foram desenvolvidas, com base em cores e
motivos locais, tal como o Tropical Déco de alguns locais na Califórnia e também em Miami
Beach, lugar que congrega a maior concentração de obras Déco de todo o mundo. Ali, os motivos
decorativos passam a ser marinhos – sóis, ondas, ostras, cavalos-marinhos e estrelas-do-mar –,
assim como predominam referências náuticas – chaminés, escotilhas e contornos arredondados –
e citações ameríndias, tais como totens.
De modo geral, conforme Duncan (1995), o estilo Art Déco, em sua variedade de
expressões, foi amplamente utilizado em programas que não tinham tradição arquitetônica
anterior, tais como: clubes, aeroportos e garagens. Por analogia, também foi aplicados aos movie
palaces criados na época, em uma tentativa deliberada de se aparentar moderne – termo utilizado
não-vinculado ao que hoje se chama de Movimento Moderno, mas que diz respeito à tentativa
deliberada de aparentar modernidade e inovação. Tal linguagem estética também tornava esses
edifícios dedicados ao entretenimento especialmente atrativos, seja instigando a imaginação pelo
caráter exótico às vezes conferido ao prédio, seja pelo aspecto futurista das linhas aerodinâmicas
tardias. Isto cumpria a função de aumentar o público e garantir maiores lucros ao investidor, bem
como tornar o edifício um marco na paisagem em que se inseria.
Deste modo, a conciliação entre modernidade e tradição do Art Déco tornava-o bem aceito
em todas as camadas sociais, caracterizando um “ruidoso populismo”, o que se revelou
especialmente importante para os empresários do cinema que queriam atrair também as classes
mais altas, transformando o “teatro de operários” em divertimento universal (MASCARELLO,
2008). Assim, a expansão da indústria cinematográfica nas décadas de 1920 e 1930 também
contribuiu para o alargamento das fronteiras do Déco. Foi nessas enormes e luxuosas salas de
exibição que o estilo apareceu em sua maior exuberância, caracterizado por uma pretensiosa
modernidade, generosidade e atenção a cada detalhe (DUNCAN, 1995).
Foi igualmente graças à afinidade com a industrialização que se permitiu produzir em
grande velocidade e a menores custos as diversas salas de cinema Art Déco, espalhando-se por
diversos bairros operários tanto nos EUA e Europa como no restante do mundo, inclusive no
Brasil, onde o estilo aconteceu de modo tardio, entre os anos 1940 e 1950. O Streamline
desenvolvido a partir da década de 1930 também foi bem aceito na edificação de cinemas; uso
esse corroborado e orientado pelo novo conceito de que a tela de exibição deveria ser o único
ponto focal (DUNCAN, 1995; CASTELNOU, 2002). De acordo com Dempsey (2003), a grande
6 Pode-se dizer que a crise de superprodução acontece periodicamente dentro do capitalismo devido à sua característica queda
tendencial da taxa de lucro. A resolução da crise, por parte dos proprietários de meios de produção, segundo Marx (2011), dá-se, dentre outros modos, através da modificação da relação orgânica do capital, ou seja, pela diminuição do capital fixo investido em relação ao capital variável (força de trabalho) empregado. Isto explicaria em boa medida, a partir de pressupostos materialistas, as manifestações arquitetônicas simplificadas que se deram naquela época.
utilização em cinemas chegou a garantir o apelido de “estilo Odeon” para o Déco, fazendo
referência à cadeia de cinemas de mesmo nome.
6 MATERIAIS E MÉTODOS
De caráter exploratório, esta pesquisa, baseada em revisão bibliográfica e estudo de
casos, realizou-se por meio da investigação, seleção e coleta de fontes impressas, tais como
artigos, periódicos e livros, nacionais e internacionais; ou ainda publicadas on line, que tratavam
direta ou indiretamente sobre o desenvolvimento histórico e caracterização do Art Déco, bem
como dos primeiros anos do cinema, sua organização enquanto indústria e os impactos deste fato
nos locais dedicados à sua exibição. Além de material para registro computacional, gráfico e
fotográfico, utilizou-se as instalações físicas destinadas ao docente adjunto, autor do projeto e
lotado na subárea de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, em Regime de Dedicação
Exclusiva, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, com a participação de 01 (um) discente
do curso de graduação, autor do presente relatório.
