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A disciplina cidade constitucional, por Priscila Cunha de Oliveira Santos Durante a Semana da Pátria, em setembro de 2016, pude vivenciar incríveis momentos de aprendizagem e de reflexão, ao cursar a disciplina “Cidade Constitucional”, ofertada pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Universidade de São Paulo (USP). Uma disciplina vanguardista que nos possibilita viajar durante sete dias e conhecer a capital do Brasil e seu rico Patrimônio Cultural, aprender além dos muros da universidade, com visitas guiadas a instituições republicanas, além de propor encontros expositivos, diálogos, estudos dirigidos, solução de problemas, formação de diagnósticos, seminários, painéis, etc. Em sua 10ª edição e em meio à profunda crise política enfrentada hoje no país, a disciplina propõe refletirmos sobre os desafios políticos e sociais que nos cercam e sobre o nosso papel como estudantes universitários nesse processo. Conforme apontado no roteiro escrito pelos professores Nerling e Andrade (2016), a disciplina “cidade constitucional” é construída a partir de eixos estruturantes e transversais. Em sua 10ª edição, foram propostos como eixos transversais: os temas da educação fiscal para a coesão social, a educação financeira e o tema da sustentabilidade ambiental. Como eixos estruturantes, foram propostos os temas da organização político administrativa, a separação dos poderes, o controle operacional e orçamentário funcional programático. As atividades propostas, as visitas planejadas aos órgãos oficiais e a experiência de vivenciar o clima republicano em Brasília pretendem aprimorar o desenvolvimento pessoal de cada participante e nos preparar para o exercício de uma cidadania cívica ativa, além de nos fazer refletir sobre os caminhos para o desenvolvimento no país, a coesão social, a consciência cívica, a educação fiscal e financeira e a cidadania dos modernos. (NERLING; ANDRADE, 2016) A disciplina também oferece vagas para alunos de outras unidades da USP. Em 2016, além dos estudantes do curso de Gestão de Políticas Públicas, foram contemplados alunos de Educação Física e Saúde, Direito e Marketing e do curso de Administração Pública da Universidade de Santa Catarina (UDESC). Como os problemas brasileiros são interdisciplinares, identificar e resolver problemas na gestão de políticas públicas, também é considerada uma tarefa interdisciplinar, por isso, é essencial que haja alunos de outros cursos. Primeiras Impressões sobre a capital “(…) Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas minha insônia não é bonita nem feia, minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério.” Clarice Lispector Eu não conhecia Brasília até setembro de 2016. Só a havia visto por fotos, por filmes, por livros. A construção da cidade sempre me soou parte de um plano audacioso, talvez até incoerente, uma nova cidade no meio do Planalto Central, no meio do nada, construída em quatro anos, às pressas, durante um mandato presidencial para se tornar a capital da República? Profecia de um padre, projeto de segurança nacional ou apenas criada para ser o símbolo mor do desenvolvimentismo brasileiro? Fiquei espantada quando a vi pela primeira vez! De dentro do ônibus, às 2 da madrugada, a cidade, de fato, me pareceu espetacularmente assombrosa, quase inacreditável que em tão pouco tempo, tudo aquilo tenha surgido do pó, no meio do Cerrado, uma cidade

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Page 1: A disciplina cidade constitucional · A disciplina cidade constitucional, por Priscila Cunha de Oliveira Santos ... Receita Federal do Brasil: Antônio Henrique Lindemberg Baltazar

A disciplina cidade constitucional, por Priscila Cunha de Oliveira Santos Durante a Semana da Pátria, em setembro de 2016, pude vivenciar incríveis momentos de aprendizagem e de reflexão, ao cursar a disciplina “Cidade Constitucional”, ofertada pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Universidade de São Paulo (USP). Uma disciplina vanguardista que nos possibilita viajar durante sete dias e conhecer a capital do Brasil e seu rico Patrimônio Cultural, aprender além dos muros da universidade, com visitas guiadas a instituições republicanas, além de propor encontros expositivos, diálogos, estudos dirigidos, solução de problemas, formação de diagnósticos, seminários, painéis, etc.

Em sua 10ª edição e em meio à profunda crise política enfrentada hoje no país, a disciplina propõe refletirmos sobre os desafios políticos e sociais que nos cercam e sobre o nosso papel como estudantes universitários nesse processo.

