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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
HARLEY DAVIDSON DE OLIVEIRA
A LINHA TENUÊ DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E O DIREITO DE LIBERDADE DA IMPRENSA NO SIGILO
DO INQUÉRITO POLICIAL
CURITIBA
2017
HARLEY DAVIDSON DE OLIVEIRA
A LINHA TENUÊ DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E O DIREITO DE LIBERDADE DA IMPRENSA NO SIGILO
DO INQUÉRITO POLICIAL
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Luís Roberto de Oliveira Zagonel.
CURITIBA
2017
TERMO DE APROVAÇÃO
HARLEY DAVIDSON DE OLIVEIRA
A LINHA TENUÊ DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E O DIREITO DE LIBERDADE DA IMPRENSA NO SIGILO
DO INQUÉRITO POLICIAL
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito
da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, _________de____________ de 2017
____________________________
Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Universidade TUIUTI do Paraná
Curso de Direito
Orientador: Prof. Luís Roberto de Oliveira Zagonel
Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito
Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito
Universidade TUIUTI do Paraná
Curso de Direito
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os professores, por terem me ensinado a enxergar a grandeza do Direito. Obrigado por terem me direcionado, por subsidiar a coragem de querer sempre lutar pela Justiça, por dividirem seus conhecimentos, por me fazerem pensar, questionar, refletir, pensar, sonhar e, principalmente, jamais retornar ao status quo ante!
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado saúde e inteligência para superar todas as dificuldades, pelas madrugadas de estudo, fazendo com que eu conseguisse chegar onde hoje estou. Agradeço ao bom Deus, pela minha vida, a vida do meu pai que muito me ajudou, familiares e amigos. Novamente a Deus, que permitiu que este momento fosse vivido por mim, trazendo alegria aos meus pais e a todos que contribuíram para a realização deste trabalho. A esta instituição pelo excelente ambiente oferecido aos seus alunos e os profissionais qualificados que disponibiliza para nos ensinar. Ainda, agradeço a Universidade Tuiuti do Paraná por ter nos dado a oportunidade de realizar este curso. A esta universidade e todo seu corpo docente, além da direção e a administração, que realizam seu trabalho com tanto amor e dedicação, trabalhando incansavelmente para que nós, alunos, passássemos a contar com um ensino de extrema qualidade. Agradeço a todos os professores por toda orientação e ajuda que me foram dados. Agradeço a este meu orientador, Luís Roberto Zagonel, pela paciência, dedicação e ensinamentos que possibilitaram que eu realizasse este trabalho. Ao professor Roberto Aurichio Junior, por toda sua atenção, dedicação e esforço para que eu pudesse ter confiança e segurança na realização deste trabalho.
Agradeço ao meu pai, pelo amor, carinho, paciência e por ter me proporcionado condições de estudo.
Agradeço de forma especial ao meu filho Enzo, motivo da minha inspiração
para essa carreira maravilhosa e a Neuci, por não medirem esforços para que eu pudesse levar meus estudos adiante, por muitas vezes ter se sacrificado com muito amor e carinho em cuidar do nosso filho para que eu pudesse estudar.
Agradeço a minha amiga Liane, pelo incentivo em acreditar que meu sonho seria realizado, e por toda a sua dedicação em me ajudar no momento que eu mais precisei. Seus conselhos, seu incentivo e dedicação foram fundamentais para essa grande vitória.
EPÍGRAFE
―Artigo XI: 1- Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa‖. (Declaração Universal dos Direitos do Homem)
―Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei‖. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)
RESUMO
O inquérito policial é um instrumento relevante na esfera penal, pois é por meio dele que é possível, de maneira prévia, coletar dados que se mostram de suma importância para a elucidação do crime, além da sua autoria. É um ato cujos procedimentos devem ser instituídos à luz do Código de Processo Penal. Paralelamente a isso, embora haja a vigência do princípio da presunção da inocência, aliado ao fato de uma das características do inquérito policial estar vinculado ao sigilo, tais preceitos não são observados, na prática, quando a mídia entra em cena. Portanto, tem-se que a justificativa primordial para a elaboração do presente trabalho acadêmico está atrelada a violação do princípio da presunção da inocência, notadamente quando a mídia passa a expor de maneira induvidosa e errônea situações que estão, ainda, sob o manto do inquérito policial, criminalizando determinados indivíduos sem que haja substratos probatórios robustos que comprovem suas falácias. Para tanto, faz-se necessário analisar doutrinas, artigos, além de capas de revistas, periódicos e jornais com vistas a demonstrar o quanto a intromissão da mídia pode ocasionar danos para aquele indivíduo que está sendo apenas objeto de investigação. O presente estudo será dividido em sete capítulos, sendo que o capítulo um será destinado a trazer aspectos meramente introdutórios ao presente trabalho; no segundo, serão abordados os princípios que dão azo ao processo penal; já no terceiro, pontuar-se-á aspectos simbólicos quanto ao inquérito policial; o capítulo quarto será destinado a liberdade de expressão, bem como os seus limites e o dever de indenizar eventuais transgressões; no capítulo cinco será albergada a questão da liberdade de imprensa juntamente com o princípio da presunção da inocência, demonstrando-se como a mídia vem violando tal instituto; no capítulo seis, passará a análise de caso concreto, notadamente o que ocorreu com o casal Nardoni, o goleiro Bruno e com a médica Virgínia Soares De Souza; por fim, o capítulo sete trará os aspectos conclusivos deste autor.
Palavras-chave: inquérito policial; inocência; mídia; violação.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 9
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL.................. 10
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.......................... 10
2.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL................................... 11
2.3 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ....................................... 12
2.4 PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE
CONVENCIMENTO.............................................................................
13
2.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA.................................. 15
2.6 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO................ 16
2.7 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO.................................................. 18
2.8 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE............................................................ 19
3 O INQUÉRITO POLICIAL E AS GARANTIAS DO ACUSADO.......... 21
3.1 DESENVOLVIMENTO......................................................................... 21
3.2 O SIGILO NO INQUÉRITO POLICIAL................................................. 26
3.3 O CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL............................... 27
3.4 ABUSO DE AUTORIDADE X GARANTIAS DO ACUSADO NO
INQUÉRITO POLICIAL........................................................................
29
4 A IMPRENSA....................................................................................... 32
4.1 PODER E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO..................................... 32
4.2 A LIBERDADE DE IMPRENSA E SEUS LIMITES
CONSTITUCIONAIS............................................................................
33
4.3 DIREITO-DEVER DE INFORMAR: O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
JORNALÍSTICA E A SUA (NÃO) REGULAMENTAÇÃO......................
35
4.4 DA RESPONSABILIZAÇÃO POR ABUSO COMETIDO...................... 37
4.5 A CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA............................................................ 38
5 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA X DIREITO DE IMPRENSA NO
INQUÉRITO POLICIAL.......................................................................
40
5.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXERCIDA EM VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA..................................
40
5.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA CARGA MIDIÁTICA
PROBATÓRIA......................................................................................
43
5.3 A PRESSÃO DA MÍDIA NOS JULGAMENTOS CRIMINAIS................ 44
5.4 EXEMPLO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS
COM RELAÇÃO À ATIVIDADE ABUSIVA DA IMPRENSA..................
46
5.5 MODELO PORTUGUÊS DE UTILIZAÇÃO DO SIGILO JUDICIAL
COMO BARREIRA À INFLUÊNCIA PREJUDICIAL DA MÍDIA............
47
6 ESTUDOS DE CASO.......................................................................... 49
6.1 ISABELLA NARDONI........................................................................... 49
6.2 ―GOLEIRO‖ BRUNO DO FLAMENGO................................................. 53
6.3 ―MÉDICA‖ VIRGÍNIA SOARES DE SOUZA......................................... 58
7 CONCLUSÃO...................................................................................... 62
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 64
ANEXOS............................................................................................................. 71
9
1 INTRODUÇÃO
No Direito Brasileiro, notadamente no âmbito do Processo Penal, há a figura do
inquérito policial, que é de grande relevância, tendo em vista que por meio dele é
possível verificar os primeiros indícios de autoria e materialidade do fato.
Entretanto, dadas as circunstâncias peculiares nas quais é desenvolvido, posto
que é um procedimento meramente informativo e, portanto, desnecessária a
observância do princípio do contraditório, o mesmo é feito de maneira sigilosa, sendo
aberto, portanto, para apenas os interessados, quais sejam: autoridade judiciária,
acusação e acusado.
Não apenas por isso, mas principalmente em prol ao princípio da presunção de
inocência, visto que durante o inquérito policial há apenas indícios de que houve a
prática de um crime, por determinada pessoa, não havendo quaisquer elementos
robustos que comprovem os fatos que ainda estão sendo investigados.
Todavia, com o objetivo de sustentar ideias meramente falaciosas na
sociedade, o princípio da presunção de inocência resta rompido quando o contexto
midiático entre em cena, vez que fomentando o direito de liberdade de expressão,
previsto no texto constitucional, acaba procedendo de maneira a criminalizar o
investigado. Tal prática é mais comumente do que se possa imaginar, na medida em
que a mídia utiliza seus telespectadores para serem induzidos ao erro, mediante a
propagação de informações que não possuem qualquer amparo probatório.
A situação é mais gravosa do que se pode imaginar, pois os jurados, bem como
os magistrados, muitas vezes já chegam corrompidos no julgamento, predominando a
ideia na qual, sem dúvidas, a parte é culpada.
Sendo assim, embora a liberdade de expressão seja um direito inserto na
Constituição Federal, o mesmo deverá ser mitigado quando de encontro ao contido no
princípio da presunção de inocência, vez que não se trata de direito absoluto e, sendo
assim, deve ser minimizada sua incidência, quando a mesma colidir com a honra e a
intimidade do indivíduo, consoante será abordado no decorrer do presente estudo.
O capítulo a seguir abordará sobre os princípios norteadores do Processo
Penal.
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2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Insta salientar, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana
está intimamente vinculado aos atributos pessoais de cada indivíduo, cujo escopo é
preservar os direitos que lhes são inerentes, notadamente aqueles de índole moral,
consoante ensina Garcia (2016).
Ademais, não há dúvidas de que se trata de um princípio fundante do Estado
Democrático de Direito (Constituição Federal, 1988):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...]
Assim sendo, insurge-se que a Carta Republicana elidiu a inclusão da
dignidade da pessoa humana no rol de direitos fundamentais, colocando-a como sendo
um dos fundamentos insertos no Estado Democrático de Direito, conforme assimila
Tavares (2012).
Nesse contexto, com o advento do princípio da dignidade da pessoa humana, o
indivíduo deixou de ser tratado como mero cidadão, eis que seus valores inerentes
passaram a ser reconhecidos. De acordo com Prado (2008, p. 133), "O reconhecimento
do valor do homem enquanto homem implica o surgimento de um núcleo indestrutível
de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de
ação dos indivíduos que delimita o poder estatal".
Tavares (2012) preceitua que, hodiernamente, há manifesta divergência
doutrinária acerca da dignidade da pessoa humana perfazer ou não um direito absoluto,
eis que todos os demais insertos no Direito Brasileiro, bem como as legislações
vigentes, devem a ele observar. Indubitavelmente, em que pese não haver um
entendimento uníssono quanto ao fato de ser absoluto ou não, a dignidade da pessoa
humana é um fenômeno intocável.
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Mendes (2012, p. 404/405) pondera que o princípio da dignidade da pessoa
humana:
Não significa, certamente, que apenas as emissoras de rádio e televisão estejam obrigadas a respeitar a dignidade da pessoa humana. A reverência para com este valor é a base do Estado democrático (art. 1º, III, da CF) e vetor hermenêutico indispensável para a compreensão adequada de qualquer direito. Respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com os seus semelhantes. Há o desrespeito ao princípio, quando a pessoa é reduzida à singela condição de objeto, apenas como meio para a satisfação de algum interesse imediato.
Nessa seara, oportuno trazer à tona os ensinamentos de Tavares (2012, p.
588), lecionando que "Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela
qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e
portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade".
Diante disso, tem-se que a tutela da dignidade da pessoa humana está atrelada
ao fato de que o homem, levando-se em consideração apenas a sua condição humana,
é detentor de direitos e garantias que devem ser assegurados e respeitados, tanto pelo
Estado, quanto pelos demais membros da sociedade, segundo Holthe (2009).
2.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Destaca-se que o princípio do devido processo legal está insculpido no artigo
5.º, LIV, da Carta Republicana (1988), estabelecendo que "ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Salienta-se que no âmago do Direito Processual Penal, a incidência do princípio
do devido processo legal é de suma importância, eis que, induvidosamente, perfaz uma
garantia ao acusado, na medida em que apenas os atos procedimentais considerados
válidos e legítimos poderão servir de supedâneo para a sua condenação, segundo
Garcia (2016).
De acordo com Távora e Alencar (2016, p. 65), "O devido processo legal é o
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estabelecido em lei, devendo traduzir-se em sinônimo de garantia, atendendo assim
aos ditames constitucionais". Sendo assim, faz-se necessário que o processo seja
previamente tipificado, desenvolvendo-se nos moldes delimitados no Direito, de modo
que não haja qualquer supressão de seus atos considerados como imprescindíveis.
