versÕes de um ritual de linguagem telejornalÍstico
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Tese de doutorado em Linguística de Renata Marcelle Lara, defendida em 2008 no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
RENATA MARCELLE LARA PIMENTEL
VERSES DE UM RITUAL DE LINGUAGEM TELEJORNALSTICO
CAMPINAS 2008
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RENATA MARCELLE LARA PIMENTEL
VERSES DE UM RITUAL DE LINGUAGEM TELEJORNALSTICO
Tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para a obteno do ttulo de Doutora em Lingstica. Orientadora: Profa. Dra. Suzy Lagazzi
CAMPINAS 2008
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IEL UNICAMP
P649v
Pimentel, Renata Marcelle Lara.
Verses de um ritual de linguagem telejornalstico / Renata Marcelle Lara Pimentel. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008.
Orientadora : Suzy Lagazzi. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Estudos da Linguagem. 1. Discurso. 2. Telejornalismo. 3. Autoria. 4. Imagem. 5. Ritual. I.
Lagazzi, Suzy. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.
Ttulo em ingls: Versions of a telejournalism language ritual.
Palavras-chave em ingls (Keywords): Discourse, Telejournalism, Authorship, Image, Ritual.
rea de concentrao: Anlise do discurso.
Titulao: Doutora em Lingstica.
Banca examinadora: Profa. Dra. Suzy Lagazzi (orientadora), Profa. Dra. Carmen Zink Bolognini, Profa. Dra. Telma Domingues da Silva, Profa. Dra. Solange Maria Leda Gallo, Prof. Dr. Belarmino Cesar Guimares da Costa.
Data da defesa: 28/02/2008.
Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingstica.
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Ao meu filho Heron, por reinscrever em mim a fora motivadora pelo conhecimento
e novos sentidos na vida.
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AGRADECIMENTOS
H muitos a agradecer. Um dos motivos est em ser a nossa prtica discursiva construda e atravessada por vrios sujeitos em suas diversas textualizaes. Tambm, no reconhecimento de que ser sujeito j o resultado da interpelao ideolgica sofrida pelo indivduo nas e pelas relaes de linguagem, em que o eu j nele mesmo um ns uno e mltiplo.
Deus talvez seja a corporificao exemplar desse inatingvel da lngua ao mesmo tempo to presente e to inapreensvel, mas que funciona produzindo sentidos em ns, para ns, a partir ou alm de ns. A Ele, agradeo por eu transitar entre a coeso e a disperso permissvel nessa tenso em apreender e abrir-se aos sentidos, outros, nos embates da academia, e por continuamente me re-colocar em movimento, nesse difcil caminho do adequar-se s normas e delas escapar.
Suzy, por saber conhecer e respeitar as contradies, at os limites academicamente possveis, do sujeito de linguagem. Pela in-tolerncia e exigncia com que conduziu a orientao desta pesquisa, continuamente des-acreditando no resultado final e des-afiando dia a dia as minhas im-possibilidades. Deixo aqui registrada a minha admirao pela complexidade com que se configura a sua competncia e rigor acadmico conjugados abertura ao simblico, disperso e ousadia. No poderia deixar de mencionar a acolhida que recebi, para alm dos domnios cientficos, corporificada na amizade e na confiana.
Agradeo Profa. Carmen, orientadora da pesquisa de Qualificao fora de rea, pela conduo do estudo sobre a autoria nos telejornais, e pela preciso e objetividade com que conduziu esse processo, atendendo sempre prontamente s minhas inquietaes. Tal estudo foi fundamental para o encaminhando da tese.
Ainda s Profas. Carmen e Telma pelas contribuies precisas na Banca de
Qualificao da Tese. Profa. Solange, por aceitar o convite em participar da Banca de Defesa, e, assim, oportunizar novos olhares e compreenses. Ao Prof. Belarmino, pela amizade e contnua receptividade acadmica.
Ao meu marido, Giuliano, pelo desafio dirio na construo e trmino desta
pesquisa. Pelos conflitos intelectuais gerados, pelo olhar provocativo ou silncio gritante, e por estar ao meu lado, mesmo no estando, cuidando do nosso filho quando, obrigatoriamente, e por tantas vezes, tive que me ausentar. Agradeo ainda pela conferncia das sees iniciais desta tese; contribuio fundamental para a reformulao e aperfeioamento da escrita. Acima de tudo, pelo Amor e por sua Grandiosidade em (fazer) Viver e Amar.
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Aos meus pais, Lara e Iraci, pelo apoio contnuo, pelas palavras motivadoras, f e ajuda fundamental no cumprimento de etapas para o doutoramento. Pelo amor e carinho com que acolheram seu neto durante vrios momentos do meu isolamento intelectual.
minha irm, Larissa, pelas indicaes, discusses e reflexes geradas. Pelo impulsionamento e incentivo.
minha professora de francs, Sibele, pela ajuda fundamental no desafio que tal lngua a mim impunha, e por ter contribudo para a aprovao no exame de proficincia.
Tambm a Moacir, que, mesmo antes de termos estabelecido laos de amizade,
acolheu-me em sua casa, ajudando a solucionar um problema acadmico. Agradeo imensamente pela acolhida e pela motivao propulsora, fundamentais para a superao desse desafio.
Aos amigos que fiz na Unicamp, em especial a Fernando e Elaine, por tornarem
o trajeto mais ameno e motivador, pelas contribuies acadmicas e pessoais, e por sua energia positiva.
Unicamp, pela oportunidade acadmica. E aos funcionrios da Secretaria de Ps-Graduao, Rose e Cludio, que sempre me atenderam prontamente, com simpatia e ateno especial. Aos amigos e colegas do Cesumar que direta ou indiretamente contriburam para o desenvolvimento desta pesquisa, seja com palavras ou aes. Em especial, ris, companheira acadmica e amiga incondicional, por todo apoio, reconhecimento e estmulo sempre contnuos. Lide, pessoa extraordinria e amiga acima de tudo, sempre prontamente atendendo aos meus pedidos ou se antecipando a eles. Elaine, pelas pontuais contribuies, sanando dvidas quanto s tcnicas telejornalsticas, sempre pronta a ajudar. Cibele, por facilitar as adequaes necessrias no ambiente de trabalho, advindas por motivos de sade ou por conta especfica de compromissos do doutorado; pela compreenso e ajuda sempre que requeridas. Veridiana, por prontamente atender-me, fornecendo o programa para recorte dos frames de imagens dos telejornais. Rosane, Neil, Rogrio, Valdete, Silvinha, Lucinia, Marcelo, Paulino, Boni, Lcio, Lucas e tantos outros que estiveram ao meu lado nessa trajetria. Ao Geder, que, durante o perodo frente da coordenao do Curso de Comunicao Social, buscou valorizar o meu trabalho e fortalecer a confiana acadmica.
Ao Cesumar, na figura dos tcnicos Rogrio, Ivan, Gustavo e Joo Paulo, pelas contribuies. No s agradeo a orientao de como utilizar o programa de imagens e a feitura da edio dos telejornais, mas a forma carinhosa com que me receberam e auxiliaram em muitas dvidas.
TV Clipping, pela gravao dos telejornais.
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minha assistente Adriana, ajudando sempre que possvel, seja com as atividades de casa, seja com o meu filho Heron.
queles no mencionados, que contriburam, a seu modo, para que esta tese fosse possvel, fica o meu carinho.
Por fim, agradeo a todos por ajudarem a compreender que, de tudo o que vivemos, em meio a tudo o que fazemos, o que dizemos e o que calamos, nesse longnquo e curto espao de tempo, aquilo que fica o resultado de nossas IM-PER-FEIES.
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Apreender at seu limite mximo a interpelao ideolgica como ritual supe reconhecer que no h ritual sem falhas.
Michel Pcheux
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RESUMO
Parte-se da compreenso da linguagem como ritual, tendo a falha, lugar da resistncia da lngua e do sujeito, como constitutiva. Referendado na teoria e no mtodo da Anlise de Discurso de linha francesa, investiga-se o telejornalismo como um ritual de linguagem, e por assim ser, sujeito a falhas, analisando a conjuno verbal-imagem como construtora de verses de noticiabilidade, de modo a observar na tensa relao entre disperso e coerncia a sustentao do efeito notcia. O corpus bruto constitudo por quatro telejornais veiculados em tv comercial aberta, no dia 13 de novembro de 2006: Jornal Nacional, SBT Brasil, Jornal da Band e Jornal da Record. Para a configurao do corpus especfico, toma-se como parmetro o conceito de trajeto temtico. A temtica do corpus, pela delimitao dos recortes, a construo da(s) imagem(ns) do governo Lula, com vistas a compreender o telejornalismo como um ritual de linguagem em que algo falha. Considera-se a construo da notcia a partir dos lugares enunciativos de apresentador, apresentador-ncora, reprter e comentarista, da posio-sujeito jornalista constituda na tenso entre autoria e no-autoria. A tese defendida a de que as verses, nesse ritual de linguagem, se produzem na conjuno entre verbal e imagem, e, nesse mesmo imbricamento, pelos gestos de interpretao do sujeito jornalista, se sustenta e se desestabiliza o verdadeiro do telejornalismo. Como se produz a des-estabilizao do efeito informacional pela anlise da no-coerncia a pergunta que norteia o percurso de anlise. O movimento terico-analtico aponta para apagamentos, silenciamentos, interdies e visibilidades na des-construo dessas verses. Palavras-Chave: Discurso, Telejornalismo, Imagem, Autoria, Ritual.
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ABSTRACT
The starting point is an understanding of language as a ritual, featuring the error the place of resistance for both language and subject as its essential feature. Structured upon the theory and method of French Discourse Analysis, telejournalism is investigated as a language ritual, and as such, susceptible to errors. The speech-imagery conjunction is analyzed as the construct for versions of newsworthiness, in order to observe the un-sustainability of the news effect through the tense relationship between dispersion and coherence. The overall corpus is made up of four newscasts, aired on open Brazilian TV networks on November 13, 2006: Jornal Nacional, SBT Brasil, Jornal da Band and Jornal da Record. For the configuration of the specific corpus, the concept of the thematic path is used as the parameter. The theme of the corpus, based on the delimitations of the samples, is the construction of the image(s) of the Lula government, aiming to understand telejournalism as a ritual in which an error takes place. The construction of the news is considered based on enunciatives places for the functioning and interdiction of authorship of the journalist position-subject: the newscaster, the anchorman, the reporter and the commentator. The thesis presented is that the versions in this language ritual are produced through the conjunction between speech and imagery; within this same concurrence, through the interpretative gestures of the journalist-subject, the truth of telejournalism is sustained and destabilized. How the de-stabilization of the information effect is produced through the analysis of non-coherence is the guiding question of the analysis. The theoretical-analytical movement points towards erasures, suppressions, interdictions and visibilities in the de-construction of these versions. Keywords: Discourse, Telejournalism, Image, Authorship, Ritual.