Conforme apontado no roteiro escrito pelos professores Nerling e Andrade (2016), a disciplina “cidade constitucional” é construída a partir de eixos estruturantes e transversais. Em sua 10ª edição, foram propostos como eixos transversais: os temas da educação fiscal para a coesão social, a educação financeira e o tema da sustentabilidade ambiental. Como eixos estruturantes, foram propostos os temas da organização político administrativa, a separação dos poderes, o controle operacional e orçamentário funcional programático.

As atividades propostas, as visitas planejadas aos órgãos oficiais e a experiência de vivenciar o clima republicano em Brasília pretendem aprimorar o desenvolvimento pessoal de cada participante e nos preparar para o exercício de uma cidadania cívica ativa, além de nos fazer refletir sobre os caminhos para o desenvolvimento no país, a coesão social, a consciência cívica, a educação fiscal e financeira e a cidadania dos modernos. (NERLING; ANDRADE, 2016)

A disciplina também oferece vagas para alunos de outras unidades da USP. Em 2016, além dos estudantes do curso de Gestão de Políticas Públicas, foram contemplados alunos de Educação Física e Saúde, Direito e Marketing e do curso de Administração Pública da Universidade de Santa Catarina (UDESC). Como os problemas brasileiros são interdisciplinares, identificar e resolver problemas na gestão de políticas públicas, também é considerada uma tarefa interdisciplinar, por isso, é essencial que haja alunos de outros cursos. Primeiras Impressões sobre a capital

“(…) Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas minha insônia não é bonita nem feia, minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério.” Clarice Lispector

Eu não conhecia Brasília até setembro de 2016. Só a havia visto por fotos, por filmes, por livros. A construção da cidade sempre me soou parte de um plano audacioso, talvez até incoerente, uma nova cidade no meio do Planalto Central, no meio do nada, construída em quatro anos, às pressas, durante um mandato presidencial para se tornar a capital da República? Profecia de um padre, projeto de segurança nacional ou apenas criada para ser o símbolo mor do desenvolvimentismo brasileiro? Fiquei espantada quando a vi pela primeira vez! De dentro do ônibus, às 2 da madrugada, a cidade, de fato, me pareceu espetacularmente assombrosa, quase inacreditável que em tão pouco tempo, tudo aquilo tenha surgido do pó, no meio do Cerrado, uma cidade

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construída com suor candango, entre árvores retorcidas! À medida que o ônibus avançava, sentia uma certa angústia silenciosa e buscava decifrar todo aquele mistério enquanto as cores verde e amarela refletiam-se nos prédios oficiais, em comemoração à semana da Pátria.

Há certas metáforas que traduzem melhor algumas das minhas primeiras impressões sobre a capital da República. Clarice Lispector, em algumas de suas crônicas sobre a capital nacional, descreve-a como “assexuada”, diz que ali “a alma não faz sombra no chão”, que a cidade é “artificial, abstrata, sem esquinas”.

Brasília, para mim, tem uma beleza emblemática, peculiar, matemática, branca. Tem o toque leve de curvas bem planejadas, a métrica perfeita, traz em seu plano a possibilidade de ver o horizonte de onde quer que se esteja. As largas avenidas feitas exclusivamente para os automóveis sinalizam o que se pretendia alcançar nos anos 1960: o “progresso industrial”! Construída com os valores da modernidade, Brasília é a filha do projeto desenvolvimentista brasileiro. Uma cidade com muitas curvas, mas poucas sombras. Mas ainda acho que falta qualquer coisa de macumba, como já havia dito Clarice Lispector. Falta espontaneidade de cores, toque poético, uma certa anarquia popular! Ou talvez seja apenas o olhar de quem vive há muito tempo nessa esfera de aço, concreto, cinza e caos paulistano. 05/09, segunda-feira Período da manhã Escola de Administração Fazendária (ESAF): Fabiana Feijó de Oliveira Baptistucci Tesouro Nacional: Marcos Motta Monteiro Agência de Cooperação Alemã (Giz): Tobias Kuehner A manhã do primeiro dia em Brasília foi bastante musical. Ao som alternado de Coldplay, Gabriel o Pensador e Zeca Baleiro, os dois primeiros palestrantes abordaram o tema da educação fiscal e sua importância para o fortalecimento da democracia, além de apontarem as diversas dificuldades enfrentadas atualmente na busca por um país mais igualitário, mais transparente e por um sistema tributário mais progressista.

