a gÊnese da climatologia no brasil o despertar de uma ciÊncia

Upload: patricia-faleiro

Post on 06-Jul-2015

363 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

A GNESE DA CLIMATOLOGIA NO BRASIL O DESPERTAR DE UMA CINCIA Joo Lima SANTANNA NETO Prof. Adjunto do Departamento de Geografia da FCT/UNESP Rua Roberto Simonsen, 305 19060-900- Presidente Prudente, SP e-mail: [email protected] Resumo: Este artigo pretende contribuir para a compreenso da histria da climatologia no Brasil, a partir da contextualizao das primeiras obras que trataram do clima e do tempo em nosso pas. Neste sentido, resgatou-se as contribuies de Frederico Draenert, Henrique Morize, Carlos Delgado de Carvalho, Afrnio Peixoto, Joaquim de Sampaio Ferraz e Belfort de Mattos, pioneiros nos estudos atmosfricos numa poca em que havia uma complementariedade entre meteorologistas, politcnicos e gegrafos. O objetivo maior deste texto e o de analisar as condies atravs das quais se iniciou o processo implementao da climatologia como cincia em nosso pas. Palavras-chave: climatologia; histria da climatologia; evoluo do pensamento geogrfico; Brasil Abstract: This article intends to contribute for the understanding of the history of the climatology in Brazil, starting from the first works that treated of the climate and of the weather in our country. In this sense, it was rescued Frederico Draenert, Henrique Morize, Carlos Delgado of Carvalho, Afrnio Peixoto, Joaquim of Sampaio Ferraz and Belfort of Mattos contributions, pioneers in the atmospheric studies in a time in that there was a complementary among meteorologists, polytechnic and geographers. The larger objective of this text and the one of analyzing the conditions through which the process implementao of the climatology began as science in our country. Key-words: climatology; history of climatology, geographic evolution thougth; Brazil Antecedentes e contexto histrico Apesar da dificuldade de se estabelecer um marco histrico para o nascimento de uma cincia, parece apropriado supor que com a criao do Observatrio Astronmico do Rio de Janeiro, em 1827, iniciaram-se os procedimentos cientficos que algumas dcadas mais tarde propiciariam o nascimento da climatologia no Brasil. Mesmo considerando que apenas em 1844, como nos aponta Ferraz (1934), as primeiras observaes meteorolgicas apareceram nos arquivos do Observatrio, quando da direo de Soulier de Sauve, j se prenunciava o avano desta rea do conhecimento no meio cientfico e intelectual da capital do Imprio. Alm disto, desde a dcada de 30 do sculo XIX, vrios artigos sobre a climatologia do Rio de Janeiro foram publicados na Revista Mdica carioca. Por outro lado, segundo Neira (2000), desde 1862, na Marinha brasileira, os navios hidrogrficos, por necessidade de ofcio, j faziam observaes meteorolgicas regulares, tanto na zona costeira, quanto nas bacias hidrogrficas navegveis. Todo o acervo de dados assim como o acmulo de conhecimento adquirido nestas navegaes convergiram para a criao da Repartio Central

Meteorolgica da Marinha, duas dcadas mais tarde. De 1851 a 1867, o Observatrio Imperial, que desde 1844 havia passado para a administrao do Ministrio da Guerra, publicou regularmente os seus Anais Meteorolgicos, fruto dos registros dirios dos elementos atmosfricos registrados naquela instituio. A reorganizao do Observatrio durante o II Imprio, em 1871, com a contratao do astrnomo francs Emmanuel Liais, o marco histrico que caracteriza a implantao das bases tericas das cincias atmosfricas no Brasil, a despeito do fato de que este renomado meteorologista e astrnomo tenha basicamente se interessado pelos estudos sobre geodsia e sobre o magnetismo, pouco se dedicando s questes da Meteorologia (FERRAZ, 1980). Com os dados meteorolgicos coletados neste instituto, o gegrafo alemo Wappaus, realizou uma das primeiras anlises climticas, ainda que parcial e relativa somente ao Rio de Janeiro, de carter mais cientfico, em 1875, quando publica Geographia do Imprio do Brasil. Alis, estes dados foram avidamente recebidos por Julius Hann, meteorologista austraco e maior autoridade de seu tempo, que esta poca preparava o seu pioneiro trabalho Handbuch der Klimatologie, publicado em 1883. Com as observaes e coletas de dados esparsamente distribudas pelo imenso territrio brasileiro, alm daquelas do Observatrio do Rio de Janeiro, que o climatlogo Henrique Morize, num esforo realmente notvel para a poca, elaborou o primeiro estudo sobre o clima de nosso pas, publicado em 1889, com o ttulo de Esboo da Climatologia do Brazil (ABSABER, 1979). Este trabalho pioneiro, alm de divulgar as sries temporais, distribudas geograficamente, analisava o regime climtico e estabelecia a primeira abordagem sobre a variabilidade climtica, sem contudo, como j era corrente na Europa e Estados Unidos, dar maiores atenes aos grandes mecanismos de circulao atmosfrica. Sete anos depois, em 1896, o engenheiro alemo Frederico Draenert, que residiu por muitos anos no Brasil, publicou seu O clima do Brazil. Verso ampliada da obra de Morize que, com uma excelente anlise de conjunto sobre nossas caractersticas climticas, deve ser considerado nosso primeiro climatlogo. Por esta mesma poca, Lus Crulls, ento diretor do Observatrio, publicava uma monografia sobre O clima do Rio de Janeiro. Tanto Morize quanto Draenert, assim como o grupo de pesquisadores do Observatrio Imperial do Rio de Janeiro (que a partir de 1889, com a proclamao da repblica passou a ser denominado Observatrio Nacional), oriundos de escolas politcnicas, direcionaram seus estudos mais para a climatologia (com forte uso da estatstica) do que para a meteorologia. Em So Paulo, entretanto, foi no campo das geocincias que a climatologia surgiu. Com a criao da seo de meteorologia da Comisso Geogrfica e Geolgica, Orville Derby e Alberto Loefgren, num trabalho pioneiro, realizaram um enorme esforo de instalar uma rede de estaes meteorolgicas por todo o estado, a partir de 1886, e j em 1900, contava com cerca de 40 postos.

Ao findar o sculo XIX, praticamente todos os estados brasileiros

haviam organizado seus

respectivos servios de meteorologia e climatologia. Estaes e postos j estavam instalados e muitas sries temporais se encontravam em pleno registro. Entretanto, segundo Ferraz (1980), a maior parte destes se encontrava em rgos governamentais estranhos s cincias atmosfricas. Alguns pertenciam a departamentos de obras pblicas, outros da agricultura. Isto provocava, alm de observaes dspares, o uso de instrumentos e normas distintas o que, no raras vezes, ocasionavam problemas de ajustes dos dados. H que se ressaltar tambm a importante contribuio da antiga Repartio dos Telgrafos, esto dirigida pelo baro de Capanema. Atravs de sua Seo Tcnica, chefiada por Weiss, instalaram-se vrias estaes meteorolgicas pelo Brasil dotadas de instrumentos de alta qualidade (os meteorgrafos Theorell), a partir de 1886. Se considerarmos que praticamente todo o desenvolvimento da meteorologia e da climatologia mundial se deu, basicamente, a partir do sculo XIX, estas primeiras iniciativas brasileiras e os esforos iniciais da implantao das cincias atmosfricas em nosso pas, no estavam to defasadas como se poderia supor, a despeito da rarefeita rede meteorolgica. Foi necessrio pouco mais de meio sculo, de 1820 1880, para que as bases cientficas iniciais fossem se acumulando at potencializarem a construo dos conceitos e teorias fundamentais para o nascimento das cincias atmosfricas. Isto s foi possvel a partir das novas concepes da fsica newtoniana e de seus desdobramentos ocorridas nos sculos XVII e XVIII, particularmente no continente europeu. Os viajantes e naturalistas que para c vieram logo aps a transferncia da corte portuguesa para o Rio de Janeiro foram responsveis pela disseminao de instrumentos e tcnicas de investigao do meio fsico, inclusive da meteorologia. Foi, entretanto, com a Independncia do Brasil e a criao do Observatrio Imperial, que a reunio de uma pliade de cientistas agrupados naquela instituio propiciou no somente um estreito intercmbio de informaes cientficas com os pases europeus, como incentivou o desenvolvimento de uma nova postura e uma nova concepo de pesquisa no pas. importante lembrar que por esta poca, o eminente cientista Julius Hann publicava o Handuch der Klimatologie, considerado como a grande obra de sntese dos conhecimentos do clima do sculo XIX. A partir das informaes obtidas atravs dos trabalhos de Stringer (1972) e Ferraz (1951), foi elaborado o quadro 1, que demonstra a evoluo dos conceitos e de tcnicas que foram divulgadas principalmente na segunda metade do sculo XIX, e que fundamentaram Hann a produzir o seu grande manual. Se at o sculo XIX, tanto a climatologia como a meteorologia no contexto mundial tiveram uma evoluo paralela e, as vezes, inclusive, se confundindo, pouco se distinguindo em seus mtodos de

