a desconsideraÇÃo da personalidade jurÍdica das …siaibib01.univali.br/pdf/marina de oliveira...

95
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL MARINA DE OLIVEIRA MELIM Itajaí, novembro de 2010

Upload: truongxuyen

Post on 14-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UMA ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL

MARINA DE OLIVEIRA MELIM

Itajaí, novembro de 2010

Page 2: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UMA ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL

MARINA DE OLIVEIRA MELIM

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Msc. Queila Jaqueline Nunes Martins

Itajaí, de novembro de 2010

Page 3: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

AGRADECIMENTO

Agradeço imensamente aos meus pais, Erico e Marli, pela educação baseada em trabalho e determinação, que proporcionou a conclusão deste curso; em especial à minha mãe, por tamanha preocupação com este trabalho acadêmico.

Agradeço também aos meus irmãos, Mariana e Jean, e ao meu querido Angelo pelo carinho e os momentos de descontração, bem como a Dalton e Rose pelo apoio e incentivo.

Do mesmo modo, agradeço a Prof. Queila, pelo auxílio prestado nesta pesquisa.

Page 4: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Claudio Melim, por ser meu grande e compreensivo amigo, fiel companheiro, dedicado e carinhoso esposo, uma pessoa definitivamente especial. Afirmo que este trabalho foi concluído devido ao seu apoio e paciência.

Desde já, faço esta dedicatória também a Maria Helena de Oliveira Melim, o nosso anjo.

Page 5: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2010

Marina de Oliveira Melim Graduando

Page 6: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Marina de Oliveira Melim, sob o

título A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias:

uma análise jurisprudencial, foi submetida em 25 de novembro de 2010 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Msc. Queila Jaqueline

Nunes Martins, orientadora e presidente da banca e Msc. Emanuela Cristina de

Andrade Lacerda, examinadora, e aprovada com a nota ___________,

_______________________.

Itajaí, novembro de 2010

Professora Msc Queila Jaqueline Nunes Martins Orientadora e Presidente da Banca

Professora Msc Emanuela Cristina de Andrade Lacerda Examinadora da Monografia

Page 7: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... VII 

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1 

CAPÍTULO 1 ........................................................................................ 3 

A PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ................................................................................... 3 

1.1 PERSONALIDADE JURÍDICA ......................................................................... 3 1.2 A PERSONIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA .............................................. 8 1.3 AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO ...................................... 13 1.4 AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ............................................................... 16 

CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 23 

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DISREGARD DOCTRINE .................................................................. 23 

2.1 BREVE HISTÓRICO ....................................................................................... 23 2.2 AS PESSOAS JURÍDICAS E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ............................................................................. 30 2.3 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ............................................................................. 34 2.4 ASPECTOS PROCESSUAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ............................................................................. 53 

CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 56 

UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .............. 56 

3.1 DIREITO CIVIL ............................................................................................... 56 3.2 DIREITO DO TRABALHO .............................................................................. 64 3.3 DIREITO DO CONSUMIDOR ......................................................................... 70 3.4 DIREITO TRIBUTÁRIO ................................................................................... 74 

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 80 

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 84 

Page 8: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

RESUMO

O presente trabalho aborda uma análise jurisprudencial

acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Destaca as

categorias necessárias para embasar o entendimento do instituto, qual sejam

personalidade jurídica e pessoa jurídica, bem como destaca os aspectos

relevantes acerca da teoria como forma de compreensão da conceituação e

aplicabilidade da teoria no caso concreto, além de demonstrar as divergências

consistentes em cada tema. Por fim, apresenta vários julgados que demonstram

os diferentes entendimentos e pressupostos para a aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica no ramo do direito civil, do direito do

trabalho, do direito do consumidor e do direito tributário.

Page 9: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica.

O seu objetivo é elaborar um estudo acerca da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica com base na norma positivada e no

entendimento doutrinário, bem como analisar a sua aplicabilidade no caso

concreto através da apresentação de julgados de distintos tribunais.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de

apresentar os conceitos para determinadas categorias da parte geral do Direito

Civil, que servem de embasamento teórico para compreensão do instituto da

desconsideração, quais sejam “personalidade jurídica” e “pessoa jurídica”. Além

de demonstrar a personificação da pessoa jurídica, as pessoas jurídicas de direito

privado e as sociedades empresárias.

No Capítulo 2, tratando de trabalhar a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, elucida-se o

histórico do surgimento do instituto, os dispositivos do ordenamento jurídico

brasileiro relativos à teoria, a analise das categorias pertinentes ao entendimento

da aplicabilidade da desconsideração, bem como o destaque dos aspectos

processuais.

No Capítulo 3, tratando de demonstrar a aplicabilidade da

teoria através da analise de julgados de diversos ramos do direito, como o direito

civil, do consumidor, do trabalho e tributário.

As categorias fundamentais para a monografia, bem como

os seus conceitos operacionais serão apresentados no decorrer da monografia.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Page 10: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

2

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Hipótese 1 - A autonomia patrimonial é um direito absoluto,

que não admite, em qualquer hipótese, a equiparação da sociedade com os

sócios que a compõe.

Hipótese 2 - No âmbito do direito civil, do direito do trabalho,

do direito do consumidor e do direito tributário têm que estar, obrigatoriamente,

presentes as causas do art. 50 do Código Civil, ou seja, o abuso da personalidade

jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial para que

seja admitida a desconsideração da personalidade jurídica.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa

Bibliográfica7.

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

Page 11: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

CAPÍTULO 1

A PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

1.1 PERSONALIDADE JURÍDICA

O presente trabalho científico parte do pressuposto de que o

respeito à diversidade e à dinamicidade do conhecimento humano, em especial

do conhecimento jurídico, se apresenta como um requisito necessário para que a

pesquisa seja realizada com o devido cuidado em relação à conceituação das

categorias centrais utilizadas pelo texto, evitando que a compreensão das idéias

aqui expostas seja eventualmente comprometida por percepções semânticas

inadequadas ao contexto teórico no qual está inserida esta monografia.

Sobre isso, Tércio Sampaio Ferraz8 ensina que:

Ao analisarmos a discussão, delimitamos nosso campo de interesse na medida em que nos fixamos no discurso enquanto discussão fundamentante ou discurso que se fundamenta. [...] A discussão fundamentante deve ser entendida como discussão racional. A palavra ‘racional’ é extremamente equívoca e exige uma explicação. Uma discussão é por nós denominada racional quando os agentes do discurso não deixam as ações lingüísticas que executam determinarem-se por elementos exteriores à própria discussão, no sentido de que esses eventuais elementos devam ser postos pela discussão, em termos de mútuo entendimento. [...] Em outras palavras, poderíamos dizer que uma discussão é racional quando os agentes não se deixam determinar por meras emoções ou por meras tradições e costumes. (Grifo nosso)

8 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma

pragmática do discurso jurídico. (p. 29-30)

Page 12: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

4

Assim, este primeiro capítulo inicia destacando

características conceituais pontuais sobre as categorias principais, a fim de

estabelecer uma base semântica mínima que colabore para a identificação segura

dos elementos teóricos que se mostram relevantes para a formulação de um

entendimento doutrinário acerca das características constitutivas da

Personalidade Jurídica no âmbito do Direito Civil brasileiro.

A palavra Personalidade, em sentido comum, representa

basicamente o conjunto de características naturais e culturais que individualizam

uma pessoa perante seu meio social, sendo que isso pode ser constatado através

das definições gerais que lhe atribui o Dicionário Aurélio9:

[...] personalidade [...] 1. Caráter ou qualidade do que é pessoal; pessoalidade. 2. O que determina a individualidade duma pessoa moral. 3. O elemento estável da conduta de uma pessoa; sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra [...].

Essa conceituação coloquial da palavra Personalidade

também tem seu uso científico fortemente amparado pelo desenvolvimento da

Psicologia, tendo em vista o trabalho de construção das chamadas “Teorias da

Personalidade”, para as quais, em sua grande maioria:

A personalidade consiste concretamente em uma série de valores ou termos descritivos que descrevem o indivíduo que está sendo estudado em termos das variáveis ou de dimensões que ocupam uma posição central dentro de uma teoria específica.10

Embora esse significado mais comum da palavra

Personalidade ampare notoriamente o trabalhado de estudiosos da Psicologia, o

mesmo, para efeitos deste trabalho, serve como indicativo para um dos sentidos

jurídicos atribuídos a esta palavra, conforme se pode perceber pela formulação de

9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XX. (p. 1553) 10 HALL, Calvin S; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. (p. 33)

Page 13: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

5

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery11, que, ao definirem o que vem

a ser “Sujeito de direito”, explicam que:

É a pessoa, ou seja, o ente dotado de personalidade. A personalidade civil (CC 2º), ou simplesmente, personalidade, é a qualidade de quem é pessoa e é a marca determinante de individualização do sujeito como sendo aquele determinado e específico sujeito de direito, não outro. (Grifo nosso)

Ou seja, no âmbito do Direito, ainda que não apenas isso, a

palavra Personalidade também representa a individualidade da pessoa perante

seu ambiente social, uma vez que toda e qualquer ordem jurídica se estabelece

com o fim precípuo de acomodar interesses e relações exclusivamente humanas,

tornando imprescindível a determinação de atributos que possam individualizar as

pessoas perante este processo de organização jurídica da sociedade. Assim, a

partir dessa necessidade de distinção das pessoas perante o ordenamento

jurídico ao qual estão submetidas, surge a chamada Personalidade Jurídica.

Além de determinadora de atributos individualizadores da

pessoa perante o mundo do Direito, a categoria Personalidade Jurídica pode ser

entendida também como a aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações.

Neste sentido, Bruno Mattos e Silva12 explica:

[...] Já se disse que a personalidade jurídica nada mais é do que a aptidão atribuída pela ordem jurídica a pessoas para exercer direitos e contrair obrigações, ainda que seja necessária a assistência ou a representação por outras pessoas. Ou seja, quem tem personalidade jurídica pode ser sujeito de direitos e deveres jurídicos.

No mesmo caminho, ao definir o significado geral da palavra

Personalidade, inserida no contexto jurídico, Maria Helena Diniz13 explica que,

11 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 197) 12 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 179) 13 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 661, v.3)

Page 14: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

6

para o Direito Civil, essa palavra (Personalidade) significa “[...] Aptidão,

reconhecida juridicamente, para exercer direito e contrair obrigações”.

Ora, unindo as duas percepções acerca da palavra

Personalidade, a comum, que entende a mesma como um conjunto de

características individualizadoras da pessoa, e a jurídica, que a define como a

aptidão para exercer direitos e contrair obrigações, pode-se, por inferência, propor

que, para efeitos deste texto, a categoria Personalidade Jurídica seja entendida

como um conjunto de características gerais – juridicamente determinadas – que individualizam a pessoa perante seu contexto social, a fim de torná-la apta para exercer direitos e contrair obrigações.

Ocorre que tal entendimento, tendo em vista o pressuposto

estabelecido pelo primeiro parágrafo deste capítulo, evidencia a relevância de

outra categoria de extrema importância para este trabalho, que é a “Pessoa”,

sendo que essa evidência torna importante o destaque da formulação de Bruno

Mattos e Silva14, que, ao complementar a sua explicação sobre a Personalidade

Jurídica, esclarece que:

Seja como for, é certo que, nos dias de hoje, o direito confere personalidade jurídica a qualquer ser humano, independentemente da idade, do sexo, da condição social, da raça ou de qualquer outro atributo. Todo ser humano tem personalidade jurídica. Juridicamente, o ser humano é chamado de pessoa física ou pessoa natural.

E, além disso:

O direito pode conferir personalidade jurídica a certas entidades, que são chamadas de pessoas jurídicas ou de pessoas morais. O próprio ordenamento jurídico estabelece quais são as condições para que determinadas entidades sejam consideradas pessoas.

Ou seja, a partir do citado esclarecimento, além da distinção

existente entre os dois tipos de pessoas, a física (ou natural) e a jurídica (ou 14 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 179)

Page 15: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

7

moral), percebe-se que a noção de Personalidade Jurídica, em sentido amplo,

não deve ser confundida com a de Pessoa Jurídica, pois a Personalidade

Jurídica, nesse sentido, é uma característica tanto das pessoas físicas quanto

das jurídicas.

Nesta direção, Gladston Mamede15 ensina que:

[...] a personalidade jurídica é um véu que veste cada personagem (cada ator, cada pessoa) do cenário e da trama jurídica, podendo ser colocado sobre um único ser humano (da mesma maneira que, em alguns sistemas jurídicos, pode haver seres humanos sem o véu da personalidade jurídica, a exemplo dos condenados à morte civil – civil deth), sobre um conjunto de pessoas (universitates personarum), um conjunto de bens (universitates bonorum) etc.

Também essa formulação de Mamede torna importante o

alerta sobre a distinção entre Personalidade Jurídica (em sentido amplo) e a

Pessoa Jurídica, tendo em vista a extensa utilização, pela doutrina, da expressão

Personalidade Jurídica para ambas as situações, ora em sentido amplo, como

nas explicações acima citadas de Bruno Mattos e Silva e de Gladston Mamede,

ou então servindo como atributo exclusivo e ou até como sinônimo direto da

categoria Pessoa Jurídica, o que pode ser verificado através do “Dicionário

Jurídico” de Maria Helena Diniz16, no qual, ao definir especificamente o verbete

“Personalidade Jurídica”, a autora afirma se tratar da:

Qualidade das pessoas jurídicas de direito privado (associações, sociedades, fundações) e de direito público (União, Estados, Municípios, autarquias, fundações públicas) que as torna capazes para a prática de atos jurídicos, uma vez que são reconhecidas pela lei, tendo direitos e deveres próprios, que não se confundem com os das pessoas naturais que nelas atuam.

15 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e

empresárias. (p. 29) 16 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 661, v.3)

Page 16: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

8

Evidenciando que, nesse caso, “Personalidade Jurídica” se

apresenta como uma categoria diretamente ligada à noção de Pessoa Jurídica,

sendo que tal opção conceitual se justifica no texto citado, uma vez que a autora

utiliza, para definir a Personalidade Jurídica das Pessoas Físicas (ou naturais), a

expressão “Personalidade Civil”, a qual ela conceitua como sendo a:

Aptidão legal de ser sujeito de direitos. [...] Qualidade de pessoa natural que se inicia com o nascimento, gerando direitos e deveres, no âmbito patrimonial e obrigacional, na seara cível [...].

Tratam-se apenas de opções teóricas conceituais distintas

que, se devidamente esclarecidas e compreendidas pelo leitor, não trazem

maiores conseqüências para a efetividade do processo de comunicação, seja ele

verbal escrito ou oral. Não obstante, para efeitos deste trabalho, a categoria

Personalidade Jurídica será utilizada sempre em sentido amplo, significando,

como já dito anteriormente, um conjunto de características gerais – juridicamente determinadas – que individualizam a pessoa, seja ela física ou jurídica, perante seu contexto social, a fim de torná-la apta para exercer direitos e contrair obrigações.

1.2 A PERSONIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Inicialmente, quanto à diferenciação entre as categorias

Pessoa Física (ou natural) e Pessoa Jurídica, distinção essa de extrema

relevância para os objetivos do presente estudo, destaca-se a formulação de

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery17, através da qual os autores

explicam que:

Pessoa natural é sinônimo de pessoa física, ser humano, ou ‘pessoa singular’. É termo utilizado para distinguir o homem de outros titulares de direito que o são por processo artificial de ficção jurídica. O direito confere personalidade às

17 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 197)

Page 17: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

9

pessoas naturais (ou pessoas físicas) e, por ficção, às pessoas jurídicas, ou pessoas ‘coletivas’ (CC 40 e 69). Todas elas podem ser sujeitos de direitos e de obrigações.

Por sua vez, Maria Helena Diniz define a categoria “Pessoa

Natural” (ou física) como sendo o “[...] Ser humano considerado como sujeito de

direitos e obrigações”18, e a categoria “Pessoa Jurídica” como uma “Unidade de

pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins,

reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”19.