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SUMRIO
1 INTRODUO.........................................................................................................................................1
2 O RITUAL DA LINGUAGEM NA LINGUAGEM RITUAL-IZADA.........................19 2.1 CONDIES DE PRODUO DO (RE-CONHECIMENTO) RITUAL...........................................34
2.2 EVIDNCIA E EQUVOCO NA CONJUNO MATERIAL............................................................42
2.3 (NO H) FATOS, (E SIM) VERSES..................................................................................................45
3 LUGAR, FUNO E POSIO-SUJEITO NO RITUAL.................................................49 3.1 ABERTURA E FINALIZAO (DO) RITUAL.....................................................................................64
3.2 INTERDIO E APAGAMENTO DA AUTORIA................................................................................89
4 A IN-DETERMINAO DA NOTCIA.....................................................................106 4.1 CONJUNES MATERIAIS ENTRE VERBAL E IMAGEM..........................................................110
4.2 MATERIALIDADES ESPECFICAS EM SUAS ESPECIFICIDADES MATERIAIS....................116
4.3 TRAJETOS DO DIZER NA INSTITUCIONALIZAO DE SENTIDOS......................................126
5 A CONFIGURAO DO CORPUS.............................................................................137 5.1 O JOGO PARAFRSTICO NOS TELEJORNAIS..............................................................................168
5.2 A ESCALADA E O PRIMEIRO IMPACTO DA NOTICIABILIDADE...........................................174
5.3 DAS PASSAGENS DE BLOCO REITERAO DO EFEITO.......................................................205
5.4 TEXTUALIZAES NO CORPO (DO) RITUAL DE APRESENTAO......................................211
5.5 REITERAO DO EFEITO NOTCIA NA REPORTAGEM...........................................................255
5.5.1 A des-legitimao do off no jogo de imagens...............................................................256
5.5.2 A naturalizao da crtica na posio-jornalista.......................................................................335 5.6 INTERPRETANDO O JOGO PARAFRSTICO NO CONJUNTO DO EFEITO NOTCIA........345
6 CONSIDERAES EM CURSO.................................................................................351
REFERNCIAS................................................................................................................356
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ANEXOS EM DVD TELEJORNAIS (13 DE NOVEMBRO DE 2006)........................368
ANEXO A - JORNAL NACIONAL
ANEXO B - SBT BRASIL
ANEXO C - JORNAL DA BAND
ANEXO D - JORNAL DA RECORD
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1 INTRODUO
Ritual de linguagem. Linguagem ritual(izada). Todo ritual se constitui em
linguagem, e, por assim ser, se abre falha. Des-dizer, in-completude, no-fechamento,
pontos de deriva se entranham e se emaranham na tessitura dos textos numa relao de in-
coerncia des-contnua. H uma falta constitutiva lngua funcionando nessa constante re-
corrncia por administrar os sentidos. Tentativa re-incidente de domnio do fugido e do in-
apreensvel. Contradio inerente aos sentidos, que ao mesmo tempo se abrem e se fecham,
e, ao se fecharem, reclamam sentidos; outros, nos mesmos.
O telejornalismo um ritual de linguagem institucional(izada). Funciona em
relaes de autorizao e legitimidade, autoridade e legitimao, nas e pelas posies-
sujeito do discurso. Sua eficcia advm do efeito evidncia decorrente de mistificaes,
sustentculos da notcia no formato informao, e que se mantm por um trabalho de
objetivao1 da linguagem. Conjuntamente, pelo apagamento da autoria do sujeito
institucional, institucionalizado e institucionalizante. Ao se pautar (ser pautado) pela
instituio, o sujeito jornalista se institucionaliza, ao mesmo tempo em que passa a
institucionalizar na relao com o telespectador.
A construo de verses pe em funcionamento diferentes ou mesmas imagens
(formaes imaginrias), funcionando em sistema parafrstico no interior de um telejornal e
entre telejornais. Tais imagens resultam de um trabalho de conjuno entre a materialidade
verbal (escrita-grafada, escrita-oralizada e oralidade) e a materialidade visual (imagem). Os
sentidos advindos se corporificam no telejornal em diferentes formatos, mediante uma
autoria individual ou coletivamente apagada. Para que o efeito informacional continue
funcionando preciso, antes, que o sujeito institucional naturalize para si, na relao com o
1 No Jornalismo, as tcnicas de redao de texto reafirmam o mito da objetividade, tanto na separao dos gneros enquadrados nas categorias informao e opinio quanto no emprego de recursos como a narrativa no impessoal, evitar adjetivaes, responder a perguntas consideradas bsicas na apresentao da novidade, entre outros. Quanto ao telejornalismo, acrescenta-se, ainda, a conteno e o equilbrio de movimentos gestuais e expressivos, por parte dos apresentadores, que possam acusar uma dada tomada de posio quanto ao que noticiado.
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telespectador, sua condio de apresentar a realidade, e, no caso da linguagem, de ser
instrumento de comunicao.
A falta estruturante da lngua, essa resistncia que lhe prpria, levou-nos a
considerar a falha nesse ritual telejornalstico, para alm da aparente coerncia ou de uma
no-contradio. Entender as materialidades em suas especificidades possibilitou-nos a
compreenso do telejornal como materialidade especfica, em sua conjuno verbal-visual.
Este estudo, resultado de um gesto de compreenso terico-analtico, se faz na
sustentao da seguinte tese: As verses, no ritual de linguagem telejornalstico, se
produzem na conjuno entre verbal e visual, e, nesse mesmo imbricamento, se sustenta e
se desestabiliza o verdadeiro do telejornalismo pela imposio da resistncia da
especificidade material. As materialidades se marcam, nesse encontro, por sobreposies,
apagamentos e silenciamentos, expondo-se visibilidade pelos gestos de interpretao da
posio-jornalista, constituda na contradio entre autoria e no-autoria.
O incmodo central desta tese conduziu ao questionamento sobre como o ritual
telejornalstico, que falho, se estrutura na conjuno entre as materialidades verbal e
visual, pelo funcionamento e apagamento da autoria, e de que modo apagamentos,
silenciamentos ou a exposio visibilidade interditam sentidos nesse e a partir desse
imbricamento.
Partimos da conjuno entre verbal e imagem na construo de verses de um
ritual de linguagem telejornalstico. Investigamos o funcionamento do telejornal dos
lugares enunciativos de apresentador, apresentador-ncora, reprter e comentarista, no
cumprimento de suas funes institucionais, na interdio e apagamento da autoria, a fim
de observar, pelas falhas decorrentes desse processo de tensa relao entre disperso e
coerncia, incompletude e unidade, a des-estabilizao do efeito notcia.
Para alm do entendimento de uma no equivalncia das especificidades do
verbal e do visual, a busca por compreender o funcionamento do ritual telejornalstico, pela
conjuno dessas materialidades, em que algo falha, levou-nos a configurar o corpus
especfico pela seleo de notcias que apresentassem, nos quatro telejornais tomados para
anlise, quer seja, Jornal Nacional, SBT Brasil, Jornal da Band e Jornal da Record, uma
regularidade temtica.
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Esse primeiro movimento parafrstico possibilitou a reunio de notcias
marcadas temporal e tematicamente pelo incio do segundo momento do governo Lula, ou
seja, ps-reeleio. Ancorados na delimitao temtica, objetivamos saber,
especificamente, de que forma a anlise da conjuno entre as materialidades verbal e
visual, na construo da(s) imagem(ns) do governo Lula, possibilita compreender o
funcionamento ritual do telejornalismo do qual a falha constitutiva.
Ressaltamos, portanto, que esta tese no tematiza a construo de imagem(ns)
do governo Lula. Mas por meio de tal recorte no ritual de linguagem telejornalstico,
investigamos este funcionamento ritual(izado), observando nas/pelas falhas constitutivas
dessa conjuno material irrompendo na tensa relao entre unidade/coeso e
incompletude/disperso, o efeito notcia se des-estabilizando.
O que possibilitou delinear a temtica quanto a verses estruturadas na
conjuno de materialidades desse ritual de linguagem foi, por um lado, a imerso terico-
metodolgica, propiciada desde o mestrado, nos entremeios da Anlise de Discurso de linha
francesa. Por outro, o novo, como o possvel de advir no encontro de dois campos de
conhecimento, Lingstica e Jornalismo, na compreenso da imagem telejornalstica como
discurso, ao se considerar a especificidade material do telejornalismo, em que verbal e
imagem se conjugam num mesmo funcionamento ritual.
Na primeira parte deste estudo, seguidamente introduo, organizamos, sob o
ttulo O RITUAL DA LINGUAGEM NA LINGUAGEM RITUAL-IZADA, fragmentos
de nossa imerso no ritual de linguagem, em que a falha se faz constitutiva. Produzindo um
duplo deslocamento terico, tanto no sentido da Anlise de Discurso, para observar o
Telejornalismo, quanto deste, para ser observado nos entremeios da AD, e trabalhando
esses dois campos de conhecimento interligados, que pensamos o telejornalismo como
um ritual de linguagem, e, portanto, tambm sujeito a falhas.
Discutimos as condies materiais de produo, problematizando a evidncia
no apagamento do equvoco, e negando a existncia de fatos jornalsticos na exposio de
verses. Os lugares enunciativos tomados como centrais so considerados no cumprimento
de funes telejornalsticas, e levam sustentao de verses no telejornalismo:
apresentador ou apresentador-ncora, reprter e comentarista.
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LUGAR, FUNO E POSIO-SUJEITO NO RITUAL tematiza as
relaes institucionais e discursivas em funcionamento (no) ritual, com ateno especial
para a abertura e o fechamento do telejornalismo. Tambm se volta para a interdio e o
apagamento da autoria nesse processo.
Tendo como foco A IN-DETERMINAO DA NOTCIA, teorizamos, na
quarta seo, as conjunes entre verbal e imagem, considerando suas especificidades na
constituio da especificidade material telejornalstica. Percorremos, ainda, trajetos do
dizer institucional, apontando para a configurao da historicidade dos telejornais nas e
pelas emissoras.