Portanto, leva-se a crer que o instituído na Carta Republicana visa objetivar o
cumprimento dos atos procedimentais, vez que a sua inobservância poderá acarretar a
nulificação da ação penal, conforme se extrai do entendimento de Reis e Gonçalves
(2012).
Ademais, oportuno que o devido processo legal seja analisado na órbita
processual e material, conforme Távora e Alencar (2016, p. 65):
O devido processo legal deve ser analisado em duas perspectivas: a primeira, processual, que assegura a tutela de bens jurídicos por meio do devido procedimento (procedural due process); a segunda, material, reclama, no campo da aplicação e elaboração normativa, uma atuação substancialmente adequada, correta, razoável (substantive due process of law).
Sendo assim, o princípio em apreço "[...] assegura que ninguém sofrerá
restrições em sua esfera individual de liberdade, senão por intermédio de um
procedimento estatal que respeite todos os direitos e garantias processuais previstos
em lei", segundo Holthe (2009, p. 285). Cita, ainda, como meio de resguardar o devido
processo legal, a citação regular, bem como a publicidade processual, por exemplo.
2.3 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ
Vale mencionar que a relação processual penal é triangular, eis que, de
maneira induvidosa, nela figura o julgador, a defesa e o acusado. Portanto, conforme
afirma Avena (2015), faz-se necessário que a atuação do magistrado se dê de maneira
neutra, de modo que a mesma reste vinculada apenas aos embasamentos legais, além
das provas carreadas aos autos.
Nesse contexto, Távora e Alencar (2016, p. 47) ensinam que a imparcialidade
"[...] é entendida como característica essencial do perfil do juiz consistente em não
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poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento
necessário para conduzi-lo com isenção".
Consta o princípio em comento no artigo 5.º, LIII, da Carta Republicana (1988),
na medida em que prevê que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente".
Tem-se que o princípio da imparcialidade do juiz é um dos mais imprescindíveis
no que tange a administração da justiça, eis que, de maneira induvidosa, garante ao
acusado um julgamento ideal, sem que haja qualquer interesse na causa. É, na
concepção de Garcia (2016), uma condição inerente ao Estado Democrático de Direito,
que conferirá validade ao procedimento.
Todavia, Reis e Gonçalves (2012, p. 83) asseveram que a questão da
imparcialidade do juiz não vem prevista de maneira expressa na Carta Republicana:
Não existe artigo expresso na Constituição dizendo que o juiz deve ser imparcial já que isso seria redundante, pois a própria função de magistrado tem, na imparcialidade, a sua essência, a sua razão de existir. O que se encontra no texto constitucional são garantias aos membros do Poder Judiciário para lhes assegurar a imparcialidade (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) — art. 95, caput, da CF — e a vedação a juízes e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII).
Derradeiramente, pode-se afirmar que de acordo com Távora e Alencar (2016),
a imparcialidade está intrinsecamente ligada a ideia de honestidade, cujo valor deve
nortear a atuação dos julgadores.
2.4 PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO
Pode-se extrair o aludido princípio na normatização inserida no artigo 93, IX, da
Carta Republicana (1988), senão vejamos:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
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presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [...]
Conforme se depreende do entendimento de Avena (2015, p. 31), o Magistrado
pode "[...] valorar com liberdade a prova coligida, sempre buscando aproximar-se da
verdade como os fatos realmente se passaram".
Nesse contexto, não pairam dúvidas de que o magistrado decide de maneira
livre, mas, todavia, deve apresentar os motivos que corroboram o seu entendimento,
sob pena de restar nulos os atos por ele emanados. Távora e Alencar (2016, p. 58)
lecionam que:
O princípio da motivação das decisões judiciais é uma decorrência expressa do art. 93, inc. IX, da Carta Magna, asseverando que o juiz é livre para decidir, desde que o faça de forma motivada, sob pena de nulidade insanável. Trata-se de autêntica garantia fundamental, decorrendo da fundamentação da decisão judicial o alicerce necessário para a segurança jurídica do caso submetido ao judiciário.
Conforme esclarece Garcia (2016), o princípio da persuasão racional, também
denominado como princípio do livre convencimento motivado, perfaz uma verdadeira
evolução no que pertine o Direito Processual Penal, enaltecendo os aspectos fundantes
do Estado Democrático de Direito.
Já Mossin (2010, p. 48) esclarece que:
[...] no sistema de crítica sã e racional, as provas se valoram por regras do concreto entendimento humano, ou seja, sobre a base da lógica e da experiência. Por essa razão, o juiz deve explicar o motivo para dar por comprovado o fato, com respeito ao lugar e tempo em que ele se verificou, convencendo aos demais que a sua valoração da eficácia prova é correta.
Segundo Lopes Jr. (2016, p. 86), a motivação "[...] é fundamental para a
avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova. Serve para o controle da
eficácia do contraditório, e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de
inocência".
Sendo assim, tendo em vista a ingerência do Estado Democrático de Direito,
cabe aos magistrados exporem as razões fáticas, bem como de direito, que confirmem
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o entendimento imposto na legislação, conforme Reis e Gonçalves (2012).
2.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA
O princípio da presunção da inocência, também denominado como sendo o
princípio da não-culpabilidade, dispõe, basicamente, que o reconhecimento acerca da
autoria advindo da prática de um ato delituoso deve emanar de uma sentença penal
condenatória, conforme afirmam Távora e Alencar (2016).
Dispõe o artigo 5.º, LVII, da Carta Republicana (1988), que "ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
Diante disso, extrai-se do princípio da inocência que ninguém poderá ser
considerado culpado até que a sentença penal condenatória reste transitada em
julgado, após o deslinde do devido processo legal, que tenha garantido ao acusado o
contraditório e a ampla defesa, consoante leciona Lima (2016).
Segundo Reis e Gonçalves (2012, p. 77):
Apenas quando não forem cabíveis mais recursos contra a sentença condenatória é que o réu poderá ser considerado culpado. Referido princípio, como se verá não é absoluto, pois a própria Constituição permite a prisão provisória antes da condenação, desde que preenchidos os requisitos legais (art. 5º, LXI).
Lopes Jr. (2016) esclarece que o princípio da presunção da inocência perfaz um
instituto que norteia o processo penal, tendo em vista que dispõe acerca de garantias
mínimas que são atribuídas ao acusado, nos casos em que se vislumbrar a atuação
punitiva do Poder Público.
Nesse enfoque, Távora e Alencar (2016, p. 45) explicitam que o princípio da
presunção da inocência está atrelado a duas normas que são de observância
obrigatória, quais sejam: a regra probatória, cabendo o ônus da prova a quem alegar e,
ainda, a regra de tratamento, na medida em que o indivíduo somente será tido como
culpado com o advento da sentença penal condenatória, desde que, obviamente, tenha
transitado em julgado. Veja-se:
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Do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais: a regra probatória, ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado - e não este de provar a sua inocência - e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois da sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade.
Assim sendo, por oportuno, "[...] durante as investigações e no curso do
processo criminal deve ser dispensado ao investigado e ao acusado, respectivamente,
o mesmo tratamento que seria conferido a qualquer cidadão livre, respeitando-se sua
liberdade e intimidade [...]", de acordo com Garcia (2016, p. 164).
Ademais, conforme explica Avena (2015), o princípio da presunção da
inocência deve ser levado em consideração no momento da instrução processual, na
ocasião em que for analisado o instrumento probatório e, ainda, durante o
desenvolvimento da ação penal.
2.6 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO
Estabelece o artigo 5.º, LV, da Carta Republicana (1988), que "aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Com o advento do princípio da ampla defesa, restou instituída a obrigatoriedade
do julgado resguardar o direito do acusado de se manifestar nos autos do processo,
tendo em vista a propositura da ação penal, conforme ensinam Reis e Gonçalves
(2012). Sendo assim, em prol ao princípio em apreço, caberá ao magistrado nomear
defensor para aquele que não tenha, ainda que não seja esse o desejo do acusado.
Távora e Alencar (2016) explicitam que o princípio em apreço alberga a defesa
técnica, a qual será efetivada mediante a ingerência de um profissional habilitado,
assim como a autodefesa, advinda do próprio acusado.
Conforme Lopes Jr. (2016, p. 81/83):
A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos técnicos do Direito, um profissional, que será tratado como advogado de defesa, defensor ou simplesmente advogado.
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[...] Justo à defesa técnica, existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal. Através dessas atuações, o sujeito atua pessoalmente, defendendo a si mesmo como indivíduo singular, fazendo valer seu critério individual e seu interesse privado. A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância.
Nesse contexto, Lima (2016, p. 89) pondera que "Sob a ótica que privilegia o
interesse do acusado, a ampla defesa pode ser vista como um direito; todavia, sob o
enfoque publicístico, no qual prepondera o interesse geral de um processo justo, é vista
como garantia".
Portanto, tem-se que a ampla defesa está intimamente ligada ao direito de
ação, vez que, por um lado, o Poder Público possui o direito de dar início a ação penal
e, por outro, assegura-se ao acusado a possibilidade de se defender daquilo que vem
sendo imputado, dispondo de todos os meios necessários para esta finalidade, segundo
Garcia (2016).
O princípio do contraditório diz respeito à possibilidade de ambas as partes
atuarem de modo a influenciar o magistrado, manifestando-se nos momentos
oportunos, bem como carreando aos autos os elementos probatórios que são
imprescindíveis para a finalidade processual, segundo Távora e Alencar (2016).
Assim, há de se salientar que "O ato de contradizer a suposta verdade afirmada
na acusação (enquanto declaração petitória) é ato imprescindível para um mínimo de
configuração do processo. O contraditório conduz ao direito de audiência e às
alegações mútuas das partes de forma dialética", conforme Lopes Jr. (2016, p. 80).
Portanto, faz-se necessário que o julgador ouça ambas as partes, sob pena de incorrer
em parcialidade.
Ainda, Távora e Alencar (2016, p. 51) esclarecem que o princípio do
contraditório, no âmbito doutrinário, classifica-se em duas vertentes, a saber:
(1) contraditório para a prova ou contraditório real, que nada mais é do que a atuação das partes de forma contemporânea à produção de provas, cientificando-lhes previamente para o fim de possibilitar a participação ampla na constituição de prova, tal como se dá com a oitiva de testemunhas, acareações e reconhecimento de pessoas; e (2) contraditório sobre a prova ou contraditório postergado ou diferido, consistente na ciência das partes posteriormente à produção da prova, ou seja, a parte tem oportunidade de se manifestar, mas em
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um momento posterior, em razão do fito de evitar que sejam frustrados os objetivos de prova específica, a exemplo do que ocorre com o deferimento de interceptação telefônica.
Lima (2016) aduz que o direito à informação, bem como o direito à participação,
são elementos que se mostram inerentes ao princípio do contraditório. Aliado a isso, os
elementos probatórios somente poderão ser utilizados na convicção do magistrado nos
casos em que os mesmos tenham sido objeto de discussão pelas partes.
Assim sendo, em prol ao princípio do contraditório, as partes terão o direito de
serem cientificadas dos atos procedimentais, de modo que nele possam se manifestar,
demonstrando a veracidade fática, segundo Avena (2015).
Diante de tudo o que foi exposto, Távora e Alencar (2016) concluem que faz jus
ao princípio da ampla defesa apenas o acusado e, em contrapartida, autor e réu serão
beneficiados pelo princípio do contraditório.
2.7 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
O princípio do in dubio pro reo também pode ser denominado como princípio do
favor rei ou favor réu. De acordo com Reis e Gonçalves (2012), o princípio ora
mencionado dispõe que nos casos em que subsistir dúvida quanto à materialidade a
autoria, mostra-se imprescindível decidir em prol do acusado.
Lima (2016, p. 81/82) salienta que:
O in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração das provas: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois não tem ele a obrigação de provar que não praticou o delito. Antes, cabe à parte acusadora (Ministério Público ou querelante) afastar a presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável que ao acusado praticou a conduta delituosa cuja prática lhe é atribuída.
Em que pese viger no âmbito processual penal o princípio da igualdade, Garcia
(2016) afirma que o princípio em apreço possibilita o tratamento mais vantajoso ao
acusado, nas situações em que não se vislumbrar a incidência de elementos
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probatórios robustos para condenar o réu. Ademais, não cabe ao réu provar a sua
inocência, cabendo a acusação comprovar os fatos descritos na peça exordial.
Segundo Távora e Alencar (2016, p. 66), "Em verdade, na ponderação entre o
direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve
prevalecer".
Diante disso, o acusado somente sofrerá penalização nos casos em que houver
certeza quanto à autoria do crime, eis que, caso contrário, em prol ao princípio do in
dubio pre reo, não se mostra plausível instituir pena ao indivíduo, consoante Avena
(2015).
2.8 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Em prol ao princípio da publicidade, mostra-se necessário que as audiências
sejam realizadas de maneira aberta ao público, de modo que qualquer pessoa possa
acompanhar. Da mesma forma, os autos do processo também é público e, sendo
assim, qualquer indivíduo também poderá ter acesso, conforme Reis e Gonçalves
(2012).
