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50 PERSONAGENS DA BÍBLIA
Índice
O Antigo Testamento Abraão ………………………… p. 2
David …………………………… p. 3
Job ………………………………. p. 5
Rute …………………………….. p. 6
Tobias ………………………….. p. 7
O Novo Testamento José ……………………………… p. 9 Maria …………………………… p. 10 Zacarias ……………………….. p. 12 João Batista …………………. p. 13 Um centurião ………………. p. 15
Marta ………………………….. p. 16
Maria de Betânia …………. p. 17
Maria de Magdala ……….. p. 18
José de Arimateia ………… p. 19
Bartimeu ……………………… p. 20
Zaqueu ………………………… p. 20
Lázaro ………………………….. p. 21
Cléofas ………………………… p. 22
Saulo ……………………………. p. 23
Marcos ………………………… p. 26
Lucas …………………………… p. 27
Tradução
Revista Pèlerin
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O Antigo Testamento
Abraão
Abraão é sem dúvida, a personagem mais importante do Antigo Testamento. A vários níveis.
Em primeiro lugar, é com ele que a Bíblia entra na História. Apesar de só podermos datar
aproximadamente a sua existência, por volta de 1900 antes de Jesus Cristo, Abraão está ligado
também às personagens mais antigas e ainda menos históricas: ele é, efetivamente
apresentado como o descendente de Sem, o filho mais velho de Noé, o construtor da arca e o
único sobrevivente do Dilúvio, com a sua família.
Abraão é seguidamente, considerado como o pai dos crentes, tanto pelos judeus como pelos
cristãos e muçulmanos. Com efeito, é dele que derivam as três grandes tradições monoteístas.
Finalmente, ele é o modelo da fé em Deus. Ele é o Crente, por excelência.
O que sabemos dele ?
A narrativa do Génesis apresenta-o como tendo nascido na Caldeia, em Ur, uma cidade situada
a sul do Eufrates, perto do Golfo Pérsico, naquele que é atualmente, território iraquiano.
Abraão é um patriarca (chefe de família) abastado, possuidor de grandes rebanhos. Esta
riqueza obriga-o a deslocar-se frequentemente, para encontrar pastagens necessárias para a
alimentação dos animais. É assim que, com o seu pai Terá, o seu sobrinho Lot e a sua esposa
Sara – de quem a Bíblia evoca a esterilidade – ele deixa Ur e vai para Haran, na Mésopotamia,
perto da atual fronteira entre a Síria e a Turquia.
Aquando da morte de Terá, Abraão recebe de Deus a ordem «de ir para o país que Ele lhe
indicar». Ele parte imediatamente com Sara et Lot para o sul, para Canaan, uma terra que ele
não conhecia. Como houve um período de escassez naquela terra, eles vão para o Egito, onde
vivem alguns anos. Durante este período, Sara, que Abraão, por medo, tinha feito passar por
sua irmã, torna-se esposa de Faraó. Quando este percebeu que ela era de facto, esposa de
Abraão, devolveu-lha e deu-lhe ordem para deixar o Egito.
Abraão e Lot partem então em direção ao Neguev. Mas surgiram disputas entre os pastores
dos dois homens, que decidiram então, separar-se. Abraão deixa Lot escolher as terras
«Separa-te de mim, diz-lhe ele. Se fores para a direita, eu irei para a esquerda. Se fores para a
esquerda, eu irei para a direita...» (Gn 13, 8-9). Começa então outra vida para o patriarca.
Abraão, nessa altura, não tem herdeiros, apesar da promessa que Deus lhe fez de ter uma
descendência «tão numerosa como as estrelas do céu». Sara, por causa da sua esterilidade,
oferece ao seu marido, a possibilidade de ele ter um filho com a sua criada egípcia Agar. Esse
filho será chamado Ismael. Mas esta criança, não é aquela da promessa de Deus. A criança da
promessa vai nascer de Abraão e Sara: será Isaac.
Este filho, no entanto, Abraão aceitará sacrificá-lo, devolvê-lo ao Senhor que lho tinha dado
(Gn 22). É sem dúvida, o momento mais importante da sua vida: é o instante em que ele se
entrega totalmente a Deus. Quando Isaac, a caminho do sacrifício pergunta ao pai onde está o
cordeiro, Abraão responde-lhe, sem compreender o âmbito da sua resposta: «É Deus que
providênciará o cordeiro para o holocausto, meu filho». Ele acha, naquela altura, que o
cordeiro será Isaac. Mas a resposta é maior: este cordeiro do sacrifício, o cordeiro de Deus será
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o seu descendente afastado : Jesus. Abraão não tem consciência disso. Ele é o mensageiro
portador de uma mensagem que o ultrapassa. Pode ser este, um dos topos da fé?
O fim de Abraão é comovente. Ele tinha 175 anos, diz a Bíblia. Sara tinha morrido há muito
tempo. Ele tinha uma nova esposa que lhe tinha dado seis filhos. Mas foi junto de Sara que ele
quis descansar. Foi carregado para terra pelos seus dois primeiros filhos, Isaac e Ismael, que
marcam a sua descendência.
A fé absoluta
Abraão é aquele que confia em Deus, mesmo nas situações mais incompreensíveis.
Inicialmente é a partida para este lugar misterioso, «o país que eu te indicar». Deus não lhe diz
exatamente o lugar para onde o leva. Mostra-lhe simplesmente o caminho. E este caminho é
Ele. É também o que Cristo dirá: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida». Deus não nos chama
para nos dirigirmos a um sítio, Ele chama-nos a pormo-nos a caminho. Pormo-nos a caminho,
não para Ele, não com Ele, mas n’Ele.
Outro sinal de confiança: quando Deus lhe anuncia que será o pai de uma multidão, Abraão e
Sara já tinham ultrapassado a idade de ter filhos. Ele é chamando a acreditar que isto é
possível, a acreditar que Deus tem razão, contra a evidência humana. Deus é o Senhor da vida,
como o foi na Criação e como o será na Ressurreição.
Enfim, Abraão dá testemunho de uma fé absoluta quando Deus lhe pede para sacrificar o seu
filho Isaac. Ele pede-lhe para lhe entregar muito mais do que a sua vida nas suas mãos. Ele
ordena-lhe que ofereça o que o faz pai, o que faz portanto, o seu «ser». Mas Deus não lhe
pede para matar Isaac, Ele pede-lhe para Lho oferecer. Não é a mesma coisa. Se Abraão lhe
pode dar o seu filho, é porque já se lhe deu todo. Abraão não depende senão de Deus. É o
abandono total de si mesmo. É a fé absoluta. Abraão vai até lá. Deus providencia o sacrifício
enviando-lhe um carneiro. Deus providenciará o sacrifício da humanidade, enviando o Seu
Filho Jesus, o Cordeiro de Deus.
A personagem de Abraão estende-se pela história inteira da Humanidade, que ele faz entrar na
História até à salvação, ao cumprimento, em Jesus Cristo, de quem ele é já anunciador.
David
David é uma das personagens centrais da Bíblia. Segundo rei de Israel, o seu reinado durará
quarenta anos, de 1010 a 970 antes de Jesus Cristo. Ele é sobretudo aquele do qual descendeu
o Cristo, “filho de David”, como é chamado com frequência no Evangelho.
David é o oitavo filho de Jessé, da tribo de Judá. Ele é ainda jovem quando Samuel vai a Belém
para encontrar aquele que Deus escolheu:” Vou enviar-te a Jessé, em Belém, porque escolhi
entre os seus filhos o rei que preciso. (1S 16, 1). Segundo a inspiração do Senhor, Samuel
recusa os sete primeiros rapazes que Jessé lhe apresenta. “Estão aqui todos os teus filhos?
“pergunta.” Não, falta David, o mais novo, que guarda o rebanho.” Samuel pede que o vá
buscar e reconhece nele o eleito de Deus. Unge-o, diante de todos os seus irmãos. (1S 16, 1-
13).
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Poeta, músico, tocador de cítara, David é chamado à corte de Saúl para, através do seus
cânticos, acalmar as angústias do rei. A Bíblia guarda numerosos textos que lhe são atribuídos,
especialmente os Salmos. Setenta e três de entre eles são da sua autoria.
David acompanha também o rei nas suas expedições de guerra. É no decurso de uma dessas
campanhas que um herói filisteu, Golias, vem durante quarenta dias desafiar os exércitos de
Saúl, clamando um adversário para um combate singular. David propõe defrontar-se com o
gigante. Recusa a couraça e a espada que Saúl lhe estende: a sua força está no Senhor, não nas
armas dos homens. E é com a própria espada de Golias que David corta a cabeça do seu
inimigo (1S 17). Esta última cena é simbólica: é a sua própria espada que lhe dá a morte, o seu
pecado.
A luta contra Saúl
Começa então para David um longo período de provações. Saúl, ciumento, desconfia dele:
Seria ele o que o iria substituir, tal como Samuel anunciara? Tenta matar David. Mas este
ajudado pela sua jovem esposa, Mical, a filha de Saúl e sobretudo pelo irmão desta, Jónatas,
escapa à morte. Quando David encontra Jónatas pela primeira vez, depois de ter morto Golias,
a amizade entre os dois homens é imediata: “Jónatas afeiçoou-se-lhe e gostava dele como de
si mesmo» (1S 18, 1). Assim, Jónatas protegeu muitas vezes David da perseguição do seu pai.
(Frequentemente associaram os dois homens a ponto de lhes conferir uma amizade
homossexual, talvez a partir de um versículo da lamentação que David compôs pela morte de
Saúl e dos seus filhos, mortos na batalha de Gelboé (ver chave 25): «A tua morte entristece-
me, por ti tenho o coração angustiado, meu irmão Jónatas. Eras-me deliciosamente querido, a
tua amizade era para mim mais maravilhosa que o amor das mulheres, (2S 1, 26)
Apesar dos momentos de reconciliação, Saúl encarniça-se contra David que acaba por se
refugiar junto dos seus inimigos filisteus e pactuar com eles.
O tempo da realeza
Só foi após a morte de Saúl que David pôde regressar e ser proclamado rei. Começa então para
ele um reinado glorioso. Conquista Jerusalém aos Jebuseus, fazendo dela a sua capital política
e religiosa. Estende o seu poder pelos povos vizinhos e, sobretudo, manda trazer para
Jerusalém a Arca da Aliança com a intenção de lhe mandar construir um templo.
O esplendor do reinado de David parece desmentir a profecia de Samuel (ver chave 24): o rei é
um benefício para Israel, o reino prospera e os inimigos recuam em todas as frentes. Mas as
coisas vão mudar. No momento em que Deus lhe concede uma nova vitória, David sucumbe a
uma tentação adúltera: deixa-se seduzir por Betsabé, a mulher de Urias, um dos seus generais.
Do rei, Betsabé espera uma criança. Ao princípio, David tenta esconder a sua falta, mas não o
conseguindo decide mandar matar o seu rival e casa com Betsabé. O seu filho morre (2S 11).
