a silaba e seus constituintes e sãndi vocálico externo

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A Silaba e Seus Constituintes e Sãndi Vocálico Externo

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  • Maria Bernadete Marques Abaurre (organizadora)

    GRAMTICA DO PORTUGUS CULTO FALADO

    NO BRASIL

    VOLUME V

    A CONSTRUO FONOLGICA DA PALAVRA

    LULUText BoxObservao:A segunda parte do livro foi anexada no item "Outros documentos" para respeitar o limite mximo do tamanho dos arquivos a serem anexados.

  • Sumrio do Volume V

    Apresentao

    Maria Bernadete M. Abaurre

    Parte I: Slaba

    1. A slaba e seus constituintes

    Leda Bisol

    2. Sndi voclico externo

    Leda Bisol

    Parte II: Vogais

    3. As vogais orais: um estudo acstico-variacionista

    Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite

    4. Produo e percepo das vogais nasais

    Joo A. Moraes

    5. Fonologia da nasalizao

    Leda Bisol

    6. Nasalizao fontica e variao

    Maria Bernadete M. Abaurre & Emlio G. Pagotto

    Parte III: Consoantes

    7. Consoantes em coda silbica: /s, r, l/

    Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite

    8. Consoantes em ataque silbico: palatalizao de /t, d/

    Maria Bernadete M. Abaurre & Emlio G. Pagotto

    APNDICE: Mapeamento dos processos

    Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite

    Referncias bibliogrficas

  • APRESENTAO

    Os trabalhos reunidos neste volume apresentam, em seu conjunto, os resultados das

    pesquisas desenvolvidas pelos membros do Grupo de Trabalho de Fontica e Fonologia ao

    longo dos dez anos (1988-1998) do Projeto de Gramtica do Portugus Falado (PGPF),

    coordenado por Ataliba de Castilho. A publicao do conjunto desses trabalhos pretende

    contribuir para a divulgao de descries mais acuradas de aspectos fnicos marcantes da

    variante culta do portugus falado no Brasil.

    Dentre os principais objetivos dos Grupos de Trabalho do PGPF destacavam-se:

    fornecer subsdios para a caracterizao das variedades geogrficas dialetais (pluralidade de

    normas) e identificar regularidades encontradas nos princpios constitutivos das estruturas

    fonolgicas, morfossintticas e textuais, na sua produo e no seu processamento. O GT de

    Fontica e Fonologia, particularmente, optou por fazer um recorte dos aspectos e dos

    fenmenos que, no plano fnico, caracterizariam, por hiptese, o portugus do Brasil e

    dariam conta da sua distribuio por regio do pas.

    O critrio utilizado para a seleo dos trabalhos constantes deste volume foi,

    portanto, o da representatividade dos fenmenos descritos para a caracterizao do

    componente fnico do portugus do Brasil. Selecionados como representativos para

    investigao nas reas de fontica e fonologia de uma gramtica referencial do PB, esses

    trabalhos tomaram por base os corpora controlados das cinco capitais brasileiras do projeto

    NURC (Porto Alegre, So Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife), e foram desenvolvidos

    a partir das hipteses tericas e da metodologia que nortearam o trabalho do GT e que sero

    apresentadas a seguir.

    Ao definir, em 1992, uma agenda prpria de pesquisas, o GT de Fontica e

    Fonologia definiu, tambm, seus objetivos, pressupostos tericos e metodologia de

    investigao. Os projetos desenvolvidos pelos pesquisadores voltaram-se para alguns

    aspectos fontico-fonolgicos da modalidade culta do portugus do Brasil, visando a

    identificar coerentemente com os pressupostos gerais do PGPF as regularidades

  • encontradas nos princpios constitutivos das estruturas fonolgicas (espao dos fatos

    categricos) e na sua produo e processamento (espao dos fenmenos variveis).

    Todos os aspectos selecionados foram analisados, do ponto de vista terico, luz de

    modelos fonolgicos no-lineares (fonologia autossegmental, lexical e mtrica) e da teoria

    da variao e mudana concebida no mbito da sociolingustica laboviana. A integrao

    dessas vises terico-metodolgicas distintas permitiu evidenciar tanto a unidade

    fonolgica do portugus culto falado no Brasil como a diversidade fontica existente nos

    dialetos estudados.

    O componente fonolgico de uma gramtica foi entendido, no GT, como um

    conjunto de princpios, parmetros e convenes que organizam o sistema de oposies

    estabelecidas no plano fnico e as possibilidades de escolha das atualizaes dessas

    oposies, facultadas aos falantes em contextos especficos (lingusticos e extra-

    lingusticos).

    Nos trabalhos mais voltados para a discusso dos aspectos representacionais

    relativos s estruturas fonolgicas, optou-se pela utilizao do quadro terico das

    fonologias no-lineares, recorrendo-se, quando pertinente, fonologia lexical,

    autossegmental e mtrica.

    Por se tratar da fontica e fonologia de uma Gramtica Referencial do Portugus

    Falado, fundamentada em corpora de cinco capitais brasileiras, optou-se pelo

    desenvolvimento de projetos que pudessem fornecer subsdios para a caracterizao das

    variedades geogrficas dialetais, com base em algumas hipteses sobre processos

    fonolgicos que singularizam cada variedade. Do ponto de vista metodolgico decidiu-se-

    se por abordar os dados atravs da sociolingustica quantitativa de inspirao laboviana. A

    variao , nessa perspectiva, entendida como uma propriedade inerente atividade

    discursiva, motivada internamente por fatores lingusticos e, externamente, por fatores

    como regio, idade, sexo, estilo. Do ponto de vista formal, a regra varivel apresenta

    caractersticas semelhantes s das regras categricas, diferenciando-se destas pela

    possibilidade de incluso de fatores no lingusticos.

    Dentro dessa concepo, fenmenos variveis so mensurados, permitindo

    caracterizar as variedades do portugus brasileiro por seu percentual de participao maior

    ou menor em um dado processo fonolgico. Ressalte-se que se fez, no mbito do GT, a

  • opo terico-metodolgica pelo tratamento dos dados de variao segundo a

    sociolingustica quantitativa laboviana, dadas as perspectivas promissoras que tal

    metodologia oferece para uma renovao dos estudos dialetolgicos sobre o portugus do

    Brasil e para um nova viso dos processos de mudana lingustica.

    Este volume est organizado em trs partes e um Apndice, sobre os quais se faro,

    a seguir, breves comentrios.

    Na Parte I, Slaba, agrupam-se dois trabalhos de Leda Bisol: A Slaba e seus

    constituintes e Sndi voclico externo. O trabalho sobre sndi voclico foi includo nesta

    Parte I devido reorganizao das estruturas silbicas operada pela aplicao das regras de

    sndi voclico s sequncias voclicas em juntura de palavras.

    Em A Slaba e seus constituintes, Bisol, seguindo a abordagem da fonologia

    mtrica, discute a composio das slabas do portugus brasileiro, bem como as restries e

    princpios que regem sua formao. A partir do pressuposto de que a slaba possui uma

    estrutura interna de constituintes, a autora apresenta uma representao arbrea para este

    domnio, propondo uma organizao hierrquica para seus constituintes. Discute, ainda,

    questes relacionadas silabificao e ressilabificao de sequncias de segmentos no

    portugus do Brasil.

    A anlise desenvolve os seguintes passos: discutem-se, primeiramente, os princpios

    de composio da slaba bsica, com base nos quais apresenta-se uma representao

    arbrea para esse domnio. A partir desses princpios, depreende-se o padro silbico do

    portugus. Segue-se o desenvolvimento da idia de que o mapeamento da slaba tem como

    ponto inicial a identificao dos ncleos, e, na ordem, o mapeamento do onset e finalmente

    da coda. Certas operaes, como apagamento do elemento no-silabado e epntese,

    considerada como um processo de legitimao de consoantes extraviadas, merecem

    especial ateno, em virtude de a aplicao de uma ou de outra operao propiciar

    variaes silbicas.

    Admitindo-se que a silabao um processo contnuo, disponvel em qualquer etapa

    da derivao, a anlise, fundamentada nos princpios gerais da teoria adotada, busca

  • apresentar explicaes tanto para as slabas que se encaixam no padro cannico como para

    as formas variantes.

    Em Sndi voclico externo, Bisol analisa os trs processos de sndi observveis no

    nvel ps-lexical. Esses processos, que tm como domnio prosdico a frase fonolgica,

    caracterizam o portugus brasileiro: a eliso ([kamizuzda] /kamza uzda/), a ditongao

    ([komystras] /kme stras/) e a degeminao ([kazaz] /kza azl/).

    Na primeira parte, o trabalho oferece uma caracterizao desses fenmenos de sndi

    a partir dos pressupostos tericos da fonologia autossegmental e conclui que eles so o

    resultado, na lngua, da operao de princpios universais como licenciamento prosdico,

    sequncia de sonoridade e contorno obrigatrio combinados com outras convenes e

    regras.

    A segunda parte apresenta os resultados da anlise estatstica (de base laboviana),

    destacando-se os seguintes aspectos: 1) a atonicidade das duas vogais o contexto ideal

    para o sndi externo; 2) o sndi no ocorre quando a segunda vogal acentuada, exceto

    quando a ressilabificao fica garantida pela presena, na sequncia VV, de uma vogal alta

    sem acento; 3) o sndi ocorre com mais frequncia no domnio da frase fonolgica do que

    no domnio do enunciado; 4) o uso mais ou menos frequente do sndi permite estabelecer

    diferenas dialetais (RJ e POA apresentando maior implementao dos processos de eliso,

    ditongao e degeminao, e SP, SSA e RE apresentando menor implementao); 5) estilos

    mais controlados exibem o sndi com menos frequncia do que estilos descontrados.

    Na Parte II, Vogais, apresentam-se os trabalhos As vogais orais: um estudo

    acstico-variacionista, de Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite; Produo e

    percepo das vogais nasais, de Joo A. Moraes; Fonologia da nasalizao, de Leda Bisol

    e Nasalizao fontica e variao, de Maria Bernadete M. Abaurre & Emlio G. Pagotto.

    Em As vogais orais: um estudo acstico-variacionista, os autores apresentam, com

    base em um estudo espectrogrfico das vogais orais pretnicas, tnicas e postnicas, uma

    caracterizao acstica do sistema voclico do portugus do Brasil, fundamental para o

    melhor entendimento de processos fonolgicos operantes na lngua.

    O trabalho analisa acusticamente, atravs da identificao dos valores do primeiro e

    segundo formantes (F1 e F2, respectivamente), 3645 realizaes de vogais extradas de

  • inquritos do projeto NURC. O corpus constitudo de entrevistas informais com 15

    locutores de formao universitria (3 por cada rea urbana) estratificados por 3 faixas

    etrias (25-35, 36-56 e 56 em diante). Foram analisadas 15 ocorrncias de cada vogal por

    falante, atravs do programa computacional ILS (Interactive Laboratory System),

    totalizando 1575 vogais tnicas, 1395 pretnicas e 675 postnicas.

