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CURIOSIDADES 70 Natureza do Cerrado Os segredos Conheça as plantas e flores que travam lutas contra a seca para colorir a paisagem de um dos maiores biomas do Brasil TEXTO ANA LUÍSA VIEIRA Para escapar da seca, a sempre-viva brota principalmente nas veredas, áreas que ficam alagadas por longos períodos 1 Para escapar da seca, a sempre-viva brota principalmente nas veredas, áreas que ficam alagadas por longos períodos

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do CerradoOs segredos

Conheça as plantas e flores que travam lutas contra a seca para colorir a paisagem de um dos maiores biomas do Brasil

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Para escapar da seca, a sempre-viva brota principalmente nas veredas, áreas que ficam alagadas por longos períodos

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Para escapar da seca, a sempre-viva brota principalmente nas veredas, áreas que ficam alagadas por longos períodos

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Àprimeira vista, a atenção é atraída pelas árvores que pontuam o campo aberto forrado por gramíneas. Depois, detalhes como os troncos tortuosos e os ramos

retorcidos de algumas espécies chamam o olhar. A beleza do Cerrado brasileiro é assim: exibe novos detalhes a cada vez que sua paisagem é contemplada.

Quem circula pelos caminhos do bioma – que ocupa mais de dois milhões de quilômetros quadrados – se surpreende: além da aparência curiosa, as plantas revelam valentia ao lutar contra a seca que castiga a região entre os meses de março e setembro.

Enquanto algumas escondem segredos embaixo da terra, outras encontram jeitos de transpirar pouco para guardar o máximo de água possível. Há também as que, como a sempre-viva (Actinocephalus bongardii) (1), escolhem crescer perto de veredas – áreas onde o solo se mantém alagado por longos períodos.

Na maioria das vezes, o esforço despendido nos meses sem umidade compensa: a partir de outubro, o Cerrado se enche de flores para comemorar a estação das chuvas. Com tons vivos e particularidades inusitadas, elas colorem a paisagem até fevereiro – quando vão descansar sua beleza antes de despertar novamente no fim do ano.

De árvores de caule tortuoso a gramíneas, são mais de 90 mil as espécies típicas do Cerrado

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Entre biólogos e cientistas que estudam os biomas do Brasil, há quem diga que “o Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo”. Faz sentido: no subterrâneo, as raízes das árvores típicas da região superam em até duas vezes o tamanho que as espécies atingem acima do nível do solo. Tamanha profundidade tem sua razão de ser: o recurso garante que as plantas se abasteçam da água do lençol

freático durante o período em que a chuva se recusa a dar as caras no território.

Uma das árvores que sobressai nesse sentido é o pequi (Caryocar brasiliense) (1) – que atinge até 10 m de altura, mas cresce mais de 20 m embaixo da terra. Na porção da espécie que interessa aos amantes da Natureza – aquela que os olhos veem –, ganham destaque as flores, que combinam grandes

Força subterrânea

As flores vistosas (abaixo) do pequizeiro despontam cedo: entre agosto e novembro. Assim dá tempo de os frutos da espécie se formarem e alimentarem a fauna do Cerrado ainda na época das chuvas

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pétalas branco-amareladas com numerosos estames nos mesmos tons. A florada agracia o visual do Cerrado entre os meses de agosto e novembro, com pico em setembro. O objetivo é que, com o retorno das chuvas, os galhos do pequi estejam carregados de frutos atrativos para animais como a cotia – que depois espalham as sementes da planta campo afora.

Quem floresce na mesma época é o pau-de-rosas (Physocalymma scaberrimum) (2). Com pétalas encrespadas tingidas de um vivíssimo violeta-rosado, as flores da espécie formam pontos de contraste na paisagem principalmente em dias de céu aberto. São a companhia perfeita para o tronco da árvore – cuja madeira resistente inspirou nomes populares como quebra-facão e cega-machado.

O jacarandá-do-Cerrado (Dalbergia miscolobium) (3) – que também é conhecido como caviúna-do-cerrado e canzileiro – faz diferente: aposta na floração durante os primeiros meses do ano para que, na estação seca, suas sementes estejam a ponto de bala para serem dispersadas pelo vento. De longe, as flores da espécie parecem tímidas; de perto, impressionam pela coloração púrpura e roxa. Exotismo para ninguém botar defeito.

É impossível não notar o contraste entre as flores

rosa vibrante do pau-rosa e a paisagem seca do entorno

Para apreciar a bela florada púrpura e roxa do jacarandá-do-Cerrado é preciso esperar até janeiro

Em tons de branco, rosa e até roxo, as floradas das árvores

enchem de cor a paisagem do Cerrado na época das chuvas

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Embora as árvores de silhueta tortuosa levem a fama quando se fala do Cerrado, o território também é habitado por belíssimas – e curiosas – plantas herbáceas e arbustivas. A mais popular é a caliandra-do-Cerrado (Calliandra dysantha) (1), que se espalha tão intensamente por lá a ponto de ser considerada o símbolo do bioma. Ela colore a paisagem nos meses da primavera e do verão – mas só durante o dia, já que as

Entre raízes e flores

As flores de arbustos como a caliandra-do-Cerrado e de herbáceas como a para-tudo promovem uma profusão de cores na paisagem

Depois de desaparecer do solo durante o inverno, o lírio-do-mato ressurge na primavera com belas flores laranja

flores da espécie se recolhem no escuro. À luz do sol, seu cálice amarelado mal aparece em meio à profusão de estames vermelhos. As folhas, por sua vez, são formadas por pequenos folíolos – tática que reduz a perda d’água pela planta em meses de pouca chuva.

A exemplo das árvores, algumas herbáceas aproveitam a segurança do subsolo para garantir a sobrevivência em tempos de seca. É o caso do para-tudo (Gomphrena arborescens) (2), que enche os campos do bioma de pompons vermelhos entre os meses de novembro e abril. No restante do tempo, a planta concentra energias em sua raiz tuberosa – que, de tão poderosa, é usada em receitas medicinais para

combater a febre e a fadiga. Já o lírio-do-mato (Hippeastrum

glaucescens) (3) armazena nutrientes sob a terra na forma de um bulbo. Entre junho e agosto, a espécie entra

em dormência total, abrindo mão das partes aéreas e sumindo totalmente da

vista de quem circula pelo Cerrado. A intenção é que, durante a primavera, suas

flores alaranjadas – cujas seis pétalas formam um exuberante conjunto de até 15 cm de

diâmetro – ressurjam com força sem igual. E não é que dá certo?

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ConSultoRia: João de Deus Medeiros (biólogo e professor da universidade Federal de Santa Catarina), portal.ccb.ufsc.br; e Marcelo Kuhlmann (biólogo e pesquisador do bioma Cerrado), www.frutosatrativosdocerrado.bio.br

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