a importÂncia da coordenaÇÃo motora para o desenvolvimento

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Revista Científica UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.18, n.1, p.53-65, 2019. DOI: 10.18762/1982-4920.20190005 Revista Científica UNAR, v.18, n.1, 2019 53 A IMPORTÂNCIA DA COORDENAÇÃO MOTORA PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA CRIANÇA Ana Paula APOLARI 1 Franciele Vanessa VIEL 2 Washington Luiz SPOLIDORI 3 João Paulo APOLARI 4 RESUMO O estímulo e o desenvolvimento em todas as dimensões são fundamentais para o ser humano, principalmente quando criança, no início de seu descobrimento cognitivo. Essa relação com o meio exterior se dá através de diferentes formas, aguçando os sentidos da visão, audição, e do prazer em descobrir, através do toque e do tato. Sendo assim, o acesso de crianças em idade pré-escolar e escolar, a um programa de movimentos efetivos e bem planejado, garante que seu desenvolvimento motor seja facilitado nos anos posteriores. Para tanto, é necessário um acúmulo considerável de experiências, de conhecimento e domínio sobre o corpo, sobre o meio em que está inserido e suas relações, ou seja, a aprendizagem motora é vista como o desenvolvimento e amadurecimento de aspectos funcionais estimulados a priori, pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido. O presente trabalho objetivou uma compreensão da relação desenvolvida entre coordenação motora global e o cognitivo infantil, além do enfoque dos meios necessários para um bom desenvolvimento motor, possíveis ações e interferências, e o que pode favorecer e/ou desfavorecer o desenvolvimento motor atrelado ao cognitivo. Por meio da revisão dos conceitos do desenvolvimento motor e cognitivo, à cerca de sua importância, conclui-se que existe a necessidade do desenvolvimento de mais estudos neste contexto, além de um aprofundamento quanto à formação de professores, visando um maior domínio de sua prática formativa integral. Observou- se também, que a relação entre pais, familiares e fatores ambientais ajudam na aquisição e incentivo dessas habilidades, pois quanto mais precocemente a coordenação motora for estimulada, melhor será o desenvolvimento cognitivo da criança. PALAVRAS-CHAVES: Coordenação Motora, Desenvolvimento Cognitivo, Criança. 1 Graduada em Educação Física e Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em MBA Executivo em Coaching pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em Docência no Ensino Superior pelo Centro Universitário “Dr. Edmundo Ulson”. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em Educação em Tempo Integral pelo Centro Universitário de Araras “Dr Edmundo Ulson”. E-mail: [email protected] 3 Graduado em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba. Mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba. E-mail: [email protected] 4 Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal de São Carlos. Doutor em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] Recebido em: 14/06/2019 - Aceito para publicação em: 23/07/2019

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Page 1: A IMPORTÂNCIA DA COORDENAÇÃO MOTORA PARA O DESENVOLVIMENTO

Revista Científica UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.18, n.1, p.53-65, 2019.

DOI: 10.18762/1982-4920.20190005

Revista Científica UNAR, v.18, n.1, 2019 53

A IMPORTÂNCIA DA COORDENAÇÃO MOTORA PARA O DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO DA CRIANÇA

Ana Paula APOLARI1

Franciele Vanessa VIEL2

Washington Luiz SPOLIDORI3

João Paulo APOLARI4

RESUMO

O estímulo e o desenvolvimento em todas as dimensões são fundamentais para o ser humano, principalmente quando criança, no início de seu descobrimento cognitivo. Essa relação com o meio exterior se dá através de diferentes formas, aguçando os sentidos da visão, audição, e do prazer em descobrir, através do toque e do tato. Sendo assim, o acesso de crianças em idade pré-escolar e escolar, a um programa de movimentos efetivos e bem planejado, garante que seu desenvolvimento motor seja facilitado nos anos posteriores. Para tanto, é necessário um acúmulo considerável de experiências, de conhecimento e domínio sobre o corpo, sobre o meio em que está inserido e suas relações, ou seja, a aprendizagem motora é vista como o desenvolvimento e amadurecimento de aspectos funcionais estimulados a priori, pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido. O presente trabalho objetivou uma compreensão da relação desenvolvida entre coordenação motora global e o cognitivo infantil, além do enfoque dos meios necessários para um bom desenvolvimento motor, possíveis ações e interferências, e o que pode favorecer e/ou desfavorecer o desenvolvimento motor atrelado ao cognitivo. Por meio da revisão dos conceitos do desenvolvimento motor e cognitivo, à cerca de sua importância, conclui-se que existe a necessidade do desenvolvimento de mais estudos neste contexto, além de um aprofundamento quanto à formação de professores, visando um maior domínio de sua prática formativa integral. Observou-se também, que a relação entre pais, familiares e fatores ambientais ajudam na aquisição e incentivo dessas habilidades, pois quanto mais precocemente a coordenação motora for estimulada, melhor será o desenvolvimento cognitivo da criança.