    Foram objetivos da pesquisa: 1) caracterizar, acusticamente, o sistema geral de

    vogais tnicas, pretnicas e postnicas e os sistemas dos cinco dialetos: POA, SP, RJ, SSA

    e RE; e, tomando como referncia o sistema das vogais cardeais, comparar o sistema

    voclico tnico do portugus do Brasil com o do portugus europeu; 2) detectar a direo

    de uma possvel mudana fontica em progresso, atravs das medies acsticas e anlise

    multivariacional.

    Dados esses objetivos, uma vez estabelecido o espao acstico das vogais tnicas do

    portugus culto das cinco capitais brasileiras, foi feita a comparao entre os sistemas

    voclicos de PB e PE e o sistema das vogais cardeais, concluindo-se, no trabalho, que

    parece existir uma tendncia de tornar-se mais compacto o sistema de PB, ou seja, de

    distanciar-se, pela centralizao da vogal alta /i/ e pelo alamento e anteriorizao da vogal

    /a/, tanto de PE como das vogais cardeais.

    Com relao variao, o estudo mostrou que h dois processos que diferenciam os

    dialetos: o de anteriorizao e abaixamento da vogal /i/ e o de posteriorizao e

    abaixamento da vogal /a/.

    Em Produo e percepo das vogais nasais, Joo A. de Moraes discute alguns

    dados sobre a fontica da nasalidade voclica no PB. Sem perder de vista a perspectiva

    fonolgica, o autor aborda inicialmente alguns aspectos gerais da articulao e da acstica

    das vogais nasais brasileiras. Em seguida, com base em dados de testes perceptivos, discute

    quatro questes especficas, de natureza fonolgica: 1) H pistas fonticas (diferenas na

    manifestao da nasalidade) a indicar que a nasalidade contrastiva, a alofnica e a

    coarticulatria sejam processos derivados de regras distintas ?; 2) De que maneira fatores

    como o timbre voclico e o acento interagem com a nasalidade?; 3) Qual das

    interpretaes/representaes das vogais nasais, a bifonmica ou a monofonmica,

    favorecida pelos dados fonticos? A presena de um apndice consonantal nasal

  • proeminente seguindo a vogal favoreceria, numa abordagem mais natural, a interpretao

    bifonmica.

    As concluses a que chega o autor, com relao s questes consideradas, podem ser

    resumidas como se segue.

    A viso tradicional da nasalizao voclica no portugus do Brasil identifica dois

    tipos de nasalizao, a contrastiva e a alofnica, e considera esta ltima uma nasalizao

    mais fraca, secundria. Os dados apresentados pelo autor mostram que, do ponto de vista

    articulatrio, h quatro graus de abertura da passagem velo-farngea na produo das vogais

    no portugus. Alm disso, revelam que a nasalizao contrastiva e a alofnica so

    igualmente intensas. Tal achado corroborado igualmente nos testes de percepo

    Tanto do ponto de vista articulatrio, quanto do perceptivo, a nasalizao fonolgica

    (contrastiva) e a alofnica so processos similares, e devem ser considerados o resultado da

    aplicao de regras adquiridas de nasalizao. J a nasalizao coarticulatria parece ser

    um fenmeno puramente fontico, de transio.

    O peso do acento crucial tanto do ponto de vista fontico (grau de nasalizao

    alcanado), quanto fonolgico, pois a pauta acentual pode determinar, segundo o dialeto, o

    alcance das regras de nasalizao. Da mesma forma, articulaes mais abertas das vogais

    nasais favorecem a percepo da nasalidade. Por fim, a interpretao bifonmica da

    nasalizao contrastiva a que encontra maior suporte nos dados fonticos.

    Em Fonologia da nasalizao, Leda Bisol retoma a discusso de um dos aspectos

    mais polmicos da fonologia do portugus: a nasalidade voclica. A partir da pergunta

    clssica sobre se o sistema da lngua portuguesa possui vogais intrinsecamente nasais ou se

    as chamadas vogais nasais devem ser interpretadas como sequncia de vogal oral mais

    consoante nasal, a autora, com base na fonologia lexical e na teoria autossegmental,

    distingue dois processos de nasalidade na lngua: a nasalidade por estabilidade (lexical) e a

    nasalidade por assimilao (ps-lexical).

    Sua anlise, conduzida na perspectiva da fonologia lexical, assume uma concepo

    de lxico composto de dois strata, o da raiz e o da palavra. no nvel da palavra

    (componente lexical) que se forma, por estabilidade, o ditongo nasal. A nasalizao por

    assimilao, que alcana itens sem vogal temtica e a vogal interna, e que no tem uma

    morfologia especfica, opera no componente ps-lexical.

  • Uma das concluses importantes desse trabalho diz respeito principal diferena

    entre os dois tipos de nasalidade, a do ditongo e a da vogal nasal, ambos VN na

    subjacncia: o verdadeiro ditongo nasal, de formao mais subjacente, gerado no

    comportamento lexical, pois conta com um elemento morfolgico, a vogal temtica,

    enquanto a vogal nasalizada, presente em todo o processo derivativo como VN, torna-se

    uma vogal nasal somente no componente ps-lexical, pois prescinde de informao

    morfolgica.

    Em Nasalizao fontica e variao, Maria Bernadete M. Abaurre & Emlio G.

    Pagotto apresentam os resultados de uma anlise variacionista da nasalidade fontica no

    portugus do Brasil. O trabalho baseia-se em um corpus ampliado de 30 inquritos,

    totalizando 300 minutos de gravao e 9570 dados representativos das variveis relevantes.

    Destes, 4946 representam casos de nasalidade fonolgica, de manifestao categrica. A

    variao verifica-se no contexto da nasalidade fontica, representada em 4624 dados. Os

    resultados da investigao voltam-se especificamente para as ocorrncias da nasalidade

    fontica e os resultados significativos so os seguintes: 1) em slabas acentuadas, a

    nasalizao fontica ocorre quase categoricamente e bloqueada somente no contexto de

    juntura de palavra, o que caracteriza o processo como intralexical; 2) a nasalizao ocorreu

    em 100% dos casos quando a consoante que segue a vogal nasal palatal. O ponto de

    articulao da nasal seguinte continua relevante mesmo quando se consideram as outras

    consoantes, pois parece haver uma hierarquizao na assimilao de nasalidade segundo o

    ponto de articulao: palatais dentais labiais; 3) excluindo os casos em que a

    nasalizao categrica, observa-se uma hierarquizao entre fatores de natureza

    morfolgica e fatores de natureza fontica. O contexto de juntura morfolgica atua como

    um forte inibidor do processo de assimilao. J o contexto interno raiz da palavra libera

    a atuao de outros fatores; 4) a presena de uma consoante nasal precedendo a varivel

    condiciona fortemente a nasalizao. O onset vazio, por sua vez, inibe a assimilao da

    nasalidade. J o onset preenchido por consoantes no nasais no chega a inibir a

    nasalizao. Onsets duplamente preenchidos inibem fortemente a nasalizao da vogal; 5) a

    regio geogrfica tambm determinante para a descrio do processo de nasalizao.

    Norte e Sul se opem quanto nasalizao: RE e SSA nasalizam mais; SP e POA

    nasalizam menos. O RJ est no meio do caminho.

  • Na Parte III, Consoantes, esto os trabalhos Consoantes em coda silbica: /s, r, l/,

    de Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite e Consoantes em ataque silbico:

    palatalizao de /t, d/, de Maria Bernadete M. Abaurre & Emlio G. Pagotto.

    Em Consoantes em coda silbica: /s, r, l/, Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne

    Leite retomam a questo da ocorrncia de consoantes em coda silbica, no PB, tendo como

    objetivo identificar e analisar, no corpus do PGPF, os processos de enfraquecimento de /s/,

    /r/ e /l/ nessa posio silbica. Os autores procuram, em seu trabalho, estabelecer: a) a

    geolingustica desse(s) processo(s) de enfraquecimento; b) seus fatores condicionantes; c) o

    tipo de mudana ocorrida; d) o estgio em que se encontra(m) o(s) processo(s).

    As principais concluses desta investigao so as seguintes: 1) o processo de

    posteriorizao comum s trs consoantes; 2) as mltiplas realizaes das consoantes em

    pauta se prestam a estabelecer delimitao de reas dialetais; 3) a hiptese de que a

    palatalizao do S constitui uma mudana de cima para baixo apoia-se em evidncias

    fracas, uma vez que a expanso da regra no atestada historicamente. Alm disso, como

    essa regra no acarreta nenhum tipo de fuso, torna-se impossvel fazer uso do paralelo

    feito por Labov entre tipos de fuso e mudanas de cima para baixo e/ou de baixo para

    cima para esclarecer a questo. O mesmo se aplica para as mudanas do L e do R. Trata-

    se, nos casos apresentados, de variao no nvel fontico, sem consequncia no nvel

    representacional; 4) gnero constitui uma varivel crucial, indicando uma comunidade

    cindida, homens e mulheres apresentando distintos comportamentos lingusticos; 5)

    possvel explicar a presena de realizaes das lquidas, em posio de coda, pela atuao

    de princpios universais. Um deles o controvertido princpio do menor esforo, segundo o

    qual sons menos complexos (no marcados) tendem a substituir os mais complexos

    (marcados). Outro princpio relaciona-se constituio da slaba, que otimiza a sonoridade

    da estrutura demissilbica ncleo+coda (ou rima).

    Os autores observam, ainda, que se a representao autossegmental de

    Clements for adotada, a velarizao do L constitui uma etapa necessria para o estgio

    seguinte de vocalizao. No caso do R, como se viu, a explicao do processo como um

    enfraquecimento resultante de uma escala de sonoridade no satisfaz. A palatalizao do S,

    por sua vez, no se encaixa em nenhum dos princpios acima mencionados. Parece tratar-se

  • de um caso de mudana cujo alvo seria imitar uma pronncia supostamente de prestgio

    que se comporta de forma diversa, no estando sujeita a tendncias universais.

    Em Consoantes em ataque silbico: palatalizao de /t, d/, Maria Bernadete M.

    Abaurre & Emlio G. Pagotto analisam, com base nos pressupostos da sociolingustica

    quantitativa laboviana, as ocorrncias, nos dados representativos das cinco capitais do

    projeto, das consoantes oclusivas dentais /t/ e /d/ quando seguidas de uma vogal realizada

    como alta anterior [i]. Foram consideradas relevantes, para o estudo, as realizaes da

    varivel como oclusiva dental surda ou sonora ou como africada palato-alveolar surda ou

    sonora.

    Os resultados mais significativos desse trabalho so os que se apontam a seguir.

    De todos os grupos de fatores analisados, o que se mostrou mais consistente foi o da

    regio geogrfica, apontando-se, nos dados estudados, para uma polarizao entre Recife e

    Rio de Janeiro no que diz respeito palatalizao da oclusiva: os dados do Rio de Janeiro

    se mostraram categricos quanto aplicao da regra e os do Recife ofereceram forte

    resistncia palatalizao. Os dados de Salvador e So Paulo se mostraram mais prximos

    entre si do que os de Porto Alegre, que se apresentaram com o percentual mais baixo de

    palatalizao, depois do Recife.