A educação fiscal foi apresentada como um instrumento de transformação, de fortalecimento da transparência do Estado, do controle social, da gestão pública, da ética e da cidadania.

Houve também a apresentação do Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), cujo objetivo é compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, buscando favorecer a participação social. Vale a pena conferir mais informações sobre esse programa:

http://www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/educacao-fiscal/sobre-o-programa-1

Fabiana nos contou um pouco sobre a criação da ESAF nos anos 1970, sobre os objetivos iniciais da instituição que servia como instrumento de apoio de política econômica e também como elemento modernizador da administração pública, além da importância que a organização foi adquirindo ao longo dos anos, com o aperfeiçoamento das suas ações nos campos da seleção, formação, capacitação e desenvolvimento de servidores públicos.

A palestrante também comentou a respeito das ações atuais da organização: como a utilização da tecnologia de educação a distância, intensificação da rede de teleconferências, realização de cursos abertos à comunidade, formulação de convênios e acordos de cooperação técnica com organismos nacionais e internacionais, além da promoção de cursos de pós-graduação e mestrado. Em seguida, Tobias Kuehner, da Agência de Cooperação Alemã (GiZ), explicou um pouco sobre a parceria estratégica entre a Alemanha e o Brasil na cooperação para o

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desenvolvimento sustentável. Na ESAF, a aposta da organização está na diversificação das matrizes produtoras de energias sustentáveis.

Um dos exemplos propostos pelo palestrante seria o investimento na construção de uma usina fotovoltaica (com placas solares no prédio da instituição) com custo aproximado de 5 milhões de reais, que poderia ser paga no período de 8 a 12 anos. Se considerarmos que a conta mensal de luz da ESAF é de aproximadamente 80 mil reais, e que uma usina fotovoltaica costuma durar no mínimo 25 anos, podemos chegar à conclusão de que haveria lucro para a organização após investimento de 12 anos na obra.

De forma geral, ficou bastante claro com a palestra de Tobias que há a necessidade de repensarmos o conceito de desenvolvimento apenas como sinônimo de progresso econômico. Considerar apenas o crescimento do consumo e de produção de mercadorias como parâmetros de desenvolvimento está ultrapassado e não está necessariamente ligado à liberdade e ao bem-estar das populações. Inúmeros intelectuais questionam se o crescimento econômico traduz-se necessariamente em mais bem estar social para uma determinada população. A partir desses questionamentos, coube refletirmos a respeito do papel do Brasil nesse cenário. Somos o quinto maior país emissor de gases poluentes, a sétima maior economia do mundo, além de possuirmos a maior biodiversidade global, abrigando 20 por cento das espécies animais e vegetais conhecidas no planeta. Nesse sentido, discutimos que o Brasil tem um grande potencial para investir em energias renováveis, para pensar em estratégias de desenvolvimento alternativas e colocá-las em prática, avançando para a construção de um paradigma sustentável de desenvolvimento. Período da tarde Receita Federal do Brasil: Antônio Henrique Lindemberg Baltazar - Coordenador Geral de Atendimento e Educação Fiscal

No período da tarde, saímos da ESAF para visitar o prédio da Receita Federal. A palestra ministrada por Antônio Lindemberg abordou o tema “a educação fiscal para a coesão social”. Primeiramente, o palestrante tentou desmistificar um pouco nossa visão sobre os órgãos e servidores públicos, elogiou a disciplina e a identificou como sendo um projeto de vanguarda democrática, também nos deixou como desafio promover a mudança primeiramente dentro dos nossos níveis de atuação!

O palestrante começou falando sobre as grandes rupturas mundiais do século XX em termos de modelos de Estado e do conceito de direito. A primeira ruptura se deu com o fim da Primeira Guerra Mundial, após a derrota da Alemanha, o surgimento da teoria do positivismo jurídico, a ordenação do Estado e o fortalecimento da ideia de autoritarismo nesse período em que o direito se afastou da ética. Tais acontecimentos estão fortemente relacionados com o cenário posterior de tragédias que se alastraram pelo continente europeu durante a Segunda Guerra Mundial.