Assim sendo, dispõe o artigo 5.º, LX, da Carta Republicana (1988), que "a lei só
poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou
o interesse social o exigirem".
De acordo com Lima (2016, p. 103):
A garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Basta lembrar que, em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários. Traduz-se, portanto, numa exigência política de se afastar a desconfiança da população na administração da justiça [...].
Ainda, a publicidade pode enfatizar um grande instrumento no qual a população
irá se servir para fiscalizar aquilo que está ocorrendo no desenrolar da atividade
20
jurisdicional. Segundo Garcia (2016, p. 304):
Em outras palavras, a publicidade representa um importante instrumento de fiscalização popular por meio do qual é dado à sociedade o poder de ter acesso e acompanhar de perto a atividade jurisdicional a fim de se verificar se houve a devida e escorreita aplicação da lei penal, em consonância com os princípios e regras que regem o Direito Processual Penal e guarnecem o devido processo legal.
Avena (2015, p. 33), pressupõe que o princípio da publicidade "[...] representa o
dever que assiste ao Estado de atribuir transparência a seus atos, reforçando, com
isso, as garantias da independência, imparcialidade e responsabilidade do juiz". É,
ainda, uma garantia ao acusado, tendo em vista que perante outras pessoas restará
elidido eventuais pressões que possam advir das autoridades competentes, além da
violência e condutas arbitrárias.
Isso porque, consoante assevera Mossin (2010), a apuração do crime, além de
sua autoria, diz respeito a um interesse coletivo e, diante disso, nada mais plausível
que o desenvolvimento do procedimento penal traga em seu âmago esse caráter
comunitário.
Entretanto, em que pese o regramento jurídico vigente possibilitar a restrição da
publicidade de determinados atos processuais, quanto às partes, o aludido princípio
restará intocável, eis que as mesmas terão acesso a todos os atos procedimentais,
possibilitando sua manifestação de maneira plena, conforme Távora e Alencar (2016).
O capítulo a seguir trata do inquérito policial e das garantias do acusado.
21
3 O INQUÉRITO POLICIAL E AS GARANTIAS DO ACUSADO
3.1 DESENVOLVIMENTO
É importante destacar, desde logo, que o inquérito policial objetiva investigar
determinados fatos antes que seja dado início à ação penal, que servirá como
verdadeiro embasamento para a propositura da denúncia, ou da queixa, dependendo
das peculiaridades do caso concreto.1
No entendimento de Mossin (2010, p. 90):
A palavra inquérito tem origem no verbo inquirir, o qual significa perguntar, indagar, investigar, interrogar. Etimologicamente, inquérito policial significa investigação ou averiguação feita pela polícia. Essa indagação está relacionada a infrações penais e seus autores.
Conforme entendimento corroborado por Lopes Jr. (2016), o inquérito policial
será feito pela polícia judiciária, embora não possua índole eminentemente judicial,
visto que o artigo 4.º, do Código de Processo Penal,2 contempla a competência das
autoridades administrativas para investigar, como, por exemplo, as Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Insta dizer que "[...] o Delegado de Polícia não está obrigado a instaurar o
inquérito policial, devendo antes verificar a procedência das informações, assim como
aferir a própria tipicidade da conduta noticiada", conforme Lima (2016, p. 191). Em que
pese não haver qualquer obrigatoriedade em instaurar o inquérito policial, o Delegado
de Polícia, após ter dado início ao mesmo, não poderá dele desistir, isto é, não poderá
arquivá-lo de maneira oficiosa.
Para a instauração do inquérito policial deverá ser baixada a denominada
portaria, que, no entendimento de Távora e Alencar (2016, p. 168), "[...] nada mais é do
que uma peça sucinta, indicando, sempre que possível, o nome e o prenome do
1 Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou
outra. 2 Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
22
suposto autor do fato e da vítima, o dia, local e hora do fato delituoso [...]". É, portanto,
uma forma de qualificar o agente, o ofendido, bem como trazer informações sobre a
prática do crime.
Não se deve olvidar, ainda, que nos casos em que subsistir o auto de prisão em
flagrante, o mesmo deverá ser utilizado para a instituição do inquérito policial,
instrumento que substituirá a portaria, conforme Avena (2014).
Reis e Gonçalves (2012), ao realizarem uma análise mais detida no Código de
Processo Penal, vislumbraram que o inquérito policial poderá ser instaurado de diversas
formas, levando-se em consideração a tipo de ação penal prevista na lei. Assim, será
de ofício, quando o crime for de ação penal pública. Nos casos em que Magistrado ou o
Promotor de Justiça tiverem ciência do cometimento de determinado ato delituoso,
requisitarão a instauração do inquérito policial. Poderá, ainda, ser instituída mediante
requerimento do ofendido, nos casos de ação penal pública, na hipótese em que
ocorrer inércia da autoridade competente, bem como nas situações de ação penal
privada.3
Nesse contexto, não se pode cair em esquecimento que o inquérito policial
possui algumas limitações, seja no plano horizontal, seja no plano vertical. O plano
horizontal está atrelado, basicamente, a demonstrar que existe um fato que possa ser
digno de punição, além de sua autoria. Já no plano vertical pode se extrair os
elementos jurídicos. Sobre o tema, Lopes Jr. (2016, p. 101) ensina que:
Para atingir esse objetivo, o IP tem seu campo de cognição limitado. No plano horizontal, está limitado a demonstrar a probabilidade da existência do fato aparentemente punível e a autoria, coautoria ou participação do sujeito passivo. Essa restrição recai sobre o campo probatório, isto é, os dados acerca da situação fática descrita na notitia criminis. O que se busca é averiguar e comprovar o fato em grau de probabilidade. No plano vertical está o direito, isto é, os elementos jurídicos referentes à existência do crime vistos a partir do seu conceito formal (fato típico, ilícito e culpável). O IP deve demonstrar a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade aparente, também em grau de probabilidade.
3 Art. 5
o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
23
Mossin (2010) elenca diversos requisitos atrelados ao inquérito policial,
extraindo os mesmos do artigo 5.º, parágrafo 1.º, do Código de Processo Penal.4 Nesse
sentido, pode-se verificar que os principais elementos estão vinculados à narração do
fato, ao apontamento do indiciado, isto é, mencionar seu nome completo, bem como o
local no qual se encontre, além de nomear as testemunhas, com as suas devidas
qualificações.
Ademais, insta dizer que qualquer pessoa, ainda que sem interesse jurídico na
propositura da ação penal, poderá comunicar a autoridade policial competente quando
verificar a prática de fato que demonstre ser punível, conforme Lopes Junior (2016).5
Contudo, não poderá ser efetuado no anonimato, eis que, conforme Badaró
(2015, p. 124), "A denúncia anônima não tem valor jurídico, sendo impossível instaurar
o inquérito com base em um ato sem qualquer eficácia jurídica". Portanto, caso a
denúncia se dê anonimamente, a polícia poderá instaurar atos de investigação que lhes
são rotineiros, com vistas a checar a veracidade das informações que foram
repassadas.
A Lei em vigor traz um rol de diligências a ser determinadas pela autoridade
policial, tendo em vista seu poder discricionário.6 Reis e Gonçalves (2012) citam de
4 § 1
o O requerimento a que se refere o n
o II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. 5 § 3
o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba
ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. 6 Art. 6
o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) (Vide Lei nº 5.970, de 1973) II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
24
maneira exemplificativa a busca e apreensão de objetos, o interrogatório do ofendido e
do indiciado e o reconhecimento de coisas ou de pessoas, além de acareações.
Nas ocasiões tem que se mostrar necessário, bem como seja possível proceder
à simulação dos fatos, haverá a reconstituição do crime,7 conforme dispõe Mossin
(2010, p. 113):
Normalmente, figura como autor da dissimulação o próprio indiciado, quando possível, e também agentes da polícia judiciária ou outras pessoas do povo. Advirta-se, por outro lado, que o indiciado não está obrigado a participar da reconstituição simulada do fato delituoso, principalmente quando for ela contrária aos seus interesses probatórios. Induvidosamente, não seria crível e menos ainda constitucional obrigar ao indiciado produzir prova contrária ao seu interesse na persecução criminal, por exemplo, o disparo de seu revólver em situação que caracteriza recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.
Vale salientar que o preso poderá ser submetido à incomunicabilidade, em prol
ao interesse público, cujo desiderato é elidir a possibilidade do investigado obter auxílio
de terceiros durante a investigação, segundo Avena (2014).8
Aliado a isso, oportuno mencionar que o inquérito policial é de suma
importância para a produção probatória, principalmente nos casos em que se vislumbrar
as provas intituladas como não repetíveis, que devem ser coletadas tão logo restem
descobertas, sob pena de perecer, consoante Lopes Junior (2016).
De maneira induvidosa, o inquérito policial possui um prazo para ser concluído,
que nem sempre é observado, ante a morosidade nas investigações. Via de regra, será
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) 7 Art. 7
o Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a
autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública. 8 Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será
permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963) (Redação dada pela Lei nº 5.010, de 30.5.1966)
25
concluído em dez dias, quando o agente estiver preso e, por consequência, trinta dias,
quando solto.9 Távora e Alencar (2016) pontuam outros prazos especiais, como, por
exemplo, os inquéritos cuja atribuição é da polícia federal, sendo quinze dias quando
houver prisão, podendo, neste caso, ser prorrogável, e, trinta dias, quando solto.
Frise-se que até o momento do relatório final, haverá apenas o indiciamento do
acusado, que, de acordo com Reis e Gonçalves (2012, p. 62), pode ser definido como
sendo:
[...] um ato formal eventualmente realizado durante o inquérito policial que decorre do fato de a autoridade policial se convencer de que determinada pessoa é a autora da infração penal. Antes do formal indiciamento, a pessoa é tratada apenas como suspeita ou investigada. O indiciamento é um juízo de valor da autoridade policial durante o decorrer das investigações e, por isso, não vincula o Ministério Público que poderá, posteriormente, requerer o arquivamento do inquérito.
Nesse contexto, Lopes Junior (2016) ressalta que o inquérito policial será
finalizado através do relatório,10 momento no qual o Delegado de Polícia exporá os
fatos que foram investigados e, por conseguinte, remeterá ao foro competente para a
distribuição, juntamente com os demais instrumentos que se mostrem primordiais. Após
o recebimento, o Ministério Público optará por solicitar diligências, requerer o seu
arquivamento, ou oferecer a denúncia, nos casos em que o Inquérito Policial já estar
amadurado.
Nos casos em que se verificar a necessidade de arquivamento do inquérito
policial, caberá ao magistrado determiná-lo, posto que o Delegado de Polícia não detêm
competência para tanto, conforme Badaró (2015).11
Lima (2016) salienta diversos fundamentos que servem de embasamento para
o arquivamento do inquérito policial, como a carência de pressuposto processual, a falta
de justa causa, quando o fato evidenciado não constituir crime, a existência de causa
9 Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou
estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. 10
§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz
competente. § 2
o No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando
o lugar onde possam ser encontradas. 11
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
26
excludente de ilicitude, ou de culpabilidade, bem como a causa extintiva de
punibilidade.
Por outro lado, Avena (2014) considera ser possível o desarquivamento do
inquérito policial, nos casos em que se verificar o surgimento de novos elementos
probatórios.12
3.2 O SIGILO NO INQUÉRITO POLICIAL
Em que pese o princípio da publicidade nortear, via de regra, o processo penal,
tal não ocorre na fase do inquérito policial, eis que perfaz um instrumento sigiloso e,
sendo assim, apenas as partes, bem como o Ministério Público, as autoridades
judiciárias competentes e o magistrado, terão acesso ao seu teor, segundo Távora e
Alencar (2016).13
Conforme explana Lopes Junior (2016, p. 129), será sigiloso "[...] no plano
externo e assim dispõe o art. 20 do CPP, devendo a polícia judiciária assegurar o sigilo
necessário para esclarecer o fato. No plano interno, pode ser determinado o segredo
interno parcial, impedindo que o sujeito passivo presencie determinados atos".
Lima (2016, p. 177) explica que:
Se na própria fase processual é possível a restrição à publicidade, o que dizer, então, quanto aos atos praticados no curso de uma investigação policial? Se o inquérito policial objetiva investigar infrações penais, coletando elementos quanto à autoria e materialidade dos delitos, de nada valeria o trabalho da polícia investigativa se não fosse resguardado o sigilo necessário durante o curso de sua realização. Deve-se compreender então que o elemento da surpresa é, na grande maioria dos casos, essencial à própria efetividade das investigações policiais.
É, assim, um procedimento cuja natureza é administrativa, que se dá de
12
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. 13
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes.
27
maneira preliminar à ação penal. Pode-se extrair dos ensinamentos de Avena (2014, p.
198/199) que:
Com efeito, sendo o inquérito policial um procedimento de natureza administrativa, inquisitiva e preliminar à ação penal, descabe submetê-lo à mesma publicidade que rege o processo criminal, podendo e devendo a autoridade policial preservá-lo do acesso de terceiros supostamente interessados em verificar seu andamento ou tomar conhecimento das diligências realizadas, quando entender que a confidencialidade é essencial para o êxito das investigações ou assim o exige o interesse da sociedade.