PALAVRAS-CHAVES: Coordenação Motora, Desenvolvimento Cognitivo, Criança.

1 Graduada em Educação Física e Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em MBA

Executivo em Coaching pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em Docência no Ensino

Superior pelo Centro Universitário “Dr. Edmundo Ulson”. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Especialista em Educação em Tempo

Integral pelo Centro Universitário de Araras “Dr Edmundo Ulson”. E-mail: [email protected] 3 Graduado em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba. Mestre em Educação Física pela Universidade

Metodista de Piracicaba. E-mail: [email protected] 4 Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto. Mestre em

Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal de São Carlos. Doutor em Ciências pelo Centro de

Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Recebido em: 14/06/2019 - Aceito para publicação em: 23/07/2019

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ABSTRACT

The stimulation and development in all dimensions are essential for humans, principally as a child, its discovery in early cognitive development. This relationship with the outside world takes place through different ways, sharpening the senses of sight, hearing, and the pleasure of discovering, by touch and touch. Thus, the access of children in preschool and school, a program of well planned and actual movements, ensures that motor development is easier I later years. To do so requires a considerable accumulation of experiences, knowledge and mastery over the body on the way they are inserted and their relationships, ie, motor learning is seen as the development and maturation of functional aspects stimulated a priori the environment in which the individual belongs. This work aimed at an understanding of the relationship developed between global coordination and child's cognitive, as well as the means to focus a good motor, possible actions and interference, and that can encourage and / or a disadvantage linked to cognitive motor development. Through the review of the concepts of motor and cognitive development, about its importance, it is concluded that there is a need to develop more studies in this context, in addition to a detailed assessment of teacher training, designed to further their field of practice full training. It was also observed that the relationship between parents, family and environmental factors help and encouragement in the acquisition of these skills, because the earlier motor coordination is stimulated, the better the child's cognitive development.

KEYWORDS: Motor Coordination, Cognitive Development, Child.

INTRODUÇÃO

Atualmente é comum ver crianças cada vez menos motivadas para a prática de alguma modalidade esportiva, aulas de Educação Física ou até mesmo para realizar uma simples brincadeira fora do ambiente escolar. Seja por motivos de falta de espaço, por precaução, como não brincar nas ruas ou em áreas de lazer apropriadas, ou até mesmo porque hoje as crianças preferem brincar virtualmente. O estímulo e o desenvolvimento em todas as dimensões são fundamentais para o ser humano, principalmente quando criança, no início de seu descobrimento cognitivo; no entanto, para que estes sejam praticados desde cedo, o adulto deve proporcionar vários tipos de experiências. Esta é uma contribuição muito significativa para a criança, em especial para seu desenvolvimento cognitivo, portanto, quem desempenha o papel de responsável e mediador entre a criança e o meio social, é a própria família (ANDRADE, S. A. et al., 2005, p.607).

Essa relação com o meio exterior se dá através de diferentes formas, a priori por meio do conhecimento do ambiente, aguçando os sentidos da visão, audição, e em seguida por meio do prazer de descobrir, através do toque, do tato, mantendo uma relação mais direta e concreta com os objetos, estimulando o movimento com os dedos, as mãos, seus reflexos e sua coordenação motora, sendo este um dos focos deste trabalho. Deste modo, Silva (2010, p.79), afirma que:

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Crianças em idade escolar e pré-escolar crescem, se desenvolvem e aprendem por meio de experiências motoras. Os movimentos, de uma maneira em geral, atuam com impacto sobre o crescimento e atuando de forma crucial no desenvolvimento holístico do individuo.