Mais tarde, terão um outro, Salomão (ver chave 28).
Desse dia, como proclama o profeta Natan «a espada não se afastará nunca mais da tua casa,
porque tu me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o Hitita, para a tornar tua mulher” (2S
12, 9-10).
David viverá até uma idade avançada mas o final do seu reinado é ensombrado por rivalidades
brutais entre os seus filhos. Pela insistência de Betsabé e de Natan, David designa o seu filho
Salomão como seu sucessor. Morre em 970.
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Jessé
Aqui está uma personagem cuja imagem é mais importante que a realidade. Jessé é o pai de
David. Ele é também o neto de Rute e Booz (ver chave 46). Sabe-se que habita Belém e que faz
parte dos Anciãos, pois foi convidado para o sacrifício que Samuel ia oferecer ao Senhor
naqueles lugares.
Sabe-se que teve pelo menos oito filhos, ou melhor sete mais um: se ele apresenta os sete
mais velhos a Samuel não pensa mostrar-lhe o mais pequeno, o último, David, que guarda as
ovelhas. Dois símbolos espantosos.
Os sete filhos representam o ideal humano, pois sete era o número da perfeição. O oitavo vem
pois, de certo modo, quebrar esta perfeição… É pois, ainda, “a pedra que os construtores
rejeitaram, será a pedra angular”.
Outro símbolo: a Bíblia diz claramente que ele guarda as ovelhas; ele é portanto pastor. Jessé,
sem se dar conta, indica que David, o pastor, irá tornar-se o rei de Israel, quer dizer o rei dos
judeus como estará indicado na cruz de Cristo. Jessé, pela sua atitude, é profeta, sem o saber.
Os exegetas, não se enganarão e farão dele uma das personagens importantes da História
sagrada, no seguimento das palavras de Isaías (11, 1-2): «Brotará uma vara do tronco de Jessé,
e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor.”
Job
Magnífica personagem de novela este Job. A sua história é muito simples. Aí está um homem
rico. Era “o personagem mais considerável ao leste da Palestina” diz o autor da narrativa
bíblica. É também um homem “irrepreensível, recto, fiel à Deus e que se mantém afastado do
mal”. Até aí, não há problema. E eis que um dia, prossegue o narrador, os anjos vêm
apresentar o seu relatório a Deus. Satan está entre eles. “De onde vens tu?” pergunta o
Senhor. “Acabo de dar uma pequena volta sobre terra… ” “ Observaste certamente o meu
servo Job. É um homem irrepreensível. É-me fiel!” Como verdadeiro “advogado do diabo”,
Satan finge interrogar-se: Job é realmente desinteressado? Deus mimou-o tanto, a ele e à sua
família… e põe o Senhor ao desafio “ousa tocar no que ele possui… aposto que te amaldiçoará!
”Desafio assinalado: “seja, responde-lhe Deus, podes dispôr de tudo o que ele possui, mas
guarda-te apenas de colocar a mão sobre ele.”
Surpreendente e maravilhoso diálogo que nos dá às vezes a Bíblia: diálogo no jardim do Éden
entre a mulher e a serpente, diálogo diante de Sodoma entre Abraão e o Senhor, diálogo entre
Jonas e Deus e quantos outros…
Satan envia, então, todas as desgraças do mundo a Job que perde os seus filhos, os seus bens e
a sua honra também… Com efeito, os seus amigos que vêem tantos males abater-se
abruptamente sobre ele pensam que ele não pode ser culpado de qualquer falta. E, depois, se
não é ele, são os seus filhos ou os seus antepassados…
Job defende-se, mas não convence. Sobretudo, chega a constatar que inocentes também são
vítimas da desgraça mais cruel. Pede então a Deus para se justificar: porquê tanto sofrimento?
E Deus remete-o ao seu lugar:
“Onde estava tu quando fundei a terra? Fale, se o teu saber for iluminado. Quem lhe fixou as
limites, sabê-lo-ia? […]. Alguma vez na tua vida, deste ordens à manhã? Remeteste a aurora ao
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seu posto, de modo que apreenda a terra pelos bordos e agite os maldosos? […] Penetraste até
às fontes marinhas, circundaste o Abismo? As portas da Morte foram-te mostradas, vistes os
porteiros do país da Sombra?” (Jb 38, 4-17).
Job compreendeu que ninguém pode sondar os pensamentos de Deus e reconhece-se
pequeno perante a sua grandeza: “Reconheço que tudo é possível para ti, reconheço que
nenhum projeto te pode embaraçar […] É por isso que retiro o que afirmava, reconheço ter
tido falta e humilho-me sentando-se na poeira e a cinza” (Jb 42). O Senhor, então, restabelece-
o. Dá-lhe filhos, amigos e a fortuna.
Esta narrativa que teria sido escrita pelo século V antes da nossa era - por conseguinte após o
período do exílio em Babilónia - é certamente um dos textos mais fortes da Bíblia, um dos mais
dramáticos no sentido literário do termo, um dos mais poéticos também. Job é o que enfrenta
o escândalo do mal. Mas esta história é frequentemente compreendida ao contrário:
recordamo-nos frequentemente de Job como um homem infeliz, enquanto que, com efeito,
saiu vencedor da prova. É também aquele que acaba por encontrar o seu verdadeiro lugar
perante Deus, um caminho que qualquer cristão é chamado a fazer. Da mesma maneira que o
povo de Deus, que teve e terá de atravessar provas temíveis desde a escravidão ou exílio até à
ocupação da sua terra.
Se esta história leva os seus leitores a interrogar-se, como o faz o próprio Job, sobre a razão do
mal e do sofrimento inocente, uma vez mais pode ser feita uma leitura mais ampla, a do lugar
do homem, e das suas interrogações fundamentais, em relação a Deus. É neste sentido que a
personagem de Job é realmente universal.
Rute
O livro de Rute também é muito curto: ocupa apenas algumas páginas da Bíblia. Foi Também
escrito no século v, após o Exílio, mesmo se conta uma história muito mais antiga. Rute é a
bisavó do rei David. É uma figura muito cativante, que dá uma muito bela lição de fidelidade,
generosidade e humildade para com o povo escolhido.
Mais uma vez, a história é simples. Um habitante de Belém, Elimélec, parte com a sua esposa
Noemi e os seus dois filhos para se instalar na terra dos moabitas. Aí, os seus dois filhos,
desposam jovens do país, contrariando a lei de Moisés. Morrem ambos sem filhos. Já viúva e
envelhecida, Noemi quer voltar para o país dos seus antepassados. Uma das suas noras, Rute,
deseja seguir a sua sogra. "«Onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei ; o teu
povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus»." (Rt 1, 16) As duas mulheres partem
para Canaã, onde vivem pobremente nas terras de um parente afastado, Booz. Este toma a
estrangeira sob a sua proteção, admirando o que ela tinha feito por Noemi, mas ele faz muito
mais: percebendo que Rute é seu pai, decide casar-se com ela. Dá-lhe um filho, Obed, que será
o pai de Jessé, portanto o avô de David. É interessante, nessa história, notar que a Rute bisavó
de David, o antepassado de Cristo, é um estrangeiro, um moabita. Não nos esqueçamos que os
moabitas são descendentes de Lot, sobrinho de Abraão que o Senhor salvou da destruição de
Sodoma.
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A outra lição desta pequena história está ligada ao tempo da sua elaboração. De fato, os
israelitas após o Exílio tendem a debruçar-se sobre si mesmos e a não aceitar o estrangeiro.
Chega-se a expulsar as mulheres estrangeiras. Ora, para mostrar que David, o grande rei de
Israel, do qual descende o Salvador, nasceu de uma estrangeira, força o povo a reconhecer a
universalidade do amor de Deus.
Tobias
Este pequeno livro, que não foi retido no cânone judaico das escrituras santas, encontra-se
apenas na Bíblia de tradição católica. As aventuras de Tobias fazem intervir diversos outros
personagens, entre os quais o anjo Rafaell, que quer dizer “Deus cura”. Terminado pelo ano
200 a. C., o livro de Tobias data do fim da presença egípcia na Palestina. Uma vez mais, é uma
história cheia de ensinos cujo argumento é simples. Havia, na Alta Galileia, um homem justo e
recto, chamado Tobite. Vive com a sua mulher Ana e o seu filho Tobias. Ora, um dia de festa,
enquanto descansava sobre o terraço, caiu-lhe no olho um excremento de pássaro que o torna
cego. Tornado dependente dos seus, sofria e irritava-se com isso. Um dia, enquanto que
discutia uma vez mais com a sua mulher, esta repreende-o sobre a injustiça de Deus: “Para
que serviram as tuas boas obras? diz-lhe. Sabemos o que isto te trouxe.” A estas palavras,
Tobite foi tocado no mais profundo de si mesmo. Pede ao Senhor para o deixar morrer. O seu
sofrimento fê-lo perseguidor dos outros, contra a sua vontade, e particularmente, aquela que
ele ama. É insuportável.
No mesmo momento, na cidade de Ecbátana, uma jovem mulher, Sara, pede também a morte.
Está desesperada. Casada sete vezes, um terrível demónio matou-lhe, de cada vez, o seu
marido, antes que se unisse a ela. E a sua serva acusava-a. Deus ouviu estas duas orações, e
respondeu a cada uma à sua maneira. Tobite quer enviar o seu filho Tobias a recuperar uma
dívida importante num devedor – pode-se pensar aqui na dívida da humanidade para com
Deus. Procura-lhe um companheiro de viagem. Um jovem apresenta-se, e propõe os seus
serviços. Tobite ignora que se trata de um anjo do Senhor, Rafael. No caminho, Tobias pesca
um grande peixe, ao qual a conselho do seu companheiro, arranca a bílis, o coração e o fígado.
Faz paragem na família de Sara, a sua prima. Tobias sente-se seduzido e deseja casar com ela.
Na noite das núpcias, antes de reencontrar a sua mulher, queima sobre brasas de incenso o
coração e o fígado do peixe. “O cheiro do peixe afastou o demónio que fugiu para o Alto Egipto
(Tb 8, 1). É preciso saber que o Egipto era, então, considerado como o lugar de residência
habitual dos demónios, ou seja o inferno: a memória da escravatura está ainda bem presente
no coração do Israel…
Um pouco mais tarde, Tobias, que quer reencontrar os seus pais, volta a sua casa. Restam-lhe
as entranhas do peixe que pescou. Com a bílis, trata dos olhos de seu pai. Tobite recupera,
então a vista, os seus olhos abrem-se, pode de novo olhar o mundo, como Sara, liberta do
demónio pode enfim amar. É o mesmo peixe, este ser vindo das águas, lugar de origem da
vida, mas, ao mesmo tempo, de morte e de ressurreição pelo baptismo, que tratou dos dois
mais. Deus protege aqueles que o escutam e lhe rezam. Mas se durante muito tempo se fez da
história de Tobite uma história de amor e de fidelidade, que é, pode-se ler nela também a
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intervenção de Deus na vida de cada homem. Não há olhar humano, senão aquele olhar que
Deus dá ao homem. Todo o outro olhar que o homem tenha sobre os outros, se não é
humano, é, forçosamente, redutor e pode arrastar a morte. Devemos ver como Deus vê,
devemos amar como Deus ama.