Segundo Aras (2014), existem duas razões que fundamentam o sigilo no
inquérito policial, quais sejam: o interesse em apurar os fatos tidos como delituosos e,
ainda, a tutela da presunção da inocência, eis que os indivíduos estão figurando como
meros investigados.
Nesse sentido, atribui-se o caráter sigiloso ao inquérito policial levando-se a
necessidade de resguardar as provas que tenham sido colhidas durante o
procedimento alavancado, de modo que a apuração dos fatos não seja prejudicada,
consoante Reis e Gonçalves (2012).
3.3 O CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL
É importante destacar que na concepção de Gurgel (2013), o princípio do
contraditório, ou da audiência bilateral, não tem o condão de reger o inquérito policial,
vez que não é processo judicial, muito menos administrativo. Obviamente, todos os
interessados podem requerer a realização de diligências, mas a autoridade competente
não ficará adstrita ao seu deferimento.
Segundo Lima (2016), o inquérito policial é uma investigação preliminar, não
subsistindo qualquer sanção acerca dos elementos ali elencados e, sendo assim,
mostra-se inócua a necessidade do contraditório, posto que se trata de mero
procedimento de natureza administrativa. É, portanto, dotado de inquisitoriedade.
Sendo assim, Avena (2014, p. 158) assevera que "[...] salvo na hipótese do
inquérito instaurado pela polícia federal visando à expulsão do estrangeiro, não são
28
inerentes à sindicância policial as garantias do contraditório e da ampla defesa".
Rangel (2015, p. 88) sustenta a ideia de que o inquérito policial versa apenas a
apuração de determinado fato e, no referido momento, não está sendo o indivíduo
acusado de nada. Sendo assim, não se mostra necessário observar o princípio do
contraditório.
[...] tratando-se de um procedimento (e não processo) administrativo com o escopo de apurar a prática de um fato, em tese, dito como infração penal, não há que se falar ou aplicar o princípio do contraditório, pois o indiciado não está sendo acusado de nada, mas sendo objeto de investigação com todos os direitos previstos na Constituição.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná corrobora o entendimento no qual é
dispensado o contraditório no inquérito policial, conforme Habeas Corpus n.º 14588513.
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE PROCESSO- CRIME. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO (ART. 342 , § 1º , DO CÓDIGO PENAL ). NULIDADE AVENTADA EM DECORRÊNCIA DA NÃO REALIZAÇÃO DE OITIVA INFORMAL EM SEDE DE INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO EM PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM RAZÃO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEM QUE HOUVESSE JUSTA CAUSA. DESCABIMENTO. EXORDIAL QUE PREENCHEU OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXAME PROBATÓRIO QUE NÃO PODE SER REALIZADO POR MEIO DA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA.
Em sentido oposto, Lopes Jr. (2016, p. 143) defende a ideia de haver o
contraditório no inquérito policial, na medida em que a Constituição Federal (1988)
dispõe que o referido direito se estende para os "acusados em geral", sendo, portanto,
cabível no referido procedimento.
Sucede que a expressão empregada não foi só acusados, mas sim acusados em geral, devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer imputação determinada (como a que pode ser feita numa notícia-crime ou representação), pois não deixam de ser imputação em sentido amplo. Em outras palavras, qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo.
29
Sendo assim, Gurgel (2013) afirma que existem diversos doutrinadores que
entendem que a natureza inquisitiva do inquérito policial pode restar findada a qualquer
momento, notadamente com o advento do novo Código de Processo Penal. Contudo,
ressalta com firmeza que enquanto não entrar em vigor, o inquérito policial não terá
outra índole, senão a inquisitória.
3.4 ABUSO DE AUTORIDADE X GARANTIAS DO ACUSADO NO INQUÉRITO
POLICIAL
Muito embora a Lei em vigor traga um rol de procedimentos acerca do inquérito
policial, existem algumas ocasiões em que há manifesto abuso de autoridade, na
medida em que o papel do Delegado de Polícia não é exercido de maneira satisfatória.
De acordo com Gomes (2006, p. 1), "O delegado de Polícia deve ser o primeiro
garantidor da legalidade do procedimento de investigação preliminar, para não ser o
coactor da liberdade alheia". Portanto, não poderá atuar imbuído de má-fé, tampouco
visando atingir seus anseios pessoais.
Na concepção de Fonseca (1997, p. 25), o abuso de autoridade surge a partir
do momento em que o agente público pratica condutas que não se coaduna com os
preceitos legais, podendo ocorrer de maneira omissiva ou comissiva, o que ocorre, por
exemplo, nos casos em que o Delegado de Polícia "[...] por omissão, permite que seus
agentes pratiquem abusos fazendo de conta que nada viu".
Há um vasto entendimento jurisprudencial acerca de abuso de autoridade
cometido durante a fase do inquérito policial, mostrando-se possível vislumbrar os
casos nos quais subsiste maior incidência. Nesse contexto, cita-se a decisão emanada
do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, na Apelação Cível n.º 748890-2, que pontuou
o abuso de autoridade, tendo em vista o recolhimento à prisão do indivíduo sem que
houvesse sido confeccionado o auto de prisão em flagrante.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL. RESTRIÇÃO DE LIBERDADE PARA AVERIGUAÇÃO SEM LAVRATURA DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE OU INSTAURAÇÃO DE
30
INQUÉRITO POLICIAL. ABUSO DE AUTORIDADE. AINDA, IMPUTAÇÃO DA AUTORIA DE FALSO CRIME DE FURTO VIA MÍDIA LOCAL. DANO E NEXO CAUSAL COMPROVADO. DEVER DE INDENIZAR. ART. 37, § 6º, DA CF. SENTENÇA REFORMADA. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INICIAL. ÔNUS SUCUMBENCIAL A CARGO DO RÉU. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. 1. Salvo transgressões e crimes militares, a Constituição da República permite, sem ordem judicial, apenas a prisão em flagrante, consoante art. 5º, inciso LXI. Vivemos, pois, sob o pálio do Estado Democrático de Direito, tendo como dogma fundamental a liberdade individual, não havendo em nosso ordenamento jurídico qualquer autorização de prisão para averiguações. 2. Comprovado o dano sofrido pelas vítimas e nexo de causalidade entre este e a conduta dos agentes estatais, merece acolhida a pretensão indenizatória a título de danos morais, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição da República. 3. Apelo conhecido e provido.
Mas não é só, visto que a omissão das autoridades policiais, possibilitando que
a mídia elabore matérias sensacionalistas, procedendo à divulgação de dados
considerados sigilosos no âmbito do inquérito policial, são hipóteses que, sem dúvidas,
constitui abuso de autoridade, ante a inércia do responsável, consoante esclarece
Souza (2008, p. 82).
É perceptível, também, que a omissão da autoridade policial, ou de seus agentes, em coibir a realização de matérias jornalísticas sensacionalistas, que implique indevida divulgação de dados identificadores da pessoa humana investigada, ou a comissão, no sentido de colaborar com essa prática ativamente, são formas de abuso de autoridade, tipificadas na Lei 4.898, de 1965, em seu art. 4º, alínea ―b‖, consistente em ―submeter pessoa sob sua guarda ou custodia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei‖.
Isso porque, a autoridade policial mantém a custódia do indiciado e, sendo
assim, deve elidir a possibilidade do mesmo "[...] ser filmado ou fotografado pelos
profissionais ligados aos meios de comunicação jornalística [...]", sob pena de restar
ceifada a condição humana do indivíduo, violando-se, inclusive, a proteção
constitucional no que tange à honra e à imagem do indiciado.
Diante disso, com vistas a reprimir as condutas abusivas advindas das
autoridades policiais, veio à tona a Lei 4.898, de 1965, trazendo em seu âmago,
notadamente em seus artigos 3.º e 4.º,14 um rol de situações que qualificam a conduta
14
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio;
31
abusiva da autoridade pública, como, por exemplo, violar direitos e garantias dos
indivíduos, além de submeter à pessoa a situações vexatórias ou constrangedoras.
Já o artigo 6.º impõe as sanções, albergando desde a pena de advertência, até
a demissão do servidor.15
No próximo capítulo restará abordado a questão da imprensa, bem como a
liberdade de expressão e os limites constitucionais.
c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79) Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89) 15
Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência; b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e) demissão; f) demissão, a bem do serviço público.
32
4 A IMPRENSA
4.1 PODER E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
A Carta Republicana de 1988 traz em bojo normativo diversos dispositivos que
consagram a liberdade de informação, como, o artigo 5.º, inciso IV, que dispõe ao fato
de que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Mais à
frente, tem-se o contido no artigo 5.º, inciso IX, da Constituição Federal, dispondo que
"é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença".
Nesse enfoque, aduz Moraes (2014, p. 52/53) que
A censura prévia significa o controle, o exame, a necessidade de permissão a que se submete, previamente e com caráter vinculativo, qualquer texto ou programa que pretende ser exibido ao público em geral.
Portanto, prescinde nas atividades intelectuais, artísticas, científicas, bem como
nas de comunicação.
Já o artigo 5.º, inciso XIV, da Carta Republicana de 1988, estabelece que "é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional". É, portanto, um direito de informar, bem como ser
informado.
Conforme esclarece Moraes (2014, p. 867/868), a liberdade de informação deve
ser exercida juntamente com a inviolabilidade à honra, à vida privada, além da proteção
à imagem do indivíduo que está sendo objeto de análise, senão vejamos:
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre divulgação dos fatos, consagradas constitucionalmente no inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal, devem ser interpretadas em conjunto com a inviolabilidade à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), bem como com a proteção à imagem (CF, art. 5º, XXVII, a), sob pena de responsabilização do agente divulgador por danos materiais e morais (CF, art. 5º, V e X ).
Insta dizer que o artigo 220, da Constituição Federal, também dispõe acerca da
manifestação do pensamento, vedando-se qualquer censura de cunho político, artístico
33
ou ideológico.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. [...] § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. [...]
Todavia, é importante destacar que "Não se trata de liberdade irresponsável,
visto que, enfatize-se, a comunicação social não sofrerá qualquer limitação, exceto,
naturalmente, aquelas previstas na própria Constituição [...]", consoante Lenza (2012, p.
981). Sendo assim, embora a própria Constituição Federal (1988) assegure o direito à
comunicação social, no mesmo dispositivo impõe limites, eis que os demais preceitos
na referida Carta, notadamente aqueles que estão atrelados à intimidade e à honra do
indivíduo, devem ser preservados, em detrimento da liberdade abusiva de informação.
4.2 A LIBERDADE DE IMPRENSA E SEUS LIMITES CONSTITUCIONAIS
Embora reste assegurado pela Constituição Federal de 1988 o direito à
informação, não se deve olvidar que há limites para a sua execução, eis que não se
trata de um direito absoluto.
Nesse sentido, o artigo 5.º, inciso V, da Constituição Federal de 1988, dispõe
que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem".
De acordo com Moraes (2014, p. 50), "A norma pretende a reparação da ordem
jurídica lesada, seja por meio de ressarcimento econômico, seja por outros meios, por
exemplo, o direito de resposta". O direito à resposta é, sem dúvidas, um grande
elemento na efetivação dos direitos fundamentais, na medida em que tutela a pessoa
quanto a imputações ofensivas, dando a oportunidade da mesma se manifestar.
Aliado a isso, embora o artigo 5.º, inciso IV, da Constituição Federal (1988),
estabeleça a possibilidade do indivíduo manifestar seu pensamento de maneira livre,
34
veda, por outro lado, o anonimato.
Conforme entendimento de Lenza (2012), a Carta Republicana (1988) vedou o
anonimato com o intuito de assegurara à reparação a título de dano material ou moral,
além do dano à imagem, nos casos em que a manifestação do pensamento violar
direitos intrinsecamente ligados a intimidade da pessoa. Assim, sabendo quem é o
responsável pela propagação das informações, mostra-se possível que aquele que tiver
seu direito violado possa pleitear a competente reparação, além de responder de
maneira proporcionar ao agravo cometido.
Já Bastos e Martins (1989, p. 43/44) ressalvam que:
Proíbe-se o anonimato. Com efeito, esta é a forma mais torpe e vil de emitir-se o pensamento. A pessoa que o exprime não o assume. Isto revela terrível vício moral consistente na falta de coragem. Mas, este fenômeno é ainda mais grave. [...] Foi feliz, portanto, o texto constitucional ao coibir a expressão do pensamento anônimo.
Consoante se denota da leitura do artigo 5.º, inciso X, da Constituição Federal
de 1988, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação".
Portanto, os direitos atinentes à própria imagem, bem como à intimidade do
indivíduo, protegem o espaço inerente do indivíduo, não cabendo, portanto, qualquer
ingerência ilícita externa, sob pena de incidir dano moral ou material, segundo Moraes
(2014).
Ademais, o artigo 220, parágrafo 1.º, da Constituição Federal (1988), dispõe
que "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV".
Sendo assim, Moraes (2014) esclarece que embora haja vedação constitucional
no que pertine a censura prévia, faz-se necessário observar os preceitos mínimos
contidos na Carta Republicana de 1988, conforme artigo 220, parágrafo 1.º.