Entretanto, professores alfabetizadores que presenciam os primeiros passos das crianças em ambiente escolar, além da família, são os que devem permanecer atentos às anomalias e disfunções da coordenação motora, percebidas através de dificuldades na execução de tarefas, principalmente envolvendo escrita, tracejado e na hora de brincar, em especial, atividades que façam uso expressivo do corpo, especificamente dos membros superiores e inferiores. Quanto antes detectado estas disfunções em seu desenvolvimento psicomotor, fazendo as intervenções necessárias, conseqüentemente será antecipada a inserção de atividades estimuladoras para amenizar ou até mesmo sanar os problemas de atrasos dos movimentos.

É importante que todas as crianças em idade escolar e pré-escolar tenham acesso a um programa de movimentos efetivos e bem planejado, garantindo que seu desenvolvimento motor seja facilitado nos anos posteriores (GALLAHUE; OZMUN, 2003).

Para que o desempenho motor seja bom, é necessário um acúmulo considerável de experiências de conhecimento e domínio sobre o corpo, sobre o meio em que está inserido e suas relações desse corpo com o mesmo, ou seja, a aprendizagem motora é vista como o desenvolvimento e amadurecimento de aspectos funcionais estimulados a priori, pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido (MATTOS; NEIRA, 2004).

Por tanto, desenvolver-se é, deste ponto de vista, superar deficiências cognitivas, completar lacunas, deixar para trás estruturas cognitivas imperfeitas que impedem a criança de conhecer e saborear a seu gosto novas experiências. Cabe notar ainda que para Piaget (1972/1978), citado por KASTRUP (2000), o desenvolvimento representa um movimento de fechamento do sistema cognitivo.

Deste modo, o presente trabalho, terá por objetivo fazer com que se compreenda a relação desenvolvida entre a coordenação motora global e o cognitivo infantil. Através de um aprofundamento do tema, consegue-se entender melhor a configuração manual da criança, assim como seus movimentos, motricidade fina, grossa e geral, reflexos e como seu intelecto reage aos estímulos realizados. Além de enfocar todos os meios necessários para um bom desenvolvimento motor e possíveis ações, interferências prejudiciais, antes e depois de seu nascimento, como por exemplo, as fases e estágios do desenvolvimento vivenciados pelas crianças até a fase adulta, enfim tudo o que pode favorecer e desfavorecer seu desenvolvimento motor atrelado ao seu cognitivo.

Um segundo foco a ser observado neste trabalho, está baseado na teoria piagetiana, trata-se do cognitivo infantil, onde a linguagem possui relação direta com a construção do conhecimento e da cognição, uma vez que este é observado pela idéia de déficit, falta ou ausência. Advém deste fato que, na caracterização da

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cognição da criança, é freqüente a utilização de categorias negativas: inexistência de pensamento, ausência de função simbólica, irreversibilidade das formas, inteligência pré-operatória, pré-lógica, etc.

1. DESENVOLVIMENTO MOTOR E SEU SIGNIFICADO

Segundo Gallahue; Ozmun (2003), o estudo do Desenvolvimento motor data apenas do início do século 20, feitas a partir da perspectiva maturacional, conduzida por Arnold Gesell (1928) e Myrtle Macgraw (1935), argumentando que o desenvolvimento é função de processos biológicos inatos, resultantes da aquisição de habilidade motora infantil. O primeiro estudo a abordar os padrões motores desenvolvimentistas em crianças na idade escolar foi o moldado por Monica Wild (1938), citado por Gallahue; Ozmun (2003).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, nova geração de desenvolvimentistas motores surgiu, entre eles Espenchade, Glassow, Rarick (1981), citados por Gallahue; Ozmun (2003); concentrando seus estudos na descrição das capacidades de desempenho motor infantil, uma vez que os três são eram educadores físicos, mantendo-se a linha de pesquisa no campo escolar.

A partir de 1960, estudos de desenvolvimento Motor tem crescido de maneira considerável, além de reviver o interesse na pesquisa sobre crianças. Na década de 80 e 90, a ênfase voltou-se para a compreensão dos processos subjacentes envolvidos no desenvolvimento motor, a qual está orientando grande parte da pesquisa realizada atualmente. (GALLAHUE; OZMUN, 2003).