A segunda ruptura, de acordo com Lindemberg, foi caracterizada pelo fim da Segunda Guerra Mundial. O nazismo, o julgamento de Nuremberg, o conceito de banalização do mal de Hannah Arendt, tudo apontava para a necessidade de uma nova concepção do Estado, com mais legitimação e diálogo com sociedade, com mais responsabilização dos agentes públicos nesse processo. O direito começou, portanto, a reincorporar os conceitos de justiça e de ética, perdidos anteriormente.

Desde então, a disputa ideológica pelo melhor modelo de Estado continua latente, do Estado burocrático passamos para o gerencial e atualmente, o modelo preponderante é o Estado de governança.

Lindenberg apontou também que há muitos mitos sobre o sistema tributário brasileiro. O senso comum e a própria mídia acabam demonizando o Estado e alimentando a crença de que a carga tributária no Brasil é muito elevada, sem levar em consideração que a

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grande parte dos nossos tributos recai sobre o consumo, afetando muito mais a população de baixa renda, enquanto o patrimônio permanece pouco tributado. Ou seja, nosso sistema tributário ainda é bastante regressivo.

Após discutirmos sobre as diversas formas possíveis de financiamento para o Estado, chegamos à conclusão de que a tributação é o modelo mais democrático de arrecadação de recursos.

O debate proposto nos fez refletir sobre o atual sistema tributário brasileiro. O pagamento dos impostos permite financiar os direitos fundamentais dos cidadãos e é um instrumento que pode corrigir desigualdades sociais e deve ser utilizado como elemento de justiça social. Cabe a nós cidadãos participar desse processo de forma mais ativa, com foco também na fiscalização do dinheiro público. Aduana: Alexandre Martins Angoti

Foto: Vítor Cheregati

Após a visita à Receita, fomos recebidos por Alexandre Martins Angoti na Aduana da

Receita Federal, localizada no terminal de cargas do Aeroporto Internacional de Brasília - Presidente Juscelino Kubitschek. Neste espaço, conhecemos parte das instalações em que ficam armazenadas as cargas recebidas que são avaliadas antes de entrar no território nacional.

A Receita Federal fiscaliza tudo o que entra ou sai do país, por meio de um sistema de informação de gestão de riscos, que seleciona as cargas por sorteio, conforme a probabilidade de irregularidade que pode haver na mercadoria.

Por fim, conhecemos um pouco mais o trabalho da Polícia Federal no contexto de defesa da soberania do Estado brasileiro, além de termos visto como a autoridade aduaneira aplica os controles a viajantes internacionais, à imigração e à vigilância sanitária. 06/09, terça-feira Período da manhã Câmara dos Deputados - Comissão de Legislação Participativa: Aldo Matos Moreno (Assessor Legislativo) “Mais grave do que a miséria dos famintos, é a inconsciência dos fartos”. Franco Montoro

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Na terça-feira, visitamos o Congresso Nacional, uma das visitas mais aguardadas da semana. Começamos pela Câmara dos Deputados, local onde Aldo Matos Moreno, Secretário Executivo da Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Casa, nos recebeu e nos explicou melhor sobre o papel da CLP na democracia participativa. Aldo também fez uma apresentação na qual falou sobre o papel histórico da política na sociedade democrática e expôs as principais características do Congresso Nacional.

A CLP foi criada em 2001 com o objetivo de facilitar a participação da sociedade no

processo de elaboração legislativa. Por meio dessa comissão, a sociedade civil organizada, (por meio de qualquer entidade civil organizada, como ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe) pode apresentar à Câmara dos Deputados suas sugestões legislativas. Essas sugestões

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vão desde propostas de leis complementares e ordinárias, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Pra quem se interessar, vale a pena checar mais informações sobre a CLP pelo link abaixo:

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-

permanentes/clp/conheca-a-comissao/index.html Em seguida, realizamos uma rica simulação de votação de propostas na Comissão de

Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados. Fomos divididos em autores, relatores, defensores e opositores de diversas propostas

relacionados a temas atuais de cultura, segurança pública, etc; temas que já fizeram parte das pautas da Comissão. Foi um debate riquíssimo, no qual pudemos ouvir opiniões divergentes, exercitarmos nossa capacidade de discurso e nos abrirmos para a prática da tolerância ao defendermos ideias que não necessariamente são as nossas.

