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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
CURSO DE LICENCIATURA DE LETRAS PORTUGUÊS – INGLÊS
LEANDRO FRANCISCO DE PAULA
O EQUILÍBRIO INSTÁVEL DE UM POETA OUTSIDER/ESTABELECIDO:
REGIONALISMO E DEMOCRACIA RACIAL EM POEMAS NEGROS, DE JORGE
DE LIMA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
CURITIBA
2017
LEANDRO FRANCISCO DE PAULA
O EQUILÍBRIO INSTÁVEL DE UM POETA OUTSIDER/ESTABELECIDO:
REGIONALISMO E DEMOCRACIA RACIAL EM POEMAS NEGROS, DE JORGE
DE LIMA
Trabalho de Conclusão de Curso de
graduação apresentado ao curso de
Letras Português – Inglês da
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná como requisito parcial para a
obtenção do título de licenciado em
Letras.
Orientador: Prof. Dr. Rogério Caetano
de Almeida
CURITIBA
2017
TERMO DE APROVAÇÃO
O EQUILÍBRIO INSTÁVEL DE UM POETA OUTSIDER/ESTABELECIDO:
REGIONALISMO E DEMOCRACIA RACIAL EM POEMAS NEGROS, DE JORGE
DE LIMA
por
LEANDRO FRANCISCO DE PAULA
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi apresentado em 19 de junho de 2017 Como
requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado no curso de Letras Português/Inglês.
O candidato LEANDRO FRANCISCO DE PAULA foi arguido pela Banca Examinadora
composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca Examinadora
considerou o trabalho aprovado.
____________________________________
Rogério Caetano de Almeida
____________________________________
Christiano de Sales
____________________________________
Naira de Almeida Nascimento
Ministério da Educação
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
Campus Curitiba
Departamento Acadêmico de Linguagem e Comunicação
Departamento Acadêmico de Letras Estrangeiras Modernas
Curso de Graduação em Letras Português/Inglês
À minha mãe, outsider ex-merendeira, que cuidou
para que o filho estudasse um pouco mais e fosse
algo na vida.
Ao meu pai, outsider gaúcho, ex-funcionário público
da prefeitura e ex-malandro de botecos: ensinou-me
a como ser sistemático e a dar valor ao dinheiro.
À Dani, que me encanta cada dia mais com sua
beleza e seu potencial: nunca vi uma outsider tão
estabelecida.
Ao Lunão, que me tirou lágrimas e ainda me tirará
pela eternidade, até que a reencontre, a melhor
cachorra, o melhor ser que já conheci.
À Chica, ao Duby, à Pandora, à Suri, à Stella, à
Delinha, ao Marx, ao Frajola e aos bichinhos que
nos ajudam nos momentos difíceis de nossas vidas,
que nos trazem alegria diante da escuridão.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, que Tereza, que sempre tem me ajudado nos momentos mais
difíceis, financeiramente, espiritualmente e emocionalmente. Ela é uma verdadeira cristã.
Agradeço ao meu pai, que aprendi a entender. Seu jeito diferente de amar é percebido
por poucas pessoas sensíveis.
Agradeço à Dani, que tem sido minha base de sustentação no curso. Por ela eu não
desisti, mesmo trabalhando, estudando e realizando outras inúmeras atividades. Só consegui
terminar esse TCC graças a ela.
À Priscila e ao Fernando, amigos de todas as horas, dos grandes papos, dos papos
cabeça, do rock, do canhotismo, dos desabafos e muitas outras coisas. A gente tem muita
coisa pra fazer juntos nessa vida, meus amigos.
Aos meus sogros (não gosto dessa palavra, pois remete a gente velha, e eles não o são)
Denilson e Vera, pelos finais de semana, churrascos, aventuras, passeios, almoços, jantares, e
por terem criado uma filha maravilhosa como a Dani, a luz da minha vida. Tudo seria muito
mais chato sem ela, vocês e as cachorras, podem apostar.
Ao Rogério, grande pessoa, grande amigo, excelente orientador, um cara que admiro
muito pela inteligência, humanidade, simplicidade, e com quem eu pretendo aprender muito e
ter uma relação de amizade para sempre, não só com ele, mas com toda a sua família,
incluindo sua esposa Cíntia, e suas lindas filhas, Sarinha e Sofia.
À Naira e ao Cristiano, professores excepcionais que aceitaram de pronto fazer parte
da minha banca.
Aos amigos diversos, Tiago, Milena, Eliza, Juliana, Indy, Magda, Rodrigo Ul,
Mariana, Lucas, Merie, Gabriel, Giovanna, Eliza, Jope, Andrea, Lorize, Vanessa, Danny,
Andressa, Fernando S., Louise, Alana e tantos outros, que fazem parte das minhas figurações
sociais.
Aos alunos do Cursinho Solidário, para que saibam que é possível ser um outsider e
conseguir méritos na vida.
À CAPES, por financiar minha pesquisa no doutorado em História na UFPR.
Não é a consciência do homem que
determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser
social que lhe determina a consciência
(Marx, 1983)
Quando eu nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
(Poema de sete faces, Carlos Drummond de
Andrade, 1978)
Quando eu nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada
Entortou
Mas vou até o fim (Até o fim, Chico Buarque,
1978)
RESUMO
O presente estudo é fruto das percepções de que poderia haver uma relação fundamental entre
a tese da democracia racial, de Gilberto Freyre, e os Poemas Negros, de Jorge de Lima. Essa
suspeita foi fundamentada pelo próprio prefácio da obra poética que nos indica que há relação
entre ambos os autores, o que causa uma relação dialética fundamental entre as suas
percepções de mundo. Dito isso, nosso objetivo aqui é pensar nessas articulações, entendendo
a posição de Jorge de Lima como um poeta ora outsider, ora estabelecido. Isso significa dizer
que a sua obra passa por vários momentos, sendo tida, por Bosi (1975), por exemplo, como
melhor a medida que se dava seu progresso como poeta. Dessa forma, trabalharemos à luz de
Norbert Elias (2006), entre outros autores, assim que se fizer necessário e plausível o diálogo.
Além disso, exploraremos as fontes da época de recepção de Poemas Negros, pensando nas
posições sociais e de poder que Jorge de Lima ocupava.
Palavras-chave: Jorge de Lima. Poemas Negros. Democracia Racial.
ABSTRACT
The present study is the result of the perceptions that there could be a fundamental relation
between Gilberto Freyre's thesis of racial democracy and Jorge de Lima's Poemas Negros.
This suspicion was founded by the very preface of the poetic work that tells us that there is a
relationship between both authors, which causes a fundamental dialectical relation between
their perceptions of the world. That said, our goal here is to think of these articulations,
understanding the position of Jorge de Lima as a poet now outsider, now established. This
means to say that his work goes through several moments, and for Bosi (1975), for example,
it is best to measure his progress as a poet. In this way, we will work in the light of Norbert
Elias (2006), among other authors as soon as the dialogue becomes necessary and plausible.
In addition, we will work with the sources of the time of reception of Poemas Negros,
thinking about the social and power positions that Jorge de Lima occupied.
Keywords: Jorge de Lima. Poemas Negros. Democracia racial.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
2 FIGURAÇÕES SOCIAIS DE JORGE DE LIMA NA CONSTRUÇÃO DOS POEMAS
NEGROS ................................................................................................................................. 12
2.1 O POETA E A SOCIEDADE .......................................................................................... 12
2.2 ALAGOAS: MÉDICO E POETA OUTSIDER .............................................................. 17
2.3 RIO DE JANEIRO: UMA CAPITAL FEDERAL PARA UM POLÍTICO, MÉDICO E
POETA ESTABELECIDO ................................................................................................... 21
2.4 OS POEMAS NEGROS COMO RESULTADO DA INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O
“NÓS” E O “EU” .................................................................................................................. 27
3 MANIFESTO REGIONALISTA, GILBERTO FREYRE E OS POEMAS NEGROS
DE JORGE DE LIMA ........................................................................................................... 30
3.1 O BRASIL E A SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA: HISTÓRIA E LITERATURA
.............................................................................................................................................. 30
3.2 GILBERTO FREYRE, MANIFESTO REGIONALISTA, CASA GRANDE E
SENZALA E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL ........................................................ 33
3.3 ESSA NEGRA FULÔ: ANÁLISE .................................................................................. 41
4 RECEPÇÃO DE POEMAS NEGROS: O PÊNDULO DO GOSTO ENTRE
FIGURAÇÕES ....................................................................................................................... 53
4.1 RECEPÇÃO, FIGURAÇÕES E SOCIEDADE .............................................................. 53
4.2 JORGE DE LIMA: AFRO-REGIONALISMO NO PÊNDULO DO GOSTO ................ 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 72
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 74
9
1 INTRODUÇÃO
Jorge de Lima foi um poeta alagoano que acabou migrando para o Rio de Janeiro, em
1930, quando passou a conviver com indivíduos de todos os tipos sociais naquela nova
figuração, na qual tentava se estabelecer não só no campo literário, mas também no da
medicina. Vivenciou toda a Era Vargas e se filiou à União Democrática Nacional (UDN), na
qual foi candidato em 1947, ano em que lançou os Poemas Negros. O vereador
outsider/estabelecido, encontrava-se na Capital Federal e se tornou presidente da câmara.
Antes, na década de 1910, como médico provindo das elites locais de Maceió, era do
establishment, mas outsider em se tratando de Brasil, por ser do Nordeste, região periférica.
Os centros difusores da literatura nacional eram São Paulo, principalmente, e o Rio de
Janeiro.
Na década de 1920, quando São Paulo reivindicava o modernismo ao Brasil (em 1922,
com a Semana de Arte Moderna), Gilberto Freyre chamava para si a responsabilidade de
colocar o Nordeste em posição de destaque nacional. Em 1926, publicou o seu Manifesto
Regionalista. Nele, defendia um modernismo sendo difundido a partir também do Nordeste, e
também com outro tipo de antropofagia, que procurasse a cultura local, nacional, negra, no
lugar da cultura europeia. O nosso folclore nordestino seria muito rico para ser descartado e
deixado na periferia do modernismo. Gilberto Freyre sentia-se um outsider, assim como Jorge
de Lima. Foi por motivo de compreensão mútua, interdependência, reciprocidade, entre outros
fatores, que o poeta alagoano se deixou influenciar pelos escritos do sociólogo pernambucano,
e vice-versa. Enquanto a imagem do Nordeste se construía, a teoria da democracia racial
freyreana se consolidava e Jorge de Lima esboçava os primeiros traços de seus poemas sobre
a África, os negros e a cultura nordestina. O Nordeste estava à margem, assim como o negro
estava à margem e Jorge de Lima e Freyre sentiam-se à margem da vanguarda. Queriam, com
movimentos agressivos, avançar sobre o pêndulo e chegar ao establishment. Foi nos anos
1930, com a mudança para o Rio, mencionada acima, que Jorge de Lima deu uma guinada ao
establishment, sem nunca deixar também de ser um pouco de outsider. Já Freyre, após o
lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), decolou como um dos mais famosos
sociólogos brasileiros do século XX.
Poemas Negros, de 1947, é uma coletânea de poemas novos com outros que já haviam
sido lançados, como “Essa Negra Fulô”, de 1928. É mais uma tentativa de Jorge de Lima
adentrar na Academia Brasileira de Letras, instituição da qual nunca faria parte. “Essa Negra
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Fulô” fez tanto sucesso que virou musical, peça de teatro e um romance cuja autora (Lúcia
Mulholland) pode ser pseudônimo do próprio Jorge de Lima. Até os críticos mais ferrenhos
do autor acabaram elogiando o poema. No entanto, em 1928, no ano de lançamento de “Essa
Negra Fulô”, o poeta alagoano foi muito criticado pelos seus escritos e sua virada para o
modernismo.
Há diferenças na recepção da obra limiana nos anos 1920, 1930, 1940 e 1950.
Também há diferenças na produção da obra, o que está conectado com as influências que ele
recebeu durante aquele determinado período histórico e com as figurações sociais das quais
ele fazia parte.
O nosso principal referencial teórico é Norbert Elias, o sociólogo alemão que se
empenhou, durante boa parte do século XX, em construir sua sociologia figuracional. Apesar
deste Trabalho de Conclusão de Curso ser no campo de Literatura, é possível que utilizemos
tal tipo de perspectiva analítica, uma vez que Elias tem uma ampla visão das ciências
humanas de modo a entendê-las como todas fazendo parte de um continuum funcional. Foi
assim que ele tratou com muita interdisciplinaridade de temas como do Processo Civilizador
e da teoria dos Estabelecidos e Outsiders, utilizando nessas pesquisas conceitos de sociologia,
psicologia, história e biologia. Em outros trabalhos, como em Mozart, sociologia de um gênio,
e em A peregrinação de Watteau à Ilha do Amor, entre outras pesquisas, o sociólogo analisou
a arte, a música e até a literatura, dando-nos ferramentas para pensarmos em questões teóricas
acerca de como as figurações sociais afetam determinada produção artística. Elias dá imensa
importância para o social, para seus aspectos relacionais de poder que se intensificam sobre os
indivíduos e os prendem em teias humanas. A sociologia figuracional é baseada em processos
e em relações, portanto. As cadeias de interdependência que ligam os indivíduos uns com os
outros, as figurações sociais e como elas se refletem no interior das mentes desses indivíduos
são objeto constante de análise desse tipo de sociologia. Além disso, não há diferenciação
entre campo de subjetividade e objetividade, ou até mesmo sobreposição ou hierarquização de
uma coisa sobre a outra, mas essas perspectivas atuam sempre dentro de um continuum
funcional, não como antinomias. Por exemplo, para Elias, não há antinomia entre forma e
conteúdo, mas ambos fazem parte desse contínuum funcional. Assim, as figurações sociais
refletem em muito na produção, no texto, na arte, na obra do artista. Se a sociedade está no
indivíduo e o indivíduo na sociedade, o poeta está na poesia, da mesma forma como a poesia
está no poeta. É por isso que não há como pensarmos, a partir desse ponto de vista, em
11
analisar uma obra literária por ela mesma. Uma obra fechada em si não faz sentido, assim
como um homem fechado em si é um homo clausus. A sociologia eliasiana pensa no hominis
aperti, ou seja, a relação dos indivíduos uns com os outros e como essas relações afetam a
sociedade reciprocamente. Dessa forma, indivíduo e sociedade não são antinomias, assim
como poeta e poema não o são, da mesma forma como outsiders e estabelecidos, entre vários
outros segmentos da sociedade (simbólicos ou não) que aparentemente estão em disputa, mas
que são interdependentes.
Neste trabalho, além de analisarmos os Poemas Negros, fomos atrás de periódicos da
Hemeroteca, da Biblioteca Nacional, com os quais pudemos reconstruir um pouco da
trajetória das figurações sociais de Jorge de Lima, além de buscar um pouco da influência de
Gilberto Freyre em sua obra e como se deu a recepção de Poemas Negros no correr do tempo.
Portanto, dividimos em três capítulos este trabalho: no primeiro, demonstramos como
se deu a trajetória do médico, poeta, político e artista plástico Jorge de Lima de Maceió ao Rio
de Janeiro, a Capital Federal, onde ele se tornou figura de destaque, passando de outsider a
estabelecido no campo literário; no segundo, analisamos a influência de Gilberto Freyre na
obra do autor alagoano; no terceiro capítulo, por fim, demos destaque ao processo receptivo
dos Poemas Negros, entre as décadas de 1920 e 1950 – levando-se em conta que muitos dos
poemas dessa coletânea já haviam sido lançados nos anos 1920, e que foram relançados em
1947.
Acreditamos que as três partes deste trabalho se complementam e estão conectadas aos
conceitos de figuração social, mudança de habitus social, processos sociais não planejados,
inexistência de antinomias, equilíbrio instável de poder, teias sociais que prendem os
indivíduos e limitam suas ações, entre outros elementos que configuram o pensamento
eliasiano e que podem auxiliar em muito o campo da análise literária por seu caráter
interdisciplinar.
12
2 FIGURAÇÕES SOCIAIS DE JORGE DE LIMA NA CONSTRUÇÃO DOS POEMAS
NEGROS
O presente capítulo procura demonstrar a importância do conceito de figuração social
na produção artística, mais especificamente na poesia de Jorge de Lima (1893-1953), autor
alagoano que escreveu os Poemas Negros, objeto de nossa análise. Nosso intuito é apresentar
o conceito de figuração, existente na teoria sociológica de Norbert Elias, que falaremos mais
adiante, e demonstrar como as figurações sociais das quais Jorge de Lima fez parte durante
sua vida foram imprescindíveis para a elaboração de supracitada obra poética.
2.1 O POETA E A SOCIEDADE
Não há sociedade sem indivíduos, assim como não há indivíduos sem sociedade. A
ideia parece muito simples, mas há uma grande complexidade na teoria sociológica eliasiana,
que busca enlaçar o indivíduo e a sociedade de tal maneira que um não possa se desvencilhar
do outro. Para Norbert Elias (1897-1990), há uma tradição sociológica muito forte que
procurava ora dar muita ênfase no indivíduo, ora na sociedade, engessando cada um dos dois
polos e os reificando. Segundo Elias, Émile Durkheim (1858-1917), por exemplo, percebia a
sociedade como algo quase externo ao ser humano, enquanto Max Weber dava tanta ênfase às
ações individuais dos agentes sociais que acreditava que o sociólogo só poderia entender a
realidade por meio de uma abstração: o tipo ideal (ELIAS, 2006, p. 27).
A solução de Elias para esse impasse é o conceito de figuração social. Para ele,
indivíduo e sociedade não são polos opostos, antinômicos, mas são elementos que coexistem
num continuum funcional e se sustentam num equilíbrio instável entre eles (ELIAS, 1990;
1993; 1997; 2000; 2006). O que une indivíduo e sociedade é o habitus social do indivíduo
(ELIAS, 1990; 1993), conceito que tenta unir o biológico, o psicológico e o social do
indivíduo e relacioná-lo com a sua determinada figuração. Em outras palavras, dentro do
indivíduo há algo de sociedade, enquanto na sociedade há a presença dos indivíduos que a
transformam e a modificam num continuum funcional, num equilíbrio instável que ora tende
para uma maior individuação, ora para um maior senso de coletividade, dependendo da
figuração social existente, entre outros fatores.
Para citarmos mais um exemplo, na Idade Média, havia um maior senso de
coletividade no Ocidente, enquanto após a Era Industrial passamos a viver um momento de
maior individuação, quando o pêndulo do equilíbrio instável passou a pesar mais para o
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indivíduo. Porém, segundo Elias, não existe indivíduo isolado, pois ninguém consegue
sobreviver fora da sociedade. Todo o ser humano é interdependente de outro ser humano,
mesmo que esse outro ser humano seja o seu inimigo. As guerras foram imprescindíveis para
o processo civilizador ocidental (ELIAS, 1990). Portanto, se não há indivíduo isolado, não há
como pensarmos em indivíduos livres de suas figurações. Todos estão presos em teias sociais.
Até mesmo Luís XIV, conhecido como o “Rei Sol”, era um prisioneiro dos costumes e da
etiqueta na França de fins do século XVII (ELIAS, 2001). Todo indivíduo, portanto, age de
acordo com suas vontades pessoais, é claro, mas também tem em sua mente sua posição social
dentro de determinada figuração específica na qual disputa espaço com outros indivíduos.
Tais processos podem ser conscientes e inconscientes, mas pertencem ao habitus social
daquele membro de tal figuração específica.
Tudo o que foi discorrido até aqui tem como objetivo a nossa reflexão acerca do
escritor e da sociedade. Mais especificamente o papel do poeta. Jorge de Lima era um
indivíduo e um homem de poesia, vivendo em determinada sociedade, a qual especificaremos
adiante. Pertenceu a inúmeras figurações sociais e, a partir delas, elaborou inúmeras obras,
dentre as quais, nosso objeto de análise. Não podemos pensar em Poemas Negros sem
levarmos em conta toda essa dimensão da vida social do autor, isolá-lo, deixá-lo fechado em
si mesmo. Não faz sentido, portanto, que separemos o autor de sua obra para que analisemos a
segunda de maneira dissociada, como se uma coisa fosse totalmente desconectada da outra.
É comum encontrarmos pesquisas que procuram separar o autor de sua obra,
compreendendo que ambos os elementos são independentes. Para citar um pequeno exemplo
disso, citaremos um artigo sobre Jorge de Lima, publicado em 2016 na Recorte – Revista
eletrônica, do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Vale do Rio Verde,
intitulado “A escrita do eu: uma análise de Minhas memórias, de Jorge de Lima. O texto é de
autoria de Virginia da Silva Santos e Gilda Vilela Brandão, ambas da Universidade Federal de
Alagoas, estado onde o autor que aqui estudamos nasceu e viveu por muitos anos. No artigo, a
orientanda (mestre) e a professora doutora (titular do departamento de letras daquela
universidade) defendem – com base em alguns teóricos – que a memória é também literatura e
que, portanto, a entrevista que Jorge de Lima concedeu ao jornalista Homero Sena, em 1945,
estaria repleta de elementos literários. Nas considerações finais, afirmam:
o texto Minhas memórias é um exemplo de como a ligação entre literatura e
memória vai além da superfície do texto, visto que foi tecido de lembranças do
autor, mas também tecido de outros textos, outras lembranças que não eram apenas
14
as de Jorge de Lima, e também de elementos ficcionais, sendo Minhas memórias
uma colagem em que ficção e realidade se sobrepõem, tal qual as memórias que
também temos (DA SILVA SANTOS & BRANDÃO, 2016, p. 19).
No artigo mencionado acima, as autoras superestimam ao máximo a capacidade
individual do autor e de sua memória e não citam em nenhum momento a sociedade da qual
ele fazia parte. Colocam o texto, ou seja, a obra de Jorge de Lima em destaque como se ela
fosse descolada da realidade. Consideram a memória como literatura, como texto, e composta
por outros textos, mas não percebem que parte dessas vozes provém das redes de
interdependência que prendiam o autor aos grupos sociais dos quais ele fazia parte. O próprio
título do artigo já remete a essa ideia de isolamento do indivíduo, uma vez que “A escrita do
eu” subentende um indivíduo independente, livre de amarras sociais. Ao contrário das autoras,
afirmamos que Jorge de Lima era um indivíduo com relativa autonomia no que diz respeito à
sua criação literária, porém não podemos separar autor e obra dessa maneira, como se fossem
elementos independentes e até mesmo excludentes. Jorge de Lima foi influenciado por
processos sociais, transitou em muitas figurações e exerceu funções sociais diversas, sendo
que todas as suas ações como indivíduo formaram o seu habitus social (ELIAS, 1993), o qual
determinou sua criação artística.