Gallahue; Ozmun (2003) definem desenvolvimento motor como uma contínua alteração no comportamento ao longo do ciclo da vida. Essa alteração pode ser realizada pela intenção entre as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente.

O esquema corporal tem sido considerado um elemento indispensável para a formação da personalidade da criança, de sua capacidade de adaptar-se ao meio e de saber enfrentar problemas e situações (MACEDO et al., 2004).

Ele ainda ressalta que a criança se sentirá bem tendo satisfação em correr, brincar, competir e manusear, na medida em que conhece seu próprio corpo.

Desenvolvimento é um processo permanente que se inicia na concepção e cessa somente na morte, ele está relacionado à idade, mas não depende dela (GALLAHUE; OZMUN, 2003).

1.1. Fases do Desenvolvimento Motor

O processo do desenvolvimento motor, segundo Gallahue, Ozmun (2003), revela-se basicamente por alterações em seu comportamento e pode ser considerado sob o

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aspecto de fases e sob o aspecto de estágios, dividindo o movimento observável em três categorias:

1ª- movimentos estabilizadores; refere-se a qualquer movimento que tenha como objetivo obter e manter o equilíbrio em relação à força de gravidade.

2ª- movimentos locomotores; refere-se a movimentos que envolvem mudanças na localização do corpo relativamente a um ponto fixo na superfície, como por exemplo, caminhar, correr, pular, saltar um obstáculo, etc, significa desempenhar uma tarefa locomotora.

3ª- movimentos manipulativos; refere-se tanto à manipulação motora rudimentar (arremessar, apanhar, chutar e derrubar, prender e rebater) quanto à manipulação motora refinada (movimentos que envolvem os músculos da mão e do punho, entre eles, costurar, cortar com tesouras, picotar e digitar)

Um exemplo de movimento que exige as três categorias é pular corda, pois é necessário que a criança pule e gire, mantendo o equilíbrio.

Uma vez utilizado o termo desenvolvimento motor para referir-se ao movimento, a maneira de estudar esse processo é pelo exame de progressão seqüencial de habilidades motoras ao longo da vida, ou seja, as fases e estágios. A Tabela 1 ilustra o referido exame de progressão, mostrando as respectivas fases.

Tabela 1. Exame de progressão seqüencial de habilidades motoras ao longo da vida, com suas fases e estágios.

FASES DO DESENVOLVIMENTO MOTOR

Utilização permanente na

vida diária

Utilização permanente recreativa

Utilização permanente competitiva

FAIXAS ETÁRIAS APROXIMADAS DE

DESENVOLVIMENTO

OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO

MOTOR

14 anos e acima

De 11 a 13 anos

De 7 a 10 anos

FASE MOTORA ESPECIALIZADA

Estágio de utilização permanente

Estágio de Aplicação

Estágio Transitório

De 6 a 7 anos

De 4 a 5 anos

FASE MOTORA FUNDAMENTAL

Estágio inicial

Estágio Maduro

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De 2 a 3 anos Estágio inicial

De 1 a 2 anos

Do nascimento

Até 1 ano

FASE MOTORA RUDIMENTAR

Estágio de

Pré-Controle

Estágio de Inibição de Reflexos

De 4 meses a 1 ano

Dentro do útero e até

4 meses de idade

FASE MOTORA REFLEXIVA

Estágio de Decodificação de informações

Estágio de Codificação de Informação

Adaptado de Gallahue; Ozmun (2003, p.100).

Ao longo do tempo, psicólogos desenvolvimentistas mostraram-se marginalmente interessados no desenvolvimento motor, mas somente como indicador visual do funcionamento cognitivo. Neste sentido Gallahue; Ozmun (2003) afirmam que “O desenvolvimento é freqüentemente estudado em termos de esferas (cognitiva, afetiva, psicomotora)”.

2. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA INFÂNCIA: ABORDAGEM DE CONCEITOS

Historicamente, a primeira abordagem ao estudo do desenvolvimento cognitivo ou inteligência centrou-se nas diferenças individuais (BEE, 1996, p.168). No entanto, não há grandes histórias a respeito, esse assunto passa a ser abordado com maior freqüência após a segunda metade do século XX quando o mundo passa a conhecer Jean Piaget (1896-1980), biólogo que se interessou e passou a observar profundamente como o ser humano adquire o conhecimento, de modo particular a criança. A Epistemologia Genética, como ficou conhecida sua teoria, visa dar respostas para os questionamentos da construção do conhecimento do homem e o desenvolvimento de sua inteligência. Ele mesmo dizia que “(...) o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações.”