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da pesquisa realizada, foi possível observar a grande presença do Art Déco como
linguagem estética predominante de uma série de salas de cinema produzidas tanto na Europa
como nos EUA, entre as décadas de 1920 e 1940, assim como em países mais periféricos,
incluindo países africanos e sul-americanos. Com base nisso e de acordo com os objetivos
preestabelecidos, definiram-se como critérios para seleção de exemplares para descrição e
análise das características visuais do estilo os seguintes pontos:
Quanto ao local, edificações internacionais, realizadas na Europa e/ou EUA, que foram
construídas, mantidas ou demolidas;
Quanto ao tempo, edificações selecionadas por década de criação – 1925/34, 1935/44 e
1945/54 –, abrangendo o período de maior expressão do estilo;
Quanto ao uso, edificações de uso exclusivo como salas de exibição cinematográfica,
observando uma evolução perceptível ao longo dos anos;
Quanto ao material, edificações realizadas em materiais modernos – aço, concreto e vidro
–, respeitando os pressupostos modernistas, mas com tratamento decorativo através de
ornamentações aplicadas, jogos de volumes e simetria predominante;
Quanto ao aspecto estético, edificações de relevância tanto para o meio urbano em que se
inserem como valor simbólico, cultural e/ou econômico.
Quanto à documentação, edificações com imagens disponíveis preferencialmente de
fachada, limitando a análise ao aspecto exterior do conjunto arquitetônico.
Além dos critérios acima definidos, também influenciou na seleção dos exemplares a
disponibilidade de materiais e informações que possibilitassem apreciar, descrever e ilustrar as
salas de cinema, considerando-se as limitações da pesquisa, em nível de iniciação científica,
especialmente no que se refere a tempo e recursos. Assim, foram selecionadas as seguintes
obras:
a) Década de 1925-1934:
Capitol Cinema (1925, Berlim – Alemanha): Hans Poelzig
KiMo Theatre (1926, Albuquerque – Novo México, EUA): motivos dos Pueblo e Navajo
St. George Playhouse Theatre (1927, Brooklyn – New York, EUA)
Uptown Theatre (1927, Philadelphia – Pennsylvania, EUA)
Fox Theatre (1928, Brooklyn – Nova York, EUA)
Fox Theatre (1928, Detroit – Michigan, EUA)
Pickwick Theatre (1928, Park Ridge – Illinois, EUA)
Avalon Theatre/Casino (1927/29, Catalina Island – California, EUA)
General Electric’s House of Magic (1930, Chicago – Illinois, EUA)
Carlton Cinema (1930, Essex Road – Londres, Inglaterra): George Coles
Pantages & Wiltern Theatre (1930, Los Angeles – California, EUA)
Gaumont Palace (1931, Paris, França)
Earl Carroll Theatre (1922/31, New York, EUA)
Paramount Theatre (1931, Oakland – California, EUA)
Paramount Theatre (1931, Aurora – Illinois, EUA)
Saville Theatre (1931, Shaftesbury Avenue – Londres, Inglaterra): Sir Thomas Bennet,
Bertie Crewe.
