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1 A aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado às Entidades Sem Fins Lucrativos Tipologia do trabalho: Trabalho Categoria de Submissão: D) Fiscalidade no setor público Resumo: As Entidades Sem Fins Lucrativos (ESFL) são compostas por grupos de pessoas que se reúnem com o objetivo de tornarem uma sociedade mais humanitária e igual para todos, com melhor educação e cultura, com o intuito de melhorarem o meio em que vivem. Por essa razão, importa estudar o problema da tributação das entidades que integram a denominada economia social no quadro do Estado fiscal aberto e da economia social de mercado. No caso particular do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), considerando o princípio da neutralidade fiscal que norteia este imposto e a salvaguarda da concorrência, importa perceber as regras de aplicação do IVA às ESFL designadamente compreendendo as atividades que poderão estar isentas e aquelas que, pelo contrário, ainda que realizadas pelas ESFL estão sujeitas às regras gerais da aplicação do imposto. É importante ainda perceber as obrigações das ESFL no âmbito da aplicação do IVA. Palavras-chave: Entidades do setor não lucrativo; Fiscalidade; Imposto sobre o Valor Acrescentado; Isenções; Obrigações fiscais Liliana Ivone da Silva Pereira Instituto Politécnico do Cávado e do Ave [email protected] Maria de Lurdes Ribeiro da Silva Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

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A aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado às Entidades Sem Fins Lucrativos

Tipologia do trabalho: Trabalho

Categoria de Submissão: D) Fiscalidade no setor público

Resumo:

As Entidades Sem Fins Lucrativos (ESFL) são compostas por grupos de pessoas que se

reúnem com o objetivo de tornarem uma sociedade mais humanitária e igual para todos, com

melhor educação e cultura, com o intuito de melhorarem o meio em que vivem. Por essa

razão, importa estudar o problema da tributação das entidades que integram a denominada

economia social no quadro do Estado fiscal aberto e da economia social de mercado. No caso

particular do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), considerando o princípio da

neutralidade fiscal que norteia este imposto e a salvaguarda da concorrência, importa perceber

as regras de aplicação do IVA às ESFL designadamente compreendendo as atividades que

poderão estar isentas e aquelas que, pelo contrário, ainda que realizadas pelas ESFL estão

sujeitas às regras gerais da aplicação do imposto. É importante ainda perceber as obrigações

das ESFL no âmbito da aplicação do IVA.

Palavras-chave: Entidades do setor não lucrativo; Fiscalidade; Imposto sobre o Valor

Acrescentado; Isenções; Obrigações fiscais

Liliana Ivone da Silva Pereira

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

[email protected]

Maria de Lurdes Ribeiro da Silva

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

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[email protected]

Introdução:

O setor da economia social é hoje considerado um pilar essencial do novo modelo de

desenvolvimento, sendo-lhe reconhecido um importante papel na prestação de serviços em

áreas onde é essencial um reforço da coesão social, perspetivando-se como uma “nova

terceira via” que sucede à visão dicotómica Estado/mercado que vigorou até ao final da

década de 90 do século passado (Silva & Soares, 2015). As entidades do terceiro setor

existem em todo o mundo, sendo o seu crescimento notório. De facto, no atual contexto

socioeconómico, verifica-se uma crescente importância deste Setor Não Lucrativo (SNL)

através do aumento de entidades e do crescente peso e dimensão que desempenham na

economia (Santos et al., 2015). O desenvolvimento deste setor depende de múltiplos fatores

mas, como salientam Pierson & Leimgruber (2010), em grande medida é orientado pelas

condicionantes ideológicas, designadamente os consensos que em cada organização social e

em cada momento da história determinam o significado de realidades como a dignidade da

pessoa humana, a solidariedade, a burocracia, o Estado, o mercado, a justiça social, o

desenvolvimento humano e económico, a cidadania, a pobreza e outros pressupostos para a

organização da vida em comum.

A primeira dificuldade que se encontra ao tratar estas matérias é a “inexistência de um recorte

dogmático concreto, a nível constitucional, legal ou mesmo na doutrina, do que deve

entender-se por “terceiro setor” (Silva & Soares, 2015: 31). Daí que, alguns autores

procurem solucionar esta dificuldade a partir da recondução do “terceiro setor” a todas as

atividades não lucrativas, ou seja, o denominado universo “nonprofit”. No caso português, a

Constituição da República Portuguesa (CRP) reconhece um terceiro setor económico a par do

setor público e do setor privado estabelecendo que a “organização económico-social assenta

nos seguintes princípios: (…) b) Coexistência do sector público, do sector privado e do sector

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cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;” (cfr. Artigo 80.º, al. b) da

CRP). Assim, no caso português o princípio da coexistência dos três setores impõe a

autonomização de um setor social e cooperativo, que compreende tanto meios de produção

privados como públicos, incluindo a propriedade comum, conforme resulta do artigo 82.º, n.º

4 da CRP.

Desta forma, e no sentido que trataremos neste artigo, o terceiro setor abrange um vasto

conjunto de entidades privadas, com personalidade jurídica, criadas com o intuito de

satisfazer as privações dos seus membros e produzindo bens ou serviços, sem finalidade

lucrativa. São exemplos de entidades que integram o terceiro setor: as Entidades Sem Fins

Lucrativos (ESFL), as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), as

cooperativas, as fundações, as mutualidades, as misericórdias, entre muitas outras. Estas

entidades sociais diferenciam-se pela sua eficácia de atuação, substituindo os outros setores,

com uma solução criativa e económica de problemas sociais. Não tendo como finalidade o

lucro, não ficam expostas às diferentes forças de mercado, assim como, pertencendo ao setor

público, não se encontram sujeitas às mesmas normas governamentais (Magalhães, 2012;

Rocha, 2013). Devido à crescente expansão das ESFL sentiu-se a necessidade de reforçar as

exigências de transparência no que respeita às suas atividades e aos recursos que estas

utilizam (Jesus & Costa, 2012).

Este é um trabalho com uma abordagem qualitativa onde predomina a pesquisa descritiva ao

normativo fiscal, em particular no que respeita à tributação do consumo em sede de IVA. O

trabalho tem como objetivo a análise da aplicação do IVA às Entidades sem fins lucrativos.

Assim, o mesmo está dividido em dois pontos, sendo o primeiro dedicado à contextualização

destas entidades na economia, o segundo o seu enquadramento no âmbito fiscal, em concreto

no que respeita à incidência, isenções, apuramento do imposto e obrigações destas entidades

no âmbito do IVA. O trabalho termina com as principais conclusões.

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1. As entidades do setor não lucrativo

A nível mundial, podemos verificar que a cada segundo que passa surgem inesperadamente

factos perturbadores e que inquietam os cidadãos, podendo estar relacionados com fatores de

natureza ambiental, política, económica e social. Estes acontecimentos interferem na vida das

comunidades, das organizações e dos cidadãos (Antão et al., 2012), fazendo surgir

organizações que devido à problemática de uma exclusão social crescente, num contexto de

falência dos mecanismos estatais, desenvolvem atividades económicas que não tem como

princípio base o lucro, mas englobam atividades produtivas que criam postos de trabalho e, ao

mesmo tempo, contribuem para o combate ao desemprego, geram rendimentos e satisfazem

necessidades. Além disso, promovem a coesão social, a luta contra a pobreza, a igualdade de

oportunidades, valorizam a multiplicidade cultural e ambiental, devendo ser baseado numa

boa gestão e eficiência (Santos, 2010).