Para Fábio Ulhoa Coelho20:

Pessoa jurídica é um expediente do direito destinado a simplificar a disciplina de determinadas relações entre os homens em sociedade. Ela não tem existência fora do direito, ou seja, fora dos conceitos tecnológicos partilhados pelos integrantes da comunidade jurídica. Tal expediente tem o sentido, bastante preciso, de autorizar determinados sujeitos de direito à prática de atos jurídicos em geral.

Através dessas citações se percebe, desde logo, a

característica inicial e mais evidente que diferencia juridicamente as Pessoas

Físicas das Pessoas Jurídicas, pois, enquanto a Pessoa Física (ou natural) possui

uma existência real (física e corporal), a Pessoa Jurídica se caracteriza como

sendo uma ficção resultante de essencialidades jurídicas que visam, conforme as

citadas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “[...] simplificar a disciplina de

determinadas relações entre os homens em sociedade”. Ou seja, enquanto a

Pessoa Física se estabelece de forma real (material), a Pessoa Jurídica se

constitui de forma virtual, existindo apenas de maneira fictícia no âmbito do

ordenamento jurídico.

Partindo dessa diferenciação essencial entre os dois tipos de

Pessoas (Físicas e Jurídicas) e com vistas ao foco do presente estudo, surge

18 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 671, v.3) 19 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 669, v.3) 20 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. (p. 112)

Page 18: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

10

então outra característica diferenciadora extremamente relevante, a qual se refere

aos diferentes modos de surgimento da existência de tais Pessoas perante o

mundo jurídico, ou seja, quanto à identificação do momento efetivo da

personificação jurídica dessas Pessoas, sejam elas Físicas ou Jurídicas.

Neste sentido, a existência das Pessoas Físicas começa,

para o Direito brasileiro, nos moldes do artigo 2º do Código Civil de 2002, com o

“nascimento com vida” da pessoa natural (ser humano), enquanto o início da

“vida” da Pessoa Jurídica se dá a partir do seu ato jurídico constitutivo. Ou seja,

enquanto a Pessoa Física se personifica juridicamente a partir de um fato

biológico (natural), que é o nascimento de um ser humano, a Pessoa Jurídica

ganha sua personalidade perante o mundo do direito a partir de um ato humano

voluntário, de natureza cultural, o qual deve se pautar por regras jurídicas

previamente estabelecidas, a fim de ser considerado válido perante a sociedade

juridicamente constituída.

Cabe aqui um pequeno registro acerca dos direitos do

nascituro, o qual, ainda que não tenha adquirido personalidade jurídica, já se

caracteriza como um sujeito de direito. Sobre isso, Nelson Nery21 explica que:

Antes de nascer o nascituro não tem personalidade jurídica, mas tem natureza humana (humanidade), razão de ser de sua proteção jurídica pelo CC: Infans conceptus pro nato habetur. O direito de nascer é o primeiro do homem.

Para que se possa iniciar uma compreensão acerca do

“nascimento” da Pessoa Jurídica e, conseqüentemente, das características

específicas da sua personificação perante o Direito, torna-se importante destacar

a explicação de Fábio Ulhoa Coelho22, para quem:

No direito brasileiro, as pessoas jurídicas são divididas em dois grandes grupos. De um lado, as pessoas jurídicas de direito público, tais a União, os Estados, os Municípios, o

21 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 199) 22 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. (p. 109)

Page 19: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

11

Distrito Federal, os Territórios e as autarquias; de outro, as de direito privado, compreendendo todas as demais.

Conforme essa explicação e nos moldes do que estabelece

o artigo 41 do Código Civil de 2002, infere-se que, dentre outras características,

as Pessoas Jurídicas de direito público são instituídas “por lei”, enquanto, por sua

vez, as Pessoas Jurídicas de direito privado “nascem” a partir de um acordo de

vontades, que passa a valer juridicamente “com a inscrição no respectivo registro”

(artigo 45 do Código Civil). Ou seja, ainda que tanto as Pessoas Jurídicas de

direito privado quanto às de direito público tenham a sua constituição realizada

por um ato jurídico, esse ato difere em cada um dos casos, caracterizando-se por

um acordo de vontades levado ao registro no primeiro caso (privado) e por um ato

legislativo no segundo (público).

Sobre isso, Gladston Mamede23 ensina que:

A criação e existência de uma pessoa jurídica de Direito Privado é escrituralmente assinalada. [...] O ato constitutivo é o primeiro elemento da dimensão escritural da pessoa jurídica; será um contrato social [...] ou estatuto [...]. Para além do ‘véu da personalidade civil’, que permite a compreensão da sociedade como uma pessoa jurídica, está-se diante de um acordo de vontades, registrado em instrumento próprio (estatuto ou contrato social).

Diante dos objetivos propostos pela presente monografia,

mostra-se desnecessário qualquer aprofundamento teórico sobre as Pessoas

Jurídicas de direito público, uma vez que tal abordagem pouco contribuiria para

uma compreensão acerca do instituto da Desconsideração da Personalidade

Jurídica das Sociedades Empresárias.

Como visto através da citada formulação de Gladston

Mamede, quanto ao ato constitutivo das Pessoas Jurídicas de direito privado, o

mesmo pode se realizar de duas formas: por contrato ou estatuto.

23 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e

empresárias. (p. 31-32)

Page 20: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

12

Sobre eles, o mesmo autor24 estende suas explicações,

esclarecendo que tanto o contrato como o estatuto se caracterizam como um

instrumento que:

[...] define as relações entre os membros da entidade e, portanto, arbitra os limites à atuação de cada qual, permitindo compor o regulamento pelo qual a pessoa jurídica resolverá seus ‘assuntos internos’. Ali, no plano interno, vale dizer, das relações entre os sócios, não há personificação: há o acordo de vontade, o regulamento, o contrato que, no plano externo, será institucionalizado como uma pessoa. Caindo no perigoso plano das analogias, ouse lembrar aqueles longos dragões de pano do folclore chinês: para quem os vê de fora, trata-se de uma figura única: a personagem dragão (sua pessoa); para quem deles participa, trata-se de um conjunto de atos e relações entre indivíduos (por vezes dois, por vezes muito mais) que devem agir harmonicamente (seguindo determinados padrões de comportamento, respeitando limites e funções) para que a personagem possa cumprir suas finalidades.

Ocorre que o ato constitutivo por si só, seja ele um contrato

ou um estatuto, não faz nascer automaticamente a Personalidade da Pessoa

Jurídica perante o mundo do Direito, pois, nos moldes do disposto pelo artigo 45

do Código Civil de 2002:

Art. 45 Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Ou seja, o “véu” da Personalidade Jurídica passa a cobrir a

Pessoa Jurídica apenas depois da regular inscrição do seu ato constitutivo no

24 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e

empresárias. (p. 32)

Page 21: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

13

respectivo órgão de registro, o qual (órgão) será determinado conforme o tipo de

ato constitutivo que se pretenda registrar.

1.3 AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

Conforme prevê o artigo 44 do Código Civil brasileiro, são

consideradas Pessoas Jurídicas de direito privado: as associações, as

sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.

Entretanto, Bruno Mattos e Silva25 ressalva que:

Há entendimento no sentido de que esse rol [do artigo 44] não seria exaustivo, isto é, podem existir outras pessoas de direito privado, além das associações, sociedades, fundações, partidos políticos e organizações religiosas. Avalio, contudo, que esse entendimento somente pode ser aceito caso a lei estabeleça a existência de um outro tipo de pessoa jurídica de direito privado com características e regime jurídico diferente das pessoas previstas no art. 44.

E exemplifica o contexto, afirmando que:

Pode a lei criar abstratamente um novo tipo de pessoa jurídica ou criar ou autorizar a criação de uma pessoa jurídica específica (ex.: uma empresa pública). Nesse sentido, não há dúvidas que uma empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, embora não prevista no rol do art. 44 do novo Código Civil.

As associações, nos termos do artigo 53 do Código Civil

brasileiro, são constituídas pela união de pessoas que se organizam para fins não

econômicos, ou seja, que se estabeleçam juridicamente para a consecução de

objetivos que, mesmo desenvolvendo atividades econômicas, não tenham o lucro

como o seu objetivo final.

25 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 194-195)

Page 22: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

14

Neste sentido, Nelson Nery26 explica que:

Constituídas por um número mais avantajado de indivíduos, tendo em vista fins morais, pios, literários, artísticos, em suma, objetivos não econômicos, as associações se propõem a realizar atividades não destinadas a proporcionar interesse econômico aos associados. As associações podem participar de atividades lucrativas para alcançar objetivos. O que não faz parte da essência da associação é o lucro como finalidade. O eventual lucro arrecadado por esta associação deve ser nela “reinvestido”.

Por seu turno, as fundações têm como característica

essencial não se constituírem pela união de pessoas, mas sim pela “afetação de

um patrimônio a uma determinada finalidade mediante a criação de pessoa

jurídica sem a existência de sócios”27. Ou seja, no caso das fundações inexistem

os sócios (pessoas naturais).

Quanto à finalidade das fundações, em seu parágrafo único,

o artigo 62 do Código Civil brasileiro estabelece que “A fundação somente poderá

constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”, entretanto,

assim como ocorre com as associações, Bruno Mattos Silva28 explica que:

[...] isso não significa que a fundação não possa praticar atos

de conteúdo econômico como meio para obter receitas para

as suas atividades. Pode a fundação, por exemplo, ser

locadora de um imóvel e obter renda.

Além das associações e fundações, bem como das

sociedades, que serão vistas de maneira mais aprofundada a seguir, o rol

estabelecido pelo artigo 44 do Código Civil brasileiro também inclui, como

Pessoas Jurídicas de direito privado, os partidos políticos e as organizações

religiosas.

26 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 253) 27 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 195) 28 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 196)

Page 23: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

15

Os partidos políticos são regidos por legislação própria e sua

criação e regulamentação decorre de princípios constitucionalmente

estabelecidos, o que se verifica pelo ensinamento de Nelson Nery29, para quem:

A liberdade de criar ou de participar de partido político é decorrência do princípio constitucional de liberdade de associação previsto na CF 5º XVII. A criação se dá na forma da L. 9096/95, sendo vedada, nos termos do CF 5º XVIII, qualquer interferência estatal em seu funcionamento. [...] Conquanto a CF 17 garanta a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, não pode essa espécie de associação civil ferir os princípios da soberania nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo, observados sempre os direitos fundamentais do homem.

As organizações religiosas, por sua vez, em razão do

disposto pelo § 1º do artigo 44 do Código Civil brasileiro, acrescentado pela Lei nº

10.825/2003, são livres quanto a sua criação, organização, estrutura interna e

funcionamento, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou

registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

Entretanto, quanto a essa liberdade estabelecida pelo

referido § 1º do artigo 44 do Código Civil brasileiro, Bruno Mattos Silva30 salienta

que:

[...] tal liberdade não é absoluta. Evidentemente, não poderão prever os estatutos que a organização religiosa proverá lavagem de dinheiro ou que seus fiéis serão escravos, por exemplo. O alcance do dispositivo é apenas no tocante às regras aplicáveis à criação, organização, estruturação e funcionamento das organizações religiosas previstas para as demais pessoas jurídicas.

Ou seja, a liberdade concedida às organizações religiosas

não as exclui do controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu

29 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 253) 30 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 196)

Page 24: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

16

registro, bem como do reexame pelo Poder Judiciário da compatibilidade de seus

atos com a lei e com seus estatutos.

Por fim, tem-se as sociedades também como tipos de

Pessoas Jurídicas de direito privado, as quais, pelo conteúdo do artigo 981 do

Código Civil brasileiro, caracterizam-se como a união contratual de pessoas que

reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício

de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Para Maria Helena Diniz31, a categoria Sociedade, no âmbito

do Direito Comercial, pode ser entendida como uma:

Reunião de duas ou mais pessoas que combinam pôr em comum seus bens, sua indústria, ou seus bens e indústria, conjuntamente, para obter lucros, repartindo entre si os proveitos e as perdas resultantes dessa comunhão [...].

Assim, fica evidenciado que os elementos que identificam as

Pessoas Jurídicas de direito privado do tipo Sociedades são a união contratual de

pessoas e a finalidade econômica (intuito de lucro).

1.4 AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

Pelo conteúdo do artigo 982 do Código Civil, extrai-se que

dois são os tipos de Sociedades possíveis: a empresária e a simples. Sendo que,

conforme Fábio Ulhoa Coelho32:

A distinção entre sociedade simples e empresária não reside, como se poderia pensar, no intuito lucrativo. [...] O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado não estatal como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar o seu objeto. O objeto social explorado sem empresarialidade (isto é, sem

31 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 487, v.4) 32 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. (p. 110-111)

Page 25: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

17

profissionalmente organizar os fatores de produção) confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária.

Percebe-se então que a existência ou não de uma

organização de bens materiais e imateriais (intelectuais) com fito mercantil é o

que distingue as Sociedades do tipo empresárias e simples.

Esclarecendo esta distinção, no que tange as características

das Sociedades do tipo simples, Gladston Mamede33 explica que:

É o que se passa com algumas sociedades de profissionais liberais, nas quais cada um dos sócios desempenha, isolada e independentemente, por força de lei (ex vi legis) ou em virtude da vontade (ex voluntate), o objeto social. A sociedade de advogados é um exemplo de sociedade simples ex vi legis, já que tal característica é determinada pelos artigos 16 e 17 da Lei 9.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil). Para exemplificar uma situação de sociedade simples ex voluntate, cito a sociedade estabelecida por dentistas, com nome de estabelecimento (Grupo Odontológico), estrutura comum (prédio, telefones, aparelho de radiografia etc.), pessoal comum (secretária, telefonista, copeira, faxineira), mas na qual cada dentista conserva sua própria carteira de clientes, aos quais serve pessoalmente.

Feitos esses destaques acerca da distinção entre as

Sociedades do tipo simples e as do tipo empresárias, cabe aqui uma explicação

de Nelson Nery34 sobre a separação legal dos conceitos de Empresário e de

Sociedade Empresária. Para o autor:

A opção do legislador foi a de dividir a atividade empresarial exercida por pessoa física de outra exercida por pessoa

33 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e

empresárias. (p. 07) 34 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 253)

Page 26: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

18

jurídica. Empresário é a pessoa física que exerce atividade empresarial (CC 966); sociedade empresária é a pessoa jurídica que exerce atividade empresarial (CC 982).

Ou seja, tal formulação deixa claro que o Empresário,

segundo o ordenamento jurídico brasileiro, ainda que seja inscrito no Cadastro

Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ por questões de ordem fiscal tributária,

não é ele (Empresário) Pessoa Jurídica e sim uma Pessoa Física que exerce a

atividade empresarial.

Por sua vez, a atividade empresarial pode ser caracterizada

como aquela que articula os fatores de produção (capital e trabalho) com o

objetivo de produção e circulação de bens e serviços para obtenção de resultados

econômicos favoráveis (lucro) que proporcionem o acréscimo patrimonial dos

envolvidos, sejam eles os Empresários (pessoas físicas) ou os sócios de uma

Sociedade Empresária (pessoa jurídica). Ficando evidenciado que a característica

comum entre os Empresários e a Sociedade Empresária está no exercício da

atividade empresarial.

Dito isso, cabe destacar que desta relação (entre

Empresário e Sociedade Empresária) percebe-se uma diferença essencialmente

relevante para os objetivos deste trabalho, pois enquanto o Empresário

(individual) exerce a atividade empresarial a partir da sua própria personalidade

jurídica, ou seja, daquela que reveste juridicamente a sua pessoa física, a

Sociedade Empresária, após o devido registro do seu ato constitutivo nos órgãos

respectivos, desenvolve a sua existência apoiada na personificação da sua

pessoa jurídica, ou seja, na sua própria personalidade jurídica.