anlise, a partir de 1860, com o extraordinrio avano da fsica e com o aparecimento das primeiras cartas sinticas, a meteorologia d um enorme salto quali-quantitativo, passando a se diferenciar e a se distanciar da climatologia, tanto em termos metodolgicos, quanto em tcnicas de anlise. No campo mais especfico da climatologia, desde as primeiras concepes climatogrficas de Humboldt, pode-se considerar Kppen e Hann como os cientistas mais relevantes no que concerne sistematizao e construo das bases tericas e metodolgicas do estudo moderno do clima. Nos anos 70 do sculo XIX, o russo Wladimir Kppen, realizava as primeiras observaes meteorolgicas em So Petersburgo, a partir da associao entre direo dos ventos e presso do ar. Elaborou os pioneiros ensaios de climatologia sintica (dinmica), utilizando uma srie temporal diria de dois anos dos elementos atmosfricos (STRINGER, 1972). QUADRO 1 Evoluo dos principais conceitos climticos e meteorolgicos do sculo XIX ANO AUTOR 1816/ Brandes 1820 Buch DESCRIO Elaborou os primeiros conceitos dos mapas meteorolgicos sinticos Divulgou estudos que demonstravam que eram os ventos que traziam os tipos de tempo Howard Estudo pioneiro sobre o clima de Londres, a partir da alternncia das massas de ar quentes e frias, ao nvel do solo 1827 Dove Propunha os conceitos sinticos para explicar o tempo local em termos de um modelo ideal 1841 Espy Formulou a primeira teoria da energia de um ciclone 1845 Berghaus Produziu o primeiro mapa mundial com a distribuio da precipitao 1848 Dove Publicou o primeiro mapa com a distribuio das temperaturas mdias mensais dos continentes 1849 Henry Fundao da primeira rede meteorolgica norte-americana, interligada pelo telgrafo 1862 Mhry Elaborou o primeiro mapa com a distribuio sazonal das chuvas 1860/ Servio Met. Desenvolveu o 1o modelo de cartas sinticas baseadas em descobertas 1865 Britnico de Buys-Ballot, sobre as relaes empricas entre vento e presso 1869/ Servio Publicao dos primeiros meteogramas (grficos com as variaes 1880 Meteorolgico temporais detalhadas dos elementos do tempo), obtidas atravs de Britnico instrumentos registradores em 7 estaes do Reino Unido 1870 Kppen Primeiro trabalho de climatologia sintica, realizado em So Petersburgo, Rssia, com uma anlise diria dos padres de temperatura, agrupadas em tipos de tempo 1873 OMM (OMI) Criao da Organizao Meteorolgica Mundial, em Bruxelas (OMI) 1876 Coffin Elaborou a primeira carta mundial dos padres do vento 1878 Ley Estabeleceu um modelo emprico de ciclone e formulou a estrutura tridimensional de uma baixa frontal 1879 Kppen Props a conceituao de frente fria 1883 Teisserenc de Produziu o primeiro mapa de presso mdia dos ciclones e Bort anticiclones sazonais (centros de ao). Forneceu as bases conceituais para a elaborao do primeiro modelo geral de circulao atmosfrica

Desde que foram publicados estes primeiros ensaios at 1901, quando sua proposta de classificao climtica (atualizada e reformulada vrias vezes at a verso final, em 1931) foi divulgada, Kppen produziu um expressivo conjunto de trabalhos, sempre com a inteno de caracterizar os climas regionais, sem desconsiderar a anlise dos tipos de tempo. No que pese a concepo de clima de Kppen, que at os dias atuais est vinculado ao uso (e abuso) dos valores mdios no estudo dos tipos climticos, o cientista russo sempre considerou que o emprego das mdias aritmticas era a forma possvel de se comparar os dados dos elementos meteorolgicos visando a classificao climtica, na ausncia de uma substancial rede de estaes espalhadas pelo mundo. No entanto, nunca considerou que seria possvel compreender a dinmica climtica atravs de valores mdios. Julius Hann foi quem primeiramente produziu uma obra de carter mais didtico, pretendendo condensar todo o conhecimento sobre as cincias atmosfricas de sua poca na obra pioneira Handbuch der Klimatologie, que se consagrou como a mais completa e valiosa contribuio do final do sculo XIX. Composta por 3 volumes, contemplava a climatologia geral e a descrio dos climas regionais. Desta obra advm a primeira definio de tempo e clima, que por dcadas, foi utilizada como a conceituao dominante nos meios cientficos mundiais. Hann assim os definia: Pela palavra clima queremos significar a smula dos fenmenos meteorolgicos que caracterizam a condio mdia da atmosfera em qualquer lugar da superfcie terrestre (citados por MORIZE, 1927:7). E para tempo, apresentava a seguinte definio: O que chamamos tempo somente uma fase da sucesso dos fenmenos, cujo ciclo completo, reproduzindo-se com maior ou menor regularidade em cada ano, constitui o clima de qualquer localidade. Os conceitos de tempo, clima e toda a sntese dos conhecimentos da poca elaborados por Hann, a proposta metodolgica de caracterizao dos climas regionais de Kppen e os ensaios tericos de Napier Shaw, em resumo, formavam a base de todo o conhecimento cientfico da climatologia e da meteorologia no Brasil, presentes no final do sculo XIX. Este conjunto de saberes alicerou os estudos pioneiros de nossos primeiros climatlogos, como Louis Cruls, Henrique Morize, Frederico Draenert, Carlos Delgado de Carvalho e Arrojado Lisboa. A este respeito, Ferraz (1934) comenta: No Brasil, as primeiras actividades meteorologicas, como seria de esperar, restringiram-se s observaes climatolgicas fundamentaes. Pequenas series aqui e acol, sem grande uniformidade de methodos e de equipamentos, porm, conduzidas, algumas, com notvel esmero e carinho. No ltimo quartel do sculo passado e no comeo do actual, apontam as primeiras organisaes meteorologicas, sempre com o mesmo objectivo limitado da climatologia, cujas sries maiores j so manipuladas pelos grandes mestres estrangeiros,