Na ltima seo, especificamos A CONFIGURAO DO CORPUS,
estabelecendo um jogo parafrstico nos telejornais e entre telejornais, de modo a discutir a
sustentao do efeito notcia. Tal efeito se sustenta no encontro entre as materialidades
verbal e visual, levando produo de verses, as mesmas ou outras, por um trabalho
tcnico-ideolgico de conteno de determinados sentidos ao se dar visibilidade a outros.
Ainda, porque no acontecimento ritual constitudo na relao com o pblico, o sujeito
institucionalizado, tomado por exigncias e proibies prprias instituio, funciona, na
posio-jornalista, por um processo de interdio e de apagamento da autoria, de modo a
advir o verdadeiro do telejornalismo: a correspondncia entre notcia e realidade, como
se a realidade noticiada existisse independe do sujeito de linguagem. Mas nesse mesmo
encontro do verbal com a imagem, ponto de sustentao da novidade telejornalstica, que se
d, pela irrupo da falha, constitutiva da lngua, a desestabilizao do efeito notcia.
Partimos da temtica do corpus sobre a construo da(s) imagem(ns) do
Governo Lula, apenas no sentido de delimitao do corpus de anlise. Cada conjunto, posto
internamente em relaes de parfrase, foi confrontado aos outros conjuntos dos demais
telejornais, expondo os mecanismos que levam, no funcionamento ritual, configurao de
verses pela conjuno do verbal com o visual, no apagamento da autoria.
Em meio a isso, e para alm disso, a compreenso da falha nessa imbricao
material, constitutiva da lngua(gem), amplia a possibilidade de se pensar a circulao do
discurso telejornalstico na sociedade atual. Tomamos para anlise o Jornal Nacional, o
SBT Brasil, O Jornal da Band e o Jornal da Record.
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Das escaladas (manchetes), e nelas, observamos a constituio do primeiro
impacto da noticiabilidade. Em seguida, analisamos as passagens de bloco, que realizam a
ponte de um bloco a outro, intermediados pelo intervalo comercial. Observamos como o
efeito notcia primeiro vai sendo reiterado. Tambm observamos essa reiterao se dando
nas cabeas (aberturas) das reportagens, nas notas, e entre outros formatos configurados na
e pela enunciao do apresentador.
Consideramos, ainda, a reiterao do efeito na reportagem, do lugar
enunciativo de reprter. Discutimos a des-legitimao do off (udio do reprter) no jogo de
imagens e a naturalizao da crtica na posio-jornalista. Nas interpretaes da anlise, o
jogo parafrstico, movimento analtico, no conjunto do efeito notcia, posto em discusso.
Por fim, traamos CONSIDERAES EM CURSO quanto trajetria
terico-analtica que nos levou configurao e sustentao desta tese. Mas sabendo que os
gestos de compreenso, aqui esboados e configurados, se fazem e se colocam
continuamente em curso, abertos a contribuies, novos olhares, outros caminhos.
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2 O RITUAL DA LINGUAGEM NA LINGUAGEM RITUAL-IZADA2
Sujeito falha, ao jogo, ao acaso, e tambm regra, ao saber, necessidade. Assim o homem (se) significa. Se o sentido e o sujeito poderiam ser os mesmos, no entanto escorregam, derivam para outros sentidos, para outras posies. A deriva, o deslize o efeito metafrico, a transferncia, a palavra que fala com outras.
Eni Puccinelli Orlandi (2000a, p. 53).
Esboar um dizer da falta, ou a falta do dizer, parafraseando um ttulo
atribudo por Authier-Revuz (1997), se faz no (re)conhecimento de que em todo dizer h
sempre algo que falta uma certa indeterminao, nas palavras de Haroche (1992, p.199)
: esse inatingvel da lngua. A impossibilidade de fechamento dos sentidos, a
incompletude inerente linguagem, a prpria possibilidade da falha.
Duas teses, enunciadas de forma conjugada por Althusser (s.d., p. 91),
explicitam a relao do sujeito com a ideologia: s existe prtica atravs e sob uma
ideologia; s existe ideologia atravs do sujeito e para sujeitos. Essa existncia material
da ideologia em um aparelho de Estado (jurdico, poltico, religioso, escolar, familiar, da
informao, entre outros), e nas suas prticas, derruba a suposta existncia ideal atribuda
s idias. Estas so actos materiais inseridos em prticas materiais, reguladas por rituais
materiais, que so tambm definidos pelo aparelho ideolgico material, logo, sua
existncia material (ALTHUSSER, s.d., p.88-89, grifos do autor).
Como a ideologia se materializa nas prticas rituais mesmo que seja uma
missa pouco freqentada numa capela, um enterro, um pequeno desafio de futebol numa
sociedade desportiva, um dia de aulas numa escola, uma reunio ou um meeting de um
partido poltico, etc, conforme Althusser (s.d., p. 87-88) , e esses rituais so rituais de
linguagem, sujeitos a falhas, h sempre a possibilidade de brechas, fissuras, espaos
fugidios na interpelao.
2 Esta seo contm partes reconfiguradas da investigao sobre Autoria no ritual telejornalstico, esboada em forma de artigo, tendo o mesmo sido submetido Banca de Qualificao em Lingstica Aplicada, no ano 2007, conforme exigncia do Programa.
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A resistncia se inscreve no interior mesmo da dominao, por um sujeito
dividido, inscrito no simblico, como leva a ver Pcheux (1997c, p. 302-303), e no como
uma oposio consciente direta, de um exterior para um interior. Resistncia esta que
aparece de forma mais explicitada no artigo Delimitaes, inverses, deslocamentos,
texto de Pcheux publicado no Brasil em 1990 e, anteriormente, na Frana, em 1982, sob o
ttulo de Dlimitations, inversions, dplacements.
A explicitao de rituais em sua forma material, no dizer althusseriano,
extravasa como ponto de interesse desta discusso. Mais especificamente ao
compreendermos, com base em Pcheux (1990; 1997c), que todo ritual est sujeito a falhas,
e sendo ele um ritual de linguagem, a falha constitutiva da lngua. Nas suas palavras,
apreender at seu limite mximo a interpelao ideolgica como ritual supe reconhecer
que no h ritual sem falhas; enfraquecimento e brechas, uma palavra por outra a
definio de metfora, mas tambm o ponto em que o ritual se estilhaa no lapso3
(1997c, p. 300-301, grifo do autor).
A discusso sobre ritual, em Pcheux, se configura na explicitao dessa
lngua inatingvel, dessa incompletude constitutiva, do impossvel do fechamento e do
controle pleno dos sentidos. Para isso, centra-se no chiste (witz judeu e no joke anglo-
saxo). A transferncia metafrica, por ns requerida, est em pensar essa falha no ritual
telejornalstico; o que nos leva tambm ao pensamento foucaultiano pela busca por
compreender a relao entre ritual, autoria e discurso.
Considerando a existncia de um real da lngua e de um real da histria,
Pcheux situa o sentido como necessrio possibilidade mesma de existncia do sujeito,
que se pe em relao com a realidade na e por meio da linguagem. O real da lngua,
esse impossvel, prprio a ela, atravessado por falhas (GADET; PCHEUX, 2004). Ao
discutir que a lngua sujeita falha e que esta constitutiva da ordem do simblico, 3 No mesmo livro, em momento anterior a tal afirmao, Pcheux (1997c, p. 262) j havia explicado que o prprio Lacan, ao dizer que a frmula da metfora era uma palavra por outra, traria uma nota excepcionalmente esclarecedora, explicando que a metfora se localiza no ponto preciso em que o sentido se produz no non-sens. A partir de tal esclarecimento, Pcheux formula em seu dizer o sentido de transferncia (meta-phora). Embora tomemos como referncia a 3. edio Brasileira (1997) de Les Vrits de La Palice, traduzida no Brasil por Semntica e Discurso: uma crtica afirmao do bvio, a edio francesa de 1975. Anterior, portanto, ao artigo Dlimitations, inverses, dplacements, de 1982 (como j explicitado), quando Pcheux retoma essa discusso da metfora, com base em Lacan.
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Orlandi (2001) distingue falha de equvoco. Considera este fato de discurso. Segundo
explica, a inscrio da lngua (suscetvel falha) na histria que produz o equvoco.
Portanto, este se d no funcionamento da ideologia e/ou do inconsciente.
Se o sentido se produz no non-sens do inconsciente, como reafirma Pcheux
(1997c, p. 300), em que a interpelao encontra onde se agarrar, e se a metfora se
localiza no ponto preciso em que tal sentido produzido - retomando Lacan no contexto
em que foi trazido -, o funcionamento dessa lngua falha na histria produz o equvoco.
Disso buscamos nos ocupar: num primeiro momento, teoricamente, investigando os
caminhos que levaram Pcheux a pensar a linguagem como ritual com falhas; num segundo
momento, analiticamente, explicitando funcionamentos do ritual em meio a um ritual de
linguagem suscetvel a falhar.
Partamos da idia de homogeneizao lgica em funcionamento, presente no
imaginrio em sociedade, sustentando a idia de um mundo semanticamente normal,
posto a ver por Pcheux em O discurso: estrutura ou acontecimento (1997b). Nesse
mundo, as instituies do Estado, sejam pblicas ou privadas, trabalham na manuteno
dessa normalidade evidente ao sujeito pragmtico assim referido pelo autor. Realizam
uma coero lgica disjuntiva, em que a contradio no nunca aceita como
constitutiva, mas como o impossvel de se dar no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Da
essa necessria separao estanque entre conceitos que se opem, como certo e errado,
casado e solteiro, empregado e desempregado, verdadeiro e falso e tudo aquilo que exige do
sujeito uma tomada de posio linear, conforme Pcheux (1997b, p. 31), ao se supor, nesses
espaos discursivos logicamente estabilizveis, que todo sujeito falante sabe do que se
fala.
Esse sujeito, ou cada um de ns, segundo o autor, tem coisas-a-saber
(conhecimentos a gerir e a transmitir socialmente), isto , descries de situaes, de
sintomas e de atos a efetuar ou evitar) associados s ameaas multiformes de um real do
qual ningum pode ignorar a lei porque esse real impiedoso (PCHEUX, 1997b, p.
34-35). Essa iluso de liberdade, de poder escolher entre X ou Y, de fazer isso ou aquilo,
esse teatro da conscincia, como diz Pcheux em Semntica e Discurso (1997, p.154), ,
segundo tese althusseriana, trabalho da ideologia.