Essa diferença é relevante, pois é justamente este véu

personalístico que passa a recobrir a Sociedade Empresária, distinguindo-a das

personalidades de seus sócios, que, com o apoio do instituto da Desconsideração

da Personalidade Jurídica, pode ser judicialmente retirado com o intuito de expor

as personalidades jurídicas dos sócios (e seus patrimônios pessoais) a fim de

responsabilizá-los (penalizá-los) por conseqüências danosas que eventualmente

Page 27: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

19

tenham provocado para a ordem social, escondidos atrás da proteção da pessoa

jurídica da Sociedade Empresária da qual participam.

A partir dos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho35,

destacam-se três conseqüências bastante precisas da personalização das

sociedades empresárias, as quais conferem a sua pessoa jurídica certa

autonomia que acaba, por vezes, viabilizando as ferramentas para a prática de

atos abusivos e/ou fraudulentos de seus sócios contra outras pessoas (físicas ou

jurídicas), são elas:

a) Titularidade negocial – quando a sociedade empresarial realiza negócios jurídicos (compra matéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata etc.), embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal [...], é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos da relação negocial. O eventual sócio que a representou não é parte do negócio jurídico, mas sim a sociedade.

b) Titularidade processual – a pessoa jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem capacidade para ser parte processual. A ação referente a negócio da sociedade deve ser endereçada contra a pessoa jurídica e não os seus sócios ou seu representante legal. Quem outorga mandato judicial, recebe citação, recorre, é ela como sujeito de direito autônomo.

c) Responsabilidade patrimonial – em conseqüência, ainda, de sua personalização, a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da sociedade.

35 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. (p. 113-114)

Page 28: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

20

Certo é que nem todo tipo de sociedade empresária facilita

juridicamente a prática de atos abusivos e/ou fraudulentos por parte de seus

sócios. Neste sentido, torna-se relevante um rápido destaque acerca dos tipos

societários existentes no direito empresarial brasileiro, bem como dos critérios de

classificação dessas sociedades no que tange pontualmente a responsabilidade

dos sócios pelas obrigações da Sociedade Empresária.

Segundo Gladston Mamede36:

As sociedades empresárias personalizadas devem adotar um dos tipos societários anotados nos artigos 1.039 a 1.092 do Código Civil: (1) sociedade em nome coletivo; (2) sociedade em comandita simples; (3) sociedade limitada; (4) sociedade anônima; (5) e sociedade em comandita por ações.

Para efeitos do presente texto, não se mostra relevante uma

abordagem aprofundada acerca das características gerais de cada um dos

citados tipos de sociedade, restando importante apenas destacar a questão

relativa à classificação das mesmas quanto à responsabilidade dos sócios pelas

obrigações sociais.

Tendo em vista a já apontada autonomia patrimonial da

Sociedade Empresária, nascida da sua personalização perante o ordenamento

jurídico, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da mesma, sendo

isso definido pelo artigo 1.024 do Código Civil brasileiro nestes termos: “Os bens

particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade,

senão depois de executados os bens sociais”. Ou seja, a responsabilidade dos

sócios pelas obrigações da sociedade empresária é sempre subsidiária.

Assim, quando se fala em subsidiariedade, diz-se que só

quando estiverem esgotadas as forças patrimoniais da sociedade é que se poderá

pensar em executar o patrimônio particular dos sócios por passivos sociais.

36 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e

empresárias. (p. 07)

Page 29: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

21

A partir daí, Fábio Ulhoa Coelho37 ensina que:

Se o patrimônio social não foi suficiente para integral pagamento dos credores da sociedade, o saldo do passivo poderá ser reclamado dos sócios, em algumas sociedades, de forma ilimitada, ou seja, os credores poderão saciar seus créditos até a total satisfação, enquanto suportarem os patrimônios particulares dos sócios. Em outras sociedades, os credores somente poderão alcançar dos patrimônios particulares um determinado limite, além do qual o respectivo saldo será perda que deverão suportar. Em um terceiro grupo de sociedades, alguns sócios têm responsabilidade ilimitada e outros não.

Neste sentido, as Sociedades Empresárias podem ser

classificadas em três tipos:

a) Sociedade ilimitada: na qual os sócios respondem todos

ilimitadamente pelas obrigações sociais, sendo que no

direito brasileiro apenas a sociedade em nome coletivo

se enquadra nesta classificação;

b) Sociedade mista: onde alguns sócios respondem de

forma limitada e outros ilimitadamente, enquadrando-se

nesta categoria a sociedade em comandita simples, cujo

sócio comanditado responde ilimitadamente e o sócio

comanditário de forma limitada, e a sociedade em

comandita por ações, na qual os sócios diretores têm

responsabilidade ilimitada e os demais respondem

limitadamente;

c) Sociedade limitada – em que todos os sócios respondem

de forma limitada pelos passivos sociais, sendo a

sociedade limitada e a sociedade anônima inseridas

nesta categoria.

37 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. (p. 117)

Page 30: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

22

O Código Civil brasileiro dispõe as regras para determinação

das referidas limitações de responsabilidade, porém, ainda que legalmente

estabelecidas, diante de ações abusivas e fraudulentas por parte dos sócios, tais

limitações poderão ser judicialmente ignoradas com o fito de equilibrar eventuais

discrepâncias jurídicas nascidas da irresponsabilidade de pessoas que por

ventura tentem se esconder por trás do véu da personalidade jurídica da

Sociedade Empresária, sendo esse o tema que será abordado pelo próximo

capítulo.

Por fim, cabe registrar que o presente capítulo buscou

estabelecer bases conceituais panorâmicas acerca das categorias mais

relevantes para o estudo do instituto da Desconsideração da Personalidade

Jurídica, o que se fez através da construção de uma proposta de conceito para

Personalidade Jurídica, da análise sobre a diferença entre pessoa física e jurídica,

da identificação das características da personificação da pessoa jurídica, da

abordagem sobre os tipos de pessoa jurídica de direito privado no Brasil e,

finalmente, dos elementos caracterizadores das Sociedades Empresárias.

Page 31: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

CAPÍTULO 2

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DISREGARD DOCTRINE

Este capítulo visa destacar os aspectos relevantes acerca do

instituto da desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se da

conceituação e analise de doutrinadores do ordenamento jurídico pátrio, bem

como pesquisadores estrangeiros, os quais deram as primeiras e essenciais

lapidações na teoria.

Apesar da objetividade e confiabilidade das fontes primárias,

as pesquisas realizadas demonstraram a dificuldade na obtenção das mesmas,

principalmente no que tange o surgimento do instituto da desconsideração da

personalidade jurídica. Neste sentido, a autora apoiou-se em fontes secundárias a

fim de viabilizar uma melhor compreensão sobre o referido contexto histórico.

Além da analise histórica e conceitual da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica que serve de embasamento para a

compreensão teórica da essência do instituto, o capítulo objetiva demonstrar a

aplicabilidade da referida teoria, que será analisada com casos práticos, através

de julgados, no próximo e derradeiro capítulo.

2.1 BREVE HISTÓRICO

O precursor da doutrina da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica no Brasil foi Rubens Requião, como o mesmo constata em

sua obra “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica: disregard

doctrine”:

Não temos lembrança, em nossas constantes peregrinações

pelas páginas do direito comercial pátrio, de haver

encontrado doutrina nacional ou estudos sobre o uso

Page 32: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

24

abusivo ou fraudulento da pessoa jurídica, o que nos daria,

se correta nossa impressão, o júbilo de apresentá-la pela

primeira vez [...].38

Requião apresentou sua obra em conferência proferida na

Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, na qual citou as obras

do alemão Rolf Serick e do italiano Piero Verrucoli como sendo as pioneiras a

tratarem da Desconsideração da personalidade Jurídica.

O professor paranaense explica em seu estudo que “a

doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-americanos, da qual partiu o Prof. Rolf

Serick para compará-la com a moderna jurisprudência dos tribunais alemães, visa

a impedir a fraude ou abuso através do uso da personalidade jurídica, e é

conhecida pela designação “disregard of legal entity” ou também pela “lifting the

corporate veil”.”39

Da mesma forma, as pesquisas de André Pagani de Souza

demonstram a obra “Forma e realidade da pessoa jurídica” de Rolf Serick como

sendo um dos primeiros trabalhos sobre o tema da desconsideração da

personalidade jurídica. 40

Pagani de Souza explica que, em tese de doutorado, no ano

de 1953, o professor germânico buscou definir “os critérios que autorizam o juiz a

ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em relação às pessoas que a

compõe, sempre que ela for utilizada como instrumento na realização de fraudes

ou abuso de direito.” 41

Segundo Rubens Requião, o professor Serick inicia sua tese

com as palavras conceituais:

38 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 752) 39 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 752) 40 SERICK, Rolf, 1966 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 32) 41 SERICK, Rolf, 1966 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 32)

Page 33: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

25

A jurisprudência há de enfrentar-se continuamente com os

casos extremos em que resulta necessário averiguar quando

pode prescindir-se da estrutura formal da pessoa jurídica

para que a decisão penetre até o seu próprio substrato e

afete especialmente a seus membros.42

Acerca destas palavras de Serick, Pagani destaca que:

Ou seja, ele notou que há situações em que o respeito incondicionado à forma da pessoa jurídica pode levar a resultados injustos. Apesar dessa observação, o jurista alemão reconheceu que casos como esses são problemáticos porque o ordenamento jurídico constituiu as pessoas jurídicas como sujeitos autônomos claramente distintos de seus membros.43

A separação da personalidade jurídica das pessoas jurídicas

e de seus membros, constituindo-os como sujeitos de direito distintos, que dá

inicio à obra de Serick, é o que norteia a teoria em questão, e o que defini a

possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, uma

vez que a autonomia patrimonial é o pressuposto da discussão, ou seja, é

necessário que se apresente a diferenciação das pessoas jurídicas em relação

aos membros que a compõe, estabelecida na ordem jurídica, para que seja

possível aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.

Neste sentido, Requião salienta a preocupação de Serick em

discutir a questão da desconsideração como um instituto capaz de servir de forma

real ao seu ordenamento jurídico, qual seja o alemão, e não tratar do certame de

maneira especulativa, constituindo apenas um simples dispositivo do direito

americano da sociedade.

42 SERICK, Rolf, 1966 apud REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 752) 43 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 32)

Page 34: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

26

Desta forma, extrai-se da obra do brasileiro o entendimento

constituído pelo professor alemão:

“em qualquer país em que se apresente a separação incisiva

entre pessoa jurídica e os membros que a compõe, se

coloca o problema de verificar como se há de enfrentar

aqueles casos em que essa radical separação conduz a

resultados completamente injustos e contrários ao direito.” 44

A formulação do alemão serve como alicerce à implantação

da teoria no sistema jurídico brasileiro, visto que neste país, na maior parte das

formas de constituição de empresas, existe a diferenciação entre a pessoa

jurídica e seus integrantes.

Seguindo na análise da tese de Rolf Serick, André Pagani de

Souza destaca que a forma da pessoa jurídica é um estimulo para se perseguir

fins ilícitos com aparência de legalidade e em razão disso, a autonomia da pessoa

jurídica só deve ser respeitada na medida em que servir para os objetivos a que

foi criada. Caso contrário, a pessoa jurídica deve ser desconsiderada para

alcançar as pessoas que agem por meio dela. Para Pagani, Serick chama a

atenção para o fato de ser levada em consideração a conduta das pessoas que

agem pela pessoa jurídica para desconsiderar o principio da autonomia

patrimonial, uma vez que não se concebe pessoa jurídica sem as pessoas que a

compõe e praticam atos por ela.45

Por fim, Rolf Serick sistematiza a teoria da personalidade

jurídica em quatro princípios ou proposições, as quais são referenciadas por

44 SERICK, Rolf, 1966 apud REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 753) 45 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 34)

Page 35: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

27

Guilherme Calmon Nogueira da Gama em sua obra intitulada “Desconsideração

da Personalidade da Pessoa Jurídica: visão crítica da jurisprudência”. 46

Neste trabalho, Gama demonstra as proposições da

seguinte forma:

a) caso a estrutura formal da pessoa jurídica seja utilizada

de maneira abusiva, o juiz poderá descartá-la para frustrar o

resultado contrário ao Direito que se persegue; b) não é

suficiente a alegação de que sem a desconsideração não se

possa atingir a finalidade de uma norma ou de um negócio

jurídico; c) as normas fundantes nas qualidades ou

capacidades humanas, ou que consideram valores

humanos, também devem ser aplicadas às pessoas jurídicas

quando a finalidade da norma corresponder a esta classe de

pessoas, admitindo-se que se penetre na personalidade das

pessoas situadas atrás da pessoa jurídica para comprovar

se concorrem as hipóteses das quais depende a eficácia da

norma; d) se a forma da pessoa jurídica for utilizada para

ocultar a identidade que, de fato, existe entre as pessoas

que intervieram em um determinado ato, poderá ser

descartada tal forma quando a norma que se deva aplicar

pressupor que a identidade ou diversidade dos sujeitos

interessados não é puramente nominal, mas

verdadeiramente efetiva.47

Estes princípios foram essenciais para o entendimento da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica e até os dias atuais são

utilizados para analisar o caso concreto.

46 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 5) 47 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 5)

Page 36: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

28

Além da “Forma e realidade da pessoa jurídica”, de Serick,

outra obra pioneira na formulação de entendimento acerca da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica é um estudo do professor italiano

Piero Verrucoli, no ano de 1964, que estabelece que “a atribuição de

personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos é um “privilégio”

concedido pelo Estado e como tal não pode dar origem a situações injustas ou

contrárias ao direito. Se o “privilégio” concedido pelo Estado for utilizado para fins

contrários ao direito, deve haver o que ele chamou de “superamento” da

responsabilidade jurídica, que nada mais é que a desconsideração da

personalidade jurídica propriamente dita.”48

O jurista italiano, segundo André Pagani de Souza, recebe

criticas de Fabio Ulhoa Coelho na obra Desconsideração da personalidade

jurídica, nas páginas 26-27, além de criticas suas, visto que seu argumento,

citado a poucas linhas acima, de a concessão de personalidade jurídica as

pessoas jurídica é privilégio atribuído pelo Estado, não é suficiente para explicar o

motivo pelo qual os membros da pessoa jurídica se favorecem da

desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que há casos que a

personalidade jurídica é ignorada em favor do sócio.49

Pagani faz alusão ao favorecimento do sócio com a

desconsideração da personalidade jurídica através da Súmula 486 do STF, que

estabelece:

Súm.486.STF. Admite-se a retomada para sociedade da

qual o locador, ou seu cônjuge, seja sócio, com participação

predominante no capital social.

Apesar das criticas, o italiano, professor da Universidade de

Piza, através de sua obra, ainda referenciada por Pagani de Souza, proporciona o

vislumbre do precedente judiciário mais antigo acerca da doutrina da 48 VERRUCOLI, Piero, 1964 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 35) 49SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 35)

Page 37: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

29

desconsideração da personalidade jurídica, qual seja o caso “Salomon v.

Salomon & Co., proveniente da Inglaterra.

Neste epsódio, ocorrido em 1897, um comerciante chamado

Aaron Salomon constitui uma company chamada Salomon & Co., em conjunto

com outros seis membros da família. Em seguida, o comerciante cedeu o fundo

de comércio à “Salomon & Co.” e recebeu por isso vinte mil ações representativas

da sua contribuição para a sociedade. Já os outros integrantes receberam apenas

uma ação cada. Na sequencia, a “Salomon & Co.” assumiu obrigações no valor

de dez mil libras esterlinas. Logo depois a sociedade se demonstrou insolvente.

Assim, a “Salomon & Co.” entrou em liquidação, e o liquidante para defender os

interesses dos credores quirografários sustentou que a atividade da sociedade

era a atividade de Aaron e que este último havia se utilizado do artifício da pessoa

jurídica para limitar sua responsabilidade. Por isso, o liquidante pediu que

Salomon fosse condenado a pagar os débitos da sociedade. Em primeira e

segunda instâncias, o pedido do liquidante foi acolhido. Porém, na Casa de

Lordes, o entendimento das instancias inferiores foi reformado, decidindo-se

definitivamente que não havia responsabilidade pessoal de Aaron Salomon pelos

débitos da “Salomon & Co.50

Rubens Requião, em seu texto “Abuso de direito e fraude

através da personalidade jurídica: disregard doctrine, faz menção a outros

precedentes judiciários, que seriam interesses a cargo de ilustração, mas como

não cabe deter o conteúdo aos casos históricos, passa-se a outros destaques.