Kino Gdynia (1931, Łódź, Polônia)
Radio City Music Hall (1932, Rockefeller Center – Manhattan, New York EUA)
Dreamland Cinema (1934, Margate – East Kent, Inglaterra): Iles, Leathart & Grainger
b) Década de 1935-1944:
Odeon Weston-super-Mare (1935, South East England, Inglaterra)
Grosvenor (later Odeon) Cinema (1935, Rayners Lane – Harrow, Inglaterra): F. E. Bromige
Pan Pacific Auditorium (1935, Fairfax District – Los Angeles CA, EUA)
Theatre Royale (1935, Dublin, Irlanda): Leslie Norton
Théâtre régional de Sidi Bel Abbés (1935, Sidi Bel Abbes, Algéria)
Odeon Clacton-on-Sea (1936, Essex, Inglaterra)
Odeon Sutton Coldfield (1936, Birmingham, Inglaterra)
Odeon Muswell Hill (1936, North London, Inglaterra)
Embassy (1936, Glasgow, Escócia): James McKissak
Metro Cinema (1936, Durban, África do Sul)
Trans-Lux Theatre (1936, Washington DC, EUA)
Odeon Leicester Square (1937,Londres, Inglaterra)
Odeon Woolwich (1937, South East London, Inglaterra)
Odeon Burnley (1937, Lancashire, Inglaterra)
Verity & Beverley’s Paramount Theatre/Cinema (1937, Birmingham, Inglaterra)
Eberson’s Colony Theatre (1937, Cleveland – Ohio, EUA)
Palazzo del Cinema (1937, Lido – Veneza, Itália)
Odeon Balham (1938, South West London, Inglaterra)
Odeon Merton (1938, Londres, Inglaterra)
Hill Theatre (1938, Paulsboro – New Jersey, EUA)
Vogue (1938, Glasgow, Escócia): J. McKissack
NBC’s Radio City Hall (1938/39, Hollywood – Los Angeles CA, EUA)
Ascot Cinema (1938/39, Glasgow, Escócia)
Odeon Middlesbrough (1939, North East England, Inglaterra)
Ritz Cinema (1939, Athlone, Irlanda): Bill O’Dwyer
Academy Theater (1939, Inglewood – Califórnia, EUA): S. Charles Lee
Hollywood Palladium (1940, Los Angeles – Califórnia, EUA): Gordon Kaufman
c) Década de 1945-1954:
Fourth Avenue Theatre (1941/47, Anchorage – Alaska, EUA)
Liberty Cinema (1947/50, Mumbai, Índia)
Palmarium Cinema (1953, Túnis, Tunísia)
Na sequência – e com base no material coletado em fontes web e bibliográficas –, faz-se a
descrição formal das obras mais representativas. Procurou-se delimitar a explanação de modo
objetivo e esquemático, abordando as principais características e elementos definidores, que
possibilitassem analisar a obra dentro do conjunto Art Déco.
O primeiro período delimitado nesta pesquisa, que vai de 1925 a 1934, foi composto de
edifícios que apresentavam, em sua maioria, motivos franceses e grande exuberância decorativa.
Foram frequentes também aqueles que se utilizam de referências exóticas, na tentativa de criar
um cenário e uma atmosfera imaginativa e lúdica. Dentro desta perspectiva, o Gaumont Palace
(Fig. 1) destacou-se pela síntese feita das tendências decorativas de sua época, bem como por
ser o maior teatro da Europa. Originalmente concebido como edifício eclético e sob o nome de
Hippodrome Theatre, sua composição ao gosto Art Déco só se realizou após reforma em 1930.
Os assentos eram então distribuídos em orquestra, contando com primeiro e segundo balcão.
Além desta, outras reformas foram realizadas até a sua demolição, em 1972. Seu exterior era
absolutamente icônico por reunir diversos elementos que denotavam o avanço plástico e técnico
de seu período. Sua entrada principal fazia-se no cruzamento de duas ruas, sob uma marquise
que exibia os nomes dos filmes em néon (Fig. 2). Ainda nesta esquina encontrava-se o volume
mais destacado da edificação, encimado por um domo escalonado, de planta hexagonal, no qual
era disposto tanto o letreiro identificador do cinema como um dos motivos que se tornou
característico do Art Déco: um sol geometrizado. A iluminação noturna do conjunto garantia um
aspecto cênico, representando uma grande fonte estilizada.