Com a experiência proporcionada na Câmara foi possível estabelecermos uma

reaproximação com a sociedade política. Ao ver como há instrumentos democráticos (como a própria Comissão) que permitem que as sugestões e propostas da sociedade civil organizada possam ser discutidas e analisadas e levadas em conta pelo Congresso.

Outro fato marcante durante a visita, infelizmente, foi ter observado a baixa representação feminina no Congresso. De acordo com o assessor Aldo, de 513 deputados da Câmara, apenas 55 são mulheres (destas, três estão licenciadas). E entre os 81 senadores da República, apenas 14 são mulheres.

Em uma sociedade patriarcal como a nossa, na qual o homem sempre ocupou o espaço público e a mulher o espaço privado, as mulheres foram, durante muito tempo, reprimidas, excluídas, impedidas de participar, foram consideradas inferiores, incapazes. Infelizmente, essa herança histórica se reflete ainda hoje. A baixa representação feminina nas instâncias locais e nacionais de poder ainda requer um longo caminho de luta e participação. Fica uma reflexão que obviamente nos aponta no sentido de buscarmos ocupar, cada vez mais, os espaços oficiais de decisão política para assegurarmos a preservação e ampliação dos nossos direitos. Uma maior presença feminina nesse setor poderia contribuir para o desenvolvimento mais equilibrado, representativo e igualitário da sociedade. Valeu a pena termos registrado o momento pelo qual, nós, mulheres, passamos pelo painel das pioneiras que já exerceram cargos no Congresso Nacional!

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Período da tarde TV Câmara - Ocupação Fabiana Melo Joaquim Passarinho Antonio Carlos Mendes Thame

Após o almoço ainda no restaurante do Congresso, fomos até o Senado Federal, onde

pudemos contemplar a bela galeria de exposição da história da instituição, o painel de azulejos do artista carioca Athos Bulcão, além do belíssimo quadro de Di Cavalcanti exposto no Salão Verde do local. Antes de participarmos do Programa televisivo Ocupação, da TV Câmara, tivemos uma discussão encabeçada pelo Professor Nerling para conhecermos melhor as 10 medidas contra a Corrupção e chegarmos mais preparados ao debate proposto. Foi uma aula bastante inovadora, em um local privilegiado, no próprio Salão Verde do Congresso Nacional! Para conhecer melhor sobre o projeto de lei, sugiro acessar o link: www.dezmedidas.mpf.mp.br O programa audiovisual contou com a presença de dois deputados federais convidados: Antônio Carlos Mendes Thame (PV-SP) e Joaquim Passarinho (PSD-PA) que buscaram esclarecer detalhes e dúvidas sobre o projeto das medidas contra a corrupção. A turma, no geral, fez questões bastante apropriadas para os convidados.

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07/09, quarta-feira Palácio da Alvorada e Desfile cívico-militar

“O Brasil é uma grande anarquia criadora. O maior atributo do nosso país é sua vitalidade, uma

vitalidade anárquica, assombrosa, quase cega”. (NERLING; ANDRADE, 2016)

Acordar cedo na quarta-feira teve lá suas vantagens. Ver o nascer do sol do Palácio da Alvorada foi deslumbrante! A possibilidade de enxergar o horizonte, ver a mudança das cores no céu de Brasília e poder contemplar a leve arquitetura do Palácio feita por Niemayer foi surpreendente, o nascer do sol nos deu aquela pitada de esperança para enfrentar os novos desafios que se colocam diante desse cenário político conturbado. Para relembrar o momento de tranquilidade sob a imensidão do céu alaranjado, um pedaço do poema “Ultimatum”, de Fernando Pessoa. Nada mais atual do que as ideias do poeta para refletirmos sobre o tenso momento político brasileiro e sobre a necessidade de criarmos algo novo diante “do que aí está”. De certa forma, Nerling e Andrade (2016) também propõem o mesmo: “É preciso ter ideias, buscar ideias, organizar o ideário, é preciso atuar com audácia política e imaginação institucional” (NERLING; ANDRADE, 2016) “(...) E o mundo quer a inteligência nova A sensibilidade nova O mundo tem sede de que se crie Porque aí está apodrecer a vida Quando muito é estrume para o futuro O que aí está não pode durar Porque não é nada Eu da raça dos navegadores Afirmo que não pode durar Eu da raça dos descobridores