Nessa mesma direção, é comum apreciadores de arte, de música, de literatura, de
ciência e até de esportes, se referirem a alguma pessoa que se destaque num desses campos
como “gênio” porque estariam bem acima de outros seres humanos, possuindo habilidades,
dons transcendentais que os fariam de alguma forma indivíduos extraordinários. Sobre isso,
Elias afirma:
com frequência nos deparamos com a ideia de que a maturação do talento de um
“gênio” é um processo autônomo, “interior”, que acontece de modo mais ou menos
isolado do destino humano, do indivíduo em questão. Esta ideia está associada a
outra noção comum, a de que a criação de grandes obras de arte é independente da
existência social de seu criador, de seu desenvolvimento e experiência como ser
humano no meio de outros seres humanos (ELIAS, 1995, p. 53).
Ao realizar uma pesquisa sobre Mozart, Elias concluiu que essa habitual associação
dele com a ideia de “gênio” é uma “comum deificação dos ‘grandes’ homens, cuja outra face
é o desprezo pelas pessoas comuns”, pois, elevando-se tais pessoas acima da medida humana,
“reduzem-se as outras a um nível abaixo dela” (ELIAS, 1995, p. 54). Elias defende a tese de
que só existiu um Mozart, com toda sua obra universal reconhecida pelo cânone da música,
porque houve uma série de processos sociais que o levaram a ser esse “gênio” muito acima da
média. Por exemplo, Mozart era um músico burguês outsider (conceito do qual falaremos
15
mais adiante) convivendo numa corte que muitas vezes não reconhecia o seu trabalho; além
disso, ele sofria pressão do pai para que adquirisse um comportamento mais polido e afeito
aos modos da corte, mas ele não se enquadrava naquele tipo de sociedade e procurava de
várias maneiras a autonomia. Acabou rompendo com o seu patrono, o príncipe-bispo de
Salzburgo, em 1777, aos 21 anos, algo considerado insensato naquele tipo de conjuntura.
Tentou a sorte como músico autônomo em uma sociedade em que isso era inviável e, segundo
Elias, essa liberdade relativa, que destruiu a sua vida social e o matou prematuramente, aos 35
anos, foi responsável pela constituição de sua inusitada obra musical (ELIAS, 1995). Mozart
tinha rusgas com o pai, problemas com mulheres, humilhações nas cortes, problemas
financeiros e muito fluxo-fantasia para liberar por meio de sublimação. A música era a sua
fuga da realidade. Ao mesmo tempo, era essa sociedade da qual ele fazia parte a responsável
pela existência do “gênio” Mozart. Portanto, as figurações sociais pelas quais ele passou
influenciaram em muito nas suas realizações como artista.
O poeta também não está livre das amarras sociais. E nunca esteve. Como indivíduo
que é, fica preso à teia social e a partir dela produz. No Antigo Regime, no Ocidente, qualquer
indivíduo que vivesse numa corte deveria saber escrever poemas. O cortesão deveria
conseguir dançar, se portar à mesa, entender de esgrima e também rabiscar alguns versos.
Tudo o que a pessoa escrevia era direcionado para um público muito bem conhecido: os
membros daquela sociedade de corte. Os poetas da corte provinham dela, enquanto músicos,
pintores, escultores, arquitetos e demais artistas, que também participavam daquela figuração
social, pertenciam a grupos menos abastados em termos de recursos financeiros (ELIAS,
1994). Dessa forma, o poeta da corte tinha uma relação muito próxima de seu público, que
também era produtor. O pêndulo estava fortemente se movimentando para a coletividade. No
entanto, na virada do século XVIII para o XIX, e durante todo o século XIX, e daí em diante,
um processo de individuação constante forçou o peso do pêndulo no indivíduo. O poeta,
portanto, sente-se agora mais “livre” para criar e experimentar. Surge a figura do artista
desligada da ideia de artesão, aquele que precisava de patrono para sobreviver. O artista é
relativamente autônomo a partir do século XIX. Segundo Elias:
quando, em conjunção com um impulso rumo a uma maior democratização e a
correspondente ampliação do mercado de arte, a relação de poder entre produtores e
consumidores de arte gradualmente veio a pender em favor dos primeiros, chegamos
a uma situação tal como se pode observar em alguns ramos da arte no século XX –
especialmente na pintura, mas também na música de elite e mesmo na música
popular. Neste caso, o padrão social dominante de arte é constituído de tal maneira
que o artista individual tem muito mais espaço para a experimentação e a
16
improvisação autorregulada, individual. Comparado ao artista artesão, na
manipulação das formas simbólicas de sua arte ele dispõe de liberdade bem maior
para seguir sua compreensão pessoal dos padrões sequenciais, sua expressividade e
seu próprio sentimento e gosto, que se tornaram altamente individualizados (ELIAS,
1995, p.50).
No campo da escrita, mais precisamente da poesia, o autor passou a depender do
mercado de publicação. Com relação ao Brasil, Antonio Candido chama de “sistema literário”
a junção de três elementos: 1) conjunto de produtores mais ou menos conscientes de seu
papel; 2) conjunto de receptores; 3) mecanismo transmissor. Além disso, deveria haver uma
continuidade literária para unir tais elementos do sistema, configurando uma tradição
(CANDIDO, 2000). Portanto, o poeta do século XX, diferente do poeta da corte no Antigo
Regime, desfrutava de maior liberdade relativa advinda da individuação dos novos ares
democráticos. No entanto, como alertam vários teóricos da produção artística, principalmente
aqueles ligados à reflexão sobre o desenvolvimento da cultura do século XX em diante, a
Indústria Cultural passou a determinar os padrões pelos quais as obras deveriam se enquadrar
no mercado (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Não queremos afirmar com isso que o
mercado engessava totalmente a obra de alguém como Jorge de Lima, por exemplo, e
determinava toda a direção de seu fluxo-fantasia. Todavia, era um dado relevante no momento
da produção escrita, pois, como já afirmamos reiteradamente, não há indivíduo isolado da
sociedade.
Portanto, na elaboração dos Poemas Negros pelo autor, há vários fatores que devem
ser levados em conta, não só a sua criatividade, sua memória, outros textos que ele leu, suas
influências e percepções, mas suas posições sociais em várias figurações às quais pertenceu.
Devemos também pensar no seu papel social como médico e poeta alagoano e em sua
transferência para o Rio de Janeiro, a Capital Federal, onde se tornou vereador. Jorge de
Lima, de certa forma, passou de outsider a estabelecido, saindo do Nordeste para o centro do
poder nacional, vivendo num período bastante conturbado historicamente no Brasil. Viveu os
anos 1930, toda a Era Vargas e foi opositor dele, em 1945, aliando-se à União Democrática
Nacional, pela qual se tornou vereador no ano de lançamento da obra por nós analisada. Entre
as décadas de 1920 e 1940, Jorge de Lima viveu o modernismo no Brasil e também viu a
recessão mundial, o pós-Primeira Guerra, o totalitarismo e a Segunda Guerra. Todos esses
processos sociais são imprescindíveis para a produção da obra literária em questão, pois
fazem parte do indivíduo, do humano Jorge de Lima, configurando o seu habitus social.
17
2.2 ALAGOAS: MÉDICO E POETA OUTSIDER
O conceito de outsider por nós aqui levantado é proveniente da reflexão eliasiana
acerca da relação entre aqueles que se estabeleceram antes em uma determinada figuração e
aqueles que chegaram depois. Os primeiros, geralmente, adquirem coesão, senso de
pertencimento, maior dependência uns dos outros e acabam por se tornarem estabelecidos
enquanto os segundos passam a ser vistos como intrusos, forasteiros, e acabam por receberem
estigmas por não conseguirem tanta coesão social e integração quanto o primeiro grupo
(ELIAS, 2000).
Toda a obra de Norbert Elias perscrutou o conceito de estabelecidos e outsiders. Em A
Sociedade de Corte, o sociólogo percebeu como os membros da corte francesa de Luís XIV
viviam presos na lógica do prestígio e da etiqueta, circulando em torno do rei, procurando
distinção social frente àqueles que estavam fora daquela sociedade, os outsiders, pequenos
burgueses e camponeses que eram considerados rústicos, sem polidez de costumes e sem
cultura por parte dos membros do establishment (ELIAS, 2001). Nos dois volumes de O
processo civilizador, o autor verifica como no ocidente, na passagem da época medieval para
a época moderna, e do século XVIII para o XIX, houve um abrandamento das pulsões dos
indivíduos que participavam dos círculos sociais mais abastados. Assim, houve a gradual
transformação do guerreiro medieval em cortesão na época moderna. No século XIX,
burgueses acabaram por copiar padrões de comportamento, como a etiqueta, que antes
pertenciam exclusivamente à aristocracia. Dessa maneira, tais figurações sociais se
distinguiram, durante todo o processo civilizador, daqueles grupos sociais que ainda
mantinham a rusticidade do comportamento. Os grupos menos polidos eram estigmatizados,
sendo considerados outsiders, dependendo da sociedade na qual eles estavam configurados
(ELIAS, 1993).
Portanto, em várias obras da sociologia eliasiana (e poderíamos citar várias outras) há
o conceito de estabelecidos e outsiders. Contudo, no livro Os estabelecidos e os outsiders,
fica bastante clara a importância dessa teoria para o pensamento sociológico. Elias foi até uma
comunidade de operários próxima a Londres, que ele denominou de Winston Parva (de
maneira fictícia). Lá observou que os residentes que haviam chegado antes na região tinham
uma certa coesão social e um senso de pertencimento. Eles construíram fortes laços sociais e,
de certa forma, dominaram aquele território, considerando-o como deles, dos estabelecidos
antes. Os que chegaram depois foram considerados como forasteiros pelos primeiros. Os
18
primeiros passaram a estigmatizá-los. Diziam que eram sujos, que não tinham coesão, que
eram desocupados, estranhos e espalhavam boatos a respeito dos outsiders. O mais
interessante da análise eliasiana é que ambos os grupos faziam parte daquilo que os marxistas
chamariam de classe operária, ou proletários. Além disso, eles não tinham grande diferença de
renda e nada que justificasse as distinções sociais entre os grupos senão o fato de uns terem
chegado antes e outros depois naquela figuração. Outro elemento interessante da pesquisa de
Elias é a forma como tanto o establishment quanto os outsiders acreditavam em seus critérios
de distinção. Os primeiros realmente se achavam superiores aos segundos, enquanto os
segundos compreendiam que estavam muito abaixo dos primeiros em muitos quesitos,
reconhecendo sua inferioridade. Contudo, o que talvez seja mais importante na teoria
sociológica de Norbert Elias e que retomaremos várias vezes é a ideia de interdependência
entre os grupos nas inúmeras figurações sociais existentes numa dada sociedade (ELIAS,
2000).
Seja na sociedade de corte, como na relação entre proletários e burgueses na Era
Industrial, ou entre os estabelecidos e os outsiders de Winston Parva, e entre indivíduo e
sociedade para falarmos de maneira geral, o mais importante na teoria eliasiana é a questão da
interdependência entre os grupos dentro de uma figuração e fora dela. O poeta depende,
portanto, do mercado, de seu público, de outros autores, da sociedade, da sua família, de
vários elementos, que se estabelecem no interior de sua vida, e o auxiliam no processo de
escrever. Jorge de Lima era médico, poeta, pintor e se tornou político no decorrer do tempo.
Além disso, se considerarmos sua posição social na época de seu nascimento e de sua
formação como médico, ele era também um outsider.
Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares, no estado de Alagoas, em 1893. Viver
no Nordeste no início do século XX significava personificar o regionalismo, pois foi um
momento em que se construiu a imagem cultural que temos agora daquele território
(ALBUQUERQUE; RAGO, 1999). Na época do Brasil colonial e imperial, era mais comum a
divisão espacial das capitanias, províncias e, posteriormente, estados, em aqueles que estavam
ao norte e aqueles que ficavam mais ao sul. Somente após a Primeira Guerra mundial é que
houve uma reconfiguração espacial brasileira e se construiu a imagem regional do Nordeste,
baseada na memória da cultura do povo do sertão da Bahia, Pernambuco e de seu folclore.
Resgataram-se os escritos de Euclides da Cunha e o sertanismo, bem como o regionalismo de
Gilberto Freyre, que fez muitos adeptos, pois enfatizava a importância daquela região recém
19
construída no imaginário popular para o cenário nacional (ALBUQUERQUE; RAGO, 1999).
Entretanto, se no Nordeste havia cultura, folclore, axé, entre outros elementos exóticos, nele
também havia resquícios de escravidão, de patriarcalismo, do passado colonial e imperial, ou
seja, daquilo que parte dos modernistas queriam deixar de lado. Além do mais, se o Nordeste
era a terra da cultura, o Rio de Janeiro era a terra do poder, a Capital Federal. É nesse sentido
que podemos afirmar que Jorge de Lima pode ser considerado um outsider, se levarmos em
conta todo o cenário nacional no início de sua carreira como poeta e como médico em
Maceió.
Sobre a primeira coletânea de poemas lançada por Jorge de Lima, ainda em Maceió,
em 1914, Alfredo Bosi afirma:
O jovem poeta parnasiano dos XIV Alexandrinos, eleito príncipe dos poetas
alagoanos, vive uma atmosfera literária provinciana, epigônica. A linguagem é
convencional, toda emprestada dos assuntos e fraseios de uma escrita que se repete
entre escolar e sentenciosa, sem um sopro de experiência pessoal (BOSI, 2016,
p.183).
O problema da perspectiva de Alfredo Bosi é que ele sempre tenta encaixar o autor em
movimentos literários determinados e vê o indivíduo poeta num eterno processo de evolução
progressiva do estilo. No entanto, pensar autores por um tipo de escalonamento e por
movimentos literários pode ser imprescindível para que os entendamos, pois as generalizações
são muito importantes para a melhor compreensão de alguns tipos de pensamento. Contudo,
se refletirmos dessa maneira, o Jorge de Lima de Maceió será sempre o jovem e imaturo poeta
provinciano, enquanto o Jorge de Lima da Capital Federal será o experiente poeta que criou a
Invenção de Orfeu. Ao não se refletir sobre as posições sociais e figurações específicas nas
quais os indivíduos poetas estabeleciam suas relações com outros indivíduos, cabe ao crítico
literário tecer deduções sobre obras com outras obras e movimentos literários, tentando
encaixar nas gavetas adequadas quais características de determinado estilo se enquadram nele,
isolando, separando, dessa maneira, autor e obra.
Nossa visão aqui, entretanto, é outra. Acreditamos que provavelmente Jorge de Lima
fosse um autor menos experiente quando ainda estava em Alagoas, e nesse ponto
concordamos com Bosi. Contudo, acrescentamos o fato dele ser um outsider a esse tipo de
perspectiva. Também não acreditamos que haja um tipo de progressão gradual – em uma
essência mais positivista – do estilo do autor, e que a experiência leve os poetas a cada vez
mais melhorarem os seus trabalhos. Há várias questões que determinam a produção,
20
publicação e recepção de uma obra. O poeta, portanto, está preso a uma rede de
interdependência e também sofre um processo social de amadurecimento da infância à vida
adulta, de modo que todos esses elementos acabam por preencher o seu habitus social e
interferir na condução do seu fluxo-fantasia nos vários momentos de sua vida.
Em Maceió, capital de Alagoas, o poeta Jorge de Lima também era um homem da
ciência. Era um médico com consultório fixo na rua Angelo Netto, 256, como aparece em
vários volumes do jornal O Semeador (1916). Também nos anúncios do Diário do Povo
(1916) também pode ser achado o Dr. Jorge de Lima, o médico que faz aplicações da “injeção
914”, uma prática muito inovadora no combate à sífilis. Dissemos que Jorge de Lima era um
homem da ciência, mas da ciência de laboratório, de gabinete. Isolado em seu consultório,
realizava exames, aplicava injeções e fazia seu papel de médico entre 7 e meia e 10 horas da
manhã. Peter e Revel separam em dois tipos os médicos desse início do século XX: os de
gabinete e os que saíam às ruas. Os primeiros utilizavam de um método mais quantitativo e
cauteloso. Os segundos eram exploradores e qualitativos, enfrentando os problemas sociais
face a face (PETER; REVEL, 1988). Na Primeira República, como bem aponta Nicolau
Sevcenko, o governo precisou bastante dos médicos exploradores, pois necessitava realizar
campanhas para imunizar a população de diversas epidemias que assolavam a sociedade,
principalmente nas grandes cidades (SEVCENKO, 2003). Contudo, Maceió estava longe de
ser o Rio de Janeiro. Jorge de Lima estava à margem do centro do poder, de onde se difundia
também o que mais se admirava em termos de literatura nacional.
Apesar de estar à margem, Jorge de Lima tentava se reinventar. De acordo com Fábio
de Souza Andrade:
no período entre os dois primeiros livros, depois de uma guerra e uma revolução
estética, Jorge de Lima ressurge completamente outro. O jovem parnasiano dos XIV
Alexandrinos que fazia uma poesia exclamativa, tomada pelos imperativos e
infinitivos, de exortação moral e alto teor de abstração, marcada pelos versos de
ocasião e pelos exercícios de virtuosismo verbal, abandona em Poemas (1927), de
uma só vez, o tom sentencioso, os temas convencionais e as regras parnasianas para
abraçar o projeto modernista de “cantar sua terra” (DE SOUZA ANDRADE, 1997,
p. 23-24).
No trecho acima, Fábio de Souza Andrade não vê, como Bosi, apenas imaturidade na
fase preliminar de Jorge de Lima, mas mudança estética. Para ele, o poeta abandonou o
parnasianismo e passou a ser modernista a partir de então. Não entendemos de maneira assim
tão mecânica o encaixe de um autor a uma escola literária específica, mas também
21
concordamos com a ideia de que provavelmente Jorge de Lima mudou o seu estilo de escrever
com o tempo e passou a experimentar novas formas e conteúdos poéticos. Ademais, o médico,
poeta e artista plástico seguiu a tendência do momento, a efervescência do modernismo, sem
antes deixar também se influenciar por sua condição de outsider, por se encontrar em região
marginal, o Nordeste.
Um detalhe que não podemos deixar de mencionar é o fato de Jorge de Lima ter sido
outsider e estabelecido ao mesmo tempo. Ele era outsider da perspectiva nacional do poder e
da ênfase que se dava a produções literárias provindas de regiões mais centrais, como o Rio
de Janeiro. Contudo, Jorge de Lima era um homem de elite. Ser médico no século XX já era
uma profissão liberal burguesa que gerava lucro e permitia a um indivíduo adquirir certo
prestígio social. As famílias mais abastadas das zonas urbanas geralmente colocavam seus
filhos nas escolas de medicina, direito e engenharia, pois eram as profissões das elites
urbanas. Não é à toa que Jorge de Lima tem anúncios de seu consultório nos jornais de
Maceió em destaque a partir do ano de 1916. Também não é à toa que em seu casamento, na
coluna social do Diário do Povo (1916) é informado que “brevemente seguirá para a capital
do Estado do Pará, onde vai realizar o seu casamento, o ilustre e jovem clínico conterrâneo
Dr. Jorge de Lima”.
Na figuração social da cidade de Maceió, Jorge de Lima, o jovem e ilustre médico, o
doutor clínico ilustríssimo, era um estabelecido filho da elite local. Para conseguir
visibilidade nacional, deixar de ser um outsider em termos de Brasil, teria de se deslocar, ir
para a Capital Federal, mostrar sua arte, sua ciência e seu potencial. E também levar um
pouco daquele Nordeste recém inventado. De lá do centro real de poder, quem sabe
conseguiria se tornar um verdadeiro estabelecido, com mais contatos sociais e até mesmo
políticos. Muitas oportunidades poderiam existir nesse tipo de aventura desconhecida. E
assim, o poeta abandona a sua terra, mas a leva consigo para o Rio de Janeiro, onde vai fazer
realçar o Nordeste visto de longe, do meio urbano. De lá que nascerão os Poemas Negros.
2.3 RIO DE JANEIRO: UMA CAPITAL FEDERAL PARA UM POLÍTICO, MÉDICO E
POETA ESTABELECIDO
Antes de se estabelecer no Rio de Janeiro, Jorge de Lima publicou ainda em Maceió
alguns poemas que já eram comentados por certos críticos. Principalmente alguns que
levantavam a questão do regionalismo de sua poesia. No Diário de Pernambuco (1928), em
13 de maio de 1928, um crítico se queixava de que o jornal havia divulgado recentemente um
22
livro de Gilberto Freyre que seria “notável”, mas que teria interessado “muito pouca gente”.
Para ele, Vida Social do Nordeste era um trabalho extraordinário pela “reconstituição perfeita
dos vários aspectos da vida nordestina”. No entanto, “a repercussão nacional que o livro teve
foi mais que limitada”. O que ainda deixava o crítico animado era o fato de que o “ensaio de
Gilberto, tão pouco lido e tão pouco divulgado, está desenvolvendo entre nós uma verdadeira
literatura que se tem publicado no Nordeste”. Depois de A Bagaceira, de José Américo, era a
vez de Jorge de Lima, com seus poemas “Essa negra fulô e Banguê”, os quais, para o crítico,
“são também inspirados no estudo do escritor pernambucano.
A seguir o crítico tenta provar como os poemas são inspirados no trabalho de Gilberto
Freyre, comparando trechos do livro do sociólogo com trechos dos poemas:
escreveu Gilberto: “perdeu a paisagem aquele seu ar ingênuo dos flagrantes de
Koster e de Hinderson para adquirir o das modernas fotográficas e avenidas...” “Já
se não sucedem entre léguas de canaviais os casarões vastos de outrora, de uma
alvura franciscana de cal e às vezes de cor de ocre amarelo, tendo perto o longo
telheiro avermelhado do engenho e a casa de purgar e a de farinha a capela também
muito branca de cal: elevando-se usinas. Os arrivistas da paisagem fumando
insolentemente charutos negros, enormes...”
Pois, Jorge de Lima, encantadoramente, em verso, essas ideias:
“Cadê você meu país Nordeste
Que eu não vi nessa usina Central
Leão de minha terra?
Ah! Usina, você engoliu os banguezinhos
Do país das Alagoas!
Você é grande, Usina Leão!
Você é forte, Usina Leão!
As suas turbinas tem o diabo no corpo!”