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Nas prprias palavras de Althusser (s.d, p. 113): o indivduo interpelado
como sujeito (livre) para que se submeta livremente s ordens do Sujeito, portanto para
que aceite (livremente) a sua sujeio, portanto, para que realize sozinho os gestos e os
actos de sua sujeio. E continua: S existem sujeitos para e pela sua sujeio. por isso
que andam szinhos [sic].
Ao mesmo tempo rebatendo leituras funcionalistas da noo de assujeitamento
em Althusser e se retificando quanto a um assujeitamento pleno, Pcheux (1997c, p. 300)
reconhece que levar demasiadamente a srio a iluso de um ego-sujeito-pleno em que
nada falha, eis precisamente algo que falha em Les Vrits de La Palice. por esse
retorno crtico sobre a questo do sujeito, como se referiu Maldidier (2003, p. 66),
presente no Anexo 3 edio inglesa de Les Vrits de La Palice, que se faz possvel
pensar a resistncia, tomando a lngua como ritual, e, por assim ser, sujeita a falhas.
Pcheux explicita o impossvel do assujeitamento perfeito justamente no lugar
por onde se d a interpelao: o inconsciente. Afirma que o non-sens do inconsciente, em
que a interpelao encontra onde se agarrar, nunca inteiramente recoberto nem obstrudo
pela evidncia do sujeito-centro-sentido que seu produto. E continua explicando que isso
se d porque o tempo da produo e o do produto no so sucessivos como para o mito
platnico, mas esto inscritos na simultaneidade de um batimento, de uma pulsao pela
qual o non-sens inconsciente no pra de voltar no sujeito e no sentido que nele pretende se
instalar (PCHEUX, 1997c, p. 300).
Esse filsofo encontra na questo ritual a formulao de uma resposta, inscrita,
de certa forma, no prprio dizer althusseriano, para desfazer a iluso de um assujeitamento
pleno construo atribuda a Atlhusser, por seus desafetos, e que lhe rendeu severas
crticas por ter ousado teorizar sobre o indivduo interpelado em sujeito pela ideologia.
Explorando uma brecha no interior do discurso althusseriano, traz, na retificao do Anexo
3 de Semntica e discurso, um trecho das afirmaes finais de Ideologia e Aparelhos
Ideolgicos do Estado, para, em seguida, permitir suscitar a falha: Quem diz luta de classe
da classe dominante diz resistncia, revolta e luta de classe da classe dominada, afirma
Althusser (s.d., p. 118). Sequencialmente, Pcheux (1997c, p. 301) conjetura que o lapso e
o ato falho (falhas do ritual, bloqueio da ordem ideolgica), bem que poderiam ter alguma
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coisa de muito preciso a ver com esse ponto sempre-j-a, essa origem no-detectvel da
resistncia e da revolta.
No significa, contudo, que haja uma coincidncia entre a ordem do
inconsciente e a ordem da ideologia, como se o lapso ou o ato falho fossem as bases
histricas de constituio das ideologias dominadas, conforme explica Pcheux (1997c, p.
301). No pela oposio direta entre ideologia dominada e ideologia dominante que se d
a resistncia, mas na falha constitutiva da lngua, e, por assim dizer, das prprias ideologias
o que fica mais visvel em Delimitaes, inverses, deslocamentos, quando afirma que
toda dominao antes de tudo uma dominao interna (p. 16).
Pcheux (1997c, p. 304) se atm, ento, a dois pontos que considera
incontornveis: no h dominao sem resistncia: primado prtico da luta de classes, que
significa que preciso ousar se revoltar, e ningum pode pensar do lugar de quem quer
que seja: primado prtico do inconsciente, que significa que preciso suportar o que venha
a ser pensado, isto , preciso ousar pensar por si mesmo.
Resumidamente, podemos dizer que a impossibilidade de haver um
assujeitamento pleno ou um sujeito centrado se deve ao fato de que todo sujeito um
sujeito de linguagem, e esta falha. ao considerar a interpelao ideolgica como ritual
que Pcheux produz o reconhecimento da falha na interpelao, no non-sens do
inconsciente. Se a falha se d na interpelao no inconsciente, ponto mesmo em que a
ideologia torna o indivduo sujeito do seu discurso, no fora da ideologia, qual se busca
combater no sentido de confrontar ideologias dominantes e dominadas, por exemplo ,
que a resistncia se faz possvel. Ao contrrio, do seu interior, justamente no ponto em
que se d a quebra do ritual e o advir do equvoco. Nesse sentido, entendemos a afirmao
de Maldidier (2003) quanto tese da interpelao ideolgica permanecer o fundo terico,
s que, de alguma forma, invertida. Conforme a autora (2003, p. 70), no mais no
sucesso da interpelao, mas nos traos de seu obstculo, que se toca o sujeito. Assim
lapsos, atos falhos, etc, inscrevem traos de resistncia e de revolta.
O que permitiu, a nosso ver, portanto, a Pcheux chegar possibilidade de se
pensar a resistncia, ou seja, repensar a idia da interpelao ideolgica, o assujeitamento,
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foi a sua prpria capacidade de reler Althusser, no interior daquilo mesmo que fez suscitar
as crticas ao pensamento althusseriano.
Embora tambm no abordado como tema central dos estudos foucaultianos,
exploramos o ritual em A ordem do discurso4 como um agrupamento de sistemas de
restrio discursiva, pelo olhar de Foucault. Nesse livro5, o filsofo discute procedimentos
de excluso, que se exercem, de certo modo, do exterior, ou seja, so procedimentos para
dominar os poderes que os discursos tm: interdio (palavra proibida); oposio entre
razo e loucura (segregao da loucura); oposio entre verdadeiro e falso (vontade de
verdade). Outros procedimentos, considerados internos, so de limitao do discurso, quer
dizer, funcionam para conjurar os acasos de sua apario: comentrio (princpio do
comentrio); autor (princpio do autor); disciplinas (princpio das disciplinas).
H tambm um terceiro grupo de procedimentos que permitem o controle dos
discursos. Trata-se de submeter os indivduos a um grupo de regras determinadas como
necessrias ao funcionamento dos discursos, resultando em acesso restrito aos mesmos por
apenas uma parcela da sociedade. Para entrar na ordem do discurso, preciso satisfazer
certas exigncias, ser qualificado para tal. Nesse grupo, Foucault (2000a, p. 44) rene os
rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinrios e as
apropriaes sociais como sendo os grandes procedimentos de sujeio do discurso.
O primeiro ponto que nos interessa da discusso de Foucault (2000a) o
procedimento de excluso, por ele referido, como sendo o mais evidente e familiar: a
interdio. Esta se apresenta em trs tipos que, segundo ele, se cruzam, se reforam ou se
compensam. O tabu do objeto diz respeito a proibies a certos dizeres, j que nem tudo
pode ser dito. O ritual da circunstncia significa que certas coisas s podem ser ditas em
determinadas circunstncias. E o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala
sintetiza a proibio quanto a qualquer pessoa poder tratar de todos os temas.
Transferindo, metaforicamente, o dizer de Foucault para o telejornal,
observamos que esse procedimento de excluso, determinado scio-historicamente, se
inscreve na prpria condio institucional(izada) do telejornalismo. A sociedade e a histria 4 A referncia utilizada a 6. edio brasileira, de setembro de 2000, publicada pela Editora Loyola. A publicao original francesa data de 1971. 5 O livro apresenta a aula inaugural proferida por Foucault em 2 de dezembro de 1970, no Collge de France.
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do instituio (normas e tcnicas) e ao meio (tv) , de certa forma, as determinaes sobre
o que e como pode ser dito; quem est autorizado a dizer o que pode ser dito ou a quem se
autoriza o dizer, o que dizer, em circunstncias dadas. Estas, nas quais o dizer se pe em
funcionamento, ou melhor, se d a ver, tambm interferem no que se autoriza ou se
interdita. Essas interdies participam do funcionamento do ritual do dizer, ao dizer, para
se dizer, no qual as posies-sujeito, autorizadas, participam, em circunstncias diversas ou
as mesmas, da constituio dos sentidos da notcia.
A linguagem autorizada e as condies sociais da eficcia do discurso
ritual, tematizados por Bourdieu (1998), so aqui requeridos pelo fato de no bastar que o
ritual seja entendido ou compreendido, como se refere o autor, mas necessrio que ele
seja reconhecido. Desta forma, a linguagem de autoridade governa sob a condio de
contar com a colaborao daqueles a quem governa, ou seja, graas assistncia dos
mecanismos sociais capazes de produzir tal cumplicidade. Esta, por sua vez, est fundada
no desconhecimento, que constitui o princpio de toda e qualquer autoridade
(BOURDIEU, 1998, p. 91, grifo nosso).
Parafraseando Bourdieu conjuntamente a Althusser (s.d.), afirmamos que o
reconhecimento da legitimidade do ritual, portanto, no d o conhecimento dos mecanismos
que o tornam legtimo. So por esses procedimentos de reconhecimento e desconhecimento
que o ritual cumpre sua eficcia.
O terceiro princpio de excluso (externo), apresentado por Foucault (2000a),
interessa-nos na medida em que focaliza a vontade de verdade. Tomada como uma re-
construo miditica, a verdade, objetivada no campo da cincia positivista (sujeito como
mero observador do objeto), tratada no fazer telejornalismo como advinda do uso
adequado da tcnica e do cumprimento das normas, reunidas em manuais de redao, e do
cdigo de tica do jornalista algo possvel de ser apreendido e posto a ver de forma
neutralizada no que se refere s tendncias (preferncias e posicionamentos) pessoais.
Em Foucault (2000a), a oposio entre verdadeiro e falso apresentada como
uma separao historicamente constituda:
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Porque, ainda nos poetas gregos do sculo VI, o discurso verdadeiro no sentido forte e valorizado do termo , o discurso verdadeiro pelo qual se tinha respeito e terror, aquele ao qual era preciso submeter-se, porque ele reinava, era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido; era o discurso que pronunciava a justia e atribua a cada qual sua parte; era o discurso que, profetizando o futuro, no somente anunciava o que ia se passar, mas contribua para a sua realizao, suscitava a adeso dos homens e se tramava assim com o destino. Ora, eis que um sculo mais tarde, a verdade a mais elevada j no residia mais no que era o discurso, ou no que ele fazia, mas residia no que ele dizia: chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciao, para o prprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relao a sua referncia (FOUCAULT, 2000a, p. 14-15, grifos do autor [itlico] e grifos nossos [sublinhado]).