interessados nos estudos mundiaes. E acrescenta em seguida A no ser uma ou outra pesquisa especial conduzida no Observatrio Astronmico do Castello, a cuja brilhante pleiade de scientistas muito deve a meteorologia brasileira, todas as atenes estavam viradas para a climatologia. (FERRAZ, 1934:20) Assim, em nosso pas, a climatologia anterior meteorologia. Mesmo considerando que o Observatrio do Rio de Janeiro tenha iniciado sua seo de meteorologia, assim como a Marinha, atravs de sua Repartio Central de Meteorologia, na segunda metade do sculo XIX, praticamente todos os estudos realizados versavam sobre tpicos e anlises eminentemente climatolgicas. De qualquer forma, as condies iniciais para o desenvolvimento da climatologia em nosso pas j estavam dadas De um lado haviam sido criadas as primeiras instituies de pesquisa compostas por um seleto grupo de pesquisadores competentes que eram municiados das informaes e metodologias provenientes dos centros de saber da poca, principalmente atravs do gegrafo brasileiro radicado em Paris, Carlos Delgado de Carvalho. De outro lado, comeavam a ser produzidos os primeiros trabalhos, mais sistemticos, sobre o clima do Brasil. O pioneirismo de Frederico Draenert Ao apagar das luzes do sculo XIX vieram a pblico as duas primeiras obras mais completas e de carter mais sistemtico sobre o clima do Brasil. Em 1889, Morize publicou no Rio de Janeiro, o seu Esboo da Climatologia do Brazil (obra que ser abordada mais adiante) e, sete anos mais tarde, em 1896, surgiu a obra de Draenert O Clima do Brazil. Ambas tem em comum o objetivo de apresentar um quadro geral das caractersticas climticas de nosso pas e propor uma primeira tentativa de classificao dos climas regionais. Antes, porm, que estas duas publicaes viessem pblico, uma srie de trabalhos esparsos baseados em curtas sries temporais j haviam sido produzidas e divulgadas, de forma a fornecer subsdios, os mais variados, sobre o clima e suas relaes com a sade pblica, a adaptao e assimilao da populao aos tipos climticos regionais, alm de anlises das sries temporais, ainda que parciais, dos elementos meteorolgicos (Quadro 2) Alm deste acervo, muitos artigos que analisavam as variaes dos elementos atmosfricos e suas relaes com o ambiente natural e humano foram publicados, principalmente nos peridicos das associaes cientficas e de classe, como na Revista de Engenharia, na Revista Mdica, na Revista da Sociedade Geogrfica do Rio de Janeiro, no Arquivo Mdico Brasileiro e nos Annaes Brasileiros de Medicina. Tambm foi possvel identificar algumas teses de ctedra apresentadas s faculdades de medicina do Rio de Janeiro e de Salvador, sobre a relao clima e sade, como a do baiano Jeronymo Pereira, de 1862. H que se destacar que, desde 1851, o Observatrio Imperial do Rio de

Janeiro passou a publicar com bastante regularidade, no apenas os dados meteorolgicos em seus boletins e anais, como tambm artigos que pretendiam dar conta de suas anlises, na Revista do Observatrio. A partir de 1886, a recm criada Comisso Geogrfica e Geolgica de So Paulo tambm inicia a sua publicao dos dados meteorolgicos das primeiras estaes implementadas no estado, em seus Boletins mensais. QUADRO 2 Sries temporais conhecidos no Brasil nos Sculos XVIII e XIX Perodo Local 1754-1756 Barcelos AM 1781-1788 Rio de Janeiro RJ 1788-1789 So Paulo SP 1820-1821 Gois - GO 1845-1858 So Paulo SP 1849185118551861-1868 1861-1879 18691870-1875 Fortaleza - CE Rio de Janeiro - RJ Sabar - MG Manaus - AM Litoral - PE Rio Grande do Sul So Paulo - SP Autor Descrio Padre Ignacio Sermatoni Descrio (sensorial) das variaes do tempo Sanches Dorta Registrou as temperaturas dirias (diurnas) Sanches Dorta Emanuel Pohl Dados dirios de temperatura Brigadeiro Machado Dados horrios (6:00 e 15:00 hs) da temperatura do ar Commisso provincial Dados dirios de chuvas Observ. Astronmico Dados meteorolgicos Janot Pacheco Dados dirios de temperatura Baro de Ladrio Dados dirios de temperatura Emile Beringer Dados dirios de chuvas Max Beschoren Dados dirios de temperatura Germano DAnnecy Dados dirios de temperatura Dados dirios de temperatura, chuvas, ventos e presso Dados meteorolgicos Dados dirios de chuvas Dados dirios de temperatura Dados dirios de temperatura

1872-1892 So B. das Lages/BA Rosendo Guimares 1874 1876-1896 18771879-1881 1879-1882 1880 SC e RS Recife - PE Fortaleza Cuiaba - MT So Paulo - SP Vale do S. Francisco Henry Lange Otvio de Freitas Senador Pompeu Gardis Henry Joiner Milnor Roberts

1882-1887 Uberaba - MG 18841885-1898 188618891890-1900 Curitiba - PR Rio Grande do Sul Estado de So Paulo Campinas - SP Blumenau - SC

Dados dirios de temperatura e chuvas Frederico Draenert Dados dirios de temperatura e chuvas Observatrio de Curitiba Dados meteorolgicos Anurio da Provncia Dados meteorolgicos IGG Dados meteorolgicos IAC Dados meteorolgicos Otto von Blumenau Dados dirios de temperatura, chuvas, ventos e presso

A contribuio de Frederico Draenert climatologia do Brasil exemplar. A sua principal obra, aquela de 1896, demonstrava uma perfeita sintonia com o estado da arte no contexto mundial,

presentes em poucos intelectuais de sua poca. Na introduo desta obra, escrevia o autor sobre o que constituiria o campo de estudo da climatologia: Demonstrar como o perodo de um anno se revela nos phenomenos da vida sobre a terra, sob as formas do movimento e repouso, da evoluo prodigiosa e do retrahimento acanhado, do nascimento e da morte; como az zonas de latitude se distinguem nas suas multiplas sub-divises pela evoluo peculiar das mesmas e de diversas formas de vida, constitue o assumpto da climatologia. (DRAENERT, 1896:5) Aps tecer uma srie de consideraes sobre a utilizao da estatstica em busca de valores mdios e extremos (peridico e no peridico, em suas palavras), reconheceu a grande variabilidade dos fenmenos atmosfricos ao afirmar que to importante quanto determinar o que frequente no tempo, a busca do que extraordinrio, aquilo que pela pouca frequncia, se torna incomum, porm real. Desta forma, a nfase nos estudos climatolgicos deveria estar em torno dos tipos de tempo, que o autor define como: a circunstncia de tornar-se o effeito sempre de novo momento causal, que at a arbitrariedade humana influe, verdade, de um modo insignificante, mas tambm incalculvel, torna comprehensivel, como aquillo, que existe simultanea e collateralmente e que se d consecutivamente no mesmo logar, se perturbe tanto e torne to difcil de perceber distinctamente, sempre e em toda parte, a immutabilidade e a constancia das ultimas causas na mudana caprichosa do turbilho atmospherico, que se chama tempo. (DRAENERT, 1896: 6) Tambm foram analisadas as generalidades do clima do Brasil, a partir das influncias geogrficas (relevo, altitude, latitude), alm da caracterizao termo-pluviomtrica das trs zonas que compunham a sua classificao climtica: a zona trrida, a sub-tropical e a temperada. Utilizou-se de dados dirios de temperatura e precipitao de cerca de 60 estaes meteorolgicas, cujas sries temporais, bastante limitadas quela poca, tinham em mdia entre 5 e 10 anos, muitas das quais com apenas 1 ou 2 anos de dados. Apenas as estaes do Rio de Janeiro, So Paulo, Santos, Sabar, Recife, Fortaleza, Salvador e Blumenau apresentavam mais de 10 anos consecutivos de dados meteorolgicos. Mesmo assim, com a possibilidade de contar apenas com estes dados, Draenert conseguiu extrair um excelente conjunto de informaes, muitas inditas, no sentido de caracterizar a variabilidade dos fenmenos atmosfricos na perspectiva de climatologia regional. Nesta concepo, Draenert classificou os climas do Brasil em trs grandes zonas. A primeira, a zona trrida, compreendia a amaznia, o nordeste e o centro oeste do Brasil, alm do norte de Minas Gerais. A zona sub-tropical compreenderia os tipos tropical de altitude MG, RJ e SP com