“o meu banguezinho era tão diferente,
Vestidinho de branco, o chapeuzinho
Do telhado sobre os olhos,
Fumando o cigarro do bueiro pra namorar
a mata virgem.” (LIMA, 1928 apud A F1, 1928, p. S/I)
Duas conclusões podemos tirar dessa coluna literária do jornal Diário de Pernambuco:
1) os indivíduos do Nordeste realmente sentiam-se na condição de outsiders quanto em
relação ao centro de poder do país, e o movimento regionalista, reconhecendo a cultura
daquele local como importantíssima na construção da nação, era como um contragolpe à
marginalização e esquecimento do povo nordestino; e 2) os críticos contemporâneos
enxergavam as conexões entre a visão freyreana de Brasil e a obra de Jorge de Lima, ou seja,
desde o início da vida poética do autor alagoano ele foi embebido pela ideia de integração
1 Não há o nome completo do crítico no referido periódico, apenas suas iniciais: A. F.
23
nacional, regionalismo, entre outros temas relacionados com o Nordeste, nunca esquecendo
de sua posição de outsider, vivendo naquela figuração até os anos de 1930.
Sobre a mudança de perspectiva e de estilo no fazer poético de Jorge de Lima entre a
década de 1910 e 1920, Tristão de Ataíde na Coluna Literária de O Jornal (1928), do dia 13
de maio de 1928, afirma:
O sr. Jorge de Lima escrevia versos acadêmicos e cheios de perfeição. Teve horror à
poesia moderna. Mas quando compreendeu o que essa representava de “real”, de
radicalmente oposto ao artificio que os seus adversários querem ver nela – caiu em
si. Penso mesmo que esse “cair em si” é a expressão que convém aquele ritmo de
surpresa de nossa história. O Brasil é um país que vive caindo em si – politicamente,
socialmente, literariamente, etc.
O sr. Jorge de Lima caiu em si e escreveu um livro “Poemas”, aqui resenhado há uns
dois meses – em que havia influencias visíveis, profundas, variadas, dos mais em
vista dos poetas novos que iniciaram o movimento. Mas havia também muita coisa
dele e alguma afirmação mais positiva. Agora publica, em edição restrita, dois
simples poemas. E parece-me, sobretudo no primeiro, que a esperança se confirma.
E que a fase das influências foi apenas uma fase de transição. E que o poeta começa
a tomar conta de si mesmo.
Esses versos de “Essa Negra Fulô” são intensamente brasileiros. Tanto em motivo,
como em ritmo, como em linguagem. Já não se sente o esforço de “fazer brasileiro”,
que havia em muitos dos seus poemas. Há qualquer coisa de impregnado na própria
linguagem e no movimento todo do poema que é realmente saboroso e próprio (O
JORNAL, 1928).
Para Tristão de Ataíde, Jorge de Lima teria se enquadrado no modernismo e esquecido
daquilo que o prendia à forma: o parnasianismo. Ele teria deixado de ser artificial ao encarar a
realidade que o estilo modernista, consequentemente, trazia. Em outra coluna, do ano seguinte
de O Jornal, Ataíde é ainda mais enfático nos elogios que faz para o autor, comparando-o a
Murilo Mendes, que também é enaltecido no dia 14 de abril de 1929:
Tenho em mãos, também, outra série de poemas inéditos e aproveito a oportunidade
para juntar a esses. Se bem que de caráter relativamente diverso. São do sr. Jorge de
Lima, cuja primeira série de “Poemas” me pareceram simplesmente uma vontade de
ser moderno, de acompanhar o movimento, e pouco mais. E que depois nos deu
“Essa Negra Fulô”, em que a personalidade do poeta se fixava consideravelmente
mais. Tenho aqui agora, em folhas datilografadas também, mas sem o mistério dos
outros, numerosos poemas inéditos do poeta nordestino.
Disse que era diferente do sr. Murilo Mendes. E o não é. Sendo outra coisa, sem
dúvida, tem caracteres semelhantes também, como filhos do mesmo tempo e do
mesmo ambiente, senão geográfico ao menos literário. E aquilo de Pascal também se
pode aplicar a este. Essa mesma obsessão um pouco doentia de misticismo e
sensualidade se juntam. Neste aqui mais simples, mais ingênuo, mais poesia
popular. No outro, muito mais cerebral, mais subjetivo, mais de cima da multidão.
Tanto tem um de interior, quanto o outro de exterioridade. O sr. Jorge de Lima
escreve para o povo, coisas do povo, linguagem do povo. Na linguagem sobretudo a
diferença entre ambos é sensível. O autor daqueles estranhos poemas dos sentidos da
morte e do sobrenatural nada tem de “povo” em seu estilo. Ao passo que o sr. Jorge
de Lima, especialmente nos seus poemas nordestinos, que não são os mais
característicos, tem muito e procura dar o sabor das expressões da fala popular. A
preocupação nacionalista mesmo é muito mais viva (O JORNAL, 1929).
24
Ataíde afirma que Jorge de Lima é um poeta diferente de Murilo Mendes porque fala
para o “povo” e é nordestino. Também acredita que a preocupação nacionalista do poeta
alagoano é muito mais viva. Portanto, a visão do contemporâneo Tristão de Ataíde corrobora
com nossa compreensão acerca de enquadrar Jorge de Lima como um poeta outsider que
procurava o establishment. Isso explica o porquê da mudança no estilo, na forma, no
conteúdo. Isso também explica o deslocamento para o Rio de Janeiro, que transformou
também seu habitus social. Ao comparar Murilo Mendes com Jorge de Lima, Ataíde
inclusive antecipa uma grande amizade e influência que o autor terá em sua nova cidade, o
Rio de Janeiro, quando montará um consultório e também ateliê de pintura na Cinelândia a
partir de 1930, ano em que Getúlio Vargas assume a presidência da República no Brasil.
Sobre a mudança de linguagem poética, Fábio de Souza Andrade sustenta que:
As consequências estéticas e ideológicas trazidas por esta mudança à poesia de Jorge
de Lima são inúmeras e merecem um trabalho à parte. Isso vale para sua abordagem
da religião popular, sincrética, diretamente relacionada à sua opção pelo
modernismo regionalista, e para a poesia que registra o funcionamento de uma
cultura multirracial numa sociedade desigual, em que os conflitos são mediados pela
emoção (o homem cordial de Raízes do Brasil na paisagem de Casa-grande e
Senzala). Tecnicamente, as inovações são igualmente importantes: adoção dos
amplos panoramas de inspiração whitmaniana, do verso livre paratático e da
disposição enumerativa.
Do ponto de vista da construção das imagens, o abandono da máquina retórica
parnasiana representou a passagem das alegorias abstratas, comparáveis às fábulas, a
imagens simbólicas, vinculadas à realidade local. Os poemas desta fase – das mais
homogêneas estilisticamente, prolongando-se através de Novos Poemas (1929) e
Poemas Escolhidos (1932) – já têm maior apelo visual, o que nos aproxima da
dicção final, mas ainda com um traço de separação nítido.
Neles, a imagem é simples e transparente, quase sempre recurso descritivo, cuja
força se produz por recursos análogos aos da narrativa cinematográfica: montagem
de imagens descontínuas, planos com maior ou menor grau de detalhe e fidelidade
ao objeto, que produzem, no conjunto, um efeito realista (DE SOUZA ANDRADE,
1997, p. 24).
Para Fábio de Souza Andrade, Jorge de Lima mergulhou no espírito modernista com
toda a força, experimentando toda a sua estética e suas possibilidades, refletindo sobre o
Nordeste e partindo de sua influência acerca de leituras como a de Gilberto Freyre e de Sergio
Buarque de Holanda, dois sociólogos que buscavam interpretar o Brasil naqueles anos 1930.
De Souza Andrade faz uma análise muito semelhante à nossa a respeito da importância da
posição social de Jorge de Lima após sua mudança para o Rio de Janeiro. Sobre isso, ele
assevera:
A segunda transição preparará a passagem do verso realista, objetivo, quase
desprovido de linguagem metafórica, essencial, para o visualismo complexo da fase
final, que funda novas realidades a partir de “impactos olho-coisa, luz-movimento”.
Os fatores que desencadearão as mudanças sensíveis que virão ligam-se à biografia
25
do poeta. Entre a publicação de Novos Poemas e Poemas Escolhidos, Jorge de Lima
troca Maceió pelo Rio de Janeiro, onde encontrará um novo ambiente literário e um
parceiro importante: Murilo Mendes. Seu consultório na Cinelândia assistirá a uma
primeira mudança, de objeto, na poesia realista que praticava então.
A militância de Jorge de Lima como médico de sindicatos no Rio de Janeiro refletiu-
se na sua produção. A realidade operária é vista com olhos muito mais crus do que a
miséria nordestina. Enquanto aquela aparecia contaminada pela proximidade do
olhar, um mundo em que a injustiça era compensada simbolicamente pela atribuição
de poderes mágicos aos oprimidos e sua vinculação a um universo quase mítico,
afetivo, esta conduz a um movimento voluntário de denúncia que, mesmo sincero,
não se alimenta de um simbolismo próprio, forte como o da cultura afro-nordestina,
e resulta numa poesia que se ressente de falta do elemento enigmático (DE SOUZA
ANDRADE, 1997, p. 25).
De acordo com De Souza Andrade, há mais elementos que ligavam Murilo Mendes a
Jorge de Lima e até a Tristão de Ataíde (mencionado anteriormente): o cristianismo. Segundo
De Souza Andrade, houve um renascimento da “militância católica no Centro Dom Vital, no
Rio de Janeiro, em torno de Tristão de Ataíde” que passou a encaminhar uma militância de
cunho social cujo projeto pedagógico teria sido o embrião da futura Universidade do Brasil,
“onde Jorge de Lima foi professor de Literatura Brasileira” (DE SOUZA ANDRADE, 1997,
p. 32).
A forte religiosidade será mais um elemento a se somar na construção do habitus
social de Jorge de Lima e que também estará presente em várias de suas obras. No Rio de
Janeiro, portanto, Jorge de Lima passou a ter um consultório em região central onde se
encontrava com personalidades do meio literário como Murilo Mendes, Graciliano Ramos,
José Lins do Rego. O poeta já havia passado um tempo na Capital Federal na sua fase de
estudante e conhecia bem os ares daquele lugar. Aliás, Jorge de Lima já havia conhecido
várias regiões do Brasil, pois provinha de família rica. No entanto, considerava-se outsider até
o momento em que se fixou permanentemente no centro do poder político da República
brasileira, em pleno governo varguista. Ele também já havia sido deputado estadual em
Alagoas, entre 1918 e 1922, mas não havia visibilidade à margem do poder central. Na
Capital Federal, poderia encontrar o establishment nos campos artístico, político, econômico e
até religioso, deixando sua marca no cenário nacional.
Jorge de Lima tentou por seis vezes entrar na Academia Brasileira de Letras (ABL) e
foi rejeitado, o que ocorreu entre os anos de 1937 e 1945. Acabou morrendo com essa
frustração, mesmo tendo sido amado pelo público e pela crítica (DE SOUZA ANDRADE,
1997). Talvez por isso, a cada nova obra do autor, novos elementos apareciam e mais
experimentação surgia. No entanto, vale lembrar que Jorge de Lima convivia com indivíduos
26
em uma figuração social complexa, a partir dos anos 1930, entre artistas, médicos, pessoas de
elite, operários, religiosos e políticos, o que influenciava sua produção artística. Então, essa
influência do social se somava com a vontade constante de reconhecimento no meio literário,
e por isso as tentativas de adentrar na ABL. Por mais que Jorge de Lima estivesse na Capital
Federal e fosse um membro do establishment médico e literário, ainda faltava aquilo para sua
consagração. Ele ainda era um poeta outsider nesse sentido, mesmo sendo reconhecido pelo
público e pela crítica.
Faltava também se estabelecer como político. Isso ocorreu em 1947, ano de
lançamento dos Poemas Negros. Jorge de Lima se filiou à União Democrática Nacional
(UDN), partido antivarguista e bastante conservador, pelo qual foi presidente da Câmara de
Vereadores do Distrito Federal até 1950 (DE SOUZA ANDRADE, 1997). Tanto o
lançamento do livro quanto a comunicação da vitória nas eleições municipais foram
anunciados nos principais jornais locais em 1947, como no periódico A Noite (1947), que no
dia 20 de março de 1947 convidava “os amigos e admiradores do escritor Jorge de Lima” a
“homenageá-lo no dia 23 de abril próximo, data do seu aniversário”. O poeta, apesar de não
ter sido escolhido membro da ABL ainda, se sentia realizado, de certa maneira, por se
encontrar finalmente estabelecido no centro de poder da República brasileira.
Um ano antes desse anúncio, um fato inusitado: o periódico Diário de Notícias (1946)
publica no dia 7 de julho o lançamento de um livro chamado “Essa Negra Fulô”. A notícia
informa que:
já a Livraria Agir anuncia uma estreia, a da senhora Lucia Mulholland, com um
romance cujo título é o mesmo do conhecido poema de Jorge de Lima, “Essa Negra
Fulô”. Pergunta-se: não será Lucia Mulholland um simples pseudônimo do poeta?
(DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1946, p. 2).
Numa edição de outubro, o livro aparece na coluna de lançamentos, estando logo abaixo de O
lustre, de Clarice Lispector, que era vendido por Cr$ 28,00, enquanto Essa Negra Fulô era
vendido por Cr$ 20,00. Ambas as obras estão na parte denominada “romances atraentes” da
editora Agir (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1946).
Não podemos afirmar com toda a certeza que o livro em questão era de Jorge de Lima,
mas tudo leva a crer que sim, pois o autor já estaria familiarizado com várias estratégias
ligadas àquela figuração social na qual ele era um membro estabelecido. O fato é que em
1947, ano de lançamento de Poemas Negros, Jorge de Lima sentia-se um poeta preparado
para enfrentar não só o mundo literário de uma posição central, mas também o mundo
27
político, quando assumiu um cargo no centro do poder do país logo após a queda do governo
Vargas. E pela UDN, Jorge de Lima tornou-se presidente da Câmara de Vereadores. Ainda
continuava exercendo a profissão de médico, poeta e artista plástico. Um homem de múltiplas
habilidades. Exercendo todas ao mesmo tempo, Jorge de Lima construía seu habitus social e
produzia seus poemas.
2.4 OS POEMAS NEGROS COMO RESULTADO DA INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O
“NÓS” E O “EU”
No estudo de biografias, é muito frequente a construção de uma sucessão linear de
acontecimentos nas trajetórias de vida de indivíduos singulares. Constrói-se um modelo
progressivo de vitórias, semelhantes à jornada do herói romântico, com percursos que são
quase preexistentes e engessam a real ação dos indivíduos. Nessas trajetórias, os indivíduos
quase não cometem falhas, ou se cometem, é como se tais falhas fossem apenas um pequeno
tropeço diante de uma conquista cada vez maior. Assim, progressiva e positivamente, o
indivíduo segue sua trajetória adquirindo cada vez mais experiência e driblando todos os
obstáculos que aparecem em sua vida, cabendo ao biógrafo apenas saber quais momentos
deve colar em cada sequência sucessiva de vitórias individuais de seu herói super-humano.
Esse tipo de perspectiva é chamada por Pierre Bourdieu de Ilusão Biográfica (BOURDIEU,
1996).
Para Bourdieu, os indivíduos, ou, na nomenclatura do autor, os agentes, falham,
tropeçam, estão o tempo todo propensos ao acaso. Os agentes disputam poder e prestígio,
procurando cada vez mais subir nas hierarquias dos campos sociais, adquirindo capital
simbólico nos espaços em disputa. Esses agentes criam estratégias que podem ou não dar
certo. As biografias, portanto, segundo o autor, deveriam levar em conta essa dimensão do
acaso, dos erros, das múltiplas escolhas e das disputas dos agentes nos campos específicos nos
quais tais sujeitos lutam pelo capital simbólico (BOURDIEU, 1996).
Nossa proposta é semelhante à de Bourdieu, mas o conceito de figuração eliasiano não
fica preso à noção de campo, mas leva em conta a interdependência dos indivíduos presos a
uma teia de poder em constante equilíbrio instável. Também não se opta por se pensar
somente no indivíduo ou na sociedade da qual ele faz parte, como já dito, mas, em ambos,
reciprocamente, num continuum funcional. Alguns indivíduos têm maior capacidade de
retenção de poder, outros têm menos. Pode haver uma relação de disputa entre grupos mais
28
coesos e menos coesos, que tendem a procurar critérios de distinção baseados em símbolos de
prestígio e status. Assim, surgem os conceitos de establishment e outsiders, por nós já
mencionados.
Jorge de Lima escreveu os Poemas Negros entre 1927 e 1947. Porém, há na obra todo
o processo social pelo qual o autor passou. Os poemas que já haviam sido publicados e
elogiados, mais os novos poemas, formam uma gama de lirismo que só poderia ser possível
de ser produzido por alguém que passou por aquelas figurações sociais pelas quais Jorge de
Lima esteve. Poemas Negros não é produzida apenas pelo indivíduo poeta, mas também pela
parte social que existe dentro da mente do escritor alagoano. Há na obra o médico, o poeta, o
político e o artista plástico outsider, por se encontrar no Nordeste no início de sua carreira.
Por isso, conseguiu entender o negro como também um outsider na sociedade do Brasil
colonial e imperial. Deixou-se influenciar pelo regionalismo e pelo manifesto nordestino de
Gilberto Freyre, inclusive insistindo no mito da democracia racial, do qual falaremos mais
adiante. O sociólogo pernambucano chegou a prefaciar o livro de Jorge de Lima. Há também
na obra o filho da elite local alagoana. O burguês estabelecido que tinha um consultório e que
podia viajar para o Rio de Janeiro a estudos, ou para a Bahia, ou para qualquer lugar que
quisesse.
O Jorge de Lima de Maceió, nesse sentido, que sem muito esforço conseguiu se eleger
deputado estadual na periferia do poder. Porém, nunca conseguiu se eleger para a Academia
Brasileira de Letras. Com relação a ela, sempre foi um outsider. Foi para o Rio de Janeiro, o
Distrito Federal, onde manteve um consultório na Cinelândia, onde também funcionava um
ateliê. Encontrava artistas, músicos, políticos, pessoas de elite e também proletários. Levou o
Nordeste até o Rio de Janeiro, e lá difundiu alguns preceitos do regionalismo e da democracia
racial. Também fez muitos amigos, como Murilo Mendes e tornou-se católico fervoroso. Era
anti-Getúlio Vargas. Filiou-se à UDN, na qual tornou-se vereador e presidente da câmara. Tal
fato ocorreu em 1947. No topo da carreira política, em pleno aniversário e sentindo-se
estabelecido na sociedade carioca, recebendo elogios de amigos e admiradores, da crítica e de
vários leitores, comemorou o lançamento do seu livro Poemas Negros, na noite de 23 de abril
de 1947.
Todos os acontecimentos mencionados importam para a constituição do habitus social
de Jorge de Lima e, como já dissemos, autor e obra não podem ser vistos de maneira isolada.
Portanto, Poemas Negros não poderia ter existido sem todos esses fatores sociais vistos
29
conjuntamente, pois todas as figurações sociais às quais o autor pertenceu – e toda a pressão
social exercida sobre ele – tiveram resultado na confecção final de sua obra. Além disso, não
devemos deixar de pensar no mercado editorial, as estratégias de venda, o marketing, que é
outro tipo de pressão social pelo qual o poeta também passava.
Diante dessa perspectiva até aqui apresentada, seria difícil pensar na obra em questão
de maneira separada do homem Jorge de Lima. Ambos são interdependentes. Além dessa
dimensão social, ainda há a dimensão literária, tão apreciada por alguns pesquisadores que
preferem pensar no texto pelo texto e acabam por esquecer do indivíduo como produtor
daquele artefato comunicativo. O autor está, portanto, preso à sua trajetória, preso às redes de
interdependência e também tem uma formação como leitor de outras obras. Assim, ao
produzir uma obra, está em jogo uma gama de possibilidades relacionadas com o social e com
o individual, num equilíbrio instável. É por isso a dificuldade de se dizer ao certo se algum
elemento de um poema provém de uma experiência mais social ou mais individual do autor,
ou se é apenas fruto de sua imaginação e criação. Não há como separar tais elementos, pois
todos fazem parte do mesmo continuum funcional que ora pende para um lado e ora pende
para o outro. Cabe ao analista compreender que não se pode isolar um dos componentes desse
complexo sistema de criação poética, que também está relacionado à eterna interdependência
entre o “nós” e o “eu”.
30
3 MANIFESTO REGIONALISTA, GILBERTO FREYRE E OS POEMAS NEGROS
DE JORGE DE LIMA
Neste capítulo, trataremos das relações entre Jorge de Lima e Gilberto Freyre. Com
isso, pretendemos vincular a obra Poemas Negros com os preceitos freyreanos presentes no
manifesto regionalista e em outros trabalhos, como Casa Grande e Senzala, que trazem em si
a discussão acerca da democracia racial no Brasil. Acreditamos que o poeta alagoano se
deixou influenciar por grande parte da visão de Freyre, pois ambos foram outsiders da mesma
figuração social: o Nordeste. Os próprios contemporâneos viam nos escritos de Jorge de Lima
tais influências, ainda na publicação de Essa Negra Fulô, no final da década de 1920.
Portanto, o nacionalismo modernista, porém, com um modernismo voltado para a província,
ou para o regionalismo, somado com a ideia da harmonia das “raças”, é uma das
características marcantes de Poemas Negros. Há também a religiosidade voltada para o
sincretismo e uma imagem da África e do africano como dois elementos que vieram para
contribuir para a formação da nação brasileira, escancarando a ideologia nacionalista das
décadas da Era Vargas.
3.1 O BRASIL E A SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA: HISTÓRIA E LITERATURA
A República tinha sido uma utopia não realizada por boa parte da população brasileira.
Muitos ânimos se exaltaram com a queda do Império, em 1889, mas poucas foram as
mudanças efetivas após a troca do governo, como ironiza Machado de Assis numa das
passagens de Esaú e Jacó. Na verdade, o que houve foi o fortalecimento das oligarquias
agrárias, o chamado coronelismo (FERNANDES, 2006). A tão aclamada democracia, o ideal
burguês pretendido desde o século XVIII pelos iluministas franceses e defendida pelos
americanos desde 1776, ainda não ocorria na prática. O contrato social de Rousseau, o
otimismo dos positivistas, a confiança no liberalismo, nada disso funcionava na prática no
território brasileiro. Aqui era a terra dos coronéis, do voto de cabresto, das tocaias, do
fantasma do passado colonial, ou seja, o passado sempre batendo à porta.