Primeiramente o discurso era tomado como um ato ritual, significando na
constituio da enunciao e envolvendo os sujeitos nesse processo. O quem de direito
autorizava e era autorizado no processo ritual. Depois, o discurso, ritualizado, se desloca
para o enunciado. Apaga-se o processo de sua configurao, visibilizando-se o contedo. O
quem de direito se reduz a quem autorizado, ou seja, a quem se atribui direito para dar
a ver o sentido. Funciona pela visibilidade (posio-sujeito institucionalmente assumida) e
pelo apagamento (como tal posio significa no dizer) ao mesmo tempo. Produz-se um
efeito de separao entre sujeitos e sentidos, como se a constituio destes fosse
independente uma da outra.
Para Foucault (2000a, p. 16-18), portanto, a vontade de verdade no sculo XIX
no coincide com a vontade de saber que caracteriza a cultura clssica. Como os outros
sistemas de excluso, ela se apia, segundo o autor, sobre um suporte (conjunto de
prticas, como o sistema de livros, das bibliotecas, os laboratrios, etc.) e uma distribuio
institucional (aplicao, valorizao, distribuio, repartio e atribuio do saber em uma
sociedade). Tende, dessa forma, a exercer sobre os outros discursos na sociedade uma
espcie de presso e como que um poder de coero.
Essa vontade de verdade encontra lugar no telejornalismo em seu
funcionamento ritual, na crena que pe em relao sujeitos institucionais
(institucionalizados) e sujeitos tele-espectadores, numa re-configurao espao-temporal. O
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reconhecimento e o desconhecimento desse ritual, na perspectiva do telespectador, mantm
em funcionamento essa vontade de verdade, alimentada institucionalmente. Como efeito,
a verdade dada pelo enunciado, apagando-se o processo que leva sua configurao. Isso
desloca para o contedo o que passa a ser posto como verdade. O quem de direito j no
tido mais como um ator social, participante da construo simblico-histrica, mas se
reduz (ilusoriamente) a uma ocupao de cargo, a qual d ao sujeito o direito a dizer, o que
se quer dito, por uma representao virtual e no por uma participao constitutiva.
Representa um lugar institucional, autorizando o dizer, que no imaginrio apenas uma via
de acesso realidade. Tem-se, portanto, concomitantemente, um discurso ritual
(funcionamento) e um discurso ritualizado (produto).
Requerendo uma des-continuidade, reportamo-nos ao terceiro grupo de
procedimentos, estes referidos como procedimentos de sujeio do discurso, que
possibilitam, segundo Foucault, o controle dos discursos. No seu entendimento, a forma
mais superficial e mais visvel desses sistemas de restrio constituda pelo que se pode
agrupar sob o nome de ritual. Este define a qualificao que devem possuir os indivduos
que falam (e que, no jogo de um dilogo, da interrogao, da recitao, devem ocupar
determinada posio e formular determinado tipo de enunciados). Define tambm os
gestos, os comportamentos, as circunstncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso. Enfim, fixa a eficcia suposta ou imposta das palavras, seu efeito
sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coero (FOUCAULT,
2000a, p. 36-38).
Considerando que a prtica de um ritual determina para os sujeitos que falam,
ao mesmo tempo, propriedades singulares e papis preestabelecidos, Foucault (2000a, p.
39) entende que os discursos religiosos, judicirios, teraputicos e, de certa forma, os
polticos no podem ser dissociados dessa prtica ampliando os exemplos do autor, assim,
tambm, o discurso telejornalstico no pode ser dissociado da prtica ritual.
Esse filsofo no faz referncia ao ritual como falha, tal como faz Pcheux,
tampouco inscreve nessa prtica a interpelao ideolgica, de Althusser. O sentido de
assujeitamento advindo a partir da tese althusseriana de interpelao ideolgica do
indivduo em sujeito figura em outros termos em Foucault, em cujos estudos a ideologia
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no posta na constituio de uma forma-sujeito. Para ele, a condio de assujeitamento,
no ideologia, mas a micro-poderes, se d num trabalho de individualizao do sujeito
pelo Estado6.
Nos procedimentos internos, de delimitao dos discursos, o princpio das
disciplinas o que pode ter a ver com a possibilidade de quebra no ritual, advinda pela
resistncia, tal como a pensa Foucault. Mas tambm mais provvel que o poder
disciplinar configure essa quebra, de forma mais visvel, seja nos estudos que tematizam a
Microfsica do poder, contidos no livro assim intitulado, seja no Vigiar e Punir.
No livro Microfsica do Poder (2003), que rene textos da dcada de 70 e cuja
publicao francesa tambm corresponde a esse perodo, Foucault procura dissociar o
poder de aparelho de Estado, rejeitando uma identificao entre eles, ao considerar a
existncia de micro-poderes distribudos na sociedade. Para ele, o poder no apenas
repressivo, mas disciplinador/normatizador. E onde h poder e saber se inscreve a
possibilidade da resistncia.
Ao discutir Genealogia e poder, apresenta o que chama de uma quinta
precauo metodolgica. Entende ser provvel que as grandes mquinas de poder tenham
sido acompanhadas de produes ideolgicas, mas se diz incrdulo quanto quilo que se
forma na base serem ideologias. Na sua interpretao, so bem menos e bem mais do que
isso.
Foucault (2003, p. 186, grifo nosso) considera instrumentos reais de formao e
de acumulao do saber: mtodos de observao, tcnicas de registro, procedimentos de
6 Em meio a dilogos e duelos explicitados ou estabelecidos entre Foucault e Pcheux, Gregolin (2006, p. 134, grifos da autora) toca neste ponto, segundo ela, sempre problemtico nas leituras feitas desses autores, que aparece no questionamento: Como pensar as resistncias dentro dessas teses que pensam o assujeitamento (seja ideologia, seja aos micro-poderes)?. Em Foucault, no h uma inter-relao linguagem, ideologia e inconsciente, na figura do simblico. Assim, a resistncia no tratada neste campo, diferentemente do que ocorre com Pcheux. Gregolin afirma, contudo, que embora Foucault no tenha se preocupado em explicitar em termos tericos os mecanismos da linguagem, isso se faz presente em reflexes mais vastas de sua obra, no se prendendo constituio de um campo estrito de anlise de discurso. Ao se referir a Foucault, os sujeitos e as resistncias, Gregolin (2006, p. 136) afirma que, para esse autor, o fato de haver uma disciplinarizao, de ter sido necessrio desenvolver mecanismos de controle e de vigilncia contnuos demonstra que os sujeitos lutam. E dessa luta que deriva, como conseqncia, o fato de que nenhum poder absoluto ou permanente, mas sim transitrio e circular. Isso permite a apario das fissuras onde possvel a substituio da docilidade pela meta contnua e infindvel da libertao dos corpos.
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inqurito e de pesquisa, aparelhos de verificao. Isso significa, portanto, na compreenso
do autor, que o poder, para exercer-se nestes mecanismos sutis, obrigado a formar,
organizar e por em circulao um saber, ou melhor, aparelhos de saber que no so
construes ideolgicas.
Em Vigiar e Punir, publicado na Frana em 1975, Foucault7 discute esse
assujeitamento, em funcionamento na sociedade, a nosso ver, no levando mesma
indigesto, no campo terico, desencadeada pela tese althusseriana da interpelao; embora
tambm tenha produzido uma desestabilizao do efeito de liberdade do sujeito. O
incmodo provocado pelo sujeito de Althusser se explicita em meio a uma afirmao de
Pcheux (1997c, p. 297), ao comentar leituras reducionistas da complexidade de Aparelhos
Ideolgicos do Estado: Como se o Ressentimento no perdoasse a Althusser o fato de ter
designado politicamente a Peste do assujeitamento e o de ter tentado cham-la por esse
nome terico [...].
A temtica da individualizao, que Foucault (1997, p. 161) formula, mostra a
passagem de mecanismos histrico-rituais de formao da individualidade a mecanismos
cientfico-disciplinares, em que o normal tomou o lugar do ancestral. O momento em que
se faz possvel a existncia das cincias do homem tambm quando se colocaram em
funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia poltica do corpo.
Para ele, o indivduo , indubitavelmente, o tomo fictcio de uma representao
ideolgica da sociedade, assim como uma realidade fabricada por essa tecnologia
especfica de poder que se chama a disciplina.
Haroche (1992, p.178) j havia feito meno formulao de Foucault, em nota
de rodap, partindo da afirmao de que Althusser no v na prpria noo de sujeito
seno a manifestao da ideologia. Em nota explicativa, tomando como base a obra Vigiar
e Punir, diz que o Estado, com efeito, como Foucault soube notavelmente mostr-lo,
transforma, reduz os sujeitos em indivduos, aplica-se, e isto claramente desde o sculo
XIX, em individualizar cada sujeito.
O que Haroche indica explorar a determinao do sujeito na relao com a
histria a seu ver, colocada de lado em Althusser. Para ela, reconhecer que os indivduos 7 Tomamos como referncia a 16. edio brasileira, de 1997.
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existam e funcionem sempre como j-sujeitos, isto , na forma-sujeito, como sujeitos, no
significa que essa forma seja invarivel quanto ao curso da histria. A problematizao do
que chamou de carter de-subjetivado de sua [Atlhusser] concepo de sujeito, conduz
Haroche a discutir a passagem de uma forma sujeito-religioso para a forma sujeito-de-
direito, ou seja, de um assujeitamento s leis de Deus, passa-se a um assujeitamento a leis
do homem, ao Estado. O lugar que aqui reservamos a Foucault se deve ao fato da questo
da individualizao perpassar discusses na anlise de discurso. A forma da contradio
entre a interpelao ideolgica e a individualizao pelo Estado so focalizadas em
Orlandi (2001), partindo da proposta de Pcheux de uma teoria no subjetivista da
subjetividade. Ela busca explicitar, ento, o que chamou de duplo movimento na
compreenso da subjetividade, cujo desconhecimento, segundo entende, leva ao equvoco
da impresso idealista da origem em si mesmo do sujeito (p. 105).
Primeiramente a autora traz discusso a tese atlhusseriana de interpelao
ideolgica como forma de assujeitamento. Esta, mesmo modulada diferentemente em
pocas distintas, leva o indivduo, tomado pelo simblico, na histria, a se subjetivar, ser
sujeito, ao mesmo tempo, alijado e, imaginariamente, senhor de seu dizer. Trata-se da
forma-sujeito histrica, que tem uma constituio material. Considerando esse sempre-j-
sujeito e a linguagem como parte de sua relao com o mundo, pode-se compreender,
segundo Orlandi (2001, p. 106), um segundo momento terico fazendo referncia
explcita a Foucault : o estabelecimento (e o deslocamento) do estatuto do sujeito
corresponde ao estabelecimento (e o deslocamento) das formas de individualizao do
sujeito em relao ao Estado.