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O Novo Testamento
José «Que Deus adiciona» (outras crianças)
Incrível homem este José, quase desconhecido uma vez que pertence à linhagem do rei David.
É o evangelho segundo Mateus que fornece esta precisão: desde a sua primeira frase, Jesus é
reconhecido descendente de Abraão e de David do lado de José. Por José, Jesus é situado no
seio do povo judeu, o povo de Deus.
José é noivo de Maria e eis que a sua prometida está grávida. Quando uma jovem virgem
concedida a um homem se encontrava neste estado antes que eles tivessem tido vida em
comum, ela devia ser apedrejada. Discreto, direito, José considera mais legítimo repudiá-la
secretamente, abafar o caso. Mas não pode ser! Se o casamento é posto em causa, o que o
Evangelho apresenta como o projeto de Deus, a colocação no mundo do seu filho como um
filho de homem, é comprometida por esta decisão.
Aquele que entende os chamamentos de Deus
Eis porque um anjo do Senhor aparece num sonho a José (Mt 1, 18-25). Porque só Deus pode
levar José a assumir esta paternidade e assim, integrá-la na linha das personagens ungidas, dos
messias como David.
Cabe ao pai dar o nome ao filho. O anjo revela-o a José: Jesus («Deus salva»), indicando desta
forma a sua missão: salvar o seu povo, colocá-lo no caminho de Deus. Deus e José dão a sua
identidade ao bebé que vai nascer: Jesus ben José, filho de José (é provavelmente assim que o
chamam os seus contemporâneos). Em bom Judeu, José escuta a mensagem e adota a criança
que nasce em Belém, a aldeia dos antepassados, pois é lá que o novo chefe de família se vai
recensear.
Mais tarde, o anjo do Senhor aparece novamente num sonho, a José, para lhe ordenar para
fugir para o Egito, esconder Jesus até à morte de Herodes. Já que herodes, o poderoso rei dos
Judeus está desconfiado. Os magos anunciaram-lhe o nascimento de um novo rei e os seus
conselheiros confirmaram-lhe a notícia. Dois reis para um só povo, um está a mais. Herodes
envia os seus soldados a Belém massacrar todos os rapazes com menos de dois anos. Este
episódio tem como objetivo, sublinhar uma semelhança: de um lado, Moisés salvo das águas,
escapando à crueldade do Faraó, depois conduzindo o povo para a Terra Prometida; do outro,
Jesus evitando a crueldade de Herodes através da fuga para o Egito antes de regressar à terra
de Israel. É uma maneira de dizer: Jesus é o novo Moisés.
Na altura da morte de Herodes, pela terceira vez o anjo de Deus aparece a José num sonho,
desta vez para lhe indicar que pode tomar o caminho de regresso com Maria e o Menino.
Assim, o evangelho segundo Mateus dá a José o papel daquele que entende os chamamentos
de Deus e salva… o Salvador.
Podemos supor que José se parecia com todos os pais judeus, rezando com a sua esposa e o
seu filho antes e depois de cada refeição, ensinando Jesus a respeitar a lei da Aliança,
transmitindo a sabedoria dos Anciãos, experimentando sem dúvida as alegrias e as tristezas de
todos os pais. Como prova, a peregrinação familiar da Páscoa até Jerusalém quando Jesus tem
12 anos (Lc 2, 41-50). No caminho de regresso, José e Maria apercebem-se que o filho não está
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nem com os familiares nem com os conhecidos. Voltando para trás, encontram-no no Templo
no meio dos rabinos instruídos. Ele escuta-os a explicarem a Bíblia. Coloca questões e avança
com as suas próprias ideias sobre Deus, espantando os mestres. Maria, comovida, culpa-o:
«Porque fizeste isto? Teu pai e eu andávamos à tua procura, angustiados.» E a resposta,
contundente para José cria uma distância sagrada entre este homem e Jesus: «Porque me
procuráveis? Não sabíeis que devia estar junto de meu Pai?»
De José, não sabemos mais nada. Como ele não intervém jamais na «vida pública» de Jesus,
imaginamos que, mais velho do que Maria, morreu cedo.
Maria «aquela que vê»
Mãe de Jesus, mãe de Deus… estes títulos merecem uma explicação! As informações sobre a
sua infância provêm dos evangelhos apócrifos. Uma vez retirado o leite da mama, com 3 anos,
os seus pais tê-la-iam apresentado no Templo em Jerusalém, bem longe da sua morada em
Nazaré, para que ela habitasse com as virgens que louvavam Deus noite e dia. Lá ela descobre
a história do seu povo, aprende de coração os trechos da Lei, celebra as grandes festas: a
Páscoa, o Pentecostes (festa do dom da Lei), a festa das Tendas…
Com 12 anos, ela terá deixado o Templo para ser confiada a um homem velho de nome José, já
pai de vários filhos.
Mais seriamente, podemos afirmar que Maria era uma criança judia de Nazaré, um grande
lugarejo meio troglodita perdido nas colinas da Galileia. Garota, ainda virgem, foi «dada em
casamento» a José. Na época, a partir dos 12 anos, uma rapariga podia ser prometida a um
homem mas ficava na casa dos pais um certo tempo antes de fazer vida em comum com o seu
esposo. Eis esta jovem rapariga grávida antes de se ter juntado no teto conjugal, grávida «pela
ação do Espírito de Deus».
Nas mitologias, muitos deuses desciam à terra para se acasalarem com uma humana. Daí
resultava o nascimento de meio-deuses como Perseu, filho de Zeus e de Danae. A história do
nascimento de Jesus poderia ser compreendida como uma adaptação cristã do mesmo
cenário: Deus apaixona-se por Maria e o fruto dos seus amores é um meio-deus. Não é o caso.
Narrando o parto de Maria, o cristianismo afirma que Jesus, verdadeiro Deus, é um verdadeiro
homem, colocado no mundo por uma mulher, que ele vive uma existência real de homem com
um nascimento e uma morte.
O evangelho segundo Lucas indica que um anjo, Gabriel, anuncia a Maria que ela pode-se
alegrar: amada por Deus, ela vai conceber um rapaz que será chamado Filho de Deus, porque o
Espírito de Deus que o faz nascer virá sobre ela (Lc 1, 26-35). O texto especifica que ela está
perturbada. E tem de quê! Mas maria é uma crente sincera.
Maria, «Mãe dos crentes»
Maria confia. Ela lança-se de corpo e alma à aventura. E que aventura!
Como qualquer mãe, Maria vê Jesus crescer fisicamente, psicologicamente, espiritualmente.
Os evangelhos sugerem que ela nem sempre compreende porque é que o seu filho fala de
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Deus como um filho fala do seu pai. Mas ela deixa estas palavras fazerem caminho no seu
coração.
O evangelho segundo João mostra Maria junto de seu filho no início da sua «vida pública», em
Caná (Jn 2, 1-12). É dia de casamento, a festa está no auge e o vinho falta. Maria intervem
então como que para levar o seu filho a agir. Com uma autoridade tranquila, ela pede aos
criados para fazerem tudo o que ele disser. Jesus ordena-lhes para encherem os vasos com
água. Eles obedecem e quando levam um jarro ao mestre da refeição, é vinho e do melhor.
Esta refeição que festeja uma aliança é, segundo João, o primeiro sinal de Jesus e Maria está
presente.
Depois, os evangelhos não revelam mais nada de especial. Ela aparece em Cafarnaum (Jo 2, 12;
Mc 3, 31) e de pé junto da cruz, quando o seu filho agonisa e morre. Jesus confia-a a João: «Eis
a tua mãe» e o discípulo recolhe-a (Jo 19, 26-27). Desde então, Maria é chamada «Mãe dos
crentes».
Maria recebeu o corpo de seu filho nos braços quando o desceram da cruz, como mostram
numerosas pinturas? Acompanhou-o até ao seu túmulo? Viu-o ressuscitado? Ninguém pode
responder. Nas Escrituras oficiais, Maria só reaparece uma vez no livro dos Actos (1, 14) que a
mostram assídua à oração ao lado do grupo dos Apóstolos. Portanto é provável que ela
estivesse presente aquando do Pentecostes e da vinda do Espírito Santo. Finalmente, o livro do
Apocalipse evoca Maria à sua maneira: uma mulher vestida de sol, coroada de doze estrelas
(Ap 12).
Se o apóstolo João a acolheu em sua casa como Jesus lhe tinha pedido, Maria teve que
permanecer um tempo em Jerusalém antes de o seguir nas suas viagens, em particular a Éfeso
(Turquia atual), onde visitamos uma «casa de Maria». Ela terá vivido aí até à sua morte, da
qual não sabemos nada. Somente um texto apócrifo narra que ela morreu rodeada pelos
Apóstolos e que no momento do seu enterro, Cristo apareceu acompanhado por anjos. Ele
ressuscitou-a e os anjos levaram-na ao paraíso. É a origem do que nós chamamos a
«Dormição» e da «Assunção», proclamada dogma católico em 1950 pelo papa Pie XII.
Ana, a avó de Jesus
Não se sabe nada de Ana. No entanto, a avó materna de Jesus é uma santa respeitada,
frequentemente representada por escultores e pintores. Ana e Joaquim, seu esposo, são
venerados desde há muito tempo no Oriente e passaram a sê-lo no Ocidente depois das
cruzadas. Santa Ana é a padroeira da Bretagne e do Québec, onde é particularmente
respeitada pelas nações indígenas, para quem a avó é a pessoa-chave da família.
Os relatos sobre Ana e Joaquim são narrados nos textos apócrifos: Protoevangelho de Jacques,
evangelho do pseudo Mateus, evangelho da natividade de Maria.
Casada com Joaquim, provavelmente um fazendeiro de Nazaré, ela permanece sem ter filhos,
sinal de que o Senhor não abençoou esta união. Reduzido ao desespero, Joaquim foge para as
colinas da Galileia com o seu rebanho e permanece lá, errante, 40 dias e 40 noites, uma
eternidade! Ana, fica sozinha, chora. Uma noite, um homem chama-a. É o anjo do Senhor que
a adverte: Joaquim breve estará de regresso e ela vai ser mãe. Ana coloca no mundo uma filha,
que recebe o nome de Miriam (Maria).