A República tornou-se uma imposição à sociedade. O massacre de Canudos,
denunciado por Euclides da Cunha, foi um primeiro alerta de que os rumos do país não
estavam no eixo. Foram várias revoltas ocorridas no período, como a da Vacina, e do
Contestado (SEVCENKO, 2003). Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto
deixava escancarada a ideia de que a utopia da República havia caído por terra: o Brasil era
um país pobre, com problemas estruturais, com uma democracia capenga e que não sabia
31
como resolver o problema de sua cultura nacional, colonizada por europeus. O país precisava
se redescobrir, redescobrir, de alguma forma, seu orgulho, mas não com o exagero daqueles
que apenas fingiam ser ufanistas, como critica Lima Barreto. O Brasil precisava de pessoas
sinceras como Policarpo Quaresma, indivíduos sem máscaras.
Com o espírito de renovação, transformação, mudança, que em 1922 ocorreu a
Semana de Arte Moderna em São Paulo. Manuel Bandeira ataca com Os Sapos todo o atraso
que ele acreditava existir na literatura e que se refletia na sociedade brasileira. Com isso,
formas e estruturas fixas, elementos presentes no parnasianismo, passaram a ser associados
com o passado colonial e também com o presente oligárquico. Os modernistas queriam a
liberdade nas formas e no conteúdo, como se isso também significasse uma espécie de
liberdade democrática relacionada ao ideal urbano.
A Primeira Guerra havia assolado a Europa e deixado os Estados Unidos como a
principal potência mundial e ícone do capitalismo. Surgia a União Soviética como tentativa
socialista de recuperar um país que aos poucos se destruía desde o século XIX. A Primeira
Guerra piorou a situação dos russos, que foram obrigados a derrubar o governo e fazerem uma
revolução. Já os alemães e italianos acabaram derrotados após a entrada dos americanos no
conflito. Tiveram de pagar multas gigantescas que pesaram sobre os seus governos e
população e que aceleraram o movimento nazifascista surgido posteriormente
(HOBSBAWM, 1995).
Os Estados Unidos, por sua vez, viviam um boom econômico. Porém, em 1929,
sofreram com a maior crise de sua história. A queda da bolsa de Nova Iorque fez com que o
mundo todo deixasse de acreditar no liberalismo como único caminho de progresso. A
solução para a recuperação americana foi aumentar a intervenção estatal, contratando mais
trabalhadores para o funcionalismo público. As ideias eram de John Maynard Keynes, que
acreditava que o bem-estar social só poderia ser possível com o Estado mediando relações
entre população e serviços básicos. O nome dessa política que salvou a economia americana
ficou conhecida como New Deal, o novo acordo, que deixaria de lado o liberalismo
exacerbado em face do intervencionismo estatal (HOBSBAWM, 1995).
Na Europa, surgiam ditadores como Hitler, Mussolini, Stalin, entre outros, que
prometiam reerguer seus países, mas que para isso deveriam controlar a população e a cultura
de seu povo, bem como os mecanismos de comunicação e propaganda e a economia. Portanto,
32
na Europa a solução também era cada vez mais Estado e menos liberalismo. Adam Smith
acabou sendo enterrado após a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929. O Totalitarismo
(ARENDT, 2013) imperou na Europa dos anos 1930, mas se espalhou por vários lugares do
mundo, influenciando regiões periféricas, como o Brasil de Getúlio Vargas.
Em 1930, foi um golpe de Estado que ocorreu no Brasil. Um presidente eleito foi
deposto e Getúlio Vargas assumiu o comando da nação. O período foi bastante conturbado,
pois temia-se a instalação do socialismo como na União Soviética, ou algum tipo de revolução
que acarretasse numa reforma agrária que tirasse o poder das oligarquias. Optou-se por um
tipo de golpe que mediasse o conflito entre as elites periféricas, as elites urbanas e a
população em geral, dando a todos um aspecto de novidade (FERREIRA; DELGADO, 2003).
A historiografia já consolidou a figura de Vargas como populista, “pai dos pobres e mãe dos
ricos”. Ele fortaleceu o Estado, incentivou a cultura do trabalhismo, levantou a indústria
nacional e conseguiu estabelecer laços tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha,
optando pelo primeiro quando lhe foi mais favorável (durante a Segunda Guerra).
O problema das interpretações sobre o populismo e o nacionalismo, e até mesmo sobre
o nazi fascismo e o totalitarismo, é que elas esquecem daquilo que Norbert Elias chama de
interdependência entre indivíduo e sociedade. Essas interpretações são extremamente
personalistas e focam apenas no indivíduo, colocando-os como manipuladores das massas.
Tais indivíduos seriam gênios políticos que por meio da retórica e de promessas levariam as
populações a acreditarem em suas projeções utópicas de felicidade. As massas, então, se
deixariam conduzir, como o Flautista Mágico hipnotiza os ratos no conto de fadas dos irmãos
Grimm.
Esse tipo de capacidade sobre-humana de manipulação não é real na visão eliasiana. O
que existe é um equilíbrio instável entre indivíduo e sociedade. Se na sociedade de corte
francesa Luís XIV manipulava os banquetes e festas, ele também era manipulado pelos nobres
que o circundavam e estava preso naquele tipo de figuração social. Todos estão presos à
figuração (ELIAS, 2001).
Ernesto Laclau, refletindo especificamente sobre o populismo, também relativiza a
ideia de manipulação das massas por parte dos líderes das nações. Durante o fenômeno
populista, muitas vezes as massas aproveitam para terem suas reivindicações atendidas e
33
pressionam os governos coletivamente de baixo para cima, ou seja, agindo de maneira
contrária à manipulação (LACLAU, 2012).
Foi nesse contexto nacionalista, de crise do liberalismo e de fortalecimento do Estado,
que surgiu a segunda geração do modernismo. Os autores não reivindicavam apenas a
democracia e a liberdade, mas avanços em vários problemas sociais. O romance social veio
com toda a força na década de 1930, mostrando as dificuldades pelas quais o país passava em
suas várias regiões, principalmente nas periféricas. O regionalismo cobrava dos centros de
poder a sua importância. Gilberto Freyre lançou seu Manifesto Regionalista, do qual
discorreremos a seguir, que influenciou inúmeros intelectuais à época. O romance regionalista
seria a tendência predominante desse período.
Foram muitos romances regionalistas retratando o Nordeste e sua cultura, a seca, a
vida dos retirantes, a produção do cacau ou da cana-de-açúcar. Podemos citar para esse
período obras como: A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980); Vidas
Secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953); Cacau (1933) e Capitães de Areia (1937),
de Jorge Amado (1912-2001); O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz (1910-2003); Menino
do Engenho (1932), de José Lins do Rego (1901-1957); entre muitos outros romances e
autores. Muitos desses autores e autoras estiveram em contato com Jorge de Lima durante os
anos 1930 e 1940, convivendo com ele, trocando cartas, lendo seus poemas e até chamando-o
de “Príncipe dos Poetas”. Jorge de Lima também leu muitas dessas obras, além de ter sido um
outsider nordestino vivendo na Capital Federal, onde se tornou estabelecido, como já vimos
anteriormente.
3.2 GILBERTO FREYRE, MANIFESTO REGIONALISTA, CASA GRANDE E SENZALA
E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
Em 1926, o sociólogo nordestino Gilberto Freyre lançou o Manifesto Regionalista.
Nele, apresentava um Nordeste que deveria contribuir significativamente para a cultura
nacional. Queixava-se dos estrangeirismos e modismos para os quais o modernismo se
inclinava e solicitava à sociedade e aos intelectuais que voltassem seus olhos ao regionalismo,
ao Nordeste, à cultura periférica, ao seu folclore, suas lendas, seu misticismo, seu sincretismo,
com sua comida, com seu povo mestiço e também de várias cores, ritmos, gostos e sons
(FREYRE, 1926).
34
Como já dissemos, foi nesse momento também que começou a se construir a imagem
atual do Nordeste. Antes do século XX, dividia-se o Brasil em norte e sul. Ambas as áreas
possuíam seus sertões. Somente após a Primeira Guerra Mundial é que houve uma
reconfiguração espacial e simbólica daquela região, pensada em seu conjunto e entendida
como uma unidade coesa, uma figuração social. Passaram a ganhar destaque Bahia e
Pernambuco, antigos centros de poder do Brasil Colonial, onde a coroa portuguesa desfrutou
de séculos de prosperidade com o escravismo e o cultivo de cana-de-açúcar. Agora, os
romances sociais lembravam da seca, da pobreza e da fome do sertão nordestino. A região
tinha uma coesão cultural, simbólica, com uma infindável diversidade étnica ligada à África e
a povos indígenas e também europeus. Também um cristianismo diferente se praticava ali,
messiânico, ligado à ideia do “Padim” Ciço e ao Antônio Conselheiro, o líder de Canudos.
Aos poucos, construía-se a imagem do Nordeste que conhecemos e que vai perdurar até hoje
em nosso imaginário (ALBUQUERQUE; RAGO, 1999). O Manifesto Regionalista freyreano
em muito colaborou para a formulação desse ideário que ajudou a elaborar a figuração social
periférica chamada Nordeste, criadora de outsiders de todos os tipos, ricos e pobres, retirantes
e poetas, Severinos e Jorges de Lima.
Na poesia, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicava Alguma Poesia
(1930), deixando sua marca como um dos grandes poetas do modernismo. Cecília Meireles
(1901-1964), escrevia Batuque, samba e Macumba (1933), A Festa das Letras e Viagem
(1939), nunca esquecendo a temática social. Mário Quintana (1906-1994), publicava A Rua
dos Cataventos (1940), com versos simples e profundos. Vinícius de Moraes (1913-1980),
compositor e poeta, colocava ritmo em poesias melodiosas em obras como Caminho para a
Distância (1933) e Ariana, a mulher (1936). Um grande amigo de Jorge de Lima, Murilo
Mendes (1901-1975), lançou Poemas (1930), Bumba-Meu-Poeta (1930), Poesia em Pânico
(1938) e O Visionário (1941). Poderíamos citar muitos outros autores que lançaram obras
modernistas que marcaram o período, mas o importante é entender como nesse momento
havia uma tendência à experimentação, uma temática voltada ao social, um desvio da tradição
e um apego ao popular e ao coloquial. Ser moderno significava ser brasileiro no novo Brasil
que se transformava socialmente, politica, economica e culturalmente, em plena Era Vargas.
No campo da historiografia e da sociologia, o Brasil também teve seus intérpretes. Um
novo país precisava de uma nova história a ser escrita. Surgiram as figuras de Sérgio Buarque
de Holanda (1902-1982), o já mencionado Gilberto Freyre (1900-1987) e Caio Prado Júnior
35
(1907-1990), cada qual dando sua contribuição acerca de como o país deveria ser visto no
presente, quais seus problemas endêmicos, estruturais e o que havia no passado que os
justificavam.
Utilizando uma metodologia derivada da sociologia de Max Weber, o historiador
Sérgio Buarque de Holanda lançou, em 1936, o livro Raízes do Brasil. A obra apresenta um
Brasil colonial repleto de tipos ideais, um conceito weberiano. Entre eles, o do homem cordial
que, segundo o autor, é o típico brasileiro, que não consegue compreender as diferenças entre
os espaços públicos e privados. O homem cordial seria aquele sujeito propício ao “jeitinho”
brasileiro, que não compreende a norma, que se corrompe facilmente. Para Sérgio Buarque de
Holanda, tal situação era um dos obstáculos para o desenvolvimento do Brasil em plena
década de 1930. A democracia não poderia se desenvolver enquanto ainda existisse a figura
do homem cordial, que, mesmo que parecesse inocente, ainda não consegue respeitar as
instituições (HOLANDA, 1994). É bom lembrar que o autor vivia tempos de nacionalismo
exacerbado, fascismo e nazismo na Europa e a Era Vargas no Brasil.
Caio Prado Júnior, por sua vez, já havia entrado em contato com as obras de Sérgio
Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Sua visão era extremamente diferente da dos outros
dois autores. Caio Prado era marxista e tinha visitado a União Soviética. Participava
ativamente de movimentos revolucionários e sua ideologia influenciava sua escrita. Em 1942,
publicou uma história com viés marxista sobre o Brasil colonial. Intitulava-se: Formação do
Brasil Contemporâneo. Nessa obra, Caio Prado defende que o Brasil colonial nasceu uma
colônia de exploração já dentro do sistema capitalista europeu. Sua interpretação era bem
diferente de outros marxistas, que queriam encaixar o sistema colonial brasileiro dentro do
modelo feudal. Assim, queriam forçar a teoria de Marx, nua e crua, na realidade brasileira.
Caio Prado resolveu o problema ao afirmar que não se precisava distorcer tanto a realidade,
uma vez que a colônia já havia nascido dentro do sistema capitalista de exploração (PRADO
JÚNIOR, 2011).
Portanto, o problema do Brasil estava em sua base estrutural. Caio Prado Júnior olhava
para o presente e enxergava um governo autoritário e ligado às elites agrárias. Para ele, a
única alternativa para a melhoria da condição do país seria a revolução socialista e o fim do
sistema capitalista no Brasil. Enquanto não houvesse a revolução, todos os problemas sociais
se manteriam intactos, não importava o tipo de governo que viesse, fosse num Império ou
numa República.
36
Além de ter escrito o Manifesto Regionalista, Gilberto Freyre escreveu várias outras
obras de cunho histórico e sociológico que visavam interpretar o Brasil. A mais conhecida é
Casa Grande & Senzala (1933), obra na qual o autor lança o seu modelo teórico e sua tese da
democracia racial. Baseado na antropologia cultural de Franz Boas, Freyre apresenta um
Brasil de diferentes etnias que convivem em diferentes espaços, mas que se influenciam
culturalmente umas às outras. A elite branca permanece na casa grande, enquanto o negro
escravizado fica na senzala. Um é dono do espaço, o outro é a força de trabalho. Ambos
trocam cultura, mas há momentos de sincretismo religioso, de miscigenação, mestiçagem. E é
aí que entra a ideia de democracia racial (FREYRE, 1933).
Gilberto Freyre acreditava que a escravidão portuguesa teria sido mais branda que a
americana porque aqui, ao contrário de lá, havia a figura do pardo, do mestiço, a síntese entre
o branco e o negro. Nos Estados Unidos brancos e negros tendiam a se separar, por conta de
características específicas daquela sociedade, mas no Brasil, por vários motivos, brancos e
negros acabaram por se envolvendo e se miscigenando, misturando etnias e cultura. Assim, as
“raças” teriam aqui entrado em harmonia e, por esse motivo, no Brasil existiria uma espécie
de democracia racial (FREYRE, 1933).
Segundo Freyre, na escravidão americana havia muito mais violência, menos contato,
menos casamento e menos mestiços. Aqui, o patriarcalismo dos senhores de terra teria
ajudado na manutenção da democracia racial, uma vez que alguns escravos e escravas
poderiam ser tratados como filhos e filhas, além de muitos senhores pegarem escravas como
amantes. Assim, quando a negra escravizada seduzia o seu senhor, garantiria a sua própria
integridade física. Esse tipo de jogo social entre escravizados e senhores seria comum naquele
tipo de sociedade (FREYRE, 1933).
Em várias outras obras de Freyre, a mesma ideia de democracia racial aparece. É o
caso de Sobrados e Mucambos (1936) Nordeste (1937) e O mundo que o português criou
(1940). A teoria de Gilberto Freyre, o lusotropicalismo, já foi inclusive utilizada
ideologicamente pela intelligentsia salazarista para justificar a manutenção de colônias na
África (PINTO, 2009). Um historiador americano marxista dos anos 1960, Eugene Genovese,
atacou a ideologia freyreana em seu livro The World The Slaveholders Made (1969), que é
uma brincadeira com o título anteriormente citado de uma obra de Freyre.
37
A historiografia há muito já refutou a tese freyreana da democracia racial. Desde a
década de 1960, com os trabalhos de Florestan Fernandes, caiu por terra o mito de que a
escravidão aqui foi mais branda que em outros lugares (FERNANDES, 2008). Inúmeros
estudos historiográficos sobre a escravidão no Brasil colonial e imperial revisitaram os
documentos e comprovaram que nossa sociedade do passado foi tão violenta quanto qualquer
outra. Os negros resistiam, se revoltavam contra a sua condição de cativos, como no livro de
João José Reis, Rebelião Escrava no Brasil (REIS, 2008). Outros autores, como Kátia
Mattoso, buscaram reconstituir a vida social dos negros escravizados (MATTOSO, 1982).
Emilia Viotti da Costa, por sua vez, pesquisou a gradual luta pela liberdade dos negros no
Brasil escravista (COSTA, 1998). Além desses autores e autoras que dão enfoque à resistência
escrava no Brasil colonial e imperial, há outros que também pesquisam camadas de livres e
libertos, chamados de pardos, ou mestiços, indígenas, brancos pobres, imigrantes pobres. A
historiografia não destaca apenas a resistência, mas também a integração, a participação no
mundo das elites. Por exemplo, ex-escravos que acabam adquirindo escravos é um elemento
bastante comum na complexa história colonial brasileira. Portanto, a historiografia acabou
minando a tese freyreana, que por muitos anos prosperou e fez muitos adeptos, estando Jorge
de Lima entre eles.
No início de seu artigo sobre Jorge de Lima, ao falar sobre o contexto da época,
Alfredo Bosi afirma que:
Não cabe aqui fazer o mapeamento das vertentes ideológicas em presença. A grande
síntese de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, de 1933, deu substância a um
pensamento entre realista (pela riqueza ímpar de observação) e conservador, pela
apologia do estilo tradicional de vida no engenho. Do lado oposto, a exposição da
pobreza em toda a região, ferida pela sobrevivência de uma semiescravidão, serviu
para denunciar as iniquidades do sistema econômico e político, o que alentou uma
posição de esquerda em alguns núcleos de intelectuais da província.
Nessa rede de contrastes, a poesia regional de Jorge de Lima oscilou entre o
saudosismo da paisagem natural e social vivida na infância e a denúncia da opressão
que pesava sobre o negro, o cambembe e o proletário. Denúncia que se mostraria
lancinante no seu romance Calunga, publicado em 1935, quadro sem retoques da
miséria e da violência dominante no interior de Alagoas (BOSI, 2016, p. 184).
Bosi conecta o pensamento de Freyre com o de Jorge de Lima, mesmo acreditando
que o poeta tinha um estilo bastante oscilante. Contudo, a influência do regionalismo e da
democracia racial é bastante evidente.
Vagner Camilo ressalta que “por meio de carta datada de 10.2.1944 e endereçada por
Jorge de Lima a Lasar Segall, solicitando agilidade na preparação das ilustrações que
38
acompanhavam a primeira edição dos Poemas Negros” que o poeta precisava publicar com
urgência, pois queria se candidatar o quanto antes à Academia Brasileira de Letras, Jorge de
Lima diz “estar de posse do prefácio de Gilberto Freyre, que fora ‘publicado mesmo na
Argentina’ – o que, aliás, prova que os Poemas Negros já estavam prontos àquela altura,
embora só dado à estampa três anos depois”. Por isso, “devido a urgência, Jorge de Lima
afirmava que ele mesmo publicaria o livro se Murilo Miranda não o pudesse lançar”
(CAMILO, 2013, p. 299).
O fato de Gilberto Freyre ter prefaciado os Poemas Negros corrobora com nosso
conceito de figurações sociais influenciando na confecção das obras. Freyre e Jorge de Lima
eram nordestinos e, por isso, outsiders em relação ao centro de poder da época, a Capital
Federal e o modernismo paulistano. Jorge de Lima não só bebia na fonte do regionalismo
freyreano, mas também na democracia racial, pois em vários dos poemas da obra em questão
a figura do mestiço como conciliador das raças aparece com ênfase. Além disso, o
patriarcalismo, a sensualidade das negras escravizadas, entre outros elementos da tese
freyreana são apropriadas por Jorge de Lima em seus poemas.
No prefácio da obra, Freyre destaca Jorge de Lima por ser cristão e nordestino como
ele, aquela região das “casas-grandes, das igrejas, dos sobrados, das senzalas, dos mocambos,
das palhoças, das mangueiras, dos coqueiros, dos cajueiros”, e que resultara do “contato de
europeus com índios e, principalmente, com africanos. Com malungos, mucamas, babás,
cunhãs, columins. Contato democratizante dos brancos e degradante dos pretos” (FREYRE,
1947, p. 9-10). Aqui, Freyre já apresenta a diversidade territorial, étnica e cultural do
Nordeste, o lugar no qual a sua democracia racial por meio da mestiçagem seria possível.
Na sequência, o sociólogo apresenta o poeta igualmente outsider:
foi esse principalmente o mundo em que Jorge de Lima, em 1922-23, poeta já
precocemente feito, mas de modo nenhum estratificado em cinzelador
milnovecentista de sonetos elegantes recolhidos com avidez pelos pedagogos
organizadores de antologias, tornou-se sob novos estímulos vindos do Sul, da
Europa e dos Estados Unidos, o grande poeta, o poeta por excelência. O poeta d’“O
mundo do menino impossível”. O poeta de “Essa negra Fulô”. O poeta de uma série
de poemas que reunidos aos de outros brasileiros do passado e de hoje talvez deem
ao Brasil o primeiro lugar na produção de uma literatura poética que,
intencionalmente ou não, leva sem nenhum rancor nem ranger de dentes o
cristianismo para o campo específico das relações fraternais dos brancos com os
povos de cor (FREYRE, 1947, p. 10).
Freyre elogia Jorge de Lima por seu conhecimento acerca da poesia mundial e
utilização da técnica ao máximo. Novamente, frisa a vontade de estabelecer relações fraternas
39
entre brancos e “povos de cor” por meio da literatura e do cristianismo. A ideia de
democracia racial paira no decorrer de todo o prefácio.
Sobre algumas críticas que o poeta poderia receber, principalmente por trazer uma
visão “exótica” do negro escravizado e do nordeste, Freyre ressalta:
há quem fale em “gulodice de pitoresco” para procurar diminuir, com essa
generalização de desprezo, aqueles artistas e escritores do Nordeste que, não sendo
de origem rigorosamente popular nem principalmente ameríndia ou africana, têm se
dedicado ao estudo, à interpretação e até à expressão dos complexos mais
característicos da região, ferindo nessa interpretação a nota de revolta contra os
últimos preconceitos de cor confundidos com os de classe que mantêm na miséria
tantos descendentes brasileiros de africanos. Entre tais “gulosos de pitoresco” estaria
Jorge de Lima: sua poesia afro-nordestina; poesia que não é a de um indivíduo
pessoalmente oprimido pela condição de descendente de africano ou de escravo – a
única que para os inimigos do “pitoresco” justificaria uma poesia, uma literatura,
uma música, ou uma pintura brasileira voltada com simpatia para o negro, o índio ou
o mestiço (FREYRE, 1947, p. 11).