O sujeito-de-direito, forma-sujeito do capitalismo, aparece como o indivduo
livre (direitos) e responsvel (deveres), que para exercer essa iluso de liberdade, deve se
submeter s leis, frente ao Estado e a outros indivduos. Mas esse sujeito individualizado,
de Focault, se caracteriza por um percurso bio-psico-social que deixa de lado a questo
da linguagem. Orlandi (2001) explica que no se pode considerar o indivduo j como
individual antes do processo de interpelao ideolgica em sujeito, pois considerar um
sujeito j individualizado deixar de fora o simblico, o histrico e a ideologia que
possibilita a interpelao.
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Nossa compreenso leva a explicitar que mesmo essa individualizao, tratada
por Foucault, no existe fora da interpelao ideolgica do indivduo em sujeito. Partir de
um indivduo j individual apenas produz um efeito de apagamento do simblico. Esse
sujeito livre e submisso ao mesmo tempo, na sua forma-sujeito, individualizado pelo
Estado, funciona to bem, to conjugado ao pragmtico, que ele mesmo o prprio
sustentculo das instituies pblicas ou privadas (ou dos aparelhos ideolgicos do Estado)
ou mesmo de (outros) poderes disciplinares, j que os consideramos interligados s
instituies.
Se s existe ideologia atravs do sujeito e para sujeitos, retomando a tese
althusseriana, as ideologias presentes nos discursos institucionais/disciplinares s existem
por e para sujeitos. Seja sob o poder dos aparelhos disciplinares, retomando Foucault, ou
sob o controle dos aparelhos ideolgicos, aludindo a Althusser, o sujeito vive a sua
contradio constitutiva.
Pensar em ritual de linguagem , pois, reconhecer a resistncia como
constitutiva e no simplesmente como confronto-oposio entre posies que se querem
divergentes. Para explicar esse movimento dialtico, citamos Lagazzi-Rodrigues (1998),
quando retoma o trabalho da resistncia a partir da reflexo de Pcheux (1990) quanto s
fronteiras entre o realizado e o alhures dos movimentos revolucionrios. A autora (1998, p.
76) explica que a resistncia normalmente tomada como luta por mudanas, o que
indica uma resistncia para chegar a algo. E, na sociedade moderna, como possibilidade
de mudana nas relaes marcadas pela individualizao, apontando uma resistncia a
algo. Contudo, esclarece a autora, na prtica discursiva os sentidos da resistncia se
imbricam. Na determinao material das foras a luta de resistncia por mudana e
contra a mudana, na mudana, pois os limites entre o realizado e o alhures so fluidos.
Entende que a resistncia deve ser considerada na contradio entre a sujeio ao poder e
a luta contra o poder. nessa contradio que se torna possvel resistir, nesse movimento
de estranhamento e mudana.
A partir de Pcheux (1997c), consideramos, nas prprias engrenagens de um
ritual de linguagem, a falha advindo, constitutivamente. O que nos leva a olhar o telejornal,
para alm de um discurso ritualizado (produto), como discurso ritual (funcionamento), em
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que algo falha, no seu prprio interior, no seu funcionamento. A investida terico-analtica
que fazemos da relao entre as materialidades verbal e visual, conjugadas na constituio
do telejornalstico em sua discursividade, implica compreend-lo como um ritual em seu
momento de veiculao.
A conjuno dessas materialidades se inscreve, nas condies de produo do
discurso, no telejornal, como fundante da prpria possibilidade de existncia do
telejornalismo. Ao contrapor o jornal impresso ao telejornal, observa-se que uma possvel
ausncia da conjuno entre fotografia e texto verbal escrito no impossibilita a existncia
da configurao da notcia em papel. Contudo, a no confluncia das materialidades verbal
e visual implica a ausncia do jornalismo em tv, pois tal conjuno prpria da
especificidade telejornalstica.
Se esse encontro material fundante, requer, ao menos, que nos arrisquemos a
olhar para ele, em busca de um dispositivo analtico capaz de esboar um ponto de entrada
material no telejornalismo, como um ritual de linguagem que necessita de diferentes formas
de linguagens conjugadas, acontecendo no ir ao ar.
Chegamos ao ponto de encontro requerido por esta investigao: o de um
sujeito que no pode controlar todos os sentidos e o de uma lngua que no lhe totalmente
acessvel ou sequer transparente. Quando se pensa num ritual de linguagem, esses pontos
so fundantes, no podendo ser desconsiderados. Mas se de um lado esses princpios se
corporificam num campo prtico, de funcionamento da lngua(gem), por outro, eles so
apagados ou mesmo silenciados no fazer cotidiano jornalstico.
O sujeito, na sua necessria homogeneidade lgica, no seu reconhecimento de
si mesmo, como eu ao se diferenciar do outro como voc ou ao se identificar com ele,
buscando reproduzi-lo, cumpre o seu lugar no ritual de linguagem, na condio de
telespectador.
Na posio-sujeito telespectador, a identificao com um efeito de realidade
que se quer crvel, essa evidncia inexistente na e pela linguagem, invisvel a si mesma,
indcio da sustentao de uma construo de eficcia do telejornal. O poder, diz Foucault
(1997, p. 161), produz rituais da verdade, ainda mais considerando que esse poder dispe
de um elemento fortemente favorvel sustentao de uma realidade para o sujeito: a
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imagem. Como afirma Pcheux (1990, p. 24), numa nota explicativa, o olho ainda mais
crvel que o ouvido. Esclarece que, diferente de um enunciado, uma imagem no tem
alhures, no se pode aplicar a ela uma transformao negativa ou interrogativa.
Os sentidos no possuem uma origem empiricamente localizvel. Esse efeito de
realidade, advindo no momento mesmo do acontecimento ritual (veiculao), no se produz
na imagem, porque a ela, na conjuntura ritualstica em que se encontra, h algo que falta. O
efeito de evidncia vai se dar, ento, na conjuno entre a materialidade visual e a
materialidade verbal.
Se o estatuto da ideologia produzir (o efeito de) evidncia, no telejornalismo
esse mecanismo se pe duplamente em funcionamento: ele re-produz o efeito de realidade
no efeito de evidncia. A ideologia da instituio (tele)jornalstica funciona nas ideologias
inscritas nos discursos de outras instituies das quais retira, ou que lhe oferece, o suposto
acontecimento (tele)jornalstico. (Efeito de) Acontecimento Discursivo que se funda num
conceito de informao como dado quantificvel e localizvel, como aes possveis de
responsabilizar algum ou que algum seja responsabilizado por elas, ainda, que por sua
ausncia; funda-se, tambm, na ocupao de lugares sociais pelos sujeitos, sejam eles de
autoridade (cargos seletos) ou autorizados (que ganham status para o dizer em
circunstncias especficas).
Ao tomar para si a informao como a base da existncia da notcia, ao re-
produzir essa necessidade pragmtica de informar e estar informado sobre o mundo, ao
colocar em funcionamento as ideologias institucionais, seja em conjuno, subordinao ou
apagamento, o telejornal estabelece uma relao de identificao e reproduo da
organizao urbana. Esta funciona regida por uma ordenao do mundo, submetido a leis,
normas, regulamentos, divises, demarcaes, interditos e individualizaes ao mesmo
tempo homogeneizantes.
Tudo o que foge a essa organizao ser exposto visibilidade como se fosse
uma deformao. O que puder ser julgado favorvel ao fortalecimento e re-a-firmao da
ordem do discurso urbano ser exibido como integrao. A desorganizao , portanto, o
que foge aparente normalidade desse urbano (a cidade funcionando regulada e
regulamentada).
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Nesse jogo de tentativa de fechamento dos sentidos, como pensar a falha, a
incompletude da lngua, num ritual que no se quer falho, j que falhar expor-se ao
invisvel, ou seja, desestabilizar o seu prprio ponto de sustentao? A falha existe. E se
faz possvel no interior do prprio movimento ritual, j que ela justamente o ponto em
que ele se estilhaa.
A resistncia indispensvel para se pensar a falha nesse ritual. Sendo ela
constitutiva da lngua, toda materialidade impe resistncia. Mudar, desviar, alterar o
sentido das palavras e das frases; tomar enunciados ao p da letra; deslocar as regras na
sintaxe e desestruturar o lxico jogando com as palavras so algumas das formas de
resistncias referidas por Pcheux (1990, p. 17). Por essas quebras de rituais, ainda
segundo ele, d-se o momento imprevisvel em que uma srie heterognea de efeitos
individuais entra em ressonncia e produz um acontecimento histrico, rompendo o crculo
da repetio (grifo do autor).
Na busca por essa compreenso ritual, traamos um percurso de anlise,
objetivando: observar, no momento mximo do ritual, isto , o ir ao ar, a conjuno das
diferentes materialidades constitutivas do telejornal na produo do efeito de realidade;
compreender a falha funcionando na tenso entre organizar o desorganizado, no informar o
mundo, atendendo ordem do discurso urbano.
2.1 CONDIES DE PRODUO DO (RE-CONHECIMENTO) RITUAL
Ao explicitarmos as condies de produo do ritual telejornalstico, a
conjuno das materialidades verbal e visual aparece como constitutiva da existncia desse
ritual de linguagem. Tal compreenso implica reconhecer que sem essa conjugao no h
telejornal; e considerando que esta s se realiza propriamente na veiculao, nesse
momento ritual que interessa compreender a falha.
Se, por um lado, o acontecimento desse ritual requer tanto a imagem quanto o
verbal como materialidades fundantes da possibilidade de se ter telejornalismo, partes
conjuntamente autorizadoras do ritual, por outro, no se pode negar que a imagem , ao
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mesmo tempo, o possvel e o impossvel do telejornalismo. Possvel, porque no se faz tv
sem ela, e impossvel, porque, ao requerer sempre uma relao a, ou seja, outras
linguagens, considerando a conjuno de materialidades lingstico-discursivas como
exigncia fundante da linguagem telejornalstica, a imagem abre para a no-coincidncia
entre os significantes.