50 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 36)

Page 38: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

30

2.2 AS PESSOAS JURÍDICAS E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Como já visto no capitulo anterior, a pessoa jurídica em nada

se confunde com os membros que a compõe, ambos são sujeitos de direitos e

obrigações, mas possuem personalidades completamente distintas.

Essa idéia de separação entre pessoa jurídica e os seus

membros estava explícita no Código Civil de 1916 no caput do art. 20:

“As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus

membros.”

Apesar de a letra legal não ter sido reproduzida

expressamente, a personalidade jurídica atribuída às pessoas jurídicas é um

direito comumente concebido como absoluto, pelo qual é garantido a sua aptidão

de exercer direitos e contrair obrigações. Esse direito, concedido pelo Estado, cria

um invólucro aos bens da pessoa jurídica, o que gera o princípio da autonomia

patrimonial, ou seja, o patrimônio da pessoa jurídica não se identifica com o

patrimônio dos sócios, que possuem “vidas” distintas, como pode ser observado

ao analisar o texto do art. 45 do Código Civil Brasileiro em vigor:

“Art.45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de

direito privado com a inscrição do ato constitutivo no

respectivo registro, precedida, quando necessário, de

autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se

no registro todas as alterações por que passar o ato

constitutivo.”

Este artigo, pode-se dizer que narra o “nascimento” da

pessoa jurídica, que ocorre, obviamente, em momento diverso do de seus

integrantes. Seu nascimento depende da vontade da pessoa física, e também de

atribuições legais exigidas pelo Estado.

Acerca do principio da autonomia patrimonial que surge a

partir da separação da pessoa jurídica, de seus integrantes, Requião enfatiza que

Page 39: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

31

“uma das mais decisivas conseqüências da concessão da personalidade jurídica,

outorgada pela lei [...] é a sua autonomia patrimonial, tornando a responsabilidade

dos sócios estranha à responsabilidade social [...].” 51

O jurista continua esclarecendo que ”esta responsabilidade

da sociedade, alheia a responsabilidade dos sócios, faz com que a personalidade

jurídica possa vir a ser usada como anteparo de fraude, sobretudo para contornar

as proibições estatutárias do exercício de comércio ou outras vedações legais” 52.

A concessão de personalidade jurídica, diversa de seus

membros, às pessoas jurídicas, remete à formulação do italiano Piero Verrucoli,

que confirma que a doutrina que estabelece que a concessão da personalidade

jurídica as pessoas jurídicas, pelo Estado, é um privilégio, ou melhor dizendo, é

uma ficção criada pelo mesmo, que gera a existência de um novo ser no mundo

jurídico. No entanto, o fato de tal benesse ser concedida pelo Poder Público de

forma pré-estabelecida, com fulcro em lei, não justifica o cerramento dos olhos do

judiciário ou a falta de pré-questionamento acerca dos fins contrários ao direito

que tal concessão do Estado pode gerar.

A titulo de melhor compreensão da questão discutida no

parágrafo anterior utiliza-se das mais bem formuladas palavras de Rubens

Requião:

Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da

personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de

indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a

fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a

personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago,

alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem

para fins ilícitos ou abusivos.53

51 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 754) 52 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 751) 53 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 753)

Page 40: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

32

E ainda:

Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei,

como concessão do Estado objetivando [...] a realização de

um fim nada mais procedente do que se reconhecer ao

Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o

direito concedido está sendo adequadamente usado.54

Como a questão da responsabilidade distinta entre os sócios

e a sociedade, proveniente do principio da autonomia patrimonial, gerado pela

atribuição da personalidade jurídica à pessoa jurídica, é o que propicia os atos

fraudulentos e abusivos de direito e o que permite a desconsideração da

personalidade jurídica, vale firmar, pelas palavras de Guilherme Calmon Nogueira

da Gama, “que o pressuposto fundamental da desconsideração é a existência de

uma entidade personalizada. Caso haja uma sociedade despersonalizada [...] ou

irregularmente constituída [...], não há que se falar em personalidade como meio

para fraudes, tampouco em desconsideração.” 55

A concepção de que a pessoa jurídica é um ser, diferente de

seus membros, com autonomia patrimonial, conceituada pelo pensamento

jurídico, concebe a personalidade jurídica como um véu impenetrável, através do

qual não se pode atingir a pessoa natural do sócio.

No entanto, Requião reza que a doutrina da

desconsideração repudia esse absolutismo atribuído sobre o direito da

personalidade. Segundo ele, “apresenta-se, por conseguinte, a concessão da

personalidade jurídica com um significado ou um efeito relativo, e não absoluto,

permitindo a legitima penetração inquiridora em seu âmago.” 56

Apesar dos efeitos fraudulentos e contrários ao direito,

provenientes do mau uso da personalidade jurídica pelas pessoas jurídicas, o 54 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 754) 55 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 5) 56 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 754)

Page 41: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

33

qual o instituto da desconsideração visa combater, jamais propugnou-se nos

entranhes dessa doutrina o fim da pessoa jurídica. Do contrário, a teoria da

desconsideração foi criada para zelar pela pessoa jurídica nos moldes que ela foi

criada e para resguardar pelos fins legais que a mesma deve procurar atingir.

Dessa forma entende André Pagani de Souza:

O que se busca coibir com a teoria da desconsideração da

personalidade jurídica é exatamente o mau uso da pessoa

jurídica. Por vezes, a pessoa jurídica e o principio da

autonomia patrimonial são invocados para encobrir fraude

ou abuso de direito, ou simplesmente a pessoa jurídica é

utilizada para finalidade diversa daquela para a qual foi

concebida.57

Neste sentido, acerca da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica em relação ao instituto da pessoa jurídica, destaca-se do

texto de Gama:

Trata-se de uma elaboração teórica destinada à coibição da

práticas fraudulentas que se valem da pessoa jurídica. E é,

ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o instituto da

pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no

próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele.58

Gama complementa que dá-se “o surgimento da teoria da

personalidade da pessoa jurídica, entre outros instrumentos para coibir, reprimir e

sancionar o uso equivocado da pessoa jurídica.” 59

57 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 43) 58 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 7) 59 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 4)

Page 42: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

34

Sendo assim, entendido que a personalidade jurídica das

pessoas jurídicas não é um direito absoluto e sim relativo, compreende-se que a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica vem a ser a forma de

penetrar o véu que encobre as pessoas jurídicas e atingir os que agem por meio

dela, quando estes praticam atos abusivos e contrários ao direito.

2.3 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Nelson Nery Junior conceitua o instituto da desconsideração

da personalidade jurídica como a “possibilidade de se ignorar a personalidade

jurídica autônoma da entidade moral sempre que esta venha a ser utilizada para

fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída, permitindo

que o credor de obrigação assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio

particular de seus sócios ou administradores para a satisfação de seu crédito.” 60

O renomado doutrinador traz essa conceituação para o

instituto ao analisar, em sua obra “Código Civil Comentado”, o artigo 50; qual seja

a principal norma acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Ainda que positivada, para Bruno Mattos e Silva “a

desconsideração da personalidade jurídica não depende, necessariamente, da

existência de norma positiva: ela é uma teoria, fundada em princípios jurídicos” 61,

tanto que para a aplicação dessa teoria no Brasil, antes de sua positivação, “o

desvio de finalidade ou abuso de direito, em violação à boa-fé objetiva, na prática

de atos lesivos por intermédio da pessoa jurídica, já eram considerados

pressupostos para aplicação da teoria da desconsideração” 62, no entanto, devido

a influência jurídica romano-germânica com grande apego pelo direito escrito, a

60 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) 61 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 233) 62 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 10)

Page 43: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

35

teoria somente ganhou força com o advento do Código Civil de 2002, que

normatizou o instituto da desconsideração no referido art.50, que dispõe:

Art.50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,

caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no

processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa

jurídica.(Grifo nosso)

Este artigo, no entanto, não é propriamente uma inovação,

visto que, em 1990 o Código de Defesa do Consumidor já contemplava a teoria

da desconsideração em seu artigo 28, que será aludido em breve.

O artigo 50 do Código Civil Brasileiro é o baluarte do instituto

da desconsideração da personalidade jurídica e é de suma importância analisá-lo

categoricamente para cercar todos os critérios que norteiam a possibilidade de

concessão da desconsideração da personalidade jurídica pelo judiciário, os quais

estão grifados no próprio texto do artigo transcrito acima.

A norma supracitada elenca as hipóteses de aplicação da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas antes disso, Fábio

Ulhoa Coelho é categórico ao reafirmar:

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica

somente deve ser aplicada nas hipóteses em que a

autonomia da pessoa jurídica se apresenta como um

obstáculo para a composição dos diversos interesses

envolvidos no caso concreto, ou melhor, para realização de

justiça.63 (Grifo nosso)

63 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2 (p. 42)

Page 44: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

36

O que o autor faz com esta afirmação é reforçar a idéia que

já se concebeu com o texto desta autora, de que cabe a aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica de uma pessoa jurídica quando os

integrantes da última, através de atos abusivos ou fraudulentos, deturparem a

forma da primeira.

A repressão a essas práticas abusivas e fraudulentas

através do mau uso da pessoa jurídica é o que fomenta a “teoria maior” da

desconsideração da personalidade jurídica, que, pela qual, segundo Ulhoa

Coelho, “o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas

jurídicas como forma de coibir fraudes e abusos praticados por meio dela.” 64

Neste contexto de atos abusivos ou fraudulentos, inicia-se a

interpretação do art. 50, com analise do conceito operacional “abuso da

personalidade jurídica”, qual seja o motivo primitivo para a concessão da

desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Este motivo está consolidado na vertente subjetiva da “teoria

maior” a qual contempla o “abuso de direito” e a “fraude” como as práticas

autorizadoras da aplicação da teoria da desconsideração ao caso concreto.65

A admissão destes requisitos como pressupostos para

aplicação da teoria da desconsideração é amplamente repercutida nas decisões

dos tribunais de justiça e tribunais superiores.

A cargo de exemplo, lê-se trecho de decisão do tribunal do

estado de Santa Catarina, proferida em Agravo de Instrumento de nº

2002.023753-7, da Terceira Câmara de Direito Comercial, datada de 20 de março

de 2003:

“O mero fato da simples inexistência de bens em nome da

executada, não autoriza a incidência, de plano, da teoria da desconsideração da

64 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2 (p. 35) 65 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2 (p. 44)

Page 45: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

37

personalidade jurídica, pois, para tanto, de mister é a configuração de fraude ou

abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial.”

Além do “abuso de direito” e da “fraude” como pressupostos

de admissibilidade da desconsideração, o conceito operacional “desvio de

finalidade”, que segundo o art. 50, caracteriza o “abuso da personalidade jurídica”,

também é incluído como desdobramento da “teoria maior subjetiva”, como se

extrai de julgado da Min. Nancy Andrighi, do STJ, contido na obra de Nelson Nery

Junior:

Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a

demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da

desconsideração), ou a demonstração de confusão

patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).66

Neste certame se pontuou a questão da confusão

patrimonial como “teoria maior objetiva” da desconsideração, mas falar-se-á desta

causa para admissão da desconsideração da personalidade jurídica mais adiante.

Antes faz-se necessário estudar as categorias “abuso de direito”, “fraude” e

“desvio de finalidade” no contexto da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica.

No que concerne ao abuso de direito, resume Rubens

Requião, citando diretamente Pedro Batista Martins:

O titular de um direito que, entre vários meios de realizá-lo,

escolhe precisamente o que, sendo mais danoso para

outrem, não é o mais útil para si, ou mais adequado ao

espírito da instituição, comete, sem dúvida, um ato abusivo;

atentando contra a justa medida dos interesses em conflito e

contra o equilíbrio das relações jurídicas.67

66 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) 67 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 755)

Page 46: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

38

Utilizando-se destas palavras, Requião explica que o sujeito

deve exercitar seus direitos tendo em vista a função deles ou a finalidade social

que objetivam. Ao praticar ato, conforme a lei, mas contrário a essa finalidade,

este ato é abusivo e, em conseqüência, atentatório ao direito.68

Neste mesmo sentido é o entendimento de Guilherme

Calmon Nogueira da Gama que “ensina que o abuso de direito é o exercício

irregular ou abusivo de direito pelo seu titular; é a conduta lícita que se mostra

desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende alcançar e promover

naquela circunstancia fática.” 69

Em entendimento completamente oposto se posiciona Maria

Helena Diniz ao afirmar que o abuso de direito não consiste em uma conduta

lícita, mas sim a pratica de um ato ilícito, conforme leciona em seu dicionário

jurídico:

ABUSO DE DIREITO. Direito civil. Exercicio anormal ou

irregular de um direito, ou seja, além de seus limites e fins

sociais, causando prejuízo a outrem, sem que haja motivo

legítimo que o justifique. É um ato ilícito sui generis, que

gera o dever de ressarcir o dano causado. 70

Com a mesma opinião encontramos Gladston Mamede que

situa o abuso de direito no ordenamento jurídico de acordo com o art. 187 do

Código Civil, pelo qual “o abuso de direito caracteriza ato ilícito, configurando-se

sempre que o titular de um direito (de uma faculdade), ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé

ou pelos bons costumes.” 71

68 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 755) 69 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 14) 70 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. (p. 35, v.1) 71 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e empresárias. (p. 242)

Page 47: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

39

Por mais que entenda que o abuso de direito constitui ato

ilícito, Mamede reconhece que a questão é controversa, razão pela qual explica

que a caracterização da ilicitude decorrerá do excesso manifesto, inequívoco e

flagrante.72

Ainda no que diz respeito ao abuso de direito, cumpre-se

complementar com as palavras de Rubens Requião, que diz que “não há porque

confundir a teoria do abuso de direito com a do ato ilícito, ou, mais

particularmente, com a fraude. Considera-se ato fraudento, como o conceituam os

revisores do Projeto de Código de Obrigações, no art. 67, “o negócio jurídico

tramado para prejudicar credores, em beneficio do declarante ou de terceiro”. No

abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito de credor, mas

surge do inadequado uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o

propósito de prejudicar o direito de outrem. 73

Sendo assim, pode-se inferir que o abuso de direito ainda é

questão a ser discutida, visto a complexidade e divergência na conceituação do

tema. Já no tocante a fraude, resta mais fácil a conceituação, visto que é

generalizado o entendimento de que “fraude” consiste na pratica de ato ilícito para

prejudicar terceiro, de acordo com o explanado acima por Rubens Requião, bem

como conforme entendimento de Marina Helena Diniz:

FRAUDE. 1. Direito civil. a) Manobra artificiosa para

prejudicar terceiro; b) má-fé; c) engano ou burla; d)

ocultação da verdade.74

Gama confirma a conceituação de “fraude”, bem como

contextualiza a categoria no cenário da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica ao afirmar:

72 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro – direito societário: sociedades simples e empresárias. (p. 242) 73 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 756) 74 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. v.2 (p. 686)

Page 48: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

40

“A fraude, normalmente, consiste em expediente utilizado

para iludir ou ludibriar um terceiro, causando-lhe prejuízo e,

muitas vezes, não é perceptível imediatamente. Trata-se de

uma manobra engendrada por alguém para o fim de causar

prejuízo a outra pessoa, utilizando-se de artifícios que

mascaram a antijuridicidade da conduta. É o meio ardiloso

através do qual o sócio ou administrador da pessoa jurídica

cria uma situação de prejuízo ao credor e vantagem para si,

de modo que o prejudicado acredita estar celebrando

negócio com garantia ou sem determinado grau de risco,

quando, na realidade, encontra-se em situação exatamente

oposta.” 75

Ao analisar “fraude” no contexto da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, Mattos e Silva destaca que “parte da

doutrina entende que sempre deve existir o elemento fraude, ou seja, a intenção

de se furtar ao cumprimento de uma obrigação para que possa ser aplicada a

desconsideração da personalidade jurídica.” 76

Contudo, tal entendimento diverge do que já foi elucidado

como ponto de vista de Rubens Requião, que claramente diferencia o abuso de

direito da fraude, ou seja, trata desses dois conceitos como requisitos diversos na

aplicação da teoria da desconsideração, podendo ser identificado um ou outro,

além das palavras de André Pagani de Souza, que diz que a confusão patrimonial

como causa de causa de desconsideração da personalidade jurídica independe

dos elementos “abuso de direito” e “fraude”.77

Venosa, por sua vez, diz que nas causas que ensejam a

desconsideração é procurado um escudo de legitimidade na realidade técnica da

75 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 24) 76 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 226) 77 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 60)

Page 49: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

41

pessoa jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo, e ainda “a modalidade de

fraude é múltipla, sendo impossível enumeração apriorística. Dependerá do

exame do caso concreto. Poderá ocorrer fraude à lei, simplesmente, fraude a um

contrato ou fraude contra credores [...]” 78, ou seja, conclui-se que o autor atribui

“fraude” a todas hipóteses de desconsideração.