Estas ESFL recorrem a meios materiais, financeiros e humanos para conseguirem desenvolver

as suas atividades. No que diz respeito aos recursos materiais e financeiros, estes são

compostos por apoios de entidades externas, particularmente os financiadores e os doadores,

estando quase sempre dependentes destes apoios. Os recursos humanos são constituídos por

colaboradores que podem ser remunerados ou não remunerados, sendo estes últimos

designados por voluntários (Andrade & Franco, 2007).

Terceiro setor ou SNL são designações que normalmente são utilizadas quando nos queremos

referir a este tipo de organizações, ou o chamado universo “nonprofit” (Silva & Soares, 2015:

35). No entanto, para além destas, existe um amplo número de denominações que podem ser

empregues, e que são utilizadas não só em Portugal, mas também mundialmente (Andrade &

Franco, 2007). Designações como organizações não-governamentais sem fins lucrativos;

organizações da sociedade civil; organizações filantrópicas; entidades não-governamentais;

ESFL; setor sem fins lucrativos; setor cooperativo; associativismo; e voluntariado são as mais

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comuns (Francisco, 2005). De um modo mais amplo, a economia que abrange este setor pode

ser referenciada como economia social, economia comunitária, economia de interesse geral, e

economia solidária (Muehombo, 2013), descrevendo-se, genericamente, como entidades que

aplicam um amplo conjunto de experiências em volta de novas formas de iniciativa e

solidariedade (Filho, 2002). Partilhando esta ideia, Muehombo (2013) define economia social

como um conjunto de empresas privadas, organizadas, com autonomia de decisão e liberdade

de adesão, concebidas com o intuito de colmatar as necessidades dos seus membros através

do mercado, produzem bens e serviços assegurando o seu financiamento e onde a tomada de

decisão não está intimamente ligada ao capital ou a quotizações. Barbetta & Maggio (2008)

defendem que existe uma interpretação tridimensional do fenómeno ligado ao terceiro setor,

contemplando uma derivação sociológica, relacionada com o domínio do privado social e do

voluntariado; uma derivação económica resultante da ideia de um setor económico distinto

dos setores público e privado; e finalmente, uma derivação contabilística assente na ideia de

instituições sociais privadas. Desta forma, a designação de terceiro setor acaba por aparecer

como uma denominação residual para todas as atividades económicas que não possam

reconduzir-se ao setor privado, pela ausência de lucro, nem ao setor público na medida em

que este se carateriza pelo financiamento dos bens e serviços públicos através das receitas

fiscais e da redistribuição da riqueza (Silva & Soares, 2015: 32).

Apesar de condicionados a estas divergências de conceitos e à falta de uma única definição

universal, é inegável a criação e o desenvolvimento destas organizações, uma vez que as

ESNL são uma realidade em crescente difusão na sociedade atual (Muehombo, 2013). É

através da iniciativa dos cidadãos e do espírito empreendedor que as ESFL nascem para

eliminar as necessidades que as organizações empresariais ou o Estado não conseguem

satisfazer por motivos de ordem ideológica, religiosa, altruísta e caritativa (Francisco, 2012).

Como realçam Silva & Soares (2015: 53) “apesar da sua modesta expressão económica

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quando comparada com o setor privado lucrativo, o “terceiro setor” é uma infraestrutura

essencial na economia civil e social, geradora de inúmeras externalidades positivas, de entre

as quais destacamos, pela sua relevância, o papel único que desempenham no domínio da

coesão social”.

Segundo Santos (2010), estas organizações desenvolvem, pelo menos, um dos seguintes

objetivos sociais: assistência social; cultura; defesa e conservação do património artístico,

cultural e histórico; serviços gratuitos de educação e saúde; serviços de segurança alimentar e

nutricionismo; defesa, preservação e conservação do meio ambiente; promoção do

voluntariado, do desenvolvimento económico e social e de combate à pobreza; promoção de

direitos estabelecidos; construção de novos direitos e assessoria jurídica; promoção da ética,

da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; esteja relacionado com estudos e

pesquisas, desenvolvimento de tecnologias, produção e divulgação de informações.

As ESFL são representadas por um vastíssimo grupo de entidades, das quais as mais

representativas em Portugal são:

Associações - organizações constituídas por um conjunto de pessoas que se juntam

para prosseguir determinado fim onde os associados não se encontram obrigados a

direitos e obrigações recíprocas, mas, segundo as regras estabelecidas por eles, de

modo a poderem partilhar as vantagens da cooperação e o conjunto de objetivos e de

vontades apresentadas pelos diversos membros (Carvalho, 2007).

Fundações – O elemento fulcral destas entidades é o património afeto a um fim, em

que se deve assegurar que este é suficiente para a sua prossecução. As fundações

assentam num objetivo a concretizar, instituído pelo fundador (Rocha, 2013).

Cooperativas – são entidades, pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de

capital e composição variável, que através da cooperação e entreajuda dos seus

membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a

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satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles

(Lei n.º 51/96, de 7 de setembro).

Associações Mutualistas – são constituídas por um número ilimitado de associados,

capital indeterminado e duração indefinida que, essencialmente através da quotização

dos seus associados, praticam, no interesse destes e das suas famílias, fins de auxílio

recíproco (DL n.º 72/90, de 3 de março).

IPSS - são pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por

iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral

de justiça e solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos

cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo

público, regendo a sua implementação pelos princípios orientadores da Economia

Social (DL nº 119/83, de 25 de fevereiro).

2. A Fiscalidade das Entidades Sem Fins Lucrativos

Sendo a fiscalidade uma das áreas que maior impacto causa no seio de uma sociedade, seja ela

de que setor for, torna-se deveras importante ter-se um certo conhecimento sobre esta

temática. No caso que ora nos ocupa, segundo Ribeiro & Santos (2013), é essencial um

conhecimento aprofundado e atualizado da doutrina fiscal, por parte dos órgãos superiores e

responsáveis pela gestão deste tipo de entidades.

As ESFL, apesar de não prosseguirem atividades que visem o lucro, são consecutivamente

entidades sujeitas a diversos impostos, podendo obter isenções ou tratamento específico

relativamente a cada imposto. Em Portugal, tal como em muitos outros países, as ESFL

gozam de alguns benefícios fiscais, havendo também relevância fiscal para as

doações/donativos a favor destas entidades. No entanto, também em Portugal, à semelhança

de outros países, a tendência é para recusar os benefícios fiscais às ESFL quando estejam em

causa atividades de natureza comercial. Da mesma forma, alguns dos benefícios fiscais que

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estão previstos para as ESFL dependem do cumprimento de alguns requisitos,

designadamente a exigência de uma finalidade não lucrativa e a não distribuição de

resultados.

Em face do anteriormente exposto, podemos afirmar que as entidades não comerciais, desde o

momento da sua criação e do seu pleno funcionamento, interagem de diversas formas com os

vários impostos e as diversas matérias fiscais encontram-se repartidas pelos vários códigos

dos impostos e legislação avulsa, não existindo assim um regime fiscal que concentre toda a

informação dos benefícios e isenções aplicáveis a este setor (Antão et al., 2012).