    Os informantes, em algumas regies, apresentaram comportamentos idiossincrticos

    muito diferentes entre si, especialmente em Porto Alegre, o que indica que o processo de

    variao, poca da coleta dos dados, apresentava aspectos sociolingusticos que no

    puderam ser captados pela descrio social adotada, demonstrando, mesmo assim, uma

    implementao do processo de palatalizao que ainda no se havia completado no mbito

    de toda a sociedade local. Esse comportamento idiossincrtico leva, necessariamente, a

    relativizar os resultados de Porto Alegre, no sentido de no se poder caracterizar, com

    segurana, o dialeto local como no palatalizado.

    O estudo do comportamento da varivel, no seu funcionamento lingustico,

    confirmou hipteses j apontadas anteriormente em outros trabalhos: 1) a de que a

    sonoridade da varivel tem influncia sobre a aplicao da palatalizao; 2) a de que a

    consoante fricativa alveolar [s], que segue a vogal /i/ tona, formando a sequncia [tis] ou

    [dis], ocasiona o acionamento de uma outra regra fonolgica que suprime a vogal [i],

    inibindo a aplicao da palatalizao; 3) a de que o glide [y], em que se transforma a vogal

  • que segue a oclusiva dental em processo de ressilabificao, condiciona mais fortemente a

    palatalizao do que as outras realizaes desta vogal; d) a de que h uma tendncia co-

    ocorrncia da oclusiva palatalizada e da palatalizao da consoante fricativa /s/ que a

    antecede; do mesmo modo, a realizao alveolar da consoante fricativa /s/ tende a co-

    ocorrer com a realizao no palatalizada da consoante oclusiva.

    Os autores ressaltam, ainda, que no foi possvel identificar com segurana um

    controle de natureza lexical sobre o processo de variao estudado, havendo apenas alguns

    indcios de que isso possa ter ocorrido.

    O volume traz, ainda, um Apndice, Mapeamento dos processos, organizado por

    Dinah Callou, Joo A. Moraes & Yonne Leite, em que so apresentados dois mapas com a

    rea de abrangncia dos seis processos fonolgicos discutidos nos trabalhos constantes do

    volume, consideradas as cinco capitais brasileiras estudadas no projeto NURC (Porto

    Alegre, So Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife): 1) palatalizao do /S/ em coda

    silbica; 2) fricativizao e posteriorizao do /R/ pr- e ps-voclico; 3) palatalizao do

    /t/ e do /d/ diante de /i/; 4) vocalizao do /L/ em coda silbica; 5) nasalizao da vogal pr-

    tnica diante de consoante nasal e 6) elevao da vogal mdia pretnica [e] [i] e [o]

    [u].

    Os pesquisadores deste GT julgam ter conseguido levar a bom termo praticamente

    todas as investigaes que se propuseram realizar em seu programa de pesquisas. Ficaram

    ainda por realizar, de forma sistemtica, estudos sobre acento, ritmo e entoao nas cinco

    capitais.

    Ao longo dos dez anos de pesquisas do GT, participaram do desenvolvimento de

    projetos os seguintes pesquisadores: Joo Antnio de Moraes, UFRJ (primeiro coordenador

    do GT); Maria Bernadete Marques Abaurre, UNICAMP (coordenadora do GT a partir de

    1992); Leda Bisol, PUCRS; Dinah Isensee Callou, UFRJ; Yonne de Freitas Leite, UFRJ;

    Luiz Carlos Cagliari (de 1988 a 1992), UNESP; Emilio Gozze Pagotto, USP. Destaca-se,

    nesta oportunidade, a importncia de que se revestiu o trabalho em grupo, no interior do

    GT, o que permitiu no s o estmulo mtuo e crescimento conjunto, mas sobretudo a

  • polmica saudvel e necessria e o intercmbio de conhecimentos e experincias

    individuais.

    Tendo em vista que o objetivo maior do GT era o de fornecer subsdios para a

    caracterizao das variedades geogrficas dialetais do portugus do Brasil, pode-se dizer

    que a escolha terico-metodolgica de uma abordagem sociolingustica de cunho

    quantitativo, como a laboviana, para servir de quadro de referncias para as pesquisas do

    grupo, foi adequada.

    Com efeito, a escolha de tal metodologia revelou-se produtiva para a caracterizao

    da variao lingustica que envolve as variveis consideradas nos projetos do GT, conforme

    demonstram os resultados finais dos trabalhos apresentados pelos pesquisadores ao longo

    desses anos. Acreditamos que os resultados das pesquisas que tivemos a oportunidade de

    desenvolver no PGPF constituem um avano na busca de caracterizao da estratificao

    regional do portugus do Brasil.

    Na preparao da verso final dos textos constantes deste volume, levou-se em

    conta a deciso tomada por ocasio do X Seminrio do Projeto da Gramtica do Portugus

    Falado, realizado em 1998, segundo a qual os textos seriam voltados essencialmente para o

    pblico acadmico, a includos os professores e alunos de cursos de graduao da rea de

    Letras e Lingustica. Deveriam, portanto, ser redigidos em linguagem que, embora tcnica,

    pudesse ser entendida mesmo por no especialistas na rea de Fontica e Fonologia.

    Procurou-se, na medida do possvel, cumprir tal deciso, mas o compromisso que

    possvel fazer, em termos de discusses fonticas e fonolgicas, relativamente limitado,

    pois implica muitas vezes manter conceitos e terminologia sem os quais a discusso dos

    tpicos selecionados ficaria inviabilizada.

    Durante o trabalho de preparao dos textos para publicao neste volume,

    contamos com a ajuda inestimvel do colega Juanito Ornelas de Avelar, do Instituto de

    Estudos da Liguagem da Unicamp. A ele deixamos registrados, aqui, os nossos sinceros

    agradecimentos.

    Campinas, SP., outubro de 2011

    Maria Bernadete Marques Abaurre

  • PARTE I

    A SLABA

  • 1

    2 A SLABA E SEUS CONSTITUINTES Leda BISOL (PUCRS, CNPq)

    A composio da slaba, as restries e princpios que regem sua formao o tema deste captulo que se desenvolve na linha da fonologia mtrica. H outras teorias sobre slaba, entre as quais o modelo CV, que limita a slaba a trs camadas: a mais subjacente, constituda de um s elemento, representado por , significando a slaba como entidade abstrata; a camada intermediria de dois elementos constituda, C e V, indicativos da posio do elemento silbico na linha temporal; a dos segmentos especificados em traos fonticos.

    Neste estudo, seguindo a teoria mtrica, vamos tomar como ponto de partida a representao arbrea da slaba, detendo-nos em seus constituintes, na silabificao e ressilabificao de segmentos.

    2.1 Composio da slaba A idia de que as entidades fonolgicas organizam-se em constituintes, valores tradicionalmente conhecidos na sintaxe, vem fundamentando, sobretudo, as anlises que dizem respeito slaba e ao acento, desde a introduo das

  • 2

    Slaba (= )

    ataque rima

    N Cd C V C

    representaes no-lineares na fonologia gerativa. Dois so os constituintes silbicos, ataque e rima, o segundo dos quais domina um ncleo indispensvel, o qual junto ao ataque forma o padro universal CV. Os princpios de composio da slaba bsica dizem respeito relao que se estabelece entre os elementos que a compem, isto , entre rima e ataque e entre ncleo e coda. Tais princpios podem ser expressos por uma rvore, no estilo de Selkirk (1982):

    (1) Princpios de Composio da Slaba Bsica(PCSB)

    Essa estrutura gera todo o inventrio bsico {CV, VC, V, CVC} com que se descreve grande parte das lnguas do mundo. Estruturas mais complexas como {CCV, VCC, CCVCC} so dela derivadas.

    Na maioria das lnguas, somente vogais so picos silbicos. Outras admitem soantes e ainda h os casos especiais, como Berber, em que qualquer consoante pode ser centro silbico (Prince & Smolensky, 1993).

  • 3

    Por conseguinte o primeiro passo na construo de uma slaba a identificao do pico a que nos referimos como ncleo (N). Esse projeta a rima e a rima projeta a slaba. Em portugus, somente vogais funcionam como ncleos. Todas as vogais de uma cadeia de sons so, no primeiro momento, picos silbicos, ou seja, ncleos de slaba. E, porque o sistema no possui vogais longas, a sequncia VV que, inicialmente, sempre dissilbica, pode fundir-se em uma s vogal se forem idnticas ou produzir um ditongo se uma das vogais for alta.

    Estrutura silbica e silabificao andam juntas, mas podem ser entendidas como instrues diferentes. A primeira, em forma de rvore neste texto, uma teoria sobre a slaba, que diz respeito aos princpios de composio da slaba bsica. Figura no lxico profundo, representando o conhecimento que o indivduo tem da estrutura silbica de sua lngua, um saber inconsciente que vai emergindo medida que a capacidade da linguagem se desenvolve. A segunda o mapeamento de uma cadeia de sons ao molde cannico, como veremos mais adiante.

    Estamos, pois, considerando que as regras de composio da slaba bsica so, na verdade, princpios expressveis por meio de uma rvore de ramificao binria, os quais, em se tratando do portugus, geram o padro cannico CCVC (C), em que C parenttico o resultado de uma regra particular. Por conseguinte o molde silbico do portugus (2) a que se anexa (3). (2) Molde Silbico do Portugus

  • 4

    (A) R

    N (Cd)

    V(C) (C)(C)

    [+soa][-nas]

    [+soa] ou /S/

    De (2) advm as seguintes informaes:

    i. A slaba do portugus tem estrutura binria, representada pelos constituintes ataque e rima, dos quais apenas a rima obrigatria.

    ii. A rima tambm tem estrutura binria, ncleo e coda. O ncleo sempre uma vogal, e a coda uma soante ou /S/.

    iii. O ataque compreende ao mximo dois segmentos, o segundo dos quais uma soante no-nasal.

    A distino entre rimas simples e complexas, essa representada em (2), de suma relevncia para a descrio do acento em sistemas sensveis ao peso da slaba, como o portugus e outras lnguas. Tambm certas regras referem-se aos constituintes silbicos ou a limites com eles relacionados, como a vocalizao da lateral que ocorre somente em posio de coda (ma: ~ maw), e as

  • 5

    variantes da vibrante que, nessa posio, manifestam-se com mais prodigalidade.

    E para dar conta da estrutura derivada CCVCC, que inclui o C parenttico, uma regra adicional se faz presente, como no espanhol, Harris (1983):

    (3) Regra de adjuno de /S/ (RAS)

    Acrescente /S/ rima bem formada.

    Tal regra existe em funo de um pequeno conjunto de palavras: fausto, monstro, austral, claustro, auspcios, auscultar, austero, solstcio, interstcio, perspectiva e poucas mais.