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Desprezo o que seja menos Que descobrir um novo mundo Proclamo isso bem alto Braços erguidos Fitando o Atlântico E saudando abstratamente o infinito.” Álvaro de Campos – 1917

Quando o sol finalmente apareceu, nos deslocamos para a Esplanada dos Ministérios com a finalidade de ver o desfile cívico militar. Nesta edição da disciplina, os alunos ganharam os convites para um setor diferente, a arquibancada do setor verde, estrategicamente bem localizada, próxima da mídia que cobria o evento. Foi um pouco chocante todo o ufanismo militar celebrado ativamente pelos civis. Apesar de chocante, serviu para refletir sobre a força e a influência que os militares tiveram ao longo da nossa história política. O que salvou o dia foi ouvir os protestos dos alunos da USP contra o presidente interino pautando as manchetes dos principais jornais do país. Foi uma experiência revigorante poder gritar “Fora Temer”, ainda mais após a experiência traumática com os agentes da Polícia Federal. Antes do desfile começar, um dos colegas foi convidado a se retirar do evento por se recusar a descolar o adesivo contrário ao presidente interino. Senti uma indignação muito grande nesse momento ao vê-lo saindo, acompanhado de agentes federais, simplesmente por expressar seu descontentamento com o momento político vivenciado pelo país, sem expressar ódio. Eu corri para ver o que estava acontecendo e para tentar ajudá-lo, algumas pessoas também o acompanharam e vieram ver o que estava acontecendo. Conversamos com eles, mas eram autoritários e o pedido, de acordo com eles mesmos, vinha do gabinete presidencial e era simples: retirar as pessoas que não concordassem em seguir a ordem imposta. Minha vontade era ter resistido pacificamente, ter sentado ou deitado no chão com os alunos que ali se posicionaram e ter saído dali apenas pela força policial. Mas, no fim, preferi não causar, não prejudicar a disciplina e acabamos cedendo, tirando nossos adesivos e sentando na arquibancada verde com a finalidade de protestarmos contra o Temer. Após o desfile, os gritos, a ansiedade e o trauma, preferi ficar no eixo monumental de Brasília, passar mais tempo acompanhando a marcha dos excluídos, fazer um passeio de bicicleta pela esplanada dos ministérios, caminhar, visitar o Museu Nacional (que estava fechado para montagem de outra exposição, infelizmente) e colar alguns lambes pela cidade.

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08/09, quinta-feira Banco Central: João Evangelista de Sousa Filho Museu de Valores Caixa Econômica Federal: Jean Rodrigues Benevides

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A quinta-feira iniciou-se com uma visita à sede da Caixa Econômica Federal (CEF), onde pudemos contemplar os belíssimos painéis de vitrais criados pelo artista alemão Lorenz Heilmair que representam cada um dos estados brasileiros e o DF. A CEF é uma das principais instituições financeira do país, em forma de empresa pública do governo federal. É responsável pelo financiamento de políticas públicas em diversas áreas. De lá, caminhamos até a sede do Banco Central do Brasil, órgão responsável pelas políticas monetária e cambial do país. Por meio de suas ações, busca assegurar o poder de compra da moeda, o controle da inflação e a regulamentação do sistema financeiro nacional. (NERLING; ANDRADE, 2016) De fato, o que ficou mais gravado durante a visita ao Banco Central foi poder contemplar as obras do acervo da instituição, que possui quadros de Portinari, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e outros artistas do movimento modernista brasileiro. Visitamos também o Museu de Valores, que possui um grande acervo de moeda, medalhas, cédulas e documentos sobre a história econômica do Brasil.