Alguns críticos poderiam falar que Jorge de Lima, por não sofrer com as mazelas da
seca ou da miséria, por ser filho das elites locais alagoanas, faria poemas sobre o que não
vivia por puro gosto pelo pitoresco. Mais à frente, Freyre diz que essas críticas viriam de
pessoas que não conhecem verdadeiramente o Nordeste, e que Jorge de Lima é “bem do
Nordeste. Não lhe falta contato com a realidade afro-nordestina. E há poemas seus em que os
nossos olhos, os nossos ouvidos, o nosso olfato, o nosso paladar” juntam-se para “saborear
“gostos e cheiros de carne de mulata, de massapé, de resina, de moqueca”, e assim por diante
(FREYRE, 1947, P. 12).
Continuando o elogio ao poeta alagoano, Gilberto Freyre reitera que:
esse poeta alagoana, em quem hoje a América inteira sente um poeta largamente seu
pela cordialidade crioula e pelo lirismo cristão, franciscano, fraternal, dispõe de
recursos, de técnica, dos quais poderia viver vida fácil de glória literária, admirado e
festejado por seus feitos e talentos artífice; alheio às raízes regionais de sua
experiência de homem por muito tempo menino às necessidades e aspirações de
gente cuja pobreza conheceu pequeno e mesmo depois de grande; médico de
província, cuja miséria observou, cujo sofrimento sentiu com o poder da empatia
que o anima com relação à sua gente, do mesmo modo que sentiu suas alegrias, suas
esperanças, seus deleites doentios de comedores de barro, seus medos das almas de
outro mundo (FREYRE, 1947, p. 12).
O sociólogo pernambucano considera que a posição de Jorge de Lima como médico
em Alagoas o fez compreender aquela sociedade de tal maneira a criar empatia por aquele
povo sofrido, pois ele poderia viver apenas da sua poesia, pois conhece a arte poética com
maestria, mas preferiu seguir também o seu outro dom.
40
Comparando os Estados Unidos com o Brasil, Freyre diz que lá a literatura africana é
figura à parte, assim como da vida nacional. Já aqui, o negro é dono do folclore, mas é
também excluído do banquete literário. Porém, em Jorge de Lima:
o verbo fez-se carne neste sentido: no de sua poesia afro-nordestina ser realmente a
expressão carnal do Brasil mais adoçado pela influência do africano. Jorge de Lima
não nos fala dos seus irmãos, descendentes de escravos, com resguardos profiláticos
de poeta arrogantemente branco, erudito, acadêmico, a explorar o pitoresco do
assunto com olhos distantes de turista ou de curioso. De modo nenhum. Seu verbo se
faz carne: carne mestiça.
Diferentemente da literatura dos Estados Unidos, no Brasil a literatura afro-nordestina
de Jorge de Lima traria no elemento mestiço a síntese da cultura nacional. A democracia
racial daria a liga necessária para a compreender melhor a sociedade brasileira como um todo,
diferentemente da americana, que excluía seus negros do corpo social. Ademais, para Freyre,
a poesia brasileira seria superior à americana porque ela tende a “exprimir sem revolta acre
nem violência o que há de africano em nossa vida e em nosso caráter”. Assim, “o que há de
africano se confunde, se mistura quase fraternalmente, com o que existe de europeu e de
indígena” (FREYRE, 1947, p. 15). Dessa forma, com nossa miscigenação, nossa mestiçagem,
nossa harmonia, a democracia racial faria com que pudéssemos inclusive, na mente de
Freyre, produzir uma literatura melhor que a dos americanos, que eram extremamente
revoltados com o status quo.
Um dos problemas de se falar em “poesia africana” no Brasil, segundo Freyre, é que
ela não existe por aqui. Enquanto nos Estados Unidos a poesia seria “crispada quase sempre
em atitude de defesa ou de agressão; poesia quase sempre em dialeto meio cômico para os
brancos, para os ouvidos dos brancos, mesmo quando mais amargos ou tristes os assuntos”.
No Brasil haveria uma “poesia mais colorida pela influência do africano: um africano mais
dissolvido em brasileiro. Uma zona a que estão ligados, pela sua formação regional, alguns
dos nossos escritores e poetas mais rigorosamente brancos e aristocráticos” como “Joaquim
Nabuco e Manuel Bandeira” (FREYRE, 1947, p. 15-16). Mais à frente ele afirma que não é o
sangue que importa, mas a empatia. Portanto, no Brasil o africano, dissolvido em brasileiro, é
representado numa poesia mais colorida, menos agressiva, menos ligada aos ares de revolta
como nos Estados Unidos, onde os negros viveriam o racismo à flor da pele, segundo Freyre.
No Brasil, por conta da democracia racial, a harmonia das raças apaziguaria as tensões e
traria fraternidade aos homens de todas as cores. Porém, como já mencionamos, a
historiografia já refutou o mito freyreano há décadas.
41
Para finalizar o prefácio, um último elogio ao poeta alagoano, que, como já dissemos,
também era um cristão fervoroso, além de adepto do movimento regionalismo freyreano:
Jorge de Lima, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, enriquece o
brasileiro das áreas menos coloridas pela influência africana, com a expressão
poética de sua experiência de nordestino de banguê nascido e criado perto dos
últimos “pombais negros” de que falou Nabuco. Ao mesmo tempo ele põe o
estrangeiro que se aproxima da poesia brasileira em contato com uma das nossas
maiores riquezas: a interpenetração de culturas, entre nós tão livre, ao lado do
cruzamento de raças. Dois processos através dos quais o Brasil vai-se adoçando
numa das comunidades mais genuinamente democráticas e cristãs do nosso tempo
(FREYRE, 1947, p. 16).
Para Freyre, portanto, o Brasil de 1947, no pós-Segunda Guerra, poderia ser palco de
fraternidade universal, onde a democracia racial mostraria para o mundo que ainda havia
esperança em alguma nação após as atrocidades do nazismo. De acordo com Vagner Camilo,
nesse período, havia uma luta intensa contra o racismo, e os americanos e a UNESCO
estariam promovendo pesquisas pelo mundo, inclusive no Brasil, para entender as relações
raciais em diversos países. Assim:
O prefácio de Freyre parece ser tributário de seu esforço para promover
internacionalmente essa “lição ímpar” (assim como as referidas conferências
proferidas nos Estados Unidos e outros estudos da mesma época) e, por conta
estudos avançados da amizade intelectual que sempre o uniu ao poeta alagoano,
pode-se supor que os próprios Poemas Negros vinham contribuir para essa
promoção, ilustrando a suposta “harmonia” racial brasileira como modelo para o
resto do mundo – logo desmentida pelos resultados de tais pesquisas patrocinadas
pela Unesco (CAMILO, 2013, p. 304-305).
Os Poemas Negros, portanto, surgiram no contexto da democracia racial e do
Manifesto Regionalista freyreano. Ambos se sentiam outsiders por serem nordestinos. Ambos
também participavam do establishment, porque faziam parte das elites. Jorge de Lima e
Gilberto Freyre participavam das mesmas figurações sociais e compartilhavam de alguns
ideais semelhantes. É por isso que a poesia de Jorge de Lima está repleta do ideário freyreano.
Há uma interdependência que une os indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade.
3.3 ESSA NEGRA FULÔ: ANÁLISE
O poema “Essa Negra Fulô”, lançado originalmente em 1928 e depois inserido
novamente em Poemas Negros, é um exemplo de como o pensamento freyreano está presente
na poesia de Jorge de Lima. A seguir, o poema completo e nossa análise:
42
ESSA NEGRA FULÔ
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama,
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô
ficou logo pra mucama,
para vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
“Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco.”
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
“Minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
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pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou.”
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Fulô? Ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
chamando a Negra Fulô.)
Cadê meu frasco de cheiro
que teu Sinhô me mandou?
— Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô.)
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê meu lenço de rendas
cadê meu cinto, meu broche,
cadê meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou.
Ah! foi você que roubou.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê, cadê teu Sinhô
que nosso Senhor me mandou?
Ah! foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!
A começar pelo título inusitado, “Essa Negra Fulô” traz algumas questões
interessantes para serem analisadas. Fulô pode significar um negro com pele amarelada ou
parda, segundo o dicionário Aurélio (2004). Também os falantes da língua tupi tinham certa
44
dificuldade em pronunciar a palavra “flor”, então diziam algo parecido com “fulô”, assim
como “senhor” ficava “sinhô” e senhora era mais fácil de ser pronunciada como “sinhá”.
Os versos são heroicos quebrados ou de redondilha maior, sempre mantendo um ritmo
contagiante numa história bastante épica. A narrativa do poema conta a maneira como a
“Negra Fulô” conseguiu ludibriar a “sinhá”, roubando dela o “sinhô”. O eu lírico, em várias
estrofes, parece elogiar a Fulô ao colocar uma exclamação após cada uma das atitudes da
protagonista, encerrando a narrativa com a frase: “Essa negra Fulô!”, tendo, provavelmente,
um significado positivo.
Na primeira estrofe, o eu lírico afirma que chegou faz “algum tempo” num “banguê”
do avô dele uma “negra bonitinha”, conhecida como “negra Fulô”. Banguê significa engenho
de açúcar. A negra “Flor”, ou “Fulô”, por ser “bonitinha”, tinha a sensualidade que Gilberto
Freyre apresenta em seus escritos sobre as relações entre senhores e escravos no Brasil
colonial.
Fulô virou mucama, escrava caseira, ama de leite, para “vigiar a sinhá” e “engomar” o
“sinhô”. Na teoria da democracia racial freyreana, muitos negros eram conduzidos para
dentro das casas e tratados como filhos por seus senhores, visto que a sociedade era patriarcal.
Às mulheres, cabia o serviço doméstico e o trabalho como mucamas. Serviam, assim, às
donas, na cozinha e cuidavam dos filhos das sinhás.
Nas próximas estrofes, Fulô passa a trabalhar com intensidade, fazendo tudo o que a
sinhá quer. Ela precisa cuidar da sua senhora o tempo todo, da casa, de seus filhos, fazer as
crianças dormirem. Contudo, a sinhá sente falta de um frasco de cheiro, presente do sinhô.
Acusa Fulô de tê-lo roubado. Segundo o eu lírico, foi a primeira vez que o sinhô viu a negra
Fulô nua, quando ela tirou a roupa para apanhar do feitor e depois desmaiar. O sinhô disse:
“Fulô!”, e ela apagou.
A sinhá ainda não desistindo de castigar a negra Fulô, a acusa de ter roubado um lenço
de renda, um broche e um terço de ouro. Agora quem vai castigá-la é o próprio sinhô. Foi
então que:
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô
No final, o sinhô acabou “roubado” pela negra Fulô. A última estrofe confirma isso:
Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê, cadê teu Sinhô
45
que nosso Senhor me mandou?
Ah! foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!
Assim, por meio da sensualidade do negro, o senhor é seduzido pela escrava como
forma de resistência à escravidão e também como um dos componentes de abrandamento do
modelo escravista presente no Brasil, de acordo com a tese freyreana de democracia racial.
Podemos refletir sobre a obra de Jorge de Lima como um todo dentro de algumas
temáticas. O exercício é interessante para que possamos associar tais temas com os
pressupostos existentes no mito da democracia racial freyreana e no Manifesto Regionalista.
Segue a tabela:
Título do poema Tema(s)
Nordeste Regionalismo/Religiosidade
Diabo Brasileiro Sincretismo
Bicho encantado Regionalismo
Essa Negra Fulô Sensualidade
Banguê Regionalismo
Mês de Maio Trabalhismo/Religiosidade
História Sensualidade
O medo Sincretismo/Regionalismo
Democracia Regionalismo
Retreta do vinte Democracia Racial
Quichibi sereia negra Sensualidade
Zefa Lavadeira Religiosidade
Benedito Calunga Sincretismo
Ladeira da Gamboa Trabalhismo/Social
Passarinho cantando Democracia Racial
Exu comeu tarubá Sincretismo
Ancila negra Sensualidade
Bahia de Todos os Santos Regionalismo
O banho das negras Sensualidade
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Cachimbo do sertão Regionalismo
Obambá é batizado Sincretismo
Poema de encantação Sincretismo
Rei é Oxalá, Rainha é Iemanjá Sincretismo
Foi mudando, mudando Democracia Racial
Janaína Sensualidade
A noite desabou sobre o cais Trabalhismo/Social
Floriano, Padre Cícero, Lampião Religioso/Regionalismo
Quando ele vem Sincretismo
Xangô Sincretismo
Comidas Regionalismo
Calabar Regionalismo/História
Inverno Regionalismo
Pra donde que você me leva Democracia Racial
Madorna de Iaiá Sensualidade
Pai João Democracia Racial
Santa Rita Durão Regionalismo/Democracia Racial
Joaquina Maluca Sensualidade/Loucura
Maria Diamba Democracia Racial
Olá, Negro Democracia Racial
Tabela 1: Tabela de temas mais frequentes na obra Poemas Negros, de Jorge de Lima.2
Com a tabela acima, podemos elucidar melhor algumas questões relacionadas à obra.
Consideramos regionalistas os poemas que trataram de assuntos do folclore do Nordeste, de
sua comida, de sua cultura, de seu clima e geografia. Dos 39 poemas, 12 claramente falam
sobre o regionalismo em Poemas Negros.
Chamamos de religiosos os poemas claramente inclinados ao catolicismo, a fé que o
autor professava fervorosamente e que defendia em textos de algumas colunas de jornais da
época. São apenas 4 textos abertamente católicos. Outros 9 são relativos ao sincretismo
2 É evidente que ocorreram generalizações na construção dessa tabela. No entanto, para se visualizar a obra
como um todo, foi necessário pensar no tema geral e mais imediato de cada um dos poemas, com sua mensagem
mais direta.
47
religioso, ou seja, estão conectados com religiões de raízes africanas e sua mistura com o
cristianismo.
Em 8 poemas, Jorge de Lima apresenta a sensualidade da mulher negra, seja para
conquistar o senhor, como no caso da “negra Fulô”, seja para mostrar seu corpo esbelto e
diferente a rapazes curiosos enquanto toma seu banho no rio. A sensualidade negra é uma das
características do mito da democracia racial freyreana e é tido como uma das contribuições
dessa etnia para a sociedade branca na sua “integração”, assim como a música e o folclore.
Essa sensualidade traria harmonia e equilíbrio para as “raças”, segundo a visão de Gilberto
Freyre.
Há 3 poemas que abordam o trabalhismo, lembrando que o autor vivia ainda os
resquícios da Era Vargas, recém encerrada. Dois desses poemas são de cunho bastante social
e demonstram a exploração do trabalhador comum. Jorge de Lima fazia parte da UDN,
partido anti-varguista. Ele também atendia operários em seu consultório na Cinelândia e era
atento a algumas mazelas sociais.
Dos 39 poemas do livro, compreendemos que 8 deles tocam na questão da democracia
racial. Um dos poemas que toca nessa questão é “Foi mudando, foi mudando”:
FOI MUDANDO, MUDANDO
Tempos e tempos passaram
por sobre teu ser.
Da era cristã de 1500
até estes tempos severos de hoje,
quem foi que formou de novo teu ventre,
teus olhos, tua alma?
Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?
Os modos de rir, o jeito de andar,
pele,
gozo,
coração...
Negro, índio ou cristão?
Quem foi que te deu esta sabedoria,
mais dengo e alvura,
cabelo escorrido, tristeza do mundo,
desgosto da vida, orgulho de branco, algemas, resgates, alforrias?
Foi negro, foi índio ou foi cristão?
Quem foi que mudou teu leite,
teu sangue, teus pés,
teu modo de amar,
teus santos, teus ódios,
teu fogo,
teu suor,
tua espuma,
tua saliva,
teus abraços, teus suspiros, tuas comidas,
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tua língua?
Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?
No poema acima, o eu lírico não só chama a atenção para a harmonia das “raças”
como também fala da mistura delas como elemento unificador. A miscigenação é tamanha
que já não se sabe qual a essência que ficou na humanidade, se negra, índia ou branca. O que
ficaram foram as severidades do mundo, que mesmo com a mistura das “raças” não puderam
se dissipar. O eu lírico começa mencionando a passagem do tempo. A era cristã. Os
portugueses teriam vindo para cá com toda a empresa colonial e a principal força de trabalho
seria a mão de obra africana escravizada. Antes deles, os indígenas. Então, “foi mudando, foi
mudando”, ou seja, o tempo foi passando e as “raças” se miscigenando. Por isso o eu lírico se
pergunta: “Quem foi que formou de novo teu ventre, teus olhos, tua alma? ”. Teria sido negro,
índio ou cristão? Todas as características biológicas do brasileiro são mencionadas. Como
seria esse brasileiro? Ele dá a entender que o branco (cristão), o negro e o indígena é que
formaram o povo brasileiro, e que tais “raças” miscigenadas formaram esse ser
biologicamente dotado de vários traços distintos e contrastantes. Há alguns pares opostos no
poema, como “santos” e “ódios”, “orgulho” e “tristeza”, “sangue” e “branco”, entre outros
elementos que mostram certo contraste nesse ser brasileiro que é mestiço por conter várias
raças em harmonia na sua composição. Em termos de sonoridade, o poema tem a repetição da
frase “foi negro, foi índio ou foi cristão? ” por três vezes, além de não haver rimas. Porém, há
uma forte presença do pronome possessivo de segunda pessoa “teu” nos versos,
demonstrando como o ser brasileiro possui várias características de brasilidade provenientes
da mistura racial. O “t”, como consoante dental, dá força para o pronome possessivo “teu” nas
frases, empoderando o ser brasileiro com suas características primorosas, deixando para trás o
sofrimento do passado escravista e focando no presente pois, segundo o eu lírico, e de acordo
com o título do poema: “foi mudando, foi mudando”.
Sobre miscigenação, ideia tão rara à democracia racial, o poema a seguir é
emblemático:
PASSARINHO CANTANDO
Congos, cabindas, angolas,
também de Cacheo e de Bissao,
Maranhão, Pernambuco, Pará,
Fernando Pó, São Tomé, Ano Bom,
Serra Leoa, Serra Leoa, Serra Leoa!
Cabo Verde, Moçambique,
duas cozinheiras, três belas mucamas, óleo de coco,
(o boto também gosta de teu sangue Sudão).
Senhor Manuel Teixeira dos Santos
49
vem de redingote, suíças e procuração.
Ana Maria doceira de meu pai
amancebou-se com o alferes;
na segunda geração:
nem culatronas, nem pés apalhetados,
nem panos-da-costa, nem figas, nem aluá.
Na terceira nasceu Maricota, filha-de-santo,
checheré, rainha suicidou-se com fogo.
Deixou uma filha sagrada com água benta,
fechada com mandinga, branca, casada, com chácara.
Há na sua pele três estrelas marinhas, duas estrelas-d'alva,
a Lua, a Água-viva, a Fome de abraços.
Há no seu sangue:
três moças fugidas, dois cangaceiros,
um pai-de-terreiro, dois malandros, um maquinista,
dois estourados.
Nasceu uma índia,
uma brasileira,
uma de olhos azuis,
uma primeira comunhão,
uma que deu seus cachos ao Senhor da Paixão,
uma que tinha ataques,
uma que foi ser freira,
uma que nasceu em Londres e é parenta do Rei.
O passarinho ficou órfão
cantando, catando penas só.
O poema se inicia com menções a etnias e regiões da África e também cita partes do
Nordeste brasileiro. De certa forma, há uma união entre o Nordeste e a África por meio do
povo africano que de lá veio para cá escravizado para servir como mão de obra. Vieram
mulheres entre esses escravizados, como as “duas cozinheiras” e as “três belas mucamas”, que
estariam em pé de igualdade ao “óleo de coco” (já que também eram “mercadoria”), com o
qual poderiam se embelezar e ficar mais sensuais e atrair seus senhores. Tiveram filhos da
primeira geração. Filhos do “boto”, já que não poderiam dizer que eram filhos bastardos do
senhor branco. Há mais duas gerações citadas pelo eu lírico. Na terceira geração, teria nascido
uma índia, uma brasileira e uma de olhos azuis, entre várias outras mulheres muito diferentes
daquelas primeiras negras que vieram da África, mas que ainda carregavam o sangue africano
em suas veias. Ao passarinho órfão restou cantar e catar penas, ou seja, contar a história,
relatar o seu passado: o passarinho é o poeta que se vê envolto pelo tempo como o anjo da
história de Walter Benjamin se via nos escombros da história.
Há também a melancolia da tentativa de integração do negro da senzala na Casa-
grande, como Jorge de Lima apresenta em “Maria Diamba”:
MARIA DIAMBA
Para não apanhar mais
falou que sabia fazer bolos:
virou cozinha.
50
Foi outras coisas para que tinha jeito.
Não falou mais:
Viram que sabia fazer tudo,
até molecas para a Casa-Grande.
Depois falou só,
só diante da ventania
que ainda vem do Sudão;
falou que queria fugir
dos senhores e das judiarias deste mundo
para o sumidouro.
Nesse poema há o apagamento da identidade de Maria Diamba para, posteriormente,
haver o seu silenciamento. Ela veio da África e sofreu na Casa-Grande. Na marra teve de se
integrar. Porém, sempre como outsider, como boa parte dos indivíduos de cor do Brasil
colonial ou imperial, ficava à margem, sofrendo com a violência simbólica e direta da vida na
escravidão. Quando “depois, falou só”, veio a loucura, a perda da consciência de si, por conta
do silenciamento constante. Queria voltar ao Sudão, queria fugir das judiarias do mundo,
queria fugir dos senhores. A Casa Grande e a Senzala não eram seus lugares. Maria Diamba
estava deslocada, fora do seu lugar de origem, não importava o que fizesse aqui nessas terras.
Apesar de cozinhar, levar moças para a Casa Grande e se tornar importante para os brancos,
não se adaptou, porque perdeu a identidade. Sentia falta do Sudão, e com os ventos de lá
preferia conversar a não ser escutada pelos senhores daqui.
O poema que encerra a obra é “Olá, negro!”, e trata do tema da democracia racial
abertamente, falando de mestiçagem, de integração na sociedade dos brancos, de contribuição
dos negros com o folclore, sensualidade e alegria, entre outros elementos citados pelo eu
lírico:
OLÁ! NEGRO
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos
e a quarta e quinta gerações de teu sangue sofredor
tentarão apagar a tua cor!
E as gerações dessas gerações quando apagarem
a tua tatuagem execranda,
não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!
Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A.
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de todos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!
Olá, Negro! Olá, Negro!
A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
51
E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes,
com os teus songs, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!
Olá, Negro!
Pai-João, Mãe-Negra, Fulô, Zumbi
que traíste as Sinhás nas Casas-Grandes,
que cantaste para o Sinhô dormir,
que te revoltaste também contra o Sinhô;
quantos séculos há passado
e quantos passarão sobre a tua noite,
sobre as tuas mandingas, sobre os teus medos, sobre tuas
[alegrias!
Olá, Negro!
Negro que foste para o algodão de U.S.A.
ou que foste para os canaviais do Brasil,
quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana?
Olá, Negro!
Negro, ó antigo proletário sem perdão,
proletário bom,
proletário bom!
Blues
Jazzes,
songs,
lundus...
Apanhavas com vontade de cantar,
choravas com vontade de sorrir,
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos com teus jazzes, com tuas danças,
com tuas gargalhadas!
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?
Olá, Negro!
Olá, Negro!
O poema fala de uma certa contribuição que o negro teria dado ao mundo branco por
conta do folclore, da música, como o jazz, o blues, além da alegria, o sorriso, as danças, a
felicidade que o povo africano carregava consigo. O negro contrastava com o branco, que
seria feroz, triste, cansado e viveria no tédio. Por isso, o eu lírico se pergunta: “quantas vezes
as carapinhas hão de embranquecer para que os canaviais possam dar mais doçura à alma
humana?”. O negro, que tanto teria trabalhado nos canaviais na condição de escravizado,
também teria trazido a doçura à alma humana com sua música, sua alegria, seu jazz, sua
52
africanidade, enfim, sua felicidade. E essa felicidade trazida por ele aos brancos só seria
possível nesse momento mais democrático, quando não há mais escravidão. Por isso, “o dia
está nascendo!” e, além disso, “o dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?”.
O sorriso do negro, a felicidade, a alegria em tempos democráticos, do tempo da democracia
racial, quando as “raças” entrariam em harmonia total e se miscigenariam, o mundo seria
melhor: uma utopia racial freyreana e limiana.
Poderíamos utilizar muitos outros poemas e trechos de poemas como exemplos que
corroboram com a nossa hipótese de que Jorge de Lima se deixou influenciar pelo mito da
democracia racial freyreana. Não queremos, com isso, julgar o autor, muito menos condenar
Gilberto Freyre, estigmatizá-lo ou cometer algum tipo de injustiça com homens do passado.
Devemos lembrar da intencionalidade e da boa vontade que perpassa a mente de alguns
indivíduos.
Entretanto, não podemos deixar de mencionar um acontecimento recente que abalou
os rumos de nossa pesquisa em pleno desenvolvimento. Em 6 de maio de 2017, uma página
da Folha de São Paulo publicou a seguinte manchete: “escrito em alemão, livro com teoria
racista de Jorge de Lima é traduzido”. Tratava-se da obra Rassenbildung und Rassenpolitik in
Brasilien (formação e política racial no Brasil). Segundo a matéria do colunista Maurício
Meireles, da Folha, “ela foi publicada na Alemanha em 1934, e aqui, em 1951, sempre em
alemão. O prefaciador estrangeiro, Otto Schneider, não tem identidade conhecida” e seria
homônimo de um “agente da SS nazista”. O colunista ressalta também que “embora o texto
refute pensadores racistas então em voga, as ideias eugenistas prevalecem na obra de Lima,
que via na miscigenação uma solução para branquear o Brasil”. Ainda de acordo com
Meireles, “ele ‘prova’ a preponderância dos brancos sobre negros e índios no país” utilizando
“estatísticas” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2017).
A matéria parece conter alguns exageros, e é preciso tomar cuidado com algumas
afirmações sem antes averiguar com cuidado as fontes. Não podemos chamar o livro de
racista sem antes verificar o seu conteúdo. É preciso que antes seja feita a sua tradução. No
entanto, provavelmente o que existe nele são ideias sobre a democracia racial já levantadas
acerca da mestiçagem e miscigenação, influência de seu amigo Gilberto Freyre, o prefaciador
de seu livro Poemas Negros, lançado no dia de seu aniversário e comemorado na sua vitória
nas eleições municipais na Capital Federal. O outsider finalmente havia se estabelecido no
cenário nacional.
53
4 RECEPÇÃO DE POEMAS NEGROS: O PÊNDULO DO GOSTO ENTRE
FIGURAÇÕES
No presente capítulo, faremos uma discussão acerca do processo receptivo da obra
Poemas Negros, de Jorge de Lima, entre as décadas de 1920 e 1950. O livro propriamente
dito foi lançado em 1947, quando o médico, poeta e artista plástico alagoano conseguiu
sagrar-se vereador na cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal da República. Porém, em
1928, outros poemas, como “Essa Negra Fulô”, já haviam sido publicados pelo autor. Em
1953, Jorge de Lima falece, quando já havia lançado também Invenção de Orfeu, um ano
antes de sua morte, no momento em que era um autor bastante consagrado pela crítica. Neste
capítulo, tentaremos elucidar, portanto, questões relativas à recepção da obra, conectando-a a
processos históricos e sociais específicos, possíveis ressignificações que ela recebeu ao longo
do tempo e as relações entre o poeta e as figurações sociais das quais ele fez parte e que
influenciaram tanto na sua produção quanto na recepção de seu trabalho.
4.1 RECEPÇÃO, FIGURAÇÕES E SOCIEDADE
Uma teoria bastante em voga hoje quando se pensa na recepção de uma obra no campo
literário é a Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss (1921-1997). Com base na
fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), Jauss criou um modelo receptivo que
centralizava a importância da recepção no indivíduo leitor, isolado em sua consciência. Se
para a fenomenologia o mundo só existia por meio dos sentidos do indivíduo e dentro da
mente sensível dele, o texto também. Portanto, Jauss percebeu que no que respeitava ao
campo literário, pouco importava o que queria dizer o escritor em si, mas o que entendia seu
público, em geral, e o leitor isoladamente, em específico. O leitor isolado tem suas emoções,
percepções e sua visão de mundo. Para Jauss, ao ler um texto, ele capta informações que
entram em choque com o seu próprio mundo interior e suas sensações: esse choque interno
causa um conflito no leitor, uma turbulência, gerando satisfação ou insatisfação. Se causar
satisfação, a leitura teria atingido o horizonte de expectativas do leitor. Do contrário, o
horizonte de expectativas estaria longe de ser atingido e a obra perderia sentido para o
indivíduo que a lê (JAUSS, 1994).
O grande problema da Estética da Recepção é a importância excessiva que ela dá ao
indivíduo, tornando-o quase que isolado da sociedade, um alerta que Norbert Elias
reiteradamente faz em seus escritos. Assim como já dissemos, todo indivíduo está preso em
54
teias sociais e há um equilíbrio de tensões entre ele e a figuração social da qual faz parte.
Indivíduo e sociedade estão constantemente em equilíbrio instável, sempre com o pêndulo do
poder forçando para um dos lados de acordo com o momento histórico. Nesse sentido,
estruturas fixas de personalidade como Id, Ego e Superego, que Freud acreditava possuírem
algo de inativo, principalmente o Id, na verdade necessitam da sociedade para se desenvolver
(ELIAS, 1997). Da mesma forma, sentimentos, sensibilidade, emoções, prazeres e toda
intersubjetividade humana também se desenvolve com relação ao contato com outros seres
humanos. Esses elementos da consciência estão interligados à figuração e aos mecanismos de
pressão exercidos sobre o indivíduo e que constituem o seu habitus social. Portanto, não faz
sentido decidir pelo indivíduo ou pela sociedade, mas pelos dois reciprocamente. Assim, a
Estética da Recepção, tão em voga nos estudos literários da atualidade, não será utilizada em
nosso trabalho.
Teremos dois autores como base teórica para refletir sobre a recepção de Poemas
Negros. O primeiro é T. J. Clark, com A pintura da vida moderna. O segundo é Norbert Elias,
com seu livro A peregrinação de Watteau à ilha do amor. Ambos dão bastante importância à
sociedade e a processos históricos no que diz respeito ao processo de recepção de obras
artísticas e literárias. Elias vai além, levando toda a sua teoria sociológica para entender o
processo receptivo e relacioná-lo com o conceito de figuração, compreendendo as conexões
entre indivíduo e sociedade na recepção das obras.
Em A pintura da vida moderna, T. J. Clark trabalha com o conceito de representação
em obras de arte. Na Paris da segunda metade do século XIX, o pintor Édouard Manet,
provindo da pequena burguesia, lança L’Olympia, quadro que chocou a sociedade parisiense
da época (CLARK, 2004). Contudo, Clark se pergunta por qual motivo teria ocorrido esse
choque por conta da obra. Para os nossos olhos contemporâneos, a pintura não traz nada
escandaloso. É apenas uma mulher nua deitada na cama. Ao lado dela uma mulher negra
segurando um buquê de flores. Um gato preto também está em cima da cama. Um quadro
simples, mas que horrorizou Paris. Por quê?
De acordo com Clark, porque Paris passava por mudanças sociais, econômicas,
culturais e políticas, assim como toda a França e a Europa, e as pinturas de Manet traziam
representações dessas transformações. L’Olympia provavelmente era uma prostituta.
Entretanto, não aparentava ser uma prostituta bela, mas feia. Sua feiúra causava
constrangimento. Ela não era uma prostituta das elites, mas da pequena burguesia. As classes
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mais baixas, o operariado, as fábricas, a fumaça, a sujeira, a pobreza, cada vez mais passam a
aparecer nas obras desse modernismo de Manet. E é por isso que a representação daquela
realidade causava transtorno nas mentes das elites que viam cada vez mais seus espaços
sociais ocupados por gente das classes subalternas (ClARK, 2004). Norbert Elias
acrescentaria que tal fenômeno seria mais um produto das relações entre establishment e
outsiders.
Elias analisa o quadro O embarque para a ilha de Citera em A peregrinação de
Watteau à ilha do amor. Jean-Antoine Watteau (1684-1721) viveu na corte de Luís XIV em
fins do século XVII e início do século XVIII. O pintor foi admitido na Academia Real
Francesa em 1712, e, por isso, precisava doar a ela uma obra prima. Em 1715, Luís XIV
morre e seu filho, ainda criança, não pode assumir o trono. Inicia-se o período regencial.
Watteau atrasa, então, a doação de sua obra, mudando todo o seu formato e estilo (ELIAS,
2005).
A morte do rei trouxe ares de mudança na França do século XVIII. Um sentimento de
otimismo tomou conta da nobreza e de parte da burguesia. Watteau transformou sua obra
numa espécie de utopia, entregando-a à Academia Real, finalmente, em 1717. Em O
embarque para a ilha de Citera, a ilha do amor da antiguidade – lugar onde ficava a deusa
Afrodite – foi ressignificada na era iluminista sob os pincéis do pintor francês (ELIAS, 2005).
Posteriormente, o pêndulo do gosto se move, quando a Revolução Francesa derruba a
monarquia e a nobreza. Após 1808, o quadro foi retirado do Louvre e Watteau considerado o
“pintor dos pequenos esnobes” (ELIAS, 2005). Havia um traço muito anti-aristocrático na
sociedade francesa que surgia no século XIX.
Contudo, na década de 1830 o pêndulo do gosto se move novamente. A obra é
redescoberta por alguns intelectuais boêmios que a ressignificam. Ao olhar para o quadro do
passado e para o seu presente conturbado, sentem nostalgia de um passado que não viveram.
Saudade das cortes, da natureza, dos bailes e banquetes dos séculos XVII e XVIII. Watteau
torna-se proto-romântico aos olhos desses boêmios (ELIAS, 2005).
Nas décadas seguintes, após o pintor voltar a fazer sucesso, Nerval e Baudelaire
acabaram por escrever sobre a ilha de Citera. O primeiro ficou tão empolgado com o quadro
de Watteau que realizou uma viagem até a conhecida ilha do amor. Muito empolgado,
chegando lá, encontrou uma forca e uma paisagem árida e que não tinha relação nenhuma
56
com o amor. Escreveu sobre a experiência enganosa, e também sobre a ilusão. Baudelaire, ao
descrever a ilha das ilusões que o amigo visitou, utiliza um vocabulário pesado, grotesco,
ligado ao podre e ao chorume. O feio, o imundo, o falso, o mal, então, passou a também ser
consumido pela sociedade a partir daquele momento de mais uma movimentação do pêndulo
do gosto (ELIAS, 2005). Os escritores passam a acreditar que o belo, o sublime e o amor
deveriam ser descritos com muito mais realismo, senão estariam fadados à ilusão.
Tanto Elias quanto Clark refletem sobre a recepção a partir da perspectiva social. As
transformações sociais importam muito para eles, pois a forma como o artista e seu público
veem o mundo está ligado à sociedade a que ambos pertencem. No entanto, artista, público e
sociedade mudam, da mesma forma que os gostos estéticos. Elias percebe as mudanças nas
figurações sociais como também imprescindíveis para a mudança no pêndulo do gosto. Obras
são a todo o momento ressignificadas e podem representar coisas bem diferentes do que em
suas origens no correr do tempo.
É a partir dessas duas visões teóricas que pretendemos refletir sobre a recepção de
Poemas Negros entre as décadas de 1920 e 1950.
4.2 JORGE DE LIMA: AFRO-REGIONALISMO NO PÊNDULO DO GOSTO
Jorge de Lima vivia como outsider em Maceió, capital de Alagoas, no ano de
produção de “Essa Negra Fulô”. Ele era um outsider em relação ao centro difusor da poesia
nacional. No entanto, não podemos deixar de lembrar que Jorge de Lima fazia parte das elites
locais alagoanas daquela época. Nesse sentido, ele era do establishment.
Quanto ao poema “Essa Negra Fulô”, ele foi lançado junto com outros poemas de
temática regionalista, e seus versos repercutiram por vários jornais do país, tornando
conhecido o jovem médico e político alagoano no cenário nacional.
No Correio da Manhã de 11 de maio de 1928, Nestor Vitor atesta:
A crítica já bastante falou de “Essa Negra Fulô” e de “Banguê”, dois poemas do sr.
Jorge de Lima, encerrados numa plaquette que não tem mais de oito páginas. Eu,
por circunstâncias, só agora posso também referir-me a essas duas joias do poeta
alagoano. Não acompanhar o coro de aplausos com que foram eles recebidos seria
ocultar o prazer com que por minha vez os li. Em arte o que é novo só tem valor
quando nos dá uma sensação nova. Esse punhado de versos nos dá isso. Parecerá
que eles são quase nada. Representam efetivamente, entretanto, cristalizações dentro
da estesia dos da vanguarda, que a gente sabe como dificilmente se realizam. Podem
ser escritos de um jato, por assim dizer, mas vêm de estratificações que se foram
57
acamando lentamente na vida. Ou porque se ouviu ou porque se viu, e sobretudo
porque se andou embebido com toda a alma e todos os sentidos que Deus nos deu e
a gente não sabe ainda quantos são no meio com que mais particularmente nos
relacionamos. Falo da terra em que se nasceu, quando acontece, tal qual no caso
presente, cada novo dia que passa encontrar-nos mais consubstanciados com ela,
porque nos seus horizontes respiramos. O mais é questão de talento, e talento é o
que ao sr. Jorge de Lima não falta.
“Essa Negra Fulô”, à semelhança de outras criações que vêm nos “Poemas”, sobre
os quais já eu disse outro dia alguma coisa, imita a ingenuidade saborosa da arte que
figura no folclore, mas aqui com tato muito mais seguro para sugerir, de preferência
a dizer. Por isso a “negra Fulô” parece que salta daquelas páginas, no fim do poema,
como um lindo produto de Tanagra. E no fundo do quadro, sem que nada se
descreva propriamente, apreendemos todo um episódio dramático colhido no
cotidiano ardente e triste que foi proporcionando por séculos o drama da escravidão.
Não se pode com mais bom gosto e sabor mais atual tratar um assunto assim.
Aqui não há nenhuma ironia corrosiva, nem lirismo apoiado pelo contraforte
suspeito da eloquência, quanto mais da retórica. Há poesia pura, dessa que vai
penetrando menos quando se lê do que quando com o correr dos dias vai-se
recordando o que se leu.
“Essa Negra Fulô” é um novo produto clássico, vindo por espírito de moda, sem
dúvida, mas que ficará quando a moda passar. Excede as intenções conscientes. Está
compreendido naquela poesia de que nos fala Henri Bremond. [...] O sr. Jorge de
Lima preste assim um serviço real ao vanguardismo brasileiro: aproxima
incontestavelmente a sua estesia do gosto mais geral. É milagre que só o Norte com
o seu senso profundamente nacional podia fazer (CORREIO DA MANHÃ, 1928, p.
2).
São vários os elogios de Nestor Vitor. O que chama a atenção é o fato de ele enfatizar
que somente alguém do Norte poderia produzir algo daquela forma. Como já dissemos, a
imagem do Nordeste ainda não estava consolidada, e Gilberto Freyre, conjuntamente com
outros autores daquela região, tentava construir um imaginário de riqueza cultural provinda
daquele espaço específico. Outro destaque de Nestor Vitor é o vanguardismo de Jorge de
Lima. Poemas traz versos experimentais, que se aliam às obras que estavam sendo lançadas
naquele período modernista. Para Nestor Vitor, Jorge de Lima supera a retórica e atinge a
essência da poesia. É uma opinião semelhante a que Tristão de Ataíde, já citado aqui,
apresenta sobre o autor na sua coluna literária do dia 11 de maio de 1928 em O Jornal (O
JORNAL, 1928).
Um ano depois, na coluna literária do Correio da Manhã, Humberto Campos também
deixa a sua opinião sobre Jorge de Lima:
o sr. Jorge de Lima, que é um dos melhores prosadores da geração a que pertence,
inscreveu-se nestes últimos anos no indisciplinado batalhão dos poetas modernistas.
Inscreveu-se e recebeu, logo, as primeiras provas, os galões de oficial. E é de
documentação dos seus méritos que apresenta agora, nestes “Novos Poemas”, em
segunda edição.
Entre vantagens do movimento operado nos domínios da poesia brasileira, deve ser
contado, em primeiro lugar, a nacionalização dos assuntos. No tempo do soneto e do
parnasianismo, os nossos poetas, de sul a norte e de leste a oeste do Amazonas ao
Rio Grande e do Rio de Janeiro a Corumbá, celebravam sempre os mesmos temas,
58
na mesma linguagem, à revelia do ambiente. Após a leitura de um livro de versos,
raramente se ficava sabendo se o autor procedia do Ceará ou de São Paulo, tão
divorciadas andavam, nesses dias ainda são próximos, a Arte e a Natureza. O
modernismo, contribuindo embora para a fragmentação nacional, fez de cada poeta a
expressão do seu meio, a voz do seu povo, senão na técnica, pelo menos na língua e
nos temas. Assim é que temos, hoje, inconfundíveis, poetas de São Paulo, que
cantam os cafezais coloridos de verde e vermelho e a vida nervosa, febril,
americana, da sua metrópole industrial; os do Rio Grande do Sul, que fixam a vida
pastoril, onde o gaúcho passa, no silêncio noturno dos descampados queixando-se
dolentemente, em endeixas melancólicas, em um dialeto sem a aspereza das
consoantes bárbaras que o castelhano abrandou; os do Rio de Janeiro, que celebram
os miúdos episódios mundanos, os quais, reunidos, constituem uma encantadora
feira de futilidades; os de Minas, evocando o prefácio político da história nacional,
escrito com a pena de ferro dos alviões na terra mordida pelos faiscadores de ouro e
pelos catadores de diamantes; e os da região dos engenhos de açúcar, da Bahia ao
Recife, cuja poesia, mole e doce, recorda o louro mel das grandes caldeiras
ferventes, purificando-se ao fogo para o encanto civilizado do paladar. Eu não
acredito, entretanto, que a arte que se está produzindo consolide os seus moldes e se
torne definitiva. Nos últimos anos do século XIX, observou-se movimento idêntico
nos Estados Unidos. A poesia, que, por intermédio de Walt Whitman, tinha se posto
em contato com a atualidade tumultuosa da vida americana, desceu a sondar o
passado maravilhoso do povo, fixando o seu folclore em cantigas ingênuas, de
feição popular. É o tempo que John Hay e Bret Harte recolhem o cancioneiro dos
cowboys, em que Eugen Field escreve para adormecer as crianças, e em que Irving
Russel percorre as estradas do Sul, tocando o seu banjo e desenvolvendo motivos
que recolhe como frutos agrestes, à margem dos caminhos. A poesia, para renovar-
se, havia, como se está verificando entre nós, tornado às suas origens.
Nascido em Alagoas, e aí vivendo, o sr. Jorge de Lima traz-nos a contribuição da
região agrícola e industrial do meio norte, fixando pequenos quadros de um estado
de civilização desaparecido, ou que vai desaparecendo. “Essa Negra Fulô”, que
desenvolve um tema popular, não é mais, talvez, do que o mesmo tema tratado, já,
por Trajano de Carvalho, na “A crioula”, por Bittencourt Sampaio, em “A mucama”,
por Gonçalves Crespo, em “A mulata” e por Mello Moraes, filho, na poesia do
mesmo título. O poeta alagoano despiu-o, porém, das galas eruditas, fê-lo voltar às
fontes de que proveio, e ninguém contestará que o argumento, assim exposto,
ganhou em beleza e readquiriu as suas primitivas qualidades de sugestão. [...]. No
momento presente, com o modernismo a triunfar, nos salões elegantes, com a poesia
popular servida por espíritos de eleição como os srs. Alvaro Moreyra e Jorge de
Lima, a poesia erudita sente, talvez, ímpetos de exclamar: Venceste Galeno! Mas o
sr. Juvenal Galeno não venceu como o Christo. O predomínio do folclore, e das suas
formas poéticas, é transitório. Ele representa, apenas, no roçado das nossas letras,
uma chuva de janeiro, para abrir em flores um ou outro pão d’arco mas, em geral,
para fazer nascer o feijão (CORREIO DA MANHÃ, 1929, p. 2).
Humberto Campos considera Jorge de Lima um poeta regionalista, que se arrisca na
onda do modernismo e que se despiu da erudição, utilizando-se do folclore popular em seus
poemas. No entanto, Campos acredita que, assim como ocorreu nos Estados Unidos, o
modernismo no Brasil, onde há um “indisciplinado batalhão” de poetas, poderia ser apenas
uma moda passageira. O tema em si não seria novo, e vários autores já teriam tratado de
poemas sobre negros e sobre regionalismo. Porém, Jorge de Lima teria abandonado a erudição
em favor do coloquialismo e linguagem mais simples. Outra preocupação aparente do crítico
59
é a possibilidade de o regionalismo modernista separar o Brasil, num momento em que o país
precisava de unidade nacional.