Assim compreende-se o entendimento de Maria Helena

Diniz, pois a autora cita a fraude contra credores como o instrumento a ser

combatido pela teoria da desconsideração, conforme retira-se de sua obra:

“A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica

visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo,

desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto [...].” 79

Discorda Mattos e Silva80, que estabelece que as causas

para desconsideração contidas no art. 50 do Código Civil independem da intenção

de prejudicar terceiros, ou seja, do elemento “fraude”; que a fraude é um

pressuposto doutrinário e que “o art. 50 não fala em utilização de artifício

malicioso para prejudicar credores, não fala em dolo, não fala em fraude”.81

Assim, como a questão do abuso de direito constituir, ou

não, ato ilícito, a questão da fraude ser pressuposto indispensável para a

aplicação da desconsideração da personalidade jurídica também constrói uma

divergência doutrinária.

Neste contexto de fraude e abuso de direito, infere-se que

estes são espécies do gênero “desvio de finalidade”, visto que, como

demonstrado eles formam a “teoria maior subjetiva”, e além de que tem a mesma

natureza jurídica, ou seja, utilizam-se do princípio da autonomia patrimonial para

alcançar fim diverso para o qual foi criado, enfim, a fraude e o abuso de direito é

78 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. (p. 272) 79 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v.1 (p. 300) 80 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 226) 81 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 231)

Page 50: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

42

que são os pressupostos subjetivos a serem analisados para caracterizar o desvio

de finalidade.

Pode-se entender neste sentido de acordo com Fábio

Konder Comparato, citado por André Pagani de Souza que o desvio de finalidade

seja critério para desconsideração da personalidade jurídica, caracterizado pelo

uso inadequado da pessoa jurídica, invocado para encobrir fraude ou abuso de

direito, ou simplesmente a utilização da pessoa jurídica para finalidade diversa

daquela para a qual foi concebida.82

Gama conceitua o desvio de finalidade como “uma disfunção

nas atividades da sociedade, um desvirtuamento dos fins primeiros que deveriam

ser seguidos na prática pela sociedade.” 83

Nelson Nery Junior, por sua vez, ao definir em que consiste

o desvio de finalidade atribui a possibilidade da caracterização deste a partir da

pratica de atos ilícitos além da pratica da atividade incompatível com a autorizada.

Tal posicionamento tem as seguintes palavras:

“A identificação do desvio de finalidade nas atividades da

pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva

desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação

de serviços ou de mercadorias por atividade lícita,

cumprindo ou não o seu papel social, nos termos dos traços

de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a

praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade

autorizada, bem como se com sua atividade favorece o

enriquecimento de seus sócios e sua derrocada

administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de

direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o

82 COMPARATO, Fábio Konder, 2005 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 44) 83 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 6)

Page 51: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

43

patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua

existência jurídica.84

Perseguir objetivo diferente do que consta no ato constitutivo

para prejudicar alguém 85 é a explicação dada por Maria Helena Diniz, no que

concerne ao desvio de finalidade.

Já Bruno Mattos e Silva demonstra um entendimento mais

subjetivo ao destacar aspectos valorativos no que tange o desvio finalidade,

conceituando-o como “a utilização da pessoa jurídica para fins distintos dos

objetivos ou valores que motivaram a criação dessa figura jurídica.” 86

Este autor explica que o desvio de finalidade “ocorre quando

a pessoa jurídica é criada para finalidades que não são condizentes com a função

jurídica a ela determinada (ex.: no caso de uma sociedade, é a de exercer

atividade econômica)” 87 e “quando, embora criada legitimamente, os sócios ou

administradores utilizam-se da pessoa jurídica para finalidades outras, que não as

devidas.” 88

Nota, assim, que a questão é mais assentada, sendo que os

autores convergem para o entendimento que o desvio de finalidade consiste no

desvio da realização dos fins legítimos para os quais foi criada a pessoa jurídica.

Ao analisar a obra do citado Mattos e Silva, depare-se com

uma analise divergente acerca da compreensão das categorias “desvio de

finalidade” e “confusão patrimonial” com sendo casos de “abuso da personalidade

jurídica”. Mattos e Silva, ao contemplar o artigo 50 do Código Civil, estabelece

que “esse dispositivo, tal como redigido, afirma que pode o juiz desconsiderar a

84 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) 85 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v.1 (p. 305) 86 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 229) 87 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 226) 88 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 227)

Page 52: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

44

personalidade jurídica para atingir bens dos sócios ou administradores quando

ocorrer abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial.” 89

Desta forma, ao trabalhar a conceituação de “desvio de

finalidade”, o autor demonstra que pode-se equiparar-lo igual e somente a “abuso

da personalidade jurídica”, tratando a “confusão patrimonial”, como algo alheio a

esta última categoria, o que permite inferir-se que tal compreensão surge da

analise diferenciada acerca da vírgula que se encontra antes da expressão “ou

pela confusão patrimonial”.

Trabalhando o conceito operacional “confusão patrimonial”

encontra-se, este, fundamentado na vertente “objetiva” da “teoria maior”, que vale

reforçar pelas palavras de Fábio Ulhoa Coelho já referenciadas em outra

oportunidade, é a teoria “pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia

patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos

praticados por meio dela.”

Desse modo, como a confusão patrimonial é considerada

uma forma de mau uso da pessoa jurídica, ou seja, utilizar-se do principio da

autonomia patrimonial para fins diversos dos quais foi concebida, resta

caracterizada a “confusão patrimonial” como abuso da personalidade jurídica e

fica difícil situá-la como outra categoria.

Desta mesma forma, contestando a hipótese de

compreensão diversa do art. 50 devido à língua portuguesa, apresentada por ele,

Bruno Mattos e Silva, conceitua a categoria:

“A confusão patrimonial é a hipótese em que os sócios ou

administradores utilizam em proveito próprio os bens e

recursos da pessoa jurídica.Trata-se de uma

“promiscuidade” entre bens dos sócios, associados ou

administradores e bens da sociedade. Penso que a confusão

patrimonial não deixa de ser uma modalidade de abuso da

89 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 229)

Page 53: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

45

personalidade jurídica da sociedade, pois a autonomia

patrimonial tem uma função jurídica que restou violada pelos

sócios ou administradores.” 90

Segundo André Pagani de Souza, a teoria da confusão

patrimonial foi ensinada por Fábio Konder Comparato, que diz que caso haja

confusão patrimonial entre bens dos sócios e das sociedades (utilizam os

mesmos imóveis como sede, os mesmos móveis para se locomover, a sociedade

paga contas pessoais dos sócios etc.), não há por que respeitar a autonomia

patrimonial da pessoa jurídica, pois ela está sendo utilizada para uma finalidade

distinta daquela para a qual foi concebida. 91

Neste certame, Nelson Nery Junior explica que “também é

aplicada a desconsideração nos casos em que houver confusão entre o

patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Essa situação decorre da não

separação do patrimônio do sócio e da pessoa jurídica por conveniência da

entidade moral.92

As palavras de Maria Helena Diniz confirmam este

entendimento ao afirmar que a confusão patrimonial é a “mistura do patrimônio

social com o particular do sócio.” 93

Sendo assim, resta elucidada a teoria maior subjetiva (abuso

de direito, fraude, desvio de finalidade) e a objetiva; que esta última, segundo

Pagani, Fábio Ulhoa Coelho ensina que facilita a prova no processo judicial, ou

seja, a parte não tem que provar os aspectos subjetivos como o abuso de direito e

90 SILVA, Bruno Mattos. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. (p. 229) 91 COMPARATO, Fábio Konder, 2005 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 59-60) 92 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) 93 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v.1 (p. 306)

Page 54: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

46

a fraude, basta demonstrar a existência de confusão patrimonial para que se

proceda a desconsideração. 94

Além das causas embasadas na “teoria maior subjetiva”

(abuso de direito, fraude e desvio de finalidade) e na “teoria maior objetiva”

(confusão patrimonial) há a corrente que preza pela “teoria menor” que, segundo

Ulhoa Coelho, autoriza a penetração no véu da personalidade jurídica e possibilita

afastar a autonomia patrimonial pelo simples prejuízo do credor.95

No entanto, tendo em vista o posicionamento doutrinário e

jurisprudencial, não cabe conceber como válida a “teoria menor” da

desconsideração, motivo pelo qual o próprio nome já sugere, trata-se de uma

forma de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica que

deturpa o instituto da pessoa jurídica.

A chamada “teoria menor” é resultado da decretação

afobada da desconsideração da personalidade jurídica, pelo simples fato de o

credor não ter logrado êxito em receber o que lhe é devido, sem haver qualquer

indagação sobre a ocorrência de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial. 96

Fabio Ulhoa Coelho explica que o prejuízo do credor pelo

inadimplemento da pessoa jurídica não caracteriza causa para desconsideração,

ao afirmar que “não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese

em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as

regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência.” 97

A teoria menor tem aplicabilidade no que concerne ao direito

do consumidor, devido a hipossuficiência deste nas relações de consumo; tanto

94 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 60) 95 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2 (p. 35) 96 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 39) 97 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. (p. 127)

Page 55: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

47

que o legislador, no art. 28 da Lei 8.0780 de 1990, prevê diversas outras causas

para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Com o intuito de facilitar a explanação, transcreve-se a

referida norma:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica

da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver

abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou

ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A

desconsideração também será efetivada quando houver

falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade

da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica

sempre que sua personalidade for, de alguma forma,

obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos

consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, como se lê, traz outras

hipóteses de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito

das relações de consumo, além da caracterização do abuso de direito, fraude,

desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Essas hipóteses visam a proteção

do consumidor, mas são alvo de controvertidas discussões, uma vez que podem

não ser consideradas aplicáveis com embasamento na teoria da desconsideração

da personalidade jurídica, visto que são contrárias aos pressupostos

estabelecidos pela doutrina, um dos quais é a impossibilidade de a mera

insolvência da sociedade por má administração ser motivo para penetrar o véu da

personalidade jurídica.

Neste sentido é o entendimento de Gama:

“Obviamente que, em termos gerais, a tutela jurídica dada

ao consumidor deve ser mais protetiva do que aquela

ministrada em relações paritárias e, por isso, é perfeitamente

Page 56: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

48

possível o reconhecimento da aplicação da teoria da

desconsideração em espectro mais amplo quando o

beneficiário for o consumidor. Todavia, é fundamental que

seja apurada a fraude ou o abuso no uso da personalidade,

sob pena de desvirtuamento da teoria da pessoa jurídica.” 98

Pagani de Souza estabelece que as hipóteses de aplicação

contidas no caput do artigo, quais sejam o “excesso de poder”, “infração da lei”,

“fato ou ato ilícito”, “violação dos estatutos ou contrato social”, também a

“falência”, “estado de insolvência”, “encerramento ou inatividade da pessoa

jurídica provocados por má administração” são condutas imputáveis aos sócios e

administradores e não é a personalidade jurídica que impede o ressarcimento dos

danos causados, por este motivo não há o que se falar em teoria da

desconsideração. 99

Ainda segundo Pagani, podemos destacar a crítica de

Raquel Sztajn acerca do art. 28 do CDC:

Claramente o texto do art.28 da Lei 8.078 de 90 não segue a

filosofia que informa a aplicação da teoria nos sistemas de

origem. O texto mistura defeitos dos atos para os quais o

sistema já prevê remédios próprios. Ou o legislador não

entendeu a função da teoria da desconsideração ou, ao que

parece, desejou banalizar, vulgarizar a técnica, para torná-la

panacéia nacional da defesa do consumidor. 100

Venosa se manifesta acerca do dispositivo contribuindo que

a redação do mesmo é reclamada pela doutrina, mas que a ampla abrangência

deste artigo permite que juiz examine a oportunidade e a conveniência da

98 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 23) 99 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 65-66) 100 SZTAJN, Raquel, [s.d.] apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 67)

Page 57: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

49

desconsideração no caso concreto e que razões de equidade devem orientá-lo. 101

Devido a esta abrangência nas hipóteses de aplicação da

desconsideração e a questão da hipossuficiência do consumidor, nas relações de

consumo, conforme caput do art. 28 do CDC, o próprio juiz poderá desconsiderar

a personalidade jurídica.

Esta situação se difere no que tange a aplicação no Direito

Civil, visto o conceito operacional destacado no art. 50 de que pode o juiz decidir

“a requerimento da parte, ou do Ministério Publico”, o que veda a aplicação ex

officio.

Acerca deste assunto, Gama complementa:

[...] pelo Código de 2002 o juiz não pode aplicá-la ex officio,

só podendo fazê-lo a requerimento da parte, ou do Ministério

Publico quando lhe couber intervir no processo. Tal

disposição, a principio, conflita com o disposto no art. 28 da

Código de Defesa do Consumidor, que afirma que o juiz

poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade

[..].102

Esta diferenciação na aplicação da teoria da

desconsideração pode ser fundamentada no caráter que possui as demandas de

Direito Civil e de Direito do Consumidor, conforme explica Gama:

“Para a correta solução da questão, é necessário analisar o

ideário que embasa cada dispositivo. Enquanto o Código

Civil visa regrar relações entre sujeitos em suposta

igualdade e que mantêm relações privadas [...], o Código de

Defesa do Consumidor tem, notadamente, um caráter

101 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. (p. 274) 102 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 12)

Page 58: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

50

protecionista, [...] havendo forte tendência de se

considerarem as questões a ele relativas como de ordem

pública.” 103

Desta forma, como consta expresso no artigo 50 a

necessidade de requerimento da parte ou do Ministério Público, esta questão não

enseja maiores discussões.

Da mesma forma é visto o conceito operacional destacado

no art. 50 do CC, qual seja “efeitos de certas e determinadas relações de

obrigações”. Esta expressão do dispositivo fomenta que “a desconsideração da

pessoa jurídica não atinge a validade do ato constitutivo, mas a sua eficácia

episódica.” 104

Fábio Ulhoa Coelho, com mais aprofundamento, explica a

questão:

“A teoria da desconsideração da pessoa jurídica não

questiona o principio da autonomia patrimonial, que continua

válido e eficaz [...]. Assim, a pessoa jurídica desconsiderada

não é extinta, liquidada ou dissolvida pela desconsideração;

não é, igualmente, invalidada ou desfeita. Apenas

determinados efeitos de seus atos constitutivos deixam de

se produzir episodicamente.” 105

Este é entendimento unânime na doutrina, mas Venosa

complementa que o efeito da desconsideração possui gradação, ou seja, “estará

na medida da prática de um ato isolado abusivo ou fraudulento, ou de uma série

de atos, o que permitirá a desconsideração equivalente.” 106

103 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 12) 104 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. (p. 127) 105 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v.1 (p. 243) 106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. (p. 275)

Page 59: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

51

Sobre o tema, o autor ainda esclarece:

“Por vezes, a simples desconsideração no caso concreto é

suficiente para restabelecer o equilíbrio jurídico. Outras

vezes, será necessário ato mais abrangente, como a própria

decretação da extinção da pessoa jurídica.” 107

Além de estabelecer que os efeitos da desconsideração

recaem sobre certas e determinadas obrigações, o artigo 50 do CC determina que

tais efeitos sejam “estendidos aos bens particulares dos administradores ou

sócios” da pessoa jurídica, o que substância o último conceito operacional a ser

trabalhado.