Ficamos para já com a ideia de que as entidades da economia social têm obrigações e deveres

fiscais para cumprir, mas ao mesmo tempo também são detentoras de incentivos fiscais.

O nosso objetivo no ponto seguinte é analisar a situação em concreto da aplicação do IVA às

ESFL.

2.1. A aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado às Entidades Sem Fins

Lucrativos

O IVA é considerado um imposto sobre o consumo cuja base tributária corresponde ao valor

acrescentado nas diversas fases do circuito económico devido ao facto de os diversos agentes

económicos repercutirem na fase seguinte o imposto sobre as suas transações, deduzindo o

imposto que suportaram na fase imediatamente anterior, caraterizando assim este imposto

num imposto neutro (Antão et al., 2012). De acordo com Palma (2015:43) “[o] IVA é

caracterizado, essencialmente, como um imposto indireto, de matriz europeia, plurifásico,

que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através do método subtractivo

indirecto”.

Travanca (2009) reforça que o IVA é um imposto geral que tributa, tendencialmente, todas as

transmissões de bens e prestações de serviços, abrangendo todas as fases do circuito

económico, afirmando-se como um imposto plurifásico, dado que há incidência de imposto

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em todas as fases do circuito económico (Produtor – Grossista – Retalhista – Consumidor

Final). Xavier de Basto (1991) salienta que ao atuar nas diversas fases do circuito económico

sobre o valor acrescentado, permite o designado efeito de anestesia fiscal. Segundo Vasques

(2015), o que diferencia um imposto cumulativo de um imposto não cumulativo, prende-se

com o facto de cada operador apenas pagar imposto na proporção do que a sua atividade

acrescenta. Em termos muito genéricos, cada sujeito passivo, nas diversas etapas do circuito

económico que atravessa, apura o IVA a entregar ao Estado deduzindo ao IVA liquidado o

imposto suportado na aquisição de matérias e serviços necessários à realização das atividades.

Ficou reconhecido que este mecanismo de liquidação e dedução permite garantir a tributação

do valor acrescentado no decurso do circuito, evitando efeitos cumulativos do imposto

(Ribeiro & Santos, 2013). Tal se deve ao apuramento do imposto ser feito através do método

subtrativo indireto, também designado de método do crédito de imposto ou método das

faturas, de acordo com o qual cada sujeito passivo entrega ao Estado em cada período de

imposto a diferença entre o IVA liquidado nas operações ativas que realizou e o IVA

deduzido nas aquisições de bens e serviços adquiridos para o exercício da atividade tributada

(Lança, 2017). Este método encontra-se consagrado no artigo 19.º do CIVA. Xavier de Basto

(1991: 41) chama-o “a trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”.

Vasques (2015) entende que o método do crédito de imposto é o principal elemento estrutural

do IVA, dado que previne a tributação em cascata, característica dos impostos cumulativos.

Refira-se, ainda, que o princípio da neutralidade é a base de toda a conceção do IVA. Tendo

em consideração Vasques (2015), este princípio tem por base uma não interferência nas

decisões dos agentes económicos. Ainda assim, entende que o mesmo tem que ser conjugado

com o da igualdade, caso contrário estará a dar-se maior relevo ao conceito de agente

económico e menos ao de cidadão. No mesmo sentido, Travanca (2009) entende que o IVA é

neutro nas operações internas na medida em que não fomenta distorções concorrenciais e de

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mercado, ao contrário dos impostos cumulativos. Palma (2009) conclui, simplificando, que a

neutralidade implica a não influência por parte do imposto nas escolhas dos agentes

económicos, sendo uma pedra de toque do próprio imposto, tal como foi concebido e

desenhado. Palma (2015:81) reforça ainda que “é à luz deste princípio basilar que o imposto

deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta

uma sã concorrência no espaço da União Europeia”.

Com base no disposto no art. 2º n.º 1 do Código do IVA (CIVA), a definição de sujeito

passivo de IVA abarca todas as pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade

económica, seja ela de produção, comércio ou prestação de serviços, pelo que podemos

afirmar que as ESFL se consideram entidades sujeitos passivos de IVA que praticam

operações sujeitas a IVA nos termos gerais.

Sem prejuízo, de acordo com Ribeiro e Santos (2013) e Santos et al. (2015), esta definição

desvaloriza o fim da entidade prosseguida e os resultados financeiros obtidos pela mesma,

nomeadamente no que respeita à obtenção do lucro, ou seja, o facto de a mesma ser

qualificada como ESFL não interfere no enquadramento como entidade sujeito passivo de

IVA.

2.1.1. Isenções em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado

As ESFL encontram-se obrigadas ao cumprimento das disposições estabelecidas no CIVA na

medida em que são sujeitos passivos do imposto. Recorde-se que, de acordo com o artigo 2.º,

n.º 1, al. a) do CIVA, e conforme é reforçado por PALMA (2015), a qualidade de sujeito

passivo relativamente às operações realizadas em território nacional depende da verificação

de, pelo menos, três requisitos: o exercício de uma atividade económica, que a mesma seja

exercida de modo independente e a irrelevância do respetivo fim ou resultado da atividade.

Contudo, verificamos que grande parte das atividades desenvolvidas por estas entidades da

economia social beneficiam3 de isenção, embora sejam isenções incompletas.

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Cumpre-nos clarificar que: são isenções incompletas aquelas em que não se liquida imposto

nas transmissões de bens ou prestações de serviços, mas também não se deduz o IVA

suportado para a realização dessas mesmas atividades (é o caso das isenções estabelecidas no

art. 9º do CIVA); e isenções completas aquelas em que os sujeitos passivos não liquidam

imposto nas suas operações ativas mas podem deduzir o imposto suportado nas suas

operações passivas [são exemplo as isenções praticadas nas exportações e nas transmissões

intracomunitárias de bens referidas no art. 20º do CIVA e 19.º, n.º 2 do Código do Regime do

IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI)].

É dito por vários autores que a consagração das isenções incompletas distorce na prática a

caraterística neutra do imposto e induz à existência de um IVA “oculto” no preço dos bens

e/ou serviços prestados1.

As ESFL na qualidade de consumidoras não têm direito a qualquer isenção, no entanto, de

acordo com o descrito em alguns n.os

do art. 9º do CIVA, enquanto prestadoras de serviços

são contempladas com isenções objetivas, relativamente a certos serviços prestados, tais

como:

As transmissões de bens e as prestações de serviços ligadas à segurança e assistência

sociais e as transmissões de bens com elas conexas, efetuadas pelo sistema de

segurança social, incluindo as IPSS. Da mesma isenção beneficiam as pessoas físicas

ou jurídicas que efetuem prestações de segurança ou assistência social por conta do

respetivo sistema nacional, desde que não recebam em troca das mesmas qualquer

contraprestação dos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços (n.º 6)2;

1 A este propósito revemo-nos em Palma (2015) ao concluir que sempre que se concebe uma isenção de IVA

simples ou incompleta temos uma quebra do princípio da neutralidade devendo questionar-se até que ponto essa

quebra é ou não aceitável. Este tipo de isenções apresenta uma dupla via de distorção do mercado: por um lado,

pelo menos em teoria, pode colocar os serviços prestados por estas entidades numa posição privilegiada face ao

fornecimento de serviços idênticos por entidades que não gozem da isenção; mas, por outro lado, tratando-se de

isenções simples, impedem estas entidades de exercerem o direito à dedução do IVA que suportam nas suas

aquisições, obrigando-as a repercutir esse IVA (oculto) nos preços que praticam. 2 Veja-se a Informação nº 1305 de 18/02/1992 que esclarece que serão consideradas transmissões de bens e

prestações de serviços ligadas à segurança social e assistência social efetuadas pelas IPSS todas aquelas