    Fazem parte das formas, tradicionalmente ditas novas ou reconstrudas por via erudita (leitura ou escrita), que entraram no portugus nos sculos XIV e XV quando o portugus passou a tomar duas feies: a popular e a literria (Nunes,1930,p.15). Vale observar que esta segunda posio ocupada somente por /S/.

    Por conseguinte, palavras como claustro e perspectiva apresentam, inicialmente, uma rima VC, que permite ser aumentada para VCC, em que C2 sempre /S/.

    (4)

    interessante observar que palavras como perspectiva

    tendem a manifestar-se como pespectiva, com o deslocamento de /S/ para a primeira posio da coda, ajustando-se ao padro bsico, representado por (2),

    RAS 2 2

    O R O R 1 1 1 8

    C C V C C C V C C c l a u (stro) c l a u s (tro)

  • 6

    enquanto se mantm inalterveis as que a /S/ precede ditongo. Os dados do NURC, Projeto da Norma Culta, documentam casos de perda dessa estrutura:

    (5) H trs pespectivas que vocs leram de novo. EF RE 337

    ...atravs de uma pespectiva chamada... EF RE 337

    Descrita a composio da slaba bsica, passemos

    silabificao, entendida como escanso dos segmentos de uma cadeia de sons, de acordo com o padro cannico.A silabificao procede da seguinte forma: primeiramente ncleos so identificados via escala de sonoridade.

    (6) Identificao de ncleo N

    bi

    N

    ci

    N

    cle

    N

    ta Assim que o ncleo for identificado, a rima projetada

    e, conseqentemente, a slaba, sua projeo mxima:

    7) Projeo do ncleo

  • 7

    R

    N

    bi

    R

    N

    ci

    R

    N

    cle

    R

    N

    ta Ento (), de acordo com o padro cannico, ramifica

    para a esquerda, mapeando a consoante adjacente mais prxima, para formar o padro universal CV:

    (8) Formao do ataque

    R

    N

    i

    A

    b

    R

    N

    i

    A

    c c

    R

    N

    e

    A

    l

    R

    N

    a

    A

    t O mapeamento esquerda prossegue se mais

    consoantes houver, organizando-se o ataque complexo como em (9), de acordo com Princpio da Maximizao do Ataque (Selkirk, 1982, Clements and Keyser, 1983).

    (9) Formao do ataque complexo

    c

    R

    e

    A

    lbici ta S ento a coda se forma por anexao rima das

    consoantes adjacentes, ainda no silabificadas. Na palavra

  • 8

    borda, por exemplo, a adjuno de C direita da primeira rima, posio a ser ocupada por /r/, forma a coda depois da composio dos ataques da palavra toda.

    (10) Expanso da rima

    Os Princpios de Composio da Slaba Bsica

    expressos em (1) e (2) no so suficientes para gerar expresses bem-formadas. Geram, ao contrrio, mais do que a lngua suporta. Princpios universais e princpios de lngua particular desempenham papis relevantes. Os ltimos tomam a forma de restries fonotticasi positivas ou negativas. Comecemos pelos primeiros.

    2.2 Princpios Universais

    Os princpios universais constituem o seguinte conjunto: Princpio de Sequenciamento de Sonoridade (PSS), Princpio da Maximizao do Ataque (PMA), Princpio do Licenciamento Prosdico (PLP) e Princpio da Integridade Prosdica (PIP).

    2.2.1 Princpio de Seqenciamento de Sonoridade (PPS)

    Uma viso fontica da slaba em que picos de silabicidade coincidem com picos de sonoridade, presente na Literatura desde tempos muito antigos, pressupe um

    a. b. 1 1 f g f g

    A R A R A R A R g g g g g 1 g g

    b o r d a b o r d a

  • 9

    um contorno de sonoridade para a slaba, em termos de sonoridade crescente no ataque e decrescente na coda. Plats (sonoridade plana), no sistema do portugus, ficam restringidos ao contorno, isto , somente ocorrem entre slabas.

    (11) a. Sequncia b. Plat (entre slabas)

    far. do

    par. tir

    p a s .t a c a r. r o

    A slaba, por conseguinte, contm instantes de maior ou menor sonoridade, mensurvel atravs de uma escala, cujos detalhes de escanso permitem algumas variantes. Entre diferentes escalas, mais ou menos especificadas, fiquemos com a escala abaixo, em que vocide, aproximante e soante constituem as classes de sons bsicas para a definio de sonoridade.

    (12) Escala de sonoridade (Clements 1989)

    Obstruinte

    Nasal

    Lquida i

    e/

    a

    - - + Aberto 1 - + + Aberto 2 - - - + + + Vocide - - + + + + Aproximante - + + + + + Soante 0 1 2 3 4 5

    A sonoridade fica, pois, definida como propriedade dos

    sons decorrente dos traos binrios das classes maiores. E vale observar que, quanto maior o nmero de valores

  • 10

    positivos nesta distribuio escalar, maior a perceptibilidade do som. Perceptibilidade uma caracterstica da sonoridade (Clements, 1990).

    Como nesta escala existe uma regra de implicao do tipo aberto 1 implica aberto 2, que implica vocide, que implica aproximante, que implica soante, as vogais mdias, abertas, /E O/ que pressupem, para sua definio, a presena de aberto 3, fica com o mesmo grau de sonoridade da mdia fechada /e,o/.

    Entendendo-se por silabificao o processo de mapear uma sequncia de segmentos ao molde silbico da lngua, o segmento candidato a uma determinada posio tem de atender hierarquia de sonoridade crescente em direo ao pico e decrescente a partir dele. Ento, porque plat, sonoridade estvel, no admitido em slaba do portugus, a cadeia de dois elementos com o mesmo grau de sonoridade que se observa em aptido, por exemplo, no pode ser escandida como *a.pti.do, pois formaria um plat, proibido dentro da slaba.

    A escala desenha curvas de soncia como se observa em (13).

    (13)

  • 11

    Escala

    Vogal

    vogal alta

    lquidas

    Nasais

    obstruintes

    5

    3

    2

    1

    0

    a t r i z p a r

    Por conseguinte slabas bem formadas atendem ao

    que se denomina, segundo Clements (1990, p.285):

    (14) Princpio de Sequenciamento de Sonoridade (PSS)

    Entre qualquer membro de uma slaba e o pico silbico somente sons de sonoridade mais alta so permitidos. 2.2.2 Preservao de estrutura

    A silabificao um processo contnuo. Isso significa que est disponvel em todos os estratos lexicais e em todos os nveis. No lxico, atua na derivao e na flexo, incorpora segmentos livres. No ps-lxico, como ressilabificao, reestrutura prosodicamente segmentos j silabificados ou elementos licenciados por extraprosodicidade

    ii

    O Princpio de Preservao de Estrutura (PPS) que se deve a Kiparsky (1982) assegura que todas as condies lexicais, inclusive as de estrutura silbica, esto garantidas durante todo o processo cclicoiii. Isso significa que fica proibido, no processo de formao de palavras, criar

  • 12

    estruturas silbicas novas, ou seja, no admitidas pelos princpios de composio da slaba bsica e pelas restries fonotticas, mais adiante expressas em termos de Condio do Ataque e Condio da Rima.

    Slabas que extrapolam o padro cannico pelo nmero de seus componentes ou que seriam proibidas pela Condio de Coda so produtos ps-lexicais, como, por exemplo, as slabas assinaladas em (15, 16), resultantes de uma regra de apagamento de vogal que opera, quando esse princpio j est desativado. Em outros termos, so o resultado de uma regra fontica:

    (15) dentes > dents, parentes > pa.rents, medicina >

    me.dsi.na Tais sequncias seriam bloqueadas no lxico pelo

    molde silbico do portugus que no reconhece essas africadas, mas so liberadas no ps-lxico.

    (16) ...e da eu fiz vestibular pra medsina... e cursei a faculdade de medsina... DID SA 231 Dados como esses argumentam em favor da seguinte

    pressuposio, amplamente documentada por fatos de diferentes lnguas:

    (17) O Princpio de Preservao de Estrutura est desativado no ps-lxico.

  • 13

    Isso significa que regras variveis que delineiam diferenas dialetais ou sociais ou que apontam para o comeo de uma histria de mudana, podem criar alofones que fogem ao padro cannico. Tais regras so ps-lexicais. A lngua um ser vivo e, como tal, em estado de mudana, sinalizado por variaes que ocupam um espao no sistema, por certo, no ps-lxico.

    Neste ponto, vale a seguinte observao: Por ser a silabificao um processo contnuo, enquanto a ressilabificao somente ocorre no ps-lxico, resultados diferentes de uma e de outra so esperados, uma vez que muitos princpios lexicais, que dizem respeito a regras envolvidas com a formao de palavras, no atingem o ps-lxico, nvel da frase.

    O Princpio da Preservao da Estrutura lexical. So lexicais tambm os princpios de Sequenciamento de Sonoridade e Licenciamento Prosdico. O Princpio da Integridade Prosdica, tambm lexical, fica restringido ao nvel da palavra pronta. No ps-lxico, o Princpio de Sequenciamento de Sonoridade mostra-se enfraquecido e os demais inoperantes. Apenas o Licenciamento Prosdico mantm-se sempre ativo.

    2.2.3 Maximizao do ataque (PMA)

    Lnguas que maximizam o ataque, como as lnguas romnicas, entre as quais o portugus, desenvolvem-no primeiramente, deixando a formao da coda por ltimo.

    Isso significa que a formao de todos os ataques de uma cadeia de segmentos tem prioridade sobre a expanso

  • 14

    das rimas. O princpio de Maximizao do Ataque tambm inclui como universal que a seqncia CV seja sempre tautossilbica.

    (18) Princpio de Maximizao do Ataque (PMA)

    Na atribuio da estrutura silbica de uma cadeia de segmentos, os ataques so maximizados em conformidade com os princpios de composio da slaba bsica da lngua (Selkirk, 1982)

    Exemplifiquemos com a palavra fragrncia: (19)

    C

    fra

    V

    r a

    C

    graN

    V

    r a

    C

    si

    V

    s i

    a

    V

    a

    a.

    C V

    r a

    b.

    C

    f

    C V

    r a

    C

    g

    N

    c.

    C

    C V

    r a

    C

    g

    > fra.graN.si.a

  • 15

    Como dissemos inicialmente, a silabificao um processo de mapeamento que tem como ponto inicial a identificao dos ncleos, em seguida o mapeamento iterativo do ataque e s por fim o da coda.

    O Princpio de Maximizao do Ataque, alm de ser controlado pelo Princpio de Sequenciamento de Sonoridade, tambm controlado por uma condio de lngua particular, a Condio do Ataque, assim como a rima controlada pela Condio da Rima, como mais adiante veremos.

    Esse princpio garante que a cadeia VCV seja sempre escandida como V.CV e no *VC.V. Por conseguinte uma cadeia de sons como ala ser escandida como /a.la/ e no */al.a/, ainda que uma e outra no firam o Princpio de Sonoridade.