35
4.3 DIREITO-DEVER DE INFORMAR: O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
JORNALÍSTICA E A SUA (NÃO) REGULAMENTAÇÃO
Consoante esclarece Machado (2012, p. 474/475), o direito de informar se
encontra intimamente ligado à liberdade de imprensa, além dos direitos inerentes aos
jornalistas. Entretanto, no contexto atual, faz-se necessário preservar alguns direitos
individuais e coletivos, veja-se:
Relativamente ao direito de informar, o mesmo encontra-se intimamente relacionado com a liberdade de imprensa e de comunicação social e com os direitos dos jornalistas. No entanto, importante salientar que, particularmente no domínio da autodeterminação político-democrática da comunidade, as ideias de verdade e objetividade, a despeito de suas limitações, assumem centralidade como instrumentos de salvaguarda de bens jurídicos de natureza individual e coletiva.
De acordo com Pinho (2007), a atividade jornalística está visceralmente
vinculada ao direito de informar, o qual se encontra incluído na Constituição Federal
(1988) e, sendo assim, não cabe as normas infraconstitucionais estabelecerem limites a
tais preceitos, sob pena de incorrer em manifesta inconstitucionalidade.
Assim, Silva (2006, p. 240) salienta que "A liberdade de informação não é
simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade
destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos
indivíduos a uma informação correta e imparcial". Sendo assim, denota-se que o
jornalista traz em seu âmago o direito fundamental no que tange o exercício de sua
atividade, informando aos demais membros da sociedade acerca de acontecimentos
relevantes.
Nesse enfoque, importa destacar que embora exista a Lei n.º 5.250, de 1967,
que trata da manifestação do pensamento, além da liberdade de informação, a referida
norma foi declarada incompatível com os preceitos insertos na Constituição Federal de
1988, por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130. De
acordo com o Ministro Menezes Direito (2009, p. 1):
Não existe lugar para sacrificar a liberdade de expressão no plano das instituições que regem a vida das sociedades democráticas‖, disse o ministro,
36
revelando que há uma permanente tensão constitucional entre os direitos da personalidade e a liberdade de informação e de expressão. ―Quando se tem um conflito possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das ideias‖, completou, ao citar que a democracia para subsistir depende da informação e não apenas do voto. Segundo Menezes Direito, ―a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para a sua sobrevivência institucional, proteção igual a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento de sua história‖. Ele salientou que deve haver um cuidado para solucionar esse conflito sem afetar a liberdade de expressão ou a dignidade da pessoa humana.
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal também foi bem salientado no
âmbito doutrinário, corroborando a tese na qual a Lei de Imprensa não trazia em seu
arcabouço dispositivo que se mostrasse compatível com a Constituição Federal,
tampouco com as normas penais. Nesse sentido é o entendimento de Moares (2014, p.
53):
Em defesa da liberdade de imprensa e da livre manifestação de pensamento, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade concentrada, pela via da Arguição de Descumprimento de preceito fundamental, da ―Lei de Imprensa‖, afirmando que o texto constitucional ―veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social‖.
Nesse contexto, Araújo e Nunes Jr. (2008, p. 145) aduzem que "O direito de se
informar traduz igualmente uma limitação estatal diante da esfera individual. O indivíduo
tem a permissão constitucional de pesquisar, de buscar informações, sem sofrer
interferências do Poder Público, salvo as matérias sigilosas, nos termos do art. 5º,
XXXIII, parte final". Indaga-se, assim, porque a mídia se manifesta de maneira tão
latente durante a fase do inquérito policial, se o mesmo é um instrumento sigiloso? Não
há dúvidas acerca da manifesta arbitrariedade jornalística, quanto à propagação dos
fatos no momento em que ainda está se desenvolvendo o inquérito policial.
Portanto, não há dentro do cenário brasileiro um regramento jurídico que trate
de maneira específica acerca da atividade jornalística, tampouco da liberdade de
informação, vez que, conforme pontuado acima, o Supremo Tribunal Federal já se
manifestou no sentido de que a Lei n.º 5.250, de 1967, que trata da manifestação de
37
pensamento, é incompatível com os ditames constitucionais, além do Código Penal.
Assim sendo, os dispositivos que norteiam à liberdade de informação podem
ser extraídos apenas do diploma constitucional, notadamente de seu artigo 5.º, bem
como do Capítulo V, que trata basicamente da Comunicação Social.
4.4 DA RESPONSABILIZAÇÃO POR ABUSO COMETIDO
Em que pese a Carta Republicana (1988) dispor acerca da liberdade de
informação, eventuais abusivos devem ser responsabilizados.
De acordo com Moraes (2014), embora à manifestação do pensamento se dê
de maneira livre, não há dúvidas de que os abusos cometidos devem ser analisados
pelo Poder Judiciário, de modo que seus autores possam ser devidamente reprimidos,
seja na esfera penal, seja no âmbito cível.
Conforme pondera Almeida Jr. (2010, p. 12), quando "[...] as autoridades
abusam dos poderes que são atribuídos a elas, no exercício legítimo de um direito, que
é o direito de informar, pode cometer abusos. Quando ela age assim, o direito se torna
uma arbitrariedade". Diante disso, em que pese o grande poder exercido pela imprensa,
hodiernamente, a mesma não pode agir de maneira irresponsável, aniquilando os
direitos inerentes das pessoas, sob pena de ser responsabilizada pelos abusos
cometidos.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu pelo
cabimento de indenização por danos morais, eis que restou divulgada matéria
jornalística que imputava de maneira deliberada que o indivíduo tinha cometido crime,
notadamente o porte ilegal de armas. Pode-se extrair da Apelação Cível 2013.039404-8
que:
CONSTITUCIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. IMPUTAÇÃO DE CRIME DE PORTE DE ARMAS. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA INVERÍDICA. ATRIBUIÇÃO INDEVIDA DE PECHA DE CRIMINOSO AO AUTOR. ALEGAÇÃO DE REPASSE DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS NESSE SENTIDO. ÔNUS QUE COMPETIA A RÉ, NOS TERMOS DO ART.
38
333, II, DO CPC. FALTA DA DILIGÊNCIA NA COLHEITA DE INFORMAÇÕES. CONDUTA NEGLIGENTE VERIFICADA. ABUSO DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA (CF/88, ART. 5º, IX E ART. 220, §§ 1º E 2º). ABALO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). LESÃO À HONRA E À DIGNIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM R$ 3.000,00, QUE CORRESPONDE ATUALMENTE À QUANTIA PRÓXIMA DE R$ 4.283,97. PRETENDIDA MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR QUE DIANTE DO CASO CONCRETO SE MOSTRA JUSTO E PEDAGOGICAMENTE EFICAZ. INDENIZAÇÃO EM QUANTIA SUPERIOR QUE PODERIA CAUSAR A RUÍNA DA ATIVIDADE COMERCIAL DA RÉ (PEQUENA EMPRESA INDIVIDUAL). OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DA RÉ E RECURSO ADESIVO DO AUTOR DESPROVIDOS. Não obstante se reconheça que o veículo de comunicação possa se eximir de culpa, em relação a matéria jornalística inverídica publicada, quando demonstrar que foi diligente na averiguação da idoneidade dos fatos antes de sua publicação, bem como que foram obtidos de fontes fidedignas, inexistindo nos autos elementos que revelem a necessária cautela, não há falar em ausência de responsabilidade do comunicador, devendo o ofendido ser indenizado pelo danos morais suportados.
Nesse contexto, em que pese não haver censura nas atividades jornalísticas,
não se deve olvidar que a liberdade de imprensa não é absoluta, vez que subsistem
diversos outros fundamentais que pode perfeitamente se sobrepor ao direito de
informação e, sendo assim, mostra-se plenamente viável "[...] a responsabilização
posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas
sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais", segundo
Moraes (2014, p. 53).
Sendo assim, nas situações em que a imprensa utilizar o direito à informação
de maneira abusiva e arbitrária, é possível que a mesma seja responsabilizada pelos
atos danosos ocasionados a terceiros.
4.5 A CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA
É importante salientar que o acesso à informação é de grande relevância para
os membros da sociedade, vez que por meio dele é possível tomar ciência dos
acontecimentos atuais que se destacam no cenário brasileiro.
Entretanto, em muitas ocasiões vislumbra-se que há manifesto descumprimento
dos preceitos constitucionais, posto que "[...] os programas da mídia devem voltar-se
39
para o respeito aos valores éticos da pessoa humana e da família (art. 221, IV, da CF)",
conforme Penteado Filho (2012, p. 175), o que não ocorre, muitas vezes, na prática.
De acordo com Zaffaroni (2012), consiste a criminologia midiática no fato de
transpor para o público a comunicação atrelada a fatos considerados como criminosos,
que, via de regra, se dá nos canais televisivos. Aduz, ainda, que a televisão é um
método que visa implantar no indivíduo a incapacidade de pensar, na medida em que
impõe ao mesmo uma opinião previamente formada.
Dispõe Bourdieu (1997, p. 99) que "[...] A televisão tem uma espécie de
monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da
população". Muitas vezes, elidem a possibilidade de repassar informações dotadas de
pertinência, propagando ideias vazias, deixando as pessoas cada vez mais ociosas.
Nesse contexto, Sá (2007, p. 30) dispõe que:
A mídia também é violenta. Se pensarmos que os principais símbolos de nossa mídia são um leão que ruge, um rato que rói com um cacete na mão e uma tiazinha com chicote, temos que concordar com Luís Fernando Veríssimo quando diz que carregamos a nostalgia do escravo que se dobra diante do seu senhor. No fundo estes símbolos mexem com o inconsciente de quem ainda não aprendeu a lutar por seu espaço de se fazer respeitar.
Sendo assim, a criminologia midiática nada mais é do que os meios de
comunicação que se encontram a serviço do Poder, propagando informações à
coletividade, separando o "criminoso" do "não criminoso", conforme pondera Oliveira
(2016).
O capítulo a seguir abordará o conflito entre a presunção de inocência e o
direito de imprensa no Inquérito Policial.
40
5 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA X DIREITO DE IMPRENSA NO INQUÉRITO
POLICIAL
5.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXERCIDA EM VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA
Importante destacar que de acordo com Garcia (2016) há manifesto confronto
entre o direito à intimidade e o direito à informação, notadamente quando há a
propagação de assuntos que envolvam o investigado, na medida em que ambos
encontram amparo constitucional.
Lopes Júnior (2016, p. 79) salienta que o princípio da presunção da inocência
deve perfazer um limitador à exploração midiática, de modo a preservar os preceitos
constitucionais que são inerentes ao ser humano:
Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.
No mesmo sentido é o entendimento de Lima (2016, p. 83), dispondo que o
princípio da presunção da inocência diz respeito à "[...] uma proteção contra a
publicidade abusiva e a estigmatização do acusado, funcionando como limites
democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio
processo judicial".
Segundo Garcia (2016, p. 148), a ação penal deve transcorrer de modo justo,
sem que isso não acarrete qualquer prejuízo para a parte Ré, eis que em todos os
casos deverá prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana:
Há uma expressiva quantidade de princípios na Constituição Federal que se relacionam com temas do Direito Processual Penal e que atuam para preservar a dignidade humana daqueles acusados, investigados ou presos em decorrência da prática de um delito, notadamente em face do poder repressivo estatal.
41
Busca-se, com isso, que a persecução criminal se desenvolva de maneira justa, sem humilhação exagerada, com processo público no qual haja igualdade de tratamento e equilíbrio entre as partes (acusação e defesa), possibilidade efetiva do pleno exercício da defesa e julgamento imparcial.
Sendo assim, é possível afirmar, veementemente, que a mídia não pode utilizar
o direito à liberdade de expressão com vistas a denegrir a imagem dos acusados,
notadamente com julgamentos imaturos, que possam influenciar a íntima convicção dos
telespectadores, conforme afirma Silva (2014).
Sem dúvidas, a liberdade de expressão perfaz um direito assegurado na
Constituição Federal, mas, por outro lado, a presunção da inocência também é. Sendo
assim, faz-se necessário que haja uma ponderação na utilização de cada um, de modo
que os direitos individuais não sejam corrompidos, segundo Trad (2011).
Diante disso, salienta-se que o ser humano não pode ser objeto de exposição
apenas com o desiderato de suprir a curiosidade alheia, eis que, caso seja, não se
pode falar em exercício legítimo da liberdade de expressão, consoante preceitua
Mendes e Branco (2012, p. 405):
O ser humano não pode ser exposto - máxime contra a sua vontade - como simples coisa motivadora da curiosidade de terceiros, como algo limitado à única função de satisfazer instintos primários de outrem, nem pode ser retificado como mero instrumento de divertimento, com vistas a preencher o tempo de ócio de certo público. Em casos assim, não haverá exercício legítimo da liberdade de expressão, mas afronta à dignidade da pessoa humana.
Em contrapartida, em que pese os valiosos ensinamentos acima transcritos, tais
direitos não são resguardados, na prática, notadamente quando a mídia entra em cena
exercendo sua liberdade de expressão, em detrimento da presunção de inocência do
acusado, o que acaba ceifando, inclusive, a dignidade do investigado.