O interior, após a reforma que lhe garantira o aspecto pretensamente moderno,
apresentava balcões curvos e revestimentos nas paredes e teto bastante geometrizados,
auxiliando na acústica e simplificando as formas do que outrora fora um edifício de repertório
historicista. Havia também frisos em ziguezague, faixas horizontais que acompanhavam
corredores ricamente revestidos e um mobiliário de grande simplicidade formal, mas nobre
tratamento em relação a materiais e aperfeiçoamento técnico (Figs. 3 e 4).
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A produtora Paramount, durante a década de 1930, empreendeu uma série de edificações
dedicadas à exibição cinematográfica, entre os quais se inclui a obra de Oakland, no Estado da
Califórnia, EUA (Fig. 5). Construído em 1931, destaca-se no meio urbano pela verticalidade de
sua fachada, obtida por um letreiro e um grande mosaico. Este mural cerâmico foi concebido a
partir de uma linguagem geometrizada e utilizou-se do típico repertório Art Déco, embora também
retratasse paisagens e motivos regionais. A tipografia utilizada no letreiro é de feição moderna,
sem serifas e bastante geometrizada, com um destaque inadmissível para os projetos
modernistas que as vanguardas vinham realizando. Essa mesma fachada ainda possui planos
avançados e recuados, em alturas escalonadas, que garantem aspecto de totem.
Em seu interior destaca-se o lobby, composto a partir de linhas verticais e dominado pela
presença de uma fonte estilizada e iluminada. Este ambiente é revestido com materiais de rica
aparência, trabalhados em motivos geometrizados, bem como com esculturas que retratam
corpos femininos de compleição simplificada e esguia (Fig. 7). A sala de exibição destaca-se pela
exuberância de sua ornamentação, por meio de frisos e baixos-relevos, com motivos importados
da França, tais como aves, vegetação estilizada, fontes e faixas em ziguezague (Fig. 8).
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7 8
Entre os de referência exótica, destaca-se o KiMo Theatre (Fig. 9), localizado em
Albuquerque, no Estado do Novo México, EUA, tendo sido construído em 1927. Sua expressão
formal foi uma espécie de desdobramento regional do Art Déco, que assumiu repertório decorativo
dos Pueblo e dos Navajo, tribos ameríndias da região sudoeste dos EUA. O colorido das cornijas,
frisos e cerâmicas era típico da vestimenta e cestaria desses povos, bem como os motivos em
ziguezague utilizados nos capiteis, linteis e vigas, tomando a visualidade própria das tramas
elaboradas por estes povos. A composição tripártide, que se tornou quase regra na derivação
regional do Tropical Déco, deu-se por meio de volumes que avançam e recuam, bem como
através do escalonamento das alturas que acentua a distinção dos eixos verticais. Seu interior era
decorado por paineis que retratam as paisagens do oeste americano, bem como por elementos
decorativos geometrizados e simplificados, porém coloridos ao gosto indígena. Como exemplo da
utilização da cultura indígena juntamente à elaboração formal importada da França, o corrimão do
foyer era um trabalho em metal que figura águias estilizadas (Fig. 10).
9 10
No segundo período, o qual abrange os anos de 1935 a 1944, houve a predominância de
edifícios que podem ser enquadrados na derivação Streamline por terem uma ornamentação mais
sóbria e a incorporação da linha curva às composições. Os edifícios dedicados ao cinema que
melhor marcam este conjunto foram as salas da cadeia Odeon. Como exposto por Dempsey
(2003), esta marca chegou a apelidar o próprio Art Déco devido à sua visibilidade e destaque.
O exemplar de Woolwich, Inglaterra, construído em 1937, constitiu-se uma boa síntese.
Projetado por George Coles (1884-1963), já foi também edifício da cadeia Coronet de cinemas.