    Enfim, o fato de CV constituir um padro universal enquanto VC para muitas lnguas uma estrutura marcada tem direta relao com Maximizao do Ataque, uma condio de boa-formao da slaba bsica.

    2.2.4 Licenciamento prosdico

    (20) Princpio de Licenciamento Prosdico (PLP) (It, 1986)

    Todas as unidades fonolgicas devem pertencer a unidades mais altas. Segmentos devem pertencer a slabas, slabas a ps, ps a palavras fonolgicas ou frases.

  • 16

    Esse princpio, independentemente motivado, demanda silabificao exaustiva. Isso significa que todo segmento de uma cadeia de sons lingusticos deve ser silabificado, respeitando os princpios universais e particulares. Se no o for, ser apagado ainda no nvel lexical, ao findar a derivao, a no ser que esteja licenciado por extraprosodicidade.

    A idia de que material fonolgico no associado deva ser apagado est presente em toda a literatura no-linear, estabelecendo-se como uma restrio geral da representao fonolgica .

    H trs meios de o segmento alcanar status prosdico e, consequentemente, ser preservado:i) associar-se ao nvel imediatamente mais alto pela silabificao, atendendo aos princpios e condies de silabificao, ii) ficar sob a gide da extraprosodicidade e iii) valer-se da epntese para criar nova slaba. Elementos licenciados por uma e outra modalidade so preservados, ou seja, fazem parte da palavra. Todo material prosodicamente no licenciado ser apagado pela regra de Apagamento do Elemento Extraviado (APEE).

    O apagamento do elemento extraviado ocorre no nvel da palavra pronta, ainda sob o controle do Princpio da Preservao de Estrutura, atingindo somente os segmentos no licenciados.

    (21) a)...aquele aspecto formal que voc est

    aprendendo na Faculdade de Direito. EF RE 337

  • 17

    b) ...esse aspeto... eu acho importante, bem importante mesmo...

    EF RE 337 Como vemos, o mesmo informante usa as variantes

    aspecto~aspeto. A consoante subjacente /k/ superficializada em (21a) por afrouxamento da Condio de Coda (24); em (21b), em virtude de no estar associada, apagada por Apagamento do Elemento Extraviado (APEE), pois no tem a proteo da extraprosodicidade, que somente recai sobre segmentos da borda vocabular.

    (22)a. Afrouxamento da CC b. APEE

    R

    a.

    s a e p k'

    R

    k o t

    R

    R

    b.

    s a e p

    R

    o t

    R

    Com respeito extraprosodicidade, admite-se que os

    segmentos de periferia podem ser por ela guardados at o fim do processo derivacional, como princpio universal, quando, ento, desativada.

    Por conseguinte todos os segmentos de uma cadeia de sons devem ser silabificados, ainda que por meio de posies vazias, preenchidas por uma vogal epenttica: as.pe.k to > as.pE.kV.to > as. pE.ki.to.

  • 18

    2.2.5 Integridade prosdica (PIP)

    Estruturas mtricas bsicas so preservadas no processo derivacional. Isto significa que a silabao inicial somente se desfaz se houver perda do ncleo silbico. Tomando-se o par rosa/rosinha, observa-se que a slaba rO permanece intocvel mas z pode ser silabificado, porque ficou livre ao perder a vogal, isso , a slaba a que estava associado quando da adjuno do diminutivo: rO.za> rO.za.+ia> rO.z ia. > rO.zi.a. Somente segmentos livres podem ser silabificados. o que preconiza esse princpio. necessrio, todavia, fazer a distino entre silabificao e ressilabificao. A primeira, que diz respeito formao da palavra, silabifica segmentos livres. A segunda, que diz respeito frase, ressilabifica segmentos silabificados.

    2.3 Condies de Lngua Particular

    Princpios Universais tm de ser complementados por Condies de Lngua Particular. Se assim no fora, entre as vrias possibilidades de escanso disponveis, dificilmente se alcanaria o melhor resultado. So as Condies de Lngua Particular, de natureza fonottica, que fazem a escolha mais restrita e que argumentam em favor da hiptese de que a slaba possui dois constituintes. Existe uma relao fonottica estreita entre os elementos que compem o ataque assim como existe entre os que compem a rima, permitindo que se lhes advogue o estatuto de constituintes. Da provm dois tipos de condio de boa-formao: Condio do Ataque e Condio da Coda.

  • 19

    2.3.1 Condio do ataque

    Admitir que a silabificao comece pela consoante mais esquerda seria sustentado por produes da fala de crianas, em fase de aquisio. Dizem bici[kE]ta por bicicleta e no bici[le]ta; dizem pato por prato e nunca rato por prato; dizem puma por pluma e no luma por pluma. No entanto somos obrigados a admitir que isso apenas um reflexo de que a aquisio do padro CCV tardia, com envolvimentos translingsticos, pois facilmente a hiptese de Primeiro a consoante mais esquerda esbarra com contra-evidncias. Assim, em casos como pneumonia e psicologia, a vogal epenttica se coloca, em portugus, aps a primeira consoante, formando com ela uma slaba, o que indica que a primeira consoante e no a segunda havia sido inicialmente excluda. Da mesma forma, em palavras como stela, sfera, com /e/ epenttico, consagrado pela escrita, estela, esfera, assim como em siglas e palavras novas, spa ~ispa, slide>eslide, por exemplo, a primeira consoante que a epntese salva, e no a segunda. Em seqncia de trs consoantes, se a silabificao comeasse com o segmento mais esquerda, limitado o ataque a duas posies esqueletais, perder-se-ia justamente a consoante que nunca omitida nem dbia silabao oferece, como o que aconteceria com /t/ na palavra substantivo: su.b(s)(t)an.ti.vo, deixando /t/ flutuante, e tambm /s/ por ordem das coligaes possveis. Tudo isso refora a idia de que o ataque comea a formar-se pela consoante esquerda, mais prxima ao ncleo, com a qual o padro universal CV primeiramente criado.

    O ataque compreende ao mximo dois elementos. Esses tm de ser selecionados adequadamente, de modo

  • 20

    que sejam produzidos grupos consonantais ou ataques complexos bem-formados. Grupos permitidos so aqueles que se compem de obstruintes no-contnuas ou contnua labial, combinadas com lquida, vibrante simples ou lateral, excludos os grupos /dl/ e /vl/. Nesse particular, h semelhanas com o espanhol(cf. Harris, 1983). Os exemplos abaixo mostram os grupos permitidos:

    (23) pr prato pl pltano fl flanco br brao bl bloco fr franco tr trato tl Atlas vl - dr drama dl - vr livro kr cravo kl clamor gr grama gl glosa

    Os grupos /dl/ e /vl/ no existem, a no ser em raros

    nomes prprios como Adler e Vladimir. Tambm /tl/ em incio de palavra no se encontra, embora ocorra em onomatopaicos (tlim-tlim).

    Os grupos permitidos tm, na primeira posio, uma consoante [-contnua] ou [+contnua, labial] e, na segunda, uma soante no-nasal, revelando dois graus de distanciamento de sonoridade entre os segmentos que compem o ataque, enquanto a rima, com a exceo da coda com /S/, privilegia a distncia de um grau. Esse aclive com diferenas expressivas e declive atenuado permitem definir a slaba como um ciclo de sonoridade.

    (24) Condio Positiva do Ataque Complexo

  • 21

    Em CC, C2 uma soante [-nasal] o que se l acima.

    Tal condio exclui os grupos sr, sl, zr, zl, xr, xl, enfim qualquer seqncia que no satisfaa os requisitos de (24).

    Segmentos de sonoridade idntica ou vizinha, como obstruinte + nasal ou nasal + lquida, so rejeitados da mesma forma que plats como em mnemnico, que a epntese recupera. Tomemos alguns exemplos:

    (25) Ataque satisfeito

    c r e. d o p l a. tanos f r a. c o a. t l e. ta a. d r oa. b. Sonoridade reversa ou plat

    a. r l e.quim a. l*

    s t e. la*

    m a*

    b.

    c. Condio de Ataque ferida

    i. s r a.el *

    i. s l a. *

    c.

    Ataque 2

    C C g g

    [-cont, -soa] [+soa, -nasal] [+cont, lab]

  • 22

    Os exemplos de (25a) satisfazem a Condio de Ataque. Os de (25b) so proibidos porque formam plat ou tm sonoridade invertida. Em ambos os casos, no atendem ao Princpio de Sequenciamento de Sonoridade Os de (25c) atendem a esse princpio mas ferem a Condio do Ataque.

    Esses fatos apontam para o papel relevante da Condio do Ataque, instruda pelo Princpio de Sonoridade.

    2.3.2 Condio da coda

    A posio de coda preenchida por qualquer soante e tambm por /S/, como mostram os exemplos seguintes:

    (26) Codas

    R

    e

    A

    Cd N

    s j

    R

    a

    A

    Cd N

    m r

    R

    e

    A

    Cd N

    m l

    (so)

    R

    a

    A

    Cd N

    m N

    R

    e

    A

    Cd N

    m S

  • 23

    (27) Condio da Coda

    Essa condio negativa de boa-formao, ao proibir

    qualquer obstruinte exceto /S/, tem o poder de eliminar resultados malformados, admitindo elementos que no puderam ser incorporados pelo Ataque, mas deixando outros flutuantes. Note-se que essa condio s se refere a segmentos com um s linha de associao, no atingindo, pois, a coda com nasal, porque essa compartilha traos com o segmento vizinho. (ver 30).

    (28) R R R 1 g 1

    N Cd N A N g g g g g

    V C V C V g g g g g

    i s *i.sra.el a p t o a. pto is.ra.el a.pi.to

    *Cd]rima g

    C g

    [-soante], exceto /S/

  • 24

    O segmento /S/ incorporado devidamente coda. No entanto /p/, em apto, bloqueado por (24), tambm rejeitado pela Condio da Coda (27), salva-se pela epntese.

    A Condio da Coda e os demais princpios fazem predies do tipo: (29)

    Cd

    [+soa]

    C

    a.

    sal.to

    C

    Cd

    /S/

    C

    b.

    pas.to

    Cd

    [+soa]

    C

    c.

    [+cont, cor]pers.cru.tar

    [-so]

    k s

    [-soa]

    C

    b.

    pak.to

    * Cd

    [-soa]

    C

    af.ta

    * Cd

    [-soa]

    C

    ad.ver.so

    Cd

    [-cont]

    C

    c.

    tOra

    C

    [+cont]

    * Cd

    tO.raks

  • 25

    A descrio estrutural da Condio da Coda satisfeita em (29a). No satisfeita em (29b), porque se apresenta com uma obstruinte. Mas (29c) no por ela bloqueada, embora contenha uma consoante [-cont]. possvel que isso se deva s linhas de associao mltipla, que fazem parte dessa estrutura, pois em trax, os segmentos finais, [ks], constituem uma estrutura meldica duplamente ligada, no prevista pela Condio da Coda, razo pela qual o bloqueio fica sem razo de existir. Linhas de associao tm de ser exaustivamente interpretadas, segundo reza a Condio de Ligao, assim explicitada:

    (30) Condio de Ligao (Linking Constraint, Hayes, 1986:331)

    Linhas de associao em descries estruturais so interpretadas exaustivamente.