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As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas

no exercício da sua atividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de

atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de

meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para

crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos,

centros de dia e centros de convívio para idosos, colónias de férias, albergues de

juventude ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito

público ou IPSS ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas

autoridades competentes, ainda que os serviços sejam prestados fora das suas

instalações (n.º 7)3;

Serviços efetuados por organismos sem finalidade lucrativa que explorem instalações

destinadas à prática de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação

física (n.º 8)4;

Locações de livros e outras publicações, partituras musicais, discos, bandas

magnéticas e outros suportes de cultura, desde que efetuadas por organismos sem

finalidade lucrativa (n.º 12);

Visitas (guiadas ou não) a bibliotecas, arquivos, museus, galerias de arte, castelos,

palácios, monumentos, parques, perímetros florestais, jardins botânicos, zoológicos e

semelhantes, pertencentes ao Estado ou organismos sem finalidade lucrativa (n.º 13);

operações que tais entidades realizem no âmbito de acordos estabelecidos nos termos da Lei 28/84, de 14/8,

sendo por sua vez consideradas como transmissões de bens com elas conexas todas as transmissões de bens cuja

complementaridade com as referidas operações se revele imprescindível à boa execução dos aludidos acordos.

Por outro lado, a Informação nº 1716 de 07/04/1989 veio clarificar que a expressão qualquer contraprestação dos

adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços deve entender-se como contraprestação recebida dos próprios

utentes do sistema nacional de segurança social ou assistência social mas não de organismos públicos tais como

o Centro Regional de Segurança Social. 3 Vejam-se, a este propósito, os Ofícios-circulados nº 115934, de 19/12/1988 e nº 30071, de 24/06/2004.

4 A propósito desta isenção tenha-se em consideração a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia

(TJUE) no processo C-253/07, de 16/10/2008.

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Congressos, colóquios, conferências, seminários, cursos e manifestações análogas de

natureza científica, cultural, educativa ou técnica, efetuados por pessoas coletivas de

direito público e organismos sem finalidade lucrativa (n.º 14);

As prestações de serviços efetuadas no interesse coletivo dos seus associados por

organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objetivos

de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa,

desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única

contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos (n.º 19)5;

As prestações de serviços efetuadas por cooperativas que, não sendo de produção

agrícola, desenvolvam uma atividade de prestação de serviços aos seus associados

agricultores (n.º 34);

As prestações de serviços a seguir indicadas quando levadas a cabo por organismos

sem finalidade lucrativa que sejam associações de cultura e recreio: a) cedência de

bandas de música; b) sessões de teatro; c) ensino de ballet e de música (n.º 35);

Manifestações ocasionais destinadas à angariação de fundos (n.º 20).

Perante o exposto, para que de uma isenção objetiva possam as ESFL beneficiar, estas têm de

ser praticadas por IPSS, pessoas de utilidade social reconhecida ou por organismos sem

finalidade lucrativa. Importa notar que o conceito de organismos sem finalidade lucrativa é

próprio do IVA, ao contrário das IPSS e pessoas de utilidade pública que se regem por

estatutos e regulamentos próprios (Antão et al., 2012; Ribeiro & Santos, 2013).

Com base no disposto no art. 10º do CIVA, para efeitos de isenção apenas são consideradas

ESFL as que verificarem cumulativamente os quatro requisitos estabelecidos no CIVA:

5 Veja-se, a este respeito, o Despacho do Subdiretor-geral da AT proferido no processo A4192005037.

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“a) Não distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham interesse direto ou

indireto nos resultados da exploração6;

b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à

disposição dos serviços fiscais;

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou preços inferiores aos

exigidos a empresas comerciais sujeitas de imposto; e

d) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto.”

Este regime de isenção não se pode considerar completo, uma vez que o imposto suportado

nas operações a montante (na aquisição de bens ou serviços), não pode ser repercutido no

imposto suportado a jusante (prestação de serviços), contrariamente ao que acontece nas

entidades comerciais, ou seja, nem todas as operações praticadas por ESFL se encontram

obrigatoriamente isentas de IVA. Há situações em que a entidade pratica atividades que não

estão abrangidas pelo art. 9º do CIVA e como tal, pratica atividades suscetíveis de liquidação

de IVA (Antão et al., 2012; Silva, 2016).

Nos casos em que ocorre a obrigação de liquidação de IVA poderemos estar perante um

regime especial de isenção, composto por duas isenções adicionais: uma ligada às

manifestações ocasionais para angariação de fundos (através da realização de eventos que

contribuam para a angariação de verbas que permitam a prossecução das atividades

estatutárias)7; e outra relacionada com a isenção constante do art. 53º do CIVA, que consiste

6 De acordo com o artigo 133º, al. a) da Diretiva IVA – 2006/112, não distribuir lucros significa que estas

entidades não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros em

caso algum ser distribuídos mas sim afetados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas. No mesmo

sentido a jurisprudência do TJUE processo C-174/00, de 21/03/2002.

Nos termos da mesma Diretiva (artigo 133.º, al. b)), não ter um interesse direto ou indireto nos resultados da

exploração inclui também que estas entidades sejam geridas e administradas essencialmente a título gratuito. A

este respeito, o TJUE pronunciou-se no processo C-267/00, de 21/03/2002 concluindo que a expressão

“essencialmente a título gratuito” diz respeito tanto aos membros que compõem os órgãos incumbidos das

tarefas de gestão e administração de um organismo como às pessoas que, sem serem designadas nos estatutos,

exercem efetivamente a sua direção bem como à retribuição que estas recebem desse organismo. 7 Nos termos do Despacho Normativo 118/85, para efeitos da isenção do n.º 20 do art. 9º do CIVA, é fixado em

8 o número anual de manifestações ocasionais promovidas por entidades cujas atividades habituais se encontram

isentas nos termos dos n.os 2), 6), 7), 8), 9), 10), 12), 13), 14) e 19) do referido artigo; a isenção referida incidirá

não só sobre o direito de acesso às manifestações e aos espetáculos realizados, mas também sobre o conjunto das

15

numa isenção para as ESFL, nas suas atividades sujeitas a IVA, desde que não ultrapassem o

montante de € 10.000,00 de vendas ou prestações de serviços anuais8. A título

exemplificativo, uma ESFL que desenvolva atividades isentas de imposto com base no art. 9º,

e que desenvolva também uma atividade secundária, nomeadamente a exploração de um bar,

apenas deverá ter em conta para a inclusão neste regime de isenção do art. 53º, o volume de

negócios realizado pela exploração do bar, sendo esta a sua atividade não isenta.

Note-se que hoje, no âmbito do chamado marketing social, muitas ESFL procuram outras

atividades complementares como forma de obtenção de novas receitas. Tratando-se de

manifestações ocasionais, que possam ser consideradas no âmbito da isenção do art. 9º, n.º 20

do CIVA, os rendimentos obtidos nessas atividades ocasionais gozarão de isenção de IVA.