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Maria, mãe de Deus
Se Deus tem uma mãe, ela precede-o, ele não é mais o Criador! Se Jesus é o Filho de Deus e
Maria é a mãe de Deus, Maria não é mais a mãe de Jesus mas a sua avó! Por detrás da atenção
dada ao título de Maria, a verdadeira questão é o mistério da encarnação. A história deste
título começa em Alexandria, no Egipto, cerca de 320. O Bispo lança a expressão: Maria,
«aquela que gera Deus». Um século mais tarde, em 428, o Bispo de Constantinopla, Nestorius,
pega-se com a piedade popular que fala de Maria como «mãe de Deus». Ele não aceita este
termo que não está nas escrituras. Para ele, Maria não pode ser mãe de Deus mas somente
mãe do homem Jesus, sublinhando assim as duas naturezas de Jesus, verdadeiro homem e
verdadeiro Deus. Ora os cristãos de Alexandria e o seu Bispo Cyrille, não estavam de acordo
com a fórmula «duas naturezas» e insistiam na unidade de Cristo, Deus feito homem. De um
golpe, Théodose II, o imperador romano do Oriente, convoca um concílio em Éfeso em 431.
Cyrille de Alexandria e os seus apoiantes condenam Nestorius antes da sua chegada e partem.
E Nestorius e os seus condenam os primeiros. Portanto, toda a gente condenou toda a gente.
Mas ainda assim há um resultado: o qualificativo «mãe de Deus» aplicado a Maria não será
mais contestado. Dois anos mais tarde, um ato de união é assinado: «Nós confessamos que a
Santa Virgem é mãe de Deus porque o verbo de Deus fez-se carne e fez-se homem». Por
outras palavras, Maria não é somente a mãe do homem Jesus, uma vez que, em Jesus, o
homem não é separável de Deus.
Zacarias «Deus lembra-se»
Zacarias é o esposo de Isabel, a prima de Maria. Ele é um dos 7200 sacerdotes do Templo de
Jerusalém, que é segundo a Bíblia a morada de Deus no meio do seu povo.
É no coração do Templo que Zacarias efetua o seu serviço. Duas vezes por ano, durante uma
semana, com os sacerdotes da sua classe sacerdotal, ele abre as portas, limpa ou oferece
sacrifícios. Mas naquele dia, Zacarias é escolhido à sorte para desempenhar uma tarefa tão
prestigiosa que ele só a poderá efetuar uma única vez na sua vida: a oferta de incenso de
manhã e à noite. Ele avança, acompanhado por dois assistentes, um levando os carvões a
arder sobre uma pá de ouro, o outro o incenso. Quando o criado colocou os carvões sobre o
altar, Zacarias deita-lhe o incenso e uma fumaça sobe, supostamente para proteger o homem
da presença divina muito próxima. Imaginamo-lo vestido de branco, descalço, com o vaso do
incenso nos braços, emocionado e atento. E eis que o anjo Gabriel lhe aparece, à direita do
altar. «Vendo-o, Zacarias perturbou-se e o medo abateu-se sobre ele». Compreendêmo-lo! O
anjo tranquiliza-o e anuncia-lhe: «A tua mulher Isabel dará à luz um filho e tu dar-lhe-ás o
nome de João. Terás júbilo e alegria e muitos se alegrarão pelo seu nascimento. Porque ele
será grande diante do Senhor… e será cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe…»
(Lc 1, 11-17).
O velho sacerdote permanece quieto. Duvida e pede um sinal. Isto é um castigo pela sua
incredulidade? O sinal marca-se na sua carne: fica surdo e mudo. Depois de uma breve oração,
Zacarias teria que sair para abençoar o povo que estava à espera. Quando Zacarias aparece
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finalmente, «ele não lhes podia falar e eles compreenderam que ele tinha tido uma visão no
santuário.» (Lc 1,18-22).
Nove meses mais tarde, a criança vem ao mundo. Com oito dias, deve ser circuncidado.
Quando os convidados perguntam como se chama, Zacarias, sempre mudo, escreve numa
tabuazinha: «João é o seu nome». Um nome totalmente estrangeiro para a família, e portanto
para a tradição, que obrigava os pais a escolhê-lo entre os dos ascendentes. É o sinal de que
Zacarias admite as palavras do anjo, volta à confiança. De repente, «a sua boca abriu-se, e a
sua língua soltou-se, e ele falou». O evangelho segundo Lucas coloca na sua boca um cântico
poético que bendiz Deus e canta a vinda do messias anunciada por João. Chamamos-lhe o
Benedictus, tradução em latim do seu primeiro nome: «Bendito» (Lc 1, 67-79).
João Batista «Deus dá a graça»
Ele é o pioneiro, o desbravador. Filho de Zacarias e de Isabel, João entra em cena antes mesmo
de nascer: três meses antes de seu nascimento, ele "saltou de alegria" no seio da sua mãe
quando recebeu a visita de Maria. O menino nasce seis meses antes de Jesus numa aldeia das
montanhas da Judeia, e toda a vizinhança se alegra. Oito dias mais tarde, é circuncidado e
recebe o seu nome: João. Na Palestina do primeiro século, um movimento procura renovar o
judaísmo: os batistas. Eles pensam ter chegado a hora do Messias. Para eles, a conversão do
coração e o batismo, que dela é sinal (daí seu nome), são mais importantes do que a estrita
obediência à lei de Moisés e o culto no Templo.
No entanto, sendo filho de sacerdote, João devia frequentar o Templo de Jerusalém. Em vez
disso, é um contestatário. Vestido com uma túnica de pele de animal, como anteriormente o
profeta Elias, alimentando-se de mel e de gafanhotos, instala-se no deserto da Judeia, a sul do
oásis de Jericó, perto do rio Jordão. No ano 15 do governo do imperador Tibério, por volta do
ano 27 da nossa era, torna-se pregador batista influente. O escritor romano Flávio Josefo, que
conhecia bem os batistas, por os ter frequentado na sua juventude, escreveu nas Antiguidades
Judaicas: "Ele era um homem de bem que incitava os Judeus à virtude, à justiça uns para com
os outros, à piedade para com Deus para receberem o batismo... À volta de João, reuniu-se
uma grande quantidade de gente que o ouvia com grande entusiasmo."
Duro, quase mesmo ameaçador, João anuncia a iminência do reino de Deus. Convida as
pessoas de todas as classes e de todos os lugares, judeus ou não, que vêm ter com ele, a que
se arrependam dos seus erros e se convertam. Propõe-lhes que, depois de tirarem as sandálias
e as roupas - símbolos de que se despojam -, entrem no rio para serem batizados, como sinal
de conversão, e dele saírem "recriados", para começarem uma vida nova.
O batismo dado por João não é um simples rito de purificação, renovável sempre que
necessário. É uma maneira de ser regenerado para se preparar para o encontro com o Messias
de Deus, com Deus. Ele está tão convencido e é tão convincente que alguns se perguntam se
ele não é o próprio Messias, o Cristo. As autoridades de Jerusalém enviam sacerdotes
perguntar quem é ele exatamente. A resposta de João é clara: "Eu não sou Cristo... Aquele que
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vem após mim é maior do que eu, e eu não sou digno de desatar a correia das suas sandálias"
(Jo 1, 19-28). João apenas prepara o caminho e anuncia Jesus Cristo.
Quando Jesus pede a João que o batize, este recusa: "Eu é que preciso de ser batizado por ti."
Mas Jesus insiste: "deixa por agora, convém que cumpramos assim toda a justiça..." (Mt 3).
João batiza Jesus e, mais tarde, diz: "Eu vi o Espírito Santo descer do céu como uma pomba e
permanecer sobre Ele... Sou testemunha de que Ele é o Filho de Deus " (Jo 1, 32-34) … E é
entre os fiéis de João que Jesus recruta os seus primeiros discípulos (Jo 1, 35-40).
Um aviso: a execução de João
Ao questionar práticas do judaísmo, João faz inimigos entre os poderosos. Censura o próprio
governante Herodes Antipas, acusando-o de se ter casado ilegalmente com a esposa de seu
irmão, a sua cunhada Herodíade. Em consequência disto, João é preso.
No entanto, Herodes Antipas tarda em executá-lo porque, segundo o Evangelho de Marcos (6,
20-29): "Herodes temia João e, sabendo que era um homem justo e santo, protegia-o..." Mas,
por ocasião do seu banquete de aniversário, provavelmente no ano 29, Herodes,
impressionado com sua sobrinha Salomé, filha de Herodíade, que dançou diante dele, para lhe
agradecer prometeu dar-lhe o que ela lhe pedisse; Salomé, a conselho de sua mãe, pediu a
cabeça de João. Ela foi-lhe trazida num prato.
A versão de Flávio Josefo é provavelmente mais próxima da realidade "Muitas pessoas se
reuniam à volta de João e exaltavam-se ao ouvi-lo falar. Herodes temia que tal poder de
persuasão suscitasse uma revolta, pois a multidão parecia pronta a seguir tudo o que este
homem lhe aconselhasse. Preferiu capturá-lo, antes que houvesse qualquer tumulto por causa
dele e mais tarde se viesse a arrepender, caso se gerasse um movimento que pusesse em
perigo o seu governo. Devido a estas suspeitas de Herodes, João foi enviado para a fortaleza
de Maqueronte, onde foi morto" (Antiguidades Judaicas, XVIII).
Assim termina a história de João Batista. Alguns de seus discípulos levaram o seu corpo e
deram-lhe sepultura. Na sala de oração da grande mesquita em Damasco, ainda hoje se
podem ver muçulmanos e cristãos reunidos diante de um túmulo que consideram conter a
cabeça de João Batista.
A sua execução deve ter soado como um aviso para Jesus que também inquieta as
autoridades. Jesus, enquanto João estava na prisão, disse a seu respeito: "Mais do que um
profeta, é aquele de quem está escrito: Eis que eu envio o Meu mensageiro diante de Ti, para
Te preparar caminho..." (Mt 11, 10).
Cristo, Messias, duas palavras com o mesmo sentido
A palavra de hebraica original "messias" significa "ungido". A sua tradução em grego é a
palavra "Cristo". Até ao século XI antes da nossa era, o povo de Israel só a Deus aceitava como
rei. Quando a nação se organizou, as pessoas pediram um rei, como tinham os povos vizinhos.
Chegaram a um compromisso: Israel teria um rei "ungido", sinal de que Deus o tinha escolhido.
Um homem respeitado derramava óleo sobre a cabeça do rei, lembrando-lhe que, ao penetrar
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na sua pele, este óleo era sinal de que o Espírito de Deus entrava nele. Assim aconteceu com
Saul, David, Salomão...
Na época de Jesus, muitos esperavam um Messias que restaurasse o reino temporal de Israel.
No entanto, na tradição judaica, o "messianismo" era a espera de um rei-messias que faria
reinar a paz, a justiça e a fraternidade na Terra inteira. Por isso, todas as nações
reconheceriam o Deus dos judeus como seu Deus e assim se cumpriria a vocação de Israel: ser
testemunha da aliança de Deus com toda a humanidade.