Em sua fachada principal, dispõe de composição triangular, marcando com um alto elemento
vertical a entrada, ladeada por duas torres (Fig. 11). Essas três torres citadas têm contornos
arredondados e a do meio apresenta uma longa janela, fatores que as aproximam do design
náutico. A marquise curva dispõe dos típicos letreiros em néon (Fig. 13). O corpo do edifício liga-
se ao volume do hall com uma superfície curva, em que há um letreiro responsável pela
valorização plástica desta superfície. Torna-se interessante destacar a presença do
estacionamento junto à edificação, denotando o crescente uso do automóvel e sua incorporação
tanto no cotidiano quanto no pensamento arquitetônico. O revestimento exterior é em cerâmica de
faiança creme, presente em boa parte dos edifícios da cadeia Odeon.
O foyer denota a preocupação de coerência formal ao mostrar as linhas curvas nas
luminárias, desenho de forro, escadarias e desenho de piso (Fig. 14). As mesmas linhas estão
presentes no desenho do auditório e nos frisos que o ornamentam e iluminam (Fig. 12). Mais uma
vez se faz presente o balcão curvo, bem como uma moldura de palco mais livre e arrojada.
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Por sua vez, o Academy Theater (Fig. 15) expressa boa parte do dinamismo adquirido pela
linguagem nessa década. Sua fachada dispõe de curvas que dão unidade aos volumes do
edifício, bem como de uma marquise sinuosa que abriga a bilheteria e entrada principal. Sua
constituição é inconfundível devido à presença da torre cilíndrica que exibe o letreiro identificador
do cinema, encimada por um balão colorido. A tipografia em alto relevo é intercalada por faixas
que volteiam a torre. Embora a fachada seja rigorosamente simétrica, o letreiro balança a
composição para um dos lados de uma maneira incomum dentro do conjunto de obras Art Déco.
Seu interior é menos arrojado que o exterior e exibe alguns motivos florais mais simplificados e
uma composição clássica (Fig. 16).
No terceiro e último conjunto, que reúne as obras de 1945 a 1954, concentram-se
manifestações tardias do Art Déco. De maneira geral, a ornamentação é mais recuada e tende ao
uso dos elementos mais geometrizados do último período, refletindo a recessão decorrente do
segundo pós-guerra. Com o avanço da linguagem Art Déco pelo mundo, apareceram
manifestações em países fora da Europa e América do Norte, como Índia, Brasil e Tunísia.
O cinema Fourth Avenue – o qual iniciou sua construção em 1941, mas só foi concluído
em 1947 – demonstra bastante bem a modéstia a que foi submetido o programa após os grandes
acontecimentos mundiais (Fig. 17). A fachada mantém a composição mais tradicional vinculada ao
Art Déco: a divisão em três parte verticais que avançam e recuam em alturas escalonadas. No seu
centro, foi disposto o letreiro com formas que induzem ao movimento. O revestimento externo é
moderno e a ornamentação resume-se às faixas horizontais que acompanham as platibandas e as
janelas. Em seu interior, observam-se paineis e frisos de motivos elegantes, mas de um modo
geral bastante simples (Fig. 18). As laterais da sala de exibição são o suporte para murais que
fazem referência explícita aos avanços da sociedade moderna, como o trem, a eletricidade e a
indústria.
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Como resultado da expansão do Art Déco pelo mundo, pode-se citar o Liberty Cinema (Fig.
19), obra executada em Mumbai, Índia. Este edifício de esquina foge à composição consagrada
pelo Art Déco de entrada principal presente em chanfro defronte ao cruzamento. O edifício tem
seis pavimentos e um gabarito homogêneo em todo seu corpo, mas possui um destacamento no
volume que marca a entrada principal, lembrando os altos elementos verticais totêmicos presentes
em obras pelo resto do mundo. Este volume é valorizado através do letreiro do cinema, bem como
das janelas que se repetem verticalmente por toda sua extensão. Um plano paralelo à torre gera
movimento na fachada através de uma torção que liga a parte traseira do edifício ao elemento
vertical de formas arredondadas, como escotilhas. Alguns frisos ainda se somam à composição,
garantindo a marcação do topo arredondado.