São os conceitos de assimilação que consistem em incorporar objetos do mundo exterior a esquemas mentais preexistentes e acomodação que se refere a modificações dos sistemas de assimilação por influência do mundo externo. (EDUCAR, 2011). Para explicar e entender melhor esse desenvolvimento, a seguir são apresentados os estudos de Piaget sobre a maturação do aparelho psíquico humano, que se dá por meio de estágios, e como o próprio autor afirma, são contínuos.

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Sensório-motor (até 2 anos): nessa fase, as crianças adquirem a capacidade de administrar seus reflexos básicos para que gerem ações prazerosas ou vantajosas. É um período anterior à linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos objetos a sua volta.

Pré-operatório (dos 2 aos 7 anos): caracteriza-se pelo surgimento da capacidade de dominar a linguagem a representação do mundo por meio de símbolos. A criança continua egocêntrica e ainda não é capaz, moralmente de se colocar no lugar de outra pessoa.

Operatório-concreto (dos 7 aos 11 anos): tem como marca a aquisição da noção de reversibilidade das ações. Surge a lógica nos processos mentais e a habilidade de discriminar os objetos por similaridades ou diferenças. A criança já pode dominar conceitos de tempo e número.

Operatório-formal (a partir dos 12 anos): marca a entrada na idade adulta, em termos cognitivos. O adolescente passa a ter o domínio do pensamento lógico e dedutivo, o que o habilita à experimentação mental. Isso implica, entre outras coisas, relacionar conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses. No entanto, sendo os dois primeiros o foco principal de nossa pesquisa.

Ambos, conceitos de assimilação e acomodação, seriam uma possível resposta de Piaget para a aquisição do conhecimento e como se desenvolve a inteligência.

Segundo Barreto (2000, p.29), a construção do intelecto se dá a partir do movimento, já que este põe em jogo (se o professor souber utilizá-lo), uma gama de percepções e a integração mente e corpo, ou seja, facilita a expressão do ser total. Para Bee (1996, p.226 e 473), os processos básicos que constituem a atividade cognitiva são: codificar, decodificar, lembrar, planejar ou analisar. Essas conquistas cognitivas se combinam com novas e importantes habilidades motoras, permitindo à criança uma independência significativamente maior, que por sua vez favorece ainda mais o crescimento cognitivo.

Scarr; Eisenberg (1993), citado por Bee (1996, p.398), afirmam que as pesquisas mais antigas sugerem que qualquer tipo de creche tem pouco efeito sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças de famílias de boa situação sócio-econômica, enquanto as crianças das famílias mais pobres geralmente apresentam ganhos cognitivos.

De acordo com Gallahue, Ozmun (2003, p.239), o desenvolvimento cognitivo se caracteriza principalmente porque:

Existe uma habilidade crescente de expressar pensamentos e idéias verbalmente;

A imaginação leva tanto a imitações de ações quanto de símbolos, com pouca preocupação quanto à seqüência lógica de eventos;

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O “como” e o “porque” são aprendidos devido às constantes brincadeiras;

Fase de desenvolvimento de raciocínio pré-operacional, resultando em um período de transição do comportamento de auto-satisfação para comportamentos socializados fundamentais.

Liddle; Yorke (2007, p.24), afirmam que:

(...) de fato, o movimento físico, o afeto (emoções) e a cognição estão crucialmente ligados a um ciclo contínuo de estímulo sensorial e de produção motora. (...) se a criança não pode explorar algo fisicamente, não vai ocupar sua mente para aprender sobre ele.

A extensão das capacidades ou habilidades físicas de uma criança também pode ter um importante efeito indireto sobre o desenvolvimento cognitivo e social, influenciando a variedade de experiências que ela pode ter. (BEE, 1996, p.110 e 111).