temperaturas mais baixas e pluviosidade mais ou menos elevada. Na fachada Atlntica, com temperaturas menores e maior pluviosidade, reconhecia a existncia de um Clima Litorneo e no interior, o Clima Continental, com temperaturas mais elevadas. A terceira zona climtica corresponde ao tipo temperado, abrangendo os estados do sul RS, SC e PR alm da poro meridional de So Paulo, com invernos bastante frios e a presena de geadas constantes. Nesta obra, Draenert dedicou grande espao ao estudo dos meteoros aquosos, ou seja, as precipitaes pluviomtricas. Lamentava a falta de informaes meteorolgicas de grande parte do territrio brasileiro (que segundo o autor seria mais precria aqui do que no continente africano) mas, mesmo assim, procedeu a uma excelente anlise com os parcos dados obtidos poca. O mais interessante na abordagem que realizou sobre a pluviometria foram as anlises da distribuio das chuvas associadas disposio do relevo e altimetria do territrio brasileiro. Chamou a ateno para os totais extremados de chuvas na vertente atlntica da Serra do Mar (com mais de 3.500 mm anuais) e as relacionou com a direo dos ventos provenientes do oceano. No descuidou da associao dos regimes pluviais com os sistemas atmosfricos atuantes, anlises estas pouco comuns nos demais autores brasileiros de sua poca, e descreveu com muita propriedade os tipos de tempos mais frequentes. Numa destas descries evidencia-se a influncia humboldtiana o idealismo romntico na anlise dos movimentos dos fenmenos da natureza, quando, de forma potica, apresentou uma narrativa a respeito do encadeamento dos tipos de tempo quando da entrada do conhecido vento sulino denominado pampeiro pelas paragens de Mato Grosso, envolvendo a situao pr-frontal. Apesar de longa, de tal beleza a narrativa que me permito a sua transcrio integral: A approximao das tempestades de ordinrio presentida. A temperatura se eleva, o ar parece fogo: no sopra a menor aragem. A natureza como que se abate, extatica e assustada. Os animaes perdem o animo, murcham as orelhas, abatem as caudas; os selvagens embrenham-se nas florestas, os anphybios precipitam-se nas aguas. O ambiente cada vez se achumba mais, e a respirao se torna mais difficil. H uma especie de dureza em tudo que nos cerca, um torpor gradativo, um silencio especial, s quebrado pelo rumor das correntezas, que augmentam de estrepito e fazem ainda maior a anciedade do homem. Entretanto, nem uma nuvem no co: - smente o sol havia amortecido seus raios occultos sob um vo espesso e achumbado. Dahi a pouco denso nimbus surgia do horizonte, elevando-se de S ou de SW; fazendo-se j ouvir o longinquo e surdo reboar do trovo. Em breve scintillam os relampagos, amiudam-se, e amiuda-se o trovo j com estridor medonho. O ambiente modifica-se extraordinariamente e a temperatura decresce com rapidez. Sopra uma brisa, de ordinario do quadrante austral, que em breve se converte em violento tufo. Um grosso pingo dagua, outro e outros, isolados, grandes e gelidos, cahem a grandes espaos no cho. So as avanadas de um

aguaceiro diluvial, que traz por atiradores um chuveiro de granizos e aoita a natureza por alguns minutos. Meia hora depois o sol replande fulgurante. O co est limpido e sereno: a brisa murmura suave; as arvores curvam-se levemente ao sopro fagueiro, a natureza sorri; os pssaros saccodem das azas as gottas dagua, que tiveram fora de embeber-lhes as plumas, e cantam; os animaes todos mostram-se contentes, e o homem sente-se reanimado e feliz. Tudo respira com mais vida: smente guardam por algum tempo o signal do cataclysma a relva abatida dos campos, as folhas despidas e os galhos lascados das arvores das florestas, e as correntes que, mais tumidas e tumultuosas, vo, contudo, pouco a pouco perdendo a sua soberbia e entrando de novo nos limites que a natureza lhes demarcou. Poucas horas depois s saberia do acontecido que o houvesse presenciado. (DRAENERT, 1896: 23-24) Alm de descries to completas como esta, o autor tambm no se eximiu da tentativa de explicao, sempre perseguindo uma abordagem to dinmica quanto possvel para sua poca, de outros fenmenos importantes da climatologia brasileira. Baseando-se em Julius Hann, caracterizou as secas do nordeste, distinguindo aquela do Maranho e do Piau com a do nordeste oriental, pela direo dos ventos, disposio geogrfica das serras e da linha de costa e pela sazonalidade das estaes chuvosas, explicadas por diferentes correntes de ar. Ao final de sua obra, Draenert props um conjunto de regras para a previso do tempo, tomando como ponto fundamental as variaes baromtricas e a direo dos ventos. Trata-se, sem dvida, de uma obra extraordinria para sua poca, pois no se limitou s descries e anlises simplistas, mas sim, ousado e criativo, buscou as associaes entre tempo e clima, entre a atmosfera e o ambiente terrestre, entre as leis fsicas e a distribuio dos fenmenos junto superfcie. Ao contrrio de Henrique Morize, como veremos mais adiante, Draenert apresentou uma anlise gentica, dinmica e rica em relaes e interrelaes geogrficas e atmosfricas. Talvez sua obra tenha sido a mais ousada e geogrfica do perodo inicial da climatologia brasileira. A sistematizao da Climatologia no Brasil: Henrique Morize e Delgado de Carvalho Se coube a Frederico Draenert o pioneirismo de uma abordagem mais geogrfica da Climatologia no Brasil, sem dvida h que se destacar o importante papel representado por dois grandes cientistas que procederam sistematizao da Climatologia em nosso Pas. Henrique Morize, engenheiro que se dedicou a Geografia, por muitos anos dirigiu o Observatrio Nacional, alm de lecionar Fsica e Meteorologia na Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Divulgou pela primeira vez seus estudos de climatologia em 1889, quando publicou Esboo da Climatologia do Brasil, obra que, infelizmente, no pudemos localizar e, por isso mesmo, temos apenas informaes indiretas deste trabalho, citados por outros autores. Entretanto, esta obra primeira, com poucas alteraes, foi republicada em 1922, no Dicionrio Histrico, Geogrfico e Etnogrfico do Brasil, por ocasio das