Tendo a imagem em movimento relao com o meio tv, e marcando-se como
diferencial do telejornalismo quanto a outras mdias, ela interessa pelo fato, j comentado
por Orlandi em Discurso e texto (2001), de que o meio no indiferente aos sentidos. Estes
so, segundo a autora (2001, p. 12), como se constituem, como se formulam e como
circulam. Por mais que o ritual telejornalstico percorra um processo externo emissora
(captao), e mesmo interno a ela ou nela (edio), s (se) realiza na exibio, j
pressupondo um tele-espectador, cuja existncia presumida ou pretendida tem sua parcela
no acontecer (desse) ritual.
A constituio de um telejornal no a mesma do jornal impresso, a comear
pelos sujeitos que a possibilitam. Se, como dissemos, no se pode ter notcia telejornalstica
sem a necessria conjuno das materialidades (imagem e verbal), a existncia destas, no
universo do telejornal, requer o trabalho institucional de mais de um sujeito para a
configurao de uma matria. Por mais que no jornalismo impresso o produto final
sempre o resultado de um trabalho de equipe, uma matria de jornal (seja do gnero notcia,
reportagem ou grande reportagem) construda e redigida por um jornalista, esteja ou no
orientado por um trabalho de pauta8 e por um editor. No telejornalismo de comunicao de
massa, a configurao de uma matria requer na sua prpria configurao, no mnimo, dois
sujeitos (reprter e cinegrafista), produtores de texto e de imagem, alm de um tcnico de
edio e um editor, para fazer a juno entre essas materialidades (incluindo a mixagem9).
8 No jornalismo, pauta o roteiro dos temas, com indicao de enfoque e fontes, que sero cobertos pela equipe de reportagem. O responsvel pela elaborao da pauta o pauteiro, jornalista incumbido de levantar o que ser transformado em notcia. 9 Diz respeito mistura de sons com intensidades diferentes. Como exemplo, a juno entre uma msica e o udio do reprter. (PATERNOSTRO, 1999).
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A abertura da matria impressa (lead)10 tambm feita pelo prprio jornalista,
enquanto no telejornal, a abertura da reportagem pensada/escrita por outro sujeito, ou que,
ao menos, fala de outro lugar enunciativo, como o caso do apresentador. Sua voz s se
conjuga matria na veiculao. Quem abre o VT11 (matria editada) no o reprter, mas
o apresentador do jornal, cujo texto (cabea da matria) geralmente escrito por um editor,
mesmo que sugerido pelo reprter. importante esclarecer que nem sempre o apresentador
editor do telejornal.
Os sujeitos que participam diretamente desse ritual de linguagem,
especialmente reprter, cinegrafista de externas ou de estdio, pauteiros, editores e
apresentadores, na sua forma-sujeito, so indivduos interpelados pela ideologia em sujeitos
de seu discurso. So tambm, a partir dessa mesma iluso necessria do efeito-sujeito,
individualizados pelo Estado. So os sujeitos de direito.
No h a nada que fuja condio de qualquer sujeito, de todo sujeito. A
diferena est na forma de ritualiz-lo, assim como o lugar por ele ocupado. O sujeito
institucionalizado pela empresa (tele)jornalstica, isto , de qualquer mdia, tem inscrito
nessa evidncia de centramento a onipresena e a onipotncia como constitutivas do
dizer. Estas so legitimadas no prprio fazer jornalstico autorizado pelo pblico, sendo
este, na mesma medida, autorizado em suas relaes possveis com essas realidades que lhe
so apresentadas.
Esse centramento pleno expe uma realidade (igualmente) plena. Tal
cenrio abre ao questionamento sobre se possvel pensar num espao de autoria no
telejornalismo, seja como funo ou como efeito, considerando a possibilidade de
interdio, apagamento ou mesmo a inexistncia dessa autoria.
Outra condio de produo desse ritual, que tem a ver com a notcia, com a
possibilidade mesma de um acontecimento ser noticiado, a necessidade de datao e de 10 Definido no jornalismo impresso como abertura da matria, devendo responder a seis perguntas tidas como bsicas ou a parte delas: o que, quem, quando, onde, como e por qu. Em nossa dissertao de mestrado (PIMENTEL, 2002), consideramos o lead como um pr-construdo do jornalismo, naturalizador do primeiro pargrafo como sendo a notcia. O percurso de anlise discursiva, por ns realizada, apontou um deslocamento das perguntas tomadas como bsicas, e de suas respectivas respostas, em todo o corpo da matria, desestabilizando a idia de correspondncia entre lead e primeiro pargrafo. 11 VT o videotape, mas tambm um termo usado para indicar a fita onde est editada a matria (PATERNOSTRO, 1999).
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localizao emprica. Um fato s (pode ser) notcia se estiver marcado cronologicamente
no cotidiano e inserido geograficamente em algum lugar. Em outras palavras, num tempo-
espao empiricizado. a mudana deste tempo-espao, assim, de forma conjugada, que
possibilita o efeito notcia, ou seja, a notcia como novidade.
Trata-se de localizaes temporais que marcam atualidade, como hoje, ontem
ou amanh, entre outras, e de demarcaes geogrficas, indicando a cidade, como So
Paulo, Rio de Janeiro, etc. Tais marcaes, presentificadas pela cotidianidade do telejornal,
contribuem para o efeito de novidade. Essa conjugao indica, portanto, que, por mais que
a notcia recupere um mesmo lugar geogrfico, este j estar afetado cronologicamente,
representando um outro lugar, uma outra notcia. A re-atualizao do tempo-espao
estabelece uma relao constitutiva na configurao da novidade a ser noticiada.
Questionando a mensagem como mera transmisso de informao e sua
reduo ao contedo, e considerando o discurso como efeito de sentidos, Pcheux
(1997a, 1997b, 1997c) discute o acontecimento no como organizao, mas como
pertencente ordem do simblico. A relevncia em discernir ordem e organizao se
materializa no dizer formulado por Orlandi em Ordem e Organizao da lngua, presente
no livro Interpretao. Em tal estudo (1998b, p. 47), ela explique que ao se passar da
instncia da organizao para a da ordem, se passa da oposio emprico/abstrato para a
instncia da forma material em que o sentido no contedo, a histria no contexto e o
sujeito no origem de si.
Acontecimento , assim, nessa perspectiva da ordem do discurso, ponto de
encontro de uma atualidade e uma memria, como diz Pcheux (1997b, p. 17), partindo do
enunciado On a gagn (Ganhamos), para se trabalhar estrutura e acontecimento.
Discursivamente, tem a ver com o real da lngua, formulado a partir de Milner, enquanto
jornalisticamente tem a ver com realidade, esta, segundo Ferreira, C. (2000, p.26), da
ordem social, prtica.
Se a nossa investida no telejornalismo como um ritual discursivo, portanto,
sujeito a falhas, incompleto, fugidio, cujos sentidos escapam a um desejo de apreenso, no
s preciso considerar o descentramento do sujeito como tambm o no fechamento dos
sentidos. Isso leva a pensar num efeito de realidade de um fato telejornalstico noticivel e
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noticiado no resultante de um tempo-espao empiricizado, em que nada falhe, mas de um
discurso no qual a ideologia se encontra materializada na lngua, no ritual telejornalstico.
Bourdieau (1998) alerta para o risco de se neglicenciar as condies que
produzem o reconhecimento do ritual ao se voltar para as condies formais de sua
eficcia. Suas formulaes a respeito de uma linguagem autorizada e de ritos de
instituio12, colocando em cena tais questes, relacionadas legitimao, nos leva a
pens-las no telejornalismo.
Os ritos de instituio instauram um antes de um depois do acesso
informao, separando o mundo em dois: os que tm informao e os que no a possuem.
Informar o mundo sobre o mundo da ordem do discurso urbano: manter, acusar ou fazer
restituir a normalidade, efeito de um mundo calcado na oposio e confronto. Para que se
coloque em funcionamento, a organizao do urbano requer o trabalho institucional, de
instituies outras, e sujeitos localizveis, identificveis, reconhecveis.
Esboadas as condies de produo do ritual telejornalstico, abre-se, ento, ao
questionamento sobre quais seriam as condies de produo do seu reconhecimento. A
condio de eficcia do ritual, no entendimento de Bourdieu (1998, p. 105), est na crena
coletiva, que pr-existe a ele.
O mito da informao, sustentado na oposio entre informar e opinar, e em
outros mitos como objetividade, neutralidade e verdade13, em funcionamento no
jornalismo, se mantm em circulao, tambm no telejornalismo. Existem fatos e verses
sobre os fatos esse um efeito do mito , apagando a contradio constitutiva de que s
h verses.14
12 A expresso ritos de instituio foi preferida por Bourdieu a ritos de passagem, expresso esta consagrada a partir de Arnold Van Gennep, em busca de uma tentativa de deslocamento deste autor. Entre outras coisas, Bourdieu se refere passagem temporal de uma etapa a outra como uma forma de mascarar o que ele chamou de um dos efeitos essenciais do rito, ou seja, o de separar aqueles que passaram daqueles que no passaram por uma determinada etapa, instituindo uma diferena entre eles. Compreende que o importante no a passagem em si, mas a diviso que esta linha (margem de diviso entre um antes e um depois) opera, j que o rito consagra a diferena. Para Bourdieau (1998, p. 98) falar em rito de instituio indicar que qualquer rito tende a consagrar ou a legitimar, isto , a fazer desconhecer como arbitrrio e a reconhecer como legtimo e natural um limite arbitrrio. (grifos do autor). 13 Uma problematizao discursiva sobre mitos no jornalismo pode ser conferida em Pimentel (2002, p. 224). 14 A respeito de tal assunto, cf. Orlandi (2001).
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Bourdieu (1998, p. 93) afirma que para o ritual funcionar, antes necessrio
que este se apresente como legtimo e assim seja percebido pelos participantes. A
legitimao se d porque os espaos se encontram institucionalizados, delimitando em que
lugares os sujeitos podem se inscrever para ser reconhecidos, para marcar sua existncia
social. O que tambm implica compreender que os lugares sociais s existem por meio de
uma rede de lugares discursivos, sendo a encenao uma das formas da realidade (esta,
investida pelo discurso), e no um mecanismo para encobri-la, como entende Maingueneau
(1997).
O que legitima o dizer jornalstico antes o funcionamento do mito da
informao na notcia, que delega ao reprter e ao apresentador a incumbncia de informar
o mundo sobre o mundo. Como diz Bourdieu (1998, p. 93), o simbolismo ritual no age
por si s, mas apenas na medida em que representa no sentido teatral do termo a
delegao. Ao que acrescentaramos que o ritual, sendo ele j simblico, linguagem,
autoriza na medida mesma em que autorizado.