Com base em Mukhina (2000, p.64 e 65), o desenvolvimento psíquico da criança não ocorre de forma regular, como o biológico nas fases de Piaget, e passa por três crises, assim chamada pelos especialistas. São elas:

no primeiro ano (do nascimento até 1 ano), a atividade principal é a relação emocional com o adulto;

na primeira infância (de 1 a 3 anos), deve-se explorar atividades com objetos;

os pré-escolares (de 3 a 6 ou 7 anos), atividades com jogos.

As crianças de forma individual possuem diferentes graus de desenvolvimento psíquico. Para exemplificar melhor a relação corpo e mente, Gallahue e Ozmun (2003, p.20) dizem:

A ‘área cognitiva’ aplicada ao estudo do comportamento motor envolve a relação funcional entre a mente e o corpo. A interação recíproca da mente e do corpo tem sido explorada por muitos observadores, incluindo desde Sócrates e Platão até os teóricos desenvolvimentistas do século. Jean Piaget, conhecido por sua teoria do desenvolvimento cognitivo, é exemplo de um teórico que reconheceu o importante papel do movimento, particularmente nos primeiros anos de vida.

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3. DESENVOLVIMENTO MOTOR E COGNITIVO: PSICOMOTRICIDADE

Bueno (1998, p.21 e 22) diz que já se falava na relação corpo e alma, desde a época dos grandes pensadores e filósofos, como Platão e Aristóteles, no entanto, a palavra psicomotricidade foi criada segundo alguns autores em 1907, por Ernest Dupré, ao escrever sobre a relação entre as síndromes da debilidade motora e mental. Com o passar do tempo, os estudos nesse ramo evoluíram, recebendo contribuições de inúmeros autores de áreas relacionadas, como por exemplo, Wallon [s.d.], Gesell [s.d.] e Piaget [s.d.], na área pedagógica e desenvolvimentista e Tissié [s.d.], também conhecido como “pai da reeducação psicomotora”, na área da educação física, dentre outros. No Brasil, seu retrato não é diferente da história mundial, entretanto, os primeiros documentos datam da década de 50, abordados principalmente por psiquiatras e professores. Em abril de 1980, houve a criação da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, mudando-se posteriormente para Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP). A partir de então, esse conhecimento vem se aperfeiçoando cada vez mais.

Barreto (2000, p.19 e 20), define que na primeira infância a motricidade e o psiquismo são muito interligados e unidos, que a determinado ponto acabam se difundindo, formando um só amálgama. Para esclarecer melhor a interligação, entre coordenação motora e desenvolvimento cognitivo, temos como exemplo, o que o autor deixa bem claro ao expressar que:

(...) a psicomotricidade, nos seus primórdios, via o corpo nos seus aspectos neurofisiológicos, anatômicos e locomotores, coordenando-se e sincronizando-se no espaço e no tempo, para emitir e receber significados e significantes. Atualmente percebemos que psicomotricidade é o relacionar-se através da ação, como um meio de tomada de consciência, de unificação do Ser, que é corpo-mente-espírito-natureza-sociedade.

A psicomotricidade começou como meio de educar e reeducar deficientes mentais e crianças com graves distúrbios de aprendizagem, hoje, é utilizada até em berçários como trabalho de prevenção e de desenvolvimento do potencial humano. (BARRETO, 2000 p. 31). Segundo Le Boulch, (1992, p.13):

A educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a toda criança que seja normal ou com problemas. Responde a uma dupla finalidade: assegurar o desenvolvimento funcional tendo em conta possibilidades da criança e ajuda sua afetividade expandir-se e a equilibrar-se através do intercâmbio com o ambiente humano.

Ferreira (2000, p.48), afirma que os diferentes processos que integram o desenvolvimento psicomotor não são fenômenos separáveis, e, por isso, a maturação neurológica, o desenvolvimento do esquema e da imagem corporal, os processos de lateralização, as coordenações, o equilíbrio, o ritmo e até mesmo o desenvolvimento cognitivo e da linguagem, devem ser abordados em seu conjunto.