No primeiro século, os líderes religiosos judeus tinham a este respeito uma ideia bem definida,
à qual Jesus não correspondia. Houve, todavia, judeus que reconheceram Jesus como o
Messias, se tornaram cristãos e Lhe passaram a chamar Jesus Cristo.
Um centurião
A fé de um pagão
O centurião é um oficial subalterno, o topo da hierarquia que um simples soldado pode
esperar atingir. Vários centuriões intervêm no Novo Testamento.
O centurião de Cafarnaum (Mt 8, 5-13 e Lc 7, 1-10)
O escravo deste homem está atingido de paralisia e todos os seus membros tremem. O
centurião vem ao encontro de Jesus e suplica-lhe que intervenha. Jesus parece espantado.
Então o centurião exprime-se mais claramente: «Senhor, eu não sou digno de que tu entres
em minha casa, mas diz uma só palavra e o meu criado será curado». Segundo os critérios da
religião judaica, o centurião, pagão, está excluído do Reino; um judeu que entra na casa de um
pagão torna-se impuro. Mais profundamente ainda, o militar confessa solicitar um auxílio ao
qual não tem qualquer direito.
Mas a sua confiança é enorme: aos seus olhos, a palavra de Jesus tem um poder libertador. E
até sabe porquê. Enquanto centurião, ele está submetido à autoridade do seu superior, que
representa o imperador divinizado. Quando não estão na guerra, os soldados fazem manobras.
E se ele, um pequeno oficial, obtém a obediência dos seus homens, é porque as suas ordens
derivam das determinações do imperador. Então, com maior razão, se Jesus recebe a sua
autoridade de Deus, ele pode vencer a doença.
Jesus admire essa confiança. Não só o soldado acredita que Jesus pode curar, mesmo à
distância, mas acredita que a autoridade de Jesus vem de Deus. Cristo afirma: «Em ninguém
em Israel encontrei semelhante fé». Esta fé contrasta com a incredulidade dos judeus.
Este episódio é sobretudo uma promessa: o que conta não é fazer parte de um povo, mesmo
aliado de Deus ; é a confiança. Deus chama todos os homens, seja qual for a sua origem, para
entrarem na sua família e viverem junto dele.
O centurião junto da cruz (Mc 15, 39)
Nessa tarde, à hora em que Jesus morre, há um homem que não fica indiferente; é um outro
centurião. Exclama: «Na verdade, este homem era filho de Deus»!
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Aos olhos das autoridades judaicas, dos melhores conhecedores da Bíblia, a morte de Jesus é
afinal a prova de que ele não passa de um falso messias. Com as palavras deste centurião, o
evangelho segundo Marcos sublinha a fé dos cristãos vindos do paganismo.
De certa forma, os cristãos de hoje são descendentes destes centuriões. É por isso que
repetem as palavras desses anónimos, guardadas nas memórias como uma herança preciosa.
O exército romano
Na época de Jesus, os Romanos vivem sob o regime do Império. O primeiro imperador,
Augusto, reina de 27 a.C. a 14 d.C. Seguiu-se-lhe Tibério, de 14 à 37. O imperador concentra
todos os poderes: político, judicial, financeiro, religioso; é o chefe da religião nacional e torna-
se um homem feito deus. Concentra também os poderes militares como generalíssimo dos
exércitos.
O exército romano é um exército profissional, dividido em legiões de infantaria comandadas
cada uma por um oficial general experiente, o legado. Cada legião está associada a um
destacamento de cavalaria.
Uma legião é constituída por dez coortes de seiscentos homens comandadas por dez tribunos.
Cada coorte compreende dois manípulos subdivididos em três centúrias de cem homens cada
uma.
Cada centúria é comandada por um centurião.
Marta A dona de casa ativa
Jesus entra numa aldeia, Betânia, próxima de Jerusalém. É aí que vive Marta, com a sua irmã
Maria e o seu irmão Lázaro. Convida Jesus a entrar na sua casa. Maria senta-se logo para
escutar Jesus, mas não mexe um dedo para o servir. Marta, como boa dona de casa, anda
atarefada, prepara a refeição em honra do seu convidado, mas não o escuta. De repente
zanga-se, censurando mesmo Jesus: «Não te incomoda que a minha irmã me deixe fazer o
trabalho todo?» Estranha forma de exercer a hospitalidade, arrastando o convidado para uma
discussão de família! Jesus responde-lhe: «Marta, andas inquieta e perturbada com muitas
coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte»: escutar-me. (Lc 10,
38-42).
«Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá»
Voltamos a encontrar Marta no evangelho segundo João (11, 1-44). O seu irmão, Lázaro, está
gravemente doente. Marta e Maria pedem ajuda a Jesus, mas quando ele chega a Betânia,
Lázaro já está morto e enterrado. Ao ouvir anunciar a chegada de Jesus, Marta vai ao seu
encontro, uma tradição de hospitalidade. Parece censurá-lo pelo seu atraso: «Se cá estivesses,
o meu irmão não teria morrido!» mas acrescenta, sublinhando a cumplicidade entre Jesus e
Deus: «mas sei que tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá». Jesus fala-lhe então de
ressurreição. Marta, como judia piedosa, pensa na ressurreição no último dia e esse longínquo
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desfecho não alivia o seu desgosto. Então Jesus diz-lhe: «Eu sou a ressurreição. Quem crê em
mim, mesmo que tenha morrido, viverá» e pergunta-lhe: «Crês nisto ?» Marta aceita esta
revelação. Passa então do «sei» ao «creio». Reconhece em Jesus o Messias e o Filho de Deus,
fonte de vida. Marta proclamou a sua fé. Marta disse tudo.
Uma tradição relata que cerca de dez anos depois da ressurreição de Cristo, Marta
desembarca na Camarga, no lugar chamado hoje Les-Saintes-Marie-de-la-Mer, com a irmã,
Lázaro, Maria de Magdala e outras mulheres. Evangeliza a região de Avignon. Em Tarascon,
vence um dragão que semeava o terror, a famosa tarasca, símbolo do paganismo. É por essa
razão que Marta é a padroeira da cidade.
Maria de Betânia, aquela que escuta com atenção
É a irmã de Marta e de Lázaro. É aquela que, por ocasião do seu encontro com Jesus, em casa
dela, em Betânia, se senta para o ouvir, mas não faz nada para o servir. Instala-se aos pés de
Jesus e não perde uma única das palavras que saem da sua boca. Nesse dia, ela encontrou a
coisa melhor para fazer e ninguém lha pode tirar (Lc 10, 38-42). O evangelista destaca aqui
dois comportamentos espirituais: com Marta a ação, com Maria a contemplação.
Dois outros episódios evangélicos completam este retrato.
Lázaro está morto e enterrado. Maria está em sua casa, rodeada de amigos, de vizinhos que
vieram consolá-la. Marta foi ao encontro de Jesus; a conversa que tiveram a propósito de
Lázaro é uma revelação: compreendeu quem é Jesus e previne Maria: «O mestre está cá e
chama-te». Maria vai imediatamente ter com ele. Como Marta, chama-lhe «Senhor». Como
Marta, na sua grande tristeza, censura-o pela sua ausência. Soluça. Perturba Jesus. Envolve-o
no seu desgosto. Jesus chora (Jo 11, 32-37).
Mais tarde, quando Jesus sobe a Jerusalém para as festas, talvez tenha feito uma paragem em
Betânia em casa dos seus amigos. Ignora-se em casa de quem se realizou uma refeição dada
em honra de Lázaro nesse ano, seis dias antes da Páscoa. Jesus é convidado. Marta serve, mais
uma vez. Maria derrama abundantemente perfume nos pés de Jesus, para grande irritação de
Judas, depois enxuga-os com os seus cabelos. É um perfume intenso, de grande qualidade,
toda a casa fica cheia com o seu aroma (Jo 12, 1-11). Para a maior parte dos exegetas, essa
«unção de Betânia» é um episódio diferente daquele que é contado no evangelho segundo
Lucas (7, 36-50): a pecadora em casa de Simão, o fariseu, não deve ser identificada nem com
Maria de Betânia nem com Maria de Magdala. Outros sustentam que estas três mulheres são
uma mesma e única pessoa.
O evangelista sublinha nesta ação uma antecipação do ato de embalsamar o cadáver de Jesus,
portanto da sua morte alguns dias mais tarde? Maria parece pressentir que, por causa de
Lázaro, Jesus, cada vez mais reconhecido, está em grande perigo. Com este gesto, ela diz-lhe
quanto o ama e respeita. Diz-lhe também adeus.
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Maria de Magdala Primeira testemunha da Ressurreição
Conhecida pelo nome de Maria Madalena, é natural de Magdala, uma cidade opulenta na
margem ocidental do lago de Tiberíades. Segundo os evangelhos (Mc 16, 9 e Lc 8, 2), foi
libertada por Jesus de «sete demónios»; o que equivale a dizer que estava totalmente
possuída... Hoje, falar-se-ia antes de uma grave doença psíquica. A tradição, persistente, que
fez dela uma grande pecadora não se justifica. O que sabemos é que, desde a sua cura, nunca
mais deixa Jesus. Acompanha-o, a ele e aos Doze, da Galileia ao Gólgota.
Enquanto os apóstolos, exceto João, se escondem, Maria de Magdala está lá quando Jesus é
crucificado. Testemunha da sua morte, está presente quando é sepultado (Mt 27, 61), vê onde
o corpo é colocado (Mc 15, 47) e como é colocado (Lc 23, 55).
Se os evangelistas não estão de acordo quanto ao número de mulheres que vão ao túmulo na
madrugada do primeiro dia da semana, todos assinalam a presença de Maria de Magdala e em
três narrativas (Mt 28, 8-10; Mc 16, 9; Jo 20, 11-18), ela é a primeira a encontrar-se com Jesus
ressuscitado.
O evangelho segundo João centra-se apenas nela e demora-se no encontro pessoal entre
Maria e Jesus. Maria descobriu o túmulo aberto; corre a prevenir Pedro e um outro discípulo.
Os dois homens constatam a ausência do corpo e vão-se embora. Maria fica sozinha e chora,
persuadida de que alguém levou o corpo. Dois anjos, depois um homem que ela toma por um
jardineiro perguntam-lhe porque chora. Como se o desgosto a tivesse tornado cega, não
reconhece Jesus.
Será que pressente de repente que o impossível acontece? Quando ouve Jesus chamar-lhe
«Maria», volta-se: «Rabbuni». Tem lugar então uma brusca reviravolta, uma conversão
(conversio, em latim, significa voltar-se)...ou quase. Porque ainda são necessários alguns
minutos para ela aprender a viver uma outra relação com Jesus que lhe pede literalmente:
«não me toques mais», que é traduzido a maior parte das vezes por «não me retenhas» (Jo 20,
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A apóstola dos apóstolos
Maria é a primeira a encontrar Jesus Cristo vivo, a primeira que ele envia a anunciar a sua
ressurreição. Os Padres da Igreja sublinharam esse papel de testemunha privilegiada da
ressurreição. Hipólito de Roma (século III) chama-lhe mesmo «apóstola dos apóstolos».