    2.4 Domnio

    O domnioiv da silabificao a palavra, e o da ressilabificao, a frase. Como um processo contnuo, a primeira fica disponvel em todos os estratos do componente lexical, envolvendo radicais e afixos. No ps-lexical, o processo atua sobre elementos j silabificados, tomando o nome de ressilabificao. Um dos processos mais gerais, nesse caso, o da converso da coda em ataque que ocorre somente se a segunda palavra comear por vogal, como veremos a seguir.

    A vibrante ps-voclica manifesta-se invariavelmente

    como tepe por ressilabificao, quando a palavra seguinte comea por vogal, se em zero no tiver sido convertida. E

  • 26

    a fricativa coronal da coda sempre se manifesta como sonora no ataque criado por ressilabificao. (31) Ressilabao

    CVC.][V... ..CV. CV...

    (32) ...para dar esclarecimentos sobre mercados de capitais. ...para da[res]clarecimentos... .D2 RJ 355

    ...mas fazer uma anlise.

    ... faze[ruma]..

    ..EF RE 337

    ... fiz os trs anos de cientfico no mesmo colgio.

    ... fi[zos]trs.... DID SA 231

    2.5 Particularidades 2.5.1 Ditongos decrescentes

    A regra de formao de coda que d conta do ditongo, pois a mesma posio das soantes, /n, l, r/, pode ser ocupada por uma vogal alta, atendendo ao requisito do Sequenciamento de Sonoridade. Por regra universal, a vogal alta da coda em glide converte-se, fato j referido.

    (33)

  • 27

    R

    e

    Cd N

    n (da)

    A

    s

    R

    e

    Cd N

    l (va)

    R

    a

    Cd N

    w (ta)

    A

    s p

    A

    O ditongo poderia ser analisado como um ncleo

    ramificado. Duas evidncias, porm, sustentam o postulado da rima ramificada em concordncia com (33): i) o portugus no possui, no seu sistema fonolgico, vogais longas que, com a forma de oo, ee, aa, etc., repitem uma posio de ncleo; ii) o portugus no possui rima constituda da sequncia VGL (vogal, glide, lquida); ao contrrio, o glide ocupa a mesma posio estrutural da lquida na coda. Por conseguinte, o ditongo lexical definido como sequncia de duas vogais, das quais a de maior sonoridade escolhida por PSS como ncleo e a outra inserida na coda, reservada a qualquer soante, trao que a vogal possui. nesse caso que se converte em glide.

    Todas as vogais entram como ncleos silbicos, inclusive as altas, mas quando o processo de silabificao comea, vogais altas direita de vogais no-altas so incorporadas coda:

    (34)

  • 28

    A inexistncia de formas como *bojl, *rejn, *sajr esto

    a indicar que o glide ocupa a mesma posio das demais soantes. Essas seqncias seriam to estranhas ao sistema como os nomes prprios de exceo Danrley e Carlton, com duas soantes na coda.

    Alm dos ditongos supramencionados, formados na derivao lexical, existem os da etapa subseqente, a flexo, tambm decrescentes:

    (35) vou , sai, sais, co.ro.nis, a.m.veis Os ditongos que se formam no lxico so naturalmente

    decrescentes.

    2.5.2 Ditongos crescentes

    Ditongos crescentes so derivados ps-lexicalmente, por ressilabao, ri.a.cho > rja.cho; his.t.ri.a > his.t.rja.

    Na ressilabificao, livremente, a vogal desliga-se e associa-se ao ataque, criando um ditongo crescente, com um glide consonantizado.

    Picos bo. i bo. i. na re. i. no Ataque CV. V CV.V.CV CV.V.CV Rima CVC CVC CVC gf gf gf

    boj. boj. na rej. no CVC CVC CV CVC CV

  • 29

    Enquanto as ramificaes silbicas em nvel lexical so sempre binrias, no nvel ps-lexical esto livres desta condio. Assim a forma lexical kri.ow pode tornar-se uma s slaba no ps-lxico, krjow (CCCVC), extrapolando o padro cannico, como variante de estilo ou dialetal.

    Esses dados refletem uma questo amplamente discutida na Literatura: a que argumenta em favor da hiptese, j comentada, de que regras ps-lexicais no enxergam restries ou condies de boa-formao (CBFs).

    (36) Lxico ~ Ps-lxico

    ki.a.bo. ~ kja.bo vi.u.va ~ vju.va su.i.no ~ swi.no kri.ow. ~ krjow. su.or. ~ swor. su.a.ve. ~ swa.ve (37) ...voc sabe que prtica no s t[ju]ria (teoria)

    DID SA 331 Qualquer usurio da lngua, a que se solicite a

    silabao de palavras como fiana, aliado ou histria, naturalmente, far: fi.an.a, a.li.a.do, his.t.ri.a, dando vogal alta o status de ncleo silbico. Mas tenderia a no faz-lo com palavras do tipo: teimoso, perau ou reitor.

    Ditongos crescentes so hiatos lexicais. Em nvel ps-lexical pode a vogal alta converter-se em glide, formando o ditongo crescente.

  • 30

    2.5.3 As seqncias /kw,gw/ A nica exceo com ditongo crescente que o

    portugus apresenta a seqncia kw e gw diante de /a/ e /o/, resqucios do latim, que se encontra em poucas palavras como ditongo crescente, no comutvel por hiato:

    (38) gua, adequar, enxaguar, lngua, quadro, quais,

    quotidiano, Paraguai, Uruguai e poucas mais. Algumas destas palavras apresentam a variante no

    ditongada: (39) quatorze ~catorze, quociente ~cociente quotidiano ~cotidiano, quotizar ~cotizar cinqenta ~cincoenta. Duas propostas, entre outras, podem ser consideradas:

    Por se tratar de um pequeno nmero de palavras, facilmente alistveis, figurariam com ditongo no lxico profundo, isto , o ditongo no seria gerado, mas estaria presente na forma subjacente. Ter-se-ia um ditongo lexicalizado. A segunda alternativa diria que essas palavras esto registradas no lxico profundo com um segmento complexo no ataque, o que facilitaria a explicao da perda do glide, dando margens s variantes citadas em (39). O trao voclico do segmento complexo, kw ou gw, seguido de /a/ ou /o/, mudaria para glide na silabificao, criando-se o ditongo. Em todas as demais, a contraparte com hiato responsvel pelas variantes est presente, indicando que se trata de um ditongo derivado de hiato. O segmento complexo aqui definido em termos de Clements (1989), isto , um segmento com duas articulaes, particularmente, uma

  • 31

    articulao dorsal (primria) e uma articulao labial (secundria): gw ou kw.

    Embora sustentem essa anlise as flexes verbais como eu enxguo, eu guo, respectivamente provenientes de enxaguar e aguar, o portugus moderno apresenta alternantes como adeqo em vez de adquo, de adequar, que a gramtica tradicional rejeitaria. Se itens da linguagem infantil como aga, aua podem ser entendidos como simplificao da consoante complexa por desligamento do trao voclico ou do n responsvel pelos traos de C, d-se com o verbo adequar e outros itens similares, por outro lado, modernamente, um fato oposto. Parece estar se processando uma reanlise do trao voclico da consoante complexa, subjacente, que, por promoo, adquire o status de vogal. Dessa forma, anexam-se tais casos ao conjunto de hiatos que alternam com ditongos crescentes.

    Concebida a velar diante de a/o como consoante complexa, o ditongo crescente que se depara em quais, Uruguai, Paraguai e poucas outras, manifestar-se-ia apenas no ps-lxico como um processo de converso do trao voclico da consoante complexa em glide, no componente ps-lexical, em que a Condio do Ataque inoperante. neste nvel que o glide no ataque emergiria, alinhando-se aos demais ditongos crescentes, somente a formados.

    E assim vimos duas interpretaes possveis para os nicos ditongos crescentes que no alternam com hiato.

    2.5.4 Sequncia de trs vogais

  • 32

    Formas como arroio, apoio, maio que na estrutura mais interna so trs vogais nucleares, oferecem a possibilidade de duas interpretaes: pa.sej.o ou pa.se.jo. A primeira sustentada pelo acento; a segunda privilegia CV, a silaba no-marcada. A ttulo de exemplificao, fiquemos com a primeira. A presena deste ditongo percebido pelo acento, pois no existem palavras proparoxtonas com ditongos na segunda slaba. No poderia existir *rroio, *poio, assim como no existem *pdeiro ou *cderno, mas existe arrio, apio, padiro, cadrno. Isso sinaliza a presena de um ditongo decrescente na penltima slaba, uma rima com ramificao direta.

    (40) a. Silabificao inicial

    A

    N

    a

    V

    N

    i

    V

    N

    o

    V

    m

    C

    b. Silabificao pronta

  • 33

    A

    R

    m

    N Cd

    V C

    a

    R

    V

    N

    o

    C

    i tradicionalmente conhecido o fato de que o

    portugus tende a rejeitar hiatos, introduzindo em tais casos um glide que forma um ditongo, varivel se for ow, o qual a escrita no registra.

    (41) a. L[E]a. L[Ej]a. enle.ar en l[ej][o coro.a cor [ow]a.

    2.5.5 Sequncia de vogais Idnticas

    (42) a. vadiice > vadio frissimo > frio b. viva vi..va ~ v[j]va cime ci..me~ c[j]me suno su..no ~ s[w]no runa ru..na ~ r[w]na c. gratuito gra[tj]to fortuito for.[tj].to fluido [flj]do (no-verbo) Uma vogal com acento possui mais sonoridade do que

    uma vogal sem acento. Mas a silabificao precede o

  • 34

    acento, ento esse critrio insustentvel para resolver a ambiguidade que a sequncia de duas vogais da mesma altura oferece.

    Duas vogais altas idnticas e heteromorfmicas tendem a ser preservadas (4a). Segundo Harris (1985), entre duas vogais altas, V1V2 de igual altura, V2 mais sonora. Os dados do portugus esto em conformidade com essa afirmao, como (42b) revela. Ao lado do hiato, produto lexical, encontra-se o ditongo crescente, variante ps-lexical (42b). Raros so os casos de (42c). Tambm vogais no-altas idnticas poderiam figurar entre os exemplos, admitindo-se a elevao da vogal em posio menos sonora: compreensao~compr[j]enso, cooperar~c[w]operar, desde que a fuso no as tenha reduzido a uma s vogal.

    Por conseguinte, na sequncia de duas vogais idnticas, em que o Princpio de Sonoridade no pode operar para a seleo do ncleo, a silabificao inicial leva primeiramente formao de hiatos e, mais tarde, ressilabificao opcional, que forma um ditongo crescente (42b), de acordo com a lei do mais sonoro. Somente um pequeno conjunto de palavras estaria em contradio (41c). Essas seriam marcadas para formar o ditongo decrescente.