Isso porque, conforme indaga Souza (2011, p. 101), "Se um réu já foi julgado
pela mídia, como o jurado vai inocentá-lo e depois voltar a ter uma vida normal na
sociedade?".
Sem dúvidas, a mídia desempenha uma função de suma importância no
contexto social, vez que além de atuar no desenvolvimento do país, propaga
informações aos telespectadores. Mas, contudo, tais informações nem sempre agradam
42
a todos os indivíduos, eis que dotadas de sensacionalismo, que muitas vezes não
condizem com a realidade. Nesse cenário, Mello (2010, p. 11/12) explica que:
Holofotes cinematográficos são dirigidos ao suspeito do crime com o intuito de revelar sua identidade e personalidade. Em poucos segundos, sabe-se de tudo, detalhadamente, a respeito da vida privada desse cidadão e de seus familiares. Tudo é vasculhado pela mídia. Bastam alguns momentos para que eles se vejam em todas as manchetes de telejornais, revistas e jornais. A mídia, assim, vai produzindo celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante, ignorando a sua intimidade e privacidade
De acordo com Câmara (2012, p. 271), "Quando a cobertura jornalística recai
sobre acontecimentos afetos ao sistema penal, o funcionamento desse mecanismo
difusor de notícias esbarra em direitos individuais expressamente agasalhados pela
Carta Magna". Portanto, nota-se que de acordo com o entendimento da supracitada
autora, via de regra, as notícias que envolvam a persecução de determinado crime
deve estar respaldado nas garantias previstas na Constituição Federal de 1988.
Todavia, tal não ocorre nas situações concretas.
Silva (2014) aduz que a condenação pública, antes do julgamento final, é
definitivamente preocupante, visto que elide a aplicabilidade do princípio da presunção
da inocência. Nesse sentido, pode-se afirmar que a mídia vem confundindo o direito à
informação com mera emissão de opiniões.
Nesse contexto, Távora e Alencar (2016, p. 45) afirmam que "[...] a própria
exposição da figura do indiciado ou réu na imprensa através da apresentação da
imagem ou de informações conseguidas no esforço investigatório podem causar
prejuízos irreversíveis à sua figura".
Até porque, é possível afirmar que a inocência do acusado, de acordo com
Moraes (2010), nunca será noticiada, na medida em que os profissionais da área
somente irão desenvolver a versão da culpa, tornando-se inadmissível a possibilidade
de considerar o investigado inocente.
43
5.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA CARGA MIDIÁTICA PROBATÓRIA
Consoante já mencionado no tópico anterior, a mídia vem influenciando
sobremaneira seus telespectadores, notadamente quando ocorre a prática de algum ato
delituoso, utilizando o direito de liberdade de expressão de maneira errônea, na medida
em que afronta o princípio da presunção da inocência, conforme assimila Dantas
(2016).
Nesse sentido, esclarece Silva (2014, p. 3) que além da mídia utilizar notícias
desvirtuadas, estabelecendo julgamentos prévios nas situações concretas, tal torna
mais gravoso "[...] por conta do já mencionado alcance e poder de influência na opinião
pública que a mídia tem". Ainda, pondera que a atuação sensacionalista do poder
midiático perfaz uma maneira inconstitucional de executar penas, vez que condena o
investigado, sem que haja qualquer decisão sobre o tema.
De acordo com Dantas (2016, p. 1), é possível vislumbrar a
inconstitucionalidade da carga midiática, visto que suas manifestações não se
coadunam com o princípio da presunção da inocência, tampouco com o
desenvolvimento da carga probatória, que deve ser exercido pela acusação.
Ainda, considerando o princípio constitucional da inocência (CF, art. 5º, LVII) e a consequência de sua observância na atribuição da carga probatória exclusivamente sobre a acusação (MP ou querelante); considerando que a mídia tem o dever de respeitar qualquer pessoa investigada ou acusada de um delito; e, considerando também o papel que a mídia vem desempenhando na manipulação social e no entendimento de verdade para o processo, pode-se afirmar que o STF tem sido omisso e permitido a - absolutamente inconstitucional - influência da mídia no processo de acertamento do caso penal.
Lopes Junior (2016, p. 330) pontua de maneira acertada que "[...] não há
distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do
acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória
(denúncia ou queixa) [...]‖, mas, principalmente, pelo réu estar acobertado pela
presunção de inocência.
Insurge-se, assim, que a carga probatória midiática é dotada de
inconstitucionalidade, eis que além de não advir de alguém que detenha competência
44
para tanto, influencia sobremaneira na questão da verdade processual, além de romper
o princípio da presunção de inocência.
5.3 A PRESSÃO DA MÍDIA NOS JULGAMENTOS CRIMINAIS
Não há dúvidas de que, atualmente, o poder de manipulação da mídia vem se
intensificando cada vez mais, fazendo com que a sociedade passe a caminhar
desprovida de opinião própria, consoante narram Silveira e Martins (2014).
Abramo (2016, p. 37) assevera que "Uma das principais características do
jornalismo no Brasil hoje, praticado pela maioria da grande imprensa, é a manipulação
da informação". Ainda, afirma que a imprensa não reflete a realidade dos fatos,
mostrando, na maioria das ocasiões, informações distorcidas
Nesse prisma, Távora e Alencar (2016, p. 138) expõem a necessidade de
preservar a figura do indiciado, de modo que seja possível afastar condenações
sumárias, principalmente em virtude da atuação da imprensa, que atua de maneira
inigualável ao desgaste da imagem do investigado.
O sigilo do inquérito é o estritamente necessário ao êxito das investigações e à preservação da figura do indiciado, evitando-se um desgaste daquele que é presumivelmente inocente. Objetiva-se assim o sigilo aos terceiros estranhos à persecução e principalmente à imprensa, no intuito de serem evitadas condenações sumárias pela opinião pública, com a publicação de informações prelibatórias, que muitas vezes não se sustentam na fase processual.
Segundo Mello (2010, p. 6), a mídia torna determinados casos como
verdadeiros espetáculos e, pior que isso, constitui "[...] um poderoso instrumento de
formação da opinião pública. Quando um fato é divulgado pelos meios de comunicação,
sobre ele, já incide a opinião do jornalista, ou seja, o modo como ele viu o
acontecimento é a notícia [...]". Sendo assim, levando-se em consideração o referido
entendimento, pode-se constatar que embora a mídia atue sobremaneira nos
julgamentos, nem sempre aquilo que é noticiado condiz com a realidade fática.
Câmara (2012) pondera que a mídia diz respeito a um analfabetismo funcional,
que, infelizmente, vem assolando determinados grupos sociais, mediante a
45
implementação de ideias errôneas.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a opinião pública, considerada como o amálgama de idéias e valores que externam o modo de pensar de determinados grupos sociais acerca de assuntos específicos, é edificada sobre o tripé sujeito-experiência-intelecto. Com a difusão da comunicação de massa, foi acrescida a esse contexto a informação mediatizada, que, conjugada ao analfabetismo funcional que assola a população brasileira, passou a ditar unilateralmente o quadro fático-valorativo a ser absorvido pela massa populacional.
É um tema devastador, na medida em que a partir do momento em que a mídia
faz uso do sensacionalismo, tudo que por ela é exposto passa a ser considerada
verdade pelos telespectadores. De acordo com Silveira e Martins (2014, p. 2):
Quando tais informações são veiculadas por essa mídia sensacionalista, elas acabam se tornando verdades aos olhos da população, influenciando na geração da ideia de que meros suspeitos ou acusados são verdadeiros criminosos que não possuem o direito de provar sua inocência e, nem mesmo, de preservar as garantias advindas de sua personalidade, como a garantia da presunção de inocência até sentença penal condenatória transitada em julgado. Para quem é vítima dessa ―condenação midiática‖, o sofrimento passado por ela antes da sentença, mesmo que após advenha uma sentença absolutória, já a marcou e a estigmatizou durante muito tempo de sua vida ou, até mesmo, pelo resto da vida.
Sodré (2010) salienta que a mídia caberá apenas expor os fatos, bem como as
diligências, sem emitir qualquer julgamento no que tange a culpabilidade do agente,
visto que se trata de competência atribuída ao Tribunal do Júri.
Nesse passo, não há dúvidas de que "Levar um réu a julgamento no auge de
uma campanha de mídia é levá-lo a um linchamento, em que os ritos e fórmulas
processuais são apenas a aparência da justiça, se encobrindo os mecanismos cruéis
de uma execução sumária", consoante expõe Tucci (1999, p. 115). Portanto, não há
dúvidas de que o sensacionalismo explanado pela mídia não atinge apenas a
população, mas, principalmente, o magistrado e os jurados, peças importantes para a
finalização da ação penal, que muitas vezes emitem suas opiniões já contaminados
pelas falácias da mídia.
46
5.4 EXEMPLO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS COM
RELAÇÃO À ATIVIDADE ABUSIVA DA IMPRENSA
Com vistas a resguardar os direitos que são inerentes a cada indivíduo, no que
tange o exercício abusivo da imprensa, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem
se posicionando de maneira significativa a respeito da matéria.
Nesse contexto, é importante mencionar que o artigo 10, da Convenção para a
Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, dispõe sobre a
liberdade de expressão, nos seguintes termos:
Artigo 10 Liberdade de expressão 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, podendo ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constitua providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
De acordo com Rocha (s.d., p. 2), "A CEDH é composta por um comitê que
deve avaliar se os pedidos devem ou não ir a julgamento, por turmas ou plenário, e
deve ter o mesmo número de juízes do que o de países membros".
Entretanto, no que tange a violação da liberdade de expressão, o referido
tribunal vem se posicionando de maneira bem grandiosa.
Portugal é o país que mais possuí condenações, estimando-se dezoito
violações em dez anos, no que tange a violação da liberdade de expressão, conforme
RPT Notícias (2017, p. 1):
Em dez anos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português 18 vezes por violação da liberdade de expressão, o triplo da média dos 28 Estados-membros. E o Estado teve de pagar mais de 300 mil
47
euros em indemnizações. Há juízes que consideram que a leitura do TEDH não vincula os tribunais portugueses. Uma situação que, para alguns dos juristas ouvidos pela RTP, acaba por "colidir com princípios constitucionais fundamentais".
Em que pese abranger diversos países, bem como outros direitos que são
constantemente violados, tem-se que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem se
manifestando de maneira mais latente nas situações em que albergam a questão da
imprensa, notadamente na região de Portugal, segundo Santos (2012).
5.5 MODELO PORTUGUÊS DE UTILIZAÇÃO DO SIGILO JUDICIAL COMO
BARREIRA À INFLUÊNCIA PREJUDICIAL DA MÍDIA
Tal como é no Direito Brasileiro, vige no Código de Processo Penal Português a
publicidade dos atos processuais, o qual está inserido no artigo 86, n. 1. Todavia, o
artigo 86, n. 2, dispõe acerca da possibilidade do magistrado determinar que a fase
inquisitorial seja submetida a segredo de justiça, desde que requerido pela parte,
conforme esclarece Figueiredo (s.d).
Nesse contexto, enquanto no Brasil a mídia possui acesso as informações que
constam na ação penal, de maneira diversa se opera em Portugal, posto que os atos
procedimentais poderão ser acobertados pelo sigilo, dependendo da viabilidade do
caso concreto, não sendo, portanto, objeto de especulação por parte da mídia.
Figueiredo (s.d., p. 1) dispõe que:
Enquanto no processo penal brasileiro a publicidade à mídia é ampla devendo o juiz analisar se no caso concreto cabe ou não decretar de forma fundamentada o sigilo judicial (art. 5º, LX, da Constituição brasileira), o processo penal português estabelece que, com relação à mídia, o juiz deverá decidir acerca da conveniência da publicidade dos atos judiciais e, até que seja autorizada, não será permitida, sob pena de desobediência simples, a narração de atos processuais anteriores àquela quando o juiz, oficiosamente ou a requerimento, a tiver proibido com fundamento nos fatos ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do ato, devendo ser revogado logo que cessarem os motivos que lhe deram causa (arts. 87º, n. 2, e 88º, n. 3, do Código de Processo Penal português).
48
Nesse prisma, esclarece Figueiredo (s.d., p. 1) que "Não se trata de censura
prévia ou justiça secreta, mas a recondução da imprensa aos limites da liberdade de
expressão em harmonia com o sistema de garantias processuais penais".
Portanto, nota-se um grande avanço legislativo em Portugal, eis que,
inicialmente, instaurou-se a publicidade dos atos procedimentais, mas, em
contrapartida, de modo a elidir qualquer sensacionalismo advindo da mídia, a fase do
inquérito policial poderá restar acobertada pelo sigilo, em prol a efetivação dos direitos
fundamentais do investigado.
Partindo-se para a análise final deste estudo, será abordada no capítulo a
seguir a análise de casos práticos, notadamente do casal Nardoni, do ―goleiro‖ Bruno
do Flamengo e por fim, da médica Virgínia Soares De Souza.