comemoraes do centenrio da Independncia do Brasil. Tivemos acesso apenas a sua 2a edio, que veio a pblico cinco anos depois, em 1927. Carlos Delgado de Carvalho foi um dos mais brilhantes gegrafos de seu tempo e, talvez, o primeiro gegrafo brasileiro, responsvel pela mais densa e completa anlise do clima do Brasil do incio do sculo XX. Autor de uma vasta obra que inclui variada gama de temas geogrficos, Delgado de Carvalho viveu a maior parte de sua vida na Europa, tendo publicado seus trabalhos em francs, quase todos inditos em lngua portuguesa, como Un centre conomique au Brsil de 1908, Le Brsil Meridional, de 1910 e Climatologie du Brsil, de 1916. Mas sua principal contribuio veio com a publicao, em Londres, da Mtorologie du Brsil, editada em 1917. interessante observar que por esta poca, fins do sculo XIX e incio do sculo XX, no havia cursos superiores de Geografia no Brasil, que somente seriam implantados em 1934, nas universidades de So Paulo e do ento Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Entretanto, havia de forma mais ou menos estabelecida, o que eram considerados como estudos geogrficos, a partir dos modelos europeus. Deste ponto de vista, tanto Henrique Morize, quanto Frederico Draenert, produziram uma Climatologia Geogrfica, pois realizaram anlises que contemplavam o estabelecimento de relaes entre os fenmenos atmosfricos e a sociedade, alm das preocupaes relacionadas distribuio espacial dos tipos climticos. Mesmo considerando que seu primeiro trabalho de flego veio a pblico em 1889, quando Morize publicou o Esboo da Climatologia do Brasil, somente na edio de 1922, por ocasio das comemoraes do centenrio da Independncia do Brasil, que seu projeto cientfico assumiu corpo e mtodo Trs aspectos merecem a ateno nesta obra de Morize (1922), as relaes do clima com os aspectos humanos, a proposta de classificao climtica e o expressivo conjunto de dados meteorolgicos que o autor pode contar. Quanto ao primeiro aspecto, Morize se distinguia de Draenert pois, enquanto este ltimo relacionou os elementos do clima com a paisagem e com as sensaes humanas, o primeiro, recorrendo ao conhecido gegrafo e meteorologista norteamericano Ellsworth Huntington, tecia uma srie de consideraes a respeito da influncia do clima na sociedade, de forma bastante ambgua, ora afirmando o carter determinista do clima no comportamento humano, ora minimizando estes aspectos quando se refere ao Brasil. Huntington (1915), desde o incio do sculo XX, ficou bastante conhecido por suas concepes polmicas sobre a influncia dos climas nas caractersticas dos povos. Reproduzindo os velhos preconceitos do mal dos trpicos e da natural superioridade do homem do mundo temperado, o autor afirmava, em sua mais importante obra Civilization and Climate, que o mundo tropical no favorece o desenvolvimento econmico, e argumentava com o seguinte exemplo:

... na poca da Revoluo Americana, considervel numero de legalistas foram to fiis Inglaterra que sacrificaram tudo para escapar nova bandeira estrelada. Deixando suas casas na Georgia e nos outros estados do sul eles procuraram o territrio britnico das Ilhas Bahamas, onde se lhes vieram reunir imigrantes da Gr Bretanha. Em nenhum outro lugar do mundo homens de raa inglesa viveram como puros colonos por diversas geraes em um clima to tropical. E qual foi o resultado ? No h seno uma resposta: foi desastroso. E, entretanto, o clima parece excelente; no h molstia alguma endmica e a fertilidade do solo admirvel. Entretanto, muitas pessoas dizem que a vida ali muito fcil. (HUNTINGTON, 1915: 26-27) Idias como estas eram bastante difundidas nos meios acadmicos da Europa e Estados Unidos at meados da sculo passado e, por mais paradoxal que possa parecer, tinham seus seguidores mesmo em terras tropicais como as do territrio brasileiro. Henrique Morize, apesar de aceit-las, em tese, demonstrava que no caso brasileiro, ao contrrio da frica e partes da sia, as condies climticas de grande parte de nosso pas poderiam, com certo esforo, ser ocupadas com sucesso. Para isto, mesmo reconhecendo que as zonas reputadas como imprprias ao implante da civilizao europia poderiam progredir, argumentava que as primeiras civilizaes do planeta se desenvolveram em zonas trridas como o Egito e a ndia, poca em que os germanos, celtas e saxnicos no passavam de bandos selvagens. Depois de tecer uma srie de consideraes sobre as influncias da temperatura e da umidade nos casos de criminalidade, suicdios e eficincia no trabalho concluia: Estes valores conduzem a duas concluses importantes: a primeira, que a temperatura optima depende do clima da regio habitada pelo observador, e a segunda que o organismo humano tem grande elasticidade e pode progressivamente se adaptar a condies thrmicas, que, no comeo, parecem intoleraveis. (MORIZE, 1922: 4) Por esta poca interessante notar que j haviam vozes contrrias a esta viso deturpadora do mundo tropical, mesmo no Brasil. Uma destas vozes mais lcidas e radicais, foi a de Afrnio Peixoto, mdico carioca que sempre foi intransigente contra esta postura preconceituosa em relao aos trpicos. Em uma de suas obras, Les Maladies Mentales dans les Climats Tropicaux, publicada em 1905, em co-autoria com Juliano Moreira, demonstrou a inexistncia de qualquer dependncia entre as variaes meteorolgicas e os nmeros de casos de alienao e demncia, como se afirmava na Europa e nos Estados Unidos, considerando os aspectos sazonais do clima do Rio de Janeiro. Morize, ao longo das pginas iniciais de sua principal obra, parecia ser mais tolerante com as proposies dos autores europeus quanto as influncias climticas no comportamento humano.

Tanto isto verdade, que se esforou para demonstrar, como poder ser averiguado mais adiante, que a maior parte do territrio brasileiro se encontraria nas faixas subtropicais e temperadas, para justificar as possibilidades de adaptao do europeu em nosso territrio. O segundo importante aspecto da obra de Morize foi a sua proposta de classificao climtica, primeiramente divulgada em 1889 e reformulada em 1922, que tomava como ponto de partida os conceitos adotados por Kppen, no que se refere s mdias trmicas, sazonalidade e totais pluviomtricos. Utilizando 106 estaes meteorolgicas, o autor se apoiava nos climogramas para determinar os tipos climticos. De forma resumida, a proposta de classificao climtica de Morize pode ser esquematizada da seguinte maneira: TABELA 1 Classificao climtica de Henrique Morize (1889/1922) Clima Temperatura anual Tipo o Equatorial > 25 C Super-mido mido continental Semi-rido o o SubEntre 20 C e 25 C Semi-mido martimo Tropical Semi-mido de altitude Semi-mido continental Temperado Entre 10o C e 20o C Super-mido martimo Semi-mido/latitudes mdias Semi-mido das altitudes Localizao Amaznia Interior do Norte Nordeste Litoral oriental Altiplanos centrais Interior do Brasil Litoral meridional Plancies do interior do Sul Locais de grande altitude

de tal modo evidente a preocupao do autor em demonstrar que os climas do Brasil eram mais propcios do que o de outras regies de mesma latitude, que alm de considerar grande parte do Nordeste e do Brasil central como sub-tropicais, argumentava: Essa questo da incluso de vasta regio do Estado de Minas na zona tropical ou na temperada tem grande importncia econmica, especialmente do ponto de vista immigratrio. (MORIZE, 1922:6) Desta forma, Morize utilizou o critrio de Kppen para delimitar as zonas tropicais e temperadas, a partir da isoterma mdia de 18o C para o ms mais frio, o que certamente provoca uma grande polmica, principalmente com Delgado de Carvalho, que no aceitava este critrio, como analisaremos mais adiante. De qualquer modo, a preocupao tcnica e estatstica demonstrada no trabalho de Henrique Morize, seu enorme esforo em compilar um vasto conjunto de sries temporais, esparsas pelo territrio brasileiro, e suas anlises no sentido de caracterizar a variabilidade e a sazonalidade climtica, coloca esta obra como um marco no desenvolvimento das cincias atmosfricas, notadamente da climatologia. Por esta mesma poca, Delgado de Carvalho publicou suas duas obras que tratam dos aspectos climticos do Brasil, a primeira Climatologie du Brsil (1916), apesar de resumida, j apontava as