Maria de Magdala, que se tornou Maria Madalena, ocupou sempre um lugar importante para
os cristãos e muitas narrativas mais ou menos lendárias foram enxertadas nos textos
canónicos. O seu culto começa assim no século VI em Éfeso, onde Gregório de Tours situa o
seu túmulo, antes do corpo da santa ter sido, segundo se diz, transferido para Constantinopla.
Mas há uma outra tradição bem diferente. Segundo A Lenda dourada (século XIII), Maria
Madalena, depois de ter aportado a Saintes-Maries-de-la-Mer, teria evangelizado Marselha e
depois ter-se-ia retirado para uma gruta do maciço de Sainte-Baume, acabando a sua vida em
oração até ser levada para o céu por anjos.
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José de Arimateia
Este José é mencionado nos quatro evangelhos, no momento da morte de Jesus (Mt 27, 57-60;
Mc 15, 43-46; Lc 23, 50-54; Jo 19, 38-42). É natural de Arimateia, identificada com a cidade de
Ramathaim, a 14 km a nordeste de Lod (a antiga Lydda) e lugar provável do nascimento de
Samuel (1Sm 1, 1).
Membro do Sinédrio, José é discípulo de Jesus, tal como o seu colega Nicodemos, mas em
segredo por medo das autoridades judaicas. Segundo o evangelho de Lucas, espera o reino de
Deus e, como homem justo, não concordou com a condenação de Jesus no decorrer do
processo. Deve ser rico para mandar escavar um túmulo num rochedo às portas de Jerusalém,
provavelmente na antiga pedreira próxima do Gólgota, transformada em jardim. Encontrava-
se aí uma pequena necrópole, o que explica a presença de nove outros túmulos hoje em dia na
basílica do Santo Sepulcro.
José é um homem bom e ousado. Chega ao lugar na tarde da crucifixão de Jesus. Constatando
a morte do condenado, atreve-se a ir ao palácio de Pilatos reclamar o corpo ao prefeito. No
evangelho apócrifo de Pedro (século II), pede-o mesmo antes da crucifixão! A diligência é
perigosa, os próprios apóstolos fugiram. Com este gesto, José exclui-se de entre os notáveis
bem vistos e arrisca-se fortemente a ser contado entre o número dos discípulos do Nazareno
pelos responsáveis religiosos que acabam de se desembaraçar do suposto messias. Pilatos
obtém a confirmação da morte de Jesus e concede o cadáver a José. Então este compra um
lençol, desce o corpo da cruz, envolve-o no lençol e coloca-o no seu túmulo completamente
novo.
Segundo João, Nicodemos vai ter com ele, levando mais de trinta e dois quilos de mirra e aloés
para embalsamar e perfumar o corpo antes de o envolver em ligaduras. Eis assim José de
Arimateia e Nicodemos reunidos no luto e no segredo da sua fé. O Novo Testamento só diz
isto.
A partir do século IV, foram elaboradas numerosas lendas à volta de José de Arimateia que,
espantosamente, se torna até num irmão mais novo de Joaquim, pai da Virgem Maria. Um
apócrifo do século V, o evangelho de Nicodemos, conta que os notáveis de entre os judeus
censuraram o comportamento de José e de Nicodemos e lançaram José na prisão. Libertado
milagrosamente por Jesus, grita-o por todo o lado e converte os seus ouvintes.
Na Idade Média a lenda ainda se enriqueceu mais. José teria lavado o corpo de Jesus e
recolhido o seu sangue. A seguir, teria fugido da perseguição que se fez sentir em Jerusalém no
ano 34 e desembarcado em Marselha, munido dessa preciosa relíquia.
Atravessando a França com os seus companheiros, José de Arimateia embarca para a
Inglaterra. Instala-se na ilha de Avalon, chamada mais tarde Glastonbury, onde construiu uma
igreja de ramos de árvore, a primeira igreja em solo britânico. Conta-se mesmo que os
espinhos que ainda hoje crescem nesse local são os rebentos do bordão de José de Arimateia,
plantado na terra por ele próprio e que criou raízes.
José de Arimateia teria morrido em 82.
20
Bartimeu, o cego visionário
Este homem é o único doente curado por Jesus cujo nome conhecemos, graças ao evangelho
segundo Marcos.
Bartimeu, um cego, pede esmola à saída de Jericó. Jesus sai da cidade, rodeado por uma
grande multidão. Ouvindo dizer que Jesus vai a passar, Bartimeu grita: «Jesus, Filho de David,
tem piedade de mim!» As pessoas mandam-no calar. Mas ele grita com mais força: «Filho de
David, tem piedade de mim!» Jesus pára e manda-o chamar. Dizem a Bartimeu: «Tem
confiança. Levanta-te, Jesus está a chamar-te.» Bartimeu levanta-se de um salto e corre para
Jesus. Este pergunta-lhe : «Que queres?» O cego responde: «Mestre, que eu recupere a vista!»
Jesus diz-lhe: «A tua confiança em Deus salva-te. Vai.» Então Bartimeu vê claramente e segue
Jesus pelo caminho (Mc 10, 46-52, Mt 20, 29-34 e Lc 18, 35-43).
Quando Bartimeu se refere a Jesus como «filho de David», reconhece-o como o enviado de
Deus, o Messias. Com efeito, os judeus esperavam um messias descendente de David,
prometido à realeza de Israel. O mendigo, que ainda nunca se aproximou de Jesus, chama por
ele, proclamando que ele é o Messias. O cego mostrou-se um visionário. Bartimeu vê o que
muitos outros ignoram, incapazes de ver apesar dos seus olhos abertos. A começar pelos
apóstolos, quando Jesus, no episódio precedente do Evangelho, lhes anunciou a sua Paixão. E
eis que o grupo se depara com um cego iluminado pela fé…
Se Bartimeu é repreendido por discípulos que não querem arranjar mais problemas com as
autoridades, Jesus não o manda calar. Porque Bartimeu, embora cego, entrevê a verdade :
Jesus é o Cristo, o caminho para Deus. Jesus dá-se conta de que Bartimeu procura descobrir
mais, ser esclarecido acerca da pessoa do messias e, para além dele, acerca de Deus. É por isso
que o cura. E em vez de ficar tranquilamente em Jericó, Bartimeu segue Jesus a caminho para
Jerusalém, no momento em que esta se torna, para ele e para os seus discípulos, a cidade de
todos os perigos.
Zaqueu «O puro»
Eis uma das raras personagens cujo físico conhecemos: Zaqueu é pequeno! Pequeno no
tamanho, não na importância, já que é o chefe dos publicanos de Jericó, o chefe dos judeus
que recolhem os impostos para os Romanos, ou seja, um traidor, um traficante, um patife que
enriqueceu à custa dos seus correligionários a quem não hesita em cobrar demasiado. É, aliás,
odiado pelos seus concidadãos. Pequeno e detestado, isso conduz à arrogância, um verdadeiro
círculo vicioso.
Em Jericó junta-se uma multidão para ver passar Jesus, esse profeta cuja fama se espalha por
toda a parte. Zaqueu é pequeno demais, entalado atrás dos mirones. Então trepa a um
sicómoro para não perder nada da cena. Jesus pára debaixo da árvore, levanta os olhos para
Zaqueu e diz-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque hoje vou ficar na tua casa». Zaqueu salta
da árvore e corre para casa a fim de improvisar o acolhimento a Jesus.
Ao ver isto, a população resmunga e protesta : «Jesus vai para casa de um ladrão!» Ao
preconceito social acrescenta-se um preconceito religioso: um pecador é impuro e torna
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impuros todos aqueles que se aproximam dele. Portanto, Zaqueu não é digno de receber Jesus
em sua casa e Jesus, aos olhos dos espectadores, não sabe no que se está a meter.
Quanto a Zaqueu, está radiante. Tendo juntado muito dinheiro, faz promessas a Jesus:
«Senhor, vou dar metade da minha riqueza aos pobres. E às pessoas a quem prejudiquei, vou
dar quatro vezes mais!» Perante esta excepcional generosidade, Jesus replica: «Hoje a
salvação chegou a esta casa. Zaqueu também faz parte do povo de Deus. Vim procurar e salvar
aquilo que estava perdido» (Lc 19, 1-10).
Zaqueu estava perdido, separado da sua comunidade. Jesus devolve-lhe o seu lugar no povo
de Deus. Zaqueu, porque encontrou Jesus, começa uma vida nova.
Mais ainda: Jesus mostra que não se entra no Reino pelas suas próprias forças, mas graças a
uma pureza adquirida pela obediência à Lei. Toda a gente está convidada, até os que são
pequenos por causa do tamanho, da fraqueza, da sua condição de desprezados. Para aceitar
este convite é necessário saber-se pequeno e não estar carregado de auto-suficiência.
Lázaro «Deus socorreu»
Irmão de Marta e de Maria de Betânia, Lázaro é um amigo pessoal de Jesus. Não se sabe
grande coisa dele, pois só aparece em dois episódios do evangelho segundo João (11, 1-54 e
12, 1-11). No entanto, este homem, cujo nome é um diminutivo de Eleazar, é uma das mais
célebres personagens do Novo Testamento. Com ele, Jesus está perante o grande adversário: a
morte.
Lázaro está em Betânia, doente, rodeado pelas irmãs que não têm ilusões quanto ao desfecho.
Marta e Maria mandam chamar Jesus. Este demora a vir e, estranhamente, afirma que esta
doença há-de mostrar a glória de Deus. Quando finalmente chega, é tarde demais, Lázaro
morreu e está enterrado há quatro dias.
Lázaro volta a viver, Jesus caminha para a morte
Apesar da dor diante da morte de um ser querido, Jesus ajuda Marta a aprofundar a sua fé.
Com Maria que soluça, perturba-se : cheio de tristeza, chora. Pessoas que rodeiam as irmãs de
luto apercebem-se disso : «Vejam como ele o amava». Outros, pelo contrário, troçam : «Afinal
abriu os olhos do cego, devia ter impedido Lázaro de morrer!»
O túmulo de Lázaro é uma gruta, com a entrada tapada com uma pedra. Jesus pede que a
afastem para desimpedir a entrada. Reza a Deus, como um filho se confia ao seu pai: «Pai,
obrigado por me teres ouvido. Eu sabia que tu me ouves sempre ; mas é por causa da multidão
que me rodeia que eu disse isto, para que eles acreditem que tu me enviaste». Depois grita em
voz alta: «Lázaro, sai para fora!» O morto levanta-se e sai do túmulo. Assim que as ligaduras
que o impedem de andar são desatadas e que o seu rosto fica livre do sudário, Lázaro segue
para o meio dos vivos.