49
6 ESTUDOS DE CASO
6.1 ISABELLA NARDONI
A pretexto do Casal Nardoni, importa relatar que tal cenário albergam três
figuras distintas, quais sejam: Isabella Nardoni, na época, com cinco anos, vítima de
homicídio, Alexandre Nardoni, seu pai e, ainda, Anna Carolina Jatobá, sendo
considerada sua madrasta, conforme informações obtidas no Ig (2011).
Ainda, denota-se dos dados do Ig (2011, p. 1), que Isabella Nardoni,
notadamente em 29.03.2008, ―caiu‖ da janela do apartamento no qual residia com o seu
pai, a madrasta e mais dois filhos do casal. Desde logo, a polícia descartou a ideia de
que poderia ter havido algum acidente, visto que a proteção da janela foi cortada.
Na noite de 29 de março de 2008, Isabella foi jogada da janela do apartamento onde moravam seu pai, a mulher e os dois filhos do casal. A menina estava sob os cuidados do pai, com quem ficava a cada duas semanas. Na mesma noite, a polícia descartou a hipótese de acidente: a tela de proteção da janela havia sido cortada.
Em apertada síntese, o sítio eletrônico do Ig (2011, p. 1) pondera que ambos os
responsáveis passaram a madrugada depondo, ressaltando suas versões sobre o fato.
Alexandre Nardoni chegou a deduzir que havia um ladrão no prédio.
O pai e a madrasta passaram a madrugada depondo, cada um dando a sua versão para o fato. O casal afirmou que havia ido ao mercado com as crianças, conforme foi comprovado pelas câmeras de segurança do local. Ao retornarem, Alexandre subiu primeiro com Isabella, que havia dormido no carro. Ele a colocou na cama, trancou a porta do apartamento e desceu novamente para buscar os outros filhos, que aguardavam dentro do carro com a mãe. Disse que não havia nada de anormal no apartamento. Ao subir novamente, pai e madrasta viram que Isabella não estava na cama. Foi quando perceberam que a tela do outro quarto estava cortada e que a menina havia sido jogada. Alexandre então ligou para o seu pai. O casal desceu e começou a gritar – Anna Carolina pedia para chamarem o resgate, enquanto Alexandre dizia que não era para ninguém sair nem entrar no prédio pois havia ali ―um ladrão‖. Segundo Alexandre, alguém que tinha uma cópia da chave entrou no apartamento no momento em que ele se ausentou.
Consoante relatado pelo Ig (2011), houve confirmação pela polícia, dois dias
50
após o acontecimento, que foram encontradas gotas de sangue na parte interna do
apartamento. De acordo com o Instituto Médico Legal (IML), Isabella Nardoni foi,
inicialmente, estrangulada e lesionada, sendo posteriormente jogada pela janela.
Entretanto, contradizendo a informação acima mencionada, um laudo
confeccionado nos Estados Unidos aponta que Isabella Nardoni não sofreu esganação.
De acordo com Uol (2013, p. 1), "Os exames feitos pela equipe do professor americano
concluíram que as marcas no pescoço da menina não foram causadas pelas mãos de
Anna Carolina, conforme a acusação feita pelo Ministério Público Estadual (MPE)".
Salientou-se, ainda, que as marcas que foram encontradas durante a realização da
perícia se mostraram incompatíveis com as mãos de Alexandre e Anna.
A acusação alegou que Isabella Nardoni foi espancada pela madrasta,
sufocando-a imediatamente. Após, Alexandre Nardoni entrou em cena, rompendo a
rede de proteção da janela, para logo em seguida arremessar a criança. Veja-se trecho
do Uol (2013, p. 1):
De acordo com a acusação, a menina teria sido espancada pela madrasta, que teria tentado sufocá-la. Pensando que ela estava morta, o pai cortou com uma tesoura uma rede de proteção da janela de um quarto do apartamento do casal, na zona norte de São Paulo. Em seguida, Alexandre apanhou a menina e a atirou pela janela. A criança caiu no jardim do prédio.
Insta dizer que a prisão do casal Nardoni foi decretada em 02.04.2008, sendo
soltos após 8 (oito) dias. No momento em que eram liberados, havia uma multidão na
saída da delegacia, clamando por "justiça", conforme Ig (2011).
Passaram a cumprir pena desde março de 2008, sendo, posteriormente,
condenados pelo 2.º Tribunal do Júri de São Paulo. Alexandre Nardoni foi apenado a 31
(trinta e um) anos, ao passo que Anna Carolina Jatobá, a 26 (vinte e seis) anos e 8
(oito) meses, conforme o website ―Uol‖ (2013).
Feita essa breve retrospectiva no caso que envolveu o Casal Nardoni, oportuno
trazer a questão da influência da mídia, mediante a propagação de informações
dotadas de sensacionalismo.
De acordo com o JusBrasil (2011), houve manifesta campanha sensacionalista
em desfavor de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, vez que diversos canais
51
televisivos, além de revistas e jornais fizeram a população crer na culpa dos mesmos,
antes que houvesse o trânsito em julgado de qualquer decisão. Com o objetivo de
reverter tal situação, deram entrevistas a diversos programas de televisão, que
passaram a expor cada vez mais a imagem dos mesmos.
Inclusive, a reconstituição do crime foi aberta ao público, sendo utilizada, para
tanto, boneco compatível com as características da Isabella Nardoni, o que provocou
um sentimento com manifesta repulsa sobre o tema. Obviamente, na reconstituição do
crime houve participação da mídia, que não deixou de exercer o seu poder
sensacionalista.
FONTE: Desordem Pública. Disponível em: <http://desordempublica.com.br/2010/03/22/de-como-a-midia-escolhe-as-mortes-caso-isabella-nardoni/>. Acesso em: 12 abr. 2017.
Ainda, de acordo com o JusBrasil (2011, p. 1), "Manifestantes, muitos
determinados a fazer justiça com as próprias mãos, acamparam enfrente ao fórum
durante o julgamento do Casal Nardoni, e foi necessário forte presença policial para
contê-los". Nota-se, portanto, que antes mesmo do proferimento de qualquer decisão, a
população já havia condenado o casal Nardoni, ante manifesto poder da mídia.
Além do mais, o Entre Linhas Jurídica (2011, p. 1) levantou uma questão
interessante, mencionando que há muito tempo os jornalistas deixaram de ser
imparciais, apresentando notícias falaciosas que ignoram o princípio da presunção de
inocência. Pontuou, ainda, a edição 2057 da Revista Veja, que trazia na capa o casal
Nardoni, como a expressão "FORAM ELES", a qual segue anexa neste trabalho. Veja-
52
se parte da reportagem:
O maior símbolo disso é, sem sombra de dúvida, a capa da Revista Veja de 23 de abril de 2008 — edição 2057! Para quem não lembra, a citada revista trazia estampada em sua capa uma fotografia focada nos rostos de Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, até então apenas acusados pela morte da menina Isabella Nardoni (frise-se que o fundo totalmente escuro da imagem deixa entrever apenas o olhar de Alexandre que, de passagem, se torna assustador). E, abaixo da imagem, o escrito em letras garrafais: ―FORAM ELES‖. O lamentável é que por inocente descuido escreveram em letras bem menores, imediatamente acima da frase anterior: ―Para a polícia, não há mais dúvidas sobra a morte de Isabella:‖. Descuido? Sim, se você acredita…
Sendo assim, não há dúvidas de que a mídia interfere sobremaneira nos crimes
em que há maior repercussão nacional. Com o casal Nardoni não foi diferente, visto
que "Esse caso mobilizou o país e a imprensa que tratou de fazer um pré-julgamento
não respeitando a dignidade do casal que estava sendo acusado naquele momento",
conforme Pazzini e Silva (2014, p. 1).
Muito se explanou, na época, entrevistas com Ana Carolina Oliveira, que
sempre era imbuída de fortes emoções. A mãe de Isabella demonstrava situação
desesperadora durante as entrevistas, o que instigava a mídia a explorar cada vez mais
a situação.
FONTE: O Globo. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/o-caso-isabella-nardoni-10755733>. Acesso em:
53
12 abr. 2017.
Veja-se que a mídia sequer respeitou a fase do inquérito policial, que, embora
seja um instrumento sigiloso, deixou-se transcorrer diversas informações. Tão logo
concluído o crime, a polícia já havia mencionado a impossibilidade de ter havido algum
acidente, posto que a tela de proteção foi devidamente cortada, sendo que tal
informação foi logo em seguida noticiada pelo site Ig (2008), após sua propagação.
Ainda, dois dias após o crime, foram encontradas gotas de sangue no apartamento,
sendo a referida notícia trazida à tona pela mídia.
Durante a fase do inquérito policial também se fez necessária a reconstituição
do crime, que, de maneira errônea, foi visto pela mídia, que, novamente, atuou de
maneira sensacionalista, principalmente pelo fato de terem utilizado uma boneca com
as características semelhantes a da criança, restando violado, novamente, o princípio
da presunção de inocência.
O sensacionalismo empregado pela mídia foi tão grande, que após a soltura do
casal Nardoni, após a decretação da prisão provisória, havia pessoas na porta da
delegacia gritando por justiça. Isso também ocorreu quando os mesmos foram
submetidos ao Tribunal do Júri, o que se verifica total afronta ao princípio da presunção
de inocência, que deve ser resguardado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
6.2 ―GOLEIRO‖ BRUNO DO FLAMENGO
O caso em comento envolve duas figuras distintas, a saber: Eliza Samudio, que
desapareceu em 04.06.2010 e o ex-goleiro do Flamengo, Bruno, acusado de matar a
modelo.
De acordo com O Globo (2017, p. 1), Eliza Samudiu desapareceu em
04.06.2010, partindo do Rio de Janeiro com destino à Esmeralda, Minas Gerais,
notadamente no sítio do acusado. Em apertada síntese, após alguns dias de ausência
de Eliza Samudio, a polícia adentrou no imóvel do goleiro Bruno, ocasião em que
54
encontraram diversos objetos que levaram a crer que havia indícios suficientes acerca
da prática do crime. Inclusive, no carro havia manchas de sangue, sendo que
posteriormente houve a comprovação de que as mesmas eram da modelo.
Dois dias depois, a polícia fez uma varredura no imóvel atrás de pistas sobre o desaparecimento de Eliza. Encontrou fraldas, roupas femininas e uma passagem aérea com nome ilegível. No carro de Bruno havia manchas de sangue no assoalho e no porta-malas, que a perícia comprovou serem de Eliza. Um par de óculos escuros e sandálias, encontrados no automóvel, foram reconhecidos por testemunhas como sendo da jovem. No dia 1º de julho, o jogador finalmente falou sobre o assunto e disse que estava preocupado com o desaparecimento da modelo.
Consoante se depreende da leitura do Ig (2011), o motivo da prática do crime
foi que o goleiro Bruno não queria reconhecer a paternidade de seu filho, decorrente de
uma relação extraconjugal, de acordo com o entendimento da polícia. Por outro lado,
prestando depoimento na audiência, o goleiro Bruno afirmou que o filho era dele, bem
como ponderou que antes do desaparecimento, Eliza Samudio o procurou, pois iria
viajar para resolver problemas, e, sendo assim, era necessário que o mesmo cuidasse
do bebê.
Após o sumiço de Eliza Samudio, a Revista Veja tratou de propagar
informações sobre o goleiro Bruno, dispondo na capa que "O mundo do goleiro do
Flamengo, ídolo da maior torcida do Brasil, ameaça ruir", conforme anexo.
Inicialmente, foi decretada a prisão de diversos supostos integrantes, como
Dayanne, Bruno e Macarrão, sendo a primeira liberada em dezembro de 2010,
conforme Ig (2013).
55
FONTE: Olhar Direto. Disponível em: <http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=268188¬icia=eliza-gravou-filme-aonde-mantinha-relacao-sexual-com-bruno-e-macarrao>. Acesso em: 12 abr. 2017.
FONTE: A Província. Disponível em: <http://reginauro.blogspot.com.br/2010_10_05_archive.html>. Acesso em: 12 abr. 2017.
56
Não se sabe bem ao certo a forma de como o crime foi cometido. De acordo
com o Wikipédia (s.d., p. 1), "Durante as investigações, uma das testemunhas relatou
aos investigadores do caso que a moça teria sido morta por estrangulamento. Em
seguida, o cadáver teria sido esquartejado e enterrado sob uma camada de concreto".
Por outro lado, a Gazeta do Povo (2013, p. 1) divulgou trecho do depoimento
prestado pelo goleiro Bruno, no terceiro dia de julgamento. Basicamente, o acusado
mencionou que a vítima sofreu agressão física, foi esquartejada, tendo sido
posteriormente jogada para os cachorros comerem. Entretanto, se eximiu da culpa,
atribuindo a mesma a Macarrão.
"O Jorge falou comigo que o Macarrão (Luiz Henrique Ferreira Romão) foi até o Mineirão, e conversou com uma pessoa no orelhão e naquele momento começou a seguir um cara de moto até uma casa na região de Vespasiano e lá entregou Eliza para um rapaz chamado Neném‖, afirmou Bruno. E que lá um rapaz perguntou para Eliza se ela era usuária de drogas, segurou a mão dela e pediu para que Macarrão amarrasse as mãos dela para frente, e deu uma gravata nela. E o Macarrão ainda chutou as pernas de Eliza. "Foi o que o Jorge me falou. E que ainda tinha esquartejado o corpo dela, tinha jogado o corpo dela para os cachorros comerem‖, contou.