concepes gerais sobre o tempo e o clima, que um ano mais tarde, em 1917, apareceria muito mais elaborada na excelente Mtorologie du Brsil que, em realidade, tratava mais dos aspectos climticos do que meteorolgicos. H que se considerar que devido a sua longa estada na Europa, principalmente na Frana, Delgado de Carvalho assimilou e divulgou no Brasil, as principais obras e concepes da Geografia que se produzia naquele pas. Alm de Paul Vidal de la Blache e Jean Brunhes, quem mais o influenciou foi Emmanuel de Martonne, que poucos anos antes havia publicado o Trait de Gographie Physique, em 1909. Ao contrrio de Morize, Delgado de Carvalho buscou uma explicao geogrfica do clima, admitindo que o campo de estudo da Climatologia seria o da zona de contato entre a atmosfera e o globo slido e lquido, que se constituiria no domnio por excelncia da observao do gegrafo. Assumindo as concepes de De Martonne que no s admitia uma concepo geogrfica do clima, como se mostrava muito crtico em relao aos estudos que lanavam mo das normais mdias dos elementos meteorolgicos, preconizava: O estudo do tempo durante um certo perodo coloca-nos em presena de realidades concretas. As relaes entre os diversos fenmenos ressaltam com clareza e podem neste caso, discernir toda a engrenagem do mecanismo e acompanhar sua marcha. O tempo no varia de maneira desordenada. Podemos reconhecer situaes caractersticas, que se repetem muitas vezes e se mostram durante perodos mais ou menos longos, constituindo autnticos tipos de tempo. Estamos, pois, na presena de conjunto de fenmenos caractersticos de certas regies e, portanto, de realidades verdadeiramente geogrficas. (DE MARTONNE, 1909: 184-185) A influncia de De Martonne na concepo geogrfica do clima de Delgado de Carvalho aparece em toda a sua obra sobre a Climatologia e, fica mais evidente, quando tratava dos fatores meteorolgicos, que em realidade, se referiam aos fatores geogrficos do clima, como a continentalidade, a latitude e a altimetria. Delgado de Carvalho (1917) estruturou sua obra em trs partes: a primeira tratava da teoria e dos elementos e fatores climticos, especificamente do hemisfrio sul; a segunda, da variabilidade, sazonalidade e distribuio dos fatores meteorolgicos; e a terceira, que chamou de Climatografia, propunha uma classificao dos climas do Brasil. Na primeira parte, ao explicar os elementos climticos e a circulao atmosfrica, buscava na literatura anglo-germnica seus fundamentos bsicos, como as concepes sobre o balano de energia de Julius Hann, a dinmica atmosfrica de Dickson e as condies hidrometeorolgicas de William Morris Davis. Entretanto, no segundo captulo, que tratava da relao entre o clima e a assimilao e adaptao do homem recorreu basicamente aos gegrafos, como Jean Brunhes, De

Martonne e R. Ward, alm do mdico sanitarista brasileiro Afrnio Peixoto, que pouco antes havia publicado Climat et Maladies du Brsil, em 1908, e que introduziu os estudos de Geografia Mdica em nosso pas. Nota-se em Delgado de Carvalho uma preocupao bastante acentuada em caracterizar os tipos climticos na perspectiva de demonstrar as influncias dos climas tropicais no desenvolvimento econmico e na adaptao do homem. Mas, ao contrrio de Henrique Morize, no se deixou influenciar pelo determinismo climtico e, assumiu uma postura possibilista, tal qual era o pensamento dominante na Geografia francesa desta poca. A este respeito, dizia o autor: Ces influences gnrales des types tropicaux sur lhomme, en somme trs favorables son dveloppement, on fait des znes intertropicales des rgions trs peuples, partout o ne domine pas le dsert. Quant au Brsil luimme, sa partie la plus peuples stend entre les bouches de lAmazone et le Tropique du Capricorne. Une des raisons du rapide accroissement des populations tropicales doit tre recherche dans lextrme facilit de la vie, cause par la prodigalit de la Nature et la douceur du climat. (CARVALHO, 1917:43) Depois de discorrer por trs captulos para caracterizar as influncias csmicas, o regime dos ventos e o regime das chuvas tomando como base os dados da rede meteorolgica nacional, em nmero muito mais reduzido do que pode dispor Morize em sua obra de 1922, Delgado de Carvalho dedicou cerca de 2/3 de seu trabalho ao aprofundamento de uma proposta de classificao climtica dos tipos regionais, o que possivelmente foi sua maior contribuio Climatologia do Brasil. A classificao climtica proposta por Delgado de Carvalho, apesar da aparente similaridade com aquela proposta de Morize, foi bastante conflitante, principalmente no que se refere aos limites entre os climas tropicais, subtropicais e temperados, como j nos referimos anteriormente. Mas, por questes ticas e pelo enorme respeito que Delgado de Carvalho nutria por Morize, de forma muito elegante, no comparecia nas discusses entre ambos. A diviso climtica proposta compreendia trs grupos climticos subdivididos em tipos caractersticos, demonstrados na tabela a seguir: Tabela 2 Classificao climtica de Carlos Delgado de Carvalho (1916/1917) Climas Equatorial e sub-equatorial Tropical e sub-tropical Temperados Tipos Super mido Semi-rido Semi mido martimo Semi mido de altitude Semi mido continental Super mido martimo Semi mido de latitude mdia Semi mido de altitude Regio Amaznia Nordeste Litoral oriental Planaltos centrais Interior Litoral meridional Plancie riograndense Planaltos do sul

Alm disto, para cada um dos tipos de clima, propunha ainda uma outra subdiviso contemplando feies regionais, mais ou menos bem delimitadas, considerando os aspectos termo-pluviomtricos e os traos gerais da circulao atmosfrica, portanto, de carter muito mais meteorolgico do que a proposta de Morize, com a vantagem adicional de incorporar, nas escalas inferiores regionais e subregionais os fatores geogrficos. O fato que Delgado de Carvalho no somente produziu a obra mais completa sobre a Climatologia brasileira de sua poca, como introduziu uma anlise eminentemente geogrfica. Esta classificao, segundo Serebrenick (1942), representou um notvel avano, dado o cunho mais cientfico e a terminologia empregada, demonstrando total sintonia com a produo do saber de seus contemporneos dos pases mais avanados. Todo o procedimento metodolgico e as concepes empregadas nas anlises climatolgicas permitem a afirmao de que esta obra pode ser considerada como a primeira produzida sob um paradigma geogrfico no Brasil, numa poca em que a Geografia ainda no existia enquanto rea especfica do conhecimento e, portanto, no estava institucionalizada em nosso Pas. Belfort de Mattos e a climatologia paulista Na segunda metade do sculo XIX, com o incio das grandes expedies cientficas norte americanas em territrio brasileiro, uma nova fase de descobertas e um novo conjunto de procedimentos cientficos, principalmente no campo das cincias naturais (incluindo-se as geocincias) se instalaram em nosso pas. Com a expedio Thayer, em 1865, a primeira das cinco empreendidas por cientistas dos Estados Unidos, vieram, entre outros, os gelogos Louis Agassiz e Charles Hartt. O extraordinrio volume de informaes geogrficas, geolgicas, paleontolgicas e botnicas produzidas se configuraram como os embries da nascente cincia geogrfica, mais especificamente da Geografia Fsica. Segundo Pereira (1980), Hartt voltaria ao Brasil em 1870, chefiando outra excurso cientfica, a Expedio Morgan, confirmando o enorme interesse que os Estados Unidos passaram a dedicar ao territrio brasileiro e as suas possibilidades de explorao econmica. Na equipe de Hartt se encontrava Orville Derby, um dos mais eminentes cientistas que atuaram no Brasil, que teve destacado papel tanto na criao da Comisso Geolgica do Imprio, em 1875, quanto na Comisso Geogrfica e Geolgica de So Paulo, para onde se transferiu em 1886. Orville Derby no somente foi um estudioso da Geologia e da Geografia Fsica brasileira, quanto um apaixonado por nosso pas, aqui permanecendo at sua trgica morte, por suicdio, em 1915. Em So Paulo, de 1886 at 1905, dirigiu a Comisso Geogrfica e Geolgica implementando uma sistemtica de trabalho que consistiu, entre outros fatores, numa estratgia de reconhecimento fsico