Este tema também requer atenção, uma vez que, segundo

Gama, existe o entendimento de que “de acordo com a redação do art. 50,

conclui-se que ele seria apenas uma forma de responsabilizar subsidiariamente o

sócio, ou seja, só poderia ser aplicada a desconsideração quando o patrimônio da

própria pessoa jurídica fosse insuficiente para o total ressarcimento do lesado.” 108

Fábio Ulhoa Coelho entende que “ignorando a autonomia

patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o

sócio por obrigação que, originariamente, cabia à sociedade.” 109

Com este entendimento de Coelho de que o sócio é

responsabilizado diretamente, deduz-se que, nos casos que ensejam

desconsideração da personalidade jurídica, o autor não atribui responsabilidade à

pessoa jurídica.

Segundo Gama, para Assumpção Alves, “a desconsideração

deve ser usada para, atingindo diretamente o patrimônio do sócio responsável

107 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. (p. 275) 108 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 12) 109 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. (p. 126)

Page 60: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

52

pelo ato abusivo, conservar o patrimônio da pessoa jurídica e também dos demais

sócios não envolvidos na subversão.” 110

De acordo com entendimento seu, Gama dispõe:

“A teoria da desconsideração da personalidade jurídica da

pessoa jurídica somente deve ser aplicada para atingir os

que agiram fraudulentamente ou de modo abusivo, ou de

alguma forma se beneficiaram com tal conduta, mas não

deve atingir os demais sócios e administradores que não

agiram com fraude ou abuso. As pessoas que não se

aproveitaram do véu da personalidade para a prática de

fraude ou do abuso, com efeito, não podem ser

responsabilizadas patrimonialmente, sendo inoponível a

teoria da desconsideração a tais pessoas.” 111

Neste certame Nelson Nery Junior, com apelo

jurisprudencial demonstra o tema através de entendimento do STJ:

Desconsideração da personalidade jurídica. Limitação.

Jornada I STJ 7: Só se aplica a desconsideração da

personalidade jurídica quando houver a prática de ato

irregular; e limitadamente, aos administradores ou sócios

que nela hajam incorrido. 112

Pode-se inferir que a responsabilidade direita do sócio ou

administrador da pessoa jurídica, em detrimento à atribuição de responsabilidade

à pessoa jurídica, mostra-se como entendimento majoritário e neste contexto de

responsabilidade dos sócios, cabe fazer alusão da teoria da “desconsideração em

sentido inverso”.

110 ALVES, Alexandre Assumpção, 2003 apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 13) 111 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 13) 112 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 250)

Page 61: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

53

Esta teoria consiste que, da mesma forma que o credor pode

intentar a execução de seus créditos em nome da pessoa jurídica através da

desconsideração da personalidade jurídica para atingir os bens do sócio, pode

também valer-se da pessoa jurídica para cobrar dívida pessoal do sócio quando

este faz uso da pessoa jurídica para prejudicar terceiros.

Vislumbra-se na obra de Nery Junior, o entendimento do

STJ, proveniente da Jornada IV STJ 283, de que “é cabível a desconsideração da

personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se

valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a

terceiros.”113

Citando Calixto Salomão Filho, André Pagani de Souza

esclarece que “por óbvio, a teoria da desconsideração inversa só será aplicada

para tornar sem efeito a transferência indevida do patrimônio do sócio para a

sociedade.” 114

Sendo assim, após a caracterização das categorias através

de diversos entendimentos doutrinários, resta demonstrado, superficialmente, os

aspectos relevantes acerca da desconsideração da personalidade jurídica no que

tange ao direito material.

2.4 ASPECTOS PROCESSUAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A desconsideração da personalidade jurídica, no seu

aspecto material, está substanciada no artigo 50 do Código Civil, no entanto, não

há previsão legal correspondente aos aspectos processuais, o que gera

entendimentos divergentes acerca da aplicação processual do instituto.

113 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) 114 SALOMÃO FILHO, Calixto, 2002 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 64)

Page 62: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

54

As ações que intentam a desconsideração da personalidade

jurídica de uma pessoa jurídica estão embasadas nos princípios constitucionais

do contraditório e ampla defesa, mas as mesmas são objeto de discussão no que

tange ao momento processual que podem ser aplicadas.

Nesse contexto, segundo Gama, surgem três alternativas:

a) a desconsideração aplicada por mera decisão na

execução; b) a desconsideração como demanda autônoma

através do processo de conhecimento; c) a desconsideração

no incidente na execução.115

A primeira hipótese, por ferir o devido processo legal e

afirmar a teoria menor, ou seja, não atender aos pressupostos materiais acerca

da possibilidade de concessão da desconsideração, deve ser considerada

inaplicável.

Por sua vez, a segunda hipótese, qual seja a demanda

autônoma através de processo de conhecimento, constitui o entendimento de

Humberto Theodoro Junior, que discorre:

“a responsabilidade extraordinária, como a proveniente do

abuso de gestão, violação do contrato, dolo, etc., depende

de prévio procedimento de cognição e só pode dar lugar à

execução quando apoiada em sentença condenatória contra

o sócio faltoso.” 116

E ainda de Fábio Ulhoa Coelho, que explana:

“O juiz não pode desconsiderar a separação entre pessoa

jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial

115 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. (p. 27) 116 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v.2 (p.103)

Page 63: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

55

própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da

sociedade contra os sócios ou seus controladores” 117

Além de mera decisão na execução ou através de processo

de conhecimento, têm-se a última proposição de que pode-se admitir a ação

incidental no processo de execução e sobre esta vertente, utiliza-se das

pesquisas de Nelson Nery Junior para demonstrar a posição da Ministra Nancy

Andrighi do STJ, qual seja:

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal.

Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o juiz,

incidentemente no próprio processo de execução (singular

ou coletivo), levantar o véu da personalidade jurídica para

que o ato de expropriação atinja os bens particulares de

seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à

lei ou contra terceiros. (STJ, 3ª T., REsp 332763-SP, rel.

Min. Nancy Andrighi, v.v., j. 30.4.2002, DJU 24.6.2004,

p.297). 118

Neste sentido, segundo André Pagani de Souza, converge a

doutrina majoritária, e destaca o posicionamento de Fábio Konder Comparato,

que sustenta que a ação incidental na execução assegura o devido processo legal

e o contraditório, além de apresentar a óbvia vantagem da celeridade.” 119

Isto posto, visto que não há previsão legal expressa e diante

dos divergentes entendimentos, pode-se inferir que os aspetos processuais, no

que concerne o momento oportuno para pleitear ação de desconsideração da

personalidade jurídica, é assunto ainda a ser debatido pela doutrina e pela

jurisprudência e questionado a cada pretensão jurídica intentada. 117 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2 (p. 55) 118 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. (p. 249) Nelson Nery Junior, p250 119 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 118)

Page 64: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

56

CAPÍTULO 3

UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Neste último capítulo, analisar-se-á os acórdãos proferidos

por tribunais de diferentes instâncias a fim de demonstrar os pontos controversos

acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no tocante aos

requisitos para sua efetiva aplicabilidade nos distintos ramos do direito.

Como se verificará a seguir, divergentes são os

entendimentos colhidos nos julgados, o que denota tratar-se de matéria não

pacificada. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica pode tratada de

uma forma pelo direito civil, e de maneira completamente distinta pelo direito do

trabalho, por exemplo.

Essas divergências jurisprudenciais se embasam na também

divergente posição doutrinária, demonstrada no capítulo anterior. Os autores têm

posicionamento distinto quanto às causas que ensejam a aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, o momento processual a ser proposta

a desconsideração, e sobre essas questões que discutirão os acórdãos que

seguem explanados de acordo com a divisão dos ramos de direito elucidados.

3.1 DIREITO CIVIL

Como bem fundamentada por Rolf Serick, Rubens Requião

e outros doutrinadores, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em

síntese, “visa a impedir a fraude ou o abuso através do uso da personalidade

jurídica” 120 e ela é admitida no caso concreto quando configurado estes

pressupostos, conforme preceitua o seguinte julgado:

120 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. (p. 752)

Page 65: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

57

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução. Penhora.

Bens nomeados pela devedora. Não trazida aos autos das

certidões imobiliárias respectivas. Omissão da executada.

Inexistência de outros bens a penhorar. Presunção de má

gestão dos sócios da devedora. DESCONSIDERAÇÃO da

PERSONALIDADE JURÍDICA. Pressupostos não delineados

com precisão. Decisão insustentável.

Em execução promovida contra sociedade empresarial

admite-se a DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA quando for ela utilizada para a realização de fraudes ou com abuso de DIREITO. O simples fato de não

terem sido localizados bens da devedora passíveis de

penhora e de não terem sido carreados aos autos os

comprovantes de propriedade de imóveis por ela indicados,

não autoriza, por isso só, a presunção de má gestão dos

sócios. De mister faz-se, para que se afaste a roupagem da

PERSONALIDADE JURÍDICA, a prova cabal de haverem os

sócios administradores atuado com excesso de poder ou

com infração à lei, ao contrato social ou estatutos da

sociedade. Grifo nosso 121

Estes pressupostos para a concessão da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica são necessários visto que o instituto

trata-se de medida de exceção, uma vez que o que se pretende é resguardar o

principio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, e fazer prevalecer a

separação incisiva entre o patrimônio do sócio e da sociedade.

O art. 50 do Código Civil estabelece que nos casos de abuso

da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade e pela confusão

patrimonial é permitido utilizar-se da desconsideração da personalidade jurídica 121 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2003.009499-7, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 13 de novembro de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 66: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

58

para atingir o sócio que agiu diversamente dos fins da sociedade, conforme se

verifica no entendimento de douto desembargador do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação monitória -

Ajuizamento contra pessoa JURÍDICA - Etapa executória -

Pretensão à penhora de bens particulares de sócio - Teoria

da 'disregard of legal entity' - Pressupostos não positivados -

Negativa judicial - Decisão correta - Insurgência recursal

desatendida.

Acolhida pretensão monitória contra pessoa JURÍDICA, a

circunstância de não dispor ela de bens passíveis de

concretizar o crédito reconhecido, não autoriza, por si só, a

aplicação da teoria da 'disregard of legal entity', com a

penhora em bens particulares de sócio seu. A

DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA

condiciona-se, não apenas à prova da dissolução de fato da

sociedade, ou da inexistência de bens em nome da mesma,

mas, acima de tudo, à comprovação do cometimento, pelos sócios-administradores, da prática de atos com excesso de poderes ou com infração à lei ou ao contrato social. 122Grifo nosso

Além deste, mais consistente se mostra a situação ao

analisar sentença do Min. Aldir Passarinho Junior, do STJ:

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO

DE INSTRUMENTO. CAUTELAR. ARRESTO.

PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO.

REQUISITOS. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO. I. "Nos

122 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2002.023753-7, da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, Florianópolis, SC, 20 de março de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 67: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

59

termos do Código Civil, para haver a desconsideração da

personalidade jurídica, as instâncias ordinárias devem,

fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de

seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida

torna-se incabível." (REsp 1.098.712/RS, Rel. Min. Aldir

Passarinho Junior, Quarta Turma, unânime, DJe:

04/08/2010). II. Agravo regimental desprovido. 123 Grifo

nosso

Além dos pressupostos estabelecidos no art. 50 do Código

Civil, apesar de não ser causa estabelecida expressamente, a fraude também

permite a desconsideração da personalidade jurídica, ela está contida no

embasamento da teoria, e pode ser vislumbrada do seguinte acórdão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA - MEDIDA EXCEPCIONAL -

NECESSIDADE DE PROVA CONVINCENTE DA FRAUDE

AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA SEPARAÇÃO

PATRIMONIAL - AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS -

FECHAMENTO DAS PORTAS DA EMPRESA POR FORÇA

DE MANDADO DE DESPEJO - INEXISTÊNCIA DE PROVA

DA MÁ-FÉ - RECURSO IMPROVIDO.

A DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA,

por se tratar de medida excepcional, uma vez que pode

acarretar graves e irreversíveis prejuízos ao patrimônio

particular dos sócios, não deve ser deferida sem um mínimo

de prova convincente do uso fraudulento do princípio da autonomia da separação patrimonial. Assim, a dificuldade de encontrar bens da empresa

123 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2009-0093528-1, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 16 de setembro de 2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 68: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

60

executada, por si só, não é permissivo para que se adote a

disregard doctrine, sem que haja comprovação da conduta

irregular dos sócios.

Do mesmo modo, não se aplica a medida excepcional,

quando não comprovada má-fé na conduta da empresa, que

fecha as suas portas por força de mandado de despejo, e

não com intenção de fraudar credores. 124 Grifo nosso

Neste sentido, fica evidente que estando configurados os

pressupostos pode-se desconsiderar a personalidade jurídica de determinada

pessoa jurídica para atingir o patrimônio dos sócios. No entanto, além disso,

pode-se utilizar da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para

alcançar outra empresa do mesmo grupo econômico e assim promover

determinada execução pretendida, como o que ocorre na sentença abaixo:

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - ISS -

ARRENDAMENTO MERCANTIL - NOMEAÇÃO À

PENHORA DE LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO

NACIONAL - RECUSA PELO CREDOR - PENHORA DE

DINHEIRO DE EMPRESA INTEGRANTE DO MESMO

CONGLOMERADO FINANCEIRO - AGRAVO DE

INSTRUMENTO [...] 3. A solidariedade - ativa e passiva -

não se presume: decorre de lei ou da vontade das partes

(CC, art. 265). Não há solidariedade passiva entre empresas

tão-somente por pertencerem ao mesmo grupo econômico.

A penhora de bens da empresa que não é parte na relação

negocial só é admissível se presentes os pressupostos

legais que autorizam a DESCONSIDERAÇÃO da

PERSONALIDADE JURÍDICA previstos no Código Civil (art.

50) e no Código de Defesa do CONSUMIDOR (art. 28).

124 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2005.016455-0, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 08 de novembro de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 69: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

61

Aquele estabelece "regra geral de conduta para todas as

relações jurídicas travadas na sociedade, o que evita que os

operadores do DIREITO tenham de fazer - como faziam -

malabarismos dogmáticos para aplicar a norma - outrora

limitada a certos microssistemas jurídicos - em seus

correspondentes campos de atuação (civil, trabalhista,

comercial etc.)” 125

Assim como a execução de uma empresa pode ser

direcionada a outra do mesmo grupo, a teoria da desconsideração também

permite a responsabilização da sociedade por obrigação pessoal do sócio, a

chamada “desconsideração da personalidade jurídica inversa”.

A Min. Nancy Andrighi, do STJ, contribui com

esclarecimentos no Recurso Especial 2007-0045262-5, julgado em 22 de junho

de 2010:

Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é

combater a utilização indevida do ente societário por seus

sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o

sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o

integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma

interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a

desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo

a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas

pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos

previstos na norma.126

125 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.011231-9, da Vara Comercial da Comarca de Brusque, Florianópolis, SC, 17 de agosto de 2004. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 126 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2007-0045262-5, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Brasília, DF, 22 de junho de 2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 70: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

62

No entanto, vale firmar que para que ocorra a

desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso o sócio não pode

mais possuir bens a serem penhorados, veja:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PROPOSTA

CONTRA PESSOA FÍSICA. DESCONSIDERAÇÃO

INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DE

CRÉDITO DA SOCIEDADE COMERCIAL INTEGRADA

PELO DEVEDOR. PRESSUPOSTOS NÃO

COMPROVADOS. DECISÃO INSUBSISTENTE. RECLAMO

RECURSAL ACOLHIDO.