No período da tarde, não consegui acompanhar as palestras das servidoras do

Ministério da Saúde, nem do palestrante da Universidade de Brasília sobre arquivos e documentação, pois não estava me sentindo bem. Ao final do dia, voltei ao auditório da ESAF e pude ouvir o relato da maior parte dos alunos, tanto da USP quanto da UDESC em relação à avaliação da disciplina, além de compartilhar a minha vivência também. Apesar da longa duração do debate, acredito que os relatos tenham sido enriquecedores, ao compartilharmos nossas experiências e opiniões sobre a disciplina até aquele momento. 09/09, sexta-feira Período da manhã Fundação Darcy Ribeiro Faculdade de Direito: Prof. Argemiro Cardoso Moreira Martins Ex-reitor da Universidade de Brasília: Prof. Dr. José Geraldo de Souza Junior

Na sexta-feira pela manhã, fomos à Fundação Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, para ouvir dois célebres professores da área do direito. O professor Argemiro nos recebeu inicialmente discutindo um tema bastante atual: “a queda da Constituição e os riscos da democracia brasileira”, e iniciou sua exposição com a seguinte questão: Quais razões levaram à quebra da Constituição Federal com o impeachment da Dilma? De acordo com ele, o motivo foi a junção das crises atuais: a crise econômica e a crise política (a falta de apoio do Congresso Nacional).

O professor apontou que o mandato presidencial deveria dar estabilidade ao país, enquanto a Constituição Federal deveria servir como mecanismo de estabilização da política. Porém, o impeachment da Presidenta Dilma representa um risco de abandonarmos a CF como elemento de estabilização política.

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Em seguida, foi a vez do Professor Zé Geraldo, ex-reitor da UNB, nos introduzir o conceito de “Direito achado nas ruas”. Acredito que essa foi uma das melhores palestras da semana. O direito não está apenas nas leis, de acordo com o que ele nos colocou. O direito está também nas práticas sociais. O professor também nos atentou para o fato de que a palavra e o conceito de Estado não existiam antes de Maquiavel, no século XV.

Ao citar Pierre Clastres, “a sociedade contra o Estado”, acredito que ele tentou nos mostrar como toda estrutura política antes da existência do Estado servia propositalmente para impedir a formação do poder, diferentemente da hipótese de outros cientistas políticos como sobre a formação do Estado no sentido de criar ordem e lei.

O professor explicou que antes da modernidade não havia razão. O direito no período pré moderno era a arte dos justos e dos bons e não a ciência dos homens. O direito era místico, artístico, costumeiro.

Já na modernidade, o direito resume-se à institucionalidade estatal. “O Estado se tornou hegemônico quando o direito se reduziu à lei, a política se reduziu ao Estado e o conhecimento se reduziu à ciência.”

O professor propõe como alternativa ao direito positivo abrir-se para outros modos de designação das práticas sociais, e para tanto, aponta como alternativa o “ direito achado nas ruas”. Posteriormente, ao falar sobre a construção de Brasília, o professor comentou que Lúcio Costa pensou em dois referenciais quando planejou a cidade: a beleza e a funcionalidade: urbs e civitas.

Ele apontou que os valores da modernidade foram traduzidos na construção de Brasília e foram quatro as escalas que presidiram a concepção da cidade: a bucólica, a gregária (ou de convívio), a residencial e a monumental. Porém, ainda faltaria construir uma escala, a histórica, que só poderia ser construída pelo povo. A pólis não seria obra dos urbanistas e sim do povo.

Quando os transeuntes vão virar povo? Essa indagação me lembrou o último filme de Glauber Rocha, “Idade da Terra”, a cena em que “os transeuntes” assistem atônitos ao discurso de Tarcísio Meira bebendo cerveja e discursando sobre o povo e os supostos valores democráticos do Estado brasileiro, ao lado da mulher (que assume um papel secundário na cena, assim como na história brasileira, infelizmente), e o próprio povo que pouco entende as palavras do personagem principal. Podemos indagar quando é que o povo realmente participou dos grandes acontecimentos históricos do Brasil. Independência, Proclamação da República, Golpes de 1930, 1945, 1964? Diretas Já? Impeachment do Collor e da Dilma? Por fim, Zé Geraldo nos sugeriu como alternativa: “ocupar, resistir e produzir”! Período da Tarde A Praça dos Três Poderes e o Supremo Tribunal Federal (STF)

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Praça dos Três Poderes, o maior símbolo da capital federal