Ao concluir o inquérito policial, o goleiro Bruno foi indiciado "por homicídio,
sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e corrupção
de menores", consoante Ig (2013, p. 1). Juntamente com o goleiro Bruno, diversos
outros indivíduos foram indiciados, como o Macarrão e a Dayanne Rodrigues.
Com efeito, o goleiro Bruno foi condenado a 22 (vinte e dois) anos e 3 (três)
meses de prisão, ao passo que a Macarrão foi estipulada a pena de 15 (quinze) anos.
Por sua vez, Dayanne Rodrigues foi absolvida, conforme G1 (2013).
Todavia, após o cumprimento de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão, o
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marcos Aurélio Mello, determinou a soltura do
goleiro Bruno, com base na seguinte fundamentação, conforme G1 (2017, p. 1):
A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7 meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória‖, diz trecho da decisão.
57
Lamentavelmente, a imprensa também agiu de maneira temerária no caso do
goleiro Bruno, não deixando a sociedade esquecer o referido crime. Tanto é verdade
que a população não se conforma que o mesmo ficou menos de 7 (sete) anos preso,
conforme Oberservatoria Geral (2017).
Neto (2012, p. 1) afirma que não basta a sede de justiça já inserida na
sociedade, visto que a imprensa deve atuar de maneira a inflamar cada vez mais a
população, principalmente quando envolve casos de famosos. Ainda, esclarece que a
garantia da ordem pública apenas se vislumbraria no caso concreto caso restasse
comprovado a crime cometido pelo goleiro Bruno.
O que se tem visto nesses casos famosos é que, devido ao ―clamor social‖, melhor seria o réu ficar preso para ―garantia da ordem pública‖. Entretanto, que culpa tem o réu que a mídia sensacionalista deu ênfase para o caso e já o condenou por isso? Uma imprensa que inflama o povo que está com sede de justiça, baseando-se apenas na denúncia, nas palavras de promotores, juízes e delegados! Uma mídia que não se interessa pela defesa, o que interessa é condenar! A garantia da ordem pública se justificaria caso o goleiro fosse comprovadamente um criminoso que vive da pratica de crimes e, sendo assim, a sua liberdade colocaria em risco a ―ordem pública‖, pois ele poderia vir a praticar novos crimes na rua.
Ademais, o cenário midiática está tão sensacionalista, que foi editado o livro
"Indefensável, o Goleiro Bruno e a História da Morte de Eliza Samudio", escrito por
Paulo carvalho, Leslie Barreira Leitão e Paula Sarapu. De acordo com a Saraiva (s.d.,
p. 1), consta na descrição do livro que:
Livro destinado a muita polêmica e grande imprensa, esta reportagem, escrita como thriller policial, disseca a macabra trama – planejada e calculada com rara frieza pelo então maior goleiro do Brasil, Bruno, do Flamengo – que resultaria na morte da jovem Eliza Samudio, em junho de 2010. Nada escapa: num ritmo frenético, verdadeiramente cinematográfico, está tudo lá, desde a concepção da armadilha que capturaria a modelo, a execução do sequestro e o desaparecimento da jovem até o teatro dos julgamentos e a condenação dos responsáveis. A ação é entremeada de capítulos, de fina percepção psicológica, que mergulham nos perfis dos principais envolvidos, sobretudo Eliza, Bruno e Macarrão (braço direito do goleiro), mostrando-os desde a infância até, no caso do jogador, o sucesso e as conquistas profissionais. As passagens que recriam o ambiente de bastidor do Flamengo – a relação entre os craques, Adriano entre eles, e a vida de farra sem limites que levavam – são extraordinárias.
58
E não é só isso, visto que após a soltura do goleiro Bruno, a Veja (2017)
publicou entrevista na qual envolveu a mãe de Eliza Samudio, Senhora Sônia de
Fátima Moura, que mencionou acerca da necessidade daquele voltar para a prisão,
temendo ser, de maneira conjunta com o neto, novas vítimas do acusado.
Sendo assim, nota-se que houve manifesta afronta ao princípio da presunção
de inocência, no que tange a persecução penal que envolveu o goleiro Bruno, tanto é
verdade que após a sua liberação, pelo Supremo Tribunal Federal, a mídia voltou a
focar no acusado, que até então estava esquecido.
6.3 ―MÉDICA‖ VIRGÍNIA SOARES DE SOUZA
Os transtornos midiáticos ocasionados na médica Virgínia Soares de Souza
iniciou em 2013, quando o Ministério Público Estadual ofereceu denúncia pela suposta
prática de 7 (sete) homicídios qualificados, cumulado com formação de quadrilha, sob o
prisma de que a mesma teria utilizado métodos que aceleravam a morte dos pacientes,
consoante se denota da leitura da Veja.com (2017, p. 1):
O caso ganhou repercussão em fevereiro de 2013, quando Virgínia foi presa pela Polícia Civil. Posteriormente, o Ministério Público estadual a denunciou por sete homicídios duplamente qualificados e formação de quadrilha. Segundo o MP, ela usava um coquetel de medicamentos, o chamado ―kit morte‖, para induzir pacientes ao óbito. O objetivo seria liberar leitos na UTI para a chegada de novos pacientes. A investigação foi baseada na oitiva de testemunhas, interceptações telefônicas e análise de prontuários médicos.
Desde então, passou a ser alvo de uma manifesta exposição midiática, tendo
sido decretada sua prisão logo no início das investigações.
Em 2016, veio à tona um laudo complementar e, no mesmo momento, o G1
(2016, p. 1) tratou de expor que de acordo com o aludido documento, não havia dúvidas
de que a médica teria procedido de maneira a antecipar as mortes no leito da UTI.
Contudo, dentre as inúmeras indagações feitas no referido laudo, uma delas se
subsumiu ao fato de que "[...] se há evidências científicas de que, sob a liderança de
Virgínia, a equipe se associou para cometer homicídios em pacientes da UTI [...]", cuja
59
resposta foi negativa.
Levando-se em consideração diversas condutas arbitrárias das quais a médica
estava sendo alvo, de acordo com o Estadão (2013, p. 1), o advogado de defesa, Elias
Mattar Assad, procedeu de maneira a denunciar atos considerados como ilegais, que
foram efetivados durante a investigação e, ainda, a ampla exposição midiática,
notadamente quando os indiciados se deslocavam até o núcleo policial para prestar
depoimentos.
No final do documento, a defesa relaciona crimes como coação de pessoas no curso do processo, negativa de fornecer cópia do inquérito para a defesa, constrangimentos ilegais e exposição midiática nas entradas e saídas dos investigados no núcleo policial, apesar do prévio requerimento de preservação feito pela defesa. Na opinião de Assad, a polícia errou. "Autoridades policiais não podem, a pretexto de investigar crimes cometerem outros crimes", afirmou.
FONTE: Uol Notícias. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/04/21/justica-inocenta-medica-acusada-de-antecipar-a-morte-de-pacientes-em-curitiba.htm>. Acesso em: 23 abr. 2017.
60
FONTE: Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/04/1877485-justica-inocenta-medica-acusada-de-matar-sete-pacientes-em-curitiba.shtml>. Acesso em: 23 abr. 2017.
Todavia, levando-se em consideração que não houve a comprovação de
indícios suficientes acerca da autoria e materialidade do crime, o magistrado da 2.ª
Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Curitiba, Daniel Surdi Avellar, absolveu
sumariamente a médica Virgínia Soares de Souza, além de outras 7 (sete) pessoas,
que, da mesma forma, foram acusadas de antecipação de morte, consoante se
depreende do G1 (2017, p. 1):
Na decisão, Avellar considerou que as provas apresentadas pelo Ministério Público causavam dúvidas quanto a existência dos crimes apontados pelos promotores. "Uma decisão de pronúncia que se repute minimamente democrática jamais poderia se amparar em afirmações genéricas no sentido de que 'ocorriam antecipações' de óbito na UTI do Hospital Evangélico", disse o juiz na decisão.
Ainda, de acordo com o G1 (2017, p. 1), a advogado constituído pela médica
Virgínia Soares de Souza, Elias Mattar Assad, mencionou "[...] que a cliente foi
injustamente presa, acusada de práticas criminosas e linchada moralmente. O
advogado também afirmou que a médica foi 'demonizada nos meios de comunicação'".
61
De acordo com o sítio eletrônico da Gazeta do Povo (2017), o Ministério Público
do Estado do Paraná irá recorrer da decisão proveniente da 2.ª Vara do Tribunal do Júri
da Comarca de Curitiba, dispondo que os elementos probatórios que foram produzidos
em face da médica não foram analisados da forma correta.
Por outro lado, Elias Mattar Assad ponderou que diante das várias propagações
falaciosas decorrentes do caso, não apenas o Estado, mas também a União, será
ambos alvo de ação indenizatório, visto que durante todo este interregno, a médica não
deixou apenas de exercer a profissão, mas também a sua vida pessoal, eis que a
maioria do tempo permanecia em sua residência e, quando saia, tentava passar
desapercebida, conforme Gazeta do Povo (2017).
Insta dizer que de acordo com a Gazeta do Povo (2017), já restou proposta
Reclamatória Trabalhista em face do Hospital Evangélico, local em que a médica
laborou por quase 32 (trinta e dois) anos, sendo que, neste particular, o Tribunal
Regional do Trabalho do Paraná julgou procedente a ação, que remonta a estimativa de
quatro milhões de reais. Todavia, não é possível ainda afirmar o deslinde da demanda,
visto que foi objeto de recurso.
Nesse contexto, nota-se mais uma vez a mídia manipuladora entrando em
cena, condenando uma pessoa na qual não foi possível sequer afirmar, no mínimo, que
cometeu determinado ato delituoso, violando, mais uma vez, o princípio da presunção
de inocência.
62
7 CONCLUSÃO
Insta salientar que o indivíduo que for condenado por determinado crime terá
todos os seus direitos preservados, desde que não atingidos pela sentença
condenatória. Vela-se, principalmente, pela dignidade da pessoa humana.
Todavia, há de se enaltecer que antes da prolação de qualquer sentença e,
principalmente, do seu trânsito em julgado, deve-se admitir a proteção de todos os
direitos inerentes ao acusado, notadamente o princípio da presunção da inocência.
Levando-se em consideração a grandiosidade do aludido princípio, admite-se o
sigilo no inquérito policial, de modo que não comece a ser confeccionado qualquer juízo
de valor em face do acusado. Tal se dá também ao fato do inquérito policial prescindir
do contraditório e, diante disso, não cabe levantar quaisquer suspeitas prévias,
principalmente porque o acusado não exerceu o seu direito de defesa.
Em detrimento a estes valores, tem-se o direito à liberdade de expressão, bem
como o direito à informação, que, em muitas ocasiões, não é exercido com parcimônia
pela mídia. Isso porque, em algumas situações, a imprensa utiliza seus poderes de
maneira abusiva, expondo sobremaneira a imagem dos acusados.
Utiliza o sensacionalismo com o escopo de implantar na cabeça dos
telespectadores que não há qualquer outra possibilidade, a não ser considerar o
indivíduo criminoso. Em alguns casos vêm se admitindo a indenização por danos
morais, tendo em vista a utilização do direito à liberdade de expressão de maneira
equivocada pela mídia, como ocorreu na Apelação Cível 2013.039404-8, do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina.
Diante disso, pode-se afirmar, veementemente, que a mídia não pode utilizar o
direito à liberdade de expressão de maneira absoluta, manchando a imagem dos
indiciados, que, até então, são considerados inocentes. Ademais, mostra-se plausível
afirmar que a carga midiática probatória é dotada de inconstitucionalidade, vez que não
se coaduna com o princípio da presunção de inocência.
Ademais, não há dúvidas de que a manifestação equivocada da mídia pode
influenciar sobremaneira na decisão dos jurados, que, já indo com uma impressão pré-
formada do acusado, dificilmente irá se convencer de outra forma durante o julgamento.
63
Tal ocorreu no caso em que envolveu o casal Nardoni, vez que ainda na fase
do inquérito policial, que deveria ser dotada de sigilo, foram divulgadas diversas
informações, sendo considerada a mais gravosa, sem dúvidas, a reconstituição do
crime, vez que utilizaram uma boneca com as mesmas características da menina
Isabella, sendo a mídia amplamente participativa.
No caso do goleiro Bruno também houve grande repercussão nacional. A mídia
é tão incongruente que após a condenação simplesmente esqueceu a existência do
acusado, mas, após a sua soltura pelo Supremo Tribunal Federal, fazer renascer o
caso, ponderando o baixo tempo em que ficou preso, bem como trazendo entrevistas
com a mãe de Eliza Samudio, que afirma o medo que sente em ser a próxima vítima do
sentenciado.
Assim, nada mais plausível que o princípio da presunção de inocência atue de
maneira a limitar à exploração midiática, de modo que os direitos inerentes aos
indiciados possam ser resguardados de maneira efetiva.
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