No entanto, se se tratar de atividades empresariais (comerciais, industriais, prestações de

serviços) não abrangidas por qualquer das isenções do art. 9º do CIVA, praticadas de forma

habitual e reiterada, estarão sujeitas a IVA nos termos normais, fazendo com que as ESFL

possam, nestes casos, ser sujeitos passivos mistos.

2.1.2. Apuramento do Imposto sobre o Valor Acrescentado

Conforme se tem vindo a falar ao longo deste capítulo, as ESFL, embora sujeitos passivos de

IVA, beneficiam maioritariamente nas suas atividades de isenção deste imposto, apesar de

serem contempladas com uma isenção incompleta.

Assim, se as atividades desenvolvidas pelas ESFL forem todas isentas e não conferirem

direito à dedução conforme as elencadas anteriormente, podemos afirmar que as entidades

serão enquadradas para efeitos de imposto como sujeitos passivos de IVA totalmente isentos

nos termos do art. 9º do CIVA, pelo que não haverá valores nem a receber nem a pagar ao

receitas recebidas pelas entidades beneficiárias relativamente às diversas operações efetuadas nessa ocasião,

como, por exemplo, bufete, bar, aluguer de stands, venda de programas, lembranças, receitas publicitárias, etc. ;

deverão as entidades referidas participar previamente tal facto à repartição de finanças da área da sede,

indicando, nomeadamente, o local, a data e o género de manifestação a realizar. 8 Contudo, para ter acesso à isenção do art. 53º é necessário que as ESFL não possuam ou não sejam obrigadas a

possuir contabilidade organizada (Volume de negócios inferior a € 150.000,00), nem pratiquem importações ou

exportações).

16

Estado9. De referir, ainda, que por força da al. a) do n.º 3 do art. 29º do CIVA, os sujeitos

passivos totalmente isentos estão dispensados de algumas obrigações fiscais em sede deste

imposto, como por exemplo da emissão de fatura e do envio da Declaração Periódica de IVA.

Considerando a possibilidade de haver entidades que possuam os dois tipos de atividades, ou

seja, as isentas já referidas e as não isentas, ainda que abrangidas pelos seus estatutos, mas

não enquadradas nas compreendidas pela isenção, ficam sujeitas a pagar o imposto recebido a

jusante ou a receber o suportado a montante, com base no saldo dos dois (Santos et al., 2015).

Significa então que são entidades consideradas sujeitos passivos mistos, uma vez que

realizam operações que conferem o direito à dedução e ao mesmo tempo, operações que não

conferem o direito à dedução, nos termos do art. 20º do CIVA. A dedução do imposto

suportado na aquisição de inputs de utilização mista, ou seja, de utilização em ambos os tipos

de atividade, deverá ser determinada com base no disposto no n.º 1 do art. 23º, ou seja,

tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não

decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na al. a) do n.º 1 do art. 2º, o

imposto não dedutível é determinado pelo método da afetação real; situação contrária

acontece quando um bem afeto à realização de operações referidas na al. a) do n.º 1 do art. 2º,

que não confira o direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem10

correspondente

ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (apurado segundo o método do

pró-rata). Pode, no entanto, optar pela utilização da afetação real.

A percentagem calculada é aferida com base nos valores dos montantes das operações

realizadas no ano anterior, tal como a dedução que daí advém, o que exige que haja

9 Não queremos deixar de introduzir aqui uma nota para a problemática dos subsídios. Muitas vezes estas

entidades são beneficiárias de subsídios públicos. A problemática do enquadramento dos subsídios em IVA

reveste-se de alguma complexidade particularmente pela ausência de harmonização nesta matéria dentro da

União Europeia e na desigualdade de incluir ou não os subsídios no cálculo do pro rata. 10

Esta percentagem corresponde a uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, excluído de

imposto das operações que dão lugar a dedução, e no denominador, o montante anual, excluído de imposto de

todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo que resultem do exercício de uma atividade económica (art. 23º

n.º 4 do CIVA).

17

posteriormente uma correção de modo a regularizar as deduções efetuadas de acordo com os

valores definitivos referentes ao ano a que se reportam11

.

Quanto ao método da afetação real, este tem o objetivo de apurar o IVA dedutível mediante a

aplicação de critérios objetivos12

que se baseiem no grau de utilização real dos bens e serviços

que constituem as operações que conferem e não conferem direito à dedução. Desta forma,

apura-se uma proporção considerada representativa da real utilização desses bens e serviços

que possa ser aplicada ao IVA suportado na aquisição desses mesmos bens e serviços de

utilização mista (Cabrita, 2013). Esta determinação deverá ser adaptada à situação e

organização da ESFL e à natureza das operações. No que respeita ao critério para medir o

grau de utilização, este terá de ser apurado caso a caso, bem a bem e/ou serviço a serviço.

É exemplo desta situação uma Associação Cultural e Recreativa que, para além das suas

atividades próprias e isentas pelo art. 9º do CIVA, explora um bar, se bem que destinado aos

seus associados. O material para a sede e os bens para o bar são de fácil identificação, no

entanto existe apenas um contador de luz e de água para ambos os serviços. Coloca-se aqui a

questão de qual o valor a imputar de luz e água para cada serviço, uma vez que são usados em

ambos os departamentos da Associação. Estamos, neste caso, perante bens e serviços que

serão alvo de uma utilização mista nas várias atividades realizadas, pelo que será, então,

necessário que esta ESFL se auxilie do disposto no art. 23º do CIVA, e defina qual o método

a utilizar para a dedução do imposto suportado, mais concretamente, se o método do pró-rata

ou da afetação real 13

. Assim, estamos na presença de uma situação residual que terá de ser

tratada de forma diferente, através do recurso a uma chave de repartição a aplicar

11

As ESFL que iniciem ou alterem consideravelmente a sua atividade podem deduzir o imposto com base numa

percentagem provisória estimada. 12

São exemplos de critérios objetivos a área ocupada, o n.º de elementos do pessoal afeto, a massa salarial, as

horas-máquina, as horas-homem, etc. (Ofício Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008). 13

Saliente-se que, sempre que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, ou quando da aplicação

do método do pró-rata derivem distorções significativas na tributação, a Autoridade Tributária (AT) poderá

obrigar os sujeitos passivos a utilizarem o método da afetação real (n.º 3 do art. 23º).

18

especificamente a um conjunto de bens ou serviços (Ofício Circulado n.º 30103, de 23 de

abril de 2008).

Em regra, quando os bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo misto contribuam,

exclusivamente, para a realização de uma atividade sujeita a IVA e dele não isenta, o imposto

suportado na aquisição desses mesmos bens e serviços será dedutível na sua totalidade, com

exceção dos casos previstos pelo art. 21º do CIVA.

2.1.3. Regime fiscal das ofertas em sede de IVA na ótica das empresas comerciais

Diariamente, diversas ESNL recebem amostras e ofertas de empresas, em representação de

um simples contributo ou em jeito de publicidade aos produtos disponíveis para venda.

Enquanto recetoras destas ofertas, as ESFL, em sede deste imposto nada têm que fazer. Já na

ótica das empresas, pode ou não existir uma situação de tributação das ofertas em espécie

efetuadas. Vejamos, pois, que o CIVA, no seu art. 3º, n.º 3, al. f), considera transmissões de

bens as transmissões gratuitas de bens da empresa, quando, relativamente aos mesmos,

tenham havido dedução total ou parcial do imposto14

. Esta definição abrange a afetação de

bens a fins alheios à atividade, tais como, a afetação de bens ao empresário, e as transmissões

gratuitas, incluindo-se aqui, as amostras, as ofertas e os prémios concedidos.