O interior possui ornamentação geometrizada e o motivo decorativo da fonte estilizada,
bastante revigorada com o uso de iluminação artificial (Fig. 20). A moldura do palco, além de
possuir frisos nas laterais, ainda é encimada por uma cornija ondulante. A iluminação faz uso de
grandes luminárias circulares que se repetem também no foyer. Neste ambiente, o revestimento é
em madeira com entalhes que inspiram elegância em uma linguagem arrojada e aerodinâmica.
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8 CONCLUSÕES
De caráter exploratório, esta pesquisa procurou realizar uma aproximação com a temática
da arquitetura de cinemas, priorizando o seu aspecto formal durante os primeiros anos de seu
desenvolvimento. Para tanto, fez-se necessário o estudo da evolução e características do Art
Déco, linguagem adotada pela indústria cinematográfica na construção de boa parte de suas salas
de exibição.
Os exemplares levantados confirmaram a frequente presença do gosto Déco nos edifícios
dedicados àquele programa, uma vez que existiram manifestações nos mais diversos países da
Europa e nos EUA, durante um período que se estendeu de 1925 – ano comumente considerado
do início do estilo – até meados da década de 1940, bem como nos países periféricos, onde se
manifestou tardiamente. O uso nas edificações dedicadas a exibições de cinema revelava uma
ousadia incapaz de ser realizada nas demais obras a que os arquitetos deviam dar respostas.
Enquanto edifícios comerciais ou residenciais precisavam manter alguma sobriedade devido ao
seu uso e ao seu retorno financeiro, as salas de cinema exigiam se destacar no meio em que
eram inseridas e, principalmente, no imaginário dos espectadores-consumidores. Desta forma, os
edifícios dedicados ao entretenimento de massa foram um importante campo de experimentação
para o desenvolvimento do Art Déco. Isto também se revelou em programas destinados aos
esportes (garagens e clubes náuticos), ao lazer gastronômico (restaurantes e snacks bars) e à
música e dança (danceteriais e music halls), o que se pode comprovar em pesquisas similares.
Este importante fato dá indicações de que o desenvolvimento do cinema e do Art Déco
parecem ter sido mutuamente potencializados; ou ainda que a industrialização cinematográfica
proporcionou as condições materiais para o alargamento daquela linguagem estética, tanto em
número de obras como na exuberância dos ornamentos utilizados. A indústria cinematográfica
utilizou-se amplamente do Art Déco como estratégia mercadológica, capaz de realizar o capital
investido e de consolidar grandes cadeias de salas de exibição. Além disso, seus contornos e
ornatos remetiam a um mundo da fantasia e de desenvolvimento tecnológico; sensações
presentes naquele momento histórico.
O levantamento de edifícios também permitiu melhor caracterizar o conjunto Art Déco, que,
embora não se configure como estilo propriamente dito, exibe uma série de características
comuns. Seu rebatimento nas salas de cinema compõe boa parte do que o imaginário popular
levanta como características de um cinema, como os letreiros em néon. Com isto, esta pesquisa
abre caminho para a continuidade em investigações de iniciação científica, por meio da revisão de
literatura, delimitação de foco, seleção e análise de casos. O recorte internacional pode ser
aprofundado, bem como expandido para a análise de obras brasileiras, inclusive regionais e/ou
locais.
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10 BIBLIOGRAFIA DE APOIO
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11 FONTES DE ILUSTRAÇÕES
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Figura 20 – Disponível em: <http://l3.yimg.com/bt/api/res/1.2/tWfgpyMkPD5iOKkBYEdMRw--
/YXBwaWQ9eW5ld3M7Zmk9aW5zZXQ7aD00MjA7cT04NTt3PTYzMA--
/http://l.yimg.com/os/285/2012/06/06/485842-140829829381134-140823009381816-163493-
289986525-n-jpg_111203.jpg>.
Observação: Todas as imagens foram acessadas em 24.set.2012.