Na DESCONSIDERAÇÃO inversa da PERSONALIDADE

JURÍDICA de empresa comercial, afasta-se o princípio da

autonomia patrimonial da pessoa JURÍDICA,

responsabilizando-se a sociedade por obrigação pessoal do

sócio. Tal somente é admitido, entretanto, quando

comprovado suficientemente ter havido desvio de bens, com

o devedor transferindo seus bens à empresa da qual detém

controle absoluto, continuando, todavia, deles a usufruir

integralmente, conquanto não integrem eles o seu

patrimônio particular, porquanto integrados ao patrimônio da

pessoa JURÍDICA controlada.

Contudo, essa medida extrema torna absoluta a

indispensabilidade de comprovação, pelo credor, de todos

os pressupostos autorizatórios da desconstituição inversa da

PERSONALIDADE JURÍDICA da empresa comercial, o que

não ocorre quando, comprovadamente, o executado tem

bens próprios, sendo passíveis de penhora, outrossim, as

suas quotas sociais nas empresas por ele integradas. 127

127 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2000.018889-1, da 1ª Vara Cível da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 13 de setembro de 2001. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 71: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

63

Verificados os pressupostos e possibilidades de concessão

da desconsideração da personalidade jurídica, passa-se as questões de cunho

processual, e uma delas é o discutido tema de qual o momento processual

cabível para ser arguida a desconsideração da personalidade jurídica, se no curso

do processo de execução ou em processo de conhecimento.

A última opção, como visto no capítulo anterior, é de

entendimento de doutrinadores como Fábio Ulhoa Coelho e Humberto Theodoro

Junior, mas a possibilidade da argüição da desconsideração no curso do

processo de execução tem forte influência no entendimento da Min. Nancy

Andrighi do STJ, conforme demonstrado também no capitulo antecessor.

Neste sentido, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução contra empresa

comercial - Pretensão à inclusão de sócio no pólo passivo da

ação, com penhora em bens particulares do mesmo -

DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA -

Pressupostos não comprovados - Indeferimento - Decisão

incensurável - Recurso desprovido.

A DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA de empresa comercial devedora pode ser declarada nos próprios autos da ação de execução contra ela proposta, desde que comprovados, à saciedade, os fatos que

justifiquem com suficiência a medida extrema. E a simples

circunstância de não terem sido encontrados bens da

executada passíveis de penhora, ou mesmo a suspensão de

suas atividades, sem dissolução regular, são razões que,

independentemente da prova da conduta faltosa do sócio,

seja em razão de excesso de mandato, seja em decorrência

da prática de atos contrários à lei ou ao contrato social, não

Page 72: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

64

justificam a responsabilização pessoal dos sócios da

devedora. 128

Outra questão processual polêmica é a qualidade jurídica do

sócio para embargar, figura como parte e utiliza os embargos à execução, ou

figura como terceiro e faz uso dos embargos de terceiro.

Foi possível localizar julgado neste último sentido no

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ou seja, o magistrado entende que

desaparece a figura de terceiro, como se observa:

Agravo. Embargos de terceiro. Decisão em medida cautelar

de arresto. Situação fática que conduz ao juízo de

verossimilhança no que tange à DESCONSIDERAÇÃO da

PERSONALIDADE JURÍDICA, ao abuso de direito e à

separação patrimonial. Desaparecimento da qualidade de

terceiro. Recurso desprovido.129

Isto posto, infere-se que as decisões acerca da

desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito civil são pacificas

em relação à necessidade da configuração dos requisitos estabelecidos no art. 50

do Código Civil, bem como a fraude ou o abuso de direito. No entanto, no tocante

a questão processual, ainda resta entendimentos divergentes.

3.2 DIREITO DO TRABALHO

Devido ao seu caráter protecionista a Consolidação das Leis

do Trabalho – CLT possui dispositivos que visam garantir o direito do trabalhador 128 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2002.025985-9, da 3ª Vara Cível da Comarca de Joinville, Florianópolis, SC, 13 de março de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 129 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2001.020748-6, da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 25 de abril de 2002. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 73: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

65

e um desses dispositivos trata da solidariedade entre as empresas que formam o

mesmo grupo, conforme preceitua o parágrafo 2º do art. 2 da CLT, que lê-se

abaixo:

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada

uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a

direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo

industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica,

serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente

responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Além do amparo ao trabalhador, característica da CLT, para

Rubens Requião o referido dispositivo tem relação com a teoria da

desconsideração, como se pode verificar quando afirma que “nada mais está

admitindo senão a aplicação da doutrina, pois despreza e penetra o “véu” que as

encobre e individualiza, desconsiderando a personalidade independente de cada

uma das subsidiárias.” 130

Desta forma, demonstra-se que a teoria da desconsideração

da personalidade jurídica tem aplicação no que tange ao direito do trabalho e fica

confirmado através de acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região

– TRT12, como pode se averiguar no que segue:

BENS DE SÓCIO. PENHORA. TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. O

direcionamento da execução ao sócio da executada é lícito,

pois a teoria da desconsideração da personalidade jurídica

permite ultrapassar os efeitos da responsabilidade da

pessoa jurídica para o membro da sociedade, que com seus

130 REQUIÃO, Rubens, 1969 apud SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 49)

Page 74: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

66

bens particulares deve garantir a execução.131

O direito do trabalho possui pressuposto de utilizar o direito

civil subsidiariamente, o que ocorre também na aplicação da doutrina da

desconsideração. As decisões são fomentadas com base no art. 50 do Código

Civil:

EXECUÇÃO. DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA

JURÍDICA. Somente poderá ser determinada a

desconsideração da personalidade jurídica da sociedade

quando inequivocamente demonstrado o abuso configurado

pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, a teor do

disposto no art. 50 do Código Civil. 132

No que tange a essa aplicação do art.50 do CC, encontra-se

divergências acerca das causas para a admissão da desconsideração da

personalidade jurídica, uma vez que no Código Civil verifica-se o abuso da

personalidade jurídica, desvio de finalidade e confusão patrimonial, enquanto que

no direito do trabalho admite-se de forma majoritária a aplicação da teoria com a

simples insolvência da pessoa jurídica, como denota-se no julgados colhidos no

TRT12:

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA. Possuindo a executada débitos trabalhistas e

não apresentando bens para satisfazer sua dívida, correta a

decisão que autorizou a desconsideração da sua

131 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 02456-2006-030-12-00-4, da 4ª Vara do Trabalho da Comarca de Joinville, Florianópolis, SC, 09 de novembro de 2009. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 132 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04922-2006-005-12-00-6, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 17 de setembro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 75: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

67

personalidade jurídica (art. 50 CC) e determinou que a

execução prossiga contra sua sócia. 133

TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA. A insolvência da pessoa jurídica executada

constitui premissa para o direcionamento da execução aos

seus sócios. Inexistindo tal comprovação, é ilegítima a

aplicação da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica.134

Neste certame, infere-se que se no âmbito do direito do

trabalho a simples insolvência da pessoa jurídica é causa para desconsideração

da personalidade jurídica, não estaria se tratando propriamente da teoria da

desconsideração, uma vez que esta pressupõe a caracterização do abuso da

personalidade jurídica, não se admitindo neste a insolvência, conforme se

demonstra na análise da teoria no âmbito do direito civil.

Ainda assim, apesar a admissão da simples insolvência

como causa de desconsideração, a matéria resta controvertida, e além disso é

necessário que estejam esgotados os bens da pessoa jurídica antes de direcionar

a execução ao sócio, como verifica-se:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

EXISTÊNCIA DE BENS DA SOCIEDADE EMPRESARIAL.

IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA

EXECUÇÃO AOS SÓCIOS. A teoria da desconsideração da

personalidade jurídica da sociedade empresarial somente

poderá ser aventada com fins de afetação do patrimônio dos

133 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04260-2009-031-12-00-3, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 21 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

134 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 05358-2007-002-12-00-0, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Blumenau, Florianópolis, SC, 03 de fevereiro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 76: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

68

seus sócios quando verificada a insuficiência de bens da

devedora. Havendo lastro patrimonial de propriedade da

empresa executada, indevida é a desconsideração de sua

personalidade, bem assim nulos os atos praticados com

vista à expropriação de bens dos seus sócios.135

Outra discussão emergente é o momento processual a ser

proposta a desconsideração da personalidade jurídica, que de acordo com os

acórdãos garimpados é admissível no processo de execução, resguardada,

porém, a necessidade de citação do sócio para figurar no pólo passivo da

demanda, uma vez que este não se confunde com a pessoa jurídica. Este

posicionamento foi observado nos seguintes acórdãos:

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA DA EXECUTADA. NECESSIDADE DE CITAÇÃO

DOS SÓCIOS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO

DEVIDO PROCESSO LEGAL. Considerando que o

ordenamento jurídico pátrio foi edificado no sentido de

distinguir a pessoa jurídica da de seus sócios e, com isso,

dissociar o universo patrimonial de ambos, fazendo com que

cada um tenha vida distinta da do outro, é imperioso que,

valendo-se o magistrado da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica da executada, determine a regular

citação dos sócios antes de promover a afetação de seu

patrimônio jurídico, sob pena de ferimento do devido

processo legal.136

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

DA EMPRESA EXECUTADA. INCLUSÃO DOS SÓCIOS

135 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 01742-2009-010-12-00-0, da Vara do Trabalho da Comarca de Brusque, Florianópolis, SC, 01 de junho de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 136 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 00831-2002-031-12-00-4, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 22 de outubro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 77: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

69

RETIRANTES NO POLO PASSIVO DA DEMANDA.

INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO. NULIDADE. A citação dos

sócios retirantes, quando há a desconsideração da

personalidade jurídica da empresa e a sua inclusão no polo

passivo da demanda, é imprescindível à realização da

penhora sobre os bens particulares destes (inteligência dos

arts. 880 da CLT e 618, II, do CPC). A inobservância de tal

preceito legal enseja o reconhecimento da nulidade da

penhora.137

Ainda na questão processual, fica evidenciado que ao ser

concedida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio, que como já

visto, precisa ser citado, passa a ser parte do processo, ainda que não

originariamente, e ao ter recaído sobre seus bens, penhora, não pode embargos

como terceiro, pois assim não mais o é, como demonstra o julgado do TRT12:

CONSTRIÇÃO DE BENS DE SÓCIO DA EMPRESA.

EMBARGOS DE TERCEIROS. PARTE ILEGÍTIMA PARA

PROPOR O RECURSO. CONFIGURAÇÃO. Em sintonia

com a decisão do TRT que não aceitou os embargos à

execução opostos pela empresa, por serem parte ilegítima

para a defesa do bem do sócio, porque somente o sócio é

quem tem legitimidade para opor embargos à execução

contra a constrição que recaiu sobre bens de sua

propriedade, não poderia o agravante ter oferecido

embargos de terceiro, senão embargos à execução,

observados os prazos legais. Quem integra a execução, seja

originariamente, seja por decisão ulterior (sucessão,

desconsideração da personalidade jurídica etc.) é executado

e não terceiro e, como tal, deve se valer dos embargos à

137 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04568-2003-018-12-00-3, da 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Blumenau, Florianópolis, SC, 20 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 78: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

70

execução, não tendo legitimidade para embargar de terceiro.

Agravo de petição conhecido para se negar provimento.138

Neste certame ficam tratadas as principais questões acerca

da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito do

trabalho.

3.3 DIREITO DO CONSUMIDOR

Como explanado no capítulo anterior, há uma grande

discussão sobre ser o art.28 do Código de Defesa do Consumidor um dispositivo

referente à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que

este positiva mais causas para a aplicação da teoria do que propriamente o uso

deturpado do instituto da pessoa jurídica.

Esse contra censo também paira nas decisões dos

magistrados, há aqueles que entendem tratar-se todas as causas do art.28 como

sendo suficientes para a aplicação da disregard doctrine, enquanto outros, ainda

que estejam expressas a demais causas no dispositivo, entendem que deve haver

a comprovação do abuso de direito, fraude, abuso de poder.

O art. 28 do CDC abriga a falência, a insolvência, o

encerramento das atividades da pessoa jurídica ou até mesmo a própria pessoa

jurídica como obstáculo ao ressarcimento do consumidor como causas para

desconsideração, pois o legislador entende que o consumidor seja vulnerável nas

relações de consumo.

No entanto, a corrente que não abraça o art. 28 do CDC

como desconsideração diz que o mesmo prejudica o instituto da pessoa jurídica,

que o sócio não pode sofrer o ônus incondicional nas situações em que age com

boa-fé e que por este motivo não pode se valer apenas da interpretação literal. 138 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 00064-2008-017-12-00-2, da Vara do Trabalho da Comarca de Mafra, Florianópolis, SC, 20 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 79: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

71

Desta forma é o entendimento da desembargadora Maria do

Rocio Santa Ritta da Primeira Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, conforme selecionada ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DÍVIDA AFETA

A SOCIEDADE LIMITADA. AMBICIONADA A

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

ART. 28, § 5º, DO CDC. INTERPRETAÇÃO LITERAL

INSUFICIENTE. TUTELA DA BOA-FÉ E DA GARANTIA DO

DESENVOLVIMENTO NACIONAL. NECESSIDADE DE

COMPROVAÇÃO DO USO DETURPADO DO ENTE

MORAL. PROVIDÊNCIA NÃO IMPLEMENTADA PELOS

EXEQÜENTES. RECURSO DESPROVIDO. A

DESCONSIDERAÇÃO da PERSONALIDADE JURÍDICA

somente se admite quando o escudo da separação

patrimonial é utilizado para fins destoantes do DIREITO. Não

se pode conceber, diante do princípio da boa-fé, que,

mesmo agindo os sócios nos estreitos limites da legalidade e

da honestidade, tenham seu patrimônio desfalcado para

cobrir dívidas da respectiva sociedade.

É bastante justo que a empresa arque, objetivamente, com

os danos que causar ao CONSUMIDOR; agora, impor este

ônus diretamente e incondicionalmente aos sócios, é medida

de todo desproporcional, que compromete o

desenvolvimento da nação, um dos objetivos da República

Federativa do Brasil (art. 3º, II, da CF).139

Na íntegra deste julgado a desembargadora reza que a

interpretação literal do art. 28 do CDC é insatisfatória, revelando total

descompasso com o sistema legal no qual ele se encontra envolto, além disso,

139 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.034501-6, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 23 de agosto de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 80: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

72

fere o principio da igualdade material, pois desconsidera o comportamento dos

sócios, se de boa ou má-fé. 140

Neste sentido, ela complementa:

As relações consumeristas são regidas pelo princípio geral

da boa-fé implícito na Constituição Federal e expresso no

Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, III) - princípio este

que fundamenta, em última análise, a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Não se pode

conceber, portanto, que, mesmo agindo os sócios nos

estreitos limites da legalidade e da honestidade, tenham seu

patrimônio desfalcado para cobrir dívidas da respectiva

sociedade. A boa fé é merecedora de prêmios e não

punição.141

Os defensores da literalidade do texto do art. 28 do CDC,

por sua vez, entendem que cabe a desconsideração sem necessariamente a

configuração do abuso da personalidade, sendo suficiente qualquer dos requisitos

expressos no referido dispositivo.

Neste sentido, da sentença para o Agravo de Instrumento nº

2000.018889-1 de São José retira-se a citação do culto magistrado catarinense,

Dr. Antônio do Rego Monteiro Rocha, acerca das causas que ensejam a

desconsideração no âmbito do Direito do Consumidor, que assim expõe:

Enfim, a personalidade jurídica só poderá ser

desconsiderada mediante os seguintes pressupostos: a) ato

antijurídico contrário ao direito, mediante ação ou omissão,

consistente em abuso de direito, excesso de poder, infração 140 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.034501-6, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 23 de agosto de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 141 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.034501-6, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 23 de agosto de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 81: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

73

da lei, fato ou ato ilícito ou violação de estatutos, bem como

quando houver falência, estado de insolvência,

encerramento ou inatividade provocados por má

administração; b)responsabilidade objetiva do fornecedor de

produto ou serviço; c) prejuízo ao consumidor, decorrente de

lesão objetiva na relação de consumo; d) existência de

obstáculo criado pela sociedade jurídica para impedir a

responsabilização do membro da sociedade que infringiu o

direito do consumidor; e) nexo de causalidade entre o

antijurídico praticado pela pessoa moral e o prejuízo sofrido

pelo consumidor, através de obstáculos à reparação

pretendida. Inexistentes os requisitos acima, o magistrado

não pode e não deve desconsiderar a personalidade jurídica,

por ser motivo de exceção e porque o instituto da

desconsideração é o meio para cuidar dos desvios

funcionais da personalidade jurídica, pelo que não pode ser

prodigalizado sem fundamentação jurídica. 142.