Uma crítica bastante negativa que o poeta alagoano recebeu por Poemas (1928) foi
Povina Cavalcanti que escreveu na Ilustração Brasileira na edição de maio de 1928:
Acabamos de volver a última página de Poemas de Jorge de Lima com a impressão
de desafogo de quem deixa um túnel, já podendo respirar profundamente ao ar livre.
Jorge de Lima vem de armar barraca nos arraiais do “modernismo”. E com uma
expressiva fecundidade lança aos quatro ventos um enfestado volume de coisas
informes – ele que era um sóbrio artista de sóbria e trabalhada produção intelectual.
Com este salto mortal (a expressão é de Ronald Carvalho quando há três anos
passados interpretava para nós esse novo gênero acrobático) Jorge de Lima ganha
em abundância o que perde em talento, cultura e bom gosto. De sua nova arte não se
poderá dizer: pouca sed bona. Não. Copiosa e má.
Cavalcanti já começa afirmando que o livro todo é ruim e que foi uma aventura do autor
adentrar no modernismo. Em seguida, mais ataques ao movimento, inclusive a figuras como
Manuel Bandeira, Mario de Andrade e Oswald de Andrade e até o já citado Tristão de Ataíde.
Todos que embarcassem no bonde do modernismo se tornavam alvos de Povina Cavalcanti:
Jorge de Lima faz questão do nosso juízo sobre os Poemas. Acudimos destarte ao
seu desejo, com a isenção de um homem exclusivamente cerebral. Está visto que
recalcamos no fundo da nossa sensibilidade o desgosto de não poder endeusar um
amigo tão raro como esse.
É possível que amanhã voltem a coincidir os nossos pontos de vista literários e que,
ou a sua arte se defina melhor, ou a nossa crítica se descortine mais.
De qualquer forma, Jorge de Lima e nós seremos sempre os mesmos no respeito
mútuo e na ternura comum.
Figuremos dois tratos de terra fértil, com a rega de uma nascente copiosa. Num –
assíduo botânico, doublé de vigilante jardineiro, cultivou uma flora de belos efeitos
policromicos classificando-a segundo as suas espécies; noutro – natureza bravia e
espontânea livremente produziu uma vegetação medíocre de mussambês e tiririca,
enredada por lianas, num abraço selvagem de mato primitivo.
Contemplando a obra de arte do jardim, Jorge de Lima é aquele autor, que existiu
até o ensaio Salomão e as Mulheres; já o mesmo não podemos dizer em relação ao
outro trato de terra, à beira do qual só um bárbaro guincharia os rudimentos de sua
sensação estética.
Infelizmente os Poemas são assim como esse mal-aventurado símile de um inculto
rincão, fechado de mato bravo.
Mas, como se explica que Jorge de Lima, de uma hora para outra, tivesse mudado
substancialmente o espírito de sua arte?
Influência de alguém? Já lhe atribuíram a influência do Sr. Manoel Bandeira. Não
temos coragem de fazer essa insinuação.
Poeta interessante, o Sr. Bandeira viaja em segunda classe no comboio em que
Hermes Fontes ocupa uma cabine de luxo.
Influência dos Andrades, de São Paulo? Pior ainda para Jorge de Lima. Ele que
agradeça ao Sr. Tristão de Ataíde a pecha de copiador, com que procurou diminuí-
lo, somente por ter entrevisto no autor de Salomão e as Mulheres um espírito muito
mais culto e mais vivo do que o seu. Não.
Jorge de Lima não recebeu influência direta de nenhum futurista brasileiro. Esta
justiça nós lhe fazemos com gaudio seu. A identidade de processos que se quer
60
descobrir nele e nos outros é original da mesma fonte europeia, onde primeiro
alvoreceu a consciência dessa pseudo-brasilidade, que os vanguardistas pretendem
impingir, como sentimento puro e virginal da nossa terra. Esta é que é a verdade.
Brasilidade de foyer europeu.
O crítico, então, se pergunta por qual motivo Jorge de Lima, que antes seguia outro
estilo estético, outra tradição, resolveu mudar. Ironicamente, declara que o alagoano resolveu
passar um tempo no Rio de Janeiro e acabou se perdendo em leituras de poesia moderna
alemã e francesa. Influenciado, acabou tentando algo novo, que, segundo Cavalcanti, não deu
certo:
Jorge de Lima, fugindo à sua atividade profissional, veio passar quatro meses no
Rio. No Rio, é um modo de dizer. Ele veio para uma aprazível vivenda da Ilha do
Governador, um recanto adorável situado numa dominante elevação, sombreada de
arvores generosas e bafejada de auras do mar. Homem de natural recolhimento, com
volúpia das leituras novas (repetir leituras é ainda uma das qualidades do bom leitor)
Jorge de Lima leu naqueles meses todo o vient de paraitre de 1927, não só da
França, como da Alemanha.
Foi o bastante. Ao cabo dessa exaustiva leitura, o poeta estava comprometido com o
modernismo europeu.
Não é que Jorge de Lima quisesse imitar os modelos transatlânticos. Não. Ele teve
intenções muito mais nobres. Persuadido de que a nova poesia germânica e francesa
se afastava da poesia clássica romântica e da parnasiana o autor da Comédia dos
Erros pensou que, desdenhando o pastiche dos Andrades e dos Bandeiras pudesse
fazer uma coisa absolutamente nova e fundamentalmente nacionalista. Tentou, pois,
animado essa “coisa”.
Se Jorge de Lima aliasse aos seus raros e privilegiados dons de talento e ilustração
um pouco de perspicácia crítica, teria logo visto o fracasso dos nossos modernistas
em face do movimento europeu, do qual éramos, apenas, projeção... americana.
Mas, Jorge de Lima, sendo uma pura sensibilidade de artista, é conjuntamente uma
negação de espírito crítico. Deixou-os, pois, arrastar pela corrente vanguardista, no
ledo e cego engano de um extreme e belo idealismo.
Resultado: os Poemas trazem a marca do modernismo europeu em tal evidencia, que
o próprio bispo da crítica futurista e modernizante no Brasil confundiu os estilos de
Jorge de Lima e dos outros. Está aí, afinal, o que ele lucrou com seu “salto mortal”.
Historiado, fielmente, o caso literário do poeta, tal como o vimos nascer e o temos
seguido, vamos passar agora a analisar-lhe a obra, até esse folheto, tradicionalista,
pitorescamente denominado: “Essa negra Fulô”, que vem de ser publicado, e que é
um grave sintoma de suas indecisões artísticas.
Poemas é tão estranho para o gosto estético do crítico que ele nem reconhece seu
conteúdo como poesia: A primeira coisa a referir, tomando o volume à análise, é que a despeito do título,
Poemas não é um livro de versos. E também não é um livro de prosa!
Como a mãe de S. Pedro, o autor ficará por situar-se literariamente ao bel prazer dos
seus críticos. Será um livro de poesia? Veremos.
A poesia pode existir sem o verso – é sabido. Como há versos sem poesia... E poeta
diz-se hoje o idealista, o herói, o homem de imaginação.
Mas, dessa acepção lata, não se trata numa brochura de pretensões reduzidas. Aqui,
neste caso, o poeta seria esse mesmo usual e corriqueiro interprete de emoção, que a
gente vive a topar nas ruas, às dezenas, enamorados da beleza cósmica, depois de
tanto saciados da beleza humana.
Que poesia, então, é esta dos Poemas?
Onde a prosa é boa, isto é, onde há sentido na prosa, deparam-se a nós, aqui e acolá,
vestígios de poesia – de uma poesia ingênua e primitiva, fresca e simples.
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Que isto dizer que o autor tem inegavelmente uma alma de poeta. Vive nestes
Poemas, abstratamente, uma doce estesia. Faltou, apenas, voz a esta sensibilidade.
Jorge de Lima incide no erro dos seus confrades vanguardistas, quando desdenha os
avisos oportunos da gramática, como se esta disciplina fosse, apenas, necessária para
a boa colocação dos pronomes. Esqueceu que a gramática também é indispensável à
construção lógica da frase, isto é, à clareza, ao sentido das ideias.
Dir-se-á que a poesia é emoção e que a emoção prescinde da gramática.
Neste caso, incorporemos desde já a sociedade humana os aedos futuristas dos
currais e das selvas bravas, cujas vozes animais não entendemos, mas entendem os
emotivos da espécie...
O livro de Jorge de Lima estaria cheio de erros gramaticais, o que tornaria tal literatura
difícil de entender e até medíocre:
Os Poemas ressentem-se da falta de gramática, em vários trechos. Está vista que é
“escolástica” a missão. Apenas, há uma diferença: a maioria dos chamados
modernistas escreve assim, porque só assim sabe escrever; Jorge de Lima, não. Ele
é, pelo contrário, um escritor purista. Seu holocausto é comovente. A menos que
Jorge de Lima não satirize também as letras ditas “modernas”, – ele está fazendo as
vezes de um cego idólatra do verdeamarelismo e do pau brasil, aos quais
estoicamente sacrifica a sua bela alma de poeta.
No fim de contas, na galeria axiológica do modernismo brasileiro, ele vai ser um
santinho medíocre, por isso que a canonização é obra de uma grei sabidamente
desunida...
Povina Cavalcanti faz algumas análises bastante parciais de alguns poemas de Jorge de
Lima, frisando partes que ele considera negativas, exageradas, copiadas de um estilo
modernista artificial de outros países, pitoresco em excesso, sem sentido, enfim, nada agrada
o gosto do crítico:
Mas tornemos aos Poemas.
Numa página pitoresca sobre a Bahia, encontram-se cousas assim:
Cadê o teu poeta mulato Arthur de Salles?
E esta:
Os teus médicos literatos
Injetaram a ampola de água suja
De doutrina sem fé
Ou ainda esta, piramidal:
Aqui jaz o Capp. De Mar e Guerra
Theodorico Roiz de Faria
1° bemfeitor desta igreja
Sore a América, estribilha Jorge de Lima, imitando todos os modernistas do
Continente, especialmente os argentinos, as três famosas iniciais U. S. A.
Vejamos um trecho:
U. S. A.
Estados Unidos da América do Norte:
New Jersey
Detroid
Buffalo
Chicago
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Ritmo de fabricas gigantes que desovam
Automóveis e locomotivas
U. S. A.
Negros linchados pelos brancos
Réus eletrocutados em Sing-Sing
Delinquentes castrados nas prisões
Arquimilionários condenados
E milhões de mãos construindo
o sky-scraper da Felicidade
Transcrevemos a parte mais expressiva do “poema”, com este finalzinho de chave de
soneto parnasiano.
Jorge de Lima faz nesta América uma peregrinação erudita, puramente livresca,
através de modismos regionais.
A propósito de uma estrada de ferro nordestina (G. W. B. R.) pretendeu gravar a
paisagem do interior de Pernambuco e de Alagoas.
Não chega a ser um alto-relevo; é um panorama aberto a sílex, grosseiro, rude,
primitivo, embora exato.
Não cremos que a poesia se reduza a isso: naturalismo cru, sem emoção.
Entretanto, G. W. B. R. é, em prosa desconchavada, o flagrante de todos os dias da
vida insignificante de uma péssima estrada de ferro.
Pasmemos da emoção de Jorge de Lima:
- “O trem vai atrasado.”
- “como sempre, toda a viagem.”
Mais adiante apita
- “É um cavalo na linha!”
-Não é, diz o condutor,”
“é uma curva fechada.”
A gente olha,
Não é nada.
Foi o maquinista que chamou uma menina da margem,
Ela conhece o apito.
Uf! Igual a esta “poesia” só conhecemos uma coisa: uma viagem na Great Western...
Nesta, afinal, a gente quando chega ao fim dá graças a Deus; o fim do “poema” nem
isso permite, pois, acaba loucamente:
Lagoa do Norte!
A cobra de cipó vai beber água.
Fernão Velho!
Bebedouro
Maceió!
Great Western of Brasil Railway
Feita de encomenda pra o Nordeste,
Minha primeira viagem deslumbrada!
Ferrugem. Fumaça. Meus brinquedos. Pó.
Para que documentar mais? O livro é quase todo assim. Muita coisa absurda,
teratológica.
Nós, como críticos, compreendemos, em muitos passos, a intenção de Jorge de
Lima. Mas nem todos os leitores são críticos. Ele quer dar a impressão “real” de
tudo, sem literatice, sem escopro nem camartelo. Meteu-se-lhe pela cabeça que a
poesia brasileira tem de ser livre, como o vento. E zás! Não tem mãos a medir... Vai
colhendo tudo pelo caminho: o pitoresco dos homens e das coisas, de mistura à reles
monotonia dos sentimentos inferiores.
Poesia para ele deve ser quaternária: contemporânea, pois, dos instrumentos de
pedra.
Precisaria completar a cena paleolítica, vestindo-se ele próprio de pele.
63
Entretanto, Jorge de Lima tem nos Poemas uma página moderna, que poderia servir
de modelo. Linda página de evocação e de sentimento. Belo cromo de saudade. Não
é verso, mas tem poesia. Leiamos, contritos, esta
Oração
“Ave Maria, cheia de graça...”
A tarde era tão bela, a vida era tão pura, as mãos de minha mãe eram tão doces...
Havia lá no azul um crepúsculo de ouro... lá longe... “Cheia de graça, o Senhor é
convosco, bendita! Bendita!
Os outros meninos, minha irmã, meus irmãos menores, meus brinquedos, a casaria
brasca de minha terra, a burrinha do vigário pastando junto à capela... lá longe...
Ave, cheia de graça! - Bendita sois entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso
ventre...”
E as mãos do sono sobre os meus olhos; e as mãos de minha mãe sobre o meu sonho
de ave!
E isso tudo tão longe... tão longe...”
Eis aí. No livro a pontuação não é esta, nem a disposição gráfica a mesma. Vem
tudo arrumadinho em prateleira, fingindo versos... Não sabemos para que!
Alguns nos tem dito: Tudo não presta, mas há alguma coisa...
Ora bolas! Estamos certos de que Jorge de Lima prefere que se negue totalmente o
livro a elogiá-lo por miudezas. Bem, se vê que o autor teve a preocupação de uma
unidade impossível. Amanhã, um sujeito faz aplicação de retalhos de púrpura num
vestido de chita e também há de querer impingir a peça como de pano fino.
Não. Os Poemas serão, historicamente, na vida literária de Jorge de Lima, um
simples episódio. O poeta não ganhará nada com eles; talvez já o mesmo não
aconteça com o prosador.
A prosa, em algumas passagens dos Poemas é interessante, vivaz, impressionista.
Dando-lhe extensão e pontuação, que lhe faltam, Jorge de Lima poderá fazer uma
obra sugestiva, com o anhelado pitoresco brasileo, que falhou completamente nesta
tentativa poética.
Contudo, nem todos os poemas seriam ruins por completo. Povina Cavalcanti faz um
pequeno elogio a “Essa Negra Fulô”, por ser divertido, pitoresco. Apesar de, segundo ele, o
poema estar com o título equivocado, pois o “certo” seria “nega” no lugar de “negra”. O
crítico elogia a métrica portuguesa dos versos, a sua forma e conteúdo. Por isso, o poema seria
sintoma da indecisão de Jorge de Lima entre um estilo modernista e o seu anterior:
Encerraríamos aqui estes comentários, se não tivéssemos assumido o compromisso
de conduzir esta apreciação até o folheto “Essa Negra Fulô”.
Dissemos atrás que este último trabalho era tradicionalista e revelava um grave
sintoma das indecisões artísticas de Jorge de Lima.
Assim é, precisamente. Devemos, aliás, confessar que gostamos muito de “Essa
negra Fulô”, pela sua graça matuta, pelo seu tom brejeiro, pelo seu espírito
pitoresco.
Há, porém, um evidente erro de Jorge de Lima, quando dá à poesia um motivo de
“coco” de Alagoas.
Ora, “Essa negra Fulô” (O certo aqui seria o errado: nega) é uma narrativa
eminentemente lusitana, desde o fundo folclórico, erradamente atribuído ao Brasil,
até ao metro, que é genuinamente português:
Ó Fulô? Ó Fulô?
Vai botar para dormir
Esses meninos, Fulô!
“Minha mãe me pentiou
Minha madrasta me enterrou
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Pelo figo da figueira
Que o sabiá beliscou.
Como pode Jorge de Lima conciliar a brasilidade e o americanismo dos Poemas
com essa bela “Nega Fulô”?
De nossa parte, só vemos em tal coisa um sintoma auspicioso, que diz com as
indecisões do poeta e serve para mostrar que do caos dos Poemas pode ainda surgir
um mundo novo (ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA, 1928).
Nesse final da década de 1920, a Europa está em reconstrução e os Estados Unidos
passavam por um boom econômico, vendendo commodities ao resto do mundo. O globo já
estava conectado em termos sociais, políticos, econômicos e culturais, (mesmo antes do
fenômeno da globalização, que iria multiplicar em muitas vezes tal fenômeno). A Primeira
Guerra havia mudado todo o cenário mundial (HOBSBAWM, 1995). Povina Cavalcanti
declara que Jorge de Lima teria se influenciado pela literatura alemã, francesa, e também pelo
modernismo brasileiro, entrando em contato talvez com Bandeira ou os Andrades. Acrescenta
a isso o regionalismo e a influência da literatura americana. Os ataques ao modernismo nessa
época também eram estigmatizações contra os outsiders. O establishment, consolidado até
então, dava valor à regra, à norma, à métrica, ao sublime, ao não bárbaro. Com as
transformações do pós-Guerra, o pêndulo do gosto se moveu e foi atrás da quebra da regra.
Foi atrás de uma literatura menos pedante e que tentasse imitar o real. Nesse equilíbrio
instável, as peças do tabuleiro movem-se de acordo com suas figurações. Jorge de Lima
estava se inclinando para o grupo outsider que aos poucos se estabelecia, ou seja, o
modernismo tomava conta do cenário nacional. Nos anos 1930, tanto o autor quanto o
movimento iriam realmente se estabelecer. Ele na Capital Federal, o movimento em sua
segunda fase.
Como já foi mencionado, em 1930, Jorge de Lima montou consultório na Cinelândia,
no centro do Rio de Janeiro. No local também funcionava um ateliê de pintura. Naquela nova
figuração social, passou a conviver com indivíduos de vários grupos sociais, inclusive
intelectuais de várias vertentes modernistas. Também trocava correspondência com vários
deles. Fazia conferências. Lia muita literatura nacional e internacional. Ele também entrou em
contato com militantes católicos. O outsider foi aos poucos ganhando destaque no
establishment. Quanto mais o pêndulo do gosto inclinava em favor do modernismo, e mais
Jorge de Lima se embebia desse estilo, mais importância adquiria em sua nova figuração. Nos
anos 1930, as forças centrífugas do modernismo regionalista e as forças centrípetas, de São
Paulo e Rio de Janeiro, passaram a entrar em ressonância, num comum acordo de aceitação do
65
modernismo regional e central, reciprocamente. Movimento e seus poetas seguiram a
caminhada não democrática da década a denunciar os problemas sociais que, talvez, a falta de
democracia agravasse.
Jorge de Lima virou tamanha referência em termos de poesia regionalista e poesia
negra que, em 1935, Jorge Amado o citou por duas vezes, comparando-o com Raul Bopp. Na
primeira vez foi no periódico Diário de Notícias, do Rio de Janeiro (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
1935). Na segunda, no jornal A manhã, também do mesmo estado (A MANHÃ, 1935). Em
1936, Tulio Hostílio Montenegro faz um imenso elogio a Jorge de Lima em sua coluna:
Ensaísta com Salomão e as mulheres e Dois ensaios, biógrafo de Anchieta, novelista
através do Anjo e Calunga, homem de ciência, conferencista sobre assuntos
estrangeiros, profundo conhecedor de literatura como o demonstrou em seu estudo
sobre Goethe, editado na Alemanha, Jorge de Lima, possuidor de uma das mais
belas inteligências do Brasil, é sobretudo o poeta do Mundo do menino impossível,
de Essa Negra Fulô e Banguê.
Muito embora, Manuel Bandeira tenha surgido literariamente antes de Jorge de
Lima, foi esse último que deu com maior propriedade expressão às tendências
modernistas do Norte na prosa e no verso. Depois dele vieram Gilberto Freyre, Lins
do Rego, Jorge Amado, Amando Caluby e outros que hoje representam dignamente
essa parte do país. Porque, Manuel Bandeira, o que lhe antecedeu, é mais paulista
pelo coração e pelos versos.
Jorge de Lima começou parnasiano. José Lins do Rego, explicou nas suas “Notas
sobre um caderno de poesias” como nasceu o poeta modernista que o Brasil todo
conhece a admira. Diz que, um dia, o poeta de “Pai João” quis fazer uma pilheria
com o ex-parnasiano de “A Aranha”. Tomou-lhes as normas para escrever uma
paródia à Invocação de Recife. Quando conseguiu escrevê-la, descobriu o seu
verdadeiro sentido, e evadiu-se por completo das antologias onde havia sido
colocado por Osorio Duque Estrada, com seu Acendedor de Lampiões... Daí para
diante foi literatura de versos verde amarelo que não deram muito prazer ao sr.
Andrade Muricy, porque em verdade há regionalismo de mais por vezes
incompreensível para um nacionalista de horizontes latos...
Mas o fato é que Jorge de Lima modificando-se e deixando as regras que obedeceu
quando fez o Acendedor de Lampiões, transformou para mais brasileira toda a
poesia do Brasil, dando-lhe maior intensidade de expressão. Para provar isso, basta
mostrar a alguém que tenha conhecido a vida de uma “casa grande” os versos de
Essa Negra Fulô e a exclamação que confirma a verdade identificará a realidade com
que foi explorado o assunto. Essa poesia é bem mais real que as de Trajano Souza,
Bitencourt Sampaio, Gonçalves Crespo e Mello Moraes Filho, na exploração do
mesmo motivo, porque “veio despida das galas eruditas” pelo que “ganhou em
beleza e readquiriu as qualidades de expressão”.
Tomemos outra poesia. Changô, por exemplo, não é ficção. É antes um disco
gravado numa macumba. As rezas de pai-de-santo, as invocações da Oxum, Orixá,
Oxalá, Santo Onofre e Senhor de Bonfim são perfeitas. Nem mesmo a Macumba de
Murillo de Araújo que se lhe sobrepõe em cadencia, lhe iguala em realismo.