Contudo, ao abrigo do n.º 7 do art. 3º do CIVA, não há sujeição a imposto, ainda que tenha

havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão

gratuita, nos casos em que se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a €

50,00 e cujo valor anual não exceda cinco por mil do Volume de Negócios do sujeito passivo

no ano civil anterior.

14

Face ao disposto no art. 3º, se não houve prévia dedução de IVA, então não haverá obrigação de liquidar IVA,

até porque no caso de existir dedução, a liquidação posterior, no momento da afetação, será feita com base no

preço de custo, logo, o IVA liquidado serve apenas para anular o IVA indevidamente deduzido, liquidando-se,

em princípio, exatamente o mesmo valor de IVA que previamente se deduziu.

19

Porém, se o valor das ofertas ultrapassar os € 50,00, ou sendo ultrapassado o limite anual,

deverá ser liquidado o respetivo IVA a não ser que não tenha sido exercido o direito à

dedução dos correspondentes bens.

Pelo exposto, podemos afirmar que as ofertas em espécie atribuídas às ESFL pelas empresas

são sujeitas a IVA, a não ser que sejam consideradas ofertas de pequeno valor.

Porque se trata de uma liquidação efetiva de imposto, estas operações devem ser relevadas na

respetiva Declaração Periódica de IVA das entidades que efetuam as ofertas.

Note-se, no entanto, que quando sujeitas a IVA, estas ofertas podem ficar isentas de IVA,

tratando-se, neste caso, de uma isenção completa para as empresas que as fazem. Tal deve-se

ao previsto no artigo 15, n.º 10 do CIVA que prevê que estão isentas de imposto as

transmissões de bens a título gratuito, para posterior distribuição a pessoas carenciadas,

efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não-

governamentais sem fins lucrativos; as transmissões de livros a título gratuito efetuadas aos

departamentos governamentais nas áreas da cultura e da educação, a instituições de caráter

cultural e educativo, a centros educativos de reinserção social e a estabelecimentos

prisionais; assim como as transmissões de bens a título gratuito efetuadas a entidades

integradas na Rede Portuguesa de Museus e destinadas a integrar as respetivas coleções.

2.1.4. Restituição do IVA às Instituições Particulares de Solidariedade Social

Apesar da impossibilidade de deduzir o imposto suportado na aquisição de bens e serviços,

tem sido possível para as IPSS a sua recuperação através da restituição do IVA suportado em

algumas aquisições.

Este regime foi pela primeira vez aprovado pelo DL n-º 20/90, de 13/01, que aprovou algumas

isenções de IVA à Igreja Católica e às IPSS, através da restituição pelo Serviço de

Administração do IVA do imposto suportado em algumas importações e aquisições de bens e

serviços. Quanto às IPSS (artigo 2º daquele DL), previa-se a restituição do IVA relativo aos

20

bens e serviços relacionados com [a)] a construção, manutenção e conservação dos imóveis

utilizados, total ou principalmente na prossecução dos seus fins estatutários, constantes de

faturas ou documentos equivalentes, de valor não inferior a 200.000$00 (€ 997,60), com

exclusão do imposto.

Este regime foi posteriormente alargado às [b)] aquisições de bens ou serviços relativos a

elementos do ativo imobilizado corpóreo sujeitos a deperecimento utilizados única e

exclusivamente na prossecução dos respetivos fins estatutários, com exceção de veículos e

respetivas reparações, desde que constantes de faturas de valor unitário não inferior a

20.000$00 (€ 99,76), com exclusão do IVA, e cujo valor global, durante o exercício, não

fosse superior a 2.000.000$00 (€ 9.975,96), com exclusão do IVA; [c)] às aquisições de

veículos automóveis novos, ligeiros de passageiros ou de mercadorias, para utilização única e

exclusiva na prossecução dos respetivos fins estatutários, desde que registados em seu nome,

não podendo o reembolso exceder 500.000$00 (€ 2.493,99); [d)] às aquisições de veículos

automóveis pesados novos utilizados única e exclusivamente na prossecução dos respetivos

fins estatutários, desde que registados em seu nome, não podendo o reembolso exceder

1.500.000$00 (€ 7.481,97) e [e)] às reparações de veículos utilizados única e exclusivamente

na prossecução dos respetivos fins estatutários, desde que registados em seu nome e

constantes de faturas de valor global não superior, durante o exercício, a 100.000$00 (€

498,80) com exclusão do IVA.

Posteriormente, a Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (artigo 130º, n.º 1) revogou aquele regime

prevendo, no entanto, que o direito à restituição de um montante equivalente ao IVA

suportado pelas IPSS previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 20/90 se

mantinha em vigor no que respeita às operações que se encontrassem em curso em 31 de

Dezembro de 2010, bem como às que no âmbito de programas, medidas, projetos e ações

objeto de cofinanciamento público com suporte no Quadro de Referência Estratégico

21

Nacional, no Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração

Central ou nas receitas provenientes dos jogos sociais, estivessem naquela data a decorrer, já

contratualizadas ou com decisão de aprovação da candidatura.

No ano 2011, a Lei nº 64-B/2011 (OE/2012) repristinou o DL nº 20/90 introduzindo-lhe

algumas alterações, ficando consagrado que a restituição prevista nas alíneas a) e b) do n.º 1

do artigo 2.º daquele DL passasse a ser feita em montante equivalente a 50% do IVA

suportado, exceto nos casos de operações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 130º da Lei nº 55-

A/2010, de 31/12, relativamente às quais se manteve em vigor o direito à restituição de um

montante equivalente ao IVA suportado. Este regime foi mantido em vigor pelas Lei do OE

para 2013, 2014, 2015 e 2017.

Mais recentemente, o DL nº 84/2017, de 21/7 veio regular o benefício concedido às Forças

Armadas, às forças e serviços de segurança, aos bombeiros, à Santa Casa da Misericórdia de

Lisboa e às IPSS, através da restituição total ou parcial do montante equivalente ao IVA

suportado em determinadas aquisições de bens e serviços, introduzindo também medidas de

simplificação dos procedimentos de restituição. O artigo 2º daquele DL prevê, então caso das

IPSS, a restituição do IVA [i)] da construção, manutenção e conservação dos imóveis

utilizados, total ou principalmente, na prossecução dos fins estatutários; [ii)] de elementos do

ativo fixo tangível sujeitos a deperecimento utilizados única e exclusivamente na prossecução

dos respetivos fins estatutários, com exceção de veículos e respetivas reparações; [iii)] de

aquisições de bens ou serviços de alimentação e bebidas no âmbito das atividades sociais

desenvolvidas. O artigo 3º daquele DL estabeleceu os seguintes limites: € 1.000 com exclusão

do IVA para os bens e serviços previstos na subalínea i) da alínea c) do n.º 1 do artigo 2º; €

100 com exclusão do IVA para os bens e serviços previstos na subalínea ii) da alínea c) do n.º

1 do artigo 2º e cujo valor global durante o exercício não seja superior a € 10.000 com

exclusão do IVA e sem qualquer limite para os bens e serviços previstos na subalínea iii) da

22

alínea c) do n.º 1 do artigo 2º. O artigo 4º do mesmo DL prevê que no caso das IPSS o

montante restituído é de 50% do valor equivalente ao IVA suportado nas aquisições internas,

nas importações e nas aquisições intracomunitárias. O mesmo diploma simplificou o

procedimento de restituição passando a prever que o pedido de restituição é apresentado pelo

beneficiário, por transmissão eletrónica de dados, a partir do segundo mês seguinte à emissão

dos documentos de suporte, até ao termo do prazo de um ano da data de emissão daquele,

devendo o pedido de restituição reportar-se a períodos mensais, englobando a totalidade dos

documentos de suporte. Para o efeito, constituem documentos de suporte as faturas emitidas

nos termos do CIVA e comunicadas pelo sujeito passivo à AT, as declarações aduaneiras de

importação, bem como os documentos previstos no n.º 1 do artigo 27º do Regime do IVA nas

Transações Intracomunitárias.