Sendo assim, a partir destas palavras pode-se perceber que

o magistrado atribui todas as citadas situações como constitutivas da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica e no mesmo texto afirmar que a teoria

é medida de exceção.

Deste modo, pode-se deduzir que a questão é, do mesmo

modo que na doutrina, motivo para diferentes posicionamentos e decisões nos

tribunais.

142 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2000.018889-1, da 1ª Vara Cível da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 13 de setembro de 2001. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 82: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

74

3.4 DIREITO TRIBUTÁRIO

Em matéria de direito tributário no que concerne à teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, concebe-se rapidamente a matéria da

“responsabilidade tributária”, ou mais precisamente a “responsabilidade de

terceiros”, capitulada no Código Tributário Nacional – CTN no artigo art. 135, I, II,

III, que dispõem:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos

praticados com excesso de poderes ou infração de lei,

contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes das pessoas

jurídicas de direito privado.

No entanto, apesar da relação criada deste dispositivo com a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica, grande é a discussão acerca

desse tema, uma vez que, se a responsabilidade é imputada diretamente aos

sócios, esses já são os destinatários específicos da norma e a distinção entre a

pessoa jurídica e o sócio não é empecilho para responsabilizar o mesmo,

portanto, não está se tratando de desconsideração da personalidade jurídica ao

aplicar estes dispositivos do CTN. 143

Neste sentido, é o entendimento do autor André Pagani de

Souza:

Caso o sócio, o acionista, o administrador ou a sociedade

sejam destinatários específicos de normas que lhes atribuam

responsabilidade pelo abuso de direito ou pela realização de 143 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 47)

Page 83: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

75

fraudes, não há falar em aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Nessas

hipóteses, a responsabilidade é imputada diretamente ao

sócio, acionista, administrador ou à própria pessoa jurídica,

conforme o caso.144

Calixto Salomão Filho, por sua vez, na obra “O novo direito

societário” expõe que o artigo do CTN acima mencionado é exemplo da aplicação

da teoria da desconsideração da personalidade jurídica fundamentada em

dispositivos legais. 145

Neste mesmo sentido, colhe-se julgado do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina – TJSC, no qual o magistrado entende o art.135 do

CTN como a previsão para a aplicabilidade da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica:

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA - EXECUÇÃO FISCAL

- SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE

LIMITADA - INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO

PENHORÁVEL - PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO

IRREGULAR - PEDIDO DE CITAÇÃO DOS SÓCIOS-

GERENTES, NÃO OBSTANTE, INDEFERIDO - SITUAÇÃO

EXCEPCIONAL DE CABIMENTO DA TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA -

EXEGESE DO ART. 135, III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO

NACIONAL - PRECEDENTES - INTERLOCUTÓRIO

REFORMADO - AGRAVO PROVIDO

Os sócios diretores, gerentes ou representantes de empresa

por cotas de responsabilidade limitada respondem

solidariamente pela obrigação tributária, nos termos do art. 135, III do CTN, quando há dissolução irregular da

144 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. (p. 47) 145 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário (p. 196-197)

Page 84: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

76

sociedade ou, segundo a doutrina e a jurisprudência, se

comprovada a prática de atos com excesso de poder,

infração de lei do contrato social ou estatutos. É a aplicação da disregard doctrine, também conhecida como teoria da disregard of legal entity ou, em bom vernáculo, teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pela qual,

visando coibir um possível abuso de direito, entravador e

prejudicial à atividade do Estado, o sócio de empresa

dissolvida irregularmente em nome da qual não são

encontrados mais bens passíveis de garantir a satisfação de

seus débitos tributários, ou o que comprovadamente praticou

algum daqueles atos mencionados, passa a ser equiparado

à própria pessoa jurídica que representa, podendo, sem

necessidade de expedição de nova CDA, ser citado e ter seu

patrimônio sujeito ao gravame garantidor do implemento da

referida obrigação. (Grifo nosso) 146

De acordo com o que preceitua o próprio caput do art. 135

do CTN e o que pôde ser observado no acórdão acima, uma das causas que

ensejam a responsabilização do terceiro perante a obrigação da pessoa jurídica,

ou seja, o “redirecionamento” da responsabilidade, é a comprovação de atos

praticados com “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou

estatutos” os quais caracterizam o abuso da personalidade ou o desvio de

finalidade, que são pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração,

o que cria a conexão do dispositivo com a teoria.

Essa relação estabelecida entre o art. 135 do CTN com a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica pode ser verificada

maciçamente nos julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme

lê-se nas ementas elencadas abaixo:

146 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2001.004093-0, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Balneário Camboriú, Florianópolis, SC, 09 de agosto de 2001. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 85: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

77

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO

FISCAL. COMPROVADA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA

EMPRESA. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE.

Quando a sociedade se extingue irregularmente cabe

responsabilizar o sócio-gerente, permitindo-se o

redirecionamento. Assim, é dele o ônus de provar não ter

agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. (Grifo

nosso)147

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

- Apenas em situações excepcionais, em face da

importância do princípio da autonomia patrimonial da pessoa

jurídica, é possível a aplicação da desconsideração da

personalidade jurídica, sendo necessária, outrossim, a prova

concreta do desvio de finalidade da empresa. 148

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.

REDIRECIONAMENTO. ART. 135, III, DO CTN.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO-GERENTE.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...] 3. O mero

inadimplemento do tributo não caracteriza infração legal.

Apenas a atuação das pessoas elencadas nos incisos do art. 135 do CTN com dolo, excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos possibilitaria o redirecionamento do feito executivo à pessoa do

147 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 0001727-93.2010404.0000, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, RS, 19 de maio de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010. 148 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 0007639-71.2010.404..0000, da 1ª Vara de Execuções Fiscais da Comarca de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, 19 de maio de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 86: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

78

sócio-gerente.[...]149

Sendo assim, apesar das divergências doutrinárias, a

jurisprudência mostra-se convergente ao entendimento de que o

redirecionamento da responsabilidade da pessoa jurídica para o terceiro (sócio,

administrador, gerente) disposta no art. 135 do CTN trata-se da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica.

Consoante aos acórdãos citados, a titulo de

complementação, acerca do inadimplemento da obrigação tributária constituir

causa de redirecionamento de responsabilidade ao sócio, vale firmar as palavras

da desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrére, proferidas no teor do

citado agravo de instrumento de nº 0001727-93.2010.404.0000:

A responsabilidade tributária do sócio gerente ou

administrador permite a separação patrimonial e está

expressamente autorizada na norma legal em referência (art.

135 CTN), sendo firme o entendimento jurisprudencial no

sentido de que o simples inadimplemento da obrigação

tributária não é suficiente para caracterizar infração à lei a

que se refere o legislador.

Com efeito, o que pode constituir infração, o que pode levar

o diretor, gerente ou administrador, a tornar-se responsável,

é a causa do não pagamento, mas jamais este próprio efeito,

tomado isoladamente. Então, é preciso que se investigue,

casuisticamente, as razões dessa inadimplência, para

verificar se, entre elas, estariam fatos capazes de serem

149 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação nº 2005.70.09.000967-8, da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Ponta Grossa, Porto Alegre, RS, 14 de abril de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 87: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

79

enquadrados como 'excesso de poderes, infração à lei, ao

contrato social ou aos estatutos'. 150

Desta forma, a partir do texto da desembargadora, nota-se

que o não pagamento das obrigações tributárias não é causa para desconsiderar

a personalidade jurídica da pessoa jurídica para atingir o patrimônio dos sócios.

150 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 0001727-93.2010404.0000, da 1ª Vara de Execuções Fiscais da Comarca de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, 19 de maio de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 88: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia buscou analisar o instituto da

desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias, bem

como seus efeitos no âmbito do direito civil, direito do trabalho, direito do

consumidor e direito tributário, através de julgados de distintos tribunais.

Para tanto, no Capítulo I verificou-se a conceituação das

principais categorias que servem de embasamento teórico para compreensão do

instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

A principal categoria, “personalidade jurídica”, foi

caracterizada através do entendimento de diversos autores, e pôde-se inferir que

se trata de um conjunto de características gerais – juridicamente determinadas –

que individualizam a pessoa perante seu contexto social, a fim de torná-la apta

para exercer direitos e contrair obrigações.

Partindo do pressuposto de que a personalidade jurídica é

atribuída as pessoas, foi necessária a explanação que há dois tipos de pessoa,

física ou natural (ser humano) e jurídica ou moral (ente fictício).

Em seguida, demonstrou-se o momento da personificação

das pessoas. As físicas adquirem a personalidade a partir do nascimento,

enquanto as jurídicas, através do registro do ato constitutivo.

Sendo a desconsideração das pessoas jurídicas o objeto

deste trabalho, prosseguiu-se a pesquisa com foco nestas, com a distinção entre

pessoa jurídica de direito público e pessoa jurídica de direito privado.

Na sequência foi abordado os tipos de pessoas jurídicas de

direito privado, quais sejam as fundações, associações, partidos políticos,

organizações religiosas e as sociedades.

Page 89: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

81

Para encerrar e estreitar o tema, foram diferenciadas as

sociedades simples das sociedades empresárias, as quais foram o prisma da

análise da desconsideração da personalidade jurídica.

No segundo Capítulo foi abordado o contexto histórico da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o surgimento nos tribunais

norte-americanos e alemães, o primeiro caso de decisão judicial por

desconsideração da personalidade jurídica, as formulações dos autores que

foram os precursores da teoria, como Rolf Serick, Piero Verrucoli e Rubens

Requião.

Segundo os referidos autores, a autonomia patrimonial,

gerada pela concessão de personalidade distinta à pessoa jurídica, que a separa

dos membros que a compõe, pode ser utilizada como anteparo de fraudes e atos

contrários ao direito.

Com o intuito de afastar o absolutismo atribuído sobre o

direito de personalidade, a teoria da desconsideração visa penetrar o véu da

personalidade jurídica para atingir e responsabilizar os sócios que agem por meio

da pessoa jurídica.

Acerca da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica, o dispositivo mais importante é o artigo 50 do Código Civil, que elucida as

causas para aplicação da desconsideração neste âmbito do direito.

A fim de analisar a aplicabilidade da teoria, buscou-se

conceituar as categorias presentes neste dispositivo, quais sejam o “abuso da

personalidade jurídica”, alcançando as categorias “abuso de direito” e “fraude”;

“desvio de finalidade”; “confusão patrimonial”; “requerimento da parte ou do

Ministério Público”; “os efeitos de certas e determinadas relações de obrigação

estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios”.

Observou-se a teoria maior objetiva e a teoria maior

subjetiva, além da teoria menor, que tem aplicabilidade no direito do consumidor e

direito do trabalho.

Page 90: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

82

Abordou-se também a teoria da desconsideração em sentido

inverso, que visa responsabilizar a pessoa jurídica pelos atos dos sócios.

Os aspectos processuais, que elucidam o momento

processual a ser proposta a desconsideração da personalidade jurídica também

foram demonstrados.

Por fim, o Capítulo III analisou a aplicabilidade da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica através da demonstração de julgados

de diferentes tribunais no diversos ramos do direito.

Com essa analise pode-se confirmar que a teoria da

desconsideração constitui instituto com grande divergência, pois no direito civil

necessita restar demonstrado os pressupostos estabelecidos no art. 50 para que

seja concedida a desconsideração.

No direito do trabalho, por sua vez, a simples invocação de

insolvência da pessoa jurídica já constitui causa que admite a desconsideração.

O direito do consumidor visa proteger a vulnerabilidade do

consumidor e por isso há entendimento de que não é necessário estar presente a

fraude, o abuso de direito, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Divergências são encontradas também no direito tributário,

pois, uma vez que o artigo 135 do Código Tribunal Nacional prevê

responsabilização direta dos sócios, não estaria se tratando de desconsideração

da personalidade jurídica, visto que a mesma não é obstáculo para atingir o sócio.

No tocante as hipóteses, a primeira não foi confirmada, pois

o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi criado, justamente,

para contrapor o absolutismo do princípio da autonomia patrimonial e atingir os

membros da pessoa jurídica que praticam atos atentatórios ao direito.

A Segunda hipótese, por sua vez, também não restou

confirmada, visto que a aplicabilidade da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica é mutável de acordo com o ramo de direito em questão, ou

Page 91: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

83

seja, no direito civil e no direito tributário as causas do artigo 50 precisam estar

necessariamente demonstradas para que seja concedida a desconsideração da

personalidade jurídica. No direito do trabalho, devido à proteção a ser concedida

ao empregado, pressupõe que a simples insolvência da pessoa jurídica já

constitui medida para aplicação da desconsideração. No mesmo sentido segue o

direito do consumidor, que visa proteger o mesmo no mercado de consumo e por

isso admite que não estejam presentes as causas do artigo 50 do Código Civil,

devido a vulnerabilidade do consumidor, mas não é entendimento único e

enfrenta divergência.

Page 92: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2009-0093528-1, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 16 de setembro de 2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2007-0045262-5, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Brasília, DF, 22 de junho de 2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2000.018889-1, da 1ª Vara Cível da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 13 de setembro de 2001. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2001.004093-0, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Balneário Camboriú, Florianópolis, SC, 09 de agosto de 2001. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2001.020748-6, da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 25 de abril de 2002. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2002.023753-7, da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, Florianópolis, SC, 20 de março de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2002.025985-9, da 3ª Vara Cível da Comarca de Joinville, Florianópolis, SC, 13 de março de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.011231-9, da Vara Comercial da Comarca de Brusque, Florianópolis, SC, 17 de agosto de 2004. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2004.034501-6, da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital, Florianópolis, SC, 23 de agosto de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 93: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

85

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2003.009499-7, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 13 de novembro de 2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2005.016455-0, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 08 de novembro de 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 00064-2008-017-12-00-2, da Vara do Trabalho da Comarca de Mafra, Florianópolis, SC, 20 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 00831-2002-031-12-00-4, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 22 de outubro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 01742-2009-010-12-00-0, da Vara do Trabalho da Comarca de Brusque, Florianópolis, SC, 01 de junho de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 02456-2006-030-12-00-4, da 4ª Vara do Trabalho da Comarca de Joinville, Florianópolis, SC, 09 de novembro de 2009. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04260-2009-031-12-00-3, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 21 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04568-2003-018-12-00-3, da 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Blumenau, Florianópolis, SC, 20 de maio de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 04922-2006-005-12-00-6, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Itajaí, Florianópolis, SC, 17 de setembro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

Page 94: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

86

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Agravo de Petição nº 05358-2007-002-12-00-0, da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Blumenau, Florianópolis, SC, 03 de fevereiro de 2010. Disponível em: www.trt12.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 0001727-93.2010404.0000, da 1ª Vara de Execuções Fiscais da Comarca de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, 19 de maio de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 0007639-71.2010.404..0000, da 1ª Vara de Execuções Fiscais da Comarca de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, 19 de maio de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação nº 2005.70.09.000967-8, da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Ponta Grossa, Porto Alegre, RS, 14 de abril de 2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acessado em 18 de outubro de 2010.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v.1.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v.2.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 4 v.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1.

FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 188 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica: visão crítica da jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009.

Page 95: A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS …siaibib01.univali.br/pdf/Marina de Oliveira Melim.pdf · Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática

87

HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007.

REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.91, n.803, p. 751-764, set. 2002.

SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007.

SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo: Saraiva, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.2.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v.1.