    A idia desenvolvida neste estudo que as vogais de altura diferente com alta na segunda posio formam, no lxico, ditongo decrescente, enquanto vogais de altura diferente, com alta na primeira posio, continuam hiatos at o fim do lxico, abrindo-se, no ps-lxico, a possibilidade do ditongo crescente.

  • 35

    As excees devem ser lexicalizadas como o segundo membro dos seguintes pares: sauna/sava, pau/ba. A silabao criaria naturalmente *sawva e *baw. So casos de acento imprevisvel que tm de ser resolvidos lexicalmente.

    2.5.6 Ditongos variveis

    Os ditongos decrescentes ei diante de /S, Z / ou tepe e ou, sem distino de contexto so conhecidos como ditongos variveis. No faltam exemplos nos dados do Projeto NURC:

    (43) a. vogal simples ...a gente vive de motorista o dia intero (inteiro) D2 SP 360 ...o depsito de doze mil cruzeros (cruzeiros) D2 RJ 355 ...fala poco (pouco) D2 SP 360:104 ...tudo tem base com pexe (peixe) DID RJ 355:118 ...eles fazem bolinho de fejo (feijo)... DID RJ 355:165 ...s assim na brincadera (brincadeira) DID POA 045:180 b. ditongo ...despesas de casa... de feira... de mercado D2 RJ 355:83 ...acaba sendo uma loucura D2 SP 360:121 ...temperamento assim... muito ordeiro D2 SP 360:205

  • 36

    2.5.7 Epntese

    A epntese, como parte da silabificao, est disponvel em todos os nveis lexicais, assim como no ps-lxico. Se os princpios de composio da slaba bsica deixarem dessilabado material que viole os princpios universais ou convenes de lngua particular, a silabificao iterativa, motivada pelo Princpio do Licenciamento Prosdico, processa-se em torno de ns voclicos vazios, preenchidos mais tarde por default, legitimando uma configurao silbica. Isso epntese, entendida hoje, como parte do mecanismo de silabificao. Dispondo do padro cannico CCVC que sugere a rvore de constituintes j analisada, examinemos a palavra ritmo:

    (44) Primeira iterao:

    C

    r i

    C

    t'

    V C

    Nu O

    R

    C

    m o

    C V C

    Nu O

    R

    Segunda iterao:

  • 37

    C

    t [ ]

    C

    Resultado:

    V C

    Nu O

    R

    CV CV CV ri ti mo

    Na primeira iterao, a obstruinte no associada,

    porque no satisfaz a condio do ataque (*ri.tmo) nem a condio da coda (*rit.mo); na segunda iterao, ajusta-se ao padro CV, graas ao mecanismo da epntese, que consiste em mapear o elemento extraviado com um V vazio. Evidentemente, a anlise pressupe na subjacncia estruturas subespecificadas e concebe a epntese como um recurso de salvar, no lxico, segmentos flutuantes. Ento a consoante flutuante pode ser silabificada como ataque de uma rima com V no associado a material fontico como (45) representa:

    (45) Silabao vazia

    C'

    [T] [ ]

    C V

    N

    onde T indica os traos da consoante e os colchetesem branco uma posio esqueletal vazia

  • 38

    Essa vogal epenttica realiza-se o mais das vezes como [i], ocorrendo tambm [e], em alguns dialetos, mas somente em posio pretnica, como em futebol, peneu ou peneumonia, todas com a alternante de vogal alta: futibol, pineu, pineumonia.

    A regra geral de epntese coloca uma consoante flutuante C junto a um V do padro cannico, formando a slaba CV, cujo ncleo, sem traos, ser preenchido tardiamente por regra de redundncia, tambm default denominada.

    (46) ri.tmo ri.tV.mo ri.ti.mo. a.fta a.fV.ta a.fi.ta. a.pto. a.pV.to a.pi.to a.dvr.bi.o a.dV.ver.bi.o a.di.ver.bi.o su.bstan.t.vo su.bVs.tan.ti.vo su.bis.tan.ti.vo

    Observemos, todavia, que nos dados do portugus brasileiro muitas vezes aparecem coda com obstruintes que dispensam o papel da epntese. Ouvimos, sobretudo, na fala do Rio Grande do Sul, ao lado de opitar, optar, ao lado de capitar, captar e ao lado de tOrakis, tOraks. Essa obstruinte na coda parece reflexo de uma gramtica antiga que no mostra indcios de generalizao. Ao contrrio, a epntese que vem se tornando uma caracterstica do portugus brasileiro. Exemplos de incorporao de segmentos por epntese ou por afrouxamento da Condio de Coda (ACC) encontram-se nos dados do projeto NURC:

    (47)

  • 39

    a. Epntese ...adiquiri(r) ingresso... DID SP 234:584 ...bom, adiquiro o bilhete para entrar. DID SP 234:556 ...sabe, ela no adimite uma falha nossa... D2 SP 360:213 ...ele est sendo subistitudo l... D2 SP 360:857 ...aqui adiverso o clima para eles... D2 SP 360:961 ...o que um abisurdo sem dvida alguma. D2 SP 360:990 ...so as escolas tkinicas que tem uma srie ai agora, ne? DID SA 231:120 ...precisa de um determinado elemento, ip[i]silon por exemplo... D2 SP 360:1029 ...e continue ad[i]vogando por fora. D2-SP, 360:213 ...cap[i]tar a simpatia. D2 SP 360:1039 ...o pessoal da dog[i]mtica jurdica tambm... EF RE 337:150

    b. Afrouxamento da Condio de Coda. ...tive que optar por uma companhia... D2 RJ 355:163 ...acabei indo pela Luftansa, porque pela Luftansa eles me conseguiram isso rapidamente... D2 RJ 355:165 ...certo voc teve que adaptar o horrio deles... D2 SP 360-371

  • 40

    Merece ateno tambm a epntese que ocorre em

    incio de palavras, como nos seguintes exemplos:

    (48) a) s + obstruinte: st ~ist; strela~istrela; spao~ispao. (est, estrela, espao)

    b) s + lquida: slide/islide ~ilide. Raros so os casos, em contexto similar, com epntese direita, como em Sri Lanca que tambm poderia resultar /Is/ri Lanca, j que temos /is.ra.el/, mas como Siri Lanca se manifesta.

    A sibilante nesta posio apresenta-se com duas variantes: a coronal anterior e a coronal palatalizada, distinguindo dialetos.

    No entanto ao lado da forma com epntese no faltam exemplos da variante sem a vogal epenttica, que a Condio de Ataque rejeitaria.

    (49) ...os projetores de slides, os islides... DID SA 231:248

    (status) ... porque o ganho pouco e tem de manter um certo istatus. D2 SP 360:641 (est) ... o direito ist inserido na prpria realidade social. EF RE 337:47

    De modo geral, a sequncia inicial es, em grande parte j incorporada palavra escrita, formada por epntese, como se depreende dos seguintes fatos:

  • 41

    1 - O portugus, como muitas lnguas romnicas, tende a proibir ataque inicial de s+obstruinte, oriundo do latim, e ainda no latim vulgar resolvido por vogal prottica: scutum > escudo; studium >estudo; strictum > estreito; sperare > esperar; scriptum > escrito; smaragdum > esmeralda (Wiliams, 1975:76).

    2 - A alternncia zero/e est presente, com essas iniciais, no portugus de nossos dias: stoque ~estoque stranho ~ estranho strela ~estrela

    3 - emprstimos, oriundos de outras lnguas, revelam o mesmo comportamento, estendendo-se combinao de s+lquida. slavo ~eslavo slaque ~eslaque sloper ~esloper

    4 - siglas criadas com essa seqncia tm tambm formas variantes: spa~ispa

    5 - s+obstruinte somente alterna com zero quando precedida de e; nos demais casos, mantm-se inaltervel. ostentar aspargo asterisco

    Do exposto se infere que a epntese um processo vivo que se estende do latim vulgar a nossos dias, embora os fatos fiquem embaraados pela consagrao desta vogal na escrita, como estrela e eslavo exemplificam.

  • 42

    A consoante inicial preservada por extrametricidade at o nvel em que essa slaba estranha ao sistema possa vir a estabelecer-se, isto , at o ps-lxico, quando o Princpio de Preservao de Estrutura deixa de ser atuante. o extramtrico que tem o poder de preservar um segmento durante toda a strata lexical, como j tivemos oportunidade de mencionar. Geram-se: tado, lavo, tranho, fera, etc., no lxico, e, no ps-lxico, ficam duas opes, a epntese: estado, eslavo, estranho, ou a incorporao livre: stado, slavo, stranho, como (49), uma derivao parcial, ilustra;

    (49) S inicial Lxico profundo [stado] [slavo] Componente lexical Extr. [tado] [lavo] Sil. [ta.do] [ la.vo.] Ac. [t.do [l.vo] Componente ps-lexical [s t.do] [z l.vo] Ressilabificao Opo 1 [st.do] [zl.vo] Opo 2 [es.t.do] [ez.la.vo]

    A epntese, de modo geral, tem a funo de legitimar uma estrutura silbica.

    Enquanto a Preservao de Estrutura opera somente no lxico e o Sequenciamento de Sonoridade mostra-se enfraquecido no ps-lxico, nvel da frase, o Licenciamento Prosdico operativo tambm no ps-lxico, exigindo que

  • 43

    os segmentos preservados por extraprosodicidade, agora tambm desativada, sejam silabificados. No atuando o Princpio de Preservao de Estrutura no ps-lxico, as condies de lngua particular tambm no necessitam ser a respeitadas. Por conseguinte slabas como /sli/de ou /stre/la, /sta/do ficam prosodicamente licenciadas e coocorrem com eslide, estrela e estado.

    2.5.8 Prefixao

    Quando da anexao de prefixos como -in ou -des, as palavras iniciadas por duas consoantes das quais a primeira /S/ extramtrico, esse perde a extrametricidade, por deixar a posio de borda e, neste caso, a epntese cumpre o seu papel lexical: licencia um segmento flutuante, como (50) exemplifica com inexplicvel e desestimular.

    (50) Nvel lexical [[ti.mu.lar]] [[timular] Sil. [pli. ka.vel.] [sti. mu.lar.] Acento. [pli.k.vel>] [.sti.mu.lr.] Pref. [in. spli..k.vel.] [des sti.mu.lr.] Sil .vazia [in.Vs.pli.k.vel] [des.Vs.ti.mu.lr] Default [in.es.pli.k.vel] [des.es.ti.mu.lr] Ps-lexical Ress. [i. nes.pli.k.vel] [de.zes.ti.mu.lr] Uma observao interessante quanto vogal epenttica

    que ela no interfere em nenhuma regra lexical, razo pela qual sua insero se faz no fim do processo lexical, nvel da palavra pronta, prosdica propriamente, ou no ps-lxico.