2.1.5. Obrigações Declarativas

Conforme verificado anteriormente, as ESFL estão sujeitas a imposto e como tal, abrangidas

pelas regras de incidência do CIVA e obrigadas a cumprir as suas disposições.

De acordo com o estipulado no n.º 1 do art. 29º do CIVA, são obrigações declarativas dos

sujeitos passivos do imposto a entrega de uma declaração de início, de alterações ou de

cessação de atividade; a emissão de fatura; comunicar os elementos das faturas; o envio da

declaração periódica; o envio da declaração recapitulativa; e o apuramento do imposto.

Declaração de início, de alterações e de cessação de atividade

A declaração de início de atividade deve ser apresentada pelos sujeitos passivos, no prazo de

90 dias a contar da data de inscrição no Registo Nacional de Pessoas Coletivas; ou, nos casos

em que o sujeito passivo se encontra sujeito a registo comercial, no prazo de 15 dias a contar

da data da apresentação a registo na Conservatória do Registo Comercial (art. 31º do CIVA).

23

No que concerne à Declaração de alterações de atividade, esta, segundo o disposto no art. 32º

do CIVA, deve ser apresentada pelo sujeito passivo, no prazo máximo de 15 dias a contar da

data das alterações aos elementos constantes na declaração de início de atividade.

Já no que se refere à Declaração de cessação da atividade, esta deve ser apresentada pelo

sujeito passivo no prazo de 30 dias a contar da data da cessação (art. 33º do CIVA).

Ainda com base no disposto no CIVA, no seu art. 35º, apuramos que a apresentação destas

declarações deve ser formalizada pelos sujeitos passivos, através de transmissão eletrónica de

dados, ou num serviço de finanças, ou em local equiparado legalmente autorizado para o

efeito.

Declaração periódica

Os sujeitos passivos de IVA encontram-se obrigados ao envio de uma declaração relativa às

operações realizadas no exercício da sua atividade, onde se indica o imposto devido ao Estado

ou o imposto a receber e ainda os elementos que serviram de base ao respetivo apuramento.

Falamos então da Declaração Periódica de IVA, cujos prazos de envio se encontram

estabelecidos nas al. a) e b) do n.º 1 do art. 41º do CIVA.

Importa também notar que, nos casos em que as ESFL apenas pratiquem operações isentas de

imposto, estas encontram-se dispensadas da obrigação de envio da Declaração Periódica de

IVA. Contudo, excecionam-se as mesmas quando estas praticam operações que deem lugar a

dedução de imposto (art. 29º n.º 3 al. a) do CIVA).

Note-se que, se por motivos de alteração da atividade o sujeito passivo passar a praticar

exclusivamente atividades isentas que não conferem o direito à dedução, a dispensa do envio

da Declaração Periódica produz efeitos a partir do dia 1 de janeiro do ano civil seguinte

àquele em que foi apresentada a Declaração de alterações (art. 29º n.º 4 do CIVA).

Declaração Recapitulativa

24

No quadro das obrigações declarativas deparamo-nos também com uma outra declaração de

apresentação obrigatória para todas as entidades, muito semelhantes em termos de aplicação à

Declaração Periódica de IVA, mas com a particularidade de ser enviada sempre que a

entidade pratique transmissão de bens e/ou prestações de serviços a países pertencentes ao

grupo dos Estados-Membro da União Europeia, atividades vulgarmente designadas por

Transmissões Intracomunitárias de bens (TIB) e Prestações de Serviços Intracomunitárias

(art. 29º n.º 1 do CIVA e art. 23º n.º 1 al. c) do RITI.

De realçar o facto de que quando a entidade é obrigada ao envio da declaração trimestral ter

em atenção os valores limite estabelecidos para as TIB, porque caso a entidade pratique

transmissões de bens e estas sejam superiores a € 50.000,00 no trimestre, passam

automaticamente no mês seguinte a ter de ser enviadas mensalmente. Tal situação não se

verifica com as prestações de serviços, pois estas não têm valor limite. Para além do limite

suprarreferido deve ter-se em atenção também os valores estabelecidos para a determinação

da data de entrega, se mensal ou se trimestral, conforme as normas dispostas nas al. a) e b) do

n.º 1 do art. 30º do RITI.

Resumindo, a Declaração Recapitulativa deve ser enviada pelas ESFL sempre que se

pratiquem TIB isentas nos termos do art. 14º do RITI; ou operações triangulares em que

Portugal seja o Estado-Membro intermediário; e ainda, sempre que se pratiquem prestações

de serviços a sujeitos passivos cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio

para o qual os serviços são prestados, se situe noutro Estado-Membro da UE, quando tais

prestações de serviços não sejam tributáveis em território nacional em resultado da aplicação

do referido no art. 6º n.º 6, al. a) do CIVA.

Seja qual for a ótica, note-se que a obrigação de entrega desta declaração só se verifica

relativamente aos períodos em que ocorram TIB e/ou prestações de serviços.

Obrigação de faturação

25

Conforme refere a legislação, mais concretamente a al. b) do n.º 1 do art. 29º do CIVA, os

sujeitos passivos estão obrigados a emitir uma fatura ou fatura-recibo, com os requisitos do

art. 36º do mesmo normativo, por cada transmissão de bens e/ou prestação de serviços,

independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou serviços, mesmo nos casos em

que este não a solicite.

No sistema estabelecido não é permitido às entidades sujeitos passivos a emissão de

documentos com natureza diferente de fatura, aquando da transmissão de bens ou prestação

de serviços. Contudo, sempre que o valor da transmissão de bens ou prestação de serviços não

seja superior a € 100,00 e cujo imposto seja devido em território nacional, esta

obrigatoriedade pode ser contornada através da emissão de uma fatura simplificada, cujos

requisitos se encontram mencionados no art. 40º do CIVA.

Bem entendido, uma vez que as ESFL são sujeitos passivos de IVA, verificamos que todas

elas estão sujeitas à emissão de fatura por cada transmissão de bens e/ou prestação de

serviços.

Sem prejuízo do exposto, de acordo com o art. 29º n.º 3 al. a) do CIVA, as ESFL que praticam

exclusivamente operações isentas de imposto (isenção simples) estão dispensadas da

obrigação de emissão de fatura, exceto quando estamos perante operações que conferem

direito à dedução.