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A educação psicomotora ajuda a prevenir as dispraxias infantis e a reeducação psicomotora ajuda a melhorar a coordenação, a conscientização do movimento e a intencionalidade dos gestos. A evolução psicomotora da criança pode ser observada através do desenho da figura humana. (BARRETO, 2000, p.35 e 72). A importância de uma disciplina que associe a coordenação motora e o cognitivo ainda é algo não concreto na escola, mas que o autor vê como uma realidade totalmente necessária, expressada no trecho descrito abaixo (BARRETO, 2000, p.43):

(...) a educação psicomotora deve, pois, ser ministrada como se fosse uma disciplina concatenada com todas as outras disciplinas e não somente nas horas de ‘matar o tempo’, como é comum acontecer. A educação psicomotora utiliza, de maneira mais ou menos uniforme, as funções motora, cognitiva, perceptiva, afetiva e sóciomotora.

Para comprovar que as conseqüências de uma educação psicomotora não são em vão, Gallahue; Ozmun (2003, p.19 e 20) afirmam que:

Na área psicomotora, o movimento pode resultar: a) de processos cognitivos que ocorrem em centros cerebrais superiores (córtex motor); b) da atividade reflexa em centros cerebrais inferiores; ou c) de reações automáticas no sistema nervoso central. A área psicomotora inclui todas as alterações físicas e fisiológicas no decorrer da vida. Como conseqüência, a área psicomotora pode ser categorizada no estudo do desempenho motor e no estudo das habilidades motoras.

Ainda de acordo com os autores:

O psicomotricista deve orientar as crianças no desempenho de suas potencialidades, porém, deve, sempre que possível, utilizar uma maneira lúdica e relacional (GALLAHUE; OZMUN 2003, p. 26).

Para Barreto (2000, p.23), as orientações dos principais pontos a serem explorados pelo professor ao desenvolver atividades psicomotoras para o público infantil, deixando claro que elas propiciam a ativação de alguns processos, são:

Vivenciar estímulos sensoriais sobre elas; vivenciar o corpo como um todo, pois este é o referencial primeiro em nossa relação conosco, com os outros, com os objetos e o meio;

Vivenciar através do próprio corpo e da interação com o mundo e com os objetos, a organização espaço-temporal;

Vivenciar situações que levam à aquisição dos pré-requisitos básicos necessários a uma boa iniciação ao cálculo, à leitura e à escrita (noções de espaço e tempo, boa

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linguagem oral, bom controle da respiração, um bom ajuste de tônus, boa coordenação motora, etc).

A educação psicomotora permite, então, à criança, explorar seu ambiente, proporcionando-lhe experiências indispensáveis ao seu desenvolvimento intelectual. (BARRETO 2000, p.47).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da revisão dos conceitos do desenvolvimento motor e cognitivo, à cerca de sua importância, percebe-se a necessidade do desenvolvimento de mais estudos neste contexto, além de um aprofundamento do estudo na formação de professores, para que estes adquiram maior domínio em sua prática, uma vez que são responsáveis pela formação integral da afetividade, da cognição e da psicomotricidade, além dos estímulos, aos quais almejam resultados, dentre eles um aprimoramento da fala e da escrita que são antecipados com a ajuda do movimento.

Observa-se que a relação entre pais, familiares e fatores ambientais ajudam na aquisição, incentivo dessas habilidades, pois quanto mais precocemente a coordenação motora for estimulada, melhor será o desenvolvimento cognitivo da criança, uma vez que, mesmo sendo processos distintos, estão interligados em seus objetivos de estudo e na vivência humana.

Outro fator levantado concerne à necessidade da criação de um centro de desenvolvimento psicomotor para melhor exploração das crianças, visto que as aulas de Educação Física não proporcionam esse desenvolvimento em sua total plenitude. Além disso, futuros estudos acerca da temática teriam um local apropriado para o desenvolvimento de atividades de ensino e pesquisa, desde a observação e coleta de dados e informações, até o desenvolvimento e conclusão destes.

Conclui-se também que os conceitos de desenvolvimento motor e desenvolvimento cognitivo devem estar atrelados à estudos multidisciplinares e/ou interdisciplinares, uma vez que, para uma melhor compreensão destes conceitos bem como de suas aplicações e métodos, uma única visão pode não ser eficiente para a compreensão ampla dos referidos conceitos.

Por fim, espera-se um aprimoramento, uma junção ou o surgimento de novos métodos que facilitem o aprendizado, através da coordenação motora no processo de evolução do sistema cognitivo (psicológico) da criança.

REFERÊNCIAS

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