  • 44

    Mas ao acento secundrio, que ps-lexical, fica disponvel: p.si.co.lo.gi.a > p.si.c.lo.g.a

    Ao discutirmos a preservao de estruturas mtricas,

    vimos que a entrada de um prefixo no altera as slabas da palavra a que se incorpora, diferentemente do que acontece com os sufixos que formam radicais derivados. que o prefixo, tomemos trans, em transatlntico, por exemplo, o mais das vezes tem autonomia semelhante a dos compostos. Na ressilabificao ps-lexical, todavia, quando grande parte dos princpios lexicais esto desativados, deixa seu segmento final compartilhar da slaba inicial da palavra, como vemos na seguinte derivao parcial:

    (51) Nvel lexical [traNs[atlaNtik+o]] [atlaNtiko] Sil. [a.tlaN.ti.ko.] Ac [a.tlN.ti.ko.] Pref. [traNs+a.tlaN.ti.ko.] Sil. [traNS.a.tlaN.ti.ko.] Nvel ps-lexical [traNS.a.tlaN.ti.ko.] Ress. [traN. za.tln.ti ku] Sada [trAn.za.tlAn.tSi.kU.] Apagar um acento significa apagar os limites de

    constituintes mtricos, atribudos em etapas anteriores. Isso fica proibido, porque, estabelecidos os constituintes com os quais a palavra pronta se apresenta, eles so preservados. isso que se entende por Princpio de Integridade Prosdica

  • 45

    (2.2.5). Ento qualquer entrada de novo morfema, no nvel lexical, que lide com a palavra prosdica, isto , com acento primrio atribudo definitivamente, deve respeitar esses limites.

    Um caso tpico de prefixao em que o Princpio de Integridade Prosdica tem um papel explcito exemplifica-se a seguir, tomando-se como exemplo a palavra pronta lngua, com ditongo lexicalizado, a que se acrescenta o prefixo sub. Comparemo-la com sublime em uma derivao parcial:

    (52) [sub [lingwa+al]] [sublime] Sufixao [lingwaal] n/a Apag. [lingwal] n/a Silabao [liN.gwal.] [su.bli.me] Prefixao. [sub (liN.gwal)] Silabao [su. b.liN. gwal] Afroux da CC [sub.liN.gwal.] A formao do ataque complexo que geraria

    *su.blin.gwal fica vedada pelo Princpio da Integridade Prosdica. Por afrouxamento da Condio de Coda, a consoante b incorporada rima precedente, gerando sub.lin.gwal. Por outro lado, sublime, que contrasta com sublnea, assim como sublingual, formam ataque complexo na primeira silabificao

    As formas epentticas preferidas subilnea e subilngua indicam que a epntese est sempre disponvel.

  • 46

    E assim damos por findo este estudo que descreveu a slaba do portugus luz da teoria mtrica e da fonologia lexical, atendo-se silabificao lexical, que ocorre no processo de formao de palavras e ressilabificao ps-lexical, que ocorre aps a sintaxe.

    NDICE DE MATRIA

    i Fonottico diz respeito combinao especfica de elementos em dadas posies (comportamento ttico). ii Extraposodicidade e extrametricidade so sinnimos. Trata-se de um recurso da teoria mtrica que protege do apagamento elementos da borda da palavra, ocultando-os temporariamente com o fim de facilitar a generalizao. iii Regras morfolgicas de formao de palavra, ao acrescentarem um afixo a uma raiz e outro afixo raiz derivada e assim, sucessivamente, vo criando ciclos fonolgicos em que regras fonolgicas que se aplicam em dado ciclo podem voltar a ser aplicadas em contextos diferentes. A isso se chama processo cclico. iv Para muitos fonlogos, entre os quais Nespor and Vogel, a slaba o nvel basilar da escala prosdica formada de constituintes que so domnios de regras. domnio de regras fonolgicas como a nasalizao, a palatalizao da oclusiva dental e a sonorizao da consoante[+cont] coronal.

  • 1

    2 SNDI VOCLICO EXTERNO

    Leda Bisol (PUCRS/CNPq)

    Introduo Discutida a slaba em captulo precedente, vamos nos deter agora no sndi, nome da gramtica do snscrito para designar alteraes morfofonmicas, condicionadas fonologicamente.

    *

    O ponto de partida deste estudo o desaparecimento de uma slaba e a imediata ressilabificao dos segmentos flutuantes que passam a ser agregados slaba remanescente.

    Na linha das teorias sobre slaba, todos os segmentos tm de ser silabificados para adquirirem a estrutura prosdica minimamente necessria identificao lingstica. Segmentos devem pertencer a slabas, slabas a ps, ps a palavras fonolgicas, palavras a frases e essas unidade maior, tomemo-la por sentena ou enunciado.Isso est formalizado em (1), repetindo o que foi visto no capitulo 2, pois um dos fundamentos desta anlise. Se o segmento no for incorporado slaba ser apagado pela regra universal de Apagamento do Elemento Extraviado.

    (1) Princpio do Licenciamento Prosdico (It, 1986) Todas as unidades fonolgicas devem ser prosodicamente licenciadas, isto , devem pertencer estrutura prosdica superior.

    O portugus revela, como muitas lnguas, certas sensibilidades mtricas: sensvel ao peso silbico, pois palavras acabadas em slabas pesadas atraem o acento

    * Este estudo foi realizado sob os auspcios do CNPq.

  • 2

    (pomr, coronl), em sua maioria; sensvel ao choque de acentos, pois, na seqncia de dois acentos, transfere um deles para uma posio disponvel (caf, cafznho > cfeznho). Tambm sensvel, e esse o ponto central deste estudo, ao choque de ncleos silbicos (picos) em fronteira vocabular. Quando dois ncleos silbicos de palavras diferentes se encontram, um deles perdido, levando consigo os ns por ele projetados e, conseqentemente, a slaba que o domina.

    (2) Choque de ncleos silbicos

    A

    N

    R R

    N

    C V V

    camisa amarela > cami[za]marela camisa usada > cami[zu]sada camisa escura > cami[zajs]cura

    Se a primeira palavra acabar em vogal, ncleo de

    slaba, e a outra por vogal comear, obviamente ncleo, e no estiverem essas slabas protegidas por acento ou pausa, o choque provoca a perda do primeiro ncleo, conseqentemente, da primeira slaba.

    So esses casos referidos por sndi ou juntura externa que sero considerados. Comecemos pela eliso.

  • 3

    2.1 Eliso (EL)

    de uso geral, no portugus do Brasil, a regra que elide a vogal baixa tona /a/, em final de palavra, quando seguida de vogal diferente, incio de palavra com maior aplicao diante de o/u. Como muitas regras ps-lexicais

    1 variveis, mais favorecida por certos contextos:

    (3) a. EL aplica-se com tendncia regra geral, quando

    a vogal seguinte for labial, ou seja, posterior arredondada.

    b. El aplica-se opcionalmente quando a vogal seguinte for coronal, ou seja, frontal.

    Porque a vogal que se apaga necessariamente um

    elemento da primeira slaba sob a condio de atonicidade, pareceria estranho, primeira vista, que houvesse alguma restrio com respeito segunda slaba. No entanto os dados revelam que o acento da segunda slaba inibe o processo:

    (4) a. Segunda V sem acento (com aplicao)

    Eu estava hospitalizado esta[vos]pitalizado

    O animal era usado como meio de transporte e[ru]sado De merenda escolar eu pouco entendo meren[dis]colar

    b. Segunda V com acento, sem choque acentual

    (com aplicao) Foi feita uma pea muito bonita fei[tu]ma Ele no tinha outra soluo ti[ow]tra Agora era a sua vez

    1 Sobre regras lexicais e ps-lexicais, ver caps. 2 e 5.2

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    ago[r]ra c. Segunda V com acento, com choque acentual (sem aplicao)

    Ela toca rgo *t[k r]go mastiga erva *mast[gr]va compra ostras *cm[prs]tras

    d. Segunda V com acento, sem choque acentual (sem aplicao)

    cmoda ca *como[d]ca mastigava ervas *mastiga[vr]vas tocava orgo *toca[vr]go

    e. A segunda V com acento, mas esse no o acento principal da frase (com aplicao) Ela mastiga ervas amargas ela masti[gr] vas amrgas

    Compra ostras grandes Com[pros]tras grndes. O melhor contexto para a regra encontra-se em (4a).

    Alguns obstculos aparecem em (4b), que se resolvem pela omisso do acento da palavra funcional

    2, includo o

    verbo ser. Na verdade, a segunda V perde seu acento, neste contexto, como costuma acontecer muitas vezes com palavras formais. No est, pois, acentuada a segunda vogal. Mas (4c), com choque, apresenta forte rejeio ao processo, da mesma forma que (4d), sem choque. Isso nos leva concluso de que o choque no o empecilho, mas, sim, o acento da segunda vogal se sobre ela incidir o

    2 Diferentemente da palavra lexical, nome, verbo e adjetivo, que

    carregam um valor semntico, a palavra funcional, tambm

    denominada palavra formal, distingue-se por seu contedo gramatical.

    Entre elas, a conjuno, o pronome e a preposio.

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    acento3 principal da frase.

    Em (4e) em que as vogais

    envolvidas eram portadoras de acento no-principal, a eliso ocorre. O acento principal da frase , pois, o grande obstculo. Mais adiante, voltaremos a isso.

    Diante do exposto, podemos afirmar que o sndi est relacionado sensibilidade mtrica: rejeio seqncia imediata de dois ncleos silbicos que pertencem a vocbulos diferentes. O choque de rimas apaga a slaba final da primeira palavra e a ressilabificao (Ress.) chamada.

    (5) camisa usada > cami[zu]sada

    A

    N

    R R

    N

    C V V

    z a ukamiza uzada

    Choque

    R

    N

    C' V' V

    z a u

    Ress.

    A N

    R

    C V' V

    z a u

    AEE

    e

    A N

    R

    C V

    z u kamizuzada

    a. b. c. d.

    O choque de dois ncleos silbicos (5a) provoca a

    desassociao do primeiro e, conseqentemente, da slaba por ele projetada, deixando flutuantes C' e V' com seus segmentos respectivos (5b). Ento o Princpio de Licenciamento Prosdico impe a ressilabificao que

    3 Denomina-se acento principal o acento preponderante da frase, isto

    , o forte mais direita. Denomina-se acento primrio o acento da

    palavra, a qual, se for extensa, pode exibir tambm acento secundrio.

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    segue o mesmo procedimento da silabificao: junta a consoante flutuante ao pico silbico pr-existente, em consonncia com o Princpio de Seqenciamento de Sonoridade (PSS), formando o ataque. Assim, a consoante /z/ fica licenciada, isto , tem um lugar na pauta prosdica (5c). Isso, porm, no acontece com V' que, por no estar licenciado, apagado pela regra universal de Apagamento do Elemento Extraviado (AEE). O resultado (5d), eliso propriamente dita. H ainda a possibilidade de licenciar V', criando-se ambiente para ditongao, como veremos a seguir.

    2.2 Ditongao

    Um dos processos de sndi a dito