e territorial do Estado, alm de criar as diversas sees de pesquisa, como a de Meteorologia, de Botnica, de Solos, que mais tarde resultariam no grande parque cientfico que compreende os institutos de pesquisas do Estado de So Paulo. Ao seu redor, Derby pode reunir um grupo de excelentes intelectuais e cientistas, como Alberto Lfgren, Teodoro Sampaio, Belfort de Mattos e Frederico Schneider, que tiveram relevante papel tanto da produo cientfica quanto em sua institucionalizao no Estado de So Paulo. J em 1887, com o apoio de Derby, Alberto Lfgren implantou o Servio de Meteorologia da Comisso Geogrfica e Geolgica, do qual foi diretor at 1902, instalando a primeira estao, na cidade de So Paulo e, dois anos depois, eram criadas as de Tatu e Rio Claro. Obedecendo os mais criteriosos mtodos de coleta e utilizando aparelhos anlogos aos da Europa de ento, em 1900, a rede paulista j contava com cerca de 40 estaes meteorolgicas espalhadas em seu territrio. Este rpido crescimento, aliado a um enorme conjunto de trabalhos de pesquisa publicados nos boletins do Servio de Meteorologia, ento denominados Dados Climatolgicos serviram de suporte para o estabelecimento e fortalecimento da Climatologia paulista. Alm da publicao dos dados meteorolgicos, comentados e analisados com bastante profundidade, este Boletim tambm foi o veculo de divulgao dos resultados das pesquisas produzidas que tentavam explicar as caractersticas e particularidades do clima de So Paulo. Em 1902, Jos Nunes Belfort de Mattos assumiu a Seo de Meteorologia, que acabara de ser transferida para a Secretaria da Agricultura, permanecendo como seu diretor at 1926. frente do Servio de Meteorologia da Secretaria de Agricultura, Belfort de Mattos pode ser considerado o primeiro grande estudioso do clima de So Paulo. Muito influenciado por Lfgren e por Derby e, tendo em mos as sries temporais de dados meteorolgicos do Estado de So Paulo, as mais completas do pas, pode caracterizar e analisar de forma bastante detalhada a climatologia paulista. Em seus primeiros trabalhos nota-se uma profunda preocupao com as tcnicas estatsticas utilizadas na interpretao dos elementos meteorolgicos, sempre comparando-os espacialmente. Quando publicou Breve notcia sobre o clima de So Paulo (MATTOS, 1906) j tinha bem clara uma proposta de regionalizao dos climas paulistas salientando o papel da latitude, altitude e distncia do mar, ao propor a existncia de trs tipos climticos: o do litoral, o do alto da serra e o do interior. Em 1908, introduziu a anlise sintica na primeira tentativa de produzir uma previso do tempo destinada cafeicultura. Dois anos depois (MATTOS, 1910b), publicaria uma polmica nota Em defesa do clima de So Paulo, quando procurava, de forma bastante engajada com a poltica de imigrao do governo estadual, demonstrar as vantagens do clima paulista para o estabelecimento de imigrantes europeus e para o desenvolvimento da agricultura. Neste artigo, comparava o clima

de So Paulo com o de Palermo na Itlia argumentando que as mdias anuais da capital paulista oscilavam entre 17,5oC e 18oC e, por isso, configurava-se como um clima quase europeu. Em suas observaes de carter mais geogrfico, como no artigo que publicou, neste mesmo ano, no primeiro Congresso Brasileiro de Geografia (MATTOS, 1910a), sobre a influncia das matas sobre o clima, este autor j alertava para o srio problema da devastao das matas e florestas e suas consequncias para o balano hdrico e para o uso do solo agrcola, comentando que: O regimen dos rios de um paiz, com as seccas que elles apresentam e as inundaes a que do logar, depende, em grande parte, da importancia e extenso das florestas que o cobrem, e a aco que as vastas regies florestadas exercem sobre a regularisao das cheias e das estiagens um fato indiscutvel, assim como est reconhecida a influencia benfica das mattas, amenisando os climas, ao determinarem uma quda na temperatura mdia do ar, ao mesmo tempo que evitam os saltos excessivos das temperaturas extremas que se verificam nas regies desnudas. (MATTOS, 1910a:19) Mais adiante, neste mesmo artigo, e ainda discutindo as relaes entre a atmosfera e a superfcie terrestre, o autor fazia uma srie de comentrios sobre as possibilidades de influncia do homem na constituio e caractersticas do ambiente atmosfrico e apontava para as mudanas que j estariam ocorrendo no clima da cidade de So Paulo, relacionando como possveis causas, a expanso territorial urbana. Neste caso especfico sugeria que as mudanas estariam sendo benficas, ao afirmar: Dizem os velhos paulistas que o clima da Capital do Estado de S.Paulo no mais o que elles conheceram h 40 annos atraz, e no se enganam os velhos nessa affirmao, porque nos 20 annos mais chegados j encontramos mudanas bem sensveis na taxa de humidade de S.Paulo, resultando felizmente um clima mais saudavel, por isso que o ar se tornou mais secco com a transformao e melhoramentos soffridos pela urbs. (MATTOS, 1910a: 24-25) Apesar das limitaes da obra de Belfort de Mattos e das duras crticas que Sampaio Ferraz teceu s suas primeiras tentativas de introduzir a previso do tempo a partir das cartas sinticas, inegvel sua contribuio para o conhecimento e desenvolvimento da climatologia do Estado de So Paulo, no primeiro quarto do sculo XX. A contribuio de Afrnio Peixoto e a climatologia mdica Dos primeiros estudos sobre o clima do Brasil em meados do sculo XIX, foi a partir dos paradigmas da salubridade, adaptao, higiene e sade pblica, que a climatologia deu os seus primeiros passos rumo a sua institucionalizao como campo do saber.

Entre os mdicos e sanitaristas brasileiros, nenhum outro interpretou to profundamente as relaes entre o clima, o homem e a cultura quanto Afrnio Peixoto. Pelo conjunto de sua obra, no seria exagerado afirmar que tenha sido o precursor da Geografia Mdica em nosso pas. Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Peixoto foi um ardoroso defensor do mundo tropical contra o preconceito dos detratores deste ambiente, que apregoavam a natural inferioridade dos povos da zona trrida. J em 1907, publicava um de seus primeiros trabalhos que tratava da relao entre o clima e as doenas no Brasil. Nesta obra, empolga-se com as possibilidades de se pensar o pas a partir de solues internas para a superao dos problemas brasileiros. No prefcio de sua obra capital Clima e Sade, o discurso do autor revelava as armas de que dispunha, ao tentar interpretar a realidade nacional do incio do sculo XX, quando afirmava: O Brasil o nico pas grande, de civilizao ocidental, situado nos trpicos. Portanto, no comparvel a nenhum dos ditos pases cultos, temperados e frios. Com a ndia e Egito no se quereria parecer... Tem, pois, direito a pensar e de achar solues suas, para os prprios problemas: solues brasileiras, para problemas brasileiros. hoje o nico pas colonial, ou de matrias primas, que no tem metrpole, a proteg-lo: tem, portanto, dever de cuidar de si, procurando solues econmicas prprias, para os particulares problemas brasileiros. Na meditao, e nas aes decorrentes destes postulados, que impe o clima, e a topografia, e a gente, e a educao, est a felicidade e at est a prpria sobrevivncia nacional. Possam no ser vos tais reclamos. Ao amor, que grande, perdoaro a veemncia, que vem das apreenses... No se pode ser brando, se muita a fora do amor. (PEIXOTO, 1938, prefcio) Enquanto Belfort de Mattos e Henrique Morize, ao tratarem dos climas brasileiros, defendiam as idias de que, mesmo aceitando as teses do determinismo geogrfico, grande parte do territrio brasileiro (centro-sul) se encontraria dentro dos limites dos climas subtropicais e temperados, apresentando climas favorveis ao desenvolvimento humano e econmico e, portanto, nesta poro de nosso territrio estaramos livres destas limitaes de ordem climtica, Peixoto, ao contrrio, no aceitava esta linha de raciocnio. Para Peixoto (1938), em primeiro lugar, era fundamental que se derrubassem e se desmascarassem as teses deterministas e se construsse uma nova perspectiva de anlise da terra e do homem dos trpicos. Em toda a sua obra evidencia-se o enorme esforo de defesa da tese do possibilismo, demonstrando que, em realidade, as influncias climticas geravam adaptaes e novos arranjos nas relaes sociedade-natureza. Mas, alm do discurso no campo das idias filosficas, que Afrnio Peixoto foi construindo por mais de trs dcadas, dedicando-se s influncias do ambiente no comportamento das sociedades, este autor tambm se interessou, e muito, pelos aspectos de ordem climtica, a tal ponto que,