Muitos dos que ali estão, vendo Lázaro vivo, acreditam em Jesus e estão prontos a lançar-se,
como Lázaro, numa nova vida. Mas outros vão contar tudo ao sinédrio, para quem este
milagre é «a gota de água»: «Se deixamos este Jesus continuar assim, todos vão acreditar nele,
e os Romanos hão-de vir e destruir o nosso Lugar santo e a nossa nação. (...) E resolveram
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matá-lo». No dia em que Jesus faz renascer a vida de Lázaro, os seus inimigos decidem matá-
lo. Lázaro sai do túmulo, Jesus caminha para a morte.
Como Lázaro é um homem vulgar, a sua ressurreição ajuda os cristãos a acreditar que ela é
possível para todos.
Que fez Lázaro da sua nova vida?
Muito cedo, Lázaro é objeto de um culto em Betânia. Ainda hoje, na aldeia de El Azariyeh
(pode reconhecer-se o nome de Lázaro em árabe), uma igreja assinala o lugar do túmulo vazio
de Lázaro.
Segundo a tradição, Lázaro, acompanhado por Marta, Maria Madalena e Máximo teria
chegado à Gália, na Provença. Em 42, terá atingido Marselha, que já era um porto importante
e cosmopolita. Terá pregado aí o Evangelho durante cinquenta anos e criado uma primeira
comunidade da qual ele é o bispo.
Terá morrido mártir, decapitado no reinado de Domiciano, no ano 94, já com muita idade. O
seu corpo, inicialmente conservado numa gruta em Marselha, teria sido transportado quando
das invasões sarracenas para Autun, onde foi construída no século XII a catedral de S. Lázaro.
Um estranho acontecimento : antes da partida das relíquias para a Borgonha, dois sacerdotes
de Marselha teriam roubado o seu crânio. Um relicário contendo essa cabeça de Lázaro é
venerado pelos fiéis de Marselha numa capela da catedral de Santa Maria Maior.
Cléofas, discípulo de Emaús
Na tarde do primeiro dia da semana, Cléofas, com um outro homem vai a caminho de Emaús, a
duas horas de marcha de Jerusalém. Terrivelmente decepcionados com a morte infamante de
Jesus, terminada a Páscoa, abandonam Jerusalém. Junta-se a eles um desconhecido. Um
desconhecido aos olhos de Cléofas, cego de tristeza, talvez também de raiva contra esse
Mestre que lhe deu tanta esperança e o desiludiu tanto.
Os dois caminhantes, fechados na sua decepção, não reconhecem Jesus que permanece
incógnito, mais que se introduz na conversa deles : «Que palavras são essas que trocais
entre vós, enquanto caminhais?» Cléofas espanta-se: «Tu és o único forasteiro em
Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Jesus insiste: «Que foi?» Eles
respondem: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso diante de Deus (…)
Os nossos sumos sacerdotes e os nossos chefes (…) crucificaram-no. Nós esperávamos
que fosse Ele o que viria redimir Israel». Mas já lá vão três dias que ele morreu e Deus
não fez nada. Houve realmente umas mulheres que não encontraram o seu corpo no
túmulo onde tinha sido sepultado e afirmam que ele está vivo. Alguns discípulos foram
verificar e encontraram o túmulo vazio, mas a ele não o viram… (Lc 24, 13-35).
Antigo e Novo Testamento são inseparáveis. Neste episódio, pela boca de Jesus, o evangelista
insiste: os «peregrinos de Emaús» não captaram o sentido da vida de Jesus, porque não
olharam para ela relacionando-a com as Escrituras: «Ó homens sem inteligência e lentos de
espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de
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sofrer essas coisas para entrar na sua glória» para alcançar a vitória ? Isso faz lembrar
outras palavras : é preciso que o grão de trigo, lançado à terra, morra para dar fruto… E
Jesus explica como a lei da aliança dada a Moisés e os profetas já anunciavam isso.
À chegada a Emaús, Jesus faz menção de seguir para diante. Cléofas e o outro companheiro
convidam-no: «Fica connosco, já é tarde, a noite vai cair». Jesus aceita e janta com eles.
Durante a refeição, toma o pão, dá graças a Deus e, depois de o partir, entrega-lho. É então
que se revela. Cléofas e o outro discípulo reconhecem Jesus.
Mas no momento em que os seus olhos se abrem ele já desapareceu. Então eles reagem:
«Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as
Escrituras?» Os dois discípulos regressam imediatamente a Jerusalém para contarem aos
apóstolos e àqueles que estão com eles o que viram e ouviram. Entretanto, Jesus apareceu a
Pedro. E todos dão testemunho : «É mesmo verdade, o Senhor ressuscitou !»
Para a maior parte dos teólogos, este episódio é totalmente simbólico. Com efeito, dois
momentos abrem os olhos dos viajantes. Primeiro o tempo da Palavra : relendo as Escrituras
com Jesus, ouvem uma Palavra que lhes diz respeito. Depois o tempo da Eucaristia: na fração
do pão, eles reconhecem a presença de Cristo ressuscitado quando ele já não está visível. A
narrativa que põe em cena Cléofas é semelhante a uma missa.
Saulo, também chamado Paulo «Pedido a Deus»
Quando nasce, cerca do ano 8, a sua família, originária da Galileia, já se estabelecera há muito
tempo em Tarso, capital da província romana da Cilícia (atualmente na Turquia). Saulo é o
segundo filho desses judeus da tribo de Benjamim, cidadãos romanos abastados; o pai é
tecelão, fabrica tendas de lã de cabra. Saulo frequenta a escola judaica, depois o ginásio (lugar
de aprendizagem de exercícios físicos, mas também de leitura, escrita, poesia, música…) para
aperfeiçoar a sua cultura helénica, porque nessa família de fariseus fala-se grego. Quando
chega aos 12 ou 13 anos, o pai manda-o para Jerusalém enriquecer os seus conhecimentos
religiosos junto do mestre Gamaliel, um célebre doutor da Lei.
É com base nestes ensinamentos que Saulo distingue, no movimento de seguidores de Jesus
de Nazaré, uma ameaça para a identidade judaica. É provável que tenha regressado três ou
quatro anos depois a Tarso, como jovem rabi e tecelão. Uma coisa é certa, em 34, assiste ao
martírio do diácono Estêvão diante das muralhas de Jerusalém (At 7, 58; 22, 20). Lançando-se
numa campanha de purificação dos judeus seduzidos por Cristo, Saulo entra nas casas de
Jerusalém e mete os seus habitantes na prisão (At 8, 3). Depois, pede ao sumo-sacerdote que o
envie a fim de prender outros em Damasco (At 9, 1-2).
Ei-lo, portanto, a caminho, cerca do ano 36, «quando de repente uma luz vinda do céu o
envolveu com a sua claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo,
Saulo, porque me persegues?» Ele perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» Respondeu:
«Eu sou Jesus, a quem tu persegues». (At 9, 3-5; 26, 12-15). É uma reviravolta completa na
sua vida: Cristo chama-o a anunciar o Evangelho aos pagãos, como um verdadeiro apóstolo,
testemunha da ressurreição.
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Cego durante três dias, é conduzido a casa de um certo Judas, na rua Direita. Aí, Ananias, um
discípulo, vai ter com ele e impõe-lhe as mãos. Caem umas escamas dos olhos de Saulo, como
se Jesus o iluminasse. «Imediatamente, sem subir a Jerusalém para ir ter com os que se
tornaram Apóstolos antes de mim, parti para a Arábia (Gl 1, 17).
De regresso a Damasco, proclama nas sinagogas que Jesus é o filho de Deus. Irritados com
aquele que consideram um traidor, os judeus combinam matá-lo. Alguns amigos descem Saulo
dentro de um cesto ao longo da muralha e ele foge.
Por volta do ano 39, Saulo volta a Jerusalém para se encontrar com os discípulos de Jesus,
sobretudo Pedro e Tiago que reconhece como «as colunas» da Igreja. Mas os primeiros
contactos são reservados, poderia não passar de um espião! Barnabé, um membro da
comunidade, responsabiliza-se por ele e apresenta-o. Saulo fica com Pedro quinze dias (Gl 1,
18). Como prega diante de judeus de cultura grega, aqueles que executaram Estêvão, os
apóstolos, receando problemas, enviam-no para Tarso. Não sabemos quanto tempo aí ficou
numa espera impaciente.
Cerca do ano 43, Barnabé vem buscá-lo para conseguir responder ao desenvolvimento da
comunidade cristã de Antioquia, uma cidade de 500.000 habitantes onde, pela primeira vez, o
nome de «cristãos» é dado aos discípulos (At 11, 26). Começam então as viagens missionárias
de Saulo, com base em Antioquia.
Primeira viagem (Atos 13 e 14)
Saulo e Barnabé dirigem-se a Chipre onde, em contacto com o mundo pagão, Saulo latiniza o
seu nome e se torna Paulo. Passando por Perga, chegam a Antioquia da Pisídia: na sinagoga,
Paulo pronuncia um discurso sobre a história do povo de Deus até Jesus, o ressuscitado.
Criticando a insuficiência da Lei de Moisés, irrita os judeus que os expulsam. Vão então para
Icónio, depois para Listra, onde Paulo desenvolve o seu apostolado junto dos pagãos.
Regressam por Perga, depois Atália onde embarcam para regressar a Antioquia.
A Assembleia de Jerusalém (Atos 15, 1-35 e Carta aos Gálatas 2)
Em Antioquia, um diferendo divide os cristãos. Alguns «judeo-cristãos» afirmam que sem
circuncisão segundo a lei de Moisés, os candidatos ao cristianismo não poderão ser salvos.
Para Paulo e Barnabé, que converteram muitos pagãos, não é a Lei que salva, mas a fé. Então,
em 48, Paulo, Barnabé e Tito sobem a Jerusalém para consultar os apóstolos.
A tensão é grande. Impor as práticas judaicas aos pagãos, é fechar-lhes a porta do cristianismo.
Renunciar à obrigação da Lei (circuncisão, proibições alimentares...), é separar-se da religião
judaica. Mas então como tomar uma refeição em comum e celebrar a eucaristia que se lhe
segue ? Finalmente dá-se o grande salto: já não é necessário fazer-se judeu para se tornar
cristão, o Evangelho não exige de ninguém que renegue a sua cultura. «Onde está o Espírito
do Senhor, aí está a liberdade», há-de escrever Paulo (2 Cor 3, 17).