Na visita ao STF, fomos recebidos por Diógenes, que nos contou um pouco sobre o surgimento e o histórico do órgão supremo, além de nos informar a missão da instituição: zelar pelo cumprimento da Constituição Brasileira. Vimos representadas nove grandes personalidades da história brasileira como o abolicionista Joaquim Nabuco, o Patrono da Diplomacia nacional Barão do Rio Branco, além do imperador D. Pedro I, que proclamou a Independência brasileira (1822) e assinou a Constituição Imperial de 1824, que previa a criação do Supremo Tribunal Federal, efetivada 1828. O STF possui um belo acervo artístico. Logo na entrada do Órgão, na praça dos 3 poderes, podemos ver uma escultura de olhos vedados, que simboliza “a Justiça”. O site da instituição nos informa que a escultura, obra de Ceschiatti, é inspirada na deusa grega Têmis. “A venda nos olhos simboliza a imparcialidade que deve pautar o magistrado: fazer justiça sem olhar a quem.” Infelizmente, não é bem isso que percebemos diante do cenário atual.

Há também o quadro do artista contemporâneo japonês Urakami, chamado “Os Bandeirantes de Ontem e Hoje”, que traça um paralelo entre as bandeiras de Fernão Dias Paes Leme, os desbravadores da Transamazônica e a fundação de Brasília.

Pudemos, por fim, observar as obras de arte do plenário como o painel de mármore de Athos Bulcão e o crucifixo do mineiro Alfredo Ceschiatti, que simbolizam respectivamente a justiça dos homens e a justiça divina. Interessante notar que a mais alta Corte de Justiça do país ostenta um crucifixo de madeira em sua parede. O que isso pode nos dizer a respeito do Estado laico brasileiro?

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Torre de TV e Catedral Durante a tarde, visitamos esses dois pontos turísticos de Brasília. A catedral é belíssima! Fiquei encantada com os coloridos vitrais de Marianne Peretti que nos dão a sensação de leveza e até mesmo de proximidade com o plano espiritual. Pudemos contemplar os anjos de Ceschiatti que pendem do alto da capela e até mesmo a via sacra pintada por Di Cavalcanti.

Na torre de TV, pudemos visualizar as formas, as curvas e os detalhes do plano Piloto vistos do alto!

CONCLUSÃO

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(Foto: Vitor Cheregati)

Viver a disciplina foi uma experiência única e inovadora de aprendizagem. Vivenciar os ambientes de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, observar, participar, trabalhar em grupo, refletir, dialogar, ouvir o outro, acredito que essa viagem permitiu que eu me reaproximasse da política e me auxiliou na busca de instrumentos de potencialização do Estado democrático. Poder observar o Patrimônio cultural de Brasília, seus monumentos, edifícios, painéis e o valor histórico, arquitetônico, artístico e estético da cidade, também me fez perceber a necessidade de implementação de políticas públicas que assegurem a proteção desse legado. Certamente “a sede por Constituição” que se adquire durante a viagem nos desperta para buscarmos soluções e alternativas para melhorar a sociedade em que vivemos.

Os professores e a sala de aula, muitas vezes, isolam a nossa leitura da realidade e esta disciplina certamente revoluciona os modelos tradicionais no processo de aprendizagem e nos auxilia na formação intelectual e no aperfeiçoamento do exercício da cidadania!

Sabemos que a democracia nunca é plena, é sempre limitada, mas nosso papel como cidadãos informados é buscarmos cada vez mais a aplicação dos valores de liberdade e de justiça social da nossa Constituição na sociedade. Como a América Latina costuma ser rotulada como a “terra das impossibilidades ilimitadas”, é preciso aproveitar a criatividade antropofágica tupiniquim para criação do novo. O maior atributo do nosso país, de acordo com Nerling e Andrade (2016) é sua vitalidade, “uma vitalidade anárquica, assombrosa, quase cega!” Também acredito nessa “vitalidade criadora” da nossa população e na educação como ponte para construção de um país menos desigual. A educação é o maior patrimônio do ser humano! REFERÊNCIAS NERLING, Marcelo Arno. ANDRADE, Douglas de. A Cidade Constitucional: Capital da República – Edição 10. Brasília: Disciplina de Graduação da Universidade de São Paulo, ACH 3666, 2016.