deixando de lado sua formao acadmica no campo da medicina, mergulhou a fundo na discusso terica e metodolgica da Climatologia chegando, inclusive, a apresentar uma avaliao crtica da produo cientfica desta rea do conhecimento. Em Clima e Sade, Peixoto (1938) realizou uma excelente anlise das condies climticas associadas s enfermidades e sade pblica, demonstrando que mais do que as influncias do clima, so as condies de higiene e salubridade, portanto, aspectos scio-econmicos, que passam a definir as novas reas endmicas. Desmontando as idias preconceituosas sobre as doenas tropicais, o autor argumenta: Doenas climticas foram outrora a clera, a malria, a doena do sono: hoje tm uma etiologia conhecida, sem nenhuma subordinao ao clima; invadem terras sobre todas as latitudes; nas zonas de um mesmo clima, tm recuado diante daquelas cuja higiene as tem sabido preservar. E essa verdade to simples, e de to grandes consequncias porque a conquista territorial e econmica do mundo a est, - que no h doenas climticas portanto no h doenas tropicais se impe, substituindo velhas crenas por essa outra cientfica pela observao e pela experincia: existem apenas doenas evitveis, contra as quais a higiene tem meios seguros de defesa e reao. (PEIXOTO, 1938:76) Nesta mesma obra, o autor analisou as questes sobre a meteoropatologia, relacionando os tipos de clima e suas variaes sazonais, com os casos de morbidez, epidemias e endemias. Concluiu que, a partir de certas condies climticas, algumas patologias so facilitadas e outras inibidas, entretanto, uma vez detectadas e diagnosticadas, muitas deixam simplesmente de existir. Podem, todavia, reaparecerem em outros ambientes climticos, em funo das condies de higiene e sade. Retomando o seu interesse pelas questes mais particulares da Climatologia, Peixoto (1908), ao propor uma nova classificao climtica para o Brasil, considerava trs tipos climticos, assim como Morize e Delgado de Carvalho, porm, ao contrrio dos outros dois, enfatizava o carter de tropicalidade de nosso territrio. A classificao climtica de Peixoto, primeiramente divulgada em 1908, e ligeiramente modificada em 1938 e 1942, est assim estruturada: TABELA 3 - Classificao Climtica de Afrnio Peixoto (1908, 1938 e 1942) Climas Equatorial Tropical Tipos (gerais) Quente e mido Quente e sub-mido Sub-quentes e midos Litonneo Litorneo quente e mido Continental Altitude Regio Alto Amazonas Interior dos estados do Norte (PA, MA e MT) Litoral dos estados do norte e nordeste Litoral da BA e SE Litoral da BA, ES e RJ Vale do Paraguai (MT/MS) Regies elevadas da BA, MG, ES, RJ e SP

Temperado

Litorneo Litoral de SP, PR, SC e RS Continental e de altitude Estados de SP, PR, SC e RS As principais diferenas entre as classificaes de Henrique Morize, Delgado de Carvalho e Afrnio Peixoto, que sero analisadas no prximo captulo, se referem muito mais questo da delimitao da zona tropical do que aos elementos geogrficos e meteorolgicos considerados na proposta de distribuio espacial dos climas. Se de um lado, Draenert, Morize e Delgado de Carvalho foram os responsveis pelos primeiros estudos mais sistemticos da climatologia brasileira na passagem dos sculos XIX para o XX, por outro lado, coube a Afrnio Peixoto, nestas primeiras pginas da histria dessa cincia, o estabelecimento de um conjunto de procedimentos de anlise mais conjuntiva e humanstica. De certa forma, introduziu um novo paradigma para os estudos geogrficos do clima. BIBLIOGRAFIA ABSABER, A.N. A climatologia e a meteorologia no Brasil. In: FERRI, M.G.; MOTOYANA, Shozo (orgs.) Histria das cincias no Brasil. So Paulo: Edusp, 1979. p. 119-145. CARVALHO, C. Delgado de. Mtorologie du Brsil. Londres: John Bale & Sons, 1917. 528 p. DE MARTONNE, Emmanuel. Trait de gographie physique. Paris: Armand Colin, 1909. DRAENERT, F. M. O clima do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Carlos Schmidt, 1896. 63 p. FERRAZ, J.S. Meteorologia brasileira. So Paulo: Cia Ed. Nac., 1934. (Brasiliana, v. 33) 588 p. FERRAZ, J.S. O homem e a chuva. Bol. Geogrfico, Rio de Janeiro, n. 103, p. 711-717, 1951. FERRAZ, J.S. A meteorologia no Brasil. In: AZEVEDO, F. (org) As cincias no Brasil. So Paulo: Melhoramentos, 1980. p. 205-240. HUNTINGTON, Ellsworth. Civilization and climate. New Haven: Yale University Press, 1915. MATTOS, J.N.B. Breve notcia sobre o clima de So Paulo. So Paulo: Servio de Meteorologia do Estado de So Paulo, 1906. MATTOS, J.N.B. A influencia das mattas sobre o clima. In: Congresso Brasileiro de Geographia, 1, 1910a, Rio de Janeiro. Annaes, Rio de Janeiro, 1910a. Vol. 7, p. 19-41. MATTOS, J.N.B. Em defesa do clima de So Paulo. So Paulo: Servio de Meteorologia do Estado de So Paulo, 1910b. MORIZE, H. Esboo da climatologia do Brazil. Rio de Janeiro: Observatrio Astronmico, 1889. MORIZE, H. Contribuio ao estudo do clima do Brazil. Rio de Janeiro: Ministrio da Agricultura, 1922. 116 p. NEIRA, Eugnio. Meteorologia Marinha. Boletim da Sociedade Brasileira de Meteorologia, Rio PEIXOTO, A. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. PEIXOTO, A. Clima e Sade. So Paulo: Cia Ed. Nacional, 1938. (Brasiliana, vol. 129).144 p. PEREIRA, J.V.C. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, F. (org) As cincias no Brasil. So Paulo: Melhoramentos, p. 317-412, 1980.

SEREBREBICK, S. Classificao meteorolgica dos climas do Brasil. In: Congresso Brasileiro de Gegrafos, 9, 1942, Florianpolis, Anais: Rio de Janeiro: CNG/IBGE, vol. 2, p. 440-459. STRINGER, Edward T. Foundation of Climatology. San Francisco: Freeman, 1972.