Segunda viagem (Atos 15, 36 a 18, 22)
Paulo chama para o acompanhar Silas, depois Timóteo. Regressam às comunidades de Tarso,
Derbe, Listra, Icónio, Antioquia da Pisídia, para transmitirem as decisões tomadas em
Jerusalém. Depois percorrem a Galácia onde estrão instaladas tribos originárias da Gália. Em
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Tróade, Paulo tem uma visão: um Macedónio chama-o. Passa por isso para a Europa, por volta
do ano 50 e, em Filipos, nasce a primeira comunidade cristã europeia. Vai depois para
Tessalónica e a seguir para Bereia. Agora a maioria dos convertidos vem já do paganismo. Em
Atenas, a cidade dos Estóicos, a cidade dos templos dedicados a todas as espécies de deuses,
Paulo vê um altar dedicado «ao deus desconhecido»: «Esse Deus é o Senhor (...) Não é de
ouro, nem de prata, nem de pedra ; não é fabricado pelos homens...» Paulo seduz os seus
ouvintes, mas quando fala de ressurreição, é demais para as mentalidades gregas. É um
fracasso. Vai então para Corinto, cidade de comércio, cidade internacional, e ensina aí (1 Cor
12, 12-31). É provavelmente aí, no ano 50, que dita a sua primeira carta aos Tessalonicenses, o
primeiro escrito cristão. Dirige-se «à Ekklesia, a Igreja dos Tessalonicenses», um termo que
designa em grego uma assembleia política, querendo assim dizer que os crentes são
convocados por Cristo para se reunirem. Daí em diante, a palavra «Igreja» será aplicada às
comunidades locais e ao conjunto dos cristãos.
Terceira viagem (Atos 19 e 20, Cartas aos Coríntios e aos Gálatas)
Depois das etapas na Ásia Menor, por volta de 54, Paulo chega a Éfeso, um dos maiores
centros do mundo greco-romano. Fica aí três anos e constitui uma «escola» da Escritura,
formando cristãos capazes de assegurar a continuidade. Durante esse tempo, os cristãos de
Corinto desentendem-se. Paulo dirige-lhes uma primeira carta, rapidamente seguida por uma
segunda. Aos Gálatas chama estúpidos (Gl 3, 1) porque se deixaram seduzir pelos judeo-
cristãos que os obrigam à circuncisão. A seguir, depois de ter regressado a Tróade, Filipos,
Tessalónica e Bereia, Paulo passa o inverno de 57-58 em Corinto onde redige uma epístola aos
Romanos, anunciando-lhes a sua visita. Organiza uma coleta para os pobres de Jerusalém, uma
forma de exprimir a dívida das comunidades para com a Igreja-mãe da qual receberam o
Evangelho. Regressa por Mileto com as despedidas aos Anciãos de Éfeso.
A viagem de um prisioneiro (Atos 21, 17 a 28, 15)
Para acalmar as tensões com os judeo-cristãos, Paulo vai ao Templo de Jerusalém realizar um
rito de purificação com quatro cristãos de origem pagã. Esse gesto é entendido como uma
provocação e há um motim. Paulo é detido e enviado preso para Cesareia. Como cidadão
romano, apela para o imperador. O prisioneiro é embarcado para Roma. O navio naufraga em
Malta onde uma capela comemora o naufrágio.
Roma (Atos 28, 16 a 31)
Cerca do ano 61, à espera do seu processo, Paulo beneficia durante dois anos da situação de
residência fixa, «ensinando (...) com o maior desassombro e sem impedimento».
Terminam assim os Atos dos Apóstolos. As suas cartas dão outras informações. Recebe a visita
de um escravo evadido de Colossos. Escreve aos Efésios, aos Colossenses, a quem pede que
transmitam a sua carta a Laodiceia (Cl 4, 16), prova das relações entre as Igrejas.
Várias tradições evocam uma libertação de Paulo em 63, que teria permitido uma viagem a
Espanha, à Ásia Menor, depois a Creta. Fala-se de uma nova detenção e de uma nova prisão
em Roma, de onde teria escrito a Timóteo, a Tito e preparado a epístola aos Hebreus.
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Condenado à morte durante o décimo quarto ano do reinado de Nero (entre julho de 67 e
junho de 68), é decapitado no pântano de Aquas Salvias, a 5 km de Roma. Diz-se que a sua
cabeça saltou três vezes e que, de cada um dos três sítios em que bateu, jorrou uma fonte,
origem do nome do lugar: «as Três fontes». Assim termina a vida daquele que tanto prezava o
título de verdadeiro apóstolo, chamado pelo Ressuscitado, e que se consagrou a difundir a Boa
Nova a todos, já que, para ele, Deus é o Deus de todos.
Cristãos reclamam o seu corpo e sepultam-no na propriedade de uma certa Lucina, na Via
Ostiense. No início do século IV, o imperador Constantino manda construir em cima do túmulo
uma basílica, várias vezes embelezada e envolvida hoje pela Basílica de S. Paulo Extra-Muros.
Marcos Um evangelista inspirado por Pedro
«Marcos, que era o intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, embora sem ordem, tudo
aquilo de que se lembrava do que tinha sido dito ou feito pelo Senhor. Porque ele não tinha
ouvido nem acompanhado o Senhor; mas, mais tarde, como já disse, acompanhou Pedro...» É
desta forma que, por volta de 130, Papias, bispo de Hierápolis, apresenta Marcos.
Será o mesmo Marcos que o livre dos Atos dos Apóstolos (12, 12) refere? Por volta de 42, em
Jerusalém, Pedro, milagrosamente libertado da prisão, «foi a casa de Maria, mãe de João,
apelidado de Marcos, onde uma assembleia bastante numerosa estava reunida e rezava».
Marcos seria, pois, um cristão de Jerusalém, talvez emigrado de Chipre com a mãe e o seu
primo Barnabé.
Quando Barnabé e Paulo deixam Jerusalém a caminho de Antioquia, levam Marcos que...os
abandona em Chipre e regressa a Jerusalém! Por volta do ano 50, quando Barnabé escolhe
novamente Marcos como companheiro para a sua segunda viagem, Paulo recusa (At 15, 36-
40). No entanto, Marcos está com Paulo quando ele escreve aos Colossenses: «Marcos, o
primo de Barnabé (saúda-vos)... Se ele for ter convosco, recebei-o bem». Depois, no fim da sua
vida, Paulo pede a Timóteo que vá ter com ele juntamente com Marcos, «precioso para o
ministério.» Marcos é também designado como «filho» por Pedro, em Roma (1 Pe 5, 13). Sem
haver a certeza de que se trate do mesmo homem, chamou-se «segundo Marcos» ao mais
antigo dos quatro evangelhos, redigido em Roma entre 67 e 70, depois da morte de Pedro.
O autor, vindo do judaísmo, de cultura grega, falando também aramaico, dirige-se a romanos
(utiliza expressões latinas), a quem explica os costumes judaicos. Traduz-lhes as palavras de
Jesus em aramaico: Ephphatha («Abre-te») ordenado a um surdo mudo, Talitha Koum
(«Menina, levanta-te») à filha de Jairo ou ainda o grito de Jesus na cruz: Éloï, Éloï, lama
sabakhtani? («Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»).
Um retrato de Jesus profundamente humano
O evangelho segundo Marcos, o mais breve, começa pelo batismo de Jesus e a narrativa das
tentações no deserto e termina com três mulheres assustadas diante de um túmulo vazio. Os
últimos versículos – as aparições do Ressuscitado – terão sido acrescentados posteriormente.
É considerado o mais próximo do Jesus histórico, com as suas emoções, as suas impaciências, a
sua angústia. No entanto, o evangelista desempenha a sua missão de catequista-teólogo,
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anunciando a partir da primeira linha Jesus como Messias e Filho de Deus e interpretando os
acontecimentos: Jesus viaja da Galileia, terra do seu sucesso contra as doenças, os
«demónios», onde ele revela quem é Deus, até Jerusalém, a cidade dos peritos acerca de
Deus, que o rejeitam e o mandam executar; os leitores são convidados a segui-lo nesse
caminho de vida que, mesmo cheia de sucesso, termina com a morte e ressurreição.
O evangelho segundo Marcos serviu de modelo aos evangelhos segundo Mateus e Lucas.
Lucas O teólogo narrador
«Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos factos que entre nós se
consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas
oculares e se tornaram "Servidores da Palavra", resolvi eu também, depois de tudo ter
investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua
ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste
instruído». (Prólogo do evangelho segundo Lucas).
O evangelista não conheceu Jesus. A tradição identifica-o com o Lucas citado por S. Paulo (2
Tm 4, 11; Flm 1, 24; Cl 4, 14). Seria, portanto, um médico, companheiro do apóstolo, ainda que
as suas maneiras de pensar fossem diferentes, originário de Antioquia (atualmente na Turquia)
ou de Filipos na Macedónia. Um acrescento tardio faz dele um pintor, próximo de Maria, a
mãe de Jesus, cujo retrato conservado em Santa Maria Maior, em Roma, teria executado.
Lucas é um homem culto, que fala grego, impregnado pelo pensamento grego e familiarizado
com as Escrituras judaicas na sua tradução grega. Daí se deduz que ele fosse um «temente a
Deus», próximo do judaísmo, antes da sua conversão ao cristianismo.
Jesus salvador para todas as nações
A sua originalidade? Uma narrativa em dois volumes: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos ;
porque, para ele, a história de Deus com a humanidade desenrola-se em três etapas : a aliança
com Israel (as Escrituras judaicas), a «redescoberta» de Deus em Jesus (o Evangelho), os
primeiros tempos do cristianismo (os Atos). Assim, por volta de 85, Lucas reúne e organiza
fontes orais e escritas : pregações, evangelho segundo Marcos, parábolas, hinos, relatos de
milagres, afirmações de doutores, como Manaen, amigo de infância de Herodes... O seu
trabalho não se dirige apenas a Teófilo, mas a diversas comunidades, sem dúvida na Grécia.
Hoje em dia elogiar-se-ia o seu esforço de inculturação. Adapta-se a mentalidades que têm
dificuldade em admitir a Ressurreição, referindo-se a Jesus como «vivo». Apresenta-o como
aquele que traz cura e saúde, o que, para os gregos, significa a harmonia, a unidade interna
necessária a cada um para se reerguer, viver com dignidade e se tornar mais humano.
Traça um retrato emocionante de Jesus, que nos faz ver Deus, sublinhando tudo aquilo que diz
respeito ao perdão e à proximidade entre Jesus e as pessoas do povo. Faz teologia ao contar
uma história, a começar pelo nascimento de Jesus. O seu Evangelho, rico em parábolas, é
centrado em Jerusalém. Começa no Templo, com a promessa de um filho ao sacerdote
Zacarias. Depois do episódio de Emaús, termina também no Templo onde os discípulos rezam.
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O livro dos Atos mostra como a Palavra parte de Jerusalém e se espalha à volta do mar
(Mediterrâneo). Sempre atento à origem dos seus leitores, Lucas promete uma salvação a
todas as nações, não apenas aos judeus, e sublinha, pela boca de Paulo: «Foi aos pagãos que
foi enviada a salvação de Deus».
Um texto escrito entre 160 e 180, o Prólogo antimarcionita, precisa que Lucas «serviu o
Senhor sem desfalecimento, não se casou, não teve filhos e morreu na Beócia (Grécia), cheio
do Espírito Santo, com 84 anos.» S. Jerónimo, no entanto, afirma que ele teria morrido em
Tebas.