Mas, Jorge de Lima é principalmente o poeta nosso. Transformou em versos bonitos
as nossas cantigas, a vida do seu Norte, deu às nossas crianças os seus verdadeiros
brinquedos (faz-de-conta), usou somente motivos brasileiros.
Jorge de Lima é, por isso, como disse Ciro Vieira da Cunha, “o Brasil no motivo e
no linguajar. É o reflexo da terra onde nascemos e da hora que vivemos” (DIÁRIO
DA MANHÃ, 1936).
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Em 1936, Jorge de Lima já é colocado acima de indivíduos que tiveram fama em um
momento anterior a ele e que já puxavam o comboio do regionalismo, como Gilberto Freyre.
Quase podemos inferir, pela forma como Montenegro colocou em sua ode, que foi Jorge de
Lima que influenciou Freyre. É claro que podemos pensar nesse tipo de reciprocidade, mas o
Manifesto Regionalista foi escrito pelo Pernambucano em 1926. As ideias sobre democracia
racial de Gilberto Freyre são diluídas em várias de suas obras desde o início de seus estudos.
No entanto, ficaram mais evidentes após Casa Grande & Senzala, publicado em 1933.
Montenegro cita o funcionamento de uma “casa grande” e a relação com “Essa Negra Fulô” e
também declara que Jorge de Lima se transformou um ícone do “Norte” (uma vez que o
conceito de Nordeste ainda estava sendo construído no imaginário popular). O alagoano, meio
que por acaso, segundo o relato de Lins do Rego, acabou entrando no jogo do modernismo e
por lá ficou.
Com essas visões sobre o autor nos anos 1930, podemos perceber que o regionalismo
e o modernismo estavam consolidados e caminhando juntos, bem como Jorge de Lima se
enquadrava no novo establishment, em plena Era Vargas. Foi um momento em que a
ideologia nacionalista estava tomando conta do Ocidente e, como já foi dito, a ideia de um
Estado forte e compromissado com causas sociais foi ganhando destaque, principalmente após
o enfraquecimento da visão liberal de mundo em consequência da Primeira Guerra Mundial e
da Crise de 1929 (HOBSBAWM, 1994). A segunda geração modernista levava em
consideração o que estava acontecendo no Brasil e no Mundo.
Em 1944, o mundo estava em Guerra e o Brasil tinha entrado no conflito ao lado dos
Estados Unidos. Vargas teve de escolher um dos lados e ficou com o americano, por conta
dos investimentos que eles fizeram na indústria de base (FERREIRA; DELGADO, 2003). No
Diário Carioca de 3 de setembro de 1944, logo abaixo de uma manchete sobre o
“magnetismo de Adolf Hitler”, Moacir Werneck de Castro anuncia a publicação de uma
antologia de poetas brasileiros nos Estados Unidos traduzida por Dudley Fits (DIÁRIO
CARIOCA, 1944, p. 1). Após discorrer sobre as novas relações entre os americanos e o
Brasil, Castro queixa-se de na antologia estarem ausentes Mario de Andrade, Vinícius de
Morais, Augusto Frederico Schmidt e Cecilia Meireles. “Não serve de desculpa a falta de
espaço”, afirma o colunista, “porque nada perderia a obra se se excluíssem os poemas de
Menotti del Picchia e Ismael Neri”. O primeiro “nada acrescentou à nossa poesia”, segundo
Castro, e o segundo teve uma vida breve e nada realizou. Na antologia teria também, para ele
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um “excesso de poesia de Jorge de Lima, em prejuízo do espaço vital de Murilo Mendes e
Carlos Drummond de Andrade”. Na “bolsa de valores” de prestígio da sociedade de corte
literária, ou melhor, no establishment literário, Jorge de Lima encontrava-se a um passo atrás
de várias figuras em destaque.
Em 1946, Peregrino Júnior é empossado como novo imortal da Academia Brasileira
de Letras (LETRAS E ARTES, 1946), um sonho que Jorge de Lima nunca irá realizar, mas
que tentará com todas as suas forças. No mesmo ano, uma escritora chamada Lucia
Mulholand publica o livro “Essa Negra Fulô” pela livraria Agir (DIARIO DE NOTICIAS,
1946). Alguns acreditavam que Lucia era pseudônimo de Jorge de Lima. O pêndulo do gosto
é instável. No pós Segunda Guerra, a ordem é fazer democracia a todo custo. Vargas já havia
caído e a União Democrática Nacional atraía novos adeptos para difundirem sua ideologia.
Jorge de Lima tentaria uma nova cartada para a tão sonhada vaga na ABL. 1947 seria o ano
do autor.
Os Poemas Negros foram um verdadeiro sucesso. Jorge de Lima agradou bastante a
crítica e encontramos muito material sobre o lançamento da obra. São muitos elogios, como
os de Valdemar Cavalcanti:
Essa admirável coleção de Poemas Negros, de Jorge de Lima, publicada por
iniciativa de Murilo Miranda, com ilustrações de Lasar Segall, deu-nos a
oportunidade de uma nova tomada de contato com o melhor da poesia daquele
fabuloso homem de sete instrumentos. E o que disso resulta é o reconhecimento da
vitalidade extraordinária da vertente lírica do meu conterrâneo ilustre. Estão aqui
poemas de vinte anos, muitos com as marcas da época, e no entanto estão todos
vivos, com a mesma cor e o mesmo gosto de antes: o tempo nada lhes tirou que
pudesse torná-los tristonhas peças de um museu literário. Há neste volume um “Essa
Negra Fulô” que não tem data, porque é de todos os tempos. Há o “Madorna de
Iaiá”, que se pode incorporar ao patrimônio da lírica brasileira como documento da
maior valia. Confesso que fui dos que temeram pela poesia de Jorge de Lima, em
virtude da excessiva riqueza de pitoresco que ele acumulava; temi que a muita cor
local, além de muita melodia, viesse prejudicar a pureza da substância poética; temi
a fascinação, o arrebatamento de sentidos que senti ao ler esses poemas, ainda em
borrão, faz muitos anos. E agora vejo com alegria que eles se conservam intactos em
sua grandeza natural, bem regionais de seu, mas universais; alagoanos, nordestinos,
mas de todo o Brasil, poesia “de qualquer parte do mundo”; bem de 1927, e todavia
de hoje e de amanhã, sem dúvida nenhuma. Reeditando páginas de vinte anos, Jorge
de Lima realiza uma experiência audaciosa para saber do grau de resistência da sua
obra poética. Não sei de muitos poetas brasileiros que pudessem fazer o mesmo e
sair da prova com o coração aliviado e o espírito tranquilo como acontece com o
poeta, pintor, médico, escritor, político e vereador Jorge de Lima (O JORNAL,
1947).
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Cavalcanti temia que os Poemas Negros tivessem envelhecido, mas viu que se
tornaram universais. Isso porque, como vimos, o pêndulo do gosto colocou o modernismo no
establishment, envelhecendo obras que não se enquadravam nesse estilo. Jorge de Lima é
visto pelo colunista como ícone nordestino e símbolo universal do regionalismo. Ele também
vê muito de pitoresco nos poemas, e temia que isso se voltasse contra o autor. Porém,
segundo Cavalcanti, o tempo provou que os poemas de Jorge de Lima resistiram, mesmo com
vinte anos já passados.
No ano de 1947, Jorge de Lima começou a escrever uma coluna bem extensa no jornal
A manhã, no qual expunha toda a sua erudição. Ele também se elegeu vereador. Comemorou
o aniversário, o lançamento do livro e a eleição no mesmo dia, junto de amigos e seguidores.
Ainda em 1947, seu amigo, Murilo Mendes, dá entrevista ao Joaquim e informa que
depois de Carlos Drummond e Manuel Bandeira, Jorge de Lima foi o poeta que mais lhe
influenciou (JOAQUIM, 1947). Já em 1948, em entrevista também para o Joaquim, Oscar
Sabino situa o poeta alagoano entre os mestres da nova geração, ao lado de Drummond,
Bandeira, Murilo Mendes, Schimidt e Mário de Andrade, o último sendo “mestre e amigo de
todas as situações” (JOAQUIM, 1948). Em entrevista para o Diário Carioca, o cristão Jorge
de Lima faz uma extensa análise sobre a crise espiritual que havia naquele tempo (DIARIO
CARIOCA, 1948). Abaixo da foto do autor, uma longa biografia de uma carreira já
consolidada. O mundo vivia uma crise espiritual, segundo Jorge de Lima. O mundo vivia o
período pós-Guerra e a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, na chamada
Guerra Fria, começava a refletir também no Brasil.
No periódico A Noite, no dia 23 de abril, logo acima da coluna sobre letras e artes há a
chamada: “Truman disposto a entrevistar-se com Stalin”. Abaixo, “Poemas negros em
linguagem universal”. Mais uma crítica positiva sobre o livro. Agora, o crítico, não
identificado, diz que os poemas são para o mundo, não apenas para o Brasil (A NOITE,
1948). É o pêndulo do gosto se movimentando com a Guerra Fria e a reconfiguração política
mundial.
Em 1950 é lançado o livro Obra Poética, que traz a obra completa do autor até então.
Com o modernismo já bem estabilizado e com Jorge de Lima usufruindo de uma posição de
prestígio no meio literário, obras mais antigas, como Poemas (que contém Essa Negra Fulô),
69
são ressignificadas em função do todo de sua obra. Vamos conferir, por exemplo, o que
Manuel Diegues Júnior relata a respeito:
foi com um soneto que Jorge de Lima se tornou célebre: o alexandrino, perfeitíssimo
alexandrino, “O acendedor de lampiões”, que nos áureos tempos da declamação se
constituía peça indispensável aos programas. O soneto era realmente uma obra
prima, destacada, sobretudo, pelo sentido filosófico da ideia do autor. O sonetista foi
dominado, na fase modernista, pelo autor de poemas livres, que logo se tornaram, da
mesma forma, célebres. O caso, por exemplo, de “Essa nega fulô” ou de “o mundo
do menino impossível”. Lembro-me ainda da reação que quase chamaria burguesa
contra a poesia moderna de Jorge de Lima, surgida em Maceió. Foi quando então o
conheci; há alguns anos, portanto, entre cujos extremos se fixa “o tempo e o espaço,
e qualquer coisa além” – para usar as próprias expressões do poeta.
Nesta época a poesia de Jorge de Lima se integrava na mística religiosa, onde o
poeta haveria de ser um dos líderes do pensamento cristão na poesia brasileira. Seus
versos a Nossa Senhora, ou evocando santos ou ideias religiosas, marcaram a nova
faceta intelectual de Jorge de Lima. Mas sua grande força de expressão estaria mais,
parece-me, em outro gênero de poesia, onde a liberdade do tema acolhesse motivos
quase diria sociais ou fotográficos de costumes. Contudo, o lírico é que havia
sempre, e permanente, de forte em Jorge de Lima. O poeta Jorge de Lima de várias
épocas da meninice ou da juventude, do alexandrino ou do verso livre, dos costumes
e aspectos regionais e da poesia cristã, encontramos sua “Obra Poética”, Editora
Getulio Costa, um volume de seiscentas e oitenta páginas, organizado por Otto
Maria Carpeaux. Um prefácio desse crítico e notas finais, esclarecedoras ou
elucidativas, completam o livro, que é uma verdadeira edição completa da poesia de
Jorge de Lima. [...] “Poemas”, “Novos Poemas”, “Poemas Escolhidos” e Poemas
Negros” formam o conjunto da fase mais intensa de poesia modernista em que o
poeta utiliza os motivos regionais, os aspectos sociais da região nordestina, fixando
algumas de suas características mais significativas. O folclore regional do Nordeste
encontrou aí instantâneos dos mais felizes, de que se poderá considerar uma síntese,
por exemplo, o poema “Nordeste”. [...] Através da “Obra Poética” acompanha-se a
evolução que apresenta a poesia de Jorge de Lima. Dos versos da meninice à
intensidade filosófica de Mira-celi; do soneto clássico aos versos modernistas; da
poesia regional à manifestação religiosa – e temos, passo a passo, o sentido e que se
desenvolveu, se desdobrou, se irradiou o pensamento poético de Jorge de Lima.
Seus versos representam uma mensagem e um conteúdo que constituem verdadeira
expressão da poesia contemporânea (LETRAS E ARTES, 1952).
Diégues Júnior consegue enxergar um sentido, uma totalidade na obra de Jorge de
Lima, e a vê com aspectos muito positivos, elogiando a trajetória do autor desde os seus
primórdios até a data presente. Em 1950, João Gaspar Simões, também após leitura de Obra
Poética, chega a comparar Jorge de Lima com Fernando Pessoa, por conta de suas múltiplas
personalidades com relação ao estilo (LETRAS E ARTES, 1950). Em outro artigo, ele
também vê muito de cristianismo na poesia limiana. Como se o caráter cristão estivesse
presente desde o início de sua produção poética (LETRAS E ARTES, 1950).
Com o lançamento de Invenção de Orfeu, o mesmo acontece. Há uma
interdependência entre as obras do autor de maneira que a visão da crítica e do público sobre
uma obra posterior acaba influenciando no olhar sobre uma obra anterior. A figuração social
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parece querer enxergar o todo do processo, como se a Ilusão Biográfica, mencionada por
Bourdieu, fosse também aplicada a trajetórias das obras. Em 1952, após a publicação de
Invenção de Orfeu, José Carlos de Macedo Mirando tece muitos elogios a toda a obra de
Jorge de Lima na sua coluna literária na Tribuna da Imprensa. Em 1953, algo semelhante
acontece com Otto Schneider, na sua coluna em O Jornal:
Há precisamente 25 anos, ou seja, há 27 de fevereiro de 1928, a Casa Trigueiros, de
Maceió, publicava num folheto de oito páginas um poema que depressa se tornaria
universalmente famoso como uma das expressões mais características da moderna
poesia brasileira. Era “Essa Nêga Fulô”, do poeta-médico Jorge de Lima. A
composição tipográfica havia sido feita durante o carnaval, e do folheto, que
estampava o poema, tiraram-se apenas 120 exemplares fora do comércio. O poeta e
o editor evidentemente não podiam então adivinhar a enorme repercussão do poema
que, embora de caráter regional, seria em breve um dos mais musicados e mais
traduzidos da moderna literatura brasileira. Jorge de Lima já era então conhecido.
Pertencia ao grupo de 22. E muito mais conhecido se tornaria em seguida, para
finalmente nos dar agora sua obra máxima em “Invenção de Orfeu”. É curioso
observar até que ponto esse último e gigantesco poema de cerca de onze mil versos
metrificados veio modificar o critério já formado a respeito da obra poética do
médico alagoano. Agora mesmo, em “Panorama da Moderna Poesia Brasileira”,
recém publicado pelo serviço de Documentação do Ministério da Educação, escreve
Sergio Milliet: “Jorge de Lima executa uma evolução curiosa, em forma de círculo,
pois partindo de uma tentativa por assim dizer afro-brasileira (“Essa Nêga Fulô”),
volta aos Poemas Negros, após um estágio místico. Dele disse Roger Bastide que
transforma em catequese a sua poesia. Porém, o que nos interessa principalmente
nesse poeta são os poemas afro-brasileiros nos quais se observa essa mesma força
catequizadora, porquanto tendam a convencer-nos pela sua magia de ritmos, sons e
imagens, da presença de uma cultura mestiça muito viva em boa parte do Brasil.
Cultura mestiça que constitui até certo ponto o fundo da contribuição nordestina
mais característica...” No meio desse período, porém, Sérgio Miliet faz uma
chamada para o pé da página, onde encontramos a seguinte nota: “A publicação de
“Invenção de Orfeu”, em 1952, modificaria esta observação. Não cabe, porém, aqui
qualquer referência às obras posteriores a 1950 – fique por aqui a nota de hoje que
nada mais pretende do que lembrar a ocorrência desta data na literatura brasileira.
Jorge de Lima se encontra presentemente no Recife, descansando uns dias, devendo
estar de volta ao Rio dentro de mais um ou duas semanas (O JORNAL, 1953, p. 7).
1953 foi o último ano da vida de Jorge de Lima, que viria a falecer em novembro. Em
1953, antes de sua morte, Invenção de Orfeu foi celebrada pela crítica. Com isso, as outras
obras ganharam também novo tom. Após a morte de Jorge de Lima, uma série de homenagens
a respeito do autor foram feitas em vários jornais do Rio de Janeiro e de outros estados. As
homenagens traziam poemas de épocas diferentes numa mesma página, como se tivessem
sido pensados daquela forma. Aos poucos, acontece o descolamento da imagem do homem da
imagem do poeta, que no post-mortem é mais mística e envolta em outro tipo de
interpretação. Nos anos 1950, Getúlio Vargas tinha voltado ao poder, agora por eleições
diretas. Jorge de Lima havia deixado a presidência da Câmara dos Vereadores em 1950.
71
Carlos Lacerda cercava cada vez mais o presidente, acusado de corrupção e de querer impor
uma ditadura no país. Muitos já haviam abandonado o espírito da denúncia social da segunda
geração do modernismo e embarcaram em uma atitude mais intimista, filosófica,
existencialista e até pessimista, como era o caso de Carlos Drummond de Andrade. O mundo
vivia novamente um boom econômico. A Televisão, aos poucos, chegava às massas e ia se
tornando o principal meio de comunicação. Assim, a Guerra Fria poderia ser vista pela tela de
casa. A Guerra, o nazismo, Auschwitz, as bombas no Japão, tudo isso havia traumatizado a
humanidade de certa maneira que influenciou o mundo da arte e da cultura. O pêndulo do
gosto movia-se mais uma vez. Jorge de Lima faleceu equilibrando-se nesse pêndulo, no
establishment, um eterno outsider.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho demonstrou como é possível se aliar a interdisciplinaridade ao campo da
análise literária. Utilizando a sociologia figuracional de Norbert Elias, pudemos fazer uso de
ferramentas metodológicas não só do campo sociológico, mas também da história e da
literatura, enriquecendo a análise de nosso objeto. Assim, aprofundamos o entendimento
acerca de Poemas Negros, não separando, como é comum no campo da análise literária, o
homem do artista, muito menos o artista de sua obra. Dessa forma, por meio dessa
perspectiva, entendemos que homem, obra e artista fazem parte do mesmo continuum
funcional, não sendo elementos isolados, mas provenientes da sociedade e, mais
precisamente, dependentes também dos grupos sociais que limitam suas ações individuais.
Assim como Mozart e Watteau, Jorge de Lima era filho de seu tempo e passou por
processos sociais de mudança de habitus. Se Mozart viveu na época em que se mudou o status
de artesão para o de artista burguês e Watteau teve sua obra ressignificada entre os séculos
XVIII e XIX, Jorge de Lima viveu a transformação do modernismo no Brasil. Viveu a febre
dos anos 1920. Como poeta outsider nordestino, viveu o regionalismo das primeiras décadas
daquele século. Porém, era filho da elite alagoana e médico respeitado. Tinha recursos para
ser do establishment. Assim, nos anos 1930, na Era Vargas, mudou-se para o Rio de Janeiro, a
Capital Federal, onde iria tentar se integrar entre os estabelecidos do meio literário. Vivenciou
as mudanças do pêndulo do gosto do modernismo. Presenciou a Segunda Guerra Mundial e a
queda de Vargas. Teve sua obra respeitada. Foi influenciado pelo catolicismo. Filiou-se à
UDN, pela qual foi vereador bastante respeitado e interessado por causas sociais. Jorge de
Lima vivia nas colunas da alta sociedade carioca, encontrando-se com celebridades do meio
intelectual e político. Em 1947, quando lançou Poemas Negros e sua candidatura à vereação
do Rio de Janeiro, vários jornais da cidade tiveram o convite em sua coluna social do evento
que convidava amigos e admiradores do poeta, político e médico.
Foi assim que Jorge de Lima aos poucos se estabeleceu no campo literário. Em 1953,
com sua morte, fazia parte do establishment modernista. No entanto, não tinha realizado o
sonho de pertencer à Academia Brasileira de Letras, na qual tentara entrar por seis vezes. O
equilíbrio instável de poder nunca o deixara adentrar naquele espaço privilegiado. Talvez a
sua condição de outsider no passado tenha ajudado um pouco nesse sentido, o barrando o
acesso até certo ponto. Contudo, Jorge de Lima tentou por vária vezes aquele intento, e
73
Poemas Negros foram uma boa cartada que acabou não dando certo. A próxima jogada do
autor seria Invenção de Orfeu, de 1952, lançada um ano antes de sua morte.
Prefaciada por Gilberto Freyre, a obra traz poemas de mais de vinte anos do autor e
outros poemas novos, da década de 1940. Nos três capítulos aqui presentes, percebemos como
Jorge de Lima foi influenciado e também influenciou o regionalismo e a construção da
imagem do Nordeste no século XX. É muito forte a presença do discurso freyreano em vários
dos poemas do autor. Não só a ideia de harmonia das “raças” está presente, mas também o de
que o Nordeste seria a terra do folclore e de ligação imediata com a África. O africanismo,
portanto, também está muito evidente nos escritos limianos, que, como vimos, nas palavras de
muitos de seus críticos, tem uma boa pitada de pitoresco.
O pitoresco, a reificação do negro, o africanismo, seriam outros temas que cabem
maior análise em próximos trabalhos sobre o autor. Outras obras de Jorge de Lima podem ser
melhor aprofundadas na perspectiva da sociologia figuracional eliasiana, principalmente
aquelas relacionadas com sua efervescência cristã católica e a forma como ele faz a leitura
sincrética de outras religiões. São vários caminhos possíveis para se entender melhor campos
inexplorados do continuum funcional entre autor e obra. Jorge de Lima e suas figurações
sociais, assim como a relação entre ele e outros autores e obras, são um campo vasto que a
interdisciplinaridade só tende a enriquecer; assim, para finalizar, acreditamos que a escolha da
análise da obra de um autor de maneira isolada, ou seja, a obra por si mesma, não tem grande
alcance: assim como o homo clausus, a Magnum opus clausus é uma abstração que acaba não
fazendo parte da realidade empírica, de acordo com o pensamento sociológico de Norbert
Elias. É por isso que em Poemas Negros não há apenas o autor e o homem Jorge de Lima,
mas todo o seu processo histórico e social, toda a sua influência e reciprocidade, toda a sua
interdependência, enfim, o “eu” e o “nós” representados em palavras, ou seja, transcrito em
palavras no eterno pêndulo que nos envolve, que nos liga como seres humanos que somos:
portanto, com todas as nossas contradições.
74
REFERÊNCIAS
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filosóficos. Rio de Janeiro: J. 1985.
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