A institucionalizao do mito (informao) e, por conseqncia, a sua
materializao na notcia, autoriza o dizer telejornalstico, posto a funcionar em situao
legtima (vinculado instituio emissora, circulando nela e a partir dela), com receptores
tornados legtimos (tele-espectadores) ao se re-conhecerem no processo. pela
identificao que o sujeito-telespectador se reconhece ou se v representado e tocado pelo
telejornal.
Para que as cenas conjugadas na veiculao sejam aceitas como realidade,
precisam estar legitimadas. A visibilidade da legitimao se d pelo reconhecimento do
sujeito de que se trata de um telejornal, pois a marca da empresa telejornalstica se faz
inscrita em cada uma das cenas, com seus smbolos verbalizveis ou no.
A institucionalizao do dizer (notcia) produz tambm um lugar de re-
conhecimento do dizer institucional no duplo movimento de visibilidade e de apagamento:
para que o dizer seja re-conhecido como legtimo, h necessidade de uma instituio que o
legitime, e por ser legitimado, ele produz o efeito de autonomia do dizer. Dizendo de outra
maneira, para se fazer crvel, precisa que se re-conhea a ligao institucional, e ao
atrelar-se a ela, que dela se separa, como se existisse independente desta.
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Em efeito, inversamente ao que se pe a ver quando se trata de outras
instituies, o lugar institucional ocupado pelo sujeito-reprter ou sujeito-apresentador,
institucionalizado, na sociedade, no d a ele antes a autoridade para dizer, de modo a ser
autorizado a dizer, mas sim uma autorizao para dizer, de forma que o dizer ganhe
autoridade. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que a crena no mito (j transfigurado
em realidade) faz com que o sujeito tele-espectador autorize o dizer, a continuidade do
mito, no prprio funcionamento telejornalstico, confere autoridade ao dizer desses sujeitos.
No h, portanto, como precisar se primeiro se autoriza para depois marcar uma
autoridade, ou se tal autoridade primeiramente se marca para depois obter-se autorizao.
Pode-se afirmar, contudo, que tal relao contraditria constitutiva do dizer
telejornalstico, produzindo o efeito de evidncia de um dizer que funcione por si,
independentemente.
Essa contradio constitutiva atinge o sujeito tanto na sua individualizao pelo
Estado (sujeito-jurdico) ou pela Instituio (sujeito onipresente, onipotente, a quem se
credita o dizer), posto a ver, localizar, (se) responsabilizar, quanto no seu apagamento por
essa mesma Instituio (na exigncia marcada da impessoalidade narrao em terceira
pessoa verbal), fazendo crer numa ilusria autonomia dos acontecimentos frente a
qualquer discurso a seu respeito.
Na apresentao do telejornal se tem uma nomeao instantnea, por legenda
(insero de caracteres), uma individualizao dos apresentadores, que no
necessariamente uma atribuio, ou mesmo re-conhecimento, de autoria declarada, nem
meramente uma recusa de anonimato. Trata-se de uma inscrio institucional, de marcao
do sujeito institucionalizado (significado pela instituio) e institucionalizador
(significando pela instituio), ocupando um lugar tomado em sua evidncia: o de
apresentador.
O re-conhecimento possvel o do lugar institucional ocupado pelo sujeito num
espao institucionalizado, que administra sentidos na relao com o tele-espectador, o qual
(se) reconhece nesse processo. No se escreve na legenda que fulano apresentador, mas
se diz, pela escrita instantnea do nome desse sujeito, que o apresentador ele.
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O nome fugidio desaparece da cena a poucos segundos de sua inscrio na
imagem , porque o lugar de apresentador, no telejornal, naturalizado. Apresentar figura,
dessa forma, como ponte entre o telespectador e a realidade dada a ver. H uma
naturalizao da previsibilidade do dizer a ser veiculado nas matrias, no prprio anncio
da notcia, conduzindo a uma leitura linear do telejornal.
Desse lugar de interligao do pblico com a realidade, a imagem (corporal)
do sujeito-apresentador autorizada, autorizando o dizer posteriormente conjugado nas
diferentes materialidades nas matrias telejornalsticas. essa delegao que permite
imagem deste sujeito funcionar no lugar de imagens outras (em sua forma material), postas
em relao oralidade e escrita (ou ainda sonoridade), numa conjuno telejornalstica.
O encadeamento no telejornal, essa seqencializao programada, leva a um
efeito de preenchimento, uma interdio imaginria a brechas, de modo que o posto a ver
corresponda realidade que se quer vista. As diferentes materialidades no funcionam
sozinhas, mesmo na apresentao. Esta o lugar da interpelao ideolgica no
telejornalismo, na produo do efeito de evidncia e de fechamento dos sentidos, em que
sujeitos e sentidos aparecem juntos e separados, como efeito mesmo da dissociao entre
informao e opinio.
No caso de nota pelada (texto sem imagem, narrado pelo apresentador), a
imagem (corporal) do apresentador, que sustenta, (en)cobre a oralidade, realiza um efeito
de preenchimento dessa falta, desse vazio de imagem.
Nas matrias, o lugar de legitimao do dizer no se d no interior da
instituio (espao fsico), embora estejam intrinsecamente ligados, mas no exterior dela
(fora desse espao). Para ser reconhecido como legtimo, o sujeito-reprter precisa se
inserir em um cenrio posto a ver como parte constitutiva de uma realidade.
Transportando-se fisicamente de um lugar a outro, inscreve sua imagem (como
reprter) em cenrios de realidade. Nestes, se instaura um dizer oralizado, dando-se
visibilidade nomeao, como assinatura da matria, numa re-afirmao da transmisso
como realidade. Ao se colocar na origem da organizao do dizer, inscrevendo-se naqueles
cenrios, tornando-os evidentes. H um dizer, possvel de ser visto, mediante um trabalho
que organiza a informao, dando visibilidade notcia.
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Ao assinar seu nome, ou melhor, ao ser nominal e institucionalmente inscrito, o
sujeito-apresentador se situa de forma institucionalizada na relao com a empresa. A
inscrio do seu nome um elemento na produo do efeito de evidncia: o fato de que ele
ele-apresentador, e, por assim ser, tambm situa o reprter como sendo ele-reprter,
nos re-colocando no lugar de tele-espectadores expectativa de ver aquilo que se pe a ver,
aquilo que se quer visto.
A nomeao e o lugar social, postos em evidncia na legenda, so marca do
assujeitamento organizao do urbano. Ter um nome e uma ocupao estar integrado
urbanidade. O sujeito, portanto, age enquanto agido pelo seguinte sistema (enunciado na
sua ordem de determinao real): ideologia existindo num aparelho ideolgico material,
prescrevendo prticas materiais, reguladas por um ritual material, afirma Althusser (s.d., p.
90). Essa inscrio em lugares institucionalizados, nas relaes institucionais, pe em
funcionamento o re-conhecimento da validade do dizer, atribuindo competncia para
dizer o que se diz.
O encadeamento das imagens, na relao com o dizer oralizado e escrito, vai
conjugando pistas, sinais, na configurao da notcia. na conjuno dessas materialidades
que buscamos observar o efeito de evidncia e o equvoco falha da lngua, na histria.
2.2 EVIDNCIA E EQUVOCO NA CONJUNO MATERIAL
Que imagens so postas em funcionamento no telejornal? A que sujeitos se d
visibilidade e quem so apagados ou censurados nesse processo? Que sentidos so
autorizados e quais so interditados? O discurso telejornalstico tem uma ordem
constitutiva, e a linguagem aparece organizada de determinada maneira. Em torno do que
ou de que forma essa linguagem se organiza? Sobre o que fala o telejornalismo?
Esses e outros questionamentos levaram a observar o conjunto das
materialidades, no telejornal, como elemento organizador do efeito notcia. A alteridade de
imagens (imagem- sujeitos apresentador, reprter, entrevistado; imagem-cenrio; imagem-
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emissora; imagem-veiculao; imagem-lugares sociais ou posio no discurso) passou a ser
compreendida pelo que nomeamos jogos de imagens em funcionamento ritual.
Para que o sujeito tenha autoridade a dizer e seja autorizado a dizer, de modo
que o seu dizer ganhe autoridade, mesmo que, dizendo, possa vir a ser desautorizado,
preciso ser identificado e localizado num lugar social. A comear pelos sujeitos miditicos,
estes precisam ser re-conhecidos como tais, e, por isso mesmo, aparecem
institucionalmente ligados a uma emissora de televiso (imagem institucional), lugar que
autoriza o funcionamento de um telejornal.
Os sujeitos falam a partir de um lugar que ocupam na sociedade. na
legitimidade do discurso telejornalstico que se d o seu re-conhecimento (com o)
pblico. Os lugares sociais se do visibilidade no telejornal, materializados em cenrios
que buscam represent-los no ambiente de trabalho, de atuao e de designao:
apresentador no estdio; reprter nos diferentes espaos sociais internos ou externos;
entrevistados em salas de aula de escolas e universidades (professores), quadras de ginsios
(jogadores), etc. Tais cenrios aparecem institucionalmente marcados pelo smbolo da
emissora, exibido constantemente no canto da tela, e os sujeitos que o compem so
legendados, ou seja, ao lado da identificao de nomes e cargos aparecem as iniciais do
telejornal.
Lugares de inscrio no social, ou de excluso desse social, s funcionam pela
organizao da urbanidade, que remete idia de um mundo semanticamente normal, do
sujeito pragmtico. Tal organizao regida por um conjunto de diferentes instituies
(pblicas e privadas) que regulam a vida em sociedade. Na condio institucional, a
incumbncia do telejornalstico est em informar sobre o andamento ou a interrupo desse
sistema organizador, de modo a manter ou re-estabelecer a organizao, ou mesmo
denunciar a desorganizao. , portanto, pela ordem do discurso urbano que o
telejornalismo se pauta.
Nessa confluncia de lugares e sujeitos, funcionam tambm as imagens desses
lugares e dos sujeitos neles, que compem o imaginrio. Os cenrios, ao seu tempo,
colocam em funcionamento essas imagens, suscitando o re-conhecimento ou re-afirmao
da organizao da urbanidade. Para Pcheux (1997a) est em jogo a forma como cada
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sujeito representa a si e ao outro, bem como o lugar que cada qual ocupa significado. Tais
imagens, resultantes de projees, apontam para posies no discurso que no
correspondem, necessariamente, aos lugares sociais. Na relao discursiva, so as imagens
que constituem as diferentes posies, explicita Orlandi (2000a, p. 40).
Ao falarmos de jogos de imagens em funcionamento ritual, portanto, no nos
referimos