Concluímos então desta forma que, no caso das entidades que contêm pelo menos um setor de

atividade sujeito a imposto e dele não isento terão de emitir, obrigatoriamente, uma fatura ou

fatura simplificada de todas as suas operações, ainda que isentas. Tratando-se de entidades

totalmente isentas de imposto (isenção simples do artigo 9.º do CIVA), estas beneficiam da

dispensa de emissão de fatura, tendo apenas a obrigação de emitir recibo ou documento

equivalente em quitação das importâncias recebidas.

Comunicação dos elementos das faturas

26

Para além da obrigatoriedade de emissão de fatura, as entidades com sede ou estabelecimento

estável em território nacional, que pratiquem operações sujeitas a IVA têm atualmente a

obrigação de comunicar os elementos constantes das faturas à AT, conforme resulta do art. 3º

do DL n.º 198/2012, de 24 de agosto, com redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

Estamos em crer que esta obrigação foi criada com o intuito de combater a fraude e a evasão

fiscal, e para além disso, com um bom cruzamento de dados será possível descobrir quais os

sujeitos passivos que vão contra a lei ao emitirem faturas falsas.

A comunicação dos elementos contantes nas faturas deve ser efetuada por transmissão

eletrónica de dados até ao dia 20 do mês seguinte ao da emissão da fatura, não sendo possível

alterar o seu modo de envio no decorrer do ano civil. Não obstante, a comunicação das faturas

à AT por transmissão eletrónica de dados é realizada através de uma das seguintes vias:

Por transmissão eletrónica de dados em tempo real, integrada em programa de

faturação eletrónica;

Por transmissão eletrónica de dados, mediante envio de ficheiro estruturado com base

no ficheiro SAF – T;

Por inserção direta das faturas no portal das finanças; e

Por outra via eletrónica, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças.

Ressalve-se, contudo, que caso as entidades não tenham a obrigação de emissão de fatura

estão totalmente fora desta obrigação, no entanto, caso as entidades estejam isentas da

emissão de fatura mas sejam obrigadas a emitir fatura por exigência dos seus clientes estas já

terão que efetuar a comunicação. No fundo, nesta obrigação declarativa regemo-nos pela

emissão ou não da fatura, esquecendo o facto de ser entidade sujeita ou isenta.

Conclusão

As ESNL têm um papel cada vez mais importante no meio económico-social, criando bases

de apoio, produzindo bens e prestando serviços nas mais diversas áreas sociais. Estas

27

entidades são aquelas que desenvolvem uma atividade sem fins lucrativos, são privadas e

organizadas, não têm como objetivo principal uma atividade comercial, respondem a

objetivos de interesse público, nomeadamente de âmbito social. Além disso, estas entidades

utilizam, não só, os recursos de mercado e financiamentos públicos, mas também os recursos

não monetários que derivam da sociedade civil (Rocha, 2013). As ESFL têm vindo a

desempenhar um papel importante na economia, o que induz a que cada vez mais se reforcem

as exigências de transparência relativamente às atividades e recursos utilizados.

Neste estudo procurámos analisar as particularidades da aplicação do IVA às ESFL

verificando-se que grande parte da atividade desenvolvida pelas ESFL pode ficar abrangida

por alguma das várias isenções contempladas no artigo 9º do CIVA para as operações

internas. Tenha-se, no entanto, em consideração que apesar de estarmos perante isenções

objetivas, isto é, sobre determinadas atividades, por vezes algumas deles contêm também um

elemento subjetivo na medida em que se aplicam apenas a entidades que sejam consideradas

como “organismos sem finalidade lucrativa” sendo que o legislador do IVA, em consonância

do que está definido na Diretiva IVA, não deixou este recorte subjetivo sem definição,

estabelecendo requisitos para percebermos quando estamos perante um desses organismos.

Devemos perceber, também, que nos termos da jurisprudência do TJUE, as expressões usadas

para designar isenções em sede de IVA são de interpretação estrita na medida em que estas

constituem exceções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada entrega de

bens e sobre cada prestação de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo.

Desta forma, a interpretação deve ter em consideração os objetivos prosseguidos pelas

isenções e respeitar as exigências do princípio de neutralidade fiscal inerente ao sistema

comum de IVA. Desta forma, a regra de interpretação estrita não deve ser entendida no

28

sentido de que os termos utilizados para definir as isenções devem ser interpretados de

maneira a privá-las dos seus efeitos15

.

O principal problema no que respeita ao enquadramento fiscal destas entidades poderá

prender-se com a conjugação, a par das atividades de natureza social, de beneficência e

humanitárias, que permitem o reconhecimento de benefícios fiscais, designadamente isenções,

de outras atividades, de natureza empresarial e lucrativa, cada vez mais frequentes nas ESFL

com vista à obtenção de receitas, e que as tornam sujeitos passivos “mistos”. Finalmente,

salienta-se que as ESFL estão sujeitas a diversas obrigações para efeitos de IVA,

designadamente declarativas e de faturação.

Bibliografia

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Francisco, L. (2012). O desempenho das Organizações Sem Fins Lucrativos na perspetiva

dos stakeholders. Tese, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal.

15

Vejam-se, designadamente, os acórdãos do TJUE nos processos C-8/01, de 20/11/2003, C-472/03, de

03/03/2005, C-453/05, de 21/06/2007, C-445/05, de 14/06/2007 e C-461/08, de 19/11/2009.

29

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Legislação e Doutrina Administrativa

Decreto-Lei n.º 119/83. Aprova o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade

Social. Atualização: Decreto-lei, nº 172-A/2014 de 14 de novembro.

Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de janeiro. Restituição de IVA à Igreja Católica e às

instituições particulares de solidariedade social.

Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março. Aprova o Código das Associações Mutualistas.

Decreto-lei nº 84/2017, de 21/7. Simplifica os procedimentos de restituição de IVA às IPSS,

às Forças Armadas, às forças e serviços de segurança e aos bombeiros.

Despacho do Subdiretor-geral da AT, substituto legal do Diretor-Geral, em 15/12/2008,

proferido no processo A4192005037.

Despacho Normativo 118/85, estabelece os limites a abranger pelas isenções referidas na

alínea b) do n.º 19 e no n.º 22 do artigo 9.º do CIVA (atual n.º 20 do artigo 9.º do CIVA).

Fiscal 2018/2019 – Códigos Tributários e legislação conexa, 19.ª edição, Porto Editora.

31

Informação nº 1305 de 18/02/1992 com despacho concordante do subdiretor-geral do IVA da

mesma data.

Informação nº 1716 de 07/04/1989, com despacho concordante do subdiretor-geral do IVA de

05/07/1989.

Lei 42/2016, de 28 de dezembro. Orçamento do Estado 2017.

Lei n.º 51/96, de 07 de setembro. Atualização: Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto. Aprova o

Código Cooperativo

Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 – Orçamento do Estado 2011.

Lei nº 64-B/2011, de 30/12 - Orçamento do Estado 2012.

Ofícios Circulados n.º 30103, de 23 de abril de 2008; nº 115934, de 19/12/1988; nº 30071, de

24/06/2004.

Jurisprudência

Acórdãos do TJUE relativos aos processos C-174/00, de 21/03/2002; C-267/00, de

21/03/2002; C-8/01, de 20/11/2003; C-472/03, de 03/03/2005; C-445/05, de 14/06/2007; C-

453/05, de 21/06/2007; C-253/07, de 16/10/2008; e C-461/08, de 19/11/2009